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ao grande e imperioso fim da defeza que governo póde, ser brando, moral, respeitador dos direitos, individuais, e protector da justiça, e da ordem? Nenhum, Sr. Presidente; e aquelle que se, esquece da, sua posição, e quer tomar os habitos do tempo de paz, acaba deshonrado, e com o crime de ter deixado perder, o paiz que lhe cumpria deffender. (Apoiado, apoiado.)

Sr. Presidente, a guerra; terna commum a situação de, todos os governos, e, igual a sua politica; felizmente ou Governo da Terceira soube conhecer, este grande, principio, e sujeitar-se às consequencias. Foi um Governo tão, irregular, como eram irregulares ás circumstancias, em que elle se achava. A diferença que; ha nestas circumstancias, entre governos regulares, e irregulares, é que, os regulares, depois de anda a guerra tratara seriamente de indemnisar os cidadãos de todas as perdas, que por elles tiveram; de reparar todas as ruinas, que ella causou; pagar todas as despezas, que se fizeram; mas a respeito das Ilhas é mister confessar, que os nossos, Governos não tem sido regulares; porque depois da paz fecharam-se os, olhos a, todos os soffrimentos dellas.

Nós chegamos á Terceira, e d'ahi era diante, converteu-se ella em uma praça d'armas: parou a industria, parou o commercio, e não parou a agricultura, porque nós precisavamos dos produtos della para nosso sustento; os filhos da Terceira com a enchada, com que abriam, a terra para as sementeiras, levantaram as trincheiras, e abriam, os fossos combatiam conmosco nas mesmas fileiras,
davam-nos todos auxilios para combater, e toda a consolação para os desastres da guerra. Na Terceira, Sr. Presidente, só se tratava da defeza, e tudo era sacrificado a este grande objecto. Depois tratou-se da conquista das outras ilhas, e com os meios que nos dava a Terceira, podemos, faze-la som quebra do credito das nossas armas. Quando parecia que estavam acabados os trabalhos para os Açorianos, quando uma quadra de descanço se esperava, e desejava, então nós lhe dissemos: - Agora é preciso que nos acompanhem a, Portugal; resta acabar a nossa obra; uma grande campanha nos chama. Disse-se, e executou-se. Fez-se um recrutamento horroroso, que pesou sobre todas as ilhas, e a juventude açoriana acompanhou-nos para Portugal. Eu fiz parte dessa expedição, mas alguém lá ficou que me contou as acenas - melancólicas, que alli se passaram durante a campanha, de Portugal. Longa era a demora das nossas correspondências: quando se divisava algum navio juntavam-se nu praia as mais, os pais, os filhos, as esposas, e algumas outras, que esperavam sê-lo (Riso.), e às vezes esse temido, e desejado navio,, mandava para terra uma noticia de morte, e de lucto geral, Eis-aqui, Sr. Presidente, o que fizeram as ilhas, e o que soffreram pela nossa causa, isto não soffreu terra alguma em Portugal.

Diz-se que as ilhas passaram descançadas o tempo da guerra peninsular, em quanto sobre Portugal pesaram todos os incommodos d'uma companha devastadora. Sr. Presidente, nas Ilhas não se, vê a pegada do soldado conquistador, mas ver-se a pegada da guerra, dessa fúria que deixa vestigios, mesmo no territorio, que não pisa; eu lá vi ainda parapeitos meios destroçados, baterias arruinadas; e
perguntando aos filhos do paiz para que se tinham construido tantas fortificações, elles me responderam: - Isso foi da guerra do francez (é frase delles); então, Sr. soffremos nós grandes desgraças, soffremos.... soffremos... Ah! que o recitado do que então ouvi, seria a resposta a mais concludente á historia de exagerados descanços, e fortunas, de que se nos pintaram gosando os açorianos no tempo da guerra peninsular! Nas ilhas não se vê a pegada do soldado conquistador; mas veem-se os vergonhosos documentos, do desprezo e desleixo de todos os nossos governos. Sr. Presidente, entre nós, a acção das medidas bemfeitoras, as mais das vezes, não passa da cabeça dos homens d'estado, que as conceberam; as aguas do Oceano principalmente, afrouxam-na, de todo. A's nossas possessões ultramarinas só chega o, mal, e raras vezes apparece o bem.

Tambem se disse que se não sabia como o recrutamento iria deixar augmentar a emigração nos Açores; e eu julgo que isto é muito facil de conceber. Qualquer incommodo faz deixar a terra, ao habitador, que nella não está bem. Nos Açores a classe mais numerosa vive em uma especie, de, servidão pessoal; os possuidores de, terras são, poucos, são os morgados; elles pagam os serviços do campo com os productos, que o campo lhes dá; mas pagam-nos pelo, preço, que lhes parece, e, ha trabalhador que tem o seu braço empenhado pelo sustento, que consumiu ha mezes. Muitas vezes com, o trabalho d'uma semana, apenas pagam o trabalho de uma semana apenas pagam a sustentação de tres dias. Quem assim vive não deixará por pouco tão ingrata terra? O recrutamento sem duvida augmentará a emigração dos Açores.

Diz-se, nas ilhas não se gosta do recrutamento porque em parte nenhuma se gosta delle. Nós não devemos condescender com esta repugnancia: assim será mas ouçam este facto, talvez seja o único a respeito de recrutamento na historia portugueza. Quando se faziam recrutamentos pelo antigo systema de vilencia nas ilhas dos Açores inutilisavam-se os moços, morriam de fome pelas brenhas para fugirem ás armas fez-se um recrutamento por ordem da Regencia, pelo methodo porque se costuma fazer em toda a parte, e os recrutados correram sem hesitação ao sorteamento, e depois ás levas no logar e hora aprasadas,. Houveram algumas ilhas em que os pais de familia se reunram e disseram entre si: - pedem.nos tanto filhos, vamos vêr quaes havemos dar, e quaes nos fazem menos falta. Depois de ter accordado entre entre si o mlhor modo de satisfazerem aos seus deveres, sem offenderem os seus interesses, elles mandaram apresentar ás authoridades os moços que tinham apurado em suas reuniões familiares. Nas ilhas obdece-se só quando há razão, justiça, e bom modo de mandar. E preciso não perder de vista que aqui não se trata de uma exepção, trata-se de justiça; exigindo-se das ilhas agora um recrutamento exige-se mais do que de Portugal. Fez-se um recrutamento cá no continente; mas para que? Para defender o usurpador!

Sr. Presidente, a questão veio complicar-se ultimamente com os parallelos; a comparação?............Concluo votando pelo parecer da Commissão.

Tendo dado a à ura, adiou-se a discussão.

O Sr. Vice-Presidente disse que a ordem do dia para à sessão seguinte seria a mesma, que fora dada para a de hoje; ç levantou a sessão depois dag quatro horas da tarde.

SESSÃO DE 18 DE MARÇO.

(Presidencia do Sr. Dias d'Oliveira, Vice-Presidente).

Abriu-se a sessão pelas onze horas da manhã, estando presentes noventa e nove Srs. Deputados.

O Sr. Secretario Rebello de Carvalho leu a acta da sessão precedente, e foi approvada.

O Sr. Secretario Vellozo da Cruz deu conta da seguinte correspondencia.

1.º Um officio do Ministerio dos negocios do reino, remettendo para serem presentes às Cortes, vários papeis relativos á divisão do território. A
Commissão, d'estatistica.

2.° Outro do Ministério dos negocios da fazenda, rémettendo sete exemplares do orçamento da despeza do Ministerio dos negocios do reino para o anno economico de 1837 a 1838, para serem distribuidos pelos membros, da Commissão d'admnistração publica. Assim se verificou.

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3.° Outro do mesmo Ministerio, remettendo pata ser presente às Cortes, o requerimento de D. Francisca Xavier da Silva e Sousa, pedindo apostilação de uma pensão de setenta mil réis que lhe pertencia, imposta no officio de escrivão da superintendência do sal da alfândega de Setúbal, bem como a cópia de uma consulta do thesouro, e da resposta do procurador da fazenda, sobre o mesmo assumpto. A Commissão de fazenda.

4.º Outro do mesmo Ministerio, remettendo para ser presente às Cortes, uma relação dos bens nacionaes a que se tem dado destino, ou foram mandados excluir da venda desde 9 de Setembro do anno proximo preterito, até 31 do corrente. Foi mandado para a secretaria.

5.º Uma representação da camara municipal do Sardoal, cobre divisão administrativa A Commissão d'estatistica.

6.° Outra representação da junta de parochia da fregu-zia do Silvão de Cima, sobre divisão administrativa. A Commissão d'estatistica.

7.° Outra representação dos habitantes de Valença do Minho, sobre divisão judicial. A Commissão d'estatistica.

8.° Outra representação da junta de parochia da villa de Pombeiro, districto d'Arganil, sobre divisão administrativa. A Commissão d'estatistica.

9.º Uma carta do cidadão Antonio Joaquim Nery, pedindo que se mandassem distribuir pelo Congresso os exemplares impressos, em que se offerece a entrar na proposta para a impressão das sessões das Cortes. Mandaram-se distribuir.

Tiveram segunda leitura os seguintes requerimentos.

1.º O Sr. Midosi, em que propõe um imposto sobre criados de servir, cavalgaduras e parelhas, para regular desde o fim de Junho próximo futuro.

Sobre o que, disse.

O Sr. Midosi: - A maior parte do que está neste projecto acha-se incorporado nos que apresentou o Sr. Ministro da fazenda; peço pois que ella seja presente á Commissão, e alli darei os ulteriores esclarecimentos que julgo convenientes.

Foi admittido, e mandado á Com missão de fazenda.

2.° Outro do Sr. Midosi, em que propõe o estabelecimento de impostos de sello sobre as acções dos bancos, das lezírias, companhias de seguros, e de todos os empregos, corporações, ou associações actualmente existentes, letras de cambio, e outras obrigações na forma que consta do mesmo projecto.

Foi tambem admittido, e mandado á Commissão de fazenda.

3.° Outro do Sr. L. J. Moniz, assignado tambem pelo Sr. Oliveira, propondo um imposto sobre cereaes estrangeiros, que forem despachados para consumo nas ilhas da Madeira, e Porto Santo, afim de prover por meio delle às despezas das respectivas municipalidades.

Sobre elle, disse

O Sr. L J. Monta: - Eu pedi a palavra para fazer uma declaração a respeito deste projecto de !ei Quando eu o apresentei, foi porque tinha sido enviado o anno passado a esta Camara como um meio de occorrer às despezas das camaras da província, que tenho a honra de representar, para acudir às necessidades dos expostos, e outros encargos de igual ponderação, subsequentemente passou uma lei nas Cortes passadas, que authorisava as camaras para acharem os meios para esse fim pelas contribuições directas, indirectas ou mixtas. Esta lei tinha um termo certo, que estava a acabar, eu não tinha informações exactas da Madeira: tem que, acabado o praso dessa projecto, as camaras deixassem de ter os meios de prover á sustentação de milhares de expostos, e aos encargos de igual ponderação, por isso apresentei esse projecto mas disse nessa occasião que o estado da Madeira podendo talvez ter mudado, por exemplo, no preço dos comestíveis, e mesmo em outras circumstancias, e como o novo codigo administrativo, supposto que authorise as camaras para providenciar algum dos meios necessarios para desempenhar seus encargos, podia talvez não authorisar para tanto, que eu não desejava progredir nelle sem mais algumas informações; e que o que apresentava, era não perder tempo em quanto ellas não chegassem. Vieram com effeito noticias da Madeira, estas me confirmara nos meus receios, mas não obtive ainda todas as informações necessarias. Para que pois este negocio não vá causar algum sobresalto na Madeira, peço que sã entenda que nada se decedirá sem que estejamos bem informados. E que se sobre estará em tudo, em quanto o não estivermos. Peço que a Commissão do Ultramar, e o Congresso assim o entendam. Por esta maneira entenderão os povos, que não haverá precipitação , e que tudo se tratará com a devida prudência.

O Sr. Vice-Presidente: - Os membros da Com missão, onde deve ir o projecto que acaba de ler-se, no caso que seja admittido, ouviram o Sr. Deputado, e tomarão suas idéas em consideração, deve ser a do Ultramar, aquém tem ido todos os negócios que lhe dizem respeito.

O Sr. Sá Nogueira: - Eu já noutro dia ponderei os inconvenientes, que ha em considerar as ilhas da Madeira, e Açores como pertencentes ao Ultramar, porque a sua administração é a mesma, e se ha alguma differença é ella similhante á que ha do Algarve ao Minho, e das mais provincias do remo; em consequencia
persuado-me que devia ser remettido talvez á Commissão de administração, ou í de fazenda , creio que melhor será á de administração; por que segundo o pouco que pude ouvir, apesar de toda a attenção que dei, trata-se de impostos municipaes, ou pelo menos de impostos para occorrer a encargos municipaes.

O Sr. Vice-Presidente: - O Congresso resolverá, a qual das com missões deve ir o projecto, advertindo que noutro dia houve uma decisão para que fosse á Commissão do ultramar os que a elle dissessem respeito, e por isso entendo que não posso admittir discussão, porque realmente decisão já a houve, no entanto consulto o Congresso.

Assim o fez, e se resolveu que o projecto fosse remettido á Commissão do d'ultramar.

4.° Outro do Sr. Pereira Brandão, em que propõe novo modo de arrecadar o imposto dos sellos regulados pela lei de 24 de Abril de 1837, bem assim providencias, e cautellas para evitar os roubos, que a fazenda nacional esta soffrendo, pelo methodo d'arrecadação actual.

Foi admittido, e mandado á Commissão de fazenda.

5.° Outro projecto do Sr. Ochôa, em que propõe o pagamento de uma retribuição annual aos professores livres deprimiras letras, por cada discípulo pobre, que ensinarem com aproveitamento, sendo aquelle regulado segundo o uso das terras pelas juntas dos districtos, e satisfeito pelo cofre das respectivas camaras municipaes.

Foi admittido, e passou á Commissão de instrucção publica.

6.º Outro do mesmo Sr. Deputado Ochôa, propondo que seja permittida a entrada de cereaes estrangeiros pelas alfandegas da raia da provincia de Traz-os-Montes, em toda a sua extenção, e sem limitação alguma, pagando por entrada um imposto regulado pelo estado dos preços nas terras da fronteira em que entrarem.

O Sr. Vice-Presidente: - Apesar deste projecto tractar da mataria d'impostos, com tudo elle diz mais immediatamente respeito respeito a agricultura, e por isso julgo, que á Commissão deste nome é que deve ser mandado, e ella, ouvirá as que julgar conveniente.

Assim se resolveu.

7.° Outro projecto do Sr. João Joaquim Pinto, propondo varias proficiências para melhorar as possessões d'Africa Portugueza, regulando os direitos dos generos exportados, e o estabelecimento de companhias, e empresas, que possam cuidar dos propostos melhoramentos. - Foi admittido, mandando-se á Commissão do Ultramar.

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O Sr. Branquinho: - Remetto para a mesa uma representação, que faz a este Congresso o director da alfandega da Figueira, em seu nome e mais empregados daqnella repartição, porque se lha augmentarem os ordenados designados do Decreto de 14 de Novembro do anno passado: Quando a Commissão der o seu parecer, exporei as razões em que os requerentes se fundam, e mostrarei a justiça que lhe assiste.

O Sr. Barjona: - Pedi a palavra para mandar para a mesa um requerimento da misericórdia de Coimbra, em que se queixa de lhe terem sido arrecadadas pelo Thesouro as impostos do real de agua; remetto para a mesa tambem dois pareceres da Commissão de administração publica, e peço sobre um delles ser ouvido, quando estiver presente o Sr. Ministro do Reino; sei que hade ler-se por segunda vez, porém mesmo antes disso tenho por ordem da Commissão de reclamar certos esclarecimentos relativos á discussão deste parecer.

O Sr. Pereira Branddo: - (Leu outro requerimento e disse) São precisos
esclarecimentos para a discussão do orçamento, a fim de as poder votar o que é necessario com conhecimento.

O Sr. Teixeira de Carvalho: - Para remetter para a mesa um requerimento dum francez sobre á pertenção d'um terreno para plantação d'amoteiras; igualmente outro assignado por 17 fabricantes da cidade do Porto, em que pedem se suspenda a execução do art. 8.° das Pautas das Alfandegas; como o tempo marcado para começarem a vigorar as Pautas está proximo, peço que seja remettido á Commissão de fazenda para ella o tomar 4 consideração, que lhe merecer, e dar sobre elle o seu parecer. - Ficou para ulterior destino.

O Sr. Franzini:- Sr. Presidente, como relator da Commissão de estatistica tenho a honra de mandar para a mesa quinze pareceres da mesma Commissão sobre differentes representações; sete que a Commissão julgou deverem ser indeferidos; e outro pedindo informações ao Governo; passa a ler a relação delles, porque ornais seria gaitar tempo inutilmente (leu-a).

O Sr. Vice-Presidente: - Em quanto aos pareceres que pedem esclarecimentos, em consequencia de resolução do Congresso, mandam-se pedir os documentos pela secretaria; quanto aos outros ficam sobre a mesa para entrar em discussão em occasião opportuna.

O Sr Vasconcellos Pereira: - Vou fazer uma pergunta ao Sr. Ministro da Marinha; mas antes disso começarei por contar um facto. Ha quatorze annos, que se começou no estaleiro do arsenal a construir-te uma não de 74 peças; ao principio trabalhou-se com actividade e se gastaram talvez 200 contos no seu fabrico; porém faltando a madeira para o fundo, o governo daquelle tempo encarregou um negociante desta capital, que negociava com o Baltico, de mandar exeminar por seus correspondentes quanto importaria a madeira para o fim designado
mandaram-se do arsenal as dimensões; e responderam os correspondentes que 3 a 4 contos de reis importaria a madeira, para o fundo daquella náo achou-se que esta quantia era muito modica e realmente o era, e devia pois mandar-se buscar a madeira para o fundo da náo; mas por uma fatalidade muito usual entre nós, de se começarem grandes obras e não se acabarem, nunca se mandou vir esta madeira, e não se tractou mais do fabrico desta náo; e concertaram-se navios velhos incapazes de servir, ao mesmo tempo que se deixava apodrecer a náo, que tendo duas cobertas, a superior que estava exposta ao rigor de athmosfera apodreceu de tal maneira, que já não estava capaz de servir, quando em Setembro fui nomeada para Major General interino da armada; pareceu-me que era um dos maiores desgovernos, e a maior falta de economia deixar apodrecer esta náo, que tinha custado cá tanto dinheiro á Nação, ao mesmo tempo a maior parte dos navios de guerra que estão já em tal uso e tão velhos, que se não se cuidar em fazer navios novos, dentro de tres ou quatro annos ficaremos sem marinha, que importa o dizer, que ficaremos sem colonias e sem commercio; porque sem marinha não podemos ter colonias; sem marinha o nosso commercio pode, por qualquer potencia maritima, por mais pequena que seja, ser impedido; podem bloquear nossos portos reduzir-nos aos maiores apuros; é porque uma nação sem força deixa de ser nação; pareceu-me que era do meu dever mandar immediatamente tractar do fabrico da náo com os operarios do arsenal, e com a madeira que restara; e com effeito deu-se grande impulso á náo, é dentro em poucos mezes poderá ir ao mar; mas faltava a madeira para o fundo, lembrou-me á antiga negociação, consultei o concelho de Administração da Marinha, e os mestres do Arsenal, e todos concordaram que era muito Vantajoso mandar vir estas madeiras: chamou-se o negociante, e alli apresentou as correspondencias que tinha havido naquelle tempo e offereceu-se para a mandar vir. Em consequencia officiei ao Sr. Ministro da Marinha ponderando-lhe a necessidade desta madeira, e ao mesmo tempo as vantagens em ella vir quanto antes; porque se não fosse mandada vir já, não poderá estar aqui este anno, e isso será causa: para estar a náo mais um ou dous annos no estaleiro, que vem a importar, a sua total ruina; eu deixei aquelle emprego, e não sabe mais nada. Ha poucos dias constou-me que a tal madeira não tinha vindo: eu pedia a S. Exa. me dissesse só com efteito sé mandou buscar, e caso a não tenha mandado vir, eu lhe pedirei pelo bem da Nação, que a manda buscar; porque mais vale gastar esta pequena quantia do que perder todas as que se tem já gasto.

O Sr. Ministro da Marinha: - O interesse que o nobre Deputado toma pela conservação deste importante ramo da administração publica, como é á marinha, (realmente necessario para podermos manter em respeito as nossas Possessões Ultramarinas) e digno de um marinheiro tão destincto como o nobre Deputado: elle me ha-de fazer a justiça de que eu, posto que estranho a este ramo, tenho durante minha administração, feito todos os esforços para corresponder aos seus bons desejos. Pelo que toca especialmente á interpellação que me fez devo dizer ao Sr. Deputado que, se bem me lembro, foi elle que deo conhecimento ao Governo de proposta feita por este negociante, que ha muito pretende encarregar-se de mandar vir do Baltico, as madeiras necessarias para o forro da náo, que se acha no estaleiro foi examinada esta proposta, e parecendo mais vantajosa, para se poder obter este fim de toda a necessidade; fez-se para o Ministerio da fazenda a requisição do dinheiro, eu ou letras para se obter este resultado. Estou bem certo que a affluencia de outros negocios de igual momento não tem podido, do tem demorado que do Ministerio da fazenda se tenha respondido á requisição o que eu posso fazer é redobrar minhas instancias, e póde o Congresso ficar na certesa de que brevemente se satisfará aos seus desejos.

O Sr. Barjona: - Lembrado estará este Congresso, de que ha algum tempo se apresentou aqui um parecer da Commissão de pareceres, ácerca d'um requerimento dos presos do limoeiro; que o requerimento não vinha assignado e que não obstante isto, nós resolvemos depois de bastante discussão, que requerimento fosse remettido ao Governo, a fim de empregar todos os meios á sua dispnsição, para se conhecer se aquellas, ou alguma daquellas queixas erão verdadeiras. Ha dous dias recebi uma carta assignada por um individuo, que diz ter um parente preso no limoeiro, e que affirma serem verdadeiras as queixas que se apresentaram a este Congresso, e que ellas não exprimãoo ainda toda a verdade; e pede que nós recommendemos ao Sr. Ministro da justiça, que mande um magistrado intelligente e honrado aquella prisão, para que tome cabal conhecimento do estado em que ella se acha. O homem especifica algumas providencias; mas eu remetto a Carta ao Sr. Ministro, da justi-

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ca, e ao Sr. Presidente; porque entendo que a publicação de tudo o que se comprehende neste escripto, não convêm ao serviço antes de se fazerem as deligencias, e muito menos conviria talvez a quem escreveo a carta, ou para melhor dizer ao parente delle, que a assignatura se publicasse. Sr. Presidente, eu estimarei muito que depois de todas as investigações appareça, que as queixas não são reaes; mas o objecto é he tal naturesa, o pedido parece tão imparcial, que nós não podemos deixar de lhe satisfazer immediatamente.

O Sr. Ministro da Justiça: - O que acaba de dizer o Sr. Barjona, póde ter lugar; o Governo póde mandar um magistrado para averiguar esses factos...

O Sr. Barjona: - Eu mando, a carta para o Sr. Ministro ver a assignatura.

O Sr. Ministro da Justiça: - (Depois de ter examinado a carta.) Conheço esta letra: em quanto Ministro da coroa, tenho recebido deste homem cem ou mais cartas. Pelo que respeita á matéria, digo que ha uma Commissão encarregada de cuidar na policia, segurança, e boa ordem das cadeias, composta de homens que tem trabalhado com muito boa vontade; se esses não tem correspondido aos seus desejos, eu não sei de quem é a culpa; mas não tenho duvida de encarregar um magistrado de confiança, que possa ir conhecer pessoalmente do estado das cadeias, e até que ponto é fundada a gueixa de que se tracta.

O Sr. Barjona: - Eu pedi ao Sr. Ministro da justiça uma providencia geral, e fiz as recommendações que me pareceram necessarias em casos similhantes: não entrei em cousas especiaes, por isso que entendi, que ellas não escapariam jamais a um Ministro da coroa; até me envergonharia de lhas indicar. Uma das providencias especiaes é ouvir a Commissão das cadeias, sem duvida: e poderá alguem
lembrar-se de que neste caso S. Esca. deixe de a ouvir? Todo o mundo sabe que no caso presente ella não póde deixar de ser ouvida; mas até é claro o modo e o tempo, em que o deve ser. Tenho aqui ouvido dizer bem dos membros dessa Commissão: eu não os conheço, mas pelo que tenho ouvido devo reputa-los capazes: com tudo póde haver males em que elles não tenham parte; podem os membros da Commissão ter commettido faltas, apesar de serem bons, porque são homens; e por fim póde muito bem ser, que não sejam tão bons como se tem dito. Em summa, o proceder da Commissão deve ser inspecciopado; a Commissão deve ser ouvida; porém isto e muitas mais cousas ficam á discripção do Sr. Ministro.

O Sr. Leonel: - Sr. Presidente, eu desejo que se façam as averiguações pedidas pelo Sr., Barjona, e promettidas pelo Sr. Ministro das justiças; porque isto é conveniente para todos: desejo porém que se não entenda, ou fique pensando que aqui se disse alguma cousa, que seja injuriosa á Commissão das cadeias: o serviço que os seus membros tem feito, é muito bom; muita gente me tem attestado, assim como o grande zelo que por elle mostram, e que é gratuito. Seria de certo um embaraço para o Governo, se amanhã a Cotnmissão, pensando que se tinha dito alguma palavra contra ella, pedisse a sua demissão: peço portanto que se aclare isto bem.

Em quanto porém ao muro. que alli se fez (de que falla acarta) direi, que fui informado de que esse muro tinha sido alli construído por aquella forma, para evitar que o limoeiro continuasse a ser, como era em outro tempo, o deposito e receptáculo dos roubos que cá fora se faziam. Eu desde já digo, que não sei se isto é verdade; mas se é verdade, então não admira que algum ladrão, dos que estão no limoeiro, não queira o muro, e se queixe contra elle para os referidos fins. Concluo por tanto dizendo, que se averigne a verdade deste negocio; mas entendendo-se que com o que se tem dito, em nada se offenderam os membros da: Commissão (apoiado).

O Sr. Ferreira de Centro: - Eu fui quasi em tudo prevenido pelo nobre Deputado, que me precedeu a fallar. Sr. Presidente, o Limoeiro, apesar de ser a prisão principal da Capital, estou persuadido que ainda não tem em si todas as commodidades de que carecem os presos, e que deviam ter, mas que de as não ter a Commissão não é a culpada. A Commissão é composta de Cidadãos muito benemeritos, filantrópicos, e de conhecida probidade; masquem está preso, entenda que sempre lhe falta alguma cousa. Esta Commissão, segundo as informações que tenho, tem muitos serviços, e muitissimo relevantes; e se a prisão do Limoeiro não é ainda uma prisão tão perfeita como o devia ser, tem com tudo melhorado muito ha dous annos para cá, já na sua limpeza, arranjos, e policia, e tudo isto devido á Commissão em resultado dos seus trabalhos. Eu não me opponho pois ao requerimento do Sr. Deputado Barjona; mas quereria que o Sr. Ministro das Justiças, antes demandar á cadêa o Magistrado requerido, quizesse primeiro saber por qualquer outro meio, que se lhe facilite, se essas queixas que os presos representam, são bem ou mal fundadas; porque de outra maneira ir-se-ha, a meu ver, offender o nobre orgulho dos membros da Commissão da cadêa: - e parece-me que para remediar isso, bastaria que o Sr. Ministro das Justiças: se entendesse com os membros da Commissão a este respeito, podendo-se assim conciliar o que os presos querem , com o que requereu o nobre Deputado: - porque de outro modo se o Sr. Ministra chegar a conhecer que tem faltado alguma cousa (o que é muito possivel; porque faltas não ha ninguem que as não tenha), fica offendido o melindre dos membros da Commissão. Julgo por tanto ser este meio, que lembro, o melhor para se tirar o pretendido resultado; conciliando-se assim os interesses dos presos com o decoro, e consideração devidos a uma Commissão, composta de homens, que tantos serviços gratuitos tem feito, e estão fazendo aquella casa. (apoiado.)

O Sr. Ministro da Justiça: - O Sr. Deputado Barjona lembrou, que conviria mandar-se um magistrado á cadeia fazer as necessarias indagações para verificar se sim ou não são fundados os queixumes dos prezos; e eu disse, que em o mandar não poderia haver duvida alguma: - agora porém entendo, que é melhor não indicar ao Governo o meio de que deve usar para obter, o resultado que ré pertende, na certeza de que elle ha de pôr todo o cuidado na escolha daquelle que parecer mais conveniente. (Apoiado, apoiado.)
O Sr. B. do Bonfim: - Sr. Presidente, quando hontem se apresentou aqui um requerimento sobro as audiências geraes, não estava presente o Sr, Ministro das Justiças, e por isso eu não tive occasião de fatiar alguma cousa a este respeito. Agora porém direi, que não vou fazer-lhe uma censura, pois que quando a quizesse fazer eu o avisaria previamente; o que vou fazer dirige se ao bem do paiz, nem exijo que o Sr. Ministro responda hoje se não estiver habilitado. Se estava já providenciado este objecto (julgo que não) tivemos a satisfação de o ficar sabendo; aliás, que não será perdido o que vou dizer, para que se tomem as providencias: e como os Srs. Ministros pelos seus muitos a (fazeres, e com o enorme peso com que se acham onerados, não podem estar ao facto de todas as precisões do povo, somos nós representantes delle, os competentes, para lhas fazer chegar ao seu conhecimento. Partindo deste principio, vou referir um facto, que merece se tomem a seu respeito as tão necessárias providencias. Há em Estremoz uma quantidade de presos muito criminosos (sessenta e tantos), homens desmoralisados por todos os modos, e tão horrorosos que mataram a machados os constitucionaes, que para aquella prisão tinham sido mandados por: D. Miguel. - Isto foi em 1834: - estamos em 1837, e ainda não foram sentenciados! Estão fazendo as mais temíveis maquinações contra o paiz; estão infeccionando o espirito publico com as maximas que se podem esperar de taes monstros, querendo estabelecer o

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despotismo. É necessaria uma força muito superior áquella, de que se póde dispor para evitar que façam rebentar alguma convulção politica, que senão possa atalhar; já esteve isto a ponto de succeder em occasião muito critica (em Novembro proximo passado). - Sei que tem havido muitas Administrações, e tambem sei as alterações que no civil, é principalmente no judiciário tem sido feitas por todas ellas; e que esta terá sido talvez a origem da demora. Mas, Sr. Presidente, se acaso nas audiencias geraes se não póde tomar Jogo uma medida prompta, e immediata, para serem sentenciados aquelles homens, e dar-se-lhes o destino competente, e que a justiça exigir que elles tenham, então, eu peço ao Sr. Ministro, e ao Congresso, que se tome uma medida decisiva A respeito destes presos, para aliviar aquelles povos do peso, e indignação que lhe faz a estada delles alli; e para se evitar aquelle foco de desmoralisação, e perigo, constante da sociedade.

O Sr. Ministro dos Negocios da Justiça: - Sr. Presidente, eu não tenho senão uma idéa muito confusa sobre esta especie; e por isso pouco posso dizer a respeito della; mas parece-me, que o mal que se aponta, não procede da authoridade civil: - eu não digo isto com toda a certeza; Amanha poderei informar a este respeito com conhecimento de causa.

O Sr. Leonel: - Não ha duvida nenhuma de, que o facto é verdadeiro: - ainda estão em Estremoz 60 daquelles presos, a que bem se podem chamar feras, pelas atrocidades que commetteram. Este objecto é muito grave, e sobre elle eu vou 4ar uma opinião, sem pertender que se tome decisão alguma a respeito do que eu disser; mas oxalá que alguma se tome a respeito de presos criminosos de tal ordem. - Sr. Presidente, eu entendo que pelas formulas ordinarias não é possível sentenciar com brevidade aquelles homens: - elles são naturaes d'alli, com parentes, e relações de toda o especie: -- homens que se foram os unicos que commetteram daquellas atrocidades, não são os unicos que pensam como elles: e então direi eu, Sr. Presidente, como é possivel achar alli Jurados capazes para os sentenciar? Eu estou persuadido que não os ha lá. Se aquelles homens forem mandados julgar pelos meios ordinarios, havemos de vê-los no meio da rua: e se isto acontecesse, seria na verdade cousa horrivel; mas é o que ha de acontecer, Sr. Presidente, se elles forem julgados pelas formulas ordinarias. Convém pois, que o Congresso tenha em muita consideração este objecto.

O Sr. Barão do Bonfim: - Sr. Presidente, tenho combatido sempre pela causa da liberdade, e com a maior lealdade: - eu não quero fazer censura a S. Exca. o Sr. Ministro das justiças; mas direi que póde ser que a authoridade militar tenha tido nisto culpa, até certa época. Quando eu fui encarregado do Governo das Armas do Alemtejo, officiei logo ao Ministro competente, pedindo providencias a respeito d'aquelles presos, e tratou-se então de os remover d'alli: - houve dificuldades, é verdade, e não póde deixar de as haver em anuncio ao máo estado das Cadêas; e não seria possivel tira-los dalli, sem os expor a irem morrer de fome: - e como elles tinham as relações que acaba de referir um illustre Orador, talvez fossem estas tambem as que influissem, para que os presos não fossem mudados daquella Cadêa: - foram estas por conseguinte as verdadeiras causaes delles de lá não sahirem, e não as authoridades militares, como se disse. Quanto porém ao remedio que a isto deve dar-se, eu não aponto qual deva ser; mas peço aos meus Collegas, que meditem sobre este caso, para se tomarem a respeito delle as necessárias providencias, evitando se assim, que aconteçam algum dia cousas tristes, que é facilimo poderem acontecer, e livrando-se (como já disse), aquelles povos do pezo que sentem com a estada entre si de presos por crimes tão horrorosos como estes.

O Sr. Duarte e Campos: - O Sr. Deputado, que me precedeu tocou em um objecto, em que eu devia talvez ter tomado a iniciativa. - Eu levanto-me para apoia-lo. - Pediu o illustre Deputado ao Sr. Ministro da justiça, que tomasse em particular, consideração o estado, em que se acha o povo de Estremoz, em consequencia dos presos, que estão nas Cadêas daquella Villa, para dar providencias a esta respeito.

Estas providencias são muito necessárias, porque no estado actual das cousas, é possível uma evasão.

Por varias vezes se tem representado, e exposto as razões pelas quaes os prasos, que fallo, devem ser removidos: e apontarei agora uma só; às suas numerosas relações naquella terra, donde a maior parte são naturaes; relações que tornam mui difficil a sua segurança, como presos, e expõem a Villa de Estremoz a um perigo, que e facil suppor, sem que eu o diga.

O facto é exacto; existem nas Cadêas de Extremoz sessenta e tantos presos; cuja continuação alli póde trazer máos resultados; insisto pois, para com o Sr. Ministro das justiças, para que elle faça com que sejão julgados com muita brevidade, ou removidos.

Cumpre-me dizer, que alguns tem já sido julgados, e os outros se o não tem sido, a culpa não é das authoridades militares; civis, ou judiciarias; a causa disto está na afluencia de processos, que tem havido.

O Sr. Ministro da Justiça: - Como não estou sufficientemente esclarecido sobre este negocio, reservo-me para amanhã, a fim de não avançar alguma cousa inexacta, ou que possa parecer offensiva a alguem.

O Sr. Barão de Bomfim: - Se o que acaba de dizer o Sr. Ministro se dirige a mim declaro, que não me dou por offendido : no modo porque fallei mostrei que estava persuadido, que como cavalheiro combatia com a lealdade, e o que disse foi só para esclarecer a S. Exca.

Passando-se á Ordem do dia, continuou a discussão (addiada) sobre o projecto n.° 8, ácerca da isenção dos habitantes das Ilhas dos Açores no próximo recrutamento. - (V. a sessão)

Teve a palavra em primeiro logar, e disse.

O Sr. João Victorino: - Hontem pedi a palavra; para anunciar a circumstancia em que podia dar o meu voto sobre este objecto, que acaba de pôr-se á discussão; isto é, a graça que se quer fazer aos habitantes dos Açores. Esta questão foi tratada hontem, e tratada com todo o sentimental, que ella admittia. Ah! Sr. Presidente, a quem faltará o talento para mover todas as paixões, quando se -trata de pintar o estado infeliz pasmado, e presente de Portugal? Foi pois a questão quasi esgotada; porque é esta uma questão, que admitte pouco seguimento.

Hontem traçou-se o quadro lastimoso dos soffrimentos dos Açores, e disse-se, que nos Açores tinham sido recrutados homens casados. Seriam, não duvido, mas voltemos o quadro; vamos a Portugal: qual foi, pergunto eu, qual foi o homem casado, que no tempo da usurpação tivesse a idade própria, e que estivesse nas circumstancias, e mesmo que o não estivesse, que deixasse de ser recrutado? As Milicias eram quasi todas de homens casados; esses batalhões chamados Voluntarios, que de voluntarios só tinham o nome, eram quasi todos de homens casados: ninguem escapou; os que escaparam, é porque estiveram escondidos, ou haviam de ser infalivelmente soldados. Se nós formos a comparar a mortandade, que houve dos individuos das Ilhas dos Açores, não tem comparação com a que houve no Reino de Portugal; e não foi nas acções onde elles morreram em maior proporção; a mais dolorosa, e acerba mortandade, como costuma sempre na guerra, foi nos hospitaes. Em Santarém morreram? mil recrutas: fez-se com o maior rigor que podiam dar-lhe auctoridades tão fortemente compromettidas, e tanto interessadas na sustentação d'aquelle governo, fez-se um recrutamento de 7 mil moços (que ultimamente com o mais

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lamentavel desleixo, todos alli acabaram às mãos das devastadoras epidemias. Mas dizem os Açorianos, nós combatemos pela boa causa Sr. Presidente, essa é que é a nossa desgraça : quem diz isso não é pai, se o fosse, se tivesse a desventura de ver um filho ir perder a vida por uma causa , que não ama, por uma causa em que seu pai, seus irmãos estão perseguidos, sua familia desolada, seus bens sequestrados, não dizia tal. Todos os heroes que apresenta a historia, e de que ha grande parte em Portugal, e até no sexo feminino, todos elles davão de boa vontade seus filhos, não choravam quando elles morriam cela causa que queriam defender: mas este caso é differente, ver morrer os filhos pela causa aborrecida; isto é que custa. Por consequencia não acho ainda sufficientes motivos tirados desta causa, para votar a favor do projecto.

Accresce de mais a mais, que em Portugal não só foram recrutados os homens, ultimamente foram recrutadas as creanças, eu vi passar levas de rapazes de 12 até 14 annos, porque não havia, com que encher as fileiras, lançou-se mão das creanças para tambores, e os tambores passavam para as fileiras das baionetas. Vinham as creanças a, chorar, como era proprio da sua idade, e as avós lavadas em lagrimas, as mães e os pais: e este foi talvez o maior mal, foi a ultima punhalada, que os loucos, e imprevistos, com manifesto prejuiso seu, sectarios de D. Miguel deram no systema d'elle; isto é, que revoltou finalmente, e metteu em grande perturbação e ódio contra tantas violencias os povos, e as massas das aldêas. Se nos formos pois a comparar males com males, estamos sem duvida em iguaes circumstancias, se é que não estamos em peiore comtudo, d'aqui não se segue que eu deixe devotar a favor do projecto, e é que por esta razão: o recrutamento é de 8700 homens. Ora vamos a ver os que se perdem, não entrando os Açores temos Angra com 255 recrutas, Ponta-Delgada com 190, e temos Horta com 55 - eu não vi na destrinça do recrutamento mais nenhum districto nos Açores ora sommando tudo isto, faz 495 moços. Com effeito isto não é uma grande porção de gente, que possa fazer muita differença no recrutamento: consequentemente voto que se lhe faça esta graça, por duas razões, que se tem dado, e que merecem ser attendidas em grande parte; mas com a condição de que aquillo que se abater no recrutamento dos Açores, não venha a carregar sobre as outras Provincias de Portugal, porque sendo assim, isto é, accrescendo a quota que está lançada aos outros districtos, então não voto pelo projecto.

O Sr. Almeida Garrett. - Eu voto contra o projecto, mas tambem não voto pela absoluta rejeição d'elle. As rasões que tenho ouvido de um lado, e d'outro, e as que ponderei por num mesmo, quasi todas elucidadas e desenvolvidas já pela brilhante discussão, que sobre a materia tem havido, modificaram em parte as minhas opiniões, primitivas, que eram de absoluta rejeição.

Duas grandes e principies considerações aqui temos, a questão verdadeiramente de cifras, que de passagem direi, é a que mais pode comigo neste caso e a consideração de sentimento e conveniencia que tambem não deixa de modificar as opiniões, de um Deputado de boa fé, porque é certo que se consideramos todas as questões unicamente pelas outras, havemos de errar muitas vezes, e por ventura tantas, quantos erra o que sómente por sympathias, julga e decide.

Haverá cousa de meio acento que na Europa surgio uma seita de philosafos, cujo empunho, e regra principal de argumentação era descarnar as, questões de suas circumstancias naturaes todas, reduzi-las a meras equações algebricas, e a titulo de sentimentalismo, despresar tudo quanto o intimo sentimento do homem de seu coração lhe diz, para não pensar senão com a cabeça. Fatal e terrivel reacção da philosofia contra os prejuizos e preconceitos dogmaticos da escolla
antiga, que (pois é condicção humana errar sempre) nos arremeçou para o extremo contrario. Do inteiro despreso dos valores absolutos das cousas, viemos a cahir no opposto vicio, o de não dar nenhum às circumstancias que naturalmente rodeam a cada objecto, a considerá-lo isoladamente, e a reduzir a theoria das cousas humanas a um mero calculo de cifras. Esta doutrina teve grandes apostolos, entre os quaes o eminentissimo Condorcet, e á sombra de illustres nomes, causou tamanhos daninos no mundo, como todas as doutrinas de systema suas predecessoras: que ainda cabeça de sábio não inventou systema, que não custasse caro a seus seguidores e oppositores.
Felizmente hoje temos chegado a melhores tempos, porque menos systhematicos. Por minha parte, nesta como em todas as questões, quero entrar com a cabeça e com o coração. E assim como não desejo ser desvairado pelos argumentos irracionaes das paixões, que é a política das sympathias, tambem não quizera fazer da arte de governar os homens, do systema da administração da republica uma simples calculação de economia politica, que tantas vezes é certissima nas theses, e erradissima nas hypotheses, segundo vulgarmente se diz: - porque a pbrase é recebida, mas falsa, que não ha cousa que, sendo certa na these, forçosamente o não deva ser na hypothese. - o ponto está todo em que nada ha neste mundo, que verdadeiramente se possa chamar these, nua vez que a queiram applicar a mais hypotheses do que ella naturalmente com prebende: e theses absolutas e umversaes não as ha fora da mathematica. Usei pois, sem a adoptar, daquella phrase vulgar, para ser entendido; e applicando estes princípios á nossa questão sujeita, direi, com perdão da illustre Commissão, a cujo parecer me opponho um parte, que os principios geraes, em que se funda me não parecem todos exactos em si e nas suas applicações, e que as consequencias por tanto, ou forçosamente cadução, porque os principios não são exactos; ou porque rectamente d'elles não derivam.
Disse-se, e muito bem se disse, que o pedido de braços, que se faz ao paiz para a sustentação do Estado, é uma contribuição como qualquer outra. - Inquestionavelmente -. Dizem as Constituições de todos os paizes (e quando ellas o não dizem, entende-se do mesmo modo; porque ha certas regras, que por não estarem escriptas no Codigo Constitucional, nem por isso são menos regras, e menus constitucionaes) dizem por todas as Constituições do mundo, expressa, ou lautamente, que todo o cidadão é obrigado a contribuir para a sustentação do Estado com uma quota da seus haveres, e de seu trabalho pessoal. Todo o cidadão é obrigado a defender o Estado, com as armas na mão: mas a obrigação, posto que geral, deste serviço que todos devem, não é, nem póde ser do mesmo modo prestada por todos. O chefe de família, por exemplo, servindo na Guarda Nacional, tam cumpridamente satisfaz a esta obrigação, como o outro cidadão que em outras circumstancus é sugeito ao chamado recrutamento de primeira linha. Ora como nem todos os cidadãos, neste ultimo caso, são sempre, e no mesmo tempo precisos nas fileiras do exercito, segue-se que deve haver sorteamento. Esta é a regra do serviço militar em todo o paiz de governo representativo: e fóra d'aqui não ha salvação. Todos nós desde o velho até ao moço, em quanto absolutamente não estamos impossibilitados, somos todos soldados. Que o diga a Constituição de vinte, ou a de vinte e seis, ou nenhuma; a lei é mais antiga que ellas, e fica sempre a mesma, e inalteravel por mais que se mudem e alterem os codigos politicos escriptos. O recrutamento pois e uma contribuirão como qualquer outra, é um encargo que o Estado, por necessidade impõe, e nenhum serviço até então prestado, nenhum que se deva prestar, ou se possa prestar, póde eximir o cidadão desta obrigação; ella é permanente, e constante. Mas tambem é inquestionavel, que quando uma divisão territorial qualquer, uma porção

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do paiz tem sido gravemente carregada pela demasiada prestação de qualquer serviço, a essa porção do paiz se deve fazer uma conta de deve. e ha-de haver, e do saldo deve essa parte do território ser exonerada. Vamos pois a ver se o território dos Açores tem até agora pago uma parte tal da sua contribuição de homens, que deva agora ser exonerada deste recrutamento: esta é a unica questão; porque, perdoem-me os illustres oradores, as considerações sentimentaes, fortes como são per si, habilmente ponderadas como aqui tem sido, eloquentemente amplificadas como hoje o foram , ainda assim pouco podem modificar a terrível simplicidade da questão numérica, qual esta se apresenta. Certamente que a causa do throno, a causa de Rainha, e da liberdade de Portugal deve quasi tudo aos Açores. (Apoiado) Certamente que difficil ou quasi impossivel nos teria sido a reconquista da liberdade, senão fossem os Açores, os seus enormes, e inauditos sacrifícios, aos quaes, aproveito esta solemne occasião de dizer, que o resto de Portugal tem sido não só ingrato, mas ingratissimo; serviços aos quaes os defensores da causa da liberdade, nem os emigrados a quem os Açorianos deram os meios de voltar ao seu paiz, assim os que não eram emigrados, e que com tudo lhe devem o serem restituídos das masmorras ou do homisio, em que andavam, á posse de seus bens, ao seio de suas familias, - direi mais - nem a legitimidade, que por elles foi restituida ao que seus proprios fautores nas cortes dos Principes poderosos da terra escarneciam já como impossivel - nenhum de vós a estes sacrificios tem deixado de ser ingrato, - indecentemente ingrato.

Tão pouco deixarei passar esta occasião solemne sem declarar que, segundo o entendo, esta arguição pesa não só sobre as administrações passadas, mas (permitiam-me os Srs. Ministros da Coroa que lhes diga) alguma parte carrega ainda sobre a propria administração presente, porque, apesar das graves dificuldades, de todo o género em que seus, e nossos inimigos a tem sempre trazido involvida, alguma cousa todavia se podia ter feito; e por pouco que fosse, era uma satisfação dada; era uma homenagem ao menos, um reconhecimento de divida, que sempre fica bem aquém o faz. Absolutamente nada se tem feito a favor dos Açorianos; as dividas que se contrahirem no continente, e sobre tudo com os estrangeiros, senão tem sido pagas todas, ao menos algumas o tem Eido; se? nem todos tem recebido o que deram, ao menos tem-se-lhe liquidado as suas contas para poderem receber em tempo opportuno. Alguns recebem juro de seu dinheiro. Em quanto as dividas sacratissimas, privilegiadissimas dos Açores fluctuam incertas, e quasi esquecidas. Na divida da contribuição de homens, de que agora se tracta, o escandalo é dobrado: pois que muitos dos voluntarios do continente tem voltado a suas casas, e só os desgraçados voluntarios dos Açores se acham ainda hoje em dia no serviço dos carpos de linha. E eu reclamo muito particularmente a attenção do Sr. Ministro da Guerra para que tracte de lhes fazer justiça. Póde ser que tudo isto que digo não seja em toda esta extensão exacto: mas se o não é em todos os pontos, certamente o é em grande parte. Folgarei muito se tiver exagerado; porque menor será o mal, e ninguém teria nunca a satisfação que eu hei de ter em ser convencido do meu engano. Menor terá sido o mal. Mas lembrem-se bem os Srs. Ministros que, porque as administrações passadas foram más, porque o Governo já havia sido ingrato, porque já tinha faltado á sua palavra; os erros, as faltas, os descuidos de uma administração anterior não desobrigam a administração que lhe succede; antes pesam sobre ellas da mesma forma, e mais gravemente, porque mais antigos sãos; em quanto os não reparam. E todavia porque isso ainda se não fez (e ultimamente, porque em grande parte se não póde fazer) seguir-se-ha que deva agora o Corpo Legislativo, por uma indemnisação mal intendida e absurda, hir sobrecarregar os povos de outros districtos com aquellas quotas de tributo de sangue, que pertenço aos Açores? Nós Deputados, nós Procuradores de Portugal - não podemos faze-lo. Poderiamos, se assim fosse, dizer que os Açores já tinham pago adiantado. E isto pertendem alguns illustres oradores, que mu precederam. Outros o contestam. Eu sou pela ultima opinião. A questão na sua generalidade (na qual generalidade eu a combato) é esta - Tem os povos dos Açores pago adiantada uma som ma de homens tal, que agora todo o archipelago deva ser desobrigado Deve por tanto aquella quota, que lhes pertença recahir sobre os povos do continente? Eu digo que não. Mas, (repito) digo que não em geral, porque direi que sim a respeito dos povos da ilha Terceira; com os quaes, feitas as contas, estou certíssimo se há-de provar que elles já pagaram adiantado, desde 1828 em que começaram até 1834, não comente a sua quota desta presente derrama, senão a de muitas outras futuras. Talvez, mas não estou certo, haja tambem algum desconto a fazer á ilha do Faial, e porventura a alguma outra; mas no todo do archipelago, affoitamente digo que não: e eis-aqui em que me fundo. Desde 1807,- que se fez o ultimo recrutamento nas ilhas dos Açores, até 1831 que se procedeu ao recrutamento geral para o exercito libertador, decorreram 23 annos. Na conta geral do estado com os povos apparece pois um quarto de se ciilo de divida atrazada dos Açores Durante este tempo todo o exercito portuguez só foi sustentado com braços do continente. E nestes 23 annos, note-se bem, entrou o período tão glorioso quanto calamitoso da guerra da independência. Durante nove para dez annos, os portuguezes do continente não só contribuiam com homens para aquellas cruentas guerras, que em fim derribaram o collosso do imperio, e libertaram a Europa, mas além dos enormes tributos de dinheiro e generos tiveram de sacrificar as suas casas, os seus campos, as suas lavras, os seus gados, e tudo quanto possuiam; porque tudo era mister abandonar e arrazar para que a independencia de Portugal fosse salva. Muitas notáveis terras do continente do Reino deixaram de existir, muitas ficaram em tal estado, que ainda hoje se não recuperaram; e com o nome de cidades e villas, são meios acervos de ruinas - continuações de pardieiros, é que parece irrisão o titulo pomposo de villa que lhe damos - ou o tractamento de cidade com que diriam que as escarnecemos? Passem por essas ruinas os Srs. Deputados dos Açores, e perguntem se foi o inimigo que assim as pôz? Não por certo: foi pela maior parte o voluntário e generoso sacrifício dos povos, que antes quizeram de suas proprias mãos arrazar até os jazigos dos ossos de seus pães, do que deixar uma cabana em que o inimigo se acoitasse - Que succedia no entretanto nos Açôres? Que se passava naquelle ditoso archipelago, em quanto Portugal ardia todo em guerra, e derramava quanto sangue tinha para sustentar este nome de Portugal, que nossos avós nos legaram tão honrado e glorioso, para que se conservasse arvorada em nossos torreões esta bandeira das Quinas, que tanto custou sempre a sustentar independente? - Antes de responder a esta pergunta, preciso de fazer uma declaração. Eu sou, Sr. Presidente, oriundo das ilhas, meu pai é filho, ametade da minha familia é açoriana; e eu tenho muita honra em ser, e me chamar ilhéo, posto que a não tenha menor em pertencer á provincia do Minho, em que nasci, e donde tenho o resto de minha familia. Declaro mais, que quasi todo o pouco que possuo, o possuo nas ilhas, e por tanto tambem sobre os mim, e sobre os meus ha de cahir a contribuição de que se tracta. Feita esta declaração, que julguei necessaria, continúo. Durante estes 23 annos, parte dos quaes residi nas ilhas, os povos dos Açores não sofreram cousa alguma; porque alli não chegou a guerra, nem suas devastações, nem seus tributos, nem seus terrores. Ao contrario, os Açores, ganhavam muito de sua quasi-neutralidade; porque as suas abundantes e variadas producções se vendiam melhor, e reputavam mais alto.

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Quando por tanto, depois de um quarto de seculo de absoluta paz, e perfeita isenção, não só dos, padecimentos, senão de todas as contribuições do guerra, o estado de foi em 1831 pedir ao archipelago dos Açores nina contribuição, certamente forte, certamente de grande valor, e iam a qual, convenho, o estado só não salvaria, poder-se ha dizer que se lhe deve descontar agora? - Cousa mais injusta, e apaixonada ainda não foi dita, Sr. Presidente O recrutamento de 1831 nos Açores foi apenas o pagamento d'uma divida antiga, e atrasada: - aliás de uma parte ainda bem pequena d'essa divida. Somos irmãos, e entre irmãos não se devem apurar extremos de contas. Demos-lhas por feitas, e saldadas não teremos feito pouco. Mas querer-se, a titulo de compensação e indemnisação porque em 1830 pedimos parte desta divida atrasada, agora os isentemos de uma contribuição geral Repito, Sr. Presidente, não o podemos fazer. Eu seria o primeiro a votar pela isenção, e a empregar todas as minhas debeis forças em advogar por ella, se da isenção dada aos Açores se não seguisse um accrescimo de contribuição sobre o resto dos povos do continente, e das outras ilhas. Neste ponto agora absolutamente não pode entrar o sentimento, esta e que e questão puramente de cifras. Toda a vez, que nós em nome do estado, isentamos qualquer parte dos povos de contribuir, seja com que for, homens, dinheiro, ou serviços, essa quantia de que os absolvemos, ha de forçosamente hir accressentar-se aos outros, povos para a pagarem.

Ora, pergunto eu, podemos nós com justiça hir beneficiar uma porção de Portugal a custa do resto? Não póde ser. Mas diz-se (com tanta, apparencia de justiça !) pelos que sustentam o parecer da Commissão, diz-se em nome dos Açorianos -"E que seria de vós, sem este pagamento adiantado ou atrasado, que naquella occassião, naquella hora de angustia vos fizemos? "A interpellação é forte, e eu quero mais, Sr. Presidente, quero reforça-la com um argumento ou antes com uma exposição toda algebrica, e em que não podem entrar paixões. - Assim como uma porção de dinheiro pago ou recebida em certa occasião póde valer mais para quem a recebe, ou custar mais a quem a paga, tambem uma contribuição de braços prestada em tal ou tal occasião pode valer mais, ou custar mais. Assim taes foram as vantagens que o estado tirou daquelle recrutamento de 1831, pesou elle tanto sobre os contribuintes, valeu tanto á causa da liberdade, e da Rainha, que cada homem daqualles devem valer por muitos que agora (quando tudo está feito) sejam contribuidos.

Apparente justiça de usurarios! Argumento que estou certissimo nos brios insulanos, nem elles fazem, nem consentiam que em nome fôra feito! Apresenta-o em sua vergonha a andez, para que bem lhe apprecesse todo o absurdo que encerra.

Sr. Presidente, se se tractasse de fazer aos Açorianos um favor que pezasse sobre nossas pessoas, que sahisse de nossas algibeiras! Mas nós, se dermos, não damos do nosso, damos dos outros portuguezes. E todavia, segundo já admitti confessei desde o principio, não podemos, nem devemos absolutamente desprezar os argumentos de sentimento. Convenho nem os desprezarei eu nunca, neste caso menos que nunca antes me quero tambem valer do seu auxilio.

Se os Açores contribuiram em tamanha proporção para a formação do exercito libertador, em que proporção tremenda não contribuiram depois a população do Porto, a população do Lisboa, a população de Faro, e de todo o littoral Algarve, os visinhos da eterna villa de Marvão, e todas as, outras povoações de Portugal, que tomaram parte na lucta? Em que proporção não tinham contribuido já anteriormente as cidades, villas, e aldêas do continente do Reino, que desde 1826 começaram a resistir á usurpação? Que em 1338 com tanta devoção e de modo se declararam pela causa da liberdade, e do throno legitimo? Pois que: já esqueceram os horrores da alçada do Porto, as crueldades do Algarve em 1828, os sacrificios quasi diarios, que se faziam n'essas praças de Lisboa durante a usurpação? Já esqueceu a hecatombe do regimento 4.° de infanteria? Porque? Porque foram infelizes - ou atraiçoadas essas nobres tentativas do povo? E as terras de Traz os Montes, de donde se tinha recrutado todo o bravo batalhão de caçadores n.° 5, que na ilha Terceira tanto auxiliou os patriotas para sustentarem o governo legitimo, quando em todo o resto de Portugal a liberdade já não tinha um templo, já não tinha um altar? E da emigração de todas estas terras, de tantas outras, não se tinha formado antes do recrutamento de 1831 - não se continuou depois a formar muita parte do exercito libertador, que principiou com algumas companhias do batalhão 5.º de caçadores, e acabou com setenta e tantos mil homens, que tantos tinhamos quando depois de victoriosos em Evora-Monte fomos vendidos á intriga estrangeira?
Se isentarmos os Açores, em rigorosa justiça, uma a uma havemos de ir isentando todas, as terras e povoações, que igualmente soffreram e contribuiram.

É verdade, bem o sei eu tambem, que as republicas antigas, cujos exemplares e regras de Governo antigas rara applicação tem ao nosso modo de existir dos povos livres de hoje, as republicas antigas, digo, faziam muitas destas excepções apaixonadas. Nas republicas antigos uma cidade era rainha, o resto do pau vassallo della. Os italianos de meia idade davam-lhe mais proprio nome, porque diziam a Senhoria de Veneza, de Génova etc. Os nossos escriptores antigos, assim diziam também. O Governo repesentativo é outro, graças a Deos, mais igual, mais verdadeiramente livre que o daquellas republicas todas ditas livres, mas em que a liberdade de poucos, trazia forçosamente a vassalagem, quando não era a escravidão do resto Outro argumento se produto aqui contra o parecer da Commissão, de que seus babeis defensores com muito talento lançaram mão para o voltar contra quem o empregava. Eu deseja examiná-lo imparcialmente. O argumento é este em quanto os povos dos Açores contribuiam com os braços de seus filhos para a defesa do Estado, e da causa da liberdade, não menos contribuiam, posto que forçaitamente os povos do resto da monarchia, para a sustentação do exercito. E ainda que o exercito defenda a infame causa do tyranno, a contribuição nem por isso deixava de ser efectivamente paga, e ainda mau, gravosa, porque mais forçada.

Não sou eu de certo, Sr. Presidente, que jamais concorra para se reconhecer como divida do Estado, de nenhuma espécie ou qualidade, a que o tyranno contrahiu, porque forçada ou voluntaria, essa divida e immoral. Sanccionar taes dividas, admittir smlilhantes coações, é.iuthorisar a re-bellião, e consagrar o crime publico. Se as pagaram, sua culpa. Fizessem o que fizeram os povos da ilha Terceira. Fizessem como nós que não demos nenhum soccorro, nenhum auxilio a D. Miguel! Fizessem como nós que nunca o reconhecemos! Mas lato foram só os povos da Ilha Terceira, mas isto não foram os povos de todos os Açores.

Dir-me-hão, e de boa mente o concedo, que o que fizeram os povos da ilha Terceira, não podiam tambem fazer os povos das outras Ilhas, assim como tambem o não podiam fazer os povos de Portugal. Assim e certamente nem eu quero agora passar um voto de censura, sobre toda a Nação portugueza, que o não merece. Mas argumentar com a que soffreu Portugal, porque soffreu um tyranno, é argumento, que em minha consideração, nada vale. Não vale, digo, assim posto. Mas não póde deixar de valer quando de outro modo, a particularmente em certos pontoa considerado.

Se em alguma parte as vedações foram taes e tantas que reduzissem os povos a estado de não poderem pagar esta ou qualquer outra contribuição, ou de lhes custar mais a pegar, ou de a não poder pagar todo este caso, entende

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eu em minha consciencia que se deve tomar em muita consideração, ainda que esses sacrifícios, que exhauriram os povos, fossem para utilidade do tyranno: não porque os sacrificios mereção alguma contemplação; mas porque o estado é esse, fosse qual fosse a causa a que é devido. Que este seja o estado actual do paiz, não creio eu; mas creio e sei decerto, que de tal moio doou arruinado, que seria summamente injusta a distribuição de imposto, que o obrigasse a contribuir com uma quotta de tributo, que lhe não pertence. Neste sentido, e por este modo, ú argumento do que Portugal foi forçado a dar ao tyranno, nem é despresivel, nem merece a grave e apaixonada censura, que lhe tem sido feita.

Mas não são todavia essas as considerações, que mais me movem a votar contra, ou a favor do parecer da Commissão; o que pesa na minha consciencia, é a persuasão de que o povo dos Açores está em geral nas circumstancias de contribuir (assim como o de Portugal) com a quota insignificante, que agora se lhe pede. A população da ilha de S. Miguel é mais florescente, e proporcionada do que a de nenhuma parte do territorio portuguez do continente; a da ilha do Pico é mais abundante do que, em proporção, nenhuma parte do mesmo continente; a da ilha de S. Jorge, está nas mesmas circumstancias; e a da Graciosa é superabundante, e disso nasce principalmente a grande emigração que dalli tem havido para o Brazil. Aqui se acham alguns) Srs. Deputados dos Açoras, a quem peço queiram dizer se isto é exacto, ou não. Não ha província alguma de Portugal, Sem excluir a do Minho, que em lego às quadradas apresente uma superfície tão povoada como S. Miguel. Se esta parte do territorio portuguez está neste estado, com que direito havemos nós de ir tirar-lhe a sua quota de contribuição de sangue, para a impormos às outras? E a quaes? Aos desertos da Beira, às planices abandonadas de Alemtejo, aos areaes mal povoados do Algarve. Se pois se considera a questão da imposição deste tributo, pelo lado do estado em que se acham os contribuintes, o verdadeiro ponto de vista é este. Se formos às considerações de sentimento, tanto as ha a respeito dos Açores, como a respeito de grande parte do continente. Mas nenhum legislador podo dizer - eu quero impor um tributo de guerra aos povos do paiz, e quero impo-lo mais forte áquelles do que a estes, porque não concorreram para tal ou tal cousa. Este estranho modo de premiar ou punir, seria o de um Congresso que representasse um partido, e nós não representamos partido algum, somos os representantes da nação portugueza: quando se trata de impor um tributo; somos os seus contadores geraes pora lh'o distribuir com igualdade escrupulosa, esmiuçando a igualdade até os ceitiz. Por minha parte, não me importa incorrer em toda a responsabilidade moral (que se um Deputado a não tem legal, não é menos grave a responsabilidade moral, que lhe pesa por seus votos na opinião dos povos), em toda a responsabilidade, digo, que merecer, quando declaro, como agora solemnemente faço, que não quero representar aqui partido algum, nem aquelle pelo qual tenho lidado a minha vida toda, pequena ou grande; valiosa ou inutil; tem sido toda. Lançando os olhos por este Congresso, muitos talentos e capacidades vejo a que abaixar a cabeça; muitos, e grandes serviços a que me inclinar. Mas em padecimentos, e sacrifícios pela causa da liberdade não vejo nenhum a quem ceder. Desde que abri os olhos da razão, ainda não fiz mais do que andar de carceres em degredos; e posso dizer sem receio de ser desmentido, que poucos veteranos desta santa causa se contam em Portugal com os meus quatorze annos de incessante lida, e não relaxado zelo. Graças a Deos, bem pouco tenho o costume de fallar de mim: mas sou obrigado a invocar estes precedentes, porque nelles quero, mais desafogadamente assentar a liberdade de proclamar altamente o meu principio, de não representar partido algum, nem se quer o liberal, a que tenho a honra de pertencer. É em minha consciencia entendo que sou representante da família portugueza, ainda da parte della que teve a desgraça não de se manchar a si, que o não fez; mas de ser manchada por quatro traidores com o serviço do tyranno. Representante da grande maioria da nação, é de nenhuma fracção delia; só advogarei os seus grandes interesses, hei de sustentar a minha opinião imparcial nesta questão, sem a nada mais attender.

Se porém é verdade que um quarto de século dê perfeita , ou quasi perfeita isenção de contribuições de guerra que tiveram os Açores, deixa mais do que saldadas as contas da ultima contribuição dê 1831; com tudo muito varia a questão a respeito da ilha Terceira, que certamente está noutro caso. Desde 1828 até 1834 talvez, ou 33 pelo menos, são cinco a seis longos annos, em que os seus habitantes não pagaram este ou aquelle imposto; contribuíram com tudo quanto tinham. Houve familias - que ficaram sem um homem : as contribuições que nessa época alli se exigiam, não eram só de braço; que pegassem em armas, eram contribuições de todo o modo; áquelles que não pegavam nas armas, pegavam nas enchadas para abrir fossos; os que não cavavam, iam ao matto buscar lenha para as fortificações, e os que não faziam isto, iam morrer naquelles bravos mares, remando como forçados de galé os seus proprios barcos, que nós lhe tomavamos.
Tudo isto vi eu, e fui dos que menos viram, porque mais tarde tive a honra de acompanhar os Illustres defensores daquelle baluarte. A respeito pois da Terceira varia a questão infinitamente. No fim da guerra, em toda a ilha Terceira não sã acharia talvez um homem para recrutar. Então não seria precisa dispensa, porque a davam materialmente as cousas. Estes sim, que pagaram adiantada, e para muitos annos a contribuição, que agora se lhes podia pedir, e numa proporção tal, que a nenhuma outra parte do reino se poda comparar..

Na parte relativa á ilha Terceira approvo pois o projecto, e pelas mesmas razões por que o rejeito no que toca ás outras ilhas. Não duvidarei com tudo modificar a minha opinião da generalidade, se a respeito de alguma dellas se allegar razão, ou facto que me convença.

A Commissão no seu parecer, apresentou às Cortes como objecto de consideração, e o é sem duvida, que o recrutamento de que se trata iria promover a emigração, concorrendo assim para a despovoação daquellas provincias. Não estou tambem convencido disto. Conheço a repugnância (hoje não tanta) que os Açorianos tinham a ser recrutados; mas isto não acontecia só nos Açores, acontecia igualmente em Portugal, e se era maior nessas ilhas, provinha era parte de serem ahi os recrutamentos mais raros: hoje olha-se para a vida militar com menos susto. Os habitantes da Portugal perderam muito o horror ao recrutamento com a guerra da península; porque desde então a profissão militar deixou de ser abjecta. É verdade que entre nós ainda não chegou ao ponto, a que tem chegado em outros paizes; mas indubitavelmente perdeu já muito da abjecção em que se achava; e progressivamente tem ido perdendo de sua impopularidade. O mesmo vai acontecendo nos Açores. Alguma repugnancia ha ainda certamente: mas não é só nos Açores, não é só em Portugal, que se observa. Em França, paiz classico da guerra, aonde tantos annos se recrutou por um methodo igual; aonde houve tanta batalha, e tanta viciaria; aonde ficaram tantas glorias, aonde tantas vezes o conscripto effectivamente levou no seu bornal o bastão de marechal de França (como dizia Bonaparte); neste paiz digo, ainda hoje ha tal repugnancia a ser soldado, que todas as diligencias se fazem para escapar do recrutamento. A repugnancia pois não é exclusiva aos povos dos Açores, é-lhes commum, mais ou menos, com todos os povos do mundo. Mas nem o condescender com esta repugnancia, evitaria a emigração dos Açores: ella não vem

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do receio de ser recrutado, vem de outras causas. Sempre que os povos não estão bem, ou sào de mais na terra em que se acham, apparece a tendencia de emigrarem. Dir-se-ha, - não se dá essa razão nos Açores, porque o paiz póde sustentar ainda mais habitantes do que tem. Respondo que, quando se ache gente de mais em um qualquer paiz, e ha emigração, não é porque elle não possa sustentar esse
excesso de população, mas porque as condições d'existencia são de modo, que moralmente se encurta a superficie habitavel do paiz. Por tanto emendem-se esses erros de legislação, que então os povos não emigrarão senão na proporção, que a terra, os não poder sustentar, e a prova é que de provincias menos povoadas emigra mais gente, do que de outras que menos o tão; porque as condições do terra no permittem, ou não permittem a existencia de maior numero de habitantes, todo o individuo, ou familia que emigra, é porque vai buscar melhor estado em outra parte. A despopulação das provincias continentaes de Portugal tem sido objecto de sérias considerações do Governo, e dos Corpos legislativos, tem-se tomado medidas de toda a especie para augmentar, a população, e nada se tem conseguido, porque não ha meio algum, que possa trazer esse resultado senão o que já disse melhorar as condições da existencia. Em quanto isto não acontecer, serão baldados quantos meios directos, os indirectos se pratiquem. Durante a nossa existencia nas ilhas da Açores, com todos os encargos, que gravavam os povos, a emigração foi maior: nem a população descresceu. Onde as condições de existencia offereçam meios para sustentar dez mil habitantes, ha de havê-los, onde aquellas condições faltarem nunca augmentará a porção, todos os meios que se empreguem mediatos, ou factos, mais ou menos fortes, não farão conseguir foi nenhuma. A população de um paiz é como o commercio, não se faz por decretos, ou portarias, não ha meio positivo conhecido de forçar a industria, a agricultura, ou o commercio, a que floreçam, ou deixem de perecer. Todos os meios que ha, são negativos; é arredar os estorvos, que existam para o augmento de cada uma destas tres cousas, ou de todas tres juntas, que é o que produz a população. Em Inglaterra tem-se feito os maiores esforços para impedir a emigração de alguns dos pontos desse paiz; tem-se feito associações, tem-se tomado medidas legislativas, tem-se tem-se tentado tudo, e ainda se não conseguiu dimumi-la de um só homem, nem augmentar a população de uma só familia: o mesmo tem acontecido em varios pontos da Alemanha, porque a maior parte da gente, que emigra para a America, de da Alsacia, e de outros pontos visinhos, á raia do França, tanto o governo francez, como alguns governos allemães, tem tomado immensas medidas, isentando essas populações até de contribuições em dinheiro, e homens, e nau alcançaram nada com isso. Torno pois a dizer, que aonde o pais não poder suppnr mais do dez familias, só dez ha de haver; e em chegando a onze, ou ha de perecer, ou emigrar. O unico meio para o impedir, é fazer com que as condições da existencia sejam mais faceis, a com que a área que não podia senão com dez venho a poder com onze. Vejam nessas proprias ilhas dos Açores como esta verdade apparece. A ilha do Pico, que de todas as do archipelago é a que da natureza recebeu menos terra, lilteralmente menos terra, porque a maior parte do seu sólo são pedras vulcanicas, no entretanto a industria tem augmentado a área, e os meios de subsistir. Anda a agricultura pelo meio dessas pedras, e a população tem crescido. Ao contrario, a ilha Terceira é uma das mais férteis no seu terreno, a população da ilha Terceira é proporcionalmente a menor de todas as ilhas da Açores, porque alli ha menos industria, e tem diminuído a área habitavel, em consequencia a emigração da ilha Terceira, é absolutamente maior, e proporcionalmente igual.

Conheço que tenho sido longo e diffuso, mas forçou-me o objecto a sê-lo De tantas, e tão variadas considerações, concluo que, em geral, o archipelago dos Açores não está no caso de te lhe poder conceder esta isenção. Voto por tanto contra o parecer da Commissão nesta parte, salva alguma modificação, que rasoavelmente possa fazer-se. Approvo o parecer no que é relativo a ilha Terceira.

O Sr. Silva Pereira: - Sr. Presidente , grave e extensamente se tem tratado esta maioria: tanto por um lado como pelo outro se tem dito muitas razões, e motivos; finalmente tem-se dito tanto, que eu deixaria de fallar senão tivesse motivo novo, que a meu ver ainda não foi tocado: este processo de recrutamento é inteiramente ROVO em Portugal: a base delle é fundada na não excepção dos indivíduos, que nelle são classificados. todos os mancebos, que tiverem dezoito a vinte cinco annos, devem ser sorteados para o serviço do exercito; se houver a menor dessas excepções, o processo será destruído pela sua base. quando as Commissões de guerra, e administração trabalharam sobre essa lei em 1835, todos os membros dessas Commissões concordaram em que houvessem algumas excepções em a attencção ao estado do paiz; ao modo parque elle estará destruido, e às profundas tendas, que ainda estavam abertas: concordaram em que devia haver algumas excepções; mas todos reconheceram que ellas não deviam entrar senão em attencção aos motivos expendidos, e por aquella vez sómente, foi em attencção do Paiz; mas esses momos cessaram, já dous annos tem decorrido, e por consequencia entendo que hoje não deve haver excepção alguma, estou disposto por tanto a votar contra todas ellas, não só de povoações, mas de indivíduos, todos aquelles que tiverem de dezoito até vinte cinco annos hão de entrar no sorteamento, a se houver uma, seja a de filho unico de viuva; a não ser assim o recrutamento, não se poderá este preencher; e de mais, Sr. Presidente, se nós virmos que não entram na lei do recrutamento aquelles, que devem entrar, teremos força para fazer lá ir o resto? De modo nenhum, Sr. Presidente; porem se nós fizermos a justiça, como eu creio que faremos, isto é, se o sorteamento for geral sem excepção de pessoa alguma, todos hão de entrar na urna.

Não toco agora na parte sentimental, ser-me-hia desculpavel... Ora quanto aos parallelos, alguns Srs. Deputados disseram homem que não os havia entre os serviços da ilha Terceira, e as mais terras que se destinguiram é manifesto que a ilha Terceira teve sacrificios, e teve-os muito fortes; fez grandes serviços, soffreu vexames de toda a especie; mas foram (permita-se-me a expressão) sacrificios feitos em tempo de paz; e então sacrificios, de paz não podem ter parallelo com os sacrificios da guerra; o Porto não esteve dous annos rodeado? Não esteve um debaixo de uma abobeda de ferro desabando em estilhaços! Mas em fim eu vou ao sentimental, quero guardar me d'elle, digo portanto senos dispensarmos as ilhas, tivemos de dispensar o Porto, havemos de dispensar Marvão, havemos de dispensar o Algarve no seu litoral, finalmente havemos de dispensar Lisboa; e poderemos nós fazer isto, Sr. Presidente? Eu entendo que não: voto por consequencia, contra o parecer da Commissão,

O Sr. Costa Cabral: - Sr. Presidente, quando hontem ouvi fallarem em favor do projecto um discussão ao Sr. Cezar de Vasconcellos, havia eu formado tenção de ceder da palavra, porque aquelle illustre orador tinha encarada a questão por todos os lados, e havia expendido rasões e argumentos que me pareceram industructiveis, e ainda hoje me conservo na mesma idéa, não obstante o muito que se tem fallado. Nesta occasião não me teria ainda servido da palavra que acaba de me ser concedida se, não observasse, que um Sr. Deputado, oriundo dos Açores, combatendo parte do projecto, recorreu a argumentos deduzidos de factos, que elle referiu com pouca exactidão, naturalmente porque não está bem informado; espero no entanto que S. S.ª ratificará as suas ideias, quando ouvir os esclarecimen-

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tos necessarios. Antes de tudo, Sr. Presidente, direi que é indispensavel encarar a presente questão pelo modo e maneira, que o fez o Sr. Cezar de Vasconcellos; isto é, que não se tracta de estabelecer uma nova excepção á lei do recrutamento; que se tracta sim, e sómente de reconhecer o principio seguintes quem pagou adiantado não deve ser obrigado a novo pagamento. = Se os Srs. Deputados encararem a questão deste modo não receio, que a causa dos meus constituintes se perca; nem vejo necessidade de grandes, e eloquentes discursos para a sustentar; estes d'ordinario são necessarios para sustentar uma má causa, e a dos meus constituintes é a da justiça. - Deixarei pois de repetir o que tão claramente tem sido desenvolvido por alguns Srs. Deputados, e limitar-me-hei com particularidade, a fallar no sentido que já expuz, destruindo os argumentos, que foram deduzidos de factos referidos com pouca exactidão.

O Sr. Deputado, oriundo dos Açores, para impugnar o projecto disse, que os açorianos não deviam por esta vez ser isentos do recrutamento, por isso que elles no grande contingente que deram para o exercito libertador, nada mais fizeram que pagar uma divida, em que se achavam para Portugal, por quanto não haviam elles dado nem um soldado para a guerra da Península, era quanto Portugal havia fornecido um exercito de 60:000 homens ou mais; todos sabemos o quanto soffreu Portugal nessa calamitosa época, mas todos os que conhecem a historia dos Açores desse tempo sabem, que 1.°, os açorianos soffreram um recrutamento de mancebos, que pela maior parte foram para o Brazil; 2.°, que os açorianos soffreram constantemente nessa época um recrutamento muito maior do que a lei, e igualdade lhe impunham em proporção da sua população: Sr. Presidente, sempre os açorianos tiveram quatro corpos de tropa de linha em armas; tiveram um d'artilheria, e outro d'infanteria na ilha Terceira, tiveram um d'infanteria em S. Miguel, e outro no Fayal. Ninguém ignora, quanto interessante era para o Governo de Portugal conservar sempre em segurança as ilhas dos Açores; estas além de serem um ponto verdadeiramente militar, (com particularidade a Terceira) forneciam grandes recursos; perguntarei pois em vista disto? Não seria o Governo de Portugal obrigado a mandar tropas do reino para guarnecer as ilhas, se não estivessem defendidas por tropas do paiz? Mas não morreram, nem soffreram o que soffreu o exercito de Portugal! É verdade, eu sou o primeiro a reconhoce-lo, mas tambem é verdade que estavam dispostos a isso se fossem attacados; e o que é indubitável, é que os açorianos tambem soffreram recrutamento, unico ponto que me propuz demonstrar.

Disse mais o Sr. Deputado; que se os açorianos fossem isentos do recrutamento, com mais razão o devia ser a província de Traz-os-Montes, em cujas serras foi recrutado o bravo batalhão n.º 5: muito bem, Sr. Presidente, se uma província qualquer deve ser isenta por nella ter sido recrutada a gente que formou o batalhão n.° 5, então direi que o devem ser os Açores; porque esse bravo batalhão quando entrou em Portugal, desembarcando nas praias do Mindello, era pela maior parte composto d'açorianos; a favor destes portanto orou o digno Deputado, quando julgou que impugnava a sua causa. Note-se, Sr. Presidente, que o batalhão 5 quando na ilha Terceira se decidiu a sustentar com tanto denodo a causa do Sr. D. Pedro 4.°, e da Liberdade, contava apenas 200 homens de Portugal; e quando desembarcou em Mindello, não contava talvez desses mesmos 150, tudo o mais eram açorianos; logo ainda por este argumento se prova a justiça do parecer da Commissão.

O mesmo Sr. Deputado depois dum longo, e eloquente discurso cahiu em uma pequena contradição; nem isso é para admirar quando se discorre por tanto tempo; entretanto sou obrigado a reconhecer, que o Sr. Deputado fallou com muita eloquencia, e erudição. Disse o Sr. Deputa-lo, que como Representante da Nação era obrigado a defender os interesses desta em geral, e que assim era obrigado a defender os interesses das próprias familias miguelistas; ora o Sr. Deputado quando tal disse para justificar a opposição que fazia á causa dos seus patrícios, não se lembrou, que havia sustentado, que o tributo de sangue pago pelos Portuguezes a favor de D. Miguel, não nos devia merecer contemplação para o recrutamento; parece que o Sr. Deputado para ser coherente, devia tambem defender a causa das famílias miguelistas nesta parte!

Um outro Sr. Deputado, que se senta nesta bancada, combatendo igualmente o parecer da Commissão disse, que os sacrifícios feitos pelos Açorianos não eram tão grandes como se dizia, por isso que foram feitos em tempo de paz! Oh, Sr. Presidente, qual foi o dia de paz que tiveram os Açorianos desde que na ilha Terceira se repelliram as pertenções de D. Miguel, sustentando-se a causa da liberdade! Não se occoparam elles constantemente da defeza, que um dia devia Salva-los do furor do tyranno? Não se prepararam elles incessantemente para resistir aos ataques duma esquadra, a maior talvez, que Portugal á longos anno? apresentou sobre os mares? Depois da victoria da Villa da Praia, não se occuparam constantemente em libertar as outras ilhas, da tyrannia de D. Miguel? Sr. Presidente, é muito fácil (com isto não pertendo fazer censura a pessoa alguma, e muito menos ao Sr. Deputado, a quem muito respeito) é muito fácil desconhecer Os serviços dos Açorianos, quando senão presenciaram; eu chamo em favor dos meus constituintes o testemunho de iodos os que estiveram nos Açores: a maior prova, o argumento mais forte a favor da causa dos meus constituintes é ser ella defendida pelos honrados militares, que d'ordinario, são sempre inimigos de isenções do recrutamento.

Sr. Presidente, eu tambem estou convencido, que o serem hoje os Açorianos isentos do recrutamento não obsta em todo á emigração; esta é filha de muitas cansas, e entre estas as que já tive a honra d'apresentar á Camara dos Srs. Deputados no anuo passado; e nesta parte vou d'accordo com algumas das idéas no Sr. Garrett: na verdade a emigração não se evitará; porque eu estou convencido de que ella é devida com particularidade á ambição dos morgados das ilhas, e ao pouco conhecimento que elles tem dos seus próprios interesses; se elles afforassem, ou arrendassem por preços baixos grande porção de terrenos incultos, que possuem, um grande numero de braços que hoje emigram para o Brazil, ficariam occupados a rotear esses terrenos. Existe alem desta uma outra causa, e vem a ser as falsas promessas, que lhes são ditas por essas sociedades, ou companhias, quê não podendo fazer escravatura negra nas, costas d'Africa, a vem hoje fazer branca nos Açores: sobre isto chamo eu a attenção do Governo, nem eu posso sabar como tendo-se ha pouco tempo publicado um Decreto, que abolio entre nós a escravatura negra, se consinta a branca nos Açores! Se o Governo não acho meios nas leis para obstar a este vergonhoso procedimento, que venha ao Congresso pedir o remédio necessário. Quer V. Exca., e o Congresso saber como se fazem os contractos entre às taes companhias, e os que se propõem emigrar ? Como esta não tem. dinheiro para pagar as passagens para o Brazil, obriga-se por uma escriptura publica a todo o serviço, que lhe for designado, e por tanto tempo, quanto for necessario para pagar a passagem: chegados ao Brazil eis os Açorianos nu mercado, a quem mais dá e lá vão os Brasileiros compra-los temporariamente! E não é isto vergonhoso ao nome Portuguez? E ha de consentir-se tal?... Mas eu apartei-me um pouco da questão, eu volto a ella:

O Sr. Ministro das Justiças, quando homem respondeo á interpellação, que na discussão fez ao Governo o Sr. J. A. de Campos disse, se bem me lembro, que a ser approvado o parecer da Commissão, não teriamos exercito; mas eu não posso saber como se passa sustentar uma similhante as-

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serção, notando se que os Açores não são obrigados a dar mais, que um contingente de 500 a 400 homens para o presente recrutamento; se uma tal falta produz a perda do exercito é Congresso o decidirá! ... O Sr. Ministro tambem disse, que sé estabeleceria em divisão, ou linha divisória entre os Açores, e Portugal, e que o ódio resultaria entre estas duas porções da Monarchia. Ora, Sr. Presidente, eu estou convencido que o mal, que pertende evitar o Sr. Ministro, resultará necessariamente se o projecto não for approvado; porque o Congresso com uma tal decisão dará direito aos Açorianos para accusarem Portugal da mais feia ingratidão: desde um tal momento os Açorianos ficam com o direito para dizer-nos. "Nós fomos a Portugal levar a liberdade, e restaurar o throno da Rainha; nós prestámos na defeza de Portugal muito maioies sacrificios do que era-mos obrigados; as nossas fortunas soffreram consideravelmente, os nossos filhos morreram, e em pagamento de tudo até se nos recusa justiça! ... "

Eis aqui, Sr. Presidente, o que dirão os Açorianos, e nós com justiça não poderemos deixar de reconhecer os fundamentos da tão justa increpação!

Tem-se dito, que os Açores deram, é verdade, um grande contingente para o exercito libertador; mas que se fizer-mos a conta aos que pegaram em armas em Portugal, entre tropa da primeira linha, é voluntários, a balança pegará a favor do Reino. Eu peço aos Srs. Deputados que assim argumentão, se informem primeiro da historia dos Açores depois do embarque do exercito libertador! Em quê estado ficaram as ilhas? No mais perfeito abandono! ... E o que fizeram os Açorianos? Organizaram batalhões de voluntarios para guarnecer tão importante ponto abandonado ao furor do tyranno! O que aconteceria, Sr. Presidente, se tal não tivesse sido o comportamento dos Açorianos? D. Miguel enviaria dous ou tres navios de guerra, e com elles faria a conquista do Archipelago, e d'aqui que resultaria? Poderiamos ter os recursos que d'alli nos vieram ter ao Porto e Lisboa? Sr. Presidente, tambem em vista do que deixo dito se vê que os Açorianos deram não só tropa de linha, mas voluntarios. Mas não se bateram? ... Eis-aqui o chavão do ataque ao projecto! Fizeram, Sr. Presidente, relevantissimos serviços, e tão activamente como se fosse tropa de linha; por muitos tempos andaram correndo às descarnadas serras das ilhas para apanharem desertores, que lá ficaram, e que fizeram horríveis estragos, Sr. Presidente, eu rogo aos Srs. Deputados, não deixem de ter em vista o que hontem foi ponderado pelo Sr. Cezar de Vasconcellos, isto é, que tendo-se promettido aos Açorianos de os mandar para suas casas, logo que acabasse a lucta contra o usurpador, não só isto senão cumprio, mas ainda hoje o exercito é composto ao menos em uma quarta parte d'Açorianos? Não terão estes direito a que os annos, que demais tem servido se levem agora em conta para serem isentos do presente recrutamento? Alguns, Sr. Presidente, alguns foram já mandados para os Açores, mas em que estado? Lá os vi eu, quando alli fui juiz da Relação. mutilados de braços e pernas, e em um estado o mais miseravel! ...

O Sr. Deputado, oriundo dos Açores, concluio o seu discurso, approvando o projecto pelo que respeita á Terceira, a Fayal, mas não quanto às outras ilhas : Sr. Presidente, eu tambem sou d'opinião, que a Terceira é a primeira com direito á nossa consideração; mas não posso admittir que o Fayal mereça maior attenção, que S. Miguel, e que as outras ilhas; todas ellas tem iguaes direitos, a todas por consequencia, acho nas mesmas circunstancias, caso de serem attendidas: a Terceira lá está com mais vantagens no parecer da Commissão. Approvo por tanto o projecto Da sua generalidade, e approvarei depois o parecer da Commissão.

O Sr. Almeida Garrett: - Eu tinha pedido a palavra fará dar uma explicarão; e peço a V. Exca. m'a reserve para depois de fallarem alguns Srs. Deputados, que a pediram sobre a materia.

O Sr. Santos Crus: - Srs., começarei por uma digressão dolorosa mas breve será ella, e eu volverei á materia: Deos pague a quem poz hoje a Nação, e o Congresso neste apuro de se occupar d'um recrutamento. Nunca esperei, Srs., que o terceiro Congresso que se senta em Portugal tivesse de tractar d'um recrutamento urgente; sempre cuidei, que a nação triunphante tivesse á penas e largamente de occupar-se, das suas leis de paz, e não tão breve das de guerra; e que o exercito victorioso poderia largamente descançar á sombra de seus louros, e occupar-se em cultivar comnosco o solo pacifico, mas não = em vão vencemos. = Um convénio desastroso, impolitico, e infame, feito quando victoriosos! Feito embora! Mas feito sem garantias! E quem nos perdeu, é quem deixou vivo o gérmen da guerra, e perpetuou a necessidade dum armamento permanente, que tivesse menos em guarda que em sobressalto uma nação livre. Eis-aqui, Srs., o insidioso plano, que nos conduziu o dia da hoje, e que nos antecipou esta questão espinhosa, que eu tão cedo não esperava aqui. Volto agora á questão; e já que cumpre entrar n'ella, estabelece-la-hei no seu verdadeiro ponto de vista.

Eu não sei jamais ver questão alguma senão na sua generalidade, ou em todas as suas relações; e eu vou desenvolver as que a esta se ligam. Questiona-se, execptuaremos nós do tributo de sangue, do recrutamento, uma parto do territorio portuguez? Esta questão nos leva á preliminar devemos nós recrutar? E esta ainda á primitiva - qual é a força de mar e terra? Eis quanto ao ponto militar, e quanto ao ponto económico, Srs., recrutaremos nós nova força! E então vem a preliminar, - podemos nós pagar á actual? E em fim á primitiva, qual é o orçamento do anno economico futuro, e o balanço do findo? Ora eis-aqui quesitos. Sem que eu não posso votar; porque se o exercito se ha de recrutar no pé de guerra, e a patria está em perigo; eu não voto excepção nenhuma; se no pé de paz, então eu voto pela das ilhas, e por mais algumas tambem; porque recrutar força sem lhe pagar, é pôr a virtude á prova, é pôr armas em mãos famintas, e uma força não paga, não sei se é á pátria uma garantia, sé um perigo. Eis-aqui pois as questões preliminares, que eu reclamo, e de que não posso prescindir.

Porque a questão de excepções dó recrutamento, sendo pela de haver ou não recrutamento prejudicada, talvez se abandone, e desse grave peso nos alivie; porque, Srs., não o dissimulemos, é espinhosa, assaz espinhosa a matéria de excepções, fundada no parallelo da dor, e na escola de soffrimento entre povos iguaes em gloria, e sacrificios; porque ahi entram paixões, emulações, e simpathias. Mas se é força assim vê-la, se é preciso comparar dor a dor, gloria a gloria, sacrificio a sacrificio, se cumpre que falle o sentimentalismo, então vejam-se esses sacrificios, mas vejam-se todos; então levante-se todo o véo da pátria, sangrem outra vez nossas feridas; então tome-se essa balança difficil da justiça geral, e distributiva, e pesem alli, o em sensivel e fiel, calamidades com calamidades, gloria com gloria, sacrificios com sacrifícios; e então entra o sentimentalismo, falla todo o Portugal, e o problema se torna ou impossivel ou difficil.

Muito se deve aos Açores; soffreram muito; soffreram longamente; soffreram primeiro, e elles deram o primeiro contingente de sangue ao nobre esforço, que nos remiu; mas lá se alevanta a sua nobre emula, a cidade eterna, e já a justiça vacila, e a sensibilidade se divide; porque em fim se um esforço se mede não só pela sua duração, mas pela sua intensidade, e resultado, n'aquelles dous tão nobres, quem se atreverá a decidir? A Terceira é uma ilha, o Porto um continente, uma não podia ser entrada por terra, mas só por forças navaes aggredida; outro foi e podia ser

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por mar bloqueado, e por terra assediado, e invadido. Angra esteve em armas por vezes, e foi uma só vez assaltada; o Porto esteve noite e dia em armas, e sob uma canhonada continua (apoiado), e se a fazenda é tambem sangue, deve
sommar-se, e o Porto então foi mais infeliz. O Porto perdeu homens, edificios. armazéns, vasos, perdeu fazenda, sangue, e todos os com modos da vida; e se elle não fosse, parece que immortal pelos destinos, não ficaria alli uma pedra levantada. E Santarém, Srs.!... Ah! Ser-me-ha licito faltar aqui da minha pequena pátria? Não teve ella gloria, ou não teve ainda um orador aqui? Não o sou eu, Srs., mas permitti á minha voz revelar hoje aqui ou sua gloria, ou seus sacrifícios deslimitados. Na tarde em que a bandeira bicolor tremulava ainda remota em Almada, Santarém levantou temerária o primeiro grito á lihereade, cheia de amor patrio, ella provocou inerme e solitária as armas da tirannia , volveram, succumbiu, mas ella resistiu sem armas, outros armados resistiram ella foi entrada, e saqueada, outros acommettidos, mas não invadidos; ella emigrou em massa a alheios lares, outros salvaram seus bens mais felizes, ahi estão ainda os tristes asilos, que os recolheram, ahi estão ainda os cidadãos, que os esmolaram, os meus patricios infelizes. Não mais infeliz, não, ninguém; que até os flagellos da natureza, aggravando a obra dos homens sobre a minha pátria, e uma epidemia typhoideia, lhe devorou quasi um terço da população desolada e mesquinha, e se as calamidades guerra são titulos á gloria, as calamidades da nação são titulos á humanidade, e á justiça ... É que lhe respondereis vós, Srs., se interessante de dor, e coberta de minas, ella amanhã aqui se apresentar a demandar-vos uma função a réus filhos? Perdeu alguma tanto, e alguma mais infeliz? Bella era a minha pátria, Srs., ella era opulenta, e agricola; como a deusa Cibelles da antiguidade, ella era coroada de famosos edifícios, e de arvores seculares; hoje está coroada de cinzas, destoucada de vegetação, e erma de vida, e traz á idéa o longo sentir do pensador de Palmira " aqui existiu uma grande villa" deserta de homens, arruinada de edificios, impresso em seus muros o vestígio da guerra por toda a parte se divisa. Srs., se não foi a primeira na gloria , foi a ultima no sacrificio; ella esgotou toda a cólera do despota, ella bebeu as fezes de todo o tirannico calix, e consumindo o holocausto da tlrannia, ella ficou sepultada debaixo de seus baluartes impios: Santarém deixou de existir na carta política para existir na da immortalidade todos viram, todos sabem seus destinos. Srs., fallei demais eu volvo á questão, fallei demais, porque fallou o sentimentalismo; e vós relevareis que não seja mudo no sepulchro da patria um filho.

É pois, Srs., certo que melindrosa é assaz a nossa questão, quando se vê n'um ponto de justiça universal, e destributiva. Na verdade Srs., quando se trata de quem dará sangue numa nação que toda ficou exangue; quando se trata de comparar sacrifícios, numa nação que foi toda um holocausto; quando se trata de contrastar gloria numa nação, que foi toda gloria, assim que foi toda gloria porque mais ou menos, arbitrou o acaso, e Portugal foi sempre livre, Portugal mordeu seus ferros, Portugal reagiu sempre, curvou-se a força, sacodio-a, quando lhe foi possivel.....

Sim, tal foi Portugal, e em tão nobre povo, e em cuja bella historia e heróico parallelo, tantos sacrifícios se balançam, tantas sympathias se apinham, eu não Bei exceptuar, eu não ouso destinguir. Releva por tanto, que esta questão seja posta como preliminar á Assembléa: e com satisfação a minha, alma se lança nessa, que a alivia. Eu voto pois pelo addiamento da questão das excepções de recrutas até a resolução da questão preleminar, se pode ou não recrutar-se? e pelo addiamento desta, até á apresentação do quadro das forças, e do orçamento das finanças, que os Srs. Ministros da guerra e fazenda aqui devem apresentamos; pois que a minha proposição é indivizivel; se se entender que as forças são sufficientes, eu votarei, que nenhumas mais levante, e as excepções são escusadas; se se entender que a força actual não póde promptamente pagar-se, igualmente votarei contra novo recrutamento, que mais sobresaltará, que assegurará a patria.
Agora Srs., direi duas palavras sobre a isenção peculiar das ilhas, fundada na tendência de seus habitantes a emigrar. Eu entendo, que é essa antes uma razão contraproducente para as não isentar, e que isentando as ilhas não sei se nisso lhes faremos um bem, se um mal. Disse-se que a emigração é alli uma mania, e não uma falta de emprego; eu não sei que um povo seja maniaco em cousas de suas necessidades; a causa da emigração é o feudalismo das ilhas; as ilhas são todas um morgado, e alli quasi ninguém tem propriedades; os insulares sendo pois todos colonos, e jornaleiros, é natural buscarem salário onde elle é mais caro; e é claro que se Portugal lhe offerecesse sufficientes salarios, elles prefeririam vir colonisalo antes que ao Brazil. O Alemtejo, por exemplo, abundante de terras, e falto de braços poderia dar emprego ao excedente de braços das ilhas com muita vantagem, é eis-aqui mais uma razão que milita a favor das isenções do Alem-Tejo, e contra as do archipelago! Na verdade se a nação tivesse fundos disponiveis, não teria sempre a mais útil a industria, segurança, e prosperidade do Alem-Tejo, e das ilhas, do que tirar destas colónias, para povoar aquelle; e no entanto que não ha fundos para isso, eu entendo que o recrutamento procurando algum emprego aos filhos das ilhas, attrahmdo-os a enlaçasse aqui, eaqui lixassem relações, é um bem mutuo, e longe de promover a emigração, a evitará até certo ponto. E eis-aqui se apresenta mais um ponto de vista a attender, quando sã trata de razões de isenção antepoliticas, e contrarias á justiça universal; esse ponto de vista é certamente, o de modo de subsistência de cada povo da Índole industrial da sua população, e o gráo della, e nesse sentido é indubitável que o Alem-Tejo, e a minha pátria essencialmente agrícolas, sã oneram tanto de um recrutamento, quanto as ilhas se aliviam pela nimia população numeral, e pouca índole agricola do local. Concluindo, Srs., a questão duma isenção de recrutamento, vista por todas as faces da justiça distributiva é difficil; e por sua urgencia, nenhuma; sem urgencia muitas se podem votar.

Insisto pois, que a questão do relatorio das forças, e do orçamento das finanças devem preceder, porque entendo que se a paga das tropas se regular em dia, até a questão da isenção será ociosa; porque teremos voluntários. Por todos os princípios pois, rejeito a questão abstracta da excepção de recrutamento, e reclamo a preliminar do recrutamento ou não recrutamento: addiando um e outro para quando o relatorio, e orçamento se nos apresentarem.

O Sr. Vice-Presidente: - Um Sr. Deputado propõem o addiamento havendo cinco Srs., que o apoiem, entra pois em discussão o addiamento.

O Sr. Barjona: - Parecia-me que antes dessa proposta talvez podesse convir que o Sr. Ministro da guerra desse a sua opinião sobre este objecto; entre tanto o Congresso póde fazer o que quizer.

O Sr. Vice-Presidente: - A ordem é esta, o Sr. Ministro está presente; se quizer pedir a palavra póde fazello, e fadar, quando lhe tonar, mas eu não lhe posso dizer que fatie, quando algum Sr. Deputado o pedir; nem mesmo lhe posso dar a palavra, se não pela sua ordem.

Apoiado o addiamento por mais de cinco membros, tomou o logar da questão principal, e entrou em discussão.

O Sr. Almeida Garrett: - Adiar esta quentão, Sr. Presidente!

Mas addiar esta questão é querer lançar a pátria em um abysmo, é querer pôr em questão se ha de existir Portugal!

Os Ministros tem feito mal seguramente em não apresentarem o orçamento. Se é preciso fazer-lhes por

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isso ama censura, eu lha farei primeiro que ninguém. Sem virem com o orçamento na mão, não deviam apparecer diante das Cortes. Nem eu me contentaria com uma censura, far-lhes-ia formal accusação, se lhe não ouvir razões muito fortes e explicitas, que os desculpem desta omissão. Todos os embaraços em que aqui noivemos, toda a falta de ordem dos nossos trabalhos provem desta falta. Se hoje tractamos de uma questão menos importante, se amanhã divagamos para um objecto destacado, e de inferior interesse, tudo nasce da falta do orçamento; se o Congresso tem perdido tempo, é porque o orçamento lhe falta para o aproveitar -
as feridas da patria estão ainda abertas, e não tem sido pençadas é porque desde o primeiro dia de nossa reunião se não apresentou aqui o orçamento, para ahi as irmos examinar, e curar. Desta falta proveio ter o Congresso laborado em erros, e esperdicios de tempo, e não cumprir fielmente uma importante parte de seu mandato, as reformas, e a organizar do paiz, que mais adiantados podiam ir, e que nem começar é possivel senão com todo o quadro á vista! Mas porque nos falta esse quadro grande de organisação, ficaremos esperando informações sobre cousas que todos vemos, e palpamos? Qual de nós ignora que não ha exercito em Portugal? O Sr. Deputado, que me precedeu a fallar, e propoz a questão do addiamento, já reconheceu que depois da convenção de Évora monte, deue insigne documento de ignominia, e deshonra, e que para todo o sempre ha de ficar uma pagina de infâmia na historia de Portugal, um eterno testemunho de que somos a nação mais imprevidente, e mais imprudente da terra, porque toleramos tanto tempo um governo, que assim desperdiçou, e vendeu num só dia os sacrifícios - o sangue de tantos annos, desde essa fatal, e traidora convenção Portugal ficou sem exercito, e sem defensores. E não vê agora o Sr. Deputado, ou fecha os olhos para não ver, os perigos que ameaçam a pátria? Não vê os tramas que se urdem? Não sabe que esta e a causa da economia, e nas reformas e que nenhuma causa nunca leva, nem ha de ter tantos inimigos como a causa das reformas? Não tenho medo que se perca, a sua justiça é tal, que jamais prevalecerão contra ella os embustes de seus corruptos inimigos. Esta é a causa do povo, e a causa do povo é immortal. Mas immortal era ella em 1828, e succumbiu, immortal era em 1828, e succumbm. Sei que se momentaneamente cedesse, era para voltar mais forte, e poderosa. Mas desta mesma reacção inevitável é que eu me temo, porque me doe do pau, que por fins é quem padece. E porque, Sr. Presidente, caiu na causa da liberdade era 1823? porque não tinha baionetas Porque caíu em 1828? porque tambem as não tinha. E porque se sustentou em 1832? porque tinha baionotas para a defender. Porque se sustentou ella o outro dia em Campo de ourique? porque tambem as teve. O Sr. Deputado não vê que a causa da liberdade na Hespanha não esta ganha, e que esta muito longe de o ser! Não feche os olhos, e verá que essa causa esta cercada de poderosos inimigos dentro, e fora do paiz. Com estes perigos todos diante dos olhos e que falla em addiar a questão? Eu censuro, ao contrario, os Ministros, porque mais diligentemente não tem tratado do recrutamento, porque ha quatro mezes que estão na admimstração, não tem tratado de melhor formar, e organizar o exercito, ou, para ser mais exacto, hei de censuralos asperamente, se me não provarem que o não fizerão por absoluta falta de meios. Suspeito a verdade dessas razões, suspeito-as, mas não as sei, e em quanto os Srs. Ministros, com es documentos na mão, me não mostrarem que lhe não tem sido possivel levar a melhor pé o exercito, hei censura-los severamente. Mas addiar esta questão? Porque? Porque ainda não sabemos se o exercito precisa de recrutamento? O mesmo valem perguntar se Portugal precisa de um exercito para defender-se? E eu não tenho os olhos abertos não vejo existiram noa corpos de cavallaria mais cavallos do que cavalleitos? Não é este um caso novo, estranho, e nunca visto em Portugal? Não vejo eu os corpos de infanteria, que nem esqueletos já são, porque se não podo chamar esqueletos a quem ossos já não tem. O Sr. Deputado, que moveu esta discussão, não vê que é preciso força para defendermos a causa da liberdade? Principalmente dos seus inimigos externos, que são muitos, que, se em Hespanha não for tudo como nos desejamos, e esperamos, muitos mais, e mais atrevidos hão de ser. E sabendo nós tudo isto, havemos de ficar a espera do orçamento para remediar um mal, que sem orçamento, e com orçamento, igualmente urge? Seja esta a razão mais futil que se deu até ^gora E não posso deixar de dizer, que o Sr Deputado Destaque tão foi doutrinário (ordem), não é injuria a ninguém. (O Sr. Presidente Peço que não combata pessoas, e sim opiniões.)

Combato opiniões, e digo que foi doutrinário Sustento que não e insulto, nem injuria em chamar doutrinário a ninguém. Ser doutrinario e sacrificar tudo a doutrina. Eu confesso que lambam o sou , e que em muitas questões sacrifico no altar da doutrina grandes, e importantes conveniências. Não esta, não conveniências desta gravidade. Pereça tudo, e salvem-se os principios foi a mais funesta máxima que ainda se pronunciou, lenho medo della, e protesto combate-la onde quer que ella apparecer, qualquer que suja o partido que em suas bandeiras a inscreva.

O Sr. Santos Cruz. - Quando as paixõcs fallam, é quando eu tomo mais prudencia, quando a animosidade troveja, e quando eu estou mais em calma epithetos ... stigmas ... Senhores, eu tambem tenho seitas envenciadas!... eu tambem sei usar dessas armas. Doutrinalismo! eu! O epitheto é inepto! O doutrinalismo e o excedo contra os principios; eu telo-hei nos principios, eu serei progressivo; mas, graças a Deos, eu não sou doutrinario, quando digo que quero a fixação das forças de mar, e terra, diz o Sr. Deputado que não vejo, se não vejo não é culpa minha, mas tambem eu exijo, que nenhum Sr. Deputado se installe aqui de palmatória, eu hei de ver, mas com os meus olhos, eu não advinho, devo eu saber o estado das forças do paiz? ... = não sem o relatório = e pedindo isto não peço nada impossível, não peço um orçamento improvisado, peço uma conta, um esboço, que se, possa dar e em breve, uma idea geral, porque só desta idéa póde partir uma decisão conscienciosa diz-se, mas periga a pátria... como pois se o exercito não esta no pé completo, não ha já armas nacionaes. E qual melhor garantia, qual mais heroicas das publicas, e política liberdade muito se deve ao exercito português, e pelo libertador, pelo d'hoje eu juro, e nãj serei eu o seu primeiro ingrato, mas nos sabemos o que elle e hoje e não o que ha de ser amanha renovado? E quem pode affiançar? Agora digo eu, e sustento este principio constante não se deve pôr a virtude aprova da miseria, sem os meios de ser para o exercito, elle bem longe de servir a patria, póde antes assustala. Não, não sou eu que quero, que perigue a pátria, não, nem a liberdade periga em quanto existirem guardas nacionaes, porque não houve baionetas, caiu a causa em 23, porque as houve, é que ella caiu, mas não nacionaes; porque as houve em 36 não caiu a causa, porque as houve sim, mas nacionaes. Não sou eu pois, não, que quero minar a patria, porque a minha vida esta nella, e não só por isso, porque, a faltar a verdade, onde não houver liberdade, eu não saberei respirar, não pareça isto exageração, não farei jámais, a minha apologia, não, nem sou eu que preciso justificar-me em Portugal (Apoiado.) - Concluo pois que e conveniente, que se addie esta questão ate se apresentar um orçamento não iniciativo provisado, mas um esboço delle com que possamos decedir contenciosamente com conhecimento de causa. - Insisto no addiamento da questão excepcional.

O Sr. R. de Menezes: - Sobre a ordem. - Eu julgo que um Deputado estava no seu direito, quando se julgou com aquelle de pedir o addiamento sobre uma materia, e

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Sr. Deputado tinha fundamento para o pedir, às Cortes, e só às Cortes pertence a fixação da força de mar, e terra; o Sr. Deputado fez um requerimento, o qual era preciso que fôsse apoiado por cinco Srs. Deputados, foi-o; e o que se seguiu depois delle ser apoiados o fallar-se sobre elle : um Sr. Deputado reclamando a palavra sobre a ordem, abusou desta concessão, e fallou sobre o addiamento, e censurou os cinco individuos que o apoiaram.

O Sr. Vice-Presidente: - O Sr. Deputado pediu-me a palavra sobre a ordem, e está fora della, porque só tinha a explicar o estado da questão; o Sr. Deputado, que primeiro fallou, pediu a palavra sobre o addiamento, e o combateu com as razões que lhe pareceu: se o Sr. Deputado entendia que elle estava fora da ordem, vinha pelo regimento direito de o chamar a ella.

O Sr. Santos Cruz: - Isso fiz, mas não fui entendido.

O Sr. Vice-Presidente: - Mas agora o Sr. Deputado está fora da ordem e por isso não póde continuar; eu o proponho ao Congresso.

Assim se resolveu.

O Sr. Vice-Presidente: - Continua a discussão do addiamento: tem a palavra o Sr. José Estevão.

O Sr. José Esteado: - Eu vejo se posso fazer o que o Sr. Barjona não póde fazer pôr não ter a palavra nesta occasião. Esta questão labora n'um equivoco considerável; se se tratasse de decretar que houvesse ou não recrutamento, podiam ter lugar todas as razões até aqui produzidas para addiar essa questão; mas o recrutamento está determinado. Se se quer suspende-lo, o meio de proceder a esse respeito é chamar aqui a lei, que o determinou, e manda-la á Commissão competente e depois com um parecer della determinarmos que não tenha execução (Apoiado); agora porém trata-se só de saber se se ha de aliviar uma parte do territorio portuguez desse recrutamento decretado, se devemos levar em conta aos Açores a contribuição de sangue, que já pagaram.

Tratando-se agora sómente desta materia não ha lugar para o addiamento, porque elle seria o meio de indeferir a esse requerimento; porque nada se decidindo, á manhã o Governo exige dos Açores as recrutas que lhe couberam. (O Sr. Presidente: isso é um meio de combater o addiamento.) Pois eu voto contra o addiamento; porque para o vencer não tem para mim força nenhumas razões expostas pelos Srs. Deputados: não é isto uma lei geral, é uma excepção, se tal se póde chamar, e de excepção póde-se conhecer independente da matéria principal. Eu talvez votando contra o addiamento nesta matéria, quando se tratar da questão do recrutamento, porque ella se addie; porque ainda que se me grite = veja = veja = eu posso ver de differente modo, que os outros vem, ainda que se me grite = veja = veja, póde ser que eu veja mais, como vê o Sr. Santos Cruz, do que como vê o Sr. Garrett, por mais que se me grite = veja = veja - eu hei de ver a meu modo, em quanto se me não mostrar, que o meu modo de ver é peior do que o dos outros. Eu quero que haja exercito; porque sei o estado no paiz, e acho que a nossa força militar não é sufficiente para preencher o fim da sua organisação; mas Sr. Presidente sei tambem, e sabem-no todos os militares, e quem o não é, que um exercito tem se lhe pagar é um flagelo, é um elemento de desordem, e de immoraliddde. Em quanto a fazenda não estiver habilitada afazer face á despeza do recrutamento, será anti-politico, seria. Um grave erro ter maior exercito (Apoiado). Ainda mais, quando se tratar dessa questão, eu hei de votar nella á vista do mappa da guarda nacional; hei de votar em relação dessa força na razão de 5 para 100 ou de 10 para 100, ou de 100 para 200, de modo que a força da guarda nacional fique sempre superior á do exercito (Apoiado, Apoiado). Não me importa que sejam bem ou mal interpretadas as minhas intenções, eu sou militar poderei em breve deixar de o ser, mas devo a verdade ao meu paiz, e não sacrifico os seus interesses a exigencias de classe alguma.

O Sr. César de Vasconcellos: - Sr. Presidente, eu fui inteiramente previnidos, no que tinha a dizer, pelo Sr, José Estevão; porque o Sr. Deputado muito bem mostrou que os Srs. Deputados que pedem o addiamento da lei do recrutamento estão laborando em um equivoco. A questão é muito simples: o recrutamento foi Decretado pelo Governo no tempo da dictadura; e aos Açores pediam-se um contingente; mas aquellas povos pedem ser despencados de d'aquelle contingente: esta é a questão. Parece-me pois, Sr. Presidente, que todo o Congresso concordará, em que não é possível addiar esta questão; porque se ella se addiar, o Governo amanha continuará a pedir-lhe o contingente; para que isto não aconteça, convém que nós o decidamos hoje.

Não ha vendo mais nenhum Orador inscripto, para a questão do addiamento, disse
O Sr. Vice-Presidente: - Proponho, na forma requerida , se esta questão deve ficar addiada.

O Congresso decidiu, que não. - Continuou por tanto a questão principal, tendo a palavra.

O Sr. Ministro das Justiças: - Eu pedi a palavra para relevar algumas expressões menos exactas que escaparam a um Sr. Deputado no calor da discussão, e que eu deixaria passar, se o meu silencio não podesse ser interpretado como uma approvação tácita da censura, que por essa occasião se pertendeu fazer recahir sobre o Ministro. Ao ouvir o Sr. Deputado, aquém me refiro, parecia que estavam a cahir sobre nós todas as calamidades!.... Sem me querer illudir ou pertender illudir alguém sobre as nossas circumstancias, devo á verdade a declaração de que o nobre Deputado foi um pouco exagerado na pintura que acaba de fazer. A despeito da má vontade dos nossos inimigos, as suas tramas a esforços serão sempre impotentes contra a ordem e liberdade do paiz.

O Governo confia na força das leis, e mais que tudo no bom senso nacional, e na justiça da causa que defendemos. Ao Sr. Deputado parece cousa muito estranhavel o não ter o Governo apresentado ainda o orçamento, assim como o não ter o exercito naquelle pé que tanto reclamam as nossas circumstancias, e a mim parece-me, não digo estranhavel, mas digno dalgum reparo, que ainda agora se affectem desconhecer as causas que a isso tem dado lugar, e da maior reparo, que se façam similhantes accusações na ausência daquelles ministros a quem mais especialmente cabia dar explicações sobre taes assumptos.

O Sr. Deputado no seu primeiro discurso disse verdades; mas tambem disse (perdõe-me elle) uma cousa que não é. Disse que todos os Governos (inclusive o actual), tinham sido ingratos, indecentemente ingratíssimos para com os Açores Uma asserção destas nunca devia ser proferida por um Deputado da nação; porque a nada menos póde tender, do que a alterar a armonia que sempre deve reinar entre os membros da mesma família. Sr. Presidente, eu não quero agora averiguar até que ponto é fundada a censura feita às administrações passadas pelo que respeita às ilhas dos Açores, nem posso tomar sobre mim, a responsabilidade dos seus actos; mas seja-me permittido dizer, que ella é completamente infundada, quando se pertende fazer recahir sobre a actual administração, que se lhes não tem feito maior bem , ou é porque não pôde, ou porque não soube, e neste ultimo caso mal fez o Sr. Deputado eu lhe não communicar as suas luzes. O Governo tem como um dos seus mais sagrados deveres o cumprimento de todas as obrigações legitimamente contrahidas: as que tem para com os Açores ha de satisfaze-las como as outras. Se o não tem feito até agora, sabe o Congresso, e o Sr. Deputado mais do que ninguém, as difficuldades em que o Governo se tem achado. Concluo dizendo, que o Governo não faz differença entre habitantes dos Açô-

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res, e habitantes do continente de Potugal, da Madeira, ou doutra possessão mais distante; todos para elle são Portuguezes, e deseja fazer a felicidade de todos.

O Almeida Guerret: - Eu sou aceitado por, não entendido! E antes de me esforçar por obter que me entendam permita-se-me dizer em prefacio, que estou em grande espanto e admiração, vendo de dous lados d'esta casa, um Sr. Deputado, e um Sr. Ministro, censurarem, ambos, e por oppostas razões as minhas idéas! Assaz tenho abusado da paciencia da Camara; mas não ha remedio se não tornarmos a fallar, para me explicar melhor. Eu oppuz-me, Sr. Presidente, a que se addiasse a questão, e foi por mim, combatido o addiamento; porque entendi, e ainda, entendo, que isso importava o addiar a execução da regra geral, cuja excepção se discutia. Um Sr. Deputado tinha dito, e, com muita razão, que não era possivel votar bem em questão nenhuma de organisação em quanto não tivesse diante de si o quadro geral dos recursos e necessidades nacionaes; em quanto não soubesse se esse recrutamento era ou não necessario; e se as nossas forças de mar, e terra estavam levadas ao estado, a que deviam ser levadas. Mas eu combati a opinião do Sr. Deputado; porque apesar de não estar, presente na Camara. O grande quadro do paiz, esta parte via eu já, e desejava que todos vissem, era desde já absolutamente necessaria, indispensavel, urgente para que o paiz existisse, para que existisse a liberdade. Houve outro Sr. Deputado, que sem reflectir bastante no que eu tinha dito, combateu a minha opinião, chamando-lhe injuria, ou não sei que. Fe-lo, porque me entendeu mal certamente: e então, segue-se que me accusou bem; porque o erro foi só de entendimento.

O Sr. Deputado talvez porque lê nos jornaes francezes, appodar os máos patriotas de doctrinarios; pensou que era n'aquelle sentido que eu tinha usado deste termo; mas permitta-me o Sr. Deputado, que eu lhe diga que ser doctrinario como o eu entendo, e como o sou algumas vezes - poucas - é desprezar os factos que são tudo, para ir só á, doutrina que pouco é sem os factos. Eis-aqui o que é ser, doutrinario, e profissão de o ser algumas vezes, faço eu aqui solemnemente.

Entendo por tanto, que não fiz insulto a ninguem, quando, chamo a outros aquillo, que eu digo que tambem sou. Creio que tenho satisfeito nesta parte. Agora pelo que pertence á accusação, que me fez o Sr. Ministro dos negocios das justiças, e, ultramar (e que eu não posso tomar como uma verdadeira accusação), é preciso que eu lhe dê uma explicação mui ampla, e esta não consistirá senão em repetir outra vez o que já disse. O que disse eu? Accusei Portugal, e o Governo da Rainha de ingrato para com os Açores: esta mesma accusação se fez aqui hontem, é exacta. E já com muita eloquencia, e força de razões se mostrou, a, ingratidão, que tem havido para com ca açoriannos. Disto porém não accuso eu só o Governo; mas a Portugal todo, e repito que disto são todos culpados. Accuso (não é accusar, arguo o) o paiz todo, porque pelo órgão dos seus representantes; pelo meio da imprensa; e por todos quantos orgãos tem um povo livre, não tem tratado de fazer com que fosse paga a divida que alli se contraiu, e, que se contrahiu para bem de todo o paiz. Foi isto que eu disse, e repito, e eu direi mais que posto que esta censura pesa mais gravemente sobre as administrações passadas, não deixa com tudo de pesar tambem sobre a presente administração, em quanta ella não reparar o que as outras mal fizeram. Muito bem sei, que o Governo tem estado na impossibilidade, de o poder verificar, e S. Exca. acaba de o confessar; mas era isso mesmo que eu esperava que tivessem dito aqui os Srs. Ministros; e era esta satisfação que eu queria provocar. Tenho por conseguinte mostrado; que o Sr. Ministro não tinha razão nenhuma neste caso, para me fazer uma arguição, do vehemento, só porque julgou que eu lhe tinha, feito outra rejeito, a arguição; e desejo que para, outra vez seja melhor, informado. Outra censura condicional fiz aos Srs. Ministros; repito-a tambem. E é que todas as difficuldade, em que se acha o Congresso, provinham de não sé terem apresentado aqui os Srs. Ministros, com todo o quadro do paiz, com o orçamento na mão desde o l.° dia das Cortes. Esta falta é reconhecida por toda a Camara, e por todo o homem pensador for a della. Disse eu, e o repito que censurarei gravemente toda a administração, que depois de aberto o Congresso, e muito mais um Congresso constituinte, não apresentar como primeira base todas as suas decisões, o quadro das despezas, a receita do paiz, não só pela sua necessidade na parte de fazenda, porque delle depende toda a organisação do Reino. Eu sei bem que o Governo tem tido muitas razões, e graves para o não poder fazer; mas essas razões desejo ouvillas; e se o ministerio as não disser, em quanto as não disser quero que sobre elle, e não sobre nós, pese a responsabilidade toda da, opinião.
Foi isto Sr. Presidente, o que eu disse, e o que confirmo; o que a Nação pede, e exige todos os dias, como de absoluta necessidade. Eu não pinto o estado do paiz peior do que está; nem quero exagerar, á minha minha imaginação, nem para, os outros. Aponto factos, aponto o estado do exercito. E um caso novo, e nunca visto nos nossos corpos de cavallaria terem mais cavallos, que cavalleiros; sobre este facto peço o voto honesto, e consciencioso de todos os militares, que aqui estão. Será isto pintar o estado do paiz como debaixo de uma calamidades o paiz não está prospero. Aqui nesta Camara no tempo da confusão de babel das lingoas; quando era peccado dizer a verdade e, chamar às cousas pelo seu nome, não se dizia senão, que o paiz estava prospero e florescente. D'essas prosperidades; ficticias, e inventadas, desse bello estado que aqui pintavam, se seguio a desordem do paiz; porque se fecharam os olhos aos seus males, e não se lhe deu remedio. Eu não tenho medo do perigo, nem quero que os outros o tenham. Para não ter medo com juiso não é preciso fechar os olhos, antes abrillos. O perigo existe; porque o paiz está em desorganisação em todos os ramos. Dizer isto não é censurar a administração. Não sou eu tão cego, que não tenha visto as desgraças que pesaram sobre Portugal, e que chegaram ao ponto de produzir uma revolução. Quando as desgraças dum paiz chegam, onde chegaram as nossas; quando chegam a esse ponto culminante que não teve remedio senão a revolução, ahi está a justificação de expressões como as minhas; ahi nessa revolução está o grande testemunho de que a minha asserção é verdadeira. Fechar os olhos a isso é fecha; os olhos aos factos, que nos estão gritando por todas suas tremendas boccas.
Outro Sr. Deputado disse tambem que eu queria que os outros, pensem como eu, quando digo vejam, vejam, quer dizer abram os olhos; e abrir os olhos é a acção material de ver: vejam não quer dizer, vejam como eu. Julguei necessario dar todas estas explicações, porque tenho a infelicidade de não ser bem entendido, entretanto ninguém faz mais esforços do que eu para ser claro; prescindindo de todos os ornatos do discurso, e do auxilio que dellas poder tirar pura as minhas orações. Eu só tenho um desejo, um, fim; que se conheçam os graves males que affligem Portugal; que se examinem suas feridas; e em quanto é possivel se dê remedio a estes principaes pontos de infermidade, por que se isto se não fizer; embora nós saremos tudo o mais: lá ha de ficar sempre este ponto doloroso, origem de todas as molestias do paiz, em quanto a elle se não applicar ou o cauterio legislativo, se o precisar; ou os emolientes legislativos se elles bastarem.

O. Sr. Santos Cruz: - Disse o Sr. Deputado que acaba, de fallar, que não é doutrinario: eu não sou doutrinario e não tenho nisso deshoura. O mais é uma questão scientifica e entendo que o Congresso não estará, disposto para a ouvir.... (O Sr. Deputado disse mais alguma cousa, mas fallou tão baixo, que o Tachigrafo não pôde ouvir).

O Sr. José Estevão: - Eu tenho feito profissão de não

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dar aqui explicações pessoaes; e quando pedi palavra, esqueci-me dessa promessa por consequência, agora que della me lembro, não vou dar uma explicação, aquietarei somente a impaciencia, do Sr. Garrett. Como fallou só da acção material d'abrir, e fechar os olhos, pode estar socegado que hei de têlos abertos, sem para isso precisar dos seus avisos, ou licença, e hei de estar com elles fechados, ou abertos, não obstante (como me parecer) as ordens contrarias do Sr. Deputado. (Riso!)

O Sr. J. A de Campos: - Sr. Presidente, o Sr. Ministro da justiça acabou o seu discurso por uma grande verdade, que é, que o Governo não tinha feito differença entre povos Açorianos, e os do Continente, nem a desejava fazer. E isso mesmo, que como Deputado eu desejo, e é para esse fim, que tenho tomado a palavra nesta discussão. Eu desejo, não só que o Governo não laça differença entre Açores, e Continente, mas minto mais, que elle não seja obrigado a faze-la, em virtude de leia deste Congresso, mas não posso deixar de dizer, que alguma diferença tem havido, mas para bem, e em abono dos Governos, que nesta parir tem tomado boas providencias Não é verdade que não se tenha feito alguma, differença favoravel para os Açores. Elles foram isentos de um exclusivo que peia sobre a Monarchia, o do tabaco, para o que o Governo foi authorisado pelas Camaras; e quando subsiste amoeda de bronze em toda a parte, deram-se providencias a respeito da Ilha Terceira, por consequencia ha alguma differença, mas favoravel aos Açores.
É preciso lembrar-me-nos, que as dividas do fornecimento de 1828 ainda não foram satisfeitas, e esse movimento de 28 foi tão patriotico, como os outros. As dividas da guerra peninsular, ainda subsistem; por consequencia não póde escandalizar, que subsista o as da ilha Terceira, mas esta questão tem alguma separação da principal, e eu vou a tractar della.

Sr. Presidente, um dos Srs. Deputados, que fallou nesta questão, tem a este respeito conhecimentos especiaes, e prevalecendo-se da superioridade que lhe dá a sua profissão, além das outras muitas qualidades de que é dotado, apresentou o argumento, que é para mim mais grave, e que tem sido produzido sempre com vantagem na discussão, vem a ser, que não se pelo uma excepção, mas a compensação de uma dívida; porque os Açores em materia de recrutamento, tinham contribuído adiantado. Este argumento foi apresentado hontem na dicisão, e eu que queria votar com acerto, fui ver os mappas da força desse tempo, para ver ate que ponto era justa esta asserção, declaro que depois de examinar todos os mappas da força do exercito Libertador, por documentos officiaes que foram ia aqui apresentados, fiquei na mesma opinião, e tiro daqui ainda um novo argumento, para combater toda, e qualquer excepção a este respeito. Sr. Presidente, o exercito Libertador, que desembarcou no Porto, contava 8300 praças das quaes 7500 entravão em parada. Em Janeiro de 1838 contava 12 668 praças em Março contava 18 940 em Setembro contava 36 429 em Janeiro de 34 contava 50 596, e em Junho no fim da lucta 60 119 durante o tempo da lucta perderam se 17 529 soldados, ou praças entraram soldados estrangeiros 6624 e 842 cavallos Ora sommando a força que o exercito Libertador linha no dm da guerra, 66:224 praças, com os soldados que se perderam, da por uns 80:000 homens, que contava o exercito Libertador, porque e necessario contar no numero do exercito Libertador, porque tambem andaram às ballas, fizerão serviço, e verteram sangue, não só os de tropa de linha, mas os que se alistaram para fazerem parte do exercito Libertador (apoiado). Ora se esta era a força do exercito Libertador, distribua-a o Sr. Deputado pela população dos Açores, comparada com a do Remo, e verá qual foi o maior contingente. Por tanto este argumento, que é o principal, que se pertende produzir para apoiar a excepção, não me póde convencer. Agora esta questão não é só de sentimentalismo, e de justiça, e debaixo desse ponto de vista é grave. Não é uma isenção de 400 soldados, é regular o merecimento, os serviços de uma parte de Portugal. Se nós hoje aprovaremos esta isenção para, 09 Açores, e no dia seguinte viesse a Camara do Porto dizer: eu sou a Camara do Porto, e peço isenção para meus filhos, que lhe havíamos de responder? Se a Camara de Lisboa, no dia seguinte viesse dizer, uma parte dos meus filhos estão com as armas na Guarda Nacional, e esses mesmos tem os filhos no exercito, e então quero isenção de recrutamento para elles, que lhe haviamos dizer se as
Camaras de Marvão, e de parte do Argarva viessem apresentar os mesmos requerimentos, que lhe haviamos responder com justiça? Haviamos de entrar no pélago das excepções? E disso que eu fujo, e não de dispensar os Açores de um recrutamento de 400 soldados. Os serviços dos Açores foram grandes, mas, Sr. Presidente, as nossas cidades, que desmentiram em face as participações officiaes dos melhores generaes de D. Miguel I as nossas cidades que desmentiram todos os principios da tactica amiga, e moderna, as nossas cidades que excederam todas as cidades do mundo, estão em comparação com cousa nenhuma? Sr. Presidente, no momento em que os generaes de D. Miguel diziam para o tyranno, que o Porto não era um ponto militar, que o Porto não póde defender-se, meia hora depois entram as tropas liberaes para o Porto, e já o defendiam, desmentindo-os em face. O Porto desmentio em face todos os princípios da táctica antiga, e moderna dizia-se - não ha cidade, que seja inexpugnavel, não ha praça de primeira ordem que não possa tomar-se, - não se póde resistir á marcha de uma columna, se não com outra, - elles diziam a verdade, mas esqueceo-lhes dizer, - excepto o Porto. - Uma praça de 1.ª ordem não póde defender-se, mas póde defender-se um convento de frades contra o peso do uma nação. Não póde resistir uma grande cidade, Paris, aos exercitos invasores, mas Lisboa, e o Porto resistiram-lhe. Lisboa embargou a marcha triumfante do anjo da victona, o Porto sustentou todo o pego de uma nação inteira, prestigiada pelo usurpador. Eu bem sei que o Porto não levaria a mal que se isentassem os Açorianos, mas diria, sim Srs. fizerão bem.

As Côrtes careciam de soldados valentes, e então era vês de um pediram os dois ao Porto, e isentaram os filhos dos Açores que quando viram fulgir as armas do inimigo, não poderam ter a mesma coragem, e fugiram, porém quando ca disse mas o motivo não foi esse, foram os serviços feitos â, liberdade, foi o tributo de sangue pago adiantado. Oh! então poderia o Porto clamar com razão a injustiça, e na pagina da historia seria a mais negra, e a mais injusta, quando no Porto os motivos de serviço são muito superiores. Aqui não ha uma paixão injusta, era uma questão que não tinha resposta, aqui não se trata da questão de isentar, e debaixo deste ponto de vista não podemos exceptuar ninguém sem offender outras povoações. Sr. Presidente, muitos outros argumentos se poderiam trazer em abono dos habitantes do Porto. Sr. Presidente, não foram soldados só os homens que se achavam nessas circumstancias no Torto, foram soldados os velhos, as crianças, as mulheres, e as pedras, e tudo era necessario que o fosse para produzir a maior das façanhas dos tempos antigos, e modernos.

Disse-se, que os povos dos Açores não querem que os recrutem, e que tem grande aversão ao serviço militar; Sr. Presidente, é necessario não ensinarmos os povos a dizer que não; porque podem aproveitar-se desses exemplos os outros, porque se ensinarmos a alguns a perder o respeito, quando se quizer determinar alguma cousa, não haverá ninguém que queira obedecer, por tanto nós não devemos consentir em tal, não se diga que só os povos dos Açores tem repugnancia ao serviço militar, nos povos do Continente ha tambem a mesma repugnancia, e tanto isto assim é, que no dia que um filho sahe da casa de seu pai para o serviço

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militar, esse dia é reputado por todas as familias, como um dia de luto, e de consternação, mas esta repugnancia ha de crescer quando o serviço milhar não for considerado como um degredo dos, cidadãos, quando se lhe der a consideração que lhe é devida, e quando os soldados andarem bem pagos, bem vestidos, mas a averssão ao serviço militar agora será a mesma em toda a parte, e os meios de desvanecer, são pagar pontualmente, e se lhe conceder todas as garantias, que lhe são devidas mas não é uma isenção de recrutamento, que os póde recompensar de seus sacrificios passados, porque nem os Governos, nem os corpos legislativos podem dispensar de um tributo de sangue, ou de um tributo de dinheiro, e nisto não deve admitir-se nenhum exemplo de isenção, se se prometteram as baixas, as baixas devem lhe ser dadas, mas concluir se porque ainda se lhe não deram as baixas, que devem os outros ser isentos do recrutamento, e concluir para uma cousa, que não tem paridade nenhuma disse-se que os Açores tambem contribuiram para a independencia da Peninsula, porque se não concorreram com homens para ir morrer nas fronteiras de Franca, concorreram com tropas para fazer as suas guarnições, pois então, Sr. Presidente, póde haver algum paiz no mundo, cujas habitantes se não prestem ao serviço nem ao menos nos seus proprios locaes, que os corpos dos Açores não viessem a Portugal coadjuvar-nos contra o conquistador da Europa, disso me não que queixo eu, mas que os filhos de outras partes da monarchia fossem fazer a guarnição dos Açores é uma barbaridade, por tanto declaro, Sr. Presidente, a troco de pequenas sympatias nunca pode valer a violação de um principio Constitucional, para se admittir a isenção dos
Açorianos, porque não só pelos principios da Constituição de 1822 que vigora, e ate mesmo pelos principios geraes de justiça, todos os cidadãos são iguaes diante da lei, e mesmo pelos principios anteriores a todas as Constituições, todo o cidadão deve contribuir em igualdade, para as exigencias da nação, e por isso agora se se admittisse essa excepção, seguir-se-hia que nos hiamos augmentar a população de uma das partes da monarchia com o desfalque de outras

Não só me parece, que o principal argumento em que se tem fundado os Srs. Deputados, que pugnam por esta isenção, não colhe, porem mesmo não acho que esses argumentos sejam ponderosos para que se possa sustentar similhante isenção, e o principal motivo, porque eu combato, e por que não posso votar a respeito de outros cidadãos da monarchia a mesma isenção, que a mereceram com tanta ou mais justiça que tem os Açores, mas se se vencer que se conceda esta isenção aos Açores, então requeiro que ella se faça extensiva às Cidades do Porto e Lisboa, a Marvão, e a outras povoações do Reino, que mais, fortes serviços prestaram contra a usurpação, e pata isso fiz este additamento no projecto, que vou mandar para a mesa (leu-o).

O Sr Leonel: - Sr. Presidente, eu pedi a palavra para explicar um facto. - O Sr. Deputado, que acabou de fallar, disse que as ilhas dos Açores já tinham recebido alguma coisa de premio com a authoridade de cultivarem o tabaco, é verdade que o Governo foi authorisado pelas Cortes extinctas para tratar desse negocio, mas tambem é verdade, que Ia não se cultiva tabaco, e que os habitantes das ilhas estam sujeitos no entretanto a usar do tabaco, que lhe vende o contrato, como acontece aos do Continente. Disse mais o Sr Deputado, que outro prémio tinha recebido a ilha Terceira, porque já alli se tinha abolido a moeda de bronze que lá existia, (era mais de estanho que de bronze) e que foi só cunhada para o momento da necessidade, e justo por que quando a necessidade acabou, tal moeda fosse abolida. Ora o Sr. Deputado fez uns calculos militares, que não me pareceram muito exactos, porem como sobre essa materia me não pertence a num fallar, e creio que o Sr. Cesar de Vasconcellos está preparado para lhe responder, não me cançarei com isso, e mais nada accrescentarei por agora.

O Sr. Barão da Ribeira de Sabrosa: - Sr. Presidente, eu hontem fundamentei a minha opinião contra todas as isenções, e hoje cumpre-me unicamente responder às reflexões offerecidas contra as minhas persuasões. Fa-lo-hei, como eu poder, se ainda poder ler os apontamentos que tomei Sr. Presidente, principiarei respondendo ao meu illustre e nobre amigo, antigo, e muito estimado Camarada, o Sr. Cesar de Vastoncellos. Dirijo-me primeiro aos seus argumentos, porque elle, que não e só bom geometra, combateu minhas razões com muito engenho, e dialéctica. Sr. Presidente, ha certa estrategia oratoria, certos argumentos, que nas escolas se chamão sofismas, e que deslumbrão, não sendo logo analisados O meu nobre amigo recorreu com muita arte a um sophisma, a que os logicos dão o nome d'inducção defeituosa, ou talvez de numeração imperfeita. Os Açores, disse o illustre Deputado, fizeram grandes serviços, que nunca foram galardoados, prometteu-se-lhes uma, e muitas cousas, e nenhuma dellas foi cumprida; e preciso recompensa-los, e preciso por tanto dispensa los do recrutamento. Este, em globo, foi o sen racinio. Ora, eu concordo, e desejo muito que elles sejam
recompensados, desejo que as promessas sejam cumpridas, mas nessas promessas não esta a isenção do recrutamento, que é a conclusão geral, que o meu amigo que tirar de circumstancias particulares. Eis-aqui o vicio do argumento, porque os Governos podem ter sido injustos, podem ter procrastinado a obrigação de pagar uma divida, que eu lambem reputo sagrada a cultura do tabaco póde ser ainda vedada (em Portugal tambem se póde cultivar), mas de nenhuma destas razões se póde seguir a isenção do recrutamento O que é verdade em certos pontos, não o e na conclusão geral.

Responderei agora a um illustre Deputado, e nobre amigo, o Sr. Barjona, que mostra aqui constantemente quanto e sensivel o seu coração, e quanto puras e rectas as suas intenções, que não posso concordar uma idéa que me parece ter-lhe ouvido ennunciar. E na opinião contraria ficarei eu, ainda que seja só, e único a sustenta-la. Não se quer contar tomo população perdida, as vidas immoladas nas fileiras de D. Miguel; e eu entendo, que a mãi, que perdeu um, ou mais filhos no campo de Cesar e tão desgraçada, como aquella que os perdeu no arraial de Pompeo. A moralidade da guerra não altera os sacrificios, e os padecimentos que ella traz comsigo. Sr. Presidente, a morte é um facto, a morte e a acção que priva da vida, e tão privada ficou della aquella que morreu ao serviço do usurpador, como aquelle que, morreu com gloria no serviço da Rainha. A mãi que vio marchar seu filho, que o esperou cançados dias, e cantadas noites, e que delle não obteve outra noticia que a da morte, chora o filho que creou, chora o filho que perdeu, e chora o homem que devia amparar seus dias na velhice, e fechar-lhe os olhos no leito da morte. A moralidade da guerra não entra por cousa alguma nos motivos do seu pranto.

Eis-aqui, Sr. Presidente, porque eu entendo que se deve reputar, como perda nacional, a gente que pareceu no exercito de D. Miguel. Os motivos foram diferentes, mas os recrutamentos tiveram logar, e o desfalque na população, em seus enfeitos, e igual.

Que culpa teve Santarém, como observou muito a proposito um lllustre Deputado por aquella villa, que D. Miguel amontoasse alli esses mancebos, que havia arrancado a suas famílias, e que a peste rebentasse, e devorasse um terço da sua população, e uma grande parte das forças, e sequazes do mesmo usurpador Que culpa teve Santarém , em que os miguelistas fossem tão previdentes, que juntassem debaixo d'alguns alpendres mil cavalgaduras, que tinham roubado (emào já não havia nem dous, nem, voluntarios)

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nas duas Beiras, e no Alemtejo, e que nunca mais lhes deitassem de comer? Os pobres animaes morreram todos alli de fome; não os enterraram , e foram uma das causas do tifo, que tantos estragos fez naquella villa. E seria justo isentar os Açores, e recrutar em Santarém? Disse mais um Sr. Deputado, que em Portugal se haviam licenciado os voluntarios; mas permitta-me o Sr. Deputado, que eu rectifique esta asserção. Os motivos deste recrutamento; a razão porque o Sr. José Jorge Loureiro, quando era Ministro da guerra, veio aqui pedir authorisação para recrutar, foi para satisfazer às arguições, que se lhe faziam por se não dar baixa nos voluntarios: mostrando que era impossível dar baixa aos voluntarios sem recrutar. É quando algumas baixas se tem dado, os açorianos tambem tem sido incluídos. Na verdade a posição do Ministerio da guerra é singular; accusa-se de má fé em não dar baixas; sabe-se, e foi patente na Commissão de guerra, e d'instrucção pública, que o recruta mento ordenado ajuda não enchia as faltas do exercito, e apezar disto difficulta-se esse recrutamento

O Sr. José Jorge Loureiro desejou muito dar baixa a todos os voluntários; mas sem recrutar não podia; nem o devia fazer: isto foi patente nas Cortes passadas. Os açorianos são tratados no exercito com igualdade, e seria impossivel
admittir o contrario, e seria um grande crime que deixassem de o ser: tem recebido baixas, quando tem sido possivel, e passagem, como era justo e necessario, pira os seus lares. E se bem me lembro, tambem disso aqui se tratou na ultima legislatura. Tudo isto prova que se deseja ser igual, tanto com os filhos dos Açores como de Portugal. O que eu não vejo é fundamento para censurar tanto o Governo, por não cumprir as promessas, quando é impossível ignorar que elle não tem tido meios para realisa-las.

Disse um Sr. Deputado, que durante o bloqueio dos Açores, a cultura não soffrera grandes estragos: ainda bem; porque em Portugal não aconteceu assim. Na minha provincia houve uma estagnação geral; não só porque D. Miguel tirava todos os braços, e recursos á agricultura; mas porque a barra do Porto se achara fechada. Nesse tempo vendia-se o vinho do Douro a sete cruzados novos a pipa: em Cheires, por exemplo, povoação que eu conheço mui bem; e nesse povo, como em muitos outros do Douro, nada mais se colhe senão vinho. Disse-se mais, que os Açores sempre haviam concorrido para a defeza de Portugal; é verdade: em 1807 d'alli vinham algumas recrutas. Mas em quanto a guerra da península consumia grande parte de sua população, os Açores não forneceram gente alguma a Portugal, nem depois da guerra acabada. Eu direi mais em abono das Açores, que de lá vieram não só essas recrutas; mas depois foi gente para o Brazil, por ordem do governo do Rio dê Janeiro: mas nada d'isso (nesse tempo) póde comparar se com os estragos, que soffreram com os serviços que prestaram os habitantes do continente portuguez. Lembrou-se que os Açores tinham a defender as ilhas, durante a guerra da peninsula. De quem? Nós então não tinhamos por inimigos senão a França; e a França, nessa época, não ousava arriscar, nem se quer uma escuna armada no meio do oceano. Os Açores nesse tempo prosperaram: S. Miguel engrandeceu-se: todos os seus cereaes, legumes, e tudo quanto podia fornecer as tropas, foi trazido a Portugal, e deu grandes interesses, o que eu muito estimo.
E que se passava então em Portugal, na Beira, no Porto, é na Estremadura? Uma só ordem do dia de lord Wellington fazia evacuar, e refluir sobre Lisboa metade de Portugal. Campos talados, gados perdidos, povos incendiados, e milhares de famílias vivendo da ma sopa, que a hospitaleira caridade da capital lhes distribuía no terreiro do paço. Ordem severa, cruel em seus effeitos, mas necessária á defeza de Portugal. Alguns Srs. Deputados tem procurado provar, que o isentar os habitantes dos Açores deste recrutamento, não é uma excepção. E verdade; porque é mais ainda, é uma derogação completa da lei: excepção seria isentar mais alguma, além das classes designadas na lei do recrutamento; mas o que o projecto diz a respeito dos Açores, de certo que não é excepção, e menos ainda em relação á ilha Terceira, que além da isenção commum às outras ilhas, ha de gosar essa isenção por mais quatro annos: isto, na realidade, constitue uma regra geral, e tão. geral, que em quanto os povos do continente forneciam oito mil e setecentas recrutas, os Açores não forneciam nenhuma. Em quanto á ilha Terceira, se o contingente que ella devesse dar se diminuísse da somma total, de surte que não viesse pesar sobre os meus visinhos, talvez eu votasse a isenção; mas só para ella, e não para nenhuma das outras ilhas; porque existe uma differença extraordinária entre a condição da Terceira, e todas as outras ilhas do archipelago. Por estas razões presisto na minha opinião.

Adiou-se a discussão.

O Sr. Vice-Presidente: - A ordem do dia para segunda feira, é a mesma que linha sido dada para hoje. Como deu a hora, está fechada a sessão.- Eram mais de quatro horas da tarde.

SESSÃO DE 20 DE MARÇO.

(Presidencia do Sr. Dias d'Oliveira, Vice-Presidente.)

Aberta a sessão depois das onze horas da manha, verificou-se estarem presentes 100 Srs. Deputados.

Leu-se, e foi approvada a acta da sessão ultima.

O Sr. Secretario Veloso da Cruz deu conta da seguinte correspondencia.

1.º Um officio do Ministerio dos negocios da fazenda, remettendo nove exemplares do orçamenta da despeza do mesmo Ministerio para o anno economico de 1837 a 1838, a fim de ser destribuido pelos membros da Commissão de fazenda. - Mandaram-se distribuir.
2.° Uma representação da Garoara municipal de Valença do Minho, sobre divisão judiciaria. - Foi remettida á Commissão d'estatistica.
3.° Outra representação da junta de parochia da freguezia de S. Luiz sobre divisão administrativa. - Foi remettida á Commissão d'estatistica.
4.° Uma representação da Misericordia de Coimbra, pedindo, se lhe mande restituir toda a importância dos dous terços do real d'agua, que individamente tem entrado na Recebedoria do districto de Coimbra, e que se dêm as providencias para que no futuro se possa pagar em dia às amas que criam os expostos - Foi remettida á Commissão d'administração publica.

5.° Outra representação de varios proprietarios de fabricas de tecidos de algodão, da cidade do Porto, pedindo a suspensão do artigo 8.° do regulamento das pautas, e que se mandem cumprir as provisões dos supplicantes a respeito dos objectos que nelle se tractara. - Foi remettida á Commissão de fazenda.
6.° Outra representação do director da alfândega da Figueira, pedindo providencias sobre a reforma da mesma. - Foi remettida á Commissão de fazenda.
7.º Outra representação de varios negociantes da praça de Lisboa, pedindo que se não suspenda a execução do decreto de 17 de Janeiro ultimo, ácerca do commercio ultramarino. - Mandou-se ficar sobre a mesa para ser tomada em consideração, quando se discutir o parecer n.º 12.
8.º Uma carta do Substituto eleito pela ilha da Madeira, o Sr. Antonio Aluizio Jervis d'Atouguia, participando que não devia tomar assento no Congresso.

O Sr. Leonel: - Essa carta contém uma terceira hypo-

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