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DIARIO DAS CORTES GERAES E EXTRAORDINARIAS DA NAÇÃO PORTUGUEZA.

NUM. 239.

SESSÃO DE 30 DE NOVEMBRO.

Aberta a Sessão, sob a presidencia do Sr. Trigoso, leu-se a acta da antecedente, que foi approvada.

Mandou-se annexar á acta o seguinte voto do Sr. Borges Carneiro:
Peço se declare na acta de ontem que eu votei, que os medicos, que servirão no exercito até agora, não ficassem por isso desfructando vencimentos pecuniarios pagos á custa da fazenda nacional.
O Sr. Secretario Felgueiras mencionou os seguintes officios do Governo:

1.° Do Ministro dos negocios do Reino, transmittindo a informação, a que mandou proceder pelo Desembargador Domingos Monteiro de Albuquerque e Amaral, sobre os motivos, por que se concedera um armazem em edificio nacional para a venda do papel da fabrica de Alemquer; que se dirigiu á Commissão das artes.

2.° Do Ministro dos negocios da fazenda remettendo a copia da portaria, que lhe foi expedida da secretaria de Estado dos negocios da guerra, em data de 10 do corrente, para ser presente ao soberano Congresso, a fim de decidir a duvida, que na mesma se expõe, sobre a continuação, e pagamento das pensões da dependencia da thesouraria geral das tropas, de que remette copia das relações recebidas do thesouro, aonde não constão os motivos, porque muitas dellas forão concedidas; o que se dirigiu á Commissão de fazenda.

3.º Do mesmo Ministro, remettendo a relação do rendimento do cabeção das sisas das terras da comarca de Alemquer, a qual se dirigiu á Commissão de fazenda.

4.º Do mesmo Ministro incluindo a relação dos vinhos exportados do porto de Lisboa para os da Grã-Bretanha, e os mais do globo, recebida do administrador da alfandega das sete casas; que se dirigiu á Commissão de commercio.

5.º Do mesmo Ministro remettendo o officio do corregedor da comarca de Chão de Couce com a relação do rendimento do cabeção das sisas das terras da dita comarca; que se dirigiu á Commissão de fazenda.

6.° Do Encarregado dos negocios da guerra participando haver-se expedido as ordens convenientes á contadoria fiscal da thesouraria geral das tropas, para abrir o competente assentamento a D. Maria Magdalena de Ataide Pinto, viuva do tenente Antonio Maria Pinto; e ter effeito o abono, que a favor da mesma determinou o soberano Congresso; do que as Cortes ficarão inteiradas.

7.º Do mesmo Encarregado remettendo a informação, a que se mandou proceder, sobre o requerimento de Matheus João Nunes, major do regimento de milicias de Pena-fiel, e ficando de remetter logo que a receba, a outra sobre o requerimento de Jeronymo Collaço de Magalhães, coronel de milicias da Louzã; a qual foi remettida para a Commissão militar.

8.º Do mesmo Encarregado, transmittindo a informação, a que se mandou proceder, sobre o requerimento de Agostinho Fernandes Pereira, pagador do regimento de infantaria N.° 5; que se derigiu á Commissão militar.

9.º Do mesmo Encarregado, remettendo a informação, a que se mandou proceder, sobre o requerimento de Carlos Mc Carthy da Cunha, ex-pagador do batalhão de caçadores N.º 12; que tambem se dirigiu á Commissão militar.
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O mesmo senhor secretario deu conta das felicitações da camara da villa de Oliveira de Azemeis, de que se mandou fazer honrosa menção. - Das felicitações das duas camaras da ilha Graciosa, de que tambem se mandou fazer honrosa menção; - Da representação da mesma camara sobre as necessidades, e males publicos, que actualmente affligem aquella povoação; a qual se dirigiu á Commissão de petições, para lhe dar o competente destino. - Da representação da collegiada da matriz do apostolo São Matheus da villa da Praia da ilha Graciosa, que tambem se dirigiu á mesma Commissão de petições. - Da representação do juiz de fóra da ilha Graciosa, Manoel dos Santos de Almeida Vasconcellos, que se dirigiu á mesma Commissão de petições. - Da offerta, que faz a bem do thesouro nacional o cidadão João Teixeira Mello, da tença annual de 40$ réis, que está habilitado a receber, entrando não só os dez annos, que já se lhe devem, mas tambem tudo o mais que de futuro se vencer, para o que faz entrega do seu titulo; a qual se ouviu com especial agrado, e se mandou remetter ao Governo, para proceder na forma do estilo. - De uma memoria que offereceu ao Soberano Congresso João Jeremias Layd, interprete da Commissão de policia na porto de Belem, rectificando varias idéas para se addicionarem no plano de regulamento para o ramo de policia naquelle porto, que elle formou, e teve a honra de offerecer ao mesmo Soberano Congresso; que se dirigiu a Commissão de saude publica. - E de uma participação do Sr. Deputado Araujo Lima, pedindo licença pelo tempo necessario para se restabelecer da sua molestia; a qual lhe foi concedida.
O Sr. Bastos apresentou uma representação de Jacinto José Dias de Carvalho, negociante desta cidade, pedindo que se lhe mande receber os 400$ réis em metal, que por sua mão offereceu para as urgencias do Estado José Maria da Cunha Guimarães, negociante de Pernambuco; e propondo algumas lembranças ácerca daquella provincia: foi mandada para a Commissão do ultramar.

Fez-se a chamada e acharão-se presentes 102 Deputados, faltando 20, a saber: os Srs. Quental da Camara, Pereira do Carmo, Sepulveda, Bispo de Castello Branco, Francisco João Moniz, Van Zeller, Almeida e Castro, Pereira da Silva, Guerreiro, Faria, Xavier de Araujo, Feio, Manoel Antonio de Carvalho, Gomes de Brito, Paes de Sande, Araujo Lima, Roberto Luis de Mesquita, Rodrigues Sobral, Belfort, Bekman.

Passando se a discutir o projecto da Constituição, segundo a ordem do dia, entrou em discussão o seguinte

Art. 107. Tambem não póde o Rei:

I. Impor tributos, contribuições, ou fintas algumas, directa ou indirectamente; nem tomar emprestimos.
II. Conceder privilegios exclusivos.
III. Suspender magistrados, ou fazer prender cidadão algum, salvo nos termos dos artigos 166, e 174, ou quando a urgencia do Estado exigir repentina prisão de algum cidadão; no qual caso, dentro de quarenta e oito horas o mandará entregar ao juiz competente.
Terminada a leitura do artigo, disse

O Sr. Borges Carneiro: - O numero I deste artigo está nas bases, até a palavra indirectamente; o resto delle deverá passar para o numero III do artigo antecedente, que se havia supprimido.

O Sr. Fernandes Thomaz: - Parece-me que este artigo se devia supprimir, porque está decidido que pertence exclusivamente às Cortes o impor os tributos. Se pertence exclusivamente às Cortes, he obvio que não pertence ao Rei.

O Sr. Xavier Monteiro: - Não me opponho a que o numero 1.° do paragrafo passe; mas quando diz, nem tomar emprestimos, quereria que se acrescentasse em nome da Nação, para que se os quizer tomar como particular não lhe possa ser impedido.
Procedendo-se á votação, propoz o Sr. Presidente se se approvava o numero 1.° até a palavra indirectamente, passando-se as outras palavras para o numero 3.° do artigo antecedente, e acrescentando-se no fim a clausula em nome da Nação - e se venceu que sim.

Seguiu-se o numero I, sobre o qual disse

O Sr. Girão: - De todos os artigos constitucionaes he este o mais fundado na justiça e na razão. Se o Rei podesse conceder privilegios exclusivos, poderia transtornar toda a Constituição. Que quer dizer conceder um privilegio exclusivo? Quer dizer lançar uma contribuição que peza sobre muitos cidadãos em favor só de uma corporação, ou de um particular. Se nós estabelecemos que o Rei não póde impor tributos, creio que justamente lhe prohibimos o conceder privilegios. Por tanto voto pelo artigo.

O Sr. Braamcamp: - Desejo que este artigo volte á redacção para se lhe dar maior clareza. Se por privilegio se entende as concessões que se fazem ao inventor de alguma nova descoberta por certo, e determinado tempo, não approvo o artigo; e se se entende um privilegio em monopolio do commercio, então acho muito bom. Não póde deixar de se conceder ao poder executivo a faculdade de conceder a um inventor de novas descobertas algum privilegio. Este artigo tem feito a riqueza de Inglaterra, e na Constituirão americana o introduzirão como lei fundamental, declarando que no corpo legislativo residia o poder de conceder privilegios desta natureza. Numa Constituição democratica, e a mais liberal, fizerão os Francezes uma lei em que concederão ao Rei a faculdade de dar estes privilegios, ou cartas patentes, para se poder admittir no Reino a industria estrangeira.

Esta lei foi dada em Janeiro de 1791, e ahi se determinava quaes os casos em que o poder executivo tinha direito de conceder os privilegios exclusivos não só ao inventor de novas descobertas mas ao introductor dellas. Esta lei, apezar de desapparecerem os governos, existe ainda: tal he a utilidade della. Por tanto parece-me que o artigo deve ir á redacção para que se declare que ao Rei compete o Conceder algum privilegio a favor de alguma descoberta, e que esta autoridade se deve conceder ao Rei na conformidade das leis.

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O Sr. Maldanado: - Parte do que eu ia a dizer está dito mas acrescento que as palavras conceder privilegios exclusivos são um pleonasmo; e por isso na redacção peço que se corrijão.

O Sr. Ferreira Borges: - Eu sou de opinião contraria a que o artigo torne á redacção. Aqui diz-se que o Rei não póde conceder privilégios exclusivos, e na hypothese que acabarão de determinar não se verifica o conceder o Rei privilegio algum exclusivo. Quando se fala em novos inventos, fala-se em uma hypothese que a lei já declara. A lei já lhe deu esta faculdade, e então o Rei quando concede estes privilegios não faz mais que executar a lei.

O Sr. Corrêa de Seabra: - Parece que o artigo deve ser supprimido como desnecessario, porque o conceder privilégios pertence ao poder legislativo; e quando se faça menção disto, deve fazer-se na attribuição das Cortes, e não na do poder executivo. O que se tem dito quanto aos privilégios do inventor, he certo que em todas as nações se tem concedido, e ou elles estão estabelecidos por lei, ou as Cortes os devem conceder.

O Sr. Castello Branco: - Por isso que pertence ás Cortes, e só às Cortes o conceder privilegios exclusivos, he que eu assento que o artigo se não deve supprimir, noas que se deve enunciar desta maneira. O Rei não póde conceder privilegios exclusivos, alem dos que são determinados por lei.

O Sr. Franzini: - Parece-me que he necessario conceder ao Rei esta faculdade, e que estarião dissolvidas todas as difficuldades, dizendo: Não póde o Rei conceder privilégios exclusivos, que não sejão autorizados pelas leis; por isso mesmo que ha de haver uma lei, que diga o modo de conceder os privilegios.

O Sr. Borges Carneiro: - Parece que se satisfarão os ideas de todos os Preopinantes passamolo n'este numero para o art. 105, concebido n'esta forma: conceder privilegios exclusivos na conformidade das leis.

O Sr. Moura: -Pois bem. O Rei não póde conceder privilégios exclusivos, se não na conformidade das leis. Quem he então que os concede; he o Rei, ou a lei? O que me parece he, que o que o he o de executar a lei, e por isso faz o que devo fazer sempre; e em consequencia desnecessario he o dizer-se aqui cousa alguma.
O Sr. Miranda: - O art. deve ficar como está. O privilegio concedido ao inventor não he um privilegio, he um titulo que assegura ao cidadão a sua propriedade; ha de haver uma lei que regule o modo porque se hão se conceder; ha de haver um tribunal onde se conceda etc.: por tanto deve passar o art. como está, sem declaração alguma.

O Sr. Brito: - Um privilegio exclusivo logo que existir alem do caso, he um mal tão grande para a sociedade que não se deve deixar a porta aberta nem ainda ao corpo legislativo; por ísso sou de opinião que se accrescentem estas simplicissimas palavras, a excepção dos casos de invenção de novas maquinas.

O Sr. Ferreira Borges: - Sobre a intelligencia das palavras, nada mais será necessario dizer; entretanto diz-se que he necessario que a entenda do paragrafo seja restricta às introducções de novas maquinas; porque tudo mais são ataques da propriedade; e por isso não devem ser concedidos similhantes privilegios, nem ainda pelo mesmo corpo legislativo. Ao illustre Preopinante que foi d'esta opinião .... quizera perguntar-lhe que cousa he uma companhia de seguros. Ha de responder necessariamente que he uma sociedade de homens autorisados pelo Governo para só de per si, com inhibição de todos os mais, tomar sobre si a sorte de uma fazenda dada pelo seguro, etc.; de sorte que ninguém pode tomar seguros se não aquella companhia, e todos os seguros tomados fora della são nullos; e parece que ate agora tem havido companhias de seguros com esse privilegio restrictivo da propriedade. O estabelecimento de um banco nacional, tambem exige privilegios exclusivos, de que nenhuma outra sociedade poderá participar. Eis aqui pois dois privilégios exclusivos que me lembrão, e devem existir necessáriamente, e por isso não devemos só accrescentar as palavras novo invento, ou novas maquinas, antes deve deixar-se ao corpo legislativo o decidir sobre isto como lhe parecer.

O Sr. Xavier Monteiro: - O artigo está imperfeito, e desta imperfeição nascem as differentes opiniões que ha sobre elle, portanto proponho a seguinte emenda: O Rei não pode fazer leis, nem geraes nem particulares (e nisto comprehende o privilegio, porque elle não he outra cousa mais que privata lex), nem exercer alguma das attribuições das Cortes.

O Sr. Castello Branco: - Ordinariamente succede quasi sempre que as questões ou nascem, ou tem o seu progresso de se não conservar exactamente a significação das mesmas palavras; e em unirem differentes indivíduos á mesma palavra idéas differentes: isto he o que acontece presentemente. Acabou de dizer um illustre Preopinante que o art. deveria ser supprimido, porque o privilegio não pode estabelecer-se se não por uma lei, e o Rei não pode fazer leis. Lei, assento eu que se define na Constituição, a expressão da vontade geral; mas realmente muitos actos ha de primeira autoridade que se podem na prática confundir com o que se chama lei. Está estabelecido já que o Rei pode sobre a attribuição do poder executivo fazer decretos, e os decretos para o vulgar da gente tem o mesmo effeito que as leis; nem jamais se pode fazer entender ao povo a differença do que se chama propriamente lei ao que se chama propriamente decreto: quanto mais que não he ainda claro que não possão estabelecer-se privilégios se não por lei; e eu assento que a Constituição ou lei fundamental que deve ser clara, deve evitar todas as duvidas, e em consequência que o paragrafo não deve ser supprimido. Deve sem duvida haver uma lei que determine os casos em que se pode conceder este privilegio exclusivo; e que prejuizo poderá então haver em que se declare na Constituição que o Rei não pode conceder privilégios exclusivos, se não os que são determinados por lei, a fim do evitar qualquer engano que possa haver para o futuro?
Declarada a materia sufficientemente discutida,

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Propoz-se á votação se se approvava o n.º II, como está - decidiu-se que não. Propoz-se mais se se approvava a suppressão do numero, como propoz o Sr. Corrêa de Seabra - decidiu-se tambem que não. Propoz-se mais se se approvava a emenda que offereceu o Sr. Xavier Monteiro - decidiu-se igualmente que não. Propoz-se depois se se approvava a emenda proposta pelo Sr. Borges Carneiro, e concebida nestes termos: que he decrescente no art. 105, como uma das attribuições do Rei, o seguinte: conceder privilégios exclusivos em conformidade das leis - e se venceu que sim. Conseguintemente ficou sem efieito a emenda que propoz o Sr. Franzini.

Seguiu-se o numero III, e depois de uma breve discussão propoz o Sr. Presidente a votos, 1.º se a primeira parte ficava adiada para se discutir quando entrarem em discussão os artigos a que se refere - venceu-se que sim. 2.º Se a segunda parte que principia nas palavras ou guando a segurança, se approvava tal qual está - venceu-se que sim. 3.º Se no numero terceiro se devia declarar que o não póde alienar porção alguma de território, como havia indicado em additamento o Sr. Miranda, e se tinha reservado para este lugar venceu-se igualmente que sim.
Sendo própria tambem deste lugar a indicação do Sr. Pillela, proposta como additamento ao art. 107, fez o Sr. Secretario Freire a 2.º leitura delle; e em seu apoio disse o seu illustre autor.

O Sr. Villela: - Desgraçadamente muitos são os exemplos de Reis capitães que abusarão do exercito para opprimir a liberdade dos povos. Um porém só que referisse a historia bastaria para nos devermos acautelar. Lembremo-nos de um Gustavo que derribou a Constituição da Suecia. Um Rei guerreiro acostumado a despotismo militar não póde ser Rei constitucional. Alem disto, elle he inviolável na sua pessoa pela Constituição; como poderá pois ser responsavel por uma campanha mal dirigida, por um successo desastroso? Nem convém que se exponha aos casos da guerra sempre incertos, e arriscados. A perda d'ElRei D. Sebastião na africa, foi a da liberdade portugueza. A restituição de Francisco I, prisioneiro na batalha de Pavia, custou á França condições muito desavantajosas. Por tanto julgo que importa á felicidade e liberdade da Nação o não poder o Rei, nem o herdeiro da coroa, commandar o exercito pessoalmente, ou qualquer força armada.

O Sr. Sarmento: - Apezar das observações do illustre Preopinante, voto contra a sua indicação, porque me parece que nos casos extraordinários todos os recursos fysicos e moraes se devem concentrar, para apresentar ao inimigo uma tal força, que zombe dos projectos mais atrevidos para subjugar uma nação; e nada póde animar um extremo um exercito, e uma nação, como a presença do seu Rei exposto aos riscos, e querendo participar da mesma gloria, ou da mesma desgraça. Se a historia subsiste alguns factos em apoio da opinião do illustre Preopinante, não são poucos os exemplos que a historia apresenta em abono da minha opinião. O illustre Preopinante lembra-se dos acontecimentos políticos da Suécia no reinado de Gustavo III. Seguramente não se poderá attribuir ao espirito militar do monarca a revolução que teve lugar: ella foi filha de facções, e partidos que então agitavão a minha nação sempre ciosa da sua liberdade; porém que não tem deixado alguma vezes de ser influída por essas causas. No mesmo reinado de Gustavo III, foi elle surprehendido no meio dos seus planos pela força das facções; e a não serem ellas, talvez elle tivesse lavado a nódoa de Pultowa, na mesma capital do império russiano, na cidade fundada por Pedro Grande vencedor do guerreiro antepassado de Gustavo III: já o som da artilheria sueca se ouvia nos domínios de Catarina II, e pelo menos das vidraças do seu palácio serião despedaçadas, se acontecimentos internos da Suécia não fizessem parar o seu monarca naquella atrevida e gloriosa preza. Não se póde por tanto suppor naquelle monarca a influencia do espirito guerreiro; antes o seu génio militar viu paralysados os seus projectos, cedendo á influencia das causas que os faz ao sustar. Como seria triste, e humilhante a sorte da Inglaterra, se o seu Rei Jorge II se não achasse presente na batalha de Dettingen, para animar o seu exercito, e vencer forças tão superiores; pelo menos a casa de Hanover teria sido expulsa de reinar em Alemanha. Se Gustavo Adolpho não se puzesse á frente do exercito, e viesse sacrificar a sua vida nas planícies de Lutzen, toda a Alemanha ficava á discripção da ambição da casa d'Áustria; e então poderia mais do que em outra occasião dominar na Europa, e atacar a independência de todos os povos. Se entre nós se apresenta um desastrado acontecimento, muitos tiverão lugar, em os quaes a presença dos Reis nos exércitos salvou a nação. Se EIRei D. Affonso IV não fosse às margens do Saládo, talvez ainda hoje estivéssemos sujeitos ao jugo dessa canalha de Serranos. Julgo portanto muito útil a presença dos Reis nos exércitos nos casos de emergência política, e tão extraordinários, em que a pátria possa correr perigo. ElRei D. João I quando receava que a fortuna o abandonaria, quiz retirar-se para Inglaterra: obstarão-lhe, e o resultado foi a independência de Portugal.

O Sr. Miranda: - A desgraça de Portugal toda, data do tempo de D. Sebastião. He sem duvida incompatível a inviolabilidade do Rei com dar-se-lhe o commando da tropa. Por lauto apoio a indicação do Sr. Mouta em quanto ao Lei; e pelo que pertence ao Príncipe Real deve-se isto tratar no lugar competente.

O Sr. Castello Branco: - Julgo que he evidente que em circunstancias de uma guerra extraordinária o chefe do Poder executivo não deve desamparar a capital da Monarquia para ir commandar o exercito. Elle he encarregado das funcções militares, e das funcções de que muito pende a segurança e tranquillidade publica, como chefe do Poder executivo. Ora as outras que se lhe encarregassem necessariamente o havião distrahir daquellas; e por tanto far-se-hia um transtorno na administração geral do Poder executivo. Acho pois que segundo os mesmos princípios constitucionaes elle não deve commandar o exercito. Quando porem se trata de uma guerra de invasão,

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de uma guerra que ameace a Independencia nacional, então nós já determinámos que nessa crise arriscada o Congresso daria as providencias que lhe parecessem convenientes; e quando nessas crises arriscadas se apresentar um Rei, que tenha os talentos militares, que mereça a confiança absoluta da Nação, e mesmo do Congresso, interessando-se pela independencia e liberdade publica da Nação, sem confundir os interesses próprios e particulares, então a propria Assemblea dos Representantes da Nação será a mesma que commetta a um Rei revestido de todas estas circunstancias o commando do exercito, e então he preciso que se faça nova declaração para isto. O Congresso tem reservado toda a autoridade nestas crises extraordinárias em que he arriscada a independência nacional, e quando elle poder pôr toda a confiança no Rei , quando este tiver os talentos militares com preferencia a outro qualquer cidadão, quando o Congresso julgar que elle só he capaz de salvar a pátria, então o Congresso será o mesmo que o chame para este emprego de commandar o exercito.

O S. Maldonado: - Eu não quizera que se experimentassem os talentos militares de um monarca. O monarca he o primeiro magistrado da Nação, que deve ter uma collocação correspondente ao seu alto emprego. Para se ser grande general he preciso que se tenhão estudos militares muito longos, sem os quaes não se crião bons generaes. Por tanto se applicarmos o succeder a corôa para ser general, fazendo-o consumir muitos e muitos annos nos estudos próprios para tal objecto, o iremos distrahir daquelles que o devera principalmente occupar, que são os que tornarem tão bom o seu coração, e tão luminoso o seu entendimento, que o constituão digno de ser o primeiro magistrado da Nação. Fundado neste motivo apoio a opinião do Sr. Villela.

O Sr. Pessanha: - Se he verdade que o primeiro Rei foi um soldado feliz, tambem he certo que o primeiro Rei que escravizou os povos foi um Rei afortunado nas suas expedições militares. A Republica romana perdeu a liberdade por prolongar por muito tempo o commando aos procônsules. Julio Cesar preparou-se pela conquista da Gallia para estabelecer em Morna o poder arbitrario. Por tanto numa monarquia constitucional se se der a faculdade ao Rei de communicar o exercito, a liberdade ha de correr grande perigo. Foi isso sou de voto que nunca se conceda ao Rei o commando do exercito. Se ha exemplos muito favoráveis dos Reis salvarem o Estado, tambem ha exemplos de perderem o Estado, de se perderem a si mesmos, ou voltarem as armas contra a liberdade da patria.

O Sr. Corrêa de Seabra: - Eu apoio a opinião do Sr. Sarmento, de que se não prive na Constituição o Rei do cominando da força armada. Alem dos exemplos que o dito illustre Preopinante apontou, do bom resultado do cominando dos exercitos pelos mesmos Reis, lembro o de Frederico 1.°; e limitando-me á nossa historia tenho a lembrar o Sr. D. Affonso Henriques, que fundou a nossa monarquia; o Sr. D. Affonso 4.º na batalha do Salado, que já foi lembrado; o Sr. D. João 1.º que commandou a batalha de Aljubarrota, e a expedição de Ceuta. He verdade que o Sr. D. Sebastião foi infeliz commandando o exercito na Africa; mas sendo este o único, e com circunstancias particularissimas, que vemos na nossa historia, determinar-nos-hemos por elle esquecendo-nos de tantos, aos quaes ou devemos a nossa existência política, ou a nossa gloria, e prosperidade? Não devendo esquecer-nos que muitos povos já estarião riscados dos catalogos das nações livres se os seus monarcas se não puzessem á frente dos exércitos. Tem-se pretendido defender a indicação com o argumento de que o Rei se póde aproveitar da influencia que lhe dá o commando do exercito para destruir a liberdade, e reforçado o argumento com os exemplos de Julio Cesar, e augusto. Isto não he exacto; se o commando do exercito podo dar influencia em forma que possa produzir esse effeito, mais perigoso he que ganhe essa influencia o general do que o Rei; porque este mui facilmente póde alliciar esse general, e aproveitar-se dessa influencia para o dito fim quando para alliciar o exercito necessita de empregar meios, que offendem mais a delicadeza. O exemplo dos Césares he mal applicado; Roma teve Fabios, Seipiões, ele que merecerão da nação, e do exercito maior confiança que os Césares, e que não forão menos ambiciosos os dois Césares declarão-se contra a liberdade e duminão a nação. Não perdeu por tanto Roma a liberdade pela influencia, que o commando do exercito deu a estes generaes; perdeu-a, porque estando no seu cumulo a devassidão, e corrupção de costumes, e a forma do governo da republica transtornada pela turbulencia e facções dos Tribunos, e reduzida a uma democracia, os Romanos nem sabião, nem podião ser livres, e a liberdade de Roma forçosamente havia de ser preza do primeiro, que ou fosse general ou cidadão, aos talentos necessarios juntasse popularidade. Pelo que lembrando-me de que a Europa deve a sua liberdade ao commando dos exércitos pelos seus Reis na ultima guerra, voto contra a indicação.

O Sr. Sarmento: - Não me convencem as razões do illustre Preopinante; devo explicar-me, por que parece-me que não fui bem entendido: eu propunha que sómente em casos muito extraordinários tomasse ElRei, ou o Principe o mando do exercito era quando os exércitos são commandados por Principes, he porque elles tem propensão para a guerra, porque os que não são aptos para ella não se arriscão a commandar exercitos. Convenho que presentemente a guerra he uma arte, e tem principios e theoria; porém tanto na antiguidade como nos tempos modernos os generaes nascerão, e não se fizerão; esta he a razão, porque dizia Seipião: Minha mai me pario general; e tambem porque Annibal escarneccia de um mestre, que pretendia da cadeira ensinar a arte da guerra. He nos arraiaes, he no campo, e nos combates, onde está a escola da guerra, e pode-se dizer que os maiores generaes do mundo, tanto antigos como modernos, frequentarão mais essa escola.
Quando a independencia, e a liberdade correram risco, e todos os recursos fisicos e moraes forem necessarios para concentrar uma força tal, que seja o unico meio da salvação da patria contra um inimigo impetuoso,
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não sei porque não lançaremos mão de um recurso tão poderoso como o da influencia da presença de um monarca, que pretende participar da mesma fortuna que se depara aos seus subditos; e se he decoroso morrer pela patria, quanto não he glorioso para um Rei, ou um Principe morrer combatendo ao lado dos seus nacionaes. Em Esparta, onde só se respirava independencia, e liberdade, a principal, e talvez a unica obrigação dos Reis era a de capitanear os exércitos. Eu referi, a primeira vez que falei nesta materia, exemplos bem convincentes de utilidade da presença dos Principes no campo da batalha; a historia esta cheia delles.
O Sr. Serpa Machado: - Parece que a doutrina do artigo involve muita generalidade. Não póde deixar de se convir em que ha grandes inconvenientes em dar o cominando do exercito ao Rei; mas tambem hão se póde deixar de confessar, que havera circunstancias criticas em que a presença de Um Rei, de um general acreditado faz decidir uma batalha, que alias se não obteria; e por isso nestas circunstancias criticas se devera dar ao Rei o commando do exercito. Neste estado pois julgo que o melhor he deixar a deliberação das Cortes o consentir que o Rei va commandar o exercito, quando as circunstancias o exigirem; e com esta emenda assento que podera ler lugar o artigo. Quanto aos factos históricos, não podem servir de regra, porque temos factos históricos em que os Reis tem compromettido a Nação, e temos outros em que a salvarão.

O Sr. Gouvea Osorio: - Se nós pomos o Rei á testa do exercito, então não temos Constituição.

O Sr. Miranda: - Eu sustento com todas as forças a indicação. O maravilhoso do systema constitucional consiste em ter os poderes divididos, verificar a responsabilidade, e conservar a liberdade individual. He precisamente em tempo de guerra que sé deve ter toda a cautela em conservar a liberdade da Nação. Quando se adquire gloria militar, hé então que eu julgo o momento critico de se perder esta liberdade. Ja la vai o tempo em que nós poderiamos esperar que os soldados havião de combater com mais coragem por ter o Rei do exercito. Se elles não tiverem amor a Nação como cidadãos, se elles não tiverem desejos de salvar a Nação, não ha de ser sem duvida a vista do Rei no exercito, a que os ha de animar. O que vão fazer os Réis às batalhas? Eu assento, que vão estabelecer os cortezãos, e os aulicos, onde não deve haver senão soldados e guerreiros. He anti-politico, he anti-constitucional que o Rei possa em qualquer caso ter o cominando do exercito.

O Sr. Xavier Monteiro: - Se houvesse alguma circunstancia em que eu preferisse a
Gloria da Nação a sua liberdade, poderia admitir esta hypothese de se dar ao rei o commando do exercito; mas como eu não posso nem devo admitir este principio, voto que o Rei não possa commandar o exercito, nem parte alguma delle. Os exemplos da historia são exemplos do tempo do despotismo, e então neste caso a gloria valia tudo, e a liberdade nada. De mais esses Reis que forão apontados como exemplos da fortuna e gloria militar, não tinhão nascido para Reis.

Taes forão D. Affonso Henriques, e D. João I Frederico Grande, pela extensão do seu genio militar alcançou grande gloria, mas ninguem me dira que os Prussianos ficarão mais livres nem mais felizes do que d'antes. Quanto mais, que para ser admittida a indicação basta lembrar que a arte da guerra hoje differe tanto da antiga, que não he possivel ser hoje grande general como antigamente.

Antigamente sabia-se pouco d'esta sciencia, e o valor pessoal suppria em grande parte a falta de saber; mas hoje que esta sciencia tem variado absolutamente de principios depois da invenção da polvora, raras vezes um Rei póde estar ao alcance de commandar um exercito. Por tanto sou de opinião que ao Rei se não commetta nem o commando do exercito, nem de parte alguma delle.

O sr. Moura: - Em um governo constitucional, com os poderes divididos, sendo o objecto do systema o equilibar os poderes, dar o commando do exercito ao Rei, seria uma cousa a mais absurda que houvesse ma Constituição. Em qualquer hypothese, ou o Rei he feliz ou infeliz; se infeliz estava destruida a lei da responsabilidade, diminuia-se o credito do Rei, a sua reputação; o poder real ficava quasi anniquilado, e compromettido. Supponhamos que o Rei era feliz, e augmentava as conquistas; que seria da liberdade da Nação? Segundo o meu sentimento julgo, que a excepção de Washington não houve Rei que fosse feliz no campo, que não fosse despota na sociedade; por isso voto pelo additamento.

O sr. Castello Branco: - Ouvi dizer ha pouco que em caso de guerra ordinaria não convinha que o Rei tomasse o commando do exercito, mas que no caso de uma guerra extraordinaria que ameaçasse a existencia e independencia do Estado, as Cortes nesse caso se reservassem o dar as providencias que em outro caso erão dadas pelo Poder executivo; e emtão quando se apresentasse um Rei que preenchesse todas as qualidades para commandar o exercito, e merecesse a confinaça absoluta da Nação, as Cortes se havião de conferir a outro commando, o poderião dar a elle. Todas as razões que se tem dado contra isto são as mesmas que então quando se verificar este caso as Cortes existentes devem ter em consideração. Se acaso ha esse perigo, o qual reconheço tambem; se acaso a prudencia exige que se não entregue mesmo nesse caso extraordinario o commando ao rei, se nelle se vir que póde perigar a liberdade publica, por essas mesmas razões as Cortes então existentes lhe não darão o commando. Nós devemos suppor sempre que o Congresso nacional he animado do espeirito proprio a guardar a Constituição, e a pugnar pela liberdade publica; e então não teremos nada a recear, porque as mesmas razões que se apontarão aqui para que o commando se não dê ao rei em casos extraordinarios e arriscados, devem persuadir as Cortes d'então para lhe não darem o commando. Mas agora voltemos o caso, e supponhamos que as Cortes existentes não são animadas do mesmo espirito da liberdade; supponhamos que as Cortes de então estão dispostas a entregar a liberdade publica; supponhamos que existe um Rei que possue todos os talentos militares, que merece a confiança da nação. Se desgra-

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çadamente se dá este caso, que importa que nos lancemos na Constituição uma prohibição para o Rei commandar o exercito. Se o Rei tem talentos, se o rei merece a confiança da Nação, se as cortes não são animadas do espirito que convem á liberdade publica, que importa a Constituição? Deve necessariamente acabar; a nação desgraçadamente ha de perder a sua liberdade. Por consequencia eu não julgo que seja preciso uma prohibição expressa das Cortes para que o Rei tome jámais o commando do exercito, quero dizer, julgo que não he preciso ligar as Cortes futuras com essa prohibição; porque as Cortes alhando para a felicidade publica considerão todas as razões, e se a nação está animada deste espirito, e o Rei tem talentos, então não resta senão uma grande revolução, cujo exito póde ser incerto, e a Constituição neste caso talvez vá em acabar.

O sr. Baeta: - He um dos principios que devem ser consignados na nossa Constituição, este que actualmente estamos tratando; elles são de tal clareza, que não devem esquecer. Estou persuadido que em qualquer das alternativas he funesto á nação o ter o rei o commando do exercito, ou elle seja infeliz, ou feliz. Se infeliz já está ponderado que elle não tem responsabilidade; se elle he feliz então ai da liberdade. Diz o illustre Preopinante, que se as Cortes são fieis a causa da liberdade, se ellas amão a liberdade de coração, ellas porão barreiras ao espirito ambicioso do rei; e que se o não são ai da liberdade. Então digo, porque as Cortes futuras podem ser infieis á causa da liberdade, he que nós devemos evitar que se approveitem desta arma.

O sr. Pamplona: - Não posso deixar de apoiar a emenda do Sr. Serpa. O rei he o chefe natural da força armada, por isso deve conceder-se-lhe o comando do exercito. Independentemente disto, tirar-se-lhe a occasião de fazer os maiores sacrificios defendendo o seu paíz, he uma cousa bem dura para todo cidadão portuguez. Os exemplos do perigo em que entrou a liberdade em França, pela victoria que alcançárão os generaes, não milita para este caso.

Aquelles generaes quizerão chegar ao lugar em que estava o rei, e chegarão porque estava vazio aquelle logar de sorte que a desgraça da nação franceza foi por estar vazio o Throno. Um rei não póde chegar a maior gloria do que a de defender o seu paiz. Por tanto conceda-se-lhe este poder.

O sr. Moura: - Sr. Presidente, tenho achado uma causa singular em toda esta discussão, e he, que os illustres Preopinantes que se canção em mostrar, que ao Rei deve competir o commando da força armada, pelo menos não contestão os riscos que ha, e o confessão não se cansando em mostrar qual he a utilidade de que ha em o Rei commandar o exercito, não sopondo que o rei he de talentos raros para se lhe confiar um tal commando. O que acaba de dizer o illustre Preopinante não conclue, porque o argumento do illustre Preopinante he, aquelles que generaes que commandarão o exercito, e que dessa gloria se servirão para subir ao suppremo poder, tinhão esse poder a que subir, e os reis não tem já outro poder a que subão. Engano manifesto: pois n'uma nação em que ao Rei compete só parte do poder, não se poderá elle servir dessa gloria militar para subir ao sumino gráo do poder? Se estivessemos no tempo do poder arbitrario em que os poderes todos se concentavão em um só homem, então sim. Mas n'um governo constitucional em que parte do governo publico pertence a outra pessoa, ou moral ou collectiva, não póde o Rei por effeito da sua ambição fazer degráo da sua gloria para se apoderar de todo o poder? Sem duvida. Este argumento não tem replica alguma, nem resposta.

O sr. Borges Carneiro: - A grande regra que rege em todo o systema constitucional he, que o principio da acção está todo no Rei; porém não essa acção. Ao rei pertence dar o impulso, mas ser elle o mesmo que obre, he contra o systema constitucional que sempre induz nos agentes uma responsabilidade que he imcompativel com a inviolabilidade do Rei. Que seria se o Rei commandando uma força armada, delinquisse neste commando, ou por desgraça abusasse delle para subverter a Constituição e as liberdades da Nação? Como seria elle responsavel por isso? Se pois o Rei não pode ser presidente de uma relação, tribunal, ou universidade, tambem não póde commandar pessoalmente. O Rei dá impulso a todos os empregos; e não póde servir nenhum. E por quanto o contrario desta doutrina he anticonstitucional, deve ella ser espressa e não ficar omissa na Constituição.

O sr. Pamplona: - Póde succeder o que diz o Sr. Moura, porque tudo he possivel; mas não he possivel, e não he provavel que as Cortes queirão entregar o commando do exercito ao Rei, senão no caso extraordinario em que seja util que o Rei commande o exercito. Diz-se que não ha utilidade nenhuma; eu digo que ha toda. O que faz necessariamente o primeiro magistrado da Nação, he dar impulso muito maior a todo o exercito, e fazer talvez produzir o bom resultado de uma batalha. Por tanto estou ainda na mesma opinião.

O sr. Margiochi: - Eu creio que os povos que tem estabelecido o systema constitucional, e dividido os poderes entre o corpo legislativo, e o chefe do Poder Executivo, não quizerão que a este se deixasse a possibilidade de cobrir-se de gloria militar. Foi uma especie de ostracismo mais justo que o dos Athenienses, que erão tão zelosos da sua liberdade, que quando tinhão homens que fazião grandes serviços militares, degradavão-se por 10 annos; de sorte que o degredo era uma especie de honra, ao mesmo tempo que era segurança. Ora o poder real já he um poder extraordinario, por isso que faz todas as mercês; he já tão ameaçador da liberdade, que he preciso todas as garantias para conservar esta liberdade. Agora se a este poder real, hoje cheio de muito lustre, se juntar tambem a gloria adquirida pelas armas, então de certo a liberdade fica em risco tal, que os Athenienses não degradarião o glorioso por 10 annos, mas para sempre; e não o deixarião tornar á sua patria. Eu assento por todas estas razões, que o additamento he muito justo.

Julgando-se o assumpto sufficientemente discutido,

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propoz o Sr. Presidente á votação se se approvava que o Rei não podesse pessoalmente commandar a força armada, e vencesse que não podesse. A 2.ª parte da indicação do Sr. Villela, ficou reservada para o artigo 110.
Entrou em discussão o seguinte:

Art. 108. O Rei, antes de ser declamado, prestará perante as Cortes na mão do presidente dellas o seguinte juramento : "juro defender a relegião catholica apostólica romana; ser fiel á Nação Portugueza; observar e fazer observar a Constituição politica decretada pelas Cortes extraordinárias e constituintes no anno de 1821, e as leis da mesma Nação e promover a bem geral della, quanto em mim couber.

Concluída a leitura do artigo, disse:

O Sr. Ferreira Borges: - Parece que se devia accrescentar aqui alguma pena, e que esta fosse a da abdicação.

O Sr. Maldonado: - Parece que isso não tem lugar. O Rei jurou as veses sem aquella declaração; nós todos prestámos tambem o juramento sem se nos impor pena alguma: por tanto siga o Rei o mesmo destino que nós. Mas o que eu quereria era, que se tirassem as palavras ser fiel á Nação Portugueza. Em que está o ser fiel á Nação Portuguesa? Está sem dúvida em observar a Constituição. Por consequencia dizendo-se no juramento observar, e fazer observar a Constituição, está dito tudo, e he escusado dizer ser fiel á Nação Portugueza. De mais estes juramentos privativos de fidelidade não me agradão; devemos guardar fidelidade a todos. Para que he dizer que EIRei será fiel á Nação Portuguesa, sendo indubitável que elle deve ser fiel a todas as Nações?

O Sr. Corrêa de Seabra: - Lembro novamente as reflexões que já fiz ao artigo 100, por occasião da convocação extraordinária das Cortes quando vagar a coroa.
Procedendo-se á votação ficou approvado o artigo 108; e abriu-se a discussão sobre o seguinte

Art. 109. O herdeiro presumptivo da corôa terá o titulo de Príncipe Real; os outros filhos do Rei e os do Príncipe Real terão o de infantes; estes titulos não podem estender-se a outras pessoas, nem conferem algum privilegio ou exempção do direito, que he commum a todos os cidadãos.

O Sr. Sarmento: - Desejo apresentar á sabia consideração do Congresso um reparo ácerca do que se propõe neste artigo. Parecia-me mais conveniente que o herdeiro presumptivo da corôa tomasse antes o titulo de Duque de Bragança do que o de Príncipe Real. Este ultimo titulo he uma servil imitação da Constituição Franceza de 1791 adoptado pelo ministerio do Rio de Janeiro, quando o Brazil foi elevado a Reino. O titulo de Duque de Bragança já pertence ao herdeiro do throno, e afora essa razão tem na minha opinião vantagens a conservação só desse titulo, porque trará sempre á lembrança do herdeiro da coroa, que a soberania reside em a nação, e que for ao os Portuguezes, que em 1640 chamarão do pacifico retiro de Villa Viçosa um ascendente da dynastia reinante, e que de simples súbdito o elevarão ao throno portuguez. Ninguém duvidará quanto são vantajosas similhantes recordações, porque os povos se algumas vezes se tem lembrado de pôr em pratica os seus direitos he porque os Reis sé tem esquecido delles; e conservar na lembrança dos Príncipes que a autoridade dos Reis provêm da Nação he da maior utilidade. Proponho por tanto que o Herdeiro da corôa portugueza tenha o titulo de Duque de Bragança.

O Sr. Maldonado: - Eu quizera que se chamasse Príncipe Constitucional, para que trouxesse sempre na lembrança o roais sagrado dos títulos, porque se póde subir ao throno.

O Sr. Braamcamp: - Creio que o Principe Real deve chamar-se Principe da Beira.

O Sr. Corrêa de Seabra: - A respeito da segunda parte deste artigo tenho a dizer que as palavras não conferem algum privilegio etc., devem ser supprimidas; porque os príncipes e infantes gosão de alguns privilégios de que não gosão todos os cidadãos; nem pode deixar de ser assim, porque aliás se degradarião da sua alta dignidade; por exemplo o privilegio do foro, e certas honras e distincções.

O Sr. Moura: - Eu não estou por aquella doutrina. O titulo só de per si não concede privilegio algum. Poderá a lei fazer alguma excepção a respeito do Principe Real, e dos infantes, mas o titulo não.

O Sr. Annes de Carvalho: - Eu assento que o parágrafo deve ir á redacção. Não he exacto o dizer-se, que o titulo do Príncipe Real, ou dos infantes não dá privilegio algum.

O Sr. Borges Carneiro: - Poderia conceber-se este período nesta forma: "Estes títulos não conferem privilegio algum, salvo no que a Constituição, ou leis designarem.~

O Sr. Corrêa de Seabra: - A mim parece-me que isto deve supprimir-se pelas razões já apontadas, e insisto nellas.

O Sr. Rodrigo Ferreira: - Todavia, Sr. Presidente, apesar destas razões, eu considero essencial se declare o que se acha no artigo. He verdade que o Príncipe e infantes hão de ter alguns privilégios, mas não a exempção do direito que he commum a todos os cidadãos, e por isso he essencial que se declare.
Declarada a matéria suficientemente discutida propoz o Sr. Presidente a votação: 1.º se se approvava a 1.ª parte do artigo como está, com a declaração de que o filho primogénito do Príncipe Real tenha o titulo de Príncipe da Beira - venceu-se que sim: 2.ª se se approvava o primeiro período da segunda parte ate às palavras a outras pessoas - venceu-se tambem que sim: 3.ª se o resto devia supprimir-se ou conservar-se, pondo-se com tudo em maior clareza - e se venceu que se supprimisse.

Entrou em discussão o seguinte

Art. 110 Os Infantes não podem servir nenhum emprego publico electivo; quanto aos que são nomeados peto Rei, os podem servir, excepto os de ministro e conselheiro de Estado, embaixador, general commandante do exercito ou armada, e presidente ou ministro dos tribunaes de justiça.

Feita a leitura do artigo, disse

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O Sr. Sarmento: - Contém este artigo duas disposições em geral. Primeiramente se determina que os infantes não podem servir empregos electivos, sem excepção alguma. Em segundo lugar, enumerão aquelles empregos da nomeação de EIRei, para os quaes não podem os infantes ser nomeados. Eu não posso descobrir quaes sejão os empregos, que ficão, para os quaes os infantes podem ser nomeados; porque me parece que os de Mordomo-mór, e os do serviço do paço são abaixo da sua alta herarquia. Sou de opinião que os infantes possão ser eleitos Deputados em Cortes: são Membros da Nação, devem gozar do mais importante direito de cidadão, nem a qualidade de Príncipe exclue o amor da liberdade, e da Constituição: eu vejo em um dos Congressos da Europa figurar um Príncipe, e destinguir-se tanto ou mais do que os maiores patriotas da sua terra em amor á sua pátria, e á Constituição estabelecida pela sua Nação: he o duque de Sussex ; e ninguém dirá que o patriota por ser de mais inferior condição na sociedade lança a barra mais adiante delle, nem he mais liberal, quando se tratão objectos em que interessa a Constituição, e a liberdade.

O Sr. Moura: - Quando ha uma familia aquém a Constituição attribue o poder executivo, esta está em uma situação muito differente com as mais famílias. O poder executivo he hereditario naquella familia, he o seu património particular, e por isso todos os mais empregos lhe devem ser extranhos por esta razão, porque aquella família he só destinada a substituir a primeira magistratura da Nação, e por isso a sua partilha na delegação do poder publico já está feita. He a única família que tem um patrimonio muito diverso do que tem as mais familias do Estado; e por isso a família Real deve ser excluída da qualidade de cidadãos activos, e isto ainda muito mais se attendermos á influencia que podem ter nas eleições, etc.

O Sr. Villela: - Convenho no que diz o Sr. Moura; entretanto tenho uma pequena dúvida e escrúpulo que desejava que os illustres redactores do projecto me tirassem. Diz-se no art. nenhum emprego electivo. Ha um emprego electivo que serve o infante, que he o de presidente da academia das sciencias; e se se entender o art. em toda a extensão poderia o infante ser inhibido deste emprego. Quereria pois que se me dissesse se o art. tão bem se entende ou não a este respeito. (Alguns dos Srs. Deputados disserão que não.)

O Sr. Braamcamp: - Quereria que se declarasse aqui, que as Cortes podem nomear os infantes, conselheiros d'Estado.

O Sr. Corrêa de Seabra: - Isto deve ser supprimido; porque dá a entender que os infantes são inimigos da nova ordem; e se a Constituição sancciona esta supposição, he de esperar que elles suppostos inimigos lhe declarem guerra. Alem disso, se para estes empregos os escolhe a nação, porque razão havemos de privar a da liberdade de os escolher se nelles tiver confiança? A Inglaterra bem livre he, e não duvida como já observou um illustre Deputado, escolher para os mesmos lugares do parlamento os membros da família Real. Os infantes tambem não devem ser excluídos do commando militar, nem de poderem ser nomeados conselheiros d'Estado; e nesta parte apoio o Sr. Braamcamp.

O Sr. Pamplona: - Concordo com os illustres Preopinantes que excluem os membros da família Real dos empregos electivos, porque já se disserão razões que são obvias a todos, da influencia que elles poderião ter para captar os votos; porem apoio a emenda do Sr. Braamcamp a respeito dos conselheiros d'Estado, e a respeito do general Com mandante, porque aqui não hao mesmo perigo que poderia haver a respeito de outros casos.

O Sr. Miranda: - Acommodo-me com as idéas do Sr. Moura. Para taes cousas como o ser presidente da academia, convenho, que possão ser eleitos os infantes; mas agora para outros Cargos, em que elles podem ter influencia política, e principal mente para conselheiros d'Estado, não admitto. Diz-se que he justo que ali apparecessem os infantes para adquirirem os talentos, e aprenderem a arte de governar; eu digo que os conselheiros não hão de ser aprendizes, hão de ser mestres; isto he que eu não posso considerar nos infantes. Por tonto, em que elles vão e assistão ao conselho, estou eu; mas que sejão conselheiros, não posso convir.

O Sr. Serpa Machado: - Parece que não ha razão nenhuma para deixar de admittir que os infantes, sejão conselheiros d'Estado. O que diz o Sr. Miranda he na supposição de serem os infantes conselheiros natos; mas como esta hypothese he falsa, e os conselheiros hão de ser electivos, parece não poder ter lugar a razão do Sr. Miranda. Outra cousa digo eu a respeito do Príncipe real; o que eu digo he, que este parece deverá ser o presidente do conselho, na ausência d'ElRei.

O Sr. Sarmento: - Parece que o Sr. Miranda põe os infantes numa espécie de meninice continuada, o que não se pode suppôr. Nos temos exemplos de infantes muito sábios, e para não cançar a Assembléa lembrarei só os filhos de D. João primeiro, que forão sem duvida os melhores conselheiros que teve D. Duarte. Por tanto eu julgo, que pode muito bem acontecer que os infantes sejão pessoas de tal saber, que as mesmas Cortes os proponhão a El Rei para seus conselheiros; e por isso não acho inconveniente algum em que elles possão ser eleitos.

O Sr. Borges Carneiro: - Que o Principe real possa servir de presidente do conselho, não me parece desarrazoado, substituindo nisto ao Rei seu pai, a fim de começar a acostumar-se às conferencias e discussões deste collegio de sabios. Quanto porém a serem os infantes conselheiros d'Estado, tenho bastante duvida pela influencia que podem ter sobre os outros conselheiros, e trazelos às suas opiniões.

O Sr. Xavier Monteiro: - Ainda que eu louvo muito as intenções dos illustres redactores do paragrafo, com tudo devo dizer que elles não acautelarão todos os males que tiverão em vista. Estabelecerão que os infantes, etc. não podião servir emprego algum publico electivo. A razão desta exclusão he porque assentarão que as pessoas da família real pode-
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rião empecer a liberdade publica. Eu assento que ha uma razão mui forte para esta exclusão, e vem a ser a dificuldade, de exigir a responsabilidade; e como esta difficuldade se verifica não só nas pessoas desta familia real, mas em outras muitas, parecia-me que se explicaria melhor a opinião dos redactores, dizendo: os individuos da familia real não podem servir emprego algum em que haja responsabilidade: e assim quizera eu, que se concebesse o artigo. Quanto a assistirem os infantes ao conselho d'Estado, eu sou de opinião que elles assistão, e que assista tambem o Principe real, por isso mesmo que elles se podem instruir, e adquirir vários conhecimentos.

Declarado o art. sufficientemente discutido, propoz o Sr. Presidente á votação se se approvava como está - venceu-se que não. Propor em segundo lugar, se o Principe real qáo póde commandar pessoalmente a força armada - e se venceu que não póde. Propoz mais se se approvava o primeiro periodo, accrescentando-se-lhe as palavras de publica administração - venceu-se que sim. Propoz em 4.º lugar se se approvava o ultimo periodo como está - e se venceu que não. Propoz mais, se se approvava, que não só o Rei, e Principe real, mas tambem os Infantes não possão ser commandantes da força armada - venceu-se que o não podem ser. Propôs finalmente se os Infantes pôs são ou não, ser conselheiros de Estado - e se venceu que o possão ser.

O Sr. Borges Carneiro, por parte da Commissão de Constituição deu conta do seguinte

PARECER.

A Commissão de Constituição viu o officio do ministro encarregado dos negócios da, guerra, em que diz, que podendo Sua Magestade em conformidade do art. 16 do regimento do conselho d'Estado approvar ou rejeitar as propostas do conselho de guerra, ou do almirantado, ouvindo o conselho d'Estado, e não sendo claro se em caso de Sua Magestade rejeitar a proposta póde nomear a quem bem lhe parecer, ou deve mandar fazer nova proposta, ordenara Sua Magestade a elle ministro que solicitasse das Cortes cora urgencia uma explicação do dito regimento, para poder conformar-se inteiramente com o espirito delle na nomeação a que cumpre proceder de governadores das armas para as provincias do Brazil.

A Commissão parece que nos casos do art. 15 e 16 do regimento do conselho d'Estado em que a nomeação não estiver sujeita a lei de escalla, e antiguidades sempre que o Rei, ouvido o conselho d'Estado, rejeita a proposta do conselho de guerra ou do almirantado, lhe fica livre a escolha. Salla das Cortes 30 de Novembro de 1821. - Manoel Borges Carneiro; José Joaquim Ferreira de Moura; Manoel Fernandes Thomaz; João Maria Soares de Castello Branco.

Foi approvado com o additamento de ser ouvido o concilio d'Estado.
O Sr. Ferreira Borges, por parte da Commissão de fazenda leu o seguinte

PARECER.

Á Commissão de fazenda foi presente a consulta da junta da fazenda nacional da provinda da Madeira enviada ao Congresso pela Secretaria d'Estado dos negocios da marinha em 21 de Agosto deste anno, na qual expõe a junta, que não havendo moeda provincial equivalente ás transacções do seu mercado, ordenará o erario por provisão de 10 de Fevereiro de 1801 a tolerancia das patacas hespanholas, para que corressem pelo preço de mil reis cada uma em quanto se não dava outra providencia; que a entrada, e saida das patacas fora sempre livre, ainda mesmo depois da referida provisão sem dependencia de despacho, ou pagamemnto de algum direito; porem que havendo falta dellas no giro commercial em 1811, mandara a junta expedir ordena ao juiz d'alfandega prohibitivas da sua saida. Que em junho proximo passado se fizerão em consequencia tres aprehensões: que os donos pedião as suas patacas, e os denunciantes e aprehensores o quinhão a que se julgavão com direito: que a junta pensava que não podia classificar este caso nem como contrabando, nem como extravio; não como contrabando, porque patacas he genero, e não moeda: não como extravio, porque o uso estava em contrario; que todavia não se atrevendo a decidir-se levava o caso ao conhecimento do Soberano. O numerario preenche duas funcções mui notaveis: serve 1.º como medida commum dos valores trocaveis; 2.º como mercadoria publica, pela qual se trocão todas as mercadorias. Pela primeira facilita a comparação dos valores; pela Segunda facilita as trocas. Isto posto, mandando-se que as patacas corressem por mil reis como numerario provincial, isto he, com 25 por 100 mais de seu valor, segue-se que a taxou fieticamente o valor dos generos mais 25 por cento, de que as patacas se tornarão medida commum, e se difficultarão as trocas. Por tanto procurou-se nesta providencia o avesso das funcções que deve preencher o numerario.

Quanto á medida prohibitiva da saida das patacas, que a junta adoptou em 1811, a Commissão pensa o seguinte. Um paiz, que não tem minas, deve tirar o seu ouro e a sua prata dos paizes estrangeiros; da mesma sorte que um paiz, que não tem vinhas he obrigado a fornecer-se de vinhos do estrangeiro. Assim como um paiz que tem com que comprar vinho, terá sempre todo o vinho de que carecer; da mesma sorte um paiz, que tiver com que comprar ouro e prata, nunca lhe faltarão estes metaes, carecendo delles. Achão-se á venda por seu preço como qualquer outra cousa, e o curso natural do commercio levão-nos onde se exigem.

Quando o preço dos metaes preciosos de uma nação está em equilibrio com o seu preço em todas as outras nações, o commercio não tem interesse algum em augmentar a quantidade, ou em diminuida; não poderia mesmo fazer esta transacção sem perda. Quando esta quantidade se acha acumulada de sorte, que excede a necessidade actual da nação, os preços dos metaes preciosos devem baixar; desta baixa lança mão imediatamente o commercio occupado sempre em restabelecer-se o equilibrio. Não se perca

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de vista neste caso á extrema facilidade do transporte dos metaes preciosos. Ora assim como o ouro e a prtata nunca podem faltar ao paíz, que delles carece, e que possue com que compralos, da mesma sorte he impossivel retelos no paíz, que tem mais do que carece. Por tanto olhada a questão por qualquer lado, he perfeitamente inutil a attenção do governo que se occupar em vigiar na conservação, ou augmento dos metaes preciosos, que circulão pelas mãos dos seus administrados.

Parece por tanto á Commissão que não he sustentavel, nem a provisão do erario de 10 de Fevereiro de 1801, nem as ordens da junta da fazenda da ilha da Madeira de 25 de Outubro, e 6 de Novembro de 1811, devendo mandar-se restituir as patacas a seus donos, e destruir todo o procedimento que houver a este respeito; e que de futuro mais se não observem taes determinações. - Salla das Cortes 29 de Novembro de 1821. - josé Ferreira Borges, Francisco Xavier Monteiro, Francisco Barrozo Pereira, Francisco de Paula Travassos, Manoel Alves do Rio, Rodrigo Ribeiro Telles da Silva, Agostinho José freire.

Decidiu-se que ficasse adiado.

Chegada a hora de prolongar-se a Sessão, continuou a discutir-se o projecto do decreto da Commissão especial sobre os hospitaes militares (V. o Diario n.º 223, pag. 3052); e entrando em discussão o artigo 9.º, disse

O sr. Borges Carneiro: - Não posso conformar-me com este art., vendo que as Cortes não melhorão a sorte de um bravo official que perdeu um braço na batalha, da viuva de outro que morreu na campanha, e que agora se pretende estabelecer por toda a vida uma boa gratificação a medicos que metterão empenhos para ir servir no exercito; que desfructarão ali grandes ordenados; que os ficarão desfructando desde que acabou a guerra até agora, como se ainda houvesse campanha; e alguns dos quaes creio que pouco ou nenhum tempo servirão na campanha e todos sempre no quartel da saúde; porque os medicos, bem diversamente dos cirurgiões, andão sempre muito para a retaguarda. Em rigor devem elles restituir todos os soldos e gratificações que continuarão a receber, desde que se fez a paz até agora, e que importão muitos mil cruzados. Que diremos de alguns que tem outros officios ou cadeiras e sempre perceberão e estão percebendo os ordenados dellas, juntamente com os soldos e forragem do exercito? Que diremos do fysico mor que por tão dilactados annos tem recebido tão avultadas sommas? Estes que assim illegalmente as receberão, ainda agora hão de ficar recebendo pensões avultadas por toda a vida?

Então aquelles empregados effectivos a quem não se paga por não haver dinheiro! Sejamos justos. Estes homens tem comido mais do que a justiça permittia. Basta: ponha-se-lhes já ponto.

O sr. Rodrigo Ferreira: - O artigo entecedente que se mandou voltar á redacção, trata dos cirurgiões do exercito. A decisão que houver de adoptar-se relativamente a estes empregados, deve ser diversa da decisão relativa aos medicos. Por tanto nesta parte o paragrafo tem ligação com o artigo adiado. Suppõe-se aqui decidido que os cirurgiões do exercito devem ficar com a 3.ª parte do vencimento actual, mas parece-me que não he esta a optima resolucção do problema presente. Os cirurgiões do exercito constituem uma escalla com differentes gráos. O primeiro gráo de baixo para cima são ajudantes de cirurgia: o 2.º cirurgiões mores dos corpos; o 3.º gráo, cirurgiões do exercito. Agora vem por este decreto a ser abolidos os cirurgiões do exercito. A este gráo forão promovidos muito cirurgiões, que erão cirurgiõrs mores do corpo. Para isto attendeu-se á sua antiguidade e merecimento. Os que forão julgados mais habeis, forão promovidos a este 3.º gráo. Por tanto o que resta fazer-se he uma promoção retrógada. Devem as pessoas que se achavão no 3.º gráo descer ao 2.º gráo. Outros tantos do 2.º, e estes os mais modernos, devem descer ao 1.º; e outros tantos do 1.º os mais modernos, devem ser despedidos do serviço; aliás vinha a succeder que aquelles que tinhão tido maior antiguidade, e maior merecimento, virião a ficar, em virtude desse seu merecimento, virião a ficar, em virtude desse merecimento, deteriorados de condição. A fazenda mesmo vem a lucrar nisto. Ficando os cirurgiõesdo exercito com a 3.ª parte, ainda se fica dispendendo com elles; mas fazendo-se a promoção retrogada, vem a poupar-se todo este terço, padecendo-se sómente os cirurgiões mais modernos do gráo inferior. Estes porem não tem dinheiro nenhum por ser pouco o tempo de serviço a conservar o seu soldo ou a reforma, e tão somente se lhes podem conservar as honras, distinctivos, e uniformes, e ao mesmo tempo o direito de entrar no seu logar quando houver vacatura.

O sr. Soares Franco: - He verdade que a Segunda parte do paragrafo tem ligação com o paragrafo adiado.

Procedendo-se á votação decidiu-se que o artigo 9. Ficasse adiado na forma do antecedente.

Segui-se o artigo 10, que foi approvado.

Approvou-se o artigo 11, substituindo-se a palavra chefe ao termo director.
A respeito do artigo 12 decidiu-se que a Commissão o redigisse com maior clareza.

Os artigos 14, 15, 16, 17 e 18 forão todos approvados.

O sr. Brito apresentou o seguinte

Projecto de lei sobre a responsabilidade dos Desembargadores.

Aqui está, Srs., o projecto de lei sobre a responsabilidade dos desembargadores, e consequente melhoramento na administração da justiça, de que eu me tinha encarregado. A necessidade de providencias neste assumpto he tão geralmente reconhecida, e o Augusto Congresso tem manifestado tão vivamente os desejos que o animão, de ver reestabelecido o imperio da justiça, que a materia por si mesma se recommenda sem dependencia de exordios. Limito-me por isso tão sómente a indicar as bases, em que estabeleço o presente plano, que não he ainda senão um ensaio para ulteriores reformas.

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Entrando eu no exame das causas das prevaricações, e faltas dos magistrados, achei que ellas vinhão principalmente da influencia das paixões; e que por conseguinte, se eu descobrisse meio de paralizar a acção destas, teria obtido o resultado, que se deseja. Ora as partes, não podem empregar a influencia das paixões sobre o animo dos seus juizes, sem conhecer quem tiles são. Logo se o plano se organizar de maneira tal, que as parles não possão conhecer quem sejão os que as hão de julgar, teremos alcançado o objecto proposto; principalmente se tivermos a cautela de affastar daquelle melindroso múnus os juizes, que não lograrem toda a confiança das mesmas partes.

He com effeito isto o que se alcança, a mea ver, pelo presente projecto, que tem, não o nego, alguma novidade bem differente do nosso actual systema judiciário; mas sem novidade, não se póde passar de um estado máo para um bom.
O projecto não sómente segura a responsabilidade dos Desembargadores nas causas criminaes, mas previne as suas prevaricações, pondo-os nas precisas circunstancias de não poderem faltar á justiça, quanto se póde esperar da fraqueza humana. Segura a responsabilidade individual de cada ministro, fazendo-os dar por escrito os seus pareceres; e para que a publicação destes os não comprometia com os protectores, parentes, e sócios dos condemnados, ficão as tenções era segredo de justiça, para se verem sómente quando for preciso fazer effectiva aquella responsabilidade.

Assim podem elles votar com toda a liberdade, que he necessária para bem julgar, sem se eximirem da pena, que possão merecer pelo abuso que fizerem da mesma liberdade.

E como segundo o presente plano deverão os feitos ser despachados immediatamente, que forem distribuídos pela sorte, ajunto as providencias, que julgo indispensáveis em tal caso, para que os processos sejão breves, claros, e exactos. Ora isto se não podia esperar em quanto a jurisdicção do preparatório, e instrucção dos processos, se achasse como ale agora acumulada na pessoa do mesmo juiz, que tinha o poder de os decidir a final; proponho por isso tambem neste ponto mudar o nosso antigo systema da organização judiciaria para aquelle, que já se tem adoptado, e com feliz successo, nos povos mais civilizados, convém a saber: Que a instrucção dos processos pertença sómente aos Corregedores do crime da Corte, e a decisão final delles aos aggravistas criminaes, que devem ser encolhidos em toda a casa da supplicação. Os motivos, que justificão estas, e outras novidades, vão apontados á margem do projecto para se terem em consideração ao tempo do debate, se com effeito este Soberano Congresso achar o projecto digno de occupar sua attenção.
As Cortes, ele querendo segurar a responsabilidade individual dos Desembargadores nas causas crimes e evitar a influencia das paixões em seus julgados, a fim de que logrando toda a confiança da Nação, obtenhão o respeito devido às suas importantes funções, das quaes dependem a segurança, liberdade, e propriedade dos cidadãos, decretão provisoriamente o seguinte. (1)

1.° Todos os feitos crimes, que forem á casa da supplicação por apellação, ou remissão, serão distribuídos pelos dois corregedores do crime da corte, para examinarem os processos, e os ordenarem até ao ponto de deverem ser julgados afinal, mandando proceder às diligencias percisas para esclarecimento da verdade, em cuja omissão acharem comprehendidos os juizes de preparatório dos mesmos processos.

2.º Logo que os ditos corregedores julgarem quaesquer dos referidos feitos em termos de conclusão final, assim o decidirão por um interlocutorio, como qual os mandarão passar para a meza dos aggravistas criminaes abaixo declarada.

3.° Para a formação desta meza, á que fica pertencendo o despacho final dos feitos crimes, elegerá o Governo 12 desembargadores dos mais expeditos da casa da supplicação, pelos quaes serão distribuídos os ditos feitos á sorte, no mesmo acto, em que houverem de ser tencionados; o que se fará na relação pela maneira seguinte (2);

4.° Lançará o regedor nu ma uma os nomes de todos os ditos aggravantes criminaes, que se acharem presentes para o despacho, e ordenará os feitos, que elles hão de tencionar naquella sessão, que serão em primeiro lugar os presos, e depois os outros pela prioridade da conclusão fiscal. (3)

(1) A instrucção de um processo, e sua decisão são duas attribuições, que indevidamente as nossas leis tem acumulado no mesmo juiz contra a pratica das nações cultas; porque dessa monstruosa acumulação de poder vem: 1.º que as panes não allegão sua defeza com plena liberdade, temendo desagradar aquém as ha de julgar: 2.° que o juiz ganha prevenções, ou a favor, ou contra alguma das partes conforme estas lisongeão, ou offendem seu amor proprio: 3.° que se não appliquem inteiramente a estudar um daquelles ramos do seu officio, sem o que não póde chegar a perfeição nelle, pelos princípios da divisão do trabalho desenvolvidos por Smith: 4.º que não adianta a conclusão dos processos, quando nisso não toma interesse; ou por onerado de trabalho, ou porque receie comprometter-se com alguma pessoa poderosa, empenhada na decisão: e se o juiz toma nisso interesse, então precipita os trabalhos, e suffoca as partes com demasiada acceleração. - Para evitar estes inconvenientes, he que separo aquelles dois poderes, deixando aos corregedores do crime da corte o que loca á ordem dos processos, e aos aggravistas criminaes a decisão final.

(2) Devem ser escolhidos, porque tem de julgar as causas mais importantes, e expeditas, para não fazerem demorar os companheiros, que hão de esperar para a conferencia.

Os feitos serão distribuídos pela sorte no mesmo acto, para que nem o regedor possa saber quem ha de tencionar este ou aquelle feito; que se o soubera, poderia dizelo á parte e esta seduzir o juiz.

(3) Prescrevo a ordem da antiguidade para até neste ponto tirar o arbitrio ao regedor e acautelar

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5.º Então tirando da urna (depois de revolvida) o primeiro nome, a este pertencerá o primeiro feito, e assim os outros, segundo a ordem em que os nomes forem saindo. Se alguns feitos forem pequenos poderão reunir-se em lotes, com tanto que a somma das folhas de cada lote não passe de 200, que será tarefa suffidente para o trabalho de cada juiz, em uma sessão. - (1)

6.° Imediatamente se retirará cada um dos juizes para o seu gabinete com o feito, ou feitos, que a sorte lhe destinou, sem communicar com pessoa alguma, em quanto não tiver concluido o seu despacho; e por isso no gabinete terá uma collecção completa da legislação, os seus livros juridicos; e tudo o mais, que poder ser-lhe preciso para o despacho.

O Governo mandará fazer os arranjos correspondentes áquelle fim, e dar as providendas necessarias para o inteiro complemento deste projecto.(2)

7.º Cada tenção será escrita em papel separado, e fechada com o titulo por fora, que declare o feito a que pertence, o nome do juiz que a escreveu, o numero da tenção respectiva áquelle feito, e sua data. e nos autos o juiz porá o appellido, e dia em que tencionou. Imediatamente os apresentará ao regedor com a tenção fechada, para este guardar até que o feito tenha sido tencionado por todos os juizes, a que deve ir, o que será nas sessões immediatas.(3)

8.º Quando tiverem tencionado 5 juizes (ou 6, se o crime for de homicidio voluntario, ou conspiração effectiva) se reunirão todos perante o regedor, e sendo ahi vistas as tenções de cada um, se redigirá o accordão conforme ao vencido nellas, por qualquer tios juizes, em que todos concordarem, aliás pelo ultimo. - No caso de faltar algum incidente por vencer, se resolverá immediatamente em conferencia de todos os juizes do feito, ainda que para isso seja preciso recorrer do beneficio da reducção conforme a Ord. L. 1. lit. 1. § 8, e respectivos assentos, ficando livre a cada um declarar qual foi o seu parecer sobra estes incidentes, quando tenha sido vencido na discussão conferencial, da mesma fórma que o declara na tenção. Estes accordãos hão de conter todos os fundamentos, ponderados nas tenções vencedoras, e na conferencia, que sempre haverá, ainda que não seja senão para a redacção.(1)

9.º Havendo embargas serão decididos, não precisamente pelos mesmos juizes da primeira sentença como certos, mas pelos que a sorte Resignar na mesma forma, que designou os primeiros, revogadas as ordenações em contrario, taes como às do liv. I. tit. 1.º § 10.(2)

10.º Os accordãos serão assignados por todos os que nelles forem juizes, ainda que vencidos fossem, sem signal por onde se conheça, qual fosse o voto de cada um. E as tenções se tornarão a fechar, e lacrar em uma folha de papel, com letreiro por fora, que declare incluir as tenções proferidas em tal cauta, data do accordão, e nomes dos juizes, escritos por elles mesmos. Isto feito, só guardarão rio arquivo secreto da relação, para se lerem só no caso, em que se trata de fazer eftectiva a responsabilidade dos que as escreverão: e ainda então, só serão vistas pelos juizes dessa responsabilidade, ficando para todos os outros em segredo de. justiça. (3)
11.º Acontecendo, que a sorte designe a um aggravista criminal algum feito já para elle tencionado, ou em que seja impedido de votar, por qualquer outra razão, lhe tocará em lugar deste o immediato, ficando outro reservado para o primeiro nome desimpedido que sair da urna. O regedor terá cuidado de ver os autos todos, para exacto cumprimento desse artigo e dos mais da presente lei, cuja execução fica a seu cargo.

12.º Serão rasões. legaes de impedimento a qualquer dos ditos juizes, não só as de suspeição legitima conforme o direito e estilo das relações, mas tam-
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qualquer influencia que podem ler, mettendo certos feitos, quando visse, que estavão certos juizes.
(1) A reunião dos feitos serve para abbreviar a expedição das causas, aproveitando o trabalho dos desembargadores; e a limitação do numero das folhas, segura o bom exame do feito.
(2) Esta medida he a que torna impossivel qualquer influencia no animo de juiz; e que por isso não póde deixar de inspirar, nas partes inteira confiança, e por consequencia respeito aos julgados.
(3) Esta providencia salva o segredo, para os juizes votarem livremente, sem contemplações de medo, ou respeito; e segura a responsabilidade em caso de prevaricação. As duas destas são precisas para a todo o tempo se conhecer a identidade do feito, com o masso das tenções, que lhe pertencem. E á entrega da tenção ao regedor imediatamente ao sair do gabinete, he para que o proprio tencionante não possa mais alterar o seu voto, depois que falar a alguem
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(1) Ainda quando bastão tres votos para o vencimento, deve o feito passar aos 5 juizes, para que se não saiba, o que votou cada uni, e tambem porque, se as tenções se abrissem antes, podia acontecer não sé acharem vencidos todos os incidentes do feito, ainda estando-o a questão principal, malogrando-se o objecto deste plano pela revelação das pensões e não podendo talvez escolher 3 votos conformes sobre alguns pontos, sem chamar para a conferencia juizes, que não terião visto o feito.
Como as tenções hão de ficar em segredo, cumpre que no accordão se expendão todos os fundamentos do julgado, e até para o caso dos embargos, que só tem lugar com materia nova.
(2) Se os mesmos juizes ficarem certos, para decidir os embargos, virião as partes a saber quem havião de ser os seus juizes, e podião então seduzilos; falhava por consequencia o objecto principal desta lei, que he precaver as influencias.
(3) Convém o segredo, para que os juizes votem com perfeita liberdade, sem receio de ficarem expostos às vinganças dos parentes, socios, e protectores dos condemnados; e tambem para que no caso contrario de serem os réus favorecidos, não tendão certeza de quaes fossem os juizes, que os favorecerão, e não saibão a quem hão de agradecêlo.
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bem a de achar-se o seu nome em rol dos pejados; pratica, que por estas leis fica instaurada, sem embargo da ord. liv. I. 1.º§ 15, que retificou a sua abolição. (1)
13.º póde o Rei recusar até quarta parte dos sobreditos aggravistas criminaes, sem dar a razão que para isso tem, bastando nomealos no começo de tencionar naquelle feito. (2)
14.º Ficão os ditos aggravistas criminaes autorisados em quanto não saír o novo código penal, a moderar o rigor das penas comminadas pelas leis anteriores á nossa feliz regeneração, todas as vezes que algumas circunstancias tornarem os réos dignos desta equidade, o que se não entende nos crimes mencionados no art. 8, e a respeito dos outros se não entenderá tanto, que nos crimes de roubo, falsidade, e perjuizo, ou trabalhos públicos, achando-se provados os delictos. (3)
15.º os autos serão processados com a tal exacção, clareza, e brevidade, que se possão despachar bem em poucas horas, por tanto na ultima instancia, quando não houver parte, se dará vista ao promotor para razoar, revogada neste art. a ord. 1.1.º tit. 15. pr. Porém não poderá reter os autos além da primeira sessão sem justa causa. E nas razões que fizer não só indicará as provas, que mostrarem a culpa do réo, ou a sua inocencia, mas tambem fiscalizará quanto cumprir para a completa instrucção do processo, sua brevidade, e responsabilidade dos empregados, que nelle interviérão. E para que possão bem desempenhar estes deveres, se accrescentará o numero de promotores com mais dois em lugar dos ouvidores das appelações crimes, que por este decreto ficão extinctos. (4)
16.º Os dois corregedores do crime da corte muito particularmente proverão, e punirão, ainda ex-officio, por si sós, ou com adjuntos, que o regedor lhes nomear, as faltas, que observem a formação da culpa, principalmente, se o juiz do preparatorio não inquiriu as testemunhas presenciais, as referidas, e as que tinhão razão de saber do caso, quanto bastassem para provar do crime. Se não fez ao réo ao menos dois interrogatorios, sendo o primeiro na occasião na prisão antes de entrar para a cadêa, e as duvidas acareção com os cumplices, e testemunhas, quando se acharem em contradição; e se não fez ajuntar folha corrida. (1)
17.º O juiz do preparatorio não remetterá os autos á relação, sem rubricar todas as folhas delles, e dos apensos, declarando no encerramento o numero dellas; e sem que sejão haspadas toda as paginas em branco, ou porções dellas, que tiverem em branco. O mesmo poderão fazer as partes, ou seus procuradores. (2)
18.º Será outorisem permittido a estes accusar na margem das allegações contrarias as folhas dos autos ou as leis que desmentem suas asserções, amppliada para este effeito a ord. liv. 1.º tit. 48 §. 14 (3).
19.º o escrivão que não fizer letra bem legivel, será condemnado em 20 mil réis para o cofre das justiças, que haverá em todas as terras, e a reformar os autos á sua custa, sem que o corregedor do crime da corte os não julgará em termos de se apresentarem á distribuição da sorte. O juiz que tal feito remetteu pagará outro tanto para as despezas da relação (4).
20.º Se estes autos crimes chegarem a cem folhas, dahi por diante pagarão as partes em cruzado de selo por cada uma que mais lhe ajustarem, além de que actualmente pagão. Excedendo a duzentas folha dobrará o preço do selo; passando de trezentas triplicrá; e assim por diante. (5).
20.º Para maior expedição no despacho defini-

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(1) A praticados roes dos pejados, era o paladio da nossa antiga liberdade, como hoje o he dos inglezes, americanos, e outras nações livres. Vid. cortas economico politicas pag. 57.
(2) Esta liberdade habilita as partos para se livrarem de um inimigo occulto, cuja inimisade não poderião provar, é ao mesmo tempo dos que são maus juizes, por ineptos, e priguiçosos; e faz que estes se corrijão envergonhados por verem seus nomes muitas vezes no rol dos pejados.
(3) A crueldade do nosso codigo penal, faz indispensavel a modificação do rigor das suas barbaras penas; e isto se conforma com o espirito das nossas leis, e estilo das relações 22. M. 1810.
Sem estas limitações poderião ficar impunes os malfeitores.
(4) Como os feitos se hão de despachar de uma só vez, necessario he que sejão claros, breves, e exactos. E para tudo isto contribue a fiscalisação do promotor, cujo razoado serve tambem para facilitar o exame aos juizes, e dificultar as prevaricações.

(1) Julgo conveniente revestir os corregedores da corte, de toda esta autoridade, para que os juizes inferiores receando o uso della, sejão mais circunspectos na instrucção do processo, de cuja exacção pende o castigo dos malfeitores.

O systema de legislação actual, só manda que os regedores, etc., dem conta ao Rei dos erros dos ministros inferiores, para accumular todo o poder na secretaria d'Estado, de que resulta a impunidade das prevaricações poios motivos bem sabidos.

(2) Esta cautela serve para que se não substituão, umas folhas, ou apensos por outros.
E a segunda evitará que se lavrem termos, com antedatos. Nenhum damno póde vir de se facultar a msma liberdade às partes, ou seus procuradores.
(3) As cotas desta especie derfazem prontamente os argumentos cavilosos, cem que não poucas vezes se illudem juizes cinceros.

(4) Sem letra legivel não se examinão bem os feitos em pouco tempo; nem este se deve perder escusadamente;
A differença das applicações destas penas, segura maior a sua execução; porque nas provincia ha de zelar-se mais o interesse dos cofres das justiças, e nas relações o do cofre das despezas.
(5) He um meio indirecto de obter o desejado fim deferem breves os feitos, e tirar da chicana proveito o Thesouro Publico.

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tivo destes feitos, irão os agravistas criminaes a relação todos os dias não feriados, mas não serão obrigados a sentenciar mais feitos fora della. Se porem em alguma Sessão não houver feitos crimes, que cheguem para todos os aggravistas criminaes, o regedor destinará para a distribuição da sorte alguns outros feitos que estejão em termos de conclusão final, não excedendo de duzentas folhas(1).

22.° Em crimes de salteadores, e similhantes, que se processão summariamente, se o réo estiver preso concluir-se-ha o seu processo em trinta dias quando muito. Constando porém ter elle culpas em diversas terras, poderá durar mais outros trinta, para dar lugar a chegarem as ditas culpas, que serão logo enviadas por traslado ao juiz da prisão. Findos porém os 60 dias, gera logo remettido o feito a relação do districto, indo nelle copiados os officios que se tiverem expedido para a remessa das culpas, ou diligencias da justiça, e mais documentos de recibos, e respostas para que na instancia superior se possa fazer effectiva a responsabilidade dos empregados, que menosprezárão os officios do juiz do processo. Porém os feitos era que o réo correr livramento ordinario, poderão durar seis mezes na primeira instancia, é dois na segunda.

23.° Se dentro destes prazos se não achar finda a respectiva instancia, perderão seus salários para o cofre das justiças os juizes e mais officiaes, salvo (quanto á estes) se constar que solicitarão o adiantamento do processo, e não concorrerão para a demora. Esta perda dos salarios, se entende além das mais pessoas, e responsabilidade pelos da nines occasionádos, a que uns, e outros ficão sujeitos, conforme as circunstancias do caso, e respectivas leis.

24.° Estes salarios não constão, como até agora, de emolumentos contingentes, proporcionados á quantidade, e duração do processo, mas de uma quantia corta, e invariável, que será laxada em um regulamento particular, ou o feito seja grande ou pequeno, dure muito ou pouco tempo. Bem entendido fora ai custas da parte, e dias perdidos, que serão pagos segundo o estado da terra, e verdadeiro prejuízo que soffrer a pessoa aquém forem julgados, o qual será arbitrado pelos juizes da causa, revogada nesta parte a ord. liv. 1.º tit. 91 §. 2, e seguintes, que arbitrão quantias insignificantes (2).

5.º Qualquer infracção das disposições deste decreto sujeita o empregado, que a commetter, á responsabilidade e suspensão do seu cargo, além das mais penas, que o direito inflige segundo as circunstancias da infracção. - Paço das Cortes 19 de Novembro de 1831. - João Rodrigues de Brito.

Mandou-se ficar paia segunda leitura.

Determinou o Sr, Presidente para a ordem do dia o projecto dos foraes, entrando no artigo correspondente o do Sr. Bastos sobre os laudemios.

Levantou-se a sessão depois das duas horas da tarde. - Antonio Ribeiro da Costa, Deputado Secretario.

RESOLUÇÕES E ORDENS DAS CORTES.

Para José Ignacio da Costa.

Illustrissimo e Excellentissimo Senhor.- As Cortes Geraes e Extraordinarias da Nação portugueza mandão remetter ao Governo, a fim de ser competentemente verificado, o incluso offerecimento que faz ao soberano Congresso João Teixeira de Mello, do Porto, á beneficio do Thesouro nacional, do que tem vencido, e de futuro, vencer, da tensa de 40$000 rs. que se lhe paga na alfandega daquella cidade, na forma do respectivo padrão que vai junto ao mesmo oferecimento. O que V. Exca. levará ao conhecimento de Sua Magestade.

Deus guarde a V. Exca. Paço das Cortes em 3O de Novembro de 1821. - João Baptista Felgueiras.

Para Pedro de Araujo Lima.

As Cortes Geraes e Extraordinarias da Nação portugueza concedem a V. S.ª Iscença por tanto tempo quanto lhe seja necessario para tratar da sua saude; esperando do seu conhecido zelo e amor da patria, que apenas, seja possivel, V. Sa. não deixará de vir logo continuar neste soberano Congresso as funcções de que dignamente se acha encarregado. O que participo o V. S.ª para sua intelligencia.
Deus guarde a V. S.ª Paço das Cortes em 30 de Novembro de 1821. - João Baptista Felgueiras.

(1) Onerados os juizes, com sessões quotidianas, justo he que gozem o resto do seu tempo.
E não convem que despachem feitos crimes fora dos gabinetes, porque podendo então ceder á influencia das paixões em menos cabo da justiça, poderá muito bem acontecer que esses máos arestos sejão parte para ao depois darem outros que taes no gabinete, só para que se não diga que varião no seu modo de julgar.
(2) O salario deve ser fixo para que os officiaes

de justiça não tenhão interesse em complicar o feito, antes sim em abrevialo.
Se o augusto Congresso approvar as bases indica-las, facil será formalizar este regulamento. Estas quantias são de 15$000 réis pelo sustento de um cavallo, e salario de um criado.
Quem não ve que isto não basta boje, depois que se tem adulterado a moeda, e baixado o seu valor!

Redactor - Galvão.

LISBOA: NA IMPRENSA NACIONAL.

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