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diz. Os publicistas mais ordinários, isto he, que andão mais pelas mãos, como Puffendorfio, Grocio, Mello Freire, e outros a defendem; eu irei com Puffendorfio sustentando o artigo, dizendo perdoar ou commutar as penas aos delinquentes na conformidade da lei; porque certamente ha de haver leis que regulem os casos em que se deve perdoar, e como ate agora se fazia isto por consulta do Desembargo do Paço, que se accrescentem as palavras: ouvido o conselho d'Estado; e isto no lugar competente, e não aqui.

O Sr. Gouvêa Durão: - Eu não concederia o direito de perdoar, nem o de commutar as penas a poder algum, porque a todo o crime deve seguir-se um castigo impreterivelmente, e este castigo deve ser e decretado pela lei. Sei que ou todas ou quasi todas as Constituições antigas e modernas tem facultado, já as assembléas populares, já a outra autoridade o direito de perdoar; porém quizera que prescindindo nós de exemplos, baníssemos do nosso codigo fundamental um direito similhante, ou antes uma offensa, um ataque de todos os direitos, porque não posso conceber que cousa sejão graças em uma sociedade bem organizada, onde concebo que sómente deve haver justiça, e nada mais do que justiça. Se um emprego, se uma distincção ou titulo he dado a quem o merecia, não se lhe fez segundo o meu modo de pensar, graça alguma, fez-se-lhe justiça; se he dado a quem não o merecia, bem longe de se fazer com isso graça, fez-se uma injustiça: se qualquer pena he imposta a um delinquente, fez-se-lhe justiça, se he relevado da pena competente ao seu delicio, o que para elle póde reputar-se graça, foi para o todo social uma injustiça, um attentado contra a segurança publica. E me admira que homens doutos, que politicos abalizados, tenhão concebido, e defendido outras idéas sobre esta materia. Entretanto he uma verdade, que se votos muito respeitáveis se oppõe ao direito de perdoar, outros votos não menos respeitaveis o defendem, como acabo de dizer; pertencem á primeira classe todos os stoicos, Filangieri, o autor da obra intitulada, Estado natural dos povos, Pastoret, e outros, em que entra o illustre Bentham; e seguem o segundo parecer Grocio, Puffendorfio, Montesquieu, Real, e outros que contão no seu numero o nosso iilustre Mello Freire. Se porém isto he, e muito infelizmente, uma verdade, tambem he outra verdade que deduzindo todos estes o seu fundamento principal da barbaridade das leis criminaes, se reduzissemos estas á devida moderação, e por porções, os forçáramos a mudarem de opinião; e he tambem outra verdade, que se perguntassemos a estes varões insignes qual de dois governos preferirião para viverem, se um de leis bárbaras, porem impreterivelmente executadas, se outro de leis óptimas, porém de nenhuma execução, todos ou a maior parte pelo menos se decidiria por aquelle, porque em política nada ha peor que o arbitrio, que a incerteza. Montesquieu, que por ter sido um dos maiores politicos do seu tempo, não deixou de sacrificar algumas vezes a solidez das idéas ao falso brilhante de uma antithese, asseverou ou deu a entender, que a lei devia punir, e o Rei devia perdoar; isto he, que toa monarquia absoluta, a vontade premeditada e escripta do Rei devia estar em contradicção, com a vontade importunada, e talvez forçada desse mesmo Rei; e que na monarquia constitucional, a expressão da vontade geral, devia ser contrariada por aquella a quem ligava o dever de execulala; e eu reconhecendo a grande differença que ha entre mim e o escriptor francez, direi pelo contrario, que em todo o caso, em qualquer forma de governo, a lei deve mandar, e o Rei executar. He desta certeza, e só desta certeza, que podem resultar o bem geral das sociedades, e a segurança dos direitos particulares; he da inviolabilidade da lei que sómente podem resultar os bens que a sociedade promette aos cidadãos, e por consequência esse Chamado direito de perdoar, que destróe essa certeza, que invade esta inviolabilidade, he um abuso funesto, uma entidade quimérica; funesto pelas suas consequencias, 1.º porque não tem raízes na sociedade bem constituida; 2.º porque de seu uso se segue uma falta de fé publica; 3.º porque faz a lei criminal contradictoria, e aberrante do seu verdadeiro fim; e quimerico porque da reunião dos homens em sociedade não póde resultar um direito similhante para ser legitimamente exercitado por esta ou por aquella autoridade. Eu passo a desenvolver estas idéas: equivale o directo de perdoar a uma quebra da fé publica porque a lei criminal faz duas promessas solenmes, uma a todo o cidadão affiançando-lhe a sua propriedade, a sua liberdade, a sua segurança nas penas que commina ao invasor ou invasores de qualquer destes direitos; e outra a estes invasores declarando-lhes o que devem soffrer, quando violem algum ou alguns desses direitos; e no perdão ha uma quebra publica destas publicas promessas, porque nem se realisou afiança promettida áquelles, nem o castigo comminado a estes. E que he feito nesses termos da fé publica tão sagrada, tão importante neste objecto para promover e sustentar o descanço, a confiança dos bons, e o terror dos mãos? Quem se reputará seguro em um governo cujas leis promettem para faltar, e ameação para perdoar? Eis-aqui effeitos desse direito precioso, defensavel, digno de elogios, porém eu não disse ainda todos. O direito de perdoar faz alei criminal contradictoria, e aberrante do seu verdadeiro fim; contradictoria porque dizer a lei que tal acção he criminosa, e lhe compete determinada pena, mas póde perdoar-se, he o mesmo que se dissesse, tal acção he criminosa, compete-lhe esta pena, e não lhe compete pena alguma; e aberrante do seu verdadeiro fim porque este não consiste rigorosamente falando senão em evitar, em diminuir os crimes. O castigo he uma necessidade lastimosa, um mal feito a um cidadão, porém um mal indispensavel ao bem geral, e a diminuição dos crimes he na lei um merecimento, no publico um grande bem, e por isso esta he que se deve ter em vista; mas como se alcançará o desejado fim com o perdão? O que acaba de resolver o homem ao delicio he por via de regra a esperança da impunidade, assim como o que muitas vezes basta, a talvez sempre bastaria para o conter seria a indubitavel certeza do castigo; como poderá logo deixar a lei

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