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V. Exca. consultasse o Congresso, se convinha que esta sessão se prorogasse, para se decidira materia em discussão, vista a sua reconhecida importancia, e o muito que temos a fazer.

O Sr. Alberto Carlos: -Sr. Presidente, apesar de que se prorogue a sessão, parece-me que não será possivel acabar-se a discussão d'esta materia hoje, e por conseguinte attenta a sua importancia, eu sou da opinião que ella se continue amanhã, mesmo porque não deve tirar-se a palavra a muitos Srs., que já a tem.

O Sr. Barjona: - Voto contra o requerimento do Sr. Barão da Ribeira de Sabrosa, pois é minha opinião, em attenção á importancia da materia, que não apressemos a sua decisão. Srs., a nação está com os olhos fitos sobre nós para ver que resolvemos. Não nos precipitemos pois, discutamos com vagar e madureza (Apoiado, apoiado).

O Sr. Leonel: - Sr. Presidente, eu não sou amigo de prolongações de sessão; porque conheço que chegada a hora já os espiritos estão cançados, e mal podem continuar a entrar em discussões importantes com aquella força, e socego de espirito, que se requer. Não approvando eu pois a prolongação da sessão, desejo com tudo que o negocio se acabe com a maior brevidade, e a não poder ser hoje, desejo que o seja amanhã. A querer-se porém que se acabe hoje, eu seria antes de opinião que houvesse uma sessão á noite; ainda que sei que isto mesmo offerece inconvenientes.

O Sr. Macario de Castro: - Sr. Presidente, eu não requereria que a sessão fosse prolongada indefinidamente; mas requereria que o fôsse por mais uma hora, ou duas, a fim de poderem ter a palavra alguns Srs. Deputados que a tem pedido, e poder assim adiantar-se a discussão.

O Sr. Barjona: - Nós não sabemos se uma ou duas horas serão sufficientes para se acabar devidamente esta discussão: o que mais provavelmente acontecerá é acharmo-nos era o fim do dito tempo em o mesmo estado que agora, pouco mais ou menos. Sou por tanto d'opinião que esta discussão fique para a manhã. (Apoiado).

O Sr. Gorjão Henriques: - As razões, que acaba de produzir o Sr. Barjona, servem de fundamento ao que eu tenho a dizer em duas palavras. Nós promettemos não nos descuidar deste objecto, e continuarmos a discuti-lo; com tudo como nós não podemos fazer mais do que as nossas forças premittem, declaramos isto para que conste; o desta fórma damos satisfação ao publico de qual será o nosso proceder; que é, faremos tudo quanto a nação tem direito a exigir de nós, que é quanto podermos; mas não mais do que nos permutem nossas forças. (Apoiado, apoiado.)

O Sr. Lacerda: - Sr. Presidente, visto o que tem dito alguns Srs. Deputados não se prolongue a sessão hoje; mas venhamos nós amanhã para aqui ás nove horas, a fim de se adiantar esta discussão, vista a sua importancia.

O Sr. Barão do Bom Fim: - A respeito da prolongação da sessão, creio que os Srs. Deputado que me precederam, já tem dito bastante para que ella senão prolongue. Mas eu lembrarei outra razão, e vem a ser, que sendo esta questão da maior transcendencia, é preciso que estejam presentes a ella os Srs. Ministros da Corõa, tendo elles muitos negocios importantes de que tratar fóra d'aqui, nós não portemos roubar-lhe mais tempo, pois que elles precisam dar expediente muitas vezes impreterivelmente no mesmo dia: sou por tudo isto de opinião, que a sessão ámanhã comece mais cedo do que o costume uma hora, e não duas.

O Sr. Barão da Ribeira de Sabrosa: - Os Srs. Deputados convém, em que a materia é de muita importancia: nisto ninguem discorda. Agora respondendo a um Sr. Deputado direi, que dando eu a este objecto toda a importancia que elle merece, julgo que em nenhuma parte os Srs. Ministros estarão melhor do que nesta sala, assistindo a esta discussão. Convém portanto tomar algum expediente; ou devemos prolongar a sessão, ouvir mais cedo, ámanhã. Insisto por uma destas cousas; porque é necessario acabar com este objecto, para passarmos a tractar de outros muito importantes, que estão pendentes.

Não deve admirar, que se pedisse a prolongação da sessão; porque isto se tem aqui pedido, e consentido muitas vezes. E assim se faz em todos os parlamentos: em Inglaterra vi eu acabar muitas vezes a sessão ás duas horas da noite. A verdade, Sr. Presidente, é, que se nós nos formos assim demorando, adeos projecto de Constituição, e outros muitos da que temos a tractar; tarde se discutirão.

O Sr. Macario de Castro: - Se entra em discussão o voto do Sr. general Lacerda, eu então direi, que nós devemos entrar na discussão, de qual é a hora mais conveniente de virmos para aqui. Se o Sr. Lacerda quer que nós, alem das horas regulares de sessão, estejamos aqui mais quatro ou sais horas, eu o approvarei; se porem elle pretende que a sessão comece sempre ás nove horas, eu então peço a palavra já, para fallar contra o seu requerimento.

O Sr. Presidente: - A mente do Sr. Deputado Lacerda é, que se ganhasse com esta discussão o tempo que vai das nove horas até ás nove, em que a sessão costuma começar.

O Sr. Lacerda: - Certamente foi essa a intenção com que fiz o meu requerimento, e não para que a sessão começasse sempre ás nove horas, nem para que a da manhã acabasse antes das quatro.

O Sr. Presidente: - Proponho por tanto, se a sessão da hoje se deve prorogar, para se continuar a discussão do parecer n.° 12 da Commissão de legislação.

Venceu-se que não.

O Sr. Presidente: - Proporei agora se a sessão deve começar ámanhã ás dez horas, e finda a leitura da acta, e expediente, entrar se logo na discussão deste parecer.

Venceu-se que sim; passando-se á ordem do dia, logo depois da leitura da correspondencia.

O Sr. Presidente deu para ordem do dia da seguinte sessão a mesma que vinha para hoje, e levantou a sessão depois das quatro horas da tarde.

SESSÃO DE 8 D'ABRIL.

(Presidencia do Sr. Dias d'Oliveira.)

ABRIU-SE a sessão pelas dez horas da manhã, estando presentes noventa e nove Srs. Deputados.

Leu-se e approvou-se a acta da sessão antecedente.

Mencionou-se a seguinte correspondencia.

1.° Um officio do Ministerio dos negocios do reino, remettendo para ser presente ás Côrtes o requerimento de Agostinho Eusebio Firmino Gorjão, que pede a definição das palavras = primeiros caixeiros das casas de commercio = Foi remettida á Commissão de legislação.

2.° Outro do mesmo Ministerio, remettendo para serem presentes ás Côrtes diversos papeis sobra divisão de territorio, foram remettidos á Commissão d'estatistica.

3.º Outro do mesmo Ministerio, remettendo o officio n.° 168 do administrador geral de Viseu sobre a annexação do concelho de Moimenta da Beira á freguezia de Arcozelo, que lhe havia sido requesitado em officio de 18 do mez passado. Mandou-se á Commissão de estatistica.

4.º Outro do mesmo Ministerio, devolvendo alguns pareceres da Commissão de estatistica sobre divisão do territorio, com os papeis respectivos, que comprehendem parte da que em 20 do mez ultimo lhe foram rematados para pedir esclarecimentos. Mandaram-se devolver á Commissão d'estatistica.

5.º Outro officio do Ministerio dos negocios da guerra,

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informando do estado das operações contra o Remechido, há conformidade do artigo 5.° da lei de 4 de Março ultimo. O Congresso ficou inteirado.

6.º O seguinte officio:

Illustrissimo e Excellentissimo Sr. - Respondendo ao officio, que V. Exca. me dirigiu em 16 do proximo passado, pedindo em virtude de deliberação tomada pelas Côrtes geraes, extraordinarias, e constituintes da nação portugueza esclarecimentos sobre o requerimento de Felizardo da Costa, soldado de cavallaria de guarda fronteira da 6.ª divisão militar, que se queixa de haver soffrido uma injusta prisão, desde 16 d'Agosto; cumpre-me dizer a V. Exca., para conhecimento das Côrtes, o seguinte. Consta da informação do governador militar da Beira Baixa, que junta remetto por cópia a V. Exca., bem como da correspondencia, que inclue entre o referido general, é o provedor do Fundão, que o individuo era questão, Felizardo da Costa, sendo soldado do regimento n.° 8 de cavallaria do exercito do usurpador, perpetrara um roubo, e sendo castigado com pranchadas, entrará por isso no hospital, donde se evadira, já quasi no fim da lucta para a praça de Marvão: que se alistara depois no 7.º batalhão nacional fixo, donde desertou, e junto com outros assassinos da villa do Fundão assaltavam Casas, e assassinavam impunemente, apresentando por vezes as orelhas das victimas, que immolavam, com ludibrio manifesto da humanidade, e da justiça; chegando o juiz de direito a não saír de casa, com o receio de ser morto. Em resultado das activas diligencias do general, então governador militar daquella provincia, foi preso andando unido a uma guerrilha com outros salteadores, que tambem serviram o usurpador: como porem elle se prestasse a denunciar outros malvados, que continuavam a infestar á provincia, como effectivamente fez a respeita do chamado = Sete capotes = o mesmo general, depois de algum tempo de prisão. e por não haver então alli auditor, que o julgasse, lhe permittiu assentar praça na cavallaria da guarda fronteira, por melhor executar taes diligencias: continuou porem sem emenda alguma, e ultimamente foi preso por levantar gritos sediciosos dentro do quartel, e insubordinação de palavras contra um superior; procedendo-se a um conselho de investigação para se conhecer destes crimes, em o 1.º de Julho de 1836, o qual lhe não fez culpa: como porém constasse haver instaurado- pela authoridade civil procedimento judicial contra elle, mandou-se ouvir a este respeito o conselheiro juiz relator do supremo conselho de justiça militar, o qual foi de opinião, que o supplicante deve ser posto em liberdade; o que effectivamente vai ter logar, visto não lhe resultar culpa alguma dos procedimentos, que ácerca delle se instauraram.

Deos guarde a V. Exca. Secretaria d'estado dos negocios da guerra em 6 d'Abril de 1837.- Illustrissimo e Excellentissimo Sr. Joaquim Velloso da Cruz. = Sá da Bandeira.

Foi remettido á Commissão de legislação, para dar sobre este objecto o seu parecer, remettendo-o depois á Commissão de guerra.

Passou-se á ordem do dia, que é a continuação da discussão do projecto n.° 12 da Commissão de legislação.

O Sr. Lopes Monteiro: - Antes de entrar na questão, que ainda hoje nos occupa, cumpre a quem pertence á classe da magistratura, prevenir uma impressão menos favoravel, que lhe procuram suscitar nesta sala os Srs., que com menos delicadeza, e por ventura com grande injustiça, affirmam: que os illustres Deputados fazem grande resistencia aos decretos do Ministerio de Setembro, porque um delles reformou a justiça, e diminuiu os togares, instaurando os juizes ordinarios.

Sr. Presidente: eu sou bacharel, e magistrado; mas não tenho pejo de dizer aos Srs., que pensam, nos assusta a diminuição dos logares, que sendo elles ainda mais de trezentos, talvez muito desgraçado é aquelle, que se não sente habilitado para este concurso; ou que, vendo-se justamente preferido, não tem a grandeza d'alma do spartano Pedaretes, para felicitar a sua patria, por haver achado trezentos magistrados mais virtuosos, e mais illustrados. Se porém estes Srs. nos estranham de não apoiarmos o Ministerio, sendo funccionarios públicos, eu lhes responderei a esta sua estranheza, como a mr. Jaubert respondeu ha pouco nas camaras de França mr. Dupin «Aqui sou deputado, penso livremente, fallo como penso, e voto segundo a minha consciencia: lá fóra sou magistrado, os meus deveres marca-os a lei; julgai-me por ella, e sem contemplação alguma.

Se nem isto, porque parte d'um Deputado moço, e que não ha ainda soffrido todas as provas parlamentares, satisfaz; estou prompto a offerecer a demissão do meu logar; porque a tudo prefiro ser acreditado pelo que sou; isto é, por Deputado independente, já que os meus poucos talentos, e diminuto saber, me não deixam chegar a mais.

Perdoe-me este Congresso, se o enfada esta minha satisfação, que eu julguei indispensavel dar; porque a devo á oito mil cidadãos, que para aqui me mandaram, e a mim proprio; vou entrar já na questão, e só quero terminar, declarando aos Srs., que tão mal sentem da classe da magistratura, e dos bachareis, que eu me recordarei sempre com vaidade, de que fui magistrado, e sou bacharel, em quanto me lembrar dos nomes de Borges Carneiro, e Manoel Fernandes Thomaz.

Sr. Presidente: os illustres Deputados, que me hão precedido nesta discussão tem emittido differentes opiniões ácerca dos decretos publicados pelo Ministerio de Setembro; uns julgaram inconsequente o parecer da Commissão de legislação, porque não considera em vigor todos esses decretos: outros, porque alguns julgam necessario tolerar, sujeitando-os ao mesmo tempo a serem revistos pelo Congresso: e alguem houve, que prodigalisou os maiores elogios aos Ministros pelas suas medidas legislativas, sentindo que fôssem ainda poucas; ao mesmo tempo que lhe não toleravam os seus favoritos juizes ordinarios!

Apezar da sabedoria, que em seus discursos hão desenvolvido tão distinctos oradores, eu não pude ainda mudar de parecer, e por ora estou pelo da Commissão, como quando o assignei.

Um Sr. Deputado, que se assenta na bancada superior, estabelecendo como base do seu raciocinio, que se não podia reprovar o que se não havia examinado, e não tendo elle examinado os decretos do Ministerio, concluio que approvava todos.
Sua Senhoria muito bem entende que alguem podia combater a sua opinião, enunciando em contrario, que não sé podendo approvar o que não se examina, e não sé tendo examinado os decretos do Ministerio de Setembro, se deviam reprovar. E parece, que este raciocinio, igualmente logico, era mais prudente, quando se ponderassem os effeitos, que uma medida legislativa errada póde causar n'um paiz qualquer. Ainda hontem o meu nobre patricio, o Sr. Barão da Ribeira de Sabroza, apresentando um requerimento, que elle fez, e eu, e outros assignámos, para obtermos deste Congresso se entrasse immediatamente na discussão do projecto n.° 23, que tem por fim emendar o decreto de 2 de Novembro proximo passado; disse, e eu o sabia, e affirmo, que similhante decreto produziu a desgraça das tres provincias do Sorte, e será motivo d'uma inevitavel explosão, quando se não revogue no art. 2.º, e 8.º O Sr. Ministro do reino tambem assim o entendeu, prestando-se a esse projecto, e até assignando-o; sinto não vêr S. Exca. na sua cadeira, porque lhe queria agradecer, como Deputado, este seu serviço ao paiz, e que para mim é a maior prova, que elle tem dado da pureza de suas intenções; mas que tambem é o maior argumento, que se póde oppôr aos que approvam tudo, porque não examinaram nada.

Outro Sr. Deputado, que toma assento no lado direito da Camara, reprovou o parecer da Commissão de legislação,

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considera em vigor os decretos do Ministerio de Setembro ate ao dia 18 de Janeiro, e os sujeita ao mesmo tempo a serem revistos; os argumentos deste Sr., se a memoria não me falta, reduziram-se a que a Commissão dá vigor a decretos d'origem viciosa, e assusta o paiz com a revisão desses decretos, porque isto é torna-los provisorios, e o estado provisorio é mão. A Commissão reconhece, como o Sr. Deputado, o dogma constitucional, de que o poder legislativo reside só nas Côrtes e eu (não fallo agora em nome da Commissão) tenho para mim, que o Ministerio de Setembro, se excedeu em legislar, endeosado com a idéa de regeierar o paiz pelos seus systemas governativos, no que depois de certo ponto não foi feliz.

Digo depois de certo ponto, porque em quanto o Ministerio, desenvolvendo as bases da antiga opposição parlamentar, fez as reducções d'ordenados, o decreto dos encontros, e outras medidas d'igual natureza, leve as bençãos, e a confiança do paiz. Quando porém elle tocou na Constituição, e a derogou para se fazer eleger Deputado, quando alterou os systemas da organisação administrativa, e outras muitas cousas com tanta sofreguidão, que parecia vêr com afflicção o dia em que nos aqui entravamos, pondo termo ao seu afan de legislar, a nação desgostou-se muito, Sr. Presidente, desgostou se muito, isto é verdade.

Mas com direito, ou sem elle, o facto da legislação apparece, e o que é mais, o paiz governou-se pelos decretos do Ministerio de Setembro em muitos pontos nestas circumstancias que havia de fazer a Commissão de legislação? Declarar um facto não existente, supprimir tudo, e sujeitar o paiz a uma anarchia maior? Não, Sr Presidente, quando as circumstancias de qualquer paiz chegam a este ponto, a lei para ellas é a da sua salvação. Assim eu, e os meus collegas toleramos o facto digo toleramos o facto (apoiado), e quero ser nisto attendido.

O que o Sr Deputado produziu contra o parecer da Commissão na parte, que sujeita os decretos do Ministerio de Setembro á revisão do Congresso, perdoe-me elle, mas não colhe nada. Se os decretos da dictadura são provisorios, porque podem ser emendados, todas as outras leis são provisorias, porque o podem ser tambem. Não incumbiu este Congresso ainda ha bem pouco tempo á Commissão de legislação o reformar a lei da liberdade d'imprensa? Pois ella foi constitucionalmente feita apenas ha dous annos.

Mas o paiz assusta-se, disse o mesmo Sr Deputado, com lhe darem uma legislação, que ao mesmo tempo se manda rever.... Sr. Presidente, isto não é, que assusta o paiz: o povo portuguez tem bastante senso, para entender, que os procuradores de sua escolha, hão de só reprovar o máo, e o que é bom ha de ficar, e isto em logar d'assustar, tranquillisa.

Pouco tenho a responder ao Sr Deputado, que cortejou o Ministerio pelas suas medidas, e que como lhe estranhou o não ter legislado mais.

O Sr. Deputado responde ao seu mesmo argumento, quando acha máos os juizes ordenarios do Ministerio, e eu ao segundo satisfaço, fazendo uma súpplica ao Ceo, para que não haja de castigar-nos com mais Ministerios, que se chamem dictaduras, e nos levem a maior cofusão.

Quasi que me esquecia, que alguns Srs. Deputados houve, que desapprovaram a parte do parecer da Commissão, que limita a tolerancia dos decretos sómente publicados ate 18 de Janeiro. Os argumentos destes Srs. hão sido ate agora que não houve Côrtes até ao dia 26, e que no dia 18 eramos apenas uma junta preparatoria, algum destes Srs. perguntou, se queriamos expor o paiz a ficar sem a refórma para os estados ultramarinos, e a perder um decreto de reducção economica do exercito, publicado no dia 21 de Janeiro!

Sr Presidente, para mim a revolução acabou, já quando os cidadãos foram á urna escolher os Deputados, que haviam declarar aqui a soleme approvação do seu programma; e não faltará quem pense, que jamais existiu revolução, depois que a Rainha, e todas as Camaras do reino, juraram acordes, e de bom grado, a Constituição de 1822.

Se porém é preciso considerar o Ministerio em circumstancias extriordinarias, até que no dia 18 de Janeiro, estas portas nos foram abertas, embora, mas então não posso até conceber, como não cessassem similhantes circumstancias, e é preciso que os Ministros presumissem muito de si, e nada dos representantes da nação, para que continuassem a publicar decretos de caracter legislativo á face do proprio Corpo legislativo. Nem se diga, que estes decretos estavam feitos na vespera, ou ante-vespera do dia 18; a publicação é o complemento da lei, e antes disso ella é mental, e como tal não tem caracter algum para a sociedade.

A methafisica, de que reunidos nós nesta sala não fomos Côrtes, logo desde o dia 18 de Janeiro, porque nos occupámos até ao dia 26 em trabalhos preparatorios, e fazer depender a nossa qualidade, da natureza, e indole de nossos trabalhos, o que para mim é grande absurdo.

Um Sr. Deputado, creio que pelo circulo de Lisboa, reforçou aquelle argumento com algumas perguntas, e não estranhará, que eu para o combater lhe faça outras Consentiriamos nós, que o Ministerio contrahisse no dia 19 de Janeiro um emprestimo de oitocentos contos de réis? Soffrer-lhe-hia alguem, que no dia 21 suspendesse as garantias no Algarve, e em alguns pontos do Alemtejo?

Um governo constitucional, e um ministerio legislativo, é um absurdo de nova especie, e quando se da a circumstancia d'estarem no exercicio de suas funcções ambos estes poderes, torna-se intoleravel similhante absurdo. E' este o motivo porque a Commissão de legislação, soffrendo os decretos do Ministerio ate o dia 18 de Janeiro, com o fim de salvar o paiz de novas difficuldades, não póde ir por diante; pois que não achou pretexto para salvar o principio da independencia dos poderes, de que depende a existencia da nossa fórma de governo, para salvar a nação, a qual já fez, e esta prompta a fazer todos os sacrificios.

Mas diz se no dia 19, e 21 de Janeiro foram publicados decretos da maior importancia, e em que esta compromettido o interesse da nação inteira, pois bem, examinemo-los já, e receba-os a nação da nossa mão. Ninguem, á vista da nossa prompta resolução a favor dos Açores, e da Madeira, póde ter receio de que seja differente a nossa conducta para outras medidas, que exijam igual brevidade.

A' vista do exposto, voto pelo parecer da Commissão tal qual esta, menos quando inclue o dia 18, cuja declaração não fiz ao principio d'assignar o parecer, porque ainda não estou bem seguro nestes estilos, parlamentares.

O Sr Barjona: - Nunca me lembrei de tomar parte na discussão deste projecto, porque sabia que riamos de meus collegas desejavam fallar nelle com extensão, e porque via muito bem, que esta discussão não podia deixar de ser sobre modo acalorada. Mas depois d'ella começada conheci, que não podia deixar de declarar o meu voto, e os principaes fundamentos delle. Passo a faze-lo o mais resumidamente que me seja possivel.

Primeiro que tudo peço licença para dizer, que senti que se decidisse, que o projecto senão discutisse senão em a generalidade, pois e manifesto que elle mui naturalmente se divide em differentes proposições, porem como isto assim se resolveu, requeiro que ao menos a votação seja feita por partes.

O Governo tinha sem dúvida toda a authoridade para fazer as leis necessarias para a sustentação do sistema proclamado e jurado em o dia 10 de Setembro. Entretanto elle fez muitas, que apenas podem considerar se méis e minha opinião que isto excedia muito as suas faculdades. Algumas dessas leis feitas pelo actual Governo serão muitissimo uteis, não o impugno,, porém é mais util ainda que se conserve

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intacto o principio da divisão dós poderes, e que se não consinta jámais que o executivo se arrogue a authoridade d'entrar nas raias do legislativo: não disse bem, Sr. Presidente, util disse eu, não é só util, é de primeira importancia. Um da maiores males que hoje carregam sobre a nação portugueza é a falta d'obediendia ás leis: e quem até hoje foi mais desobidiente que o actual Governo? E seremos nós mais desobedientes ainda postergando as leis, cuja execução nos pertence pela Constituição do paiz? Não vá este Congresso, lha peço eu, e lhe devem pedir todos os cidadãos portuguezes dignos deste nome, dar um tal exemplo ao mundo civilisado.

Em restricto direito publico deviamos nós declarar nullas todas as leis feitas pelo Governo, que não eram absolutamente necessarias para a sustentação do sistema politico jurado; (apoiado, apoiado) mas algumas das outras já te acham em execução, suspende-las seria prejudicial aos povos; e nestas circunstancias o caminho direito seria distinguir as que ainda não foram executadas, d'aquellas que já o são, e declarar em vigor destas ultimas, só as que são de reconhecida utilidade. Entretanto é já sabido, que esta idéa é regeitada pela maioria do Congresso; e em tal extremidade o que reputo mais sentato, e menos illegal, é o parecer da Commissão de legislação, com as duas restricções seguintes: o dia 18 deve ser exclusive; e não devem declarar-se em vigor as leis sobre imposto, cuja precepção não houvesse de ter logar antes da reunião das Côrtes. (Apoiado.)

Sr. Presidente, tem-se dito que antes do dia se as Côrtes se não achavam constituidas; mas que prova uma tal asserção? Porque as Cortes ainda não se achavam com faculdade de legislar, segue-se que o Governo tivesse esta faculdade? Se logo que nós entrámos pela primeira vez nesta sala, viessem os Ministros da Corôa, e dissessem: precisamos d'uma providencia legislativa: que impossibilidade haveria em nos conservarmos em sessão permanente até nos constituirmos, e darmos a providencia pedida? Sr. Presidente, a publicação de leis no dia da reunião das Côrtes revelam uma falta de respeito, cujas consequencias estão mui longe de serem indifferentes? (Apoiado, apoiado.) Agora não posso despensar-me de fallar do projecto judiciario em particular. A principio, em consequencia d'algumas informações que recebi, julguei que a nação utilisaria na execução immediata delle; porém depois que procedi a informações mais exactas, e depois que o li, penço que é do meu dever não o deixar, pela minha parte, pôr em execução, antes d'um maduro exame feito por este Congresso.

Finalmente, o meu coração repugna a approvar uma lei, que vai deixar ao arbitrio do Sr. Ministro da justiça a sorte de todos os individuos da classe da magistratura; pois que eu sei que S. Exca., se tem feito algumas nomeações boas; tem sido pela maior parte muito infeliz.

O Sr. Ministro dos Negocios do Reino: - Sr. Presidente, eu tenho a agradecer aos nobres Deputados que propozeram a suspenção das leis da dictadura, a cortezia com que trataram a administração; elles fizeram justiça ás nossas boas intenções, mas apregoaram-nos de grandes materiaes; nisto não me fizeram grande injustiça, porque já me tenho declarado sendeiro neste parlamento; por consequencia não tenho se não ensoberbecer-me por ver o pouco juizo confirmado pelo de tão illustres oradores.

Sr. Presidente, se as leis da dictadura não são uteis ao paiz, o Congresso não tem mais que revoga-las todas; e eu agradeço muito ao Congresso o tirar de sobre nós o peso de responsabilidade immensa, que essas leis nos trouxeram; se porém essas leis são uteis ao paiz, então a questão deve ser considerada debaixo d'outro ponto de vista. E' muito fscil censurar, é muito fscil destruir: o destruir todas as leis da dictadura, é um acto muito simples: uma votação deste Congresso....e a grande obra está consumada. Os Srs. Deputados, que me precederam, disseram que nós fizemos leis de mais; disseram que fizemos leis por fantezia; disseram que essas leis são más, porque são muitas; é que são más porque são novas; finalmente disseram cousas, que eu na verdade fiquei espantado de as ouvir dentro deste Congresso. Porém a verdade é, que essas leis em grande parte, são tiradas dos trabalhos dos corpos legislativos, que tem havida em Portugal desde 1820; dos trabalhos das Côrtes constituintes, das Côrtes ordinarias de 1822, é das camaras de 26 e 34, e da camaras do Pares; além desses trabalhos que serviram de base a todos os decretos da dictadura, houveram trabalhos especiaes; esses decretos antes de sanccionados, foram maduramente examinados por commissões especiaes; por homens esclarecidos que se interessavam na gloria e felicidade do paiz; por homens que queriam a victoria da revolução de Setembro, que não fugiram d'ella; esses homens, digo, interessados na gloria da revolução, aconselharam o Governo; e esses homens, entendo eu, que deveriam ser tratados com mais justiça por alguns dos nobre oradores desta casa.

Sr. Presidente, disse-se que nós não tinhamos o poder legislativo, se não até ao dia 18; mas que Constituição ha ahi sobre a terra (a de 22, a de 26; em fim que Constituição existe, que deste ao Sr. conde de Lumiares, ao Sr. visconde de Sá, ao Sr. Vieira de Castro, e a mim homem de Bouças, o direito de legislar? Sr. Presidente, é singular que a dictadura até agora, hão tivesse contrariação; e só quando ella expirou, é que se nos chama tyrannos, e usurpadores! São insultos ditos na face de Cezar, depois de levar vinte punhaladas. Aonde estava a coragem, o patriotismo, o amor á liberdade, e o respeito á Constituição? Quando nós usurpamos o poder legislativo, aonde estavam esses homens severos? Quando Polignac usurpou o poder legislativo, eu vi os corajosos jornalistas de Paris, cercados de gend'armes, arremeçarem sobre armas as suas folhas, para inflamar os animos e admoestar o povo á insurreição, e á defesa das leis! e o usurpador cabiu entre as ruinas de um throno, e foi pagar a sua audacia no castello de Ham. Mas os nossos censores não desenvolveram o amôr ao sistema representativo; e porque não provocaram contra nós o povo generoso, que de certo nos teria feito em postas) Sr. Presidente, é necessario que eu faça justiça aos meus mais implacaveis inimigos; o partido que mostrou coragem em combater a dictadura, foi o partido da administração transacta, partido Corajoso, porque não recuou, nem empalideceu, nem estremeceu diante dos tyrannos, e foi elle que pugnou pela não violação d'uma lei constitucional. Ora, Sr. Presidente, nenhum dos nossos amigos politicos então nos combateu, nem nos disse que nós de certa maneira usurpavamos dos poderes do estado, o mais importante o poder de legislar! Reservaram-se para tarde! Hoje vem estes grandes cavalheiros, como campeões, declarar-nos agora, que nós violamos a Constituição, que de facto foi violada desde Setembro. Sr. Presidente, qualquer que seja a convicção d'um cidadão, essa convicção é santa; mas o homem publico deve ter coragem; sem coragem não ha firmesa, e não é possivel que homem generoso tenha sympathia por nenhum escravo, e por nenhum homem que receia um só momento de cumprir os seus deveres. Sr. Presidente, a questão é considerada debaixo de deus pontos de vista: a questão de direito, e a questão de facto, ou de conveniencia. Sr. Presidente, hoje não só se combateram os actos da dictadura; mas até se disse, que a dictadura não é se não para fazer callar as leis. Oh! Sr. Presidente!! tenho pasmado com o que tenho ouvido! Ouvi, que dictadores só os havia era Roma; a dictadura, Sr. Presidente, tem existido ha muitos seculos; que era Moyzes, se não um verdadeiro dictador legislativo? que era o Imperador, quando dava a Carta Constitucional a Portugal? Pois não houve dictadores senão em Roma? ainda ha poucos annos o general Clopiché não foi dictador ha Polonia? O Imperador, com a sua espada de guerreiro destruiu exercitos, e com a sua penna como legislador destruiu os col-

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lossos da tyrannia. E foi isso a que se chamou a primeira dictadura; chamaram-lhe assim os sabios representantes da nação; os legistas da nação; bem ou mal? não sei; mas chamaram-lhe assim, e ninguem combateu, nem reprehendeu essa expressão, e vem-se agora combater questões de grammatica? Agora, Sr. Presidente, se quizerem consultar as constituições, e as leis de direito publico, para mostrarem que o Sr. conde de Lumiares, o Sr. visconde de Sá da Bandeira, o Sr. Vieira de Castro, e o homem de Bouças (riso) não tinham recebido, nem pela Constituição, nem das mãos de Deos, o direito de dar leis ao paiz, concordamos exactamente; mas nós não derivamos da vontade do Eterno o direito de legislar. Não fômos mandados pela Providencia! Somos filhos da revolução, e a revolução póde destruir, throno, altar, leis, e Constituição. O povo fazendo uma revolução, e encarregando-nos a sua defesa, deu-nos o direito de nos armar-mos de um poder descripcionario, e de quantos meios licitos houvesse para fazermos triumfar e brilhar a causa do povo, e um poder legislativo. Os que se oppozeram contra nus, os homens que nos combateram, quem eram? eram os sectarios da tyrannia, e os partidistas da administração passada.

Agora, Sr. Presidente, dizer que eu não poderei apresentar os publicistas, enganam-se. O publicista está depositado neste mesmo edificio, é a Torre do Tombo, e quando os mesmos partidistas da administração passada me pedire , que mostre esse publicista, eu hei de pedir-lhe que apresentem o publicito, que envestiu o imperador da dictadura que elle exerceu: quando me mostrarem os seus pergaminhos, e diplomas, nós mostraremos que o plebiscito está no grito do povo, e na necessidade de o amparar e defender. Sr. Presidente, nós podemos explicar o facto, que apontou o Sr. Leonel, de reunião de nossos amigos; mas nessa reunião se. declarou, que a responsabilidade moral era de todos, e a legal nossa; mas nós sabiamos bem, que qualquer, que fôsse o resultado da revolução pelo das eleições, só nós responderiamos; porque se hoje temos um Congresso composto de homens amigos da revolução de Setembro, podiamo-lo ter composto na sua maioria de homens amigos da administração passada, e se nos perguntassem pelo nosso publicista, e déssemos esta resposta, que acabei de dar ha pouco, haviamos de descer ao banco dos accusados, e d'alli subir ao cadafalso. Tomámos sobre nós ama responsabilidade immensa, com a maior repugnancia e coragem; mas o nosso sangues é tributo do paiz, e nós nos julgamos com força bastante para tomar essa, e maior responsabilidade nos momentos de difficuldade; porque tudo devemos á nossa patria. Sr. Presidente, disse-se-nos: salvai o paiz, e a revolução; ficai com os braços soltos, mas depois não vos desculpeis, que não tinheis forças, meios, nem poder. Era esta a linguagem que se nos fallou, promettendo-se-nos apoio; mas o Governo não quer se não um apoio franco diante de seus actos: eu farei justiça ás intenções daquelles Srs. que entendem que a dictadura não devia ser levada tão longe, nós entende-mo-lo de outro feitio; mas não deixamos de esperar que hoje se nos haviam e pedir estreitas contas, como se nós fôssemos um Ministerio regular, e constitucional; nós sabiamos que haviam do ser condemnados os nossos actos, que haviamos deter a sorte dos mais legisladores, e reformadores; porque as nossas reformas haviam de ferir muitos interesses, e simpathias; que haviam de revoltar as ambições, e a vaidade; e que por consequencia haviamos deter essas vaidades, essas ambições, contra nós no dia do juizo; mas nós não cedemos diante de considerações, e reformámos; mas ainda assim não esperavamos ser tratados, como ha dous dias temos sido. Agora, Sr. Presidente, digo, que do triumfo da revolução dependia a sorte dos Ministros; porque quando fôssem incommodados os mais cidadãos, e ainda os Srs. Deputados, as cabeças dos Ministros teriam cabido primeiro. A gloria do Congresso, a sua marcha brilhante, era do nosso dever prepara-la; porque era a unica garantia do nosso repouso, a permanencia dentro do paiz: mas disse um Sr. Deputado, que se senta daquelle lado, que já se serviu mal da palavra amores, e que mal se serviu tambem da palavra ciume, que por ciume do Congresso nós tinhamos legislado tanto, porque queriamos mostrar que valiamos mais do que as Côrtes. O que nós mostramos bem claro é, que queriamos a liberdade progressiva; porque respeitamos sempre o principio electivo em todas as nossas leis, e por tanto que somos tão sinceros amigos da verdadeira liberdade, como os que mais o são. Ora accuzam-nos de termos feito leis más; ora de termos feito leis boas; tão boas, que receia um orador que o Congresso as não possa fazer melhores! Esta honra não a pode-mos nós acceitar; tão injusto é o elogio, como a censura. Diz-se, fizemos leis boas para mostrar que tres homens, quatro homens, podem fazer melhores leis que o Congresso! que por este meio tornamos odioso o sistema representativo! Notem, Srs., a miseravel contradicção do nobre Deputado: em quanto censurou todos os actos da segunda dictadura, e se extasiou e dilatou com os elogios á primeira dictadura, a quem eu tenho sempre feito justiça; depois de ter lançado mina censura cruel sobre a segunda dictadura, em que nos disse, a noa, Ministros, vós não fizeste ia cousa que prestasse; mas isso que vós fizestes, e que não presta, é melhor do que tudo quanto tem de fazer o Congresso, e assim o povo dirá: entre os males o menor. Se as nossas leis são tão más (como pretende o orador) e tão más, que n'ellas ha cousas para aproveitar; então levantámos nós um grande padrão á gloria do Congresso, e convencemos a razão, de que as da primeira dictadura não podem fazer bem, e que o sistema representativo é optimo: se fôssem leis boas, e taes que o Congresso as não possa fazer iguaes; para que são essas censuras exageradas, iniquas; para que illudir o povo, e dizer que nós fizemos mal! Triste contradicção. Disse-se, que nós legislámos de mais, e eu digo, e todos os homens que tiverem meditado, e tiverem amor ao paiz, dirão, que nós legislámos de menos, porque o paiz estava desorganisado: de mais, se os Srs. Deputados dizem, que as leis da segunda dictadura são precisos quatro annos para as ler e estudar, pergunto eu, em quantos annos se discutirão ellas? quererão os Srs. Deputados, que este Congresso seja eterno; querem deixar as suas cadeiras para filhos e netos? não querem por certo! O Congresso tem de fazer a Constituição, tem de organisar a fazenda, e isso não é pouco; porque só para a Constituição, o Congresso constituinte gastou dous annos pura fazer uma Constituição, o que um homem entendido fazia em dous dias; Constituição que durou cousa de seis mezes. Eu espero, que o Congresso não ha de dilatar as suas discussões tanto, porque não ha de converter esta Assembléa em escola de direito publico, e gastar o tempo com cousas já sabidas do qualquer estudante; porque meu empenho e desejo, é apresentar leis sabias, e acudir aos interesses do paiz. Mas diz-se, o Governo fez tudo. Será isto verdade? creio que não. Esta censura é igualmente injusta, e infundada: bastante tem o Congresso que fazer. O Sr. Deputado disse, que as nossas leis são más, porque são novas: Sr. Presidente, eu sempre ouvi, que leis e mulheres, quanto mais novas melhor. E a não ser assim, teriamos de voltar ao codigo filippino, ou antes as leis barbaras dos tempos tenebrosos; isto é, deviamos ser governados pelos homens de meia idade; isto é um insulto feito á civilisação do paiz, e ao seculo actual! Sr. Presidente, nada mais facil do que censurar.; eu não sou grande poeta, mas entendo, e sou capaz de dizer ao Sr. Garrett, que tem alguns versos máus, outros fracos, outros duros, outros talvez, de pé quebrado; mas d'aqui não se segue, que eu os faça melhores? Para destruir, Sr. Presidente, basta um pigmeu; mas para a edificar, é necessario um gigante: tantas vezes temos agitado a uma eleitoral, e nunca acertamos com as provas de nossos representantes! Estaria essa felecidade reservada para o an-

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no de 1837? Começaria á gota o reinado de Saturno, e o seculo d'ouro! Só agora é, que appareceram os Solons, e os Licurgos? O Congresso é o representante da nação, mas elle rejeita, como podre incenso, qualquer elogio que se faça ao Congresso actual, com detrimento dos antigos parlamentos; aonde brilharam tantas illustrações; porque o Congresso começa os seus trabalhos, e é só quando os ultima que póde esperar o juizo da historia. De mais, a modestia é a corôa dos sabios.

Alguns Srs. Deputados dizem, que não tem lido as nossas leis, mas nisto não fizeram se não dar mais um documento de sua conhecida modestia, porque elles tem rido; e a prova de que tem lido, é, que o Sr. Deputado Secretario, que fui um da que assim o disse, foi buscar ao centro do codigo um artigo para o censurar.

A próva de que se lêem as leis da dictadura é, que todos os dias estamos aqui a ser censurados por ellas: - Sr. Presidente, um dos membros que já senão assenta neste Congresso, e que é um distincto escriptor, disse em uma carta que me escreveo, que Deos me désse muita saude para fazer menos leis do que aquellas que senão podiam ler; este escriptor, acredito eu que as não lêsse, porque é muito perguiçoso; e se as não lia, era pela sua propria perguiça, e não por culpa minha. Disse um Sr. Deputado, que as leis eram más. Fazer uma censura a qualquer lei, dizendo que é má, é muito facil; e eu tambem vou provar que o codigo de Napoleão, sendo um dos grandes monumentos da sabedoria humana , tem muitas cousas más. Mas apresento eu outro codigo melhor do que aquelle?? Em theoria concordo que todas as leis hão de ter muitos defeitos. - Já se disse aqui que nós tinhamos legislado muito, e administrado pouco; mas eu digo, que quanto ao comprimento dos nossos deveres ninguem nos póde censurar sem a mais flagrante injustiça: no primeiro dia que eu acceitei o ministerio, mandaram-me a casa uma pasta tão cheia de papeis para despachar, que eu exitei, e estive quasi resignando (V. Exca. estava presente). Os meus amigos sabem a actividade, e o zelo com que me emprego ao desempenho dos meus deveres, e que para nenhum despacho me não confio de procuradores. Se algum Sr. Deputado quizer ir á secretaria do reino, revolvendo todos os papeis, verá claras prosas dos mais assiduo trabalho. Quanto ás leis da dictadura, todas as que pertencem á minha repartição foram por mim examinadas; o Sr. José Alexandre de Campos sabe, que eu examinei artigo por artigo, a lei da instrucção publica; o Sr. João d'Oliveira assistio a discussões no thesouro, e podia ver quanta solicitude mereciam ao governo os publicos negocios. A lei dos expostos, era uma lei passada na Camara dos Pares, approvada pela Camara dos Deputados; a lei dos novos inventos, é obra da Camara dos Pares, approvada pela aos Deputados, e depois examinada por pessoas muito sabias e instruidas. O codigo administrativo, e que é este codigo administrativo? E a mesma lei de 16 de Maio (n.º 28) com as modificações feitas pela Camara de 1835, e resultado da prática do systema; as bases são as mesmas cena melhoramentos da experiencia, com nexo, cuidado, e systema; mas é muito máo esse codigo (disse um Sr. Deputado, e este lançou lagrimas de dor sobre as Camaras Municipaes): eu declaro ao nobre Deputado que, quando as Camaras faltarem aos seus deveres, podem ser mettidas em processo; porque eu em um governo Constitucional não conheço inviolavel senão a Rainha. Ora o artigo 82 do codigo administrativo diz (leu); por tanto não se tracta de processo; tracta-se de posturas, que não hão de prevalecer sobre as leis. Sr. Presidente, o direito que tem as Camaras de pôr as postaras, não é mais forte que aquelle, que tem o Congresso de fazer as leis. Ha principios vitaes, estabelece-se um direito geral de exportação; mas uma Camara quer augmentar este direito; e então ha de essa Camara ter mais direita que o Congresso? Certamente não: e então o poder judiciario tem acção contra a Camara. Em França entende-se bem esta theoria e a alta necessidade dos tribunaes, e da magistratura. Aqui não póde ser já, porque o nosso poder judiciario não está ainda estabelecido, e não tem ainda recebido a necessaria independencia, que vem menos das leis, que dos costumes publicos. Não digo que todas as nossas leis são perfeitas; mas hão de ir-se successivamente aperfeiçoando. Para que é um codigo administrativo? E pergunto para que é um codigo de processos? Para que um codigo civil; para que um codigo penal? Fizemos um codigo administrativo, não inteiramente bom; mas melhor do que a lei que elle substituto. E é isto objecto de censura? - O Sr. Deputado faltou tambem de juizes ordinarios. - As leis publicadas depois de 18 de Janeiro não são de grande importancia; com tudo algumas dellas (se fôssem revogadas) poderiam pôr a administração em grandes embaraços; como por exemplo as leis para o ultramar, que senão fôssem approvadas poria o governo em dificuldades. E eu recordo ao Congresso, que não ha moitas horas que o Sr. Garrett alludio, approvou, e applaudio essas leis. Ha tambem outra lei, que é a das pautas; eu apresentei como um acto que attesta a nossa independencia nacional. Até aqui dizia-se, que não tinhamos pautas, porque os inglezes não consentiam. Esta calumnia está destruida. As pautas tem muitos defeitos; mas o governo deseja e promove os seus melhoramentos. As pautas sem fiscalisação não seriam como a bolsa de Pandora: eu estabeleci aquelle systema, e se este decreto não, fôr approvado, havemos ámanhã vir pedir ao Congresso, que o converta em lei, ou que suspenda as pautas. As Camaras de 1834 não aprovaram explicitamente actos da dictadura, reconheceram um facto. Nós fazemos uma declaração solemne de que reconhecemos o direito, que tem o Congresso, e que a responsabilidade dos ministros fica salva. Olhamos a questão pelo lado da conveniencia: esta não a póde haver. Diz um Sr. Deputado, que o Congresso póde fazer as leis, e que as; deve fazer; mas se o Congresso tem de fazer a Constitui cão, e de discutir objectos de fazenda, e outros importantes; se sé encarregar de nos dar a 2.ª edição das nossas leis, fará ámanhã o que hoje desfez. - Perda perfeitamente o seu tempo. Sr. Presidente, quanto á cortezia, disse um Sr. Deputado, que se assenta daquelle lado, que não pedia licença aos ministros para censurar os sem actos! mas isto é expressão usada era todas as assembléas deliberativas, é o que se chama cortezia parlamentar. Eu faço toda a justiça á independencia do nobre Deputado; mas de certo não é menor a de todos os outros membros desta Casa, e não é menor tambem a dos membros da administração, que é de certo a mais independente, e que nunca foi visto andar a pedir approvação, nem apoio, nem os votos a nenhum Deputado; nós temos aquella attenção, que nos merecem os nobres Deputados pelas suas virtudes, e luzes, e pela sua independencia; mas como ministros da corôa nós somos os ministros mais independentes, e mais orgulhosos, que se tem apresentado diante de todos os parlamentos da terra. O apoio, que pedimos, é a nossos actos, combatendo, e discutindo: o Sr. Deputado é muito independente, mas os mais tambem o são? e os ministros actuaes de tudo podem fazer sacrificio, menos da sua honra, e do seu pondonor. - Disse o Sr. Deputado, que faltámos á cortezia do parlamento; porque fizemos leis na véspera da sua reunião: isso mesmo se poderia dizer de um ou dous mezes antes, e então lá vai a dictadura pelos ares. O Congresso no discurso do throno reconheceu o facto das nossas leis, e disse á corôa que as examinaria; e hoje não póde dizer o contrario. Sr. Presidente, se os decretos eram muitos, se os Srs. Deputados os não tem lido até hoje, muito menos os poderiam ler antes do discurso do throno; mas agora depois de ter dito á Rainha qual era a politica do Congresso, dizer hoje que mudou della? Eu não sei se o Congresso quereria

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passar por esta humilhação. A cortezia está da parte do governo, que depois do dia 18 não fez um só decreto. O Sr. José Liberato sabe muito bem, que todos os decretos da minha repartição lhe foram remettidos antes desse dia; o direito vinha do acto da assignatura de Sua Magestade, e a publicação não serve senão para regular a época da mesma; mas não para dar a força legislativa, que está nó decreto, e na sancção. Tenho mostrado, que o governo teve com o Congresso toda a cortezia. Agora direi, que eu deixei sem execução a lei da fiscalisação; e por isso o Congresso póde revoga-la; porque não offende interesses novos, ainda não nomeei os empregados. Mas se o Congresso assim decidisse, tem nesse momento um grande monumento levantado á sua gloria por todos os contrabandistas. Eu publiquei a lei das hypothecas, tal qual fôra apresentada pela Commissão de legislação da Camara de 1836, onde haviam optimos legistas, optimos menos um (que sou eu), reciei regular o direito antigo, e por isso fiz examinar este negocio por uma nova Commissão: a lei das hypothecas está era execução; mas ella pressupõem a divisão do territorio judiciario effectuado; e montado o novo systema: se a lei judiciaria sahir, não sei como se segurará a lei das hypothecas, ainda que anteriormente decretada; e assim perderá o paiz um dos maiores beneficios, que recebeo da 2.ª dictadura.

Disse-se tambem, que o novo processo não é bom, e que dá logar a muitos tropeços e delongas. Sr. Presidente, este processo é fundado sobre as bases do decreto n,° 24; e eu sou o primeiro que declaro, que o decreto n.° 24 com todos os seus defeitos, é talvez o maior monumento da gloria do defunto Libertador, e que alli se acham as bases da verdadeira organisação judicial. Sr. Presidente, a dictadura, que nós exercemos, não foi confiada aos ministros, mas sim a Sua Magestade; porque a nação não póde ter tão illimitada confiança em tres ou quatro homens, que compõem o Ministerio; mas sim na Augusta Casa de Bragança, e em Sua Magestade, de quem a nação diz, que é herdeira das virtudes, e gloria de seus passados; e conseguintemente a segunda dictadura é de Sua Magestade a Rainha, como a primeira foi do immortal Imperador. Tambem se disse, que o Sr. D. Pedro tinha tão aparada a penna, como a espada. E' verdade, Sr, Presidente, os decretos que aquelle Augusto Principe, publicou, foram leis de salvação, filhas do seculo actual, e tendentes a fazer a felicidade dos Portugueses. Mas o Principe não fez essas leis, foram seus ministros -; verdade é que o Principe fez algumas outras além das do n.° 24; mas estas, não outras, não lhe podiam dar o nome de Author. - O Principe entendeu, que a magistratura para ser um corpo respeitavel devia ser independente, e dar-se-lhe de comer, e por isso queria Elle, que os magistrados fôssem bem dotados. Corpo ha de ler uns autos, examinar a justiça das partes, o juiz, que se vê cercado de mulher, e filhos, que lhe pedem pão? Se porém nós hoje não seguimos nesta parte inteiramente a politica do Imperador, é por causas estranhas á vontade do Congresso, e do Governo. A nossa cruel economia é uma cruel necessidade do momento. Agora, Sr. Presidente, direi que a reforma das Prefeituras foi feita pelo Sr. Garrett (segundo me parece), o que com tudo não assevero: e a da reforma fiscal pelo Sr. Mousinho da Silveira. Nesta Sala combatemos nós muitos dias para conhecermos quaes eram as vantagens, que resultavam dos juizes ordinarios:- o não foi pequeno o combate, que houve a este respeito.

O decreto, Sr. Presidente, não pertence á minha repartição; mas apesar disso, a primeira parte delle foi revista por mim, e a verdade disto póde conhecer-se recorrendo ao original, que deve existir nas mãos do chefe da magistratura portugueza: - eu vi-o, e examinei-o; ainda que as minhas opiniões não tiveram a inteira approvação de uma commissão; isto é, a prova de que não foi precipitado, está em que elle foi feito sobre o projecto de Cadiz, feito por uma commissão de juizes estranhos ao parlamento, respeitaveis pelos seus conhecimentos, e animados do bem publico, os membros da associação juridica, e todos reconheceram, que não podia haver paz, nem justiça com o systema adoptado pela Camara de 1834. Depois disto, Sr. Presidente, foi nomeada uma commissão de distinctos juizes para o examinarem; - e depois de tudo isto, o que fez o Governo? Apresentou-o ao Sr. Manoel Duarte Leitão, um dos ornamentos da magistratura, e de quem são respeitados os conhecimentos, como de um magistrado velho, e experimentado: - mas o Sr. Leitão ouvio, e foi ajudado com as luzes de muitos jurisconsultos; e creio que alguns delles estão nesta Camara. E poderá com justiça dizer-se, o que ouvi a um Sr. Deputado, depois de tão serios, e escrupulosos exames, que o Codigo foi feito com precipitação! Defeitos ha de por força ter, porque é obra dos homens; mas que aquella obra nada tenha de bom, nem de aproveitavel, isso é que não póde admittir-se.

Alguns Srs. Deputados disseram, que não póde conhecer-se a bondade das nossas leis, senão quando executadas: - mas a isto direi eu, que é necessario então, que os povos vão de per si fazendo as leis, e executando-se depois; porque nós as decretemos mais tardava: - o fazer as leis pertence aos legisladores: estes podem conhecer à priori, que tal e tal lei é boa, ou má, e faze-la, ou respeita-la; mas a experiencia depois é quem dá a conhecer os seus defeitos, e inconvenientes. Ahi está a experiencia, o progresso, e o principio de perfeição. Resumindo pois direi, que o Governo usou para com o Congresso de toda a cortezia de que podia usar, por que depois do dia 18 não fez nenhuma lei.

Que a Commissão de legislação é excessivamente generosa, em quanto appróva com o seu parecer as leis, que até aquella data foram feitas.

Sr. Presidente, quando se tractou de reunir os portuguezes, e de reconciliar Sua Magestade com a nação, entre as condições que se escreveram, e ajustaram com os vencedores de campo d'Ourique, uma dellas foi, que seriam válidos todos os decretos da dictadura; esta condição foi mandada dar pela junta de campo d'Ourique; o povo soberano foi quem por este meio reconheceu o principio da dictadura legislativa. Elle era soberano, e contra esta sua expressa vontade, não sei o que possa oppor-se. Se se quizer porém entrar na discussão, se os homens do campo d'Ourique eram, ou não a nação, ou representava parte do povo livre, o Congresso o decidirá.

O Governo reconhece authoridade no Congresso para alterar, revogar, ou suspender todas as leis; mas ao Governo parece tambem, que antes de revogar as leis seria melhor; se encarregassem commissões para as examinarem, e proporem depois ao Congresso quaes eram aquellas que deviam ser reformadas, e quaes as que deviam ser sustentadas: - o contrario d'isto porá o Governo em grandes embaraços.

Peço ao Congresso, me desculpe de o ter cansado tanto; mas assim foi necessario, porque o ministerio foi tratado por alguns Srs. Deputados com demasiada severidade, quando se disse que todas as leis publicadas para nada prestavam, e nem ao menos se nos fez justiça ás nossas boas intenções. Que entre todas essas leis não haja nenhuma boa, é o que se não póde admittir.

Sr. Presidente, eu já disse, e repetirei de novo, que o Imperador tinha feito mais com a penna, do que com a espada: por quanto, sem as leis que então se fizeram, não podia vingar o systema Constitucional; porque é uma verdade sabida de todos, que sem leis que destruam as instituições velhas, nenhum paiz se tem regenerado. Porém, o grande mal foi, que o Imperador com a publicação da Carta, não destruio as leis velhas; e d'aqui resultaram muitas desordens, e desgraças.
Eu creio, que a primeiradictadura foi mais gloriosa do que a segunda; mas tambem creio, que a segunda fez alguns serviços ao seu paiz.

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Sr. Presidente, nos Srs. Deputados reside o direito de examinar aquellas leis da dictadura. - aquillo que elles acharem dever soffrer emenda, seja embora emendado, mas não se destrua tudo. Se eu viesse pedir ao Congresso que approvasse tudo quanto nós fizemos eu seria um Ministro imprudente - mas eu tal não venho pedir essa approvação, - venho pedir aquillo que é de esperar da honra, e gloria do Congresso, que elle faça, para bem da nação, e das liberdades proclamadas pela gloriosa revolução de Setembro.

O Sr Almeida Garrett: - E' verdade, Sr. Presidente, que pedi a palavra para esclarecer um facto, que me parece importante, e ainda que não está presente o Sr. Ministro do Reino, e são palavras suas, que eu pretendo explicar, vou todavia aproveitar o tempo, e restabelecer o facto, que o Sr. Ministro errou. - Depois de elogiar altamente alguns jurisconsultos que concorreram para a collecção das leis da primeira dictadura, fez-me S. Exca. a honra de me associar áquelles trabalhos, e, segundo lhe elle chama, áquella gloria. Não sei, ou não quero qualificar a capacidade dos jurisconsultos que assim designou, e por tanto não direi uma palavra sobre os elogios que lhe mereceram; mas sei, que nenhuma parte me pertence n'essa gloria, se a tem, nem quero que sobre mim venha qualquer vituperio, ou arguições, que se lhes façam. Declaro, e protesto, que não tive parte nenhuma na legislação, que durante a primeira dictadura se publicou. Trabalhei muitas vezes com os primeiros ministros da dictadura, isto e, com os que foram ministros nos primeiros sete mezes della, fui muitas vezes encarregado de redigir pensamentos, e projectos delles, nenhuma de suas leis, ou parte de suas leis e pensamento ou feitura minha. Algumas pessoas suppozeram o contrario, e principalmente por uma circumstancia que n'esta occasião restabelecerei, para que sobre ella não haja equivoco. Quando em 1832, na ilha de S. Miguel, se assentou nos concelhos de Sua Magestade Imperial, que deviam alterar se as bases da legislação do Reino por se julgar que isso era conveniente para o restabelecimento da liberdade, e mais facil andamento da Carta, immediatamente se procedeu em primeiro logar á reformação das justiças, n'esta não fui eu ouvido, graças a Deos, nem perguntado por cousa alguma, nem escrevi uma linha se quer Recta e constitucionalmente por aquella lei, desacumulado o poder judicial das attribuições administrativas, e fiscaes, que lhe andavam appensas, seguiu-se conhecerem os reformadores, que a alguem se haviam de dar essas attribuições, e tendo pensado em reformar sómente a justiça, viram-se forçados a continuar nos outros ramos de serviço publico. Nem havia já remedio. Tirada a primeira pedra de um edificio destes, hão de tirar-se as outras, ou ellas hão de cahir, e toda a casa com ellas, foram pois logo a uma nova organisação fiscal no merito da qual eu não entro, mas tambem nesta não tive o menor quinhão feitas estas duas reformas, os legisladores naturalmente olharam uns para os outros, e se perguntaram mas quem governa? - Era preciso administrar, era a primeira necessidade administrar, foi a ultima a que se proveu, e a derradeira em que se pensou. Destas cousas succedem sempre, quando se legisla sem nexo, quando se reforma aos bocados. Uma reparação deve fazer neste logar ao credito do Ministro, que então era o mais influente da dictadura, o Sr. Mousinho da Silveira. Todas as faltas dessas leis lhe tem sido attribuidas, muitissimas não são delle, e principalmente não é culpa de sua comunhão a falta d'um pensamento unico, e organico, em que ellas essencialmente laboram, sei, porque tive a honra de trabalhar com elle, as difficuldades com que tractou, os embaraços com que é enredaram, e que muitas idéas que ella concebeu completas, sabiam imperfeitas, e mancas, porque lhes impeciam á nascença certas influencias de gabinete, que não quero designar, mas que ninguem deixou de conhecer n'essa época.

Tractou-se pois em ultimo logar, quando em primeiro devia ser, de organisar a administração publica. Eu achava-me então na ilha Terceira unido ao corpo academico, em cujas fileiras tive a honra de desembarcar depois no Mindello, e posto que o derradeiro de seus soldados, e que menos serviços fiz, é a cousa da minha vida com que mais me honro. Para vencer as insuperaveis difficuldades que obstavam, já desde então, a todos os stygmatisados de independentes, tinha-me alistado como simples soldado em um dos batalhões que partiram de França, e não recordarei aos meus illustres companheiros, que tantos aqui vejo, as vexações por que passamos, e tivemos a resignação de supportar. Chamado pois a S. Miguel, fizeram-me a honra de me incumbir o trabalho d'essa organisação administrativa; mas sobre bases que me repugnaram, e que eu tinha a convicção intima que não menos haviam de repugnar ao paiz, cujos habitos, cujas idéas, cuja linguagem propria hiam chocar.- Disse-o assim, insisti por isto, mas inutilmente, porque estavam de permeio interesses pessoaes, que é mau fado nosso damnarem quanto bem se quer fazer nesta terra, em toda a época, sob todo o regimen! (Apoiado). Posso citar testemunhas, algumas que estão aqui presentes, e outras que o não estão, mas que merecem igual credito, de que as bases em que eu entendia dever fundar-se a nossa organisação administrativas, eram mui diversas, das que foram adoptadas.

Eu queria que se tivessem conservado os Corregedores, não taes quaes estavam, mas tirando-lhe as attribuições fiscaes, e judiciarias, ampliando-lhes as administractivas, que lhes da a ordenação, reunindo-lhes parte das funcções dos antigos provedores, trazer por isto no que era trasivel a lei franceza, e não alargar, por em quanto, mais o systema organico, até ver por experiencia se conviria dar um chefe a provincia, o qual, em minha opinião que presistentemente sustentei, nunca devia ser o de prefeito absurdo para nós, odioso a nossos preconceitos, e que nem os francezes introdusiram na peninsula, quando nella introdusiram com sua denominação a organisação do imperio. Por este modo se conservava um neto de authoridade, que os povos já conheciam, nomes, (e os nomes são cousa importantissima em tal materia) que os póvos já sabiam (apoiado), fazendo-se uma verdadeira, e necessaria revolução na essencia, não se fazia nas fórmas, que são as que mais conhece o povo, que: mais lhe repugna ver mudar, mas que mudadas, tarde recebem outras, e as respeitam, e lhes obedecem. Mas a verdade e que, á excepção do Sr. Mousinho da Silveira, nem dentro, nem fóra dos conselhos de Sua Magestade Imperial, ninguem conhecia o que era administração naquelle tempo. Ninguem me entendeu, e o meu humilde voto foi despresado. Os amargos fructos da tenacidade ignorante, e revolucionaria, que presidiu a estas decisões, não tardaram a colhêr-se. Quiz-se por força, e sem modificação, nem applicação, a lei franceza pura e simples, cuja practicabilidade em nossas circumstancias geraes, cujas difficuldades, nas circunstancias dos Açôres, cujos defeitos em qualquer parte, ainda na mesma França, que ha tantos annos rege os conselheiros, que então eram de Sua Magestade Imperial, nem conheciam, nem avaliavam, e cathegoricamente resolveram, adoptar o systema das perfeituras, e todas as consequencias, e todos os inconvenientes do desenvolvimento da lei franceza, e então determinado isto, como digo, seguio-se coordená-lo em um regimento organico, que nada mais é, nem podia ser, a lei de 16 de Maio. Essa coordenação organica, foi a que se fez, e de cuja redacção, com muita repugnancia, me incumbi. E imperfeito esse trabalho, nunca presumi delle; mas não posso deixar de notar, que ha cinco annos se tem andado a emendar, e reformar, e que todas as reformas, que a essas leis se tem feito, todas tem conservado áquelles artigos primittivos, recorrido a elles, e que (no pouco em que é regido) são ainda elles o que regeu sempre este paiz. Mudaram-se os nomes, a essencia do systema tem

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permanecido a mesma por alli (sobre más bases é verdade) estava com tudo a natureza verdadeira da administração. Que as leis não estão nas cabeças dos legisladores, se não na natureza de sociedade, não é lei aquella, que se fórma segundo a sciencia especulativa do homem que legisla, mas sim a que está na ordem, e relação das cousas entre si. Lei, Senhores, nunca hade ser, raparemos bem, nem o que fizer este Congresso, ou outro qualquer Congresso, nem a que fez a 1.ª dictadura, nem a 2.ª dictadura, ou qualquer outra dictadura. A lei está nas regras, que derivam da natureza da sociedade, e se não se fizer assim, a lei não ha de ser cumprida, não hade ser lei (apoiado, apoiado).

O Sr. José Alexandre de Campos: - Sr. Presidente, grande tem sido a variedade das opiniões, ácerca dos actos do Governo dedde 9 e 10 de Setembro até 18 de Janeiro; e mais variada ainda fóra do Congresso, a consciencia dos juizes tem estado em um estado vacilante, e hoje o publico acha-se em anciedade sobre este ponto, em que é necessario observar todas as circunstancias, ácerca da naturesa do direito, ácerca do principio da sua extenção, e do tempo da sua duração. Primeiramente direi ácerca do direito tem-se dito com muita força; porque não se tem referido, se não o argumento que está na Constituição: que o Governo não tinha o poder de legislar, e que o poder legislativo só pertence ás Côrtes; e então não podendo o executivo, conforme a Constituição, fazer leis, as leis expedidas naquelle tempo foram incompetentes, e por isso este argumento, como digo, fundado na Constituição, é de grande peso tambem de parece que para sustentar o parecer da Commissão, que dá vigor a estes actos, não se tem encarado o assumpto debaixo do verdadeiro ponto de vista; porque não se tem ainda pesado este objecto, debaixo daquelle ponto de vista proprio para reconhecer, qual é o direito, e mesmo qual é o principio donde podo derivar o direito.

Para se conhecer analiticamente, e que cumpre pegar em um desses actos legislativos da Dictadura, examinar o direito desse decreto, e depois applica-lo relativamente aos outros. Ora eu pegarei em um desses actos legislativos, expedidos pelo Governo desde 10 de Setembro, até 18 de Janeiro. Parece-me que é o primeiro; diz elle: é de 10 de Setembro de 1836. (Leu) Está assignado pelo chefe do Estado, e referendado pelo Sr. secretario do reino. Eis aqui o primeiro acto espniido pelo Governo no seu principio: ora vamos a ver o direito que ha neste acto, e depois applicando esta mesma doutrina aos outros actos, concluiremos o direito que nelles existe; e o principio de donde deriva. Ora este acto é terminantemente legislam o acto da mais cita magnitude, e que deveria ter no alto em vez de decreto, carta de lei; porque são estes os diplomas mais solemnes da Monarchia, e devia ser revestido com a assignatura do chefe do Estado, com guarda; porque ha neste diplome uma circumstancia particular, que é a lei fundamental da Carta de 26 revogada, e a Constituição de 22 posta em vigor. Eis aqui as duas disposições, que contém uma Constituição revogada, e outra posta em vigor. Sr. Presidente, o que é verdade, é que este acto foi reconhecido por todos nós, e creio que nunca houve acto mais eminente legislativo, e de mais alta transcendencia; e não só é legislativo e de mais alta transcendencia, mas até está reconhecido por nós todos, e é a causa porque aqui nos assentamos. Agora pergunto eu: é, ou não á legislativo este acto? Por tanto se nós reconhecemos este acto, é forçoso reconhecer o direito de legislar no Governo; por tanto temos já um passo adiantado, isto é, que existio no Governo direito legislativa;, mas diz-se: o Governo só redigio este acto; quem fez tudo isso não foi o Governo, foi a nação: é verdade, este acto é da nação; fez a nação aquillo que todas as nações fazem n'uma revolução, que é legislar fóra das formas estabelecidas, uma revolução quando tem principio, é o acto em que a nação legisla fóra das formas anteriormente estabelecidas; isto é, quando ella é fundada e não é anarchica: eis aqui o que succedeu em França; por exemplo: reinava Carlos 10.º em França, e os franceses disseram um dia, não nos convém que nos governe, e Carlos 10.º acabou de reinar: a nação franceza nesta occasião legislou fóra das fórmulas estabelecidas na lei, e o Governo que se lhe seguio referendou aquelle acto; é por tanto este acto, um acto da nação que legislou por si, e fóra das fórmulas estabelecidas; mas reconhecido este direito, que não podêmos deixar de reconhecer, vê-se, que uma nação legislando fóra das fórmulas estabelecidas, e legislando só por si, não póde reduzir a diploma as suas determinações, e por consequencia fica no Governo, o podêr que a revolução lhe confere; porque o Governo é quem tem o direito de reduzir a diploma essa determinação da nação, e é o que fez o Governo da Dictadura; porque a nação inteira não póde reduzir a diplomas as suas determinações, e então pela naturesa das cousas incumbe isso ao Governo, que reduz a diploma, e reveste das fórmulas, as decisões nacionaes.

Eis aqui a origem com que o Governo procedeu neste ponto. Não é a necessidade, é a delegação; porque é necessario reconhecer este principio, que da necessidade nunca se póde seguir o direito de legislar: se fôsse da necessidade, a quem resultaria esse direito? Não se applicava ao Governo. A necessidade nunca se póde tomar neste ponto por um principio de legislar, é a delegação; mas a delegação é que tem logar nos casos de necessidade, n'uma occasião em que, se não póde esperar por outro meio; e por isto já se vê, que não é a necessidade, é a delegação. Por tanto temos duas cousas concluidas: a primeira é a existencia do poder legislativo; e a segunda é a origem desse poder, que é a delegação; e o Governo referendando esses actos em virtude do poder da Nação; porque não póde ter, nem tem, outra explicação.

Agora vamos á explicação da extenção desse poder. Tem expendido alguns Srs. Deputados, que tem fallado nesta materia, que esse direito deve ser restricto á necessidade; mas era suppondo, que a necessidade era a origem desse direito; mas como está demonstrado que não, tambem os limites não podem ser restrictos á necessidade. A Nação proclamou a Constituição de 1820, e derogou a Carta da 1826. A Carta estava rodeada de outros nomes, e estava rodeada de outras instituições, e por consequencia a Nação que proclamou a Constituição de 1822, tambem proclamou as alterações indispensaveis das leis organicas, e conferiu o direito do e pedir os diplomas a necessidade, assim como as leis organicas; e dahi seguiram os actos legislativos da Dictadura. Ainda mesmo que fôsse a necessidade, o principio; em materia de necessidade de leis, as leis necessarias são todas as uteis; porque necessario é aquillo que convém no paiz, e a Nação, admittido o principio, e admittido o direito, não póde contestar a consequencia, que é o caracter legislativo desses actos: a questão que nós temos, é se o Governo legislou bem ou mal; isso é o que a Commissão deixou para depois do exame; porque isso não podia ter logar agora, como ella mesmo reconheceu, e então eis-aqui o direito, eis-aqui a origem, porque o Governo legislou, agora se legislou com justiça ou não, é outra questão; é uma questão subalterna, é uma questão secundaria, que não póde ser tractada senão depois do exame proposto, que é a segunda parte do parecer da Commissão, que o exame tivessse logar pelo methodo de fazer as leis, porque reconhecido o direito e a origem dos actos da Dictadura, e o caracter desses actos, só podem tractar-se como leis, e suspende-los tambem como leis, quando o Congresso entendesse que era conveniente. Agora ha outra questão, que é uma questão que tem parecido dificultosa, mas que se torna muito simples; é a questão da duração que teve o direito de expedir actos legislativos. Tendo-a delegação a origem deste poder desde o momento da rovolução, segue-se que esta delegação terminou desde o momento que appareceu outra delegação, dada a Representantes expressos da vontade Nacional que somos nós; por

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consequencia esta delegação não póde entender-se além do dia 18 de Janeiro, que foi o dia da reunião das Côrtes, ainda que ha alguns Senhores que tem argumentado, que no dia 18 de Janeiro não havia ainda Côrtes; seria necessario para se admittir essa oppinião, conceder que haviam duas pessoas distinctas das Cortes depois do dia 18, e umas só Cortes, o que seria misterio. Por consequencia desde que os Procuradores da Nação apresentaram as suas procurações, acabou a Dictadura, e ainda por outro principio, porque terminou tambem o estado de revolução, em consequencia da qual a Nação legislou fóra das fórmulas estabelecidas, e isso o foi depois do dia 18 de Janeiro, em que teve logar a reunião das Côrtes, e que essa missão que o Governo tinha, em virtude da revolução, terminou tambem no dia 18. Mas o parecer da Commissão não comprehende algumas partes sobre, que eu entendo, que o Congresso tem de votar; porque reconhecido o direito, reconhecida a origem, os limites, e a duração, ha alguns factos legislativos, que estão como encravados; uma parte deites teve logar antes, e outra depois do dia 18 da Janeiro; ha outros, cujos diplomas foram publicados em tempo competente, e os respectivos regulamentos depois de reunidas as Côrtes; e ha ainda outros cujos regulamentos foram publicados parte antes, e parte depois desse dia: a este respeito, além daquelles que referiu D. Sr. Ministro dos Negocios do Reino, o principal que deve ser tomado em consideração. é o decreto da reforma judicial.

Pelo que pertence áquelles cujos diplomas foram publicados do dia 18 de Janeiro, não podia haver grande duvida em approvar a sua validade; porque o acto legislativo consistia no decreto referendado pelo ministro, e assignado pelo chefe do estado; porque os regulamentos não são verdadeiramente o acto legislativo: por tanto, torno a dizer, que não poderia haver grande dúvida em fazer applicação deste principio ao que disse antes; mas entendo que nós na questão gravissima do decreto judicial, não devemos regularmos por estes apices de direito, mas que é preciso entrar na consideração da sua materia.

Não duvido, e fui mesmo testemunha, de que o Sr. Ministro da justiça fez todas as deligencias, para que o decreto da reforma judicial sahisse uma obra perfeita; consultou todos os jurisconsultos em quem confiava, consultou os trabalhos de Commissões de individuos benemeritos, consultou alguns magistrados, em fim fez tudo quanto estava da sua parte para o melhor resultado: mas o que nos importa agora saber, é a influencia que esse decreto póde ter na administração da justiça e na prosperidade publica. Eu, tendo-o examinado para exibir o meu voto no Congresso, vejo que no mesmo decreto são indispensaveis algumas alterações. (Apoiado.)

Sr. Presidente, esta questão da reforma judicial, diz respeito aos interesses mais importantes da nação; para assim dizer, essa anarchia judicial, de que todos se queixam, está dependente, está em connexão exacta com a lei da reforma judicial. Pareceu me que nella, tudo o que são detalhes, é excellente; que tem muita cousa boa, e que é mais precisa, em alguns pontos, que o decreto de 16 de Maio de 1832, na parte doutrinal; mas que no pessoal ainda involve o espirito de systema.

Tinha-se debatido longamente a questão dos juizes ordinarios; e convém saber, que neste ponto não ha só duas opiniões exclusivas, uma que quer, e outra que não quer juizes ordinarios; mas ha uma terceira que quer juizes ordinarios com attribuições menos extensas; que as que lhe confere a reforma. (Apoiado.) A expressão juizes ordinarios não tem valor invariavel; com tal organisação importa uma cousa, e com outras attribuições corresponde a outra. Juizes ordinarios para substituir juizes de direito, é um absurdo; e juizes ordinarios para prepararem os actos da juizes de direito, é essencial. (Apoiado.) Ora os juizes de direito da nova reforma judicial, nem são os juizes da antiga lei, (a ordenação do reino) nem os da de 16 de Maio de 1832; são uma entidade nova, e peior de que qualquer d'aquellas. O juiz ordinario da lei antiga, era uma entidade quasi nulla, pôr que tinham que julgar sempre com assessor, e então tudo repousava sobre estes; de fórma que os taes juizes, a quem tantos louvores se tem dado, eram quasi nada por si, e pessimos por outrem: na lei da nova reforma judicial não se exige assessor para o juiz ordinario julgar, e então torna-se este um funccionario, que não pode ser tido no mesmo valor que os antigos: estes, pelas leis velhas, tinham, assessores, e havia dellas recurso; a nova reforma judicial estabelece-os sem assessores, e delles não cabe recurso algum! O juiz ordinario, pela legislação antiga, podia julgar vendo o processo em sua casa; na nova reforma judicial só o póde ver em audiencia, ou acto proximo. - Estas são as differenças essenciaes entre as duas legislações ao mesmo respeito, e de todas ellas resulta - que o juiz ordinario da nova reforma, é cousa diversa dos das leis antigas, e a differença não é para melhor; por tanto não póde admittir-se - juizes ordinarios para substituir juizes de direito, são incompativeis. As experiencias em sciencia social custam caras, é necessario partir dos factos, não é materia sobre que se possa imaginar, é preciso pôr de parte o espirito de partido, e partir dos factos, taes juizes são reprovados pelos principios. e pelo raciocinio; e tambem os factos são concordes neste ponto: não póde dar-se o poder de julgar a quem não sabe direito. Se para todos os misteres da sociedade é necessaria uma habilitação, como se poderá sustentar que para o de julgar, nada se precisa? (Apoiado.) Isso repugna a todos os principios de razão. - Vamos aos factos.

Um juiz residente em um districto, cercado de amigos, de parentes, de negocios, que era juiz quando foi eleito, que depois continúa a sua residencia no mesmo districtos, quando já não é juiz - como é possivel que um individuo assim collocado preencha a capacidade de um qualquer juiz em diversas circumstancias?
O facto é, que essa pertendida justiça patriarchal, que se tem querido considerar nos juizes ordinarios, foi sempre em Portugal uma pessima justiça. Appello para a esperiencia de todos os jurisconsultos, que tem assento neste Congresso; que digam se se não tem horrorisado examinando alguns actos de similhantes juizes: o estabelecê-los seria uma calamidade. Nós não devemos dicidir esta questão, nem por que está, nem por que não está comprehendida no tempo o decreto; se for necessario revogue-se.- Ha ainda outro defeito. Os juizes, conforme a ultima reforma judicial, cão tem nenhum género de responsabilidade, comparados com os antigos: se o juiz ordinario, no systema antigo, tinha um assessor, e se a maneira de constituir esse assessor era sujeita aos abusos, o direito nesta parte melhoraria, se o juiz de direito fôsse o assessor nato do juiz ordinario da refórma, por que este seria o modo de compelir legalmente a vontade do ultimo. O defeito das leis antigas, nesta parte, era dar a administração da justiça a um assessor sem responsabilidade alguma; e se nós déssemos a estes juizes um assessor com responsabilidade, teriamos obtido uma grande utilidade.

E' indispeusavel tambem, que haja recurso, dos juizes ordinarios; o contrario seria uma monstruosidade. Pois não ha de haver recurso d'elles, e ha de dar-se dos juizes de direito? Que importa a differença de causas. Os juizes da nova reforma hão-de julgar as causas até ao valor de 10$000 réis em bens de raiz, e creio que 20 em moveis. e então o cidadão, que teve a desgraça de não ligitar mais de 10 ou 15$000 réis, não ha de ter as garantias, que se dão ao que demanda contos de réis? Parece impossivel que, a lei conceda ao rico, o que nega ao pobre? (Apoiado.) Além de que, o juiz de direito, de que se dá recurso na nova refórma judicial, é uma entidade revestida de todas as garantias, já por sua situação, já por uma responsabilidade para

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Com o Governo, é já pelo freio da imprensa; mas o juiz é ordinario d'aquella organisação é um despota, sem garantia nenhuma, e a quem nada impede de obrar como dizem não tem fiscalisação nem Governo, nem da relação, nem do juiz de direito de districto. Torno a dizer, que será uma monstrooisidade.

O que tambem é importante, e sobre que chamo a attenção do Congresso, é que nós podemos revogar o decreto judicial; mas há nelle defeitos de dous generos, mas de detalhe, que podem bem ser emendados confirmando a excepção do mesmo decreto, e outros de organisação pessoal. Se nós dissermos que o juiz de direito deve ser o assessor nato do juiz ordinario, que devo ser o fiscal da sua administração, então não podemos diminuir o número dos juizes de direito actuaes, este é o grande inconveniente, que tem execussão do decreto; porque o número dos juizes de direito pelo decreto, não é sufficiente neste caso, e as Commarcas, mesmo como estão, tem já uma area extensa, que o juiz de direito, só para desempenhar as suas naturaes atribuições, há de ter que fazer: e então será necessrio, que se retoque este defeito antes da execussão.

Estas e algumas outras considerações me fazem dizer, que na reforma inicial há certos defeitos que não pódem remediar desde já: tudo o que era de detalhe seria possivel mas a organização ou pessoal não convém, que se execute, antes de decidir quaes são as attribuições dos juizes ordinarios, por que assim marcará o número dos de direito que deve haver. Se se estabelecerem tantos juizes ordinários de que os de direito são sejam sussessores, não podemos então diminuir o numero actual desses. N'uma palavra, este objecto é dos mais interessantes, e convém que o Congresso quanto antes se accupe delle, para que nas provincias se não continue a dizer como agora se diz - que em Portugal já não há justiça.

Disse há pouco um Sr. Deputado, que uma Commissão de fóra das Cortes, tinha entendido que os juizes ordinarios eram essenciaes com as attribuições o decreto .... (Uma cousa: .... Não foi isso.) Parece-me que na discussão de hontem se tnha fallado nisto....

O Sr. Leonel: Eu o que disse, foi que em 1836, tractando-se desta questão de juizes ordinarios em uma reunião da Commissão de legislação da Camara dos Deputados, e de outra, de fóra das Côrtes, composta das maiores notabilidades juridicas de Lisboa, nessa occasião digo, alguns dos Deputados, que tnham votado contra o estabelecimento dos juizes ordinarios, votaram unicamente a favor delles, menos um dos membros da Commissão desta casa, que tinha sido ministro da justiça - creio que todo o mundo sabe quem eu fallo; e o Sr. Presidente, que me parece tambem fazia parte da Commissão, é uma testemunha do que acabo de dizer.

O Sr. Alexandre de Campos: - A nossa magistratura creio, que está concorde na necessidade dos juizes ordinarios, mas não os que na reforma: todos os juizes de direito conhecem a sua necessidade; mas, como eu disse, a cousa que constitue a differença entre os juizes ordinarios conforme um sistema e conforme o outro é a organisação. O juiz ordinario, que está na reforma judiciaria, mas não é conveniente, agora outro com outras funcções, dando-se-lhe um assesor, então é possivel. Há no decreto certos defeitos, que a Commissão podia ir encontrando, executando-se o decreto; em outras não é possivel, porque se se for executar o decreto sem se lhe fazerem as alterações que se julgaram a proposito em logar de irmos fazer cessar a anarchia judicial, iremos augmenta-la: eu entendo que é preciso alterar as attribuições, que elles juizes ordinarios tem pela reforma.

Agora se encarregarmos os juizes de direito de julgarem as causas processadas pelos juizes ordinarios, como é possivel que quarenta e oito juizes no continente façam tudo isso? Que façam as audiencias dos jurados dentro do julgado a julgarem os processos, que lhe forem remmetidos pelos juizes ordinarios? Não é possivel: e de mais a mais eu quero o sitema judicial dos juizes eleitos de que nunca hei de prescindir até por ser instituição, que representa os antigos juizes, e quero alguma fiscalisação do juiz de direito sobre o ordinario. Esta questão é muito importante, não decidir-se com precipitação. Porque d'aqui depende a felicidade publica. Diz o parecer: "Os decretos publicados até ao dia 13 de Janeiro etc. (leu.). Eu n'esta parte assignei o parecer, mas divergi sobre a palavra inclusive; eu era de voto que fosse exclusivamente, mas é certo que dado o direito e o principio que se deduz d'elle, os decretos publicados até 18 de Janeiro inclusivé devem ser considerados em vigor: quanto aos publicados depois, não podem vigorar pelo mesmo principio. Isso não é justo, nem moral nem decente. Quanto ás outras partes do parecer da maneira de rever, e suspenderá dos principios geraes. Admittidas como leis devem ser examinadas como outra qualquer dellas em vigor: e a suspenção deve ser tambem proposta pelo methodo ordinario, em virtude de uma proposta de qualquer Sr. Deputado. Nnão vi impugnar o parecer ainda por outra parte se apparecem alugumas outras razões direi mais alguma cousa.

Sr. Costa Cabral: - É na verdade desagradavel para qualquer Deputado que tem d'algum Ministro da Corôa ter de faze-lo na sua ausencia; entretanto não póde deixar d'assim acontecer algumas vezes: é este o caso em que eu me acho, porque tenho de responder ao Sr. Ministro do reino o qual apenas acabou de fallar, saiu para fóra da sala; como não sou culpado n'isto tambem se me poderá dirigir censura alguma.

Observando que o S. Exa. no principio do seu discurso fez uma declaração (aliás notavel), que é escusado referir agora eu tinha feito tenção de me abster de tocar em certos pontos concernantes á questão. Todavia o longo, ebem saliente discurso do Sr. Ministro me obriga a seguir outro rumo e a responder á letra a cousas, que a prudencia exigia não tivessem sido tocadas.

O Sr. Ministro (perdoe-me elle ) tratou com pouca dignidade este Congresso. (Apoiado, apoiado.) O Congresso deve e tem direito a ser tratado de outra maneira! Sr. Presidente, eu não digo que o Congresso possua as primeiras capacidades do paiz, mas o que eu digo é que por certo o Sr. Ministro se não atreverá a contrariar, é que todos nós somos verdadeiros portugueses e que desejamos fazer segundo nossas forças a felicidade da patria (apioado, apoiado): basta d'esplicações; entro na questão.

A questão, que nos occupa sem duvida uma das mais importantes que se tem apresentado n'este Congresso, e seja-me permittido dize-lo, é uma daquellas em que as que se apresentarem hão de se encontrar grandes inconvenientes. Esta importante questão mereceu as maiores attenções da Commissão de legislação; embaraçada se viu por extremo a Commissão e depois de muitos debates resolveu apresentar o parecer em discussão, não porque se lisonjeie de ser esta a opinião mais segura a seguir, mas porque julgou que assim se combinará melhor o interesse da nação com dignidade deste Congresso, o que tudo se deve muito em ter em vista.

Sr. Presidente, eu reputo muito vantajoso o campo, com que combatem os Srs. Deputados, que absolutamente negam ao Ministerio o direito de legislar durante a revolução; os principios, o direito, e finalmente a letra da Constituição estão em seu favor, e na verdade quando as argumentou com taes fundamentos não se póde recear ser debellado. Sr. Presidente, V. Exa. e o Congresso, sabem o respeito, que me deve o codigo proclamado; assaz o tenho se mostrado em

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muitas importantes questões, e entre ellas a elegibilidade dos Ministros actuaes; então combati, e votei contra tal elegibilidade, sustentando o vigor da Constituição; mas naquella occasião eu tinha sómente a optar entre a sustentação da causa do Sr. Passos (Manoel), e dos seus collegas, e a observancia da Constituição: aquella não podia merecer-me nenhuma comtemplação para consentir na violação d'esta; mas hoje a questão é outra, hoje é a causa da nação, é o salus populi, que está adiante de mim d'um lado, e a litteral observancia da Constituição do outro; este embaraço é realmente terrivel!

Sr. Presidente, eu estou hoje disposto a sacrificar alguns de meus principios á salvação, á felicidade, e prosperidade d'esse mesmo pôvo que represento; mas eu não desejo sacrifica-los todos, eu desejo combinar esse tão penoso sacrificio com os principios, com a Constituição, com a utilidade publica, e com a felicidade do meu paiz! Penosa situação é aquella em que nos collocou o Ministerio!

Antes d'emitttr a minha opinião, conceda-me V. Exca. que eu diga, que se esta questão continua a ser tratada da maneira que o tem sido até agora, será uma daquellas que se podem dizer eternas nós não devemos n'este momento ocoupar-nos d'examinar cada uma das leis da dictadura; entrar em similhantes detalhes é emprehender uma tarefa summamente difficil, e talvez impossivel de desempenhar: eu rogo aos Srs. Deputados, que tem de seguir-se a fallar, hajam de limitar se ao parecer da Commissão de legislação, o qual em meu entender contém tres partes diversas: 1.ª se os decretos da dictadura devem ser revistos, e a maneira como: 2.ª se devem ser suspensos, e a maneira como: 3.ª se todos devem julgar-se em execução, ou sómente parte: eis-aqui os tres pontos que se contém no parecer em discussão, e a que me limitarei, abstendo-me agora de examinar, e discutir na especialidade cada uma das leis da dictadura.

Primeiramente, e pelo que pertence á revisão, ainda o parecer da Commissão não tem sida atacado pelos Srs. Deputados, que me tem precedido; sómente se tem dito que a Commissão de legislação deu um parecer sobre um objecto claro, e indubitavel; sou eu o primeiro a reconhecer esta verdade, mais sou obrigado a rogar aos Srs. Deputados hajam d'observar, que a Commissão nada mais fez que dar o sen parecer sobre um objecto, que lhe foi commettido pelo Congresso: a Commissão entendeu, e muito bem, que não podia dispensar-se de dar o seu parecer sobre propostas, que para este mesmo fim lhe foram enviadas por decisão do Congresso; contra este, por tanto, ou ao menos contra os autores das propostas inuteis, é que os Srs. Deputados se devem levantar, mas nunca contra a Commissão de legislação.

A respeito da suspensão, repete-se o mesmo ataque; e eu que igualmente reconheço a procedencia do ataque, dou todavia a mesmissima resposta.

Agora pelo que pertence ao terceiro ponto, eis-aqui o grande, e todo o embaraço: eu encarando a questão pelo lado do direito, e tendo em vista os principios, digo o que tem dito muitos Srs. Deputados «o Ministerio não tinha realmente o direita, o poder de legislar durante a ausencia das Côrtes» como é possivel, que em um governo representativo alguem se atreva a considerar no executivo um similhante direito! Julgo porém, que no presente caso em que existe o facto, e um tacto que todo vai tocar com os grandes interesses da nação, não devemos ter sómente em vista o rigor daquelle principio, e antes de mais progredir sobre esta materia, permitta-me o Sr. Deputado, que me precedeu, que eu lhe diga, que não sei como seja possivel descobrir no decreto de 10 de Setembro um tal direito de legislar da parte do executivo! O que diz esse decreto? Diz que S. M., em vista das representações, que lhe foram dirigidas, e das demonstrações, que em differentes partes da nação se tinham manifestado, ha por bem declarar em vigor a Constituição de 29, e mandar proceder á eleição dos Deputados na fórma della. Primeiramente é forçoso confessar, que aquelle decreto está muito mal redigido, porque elle não devia conter as palavras declarar em vigor, attendendo a que S. M. não tinha poder para tal declarar, mas só para acceitar a Constituição proclamada pelo povo: em segundo logar é tambem forçoso confessar, que taes palavras não provam, que o Ministerio se podesse julgar revestido do poder de legislar; e muito menos deduzir um tal direito do resto do decreto: S. M. mandou proceder á eleição dos Deputados, nem podia deixar d'assim acontecer, attendendo a que pertencendo a attribuição de convocar as Côrtes extraordinarias á commissão permanente, e não existindo esta, era forçoso que o executivo executasse uma similhante attribuição; mas póde acaso desta força de necessidade deduzir-se algum direito de legislar? Não posso comprehender tal. Sr. Presidente, o direito de legislar que o poder executivo teve (mas sempre limitado), é derivado da natureza das cousas: faz-se uma revolução, mudou-se a lei fundamental do estado; era necessario sustentar a obra do povo; para isto pois, e para tudo quanto tendesse a sustentar a causa pública, eu concedo, que o poder executivo tivesse reunido o poder legislativo: foi segundo estes principios, que hontem principiou o seu discurso o Sr. Ministro das justiças; sou conforme com S. E. nesta parte; mas não no desenvolvimento, que depois deu no resto do seu discurso a taes principios: concedo, repito ainda, que o executivo tivesse o poder de tomar medidas legislativas, tendentes a salvar, e segurar a revolução, e a causa pública; mas não concedo o direito de ir bolir em todas as repartições do estado, e minar, para assim dizer, toda a legislação existente; mas, Sr. Presidente, com quanto eu negue um similhante direito, com quanto eu conheça o abuso, que delle fez o Ministerio, eu sou obrigado a dar o meu voto em contraposição ao que acabo de dizer! E' esta a posição, como já disse, em que os Srs. Ministros nos vieram collocar; mas entendam elles, que não é para os salvar, não é para os conservar no governo, que eu faço hoje tão penoso sacrificio, e nesta parte eu me separo inteiramente da opinião d'um illustre Deputado, que hontem disse, que se deviam approvar os decretos da dictadura até ao dia 26, e reprovar o parecer da Commissão; porque approva-lo seria decretar a quéda do actual Ministerio: se de toda a rejeição dos decretos da dictadura resultasse sómente a queda do Ministerio, declaro, que esta circumstancia me não merecia a menor consideração para fazer o sacrificio d'um só de meus principios; estuco os Ministros, sou seu amigo; mas nada disto póde obrigar-me a sacrificar um só principio; mas a questão não é esta, isto tudo deve estar inteiramente fóra do Congresso! E' a causa da nação, é o salus populi, que temos ante nós!

Eu tenho. Sr. Presidente, uma opinião muito particular sobre este negocio, a qual por certo não ganhará prosélitos; mas sou obrigado a emitti-la francamente: eu approvo o parecer da Commissão de legislação; mas com uma declaração, que me reservei fazer no Congresso, e por isso assignei o dito parecer nesta conformidade: eu admitto, que continuem em vigor os decretos publicados até ao dia 18 de Janeiro, mas exclusive, e não inclusive, como contém o parecer; e a razão do meu voto é, que sendo eu d'opinião de que essa chamada dictadura expirou no dia 17, não posso admittir por isso os decretos, que ella publicou no dia 18, dia em que pela primeira vez se reuniram os eleitos dos povos nesta sala; suppor a existencia d'uma dictadura estando nós já reunidos, não posso admitti-lo, é caso inteiramente novo. Pouco me importa, que o raio vá cair sobre tal, ou tal decreto; eu principiei por dizer, que havia tratar de combinar a utilidade pública com a decencia, e dignidade deste Congresso, que, no meu entender, tambem é uma necessidade pública. Não posso conceber como os Srs., que sustentam a validade dos decretos da dictadura publicados até ao dia 26 de Janeiro, dia em que dizem instalado o

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Corpo legislativo, accrescentam sempre «uma vez que fossem assignados antes do dia 18:» pois se a dictadura acabou sómente no dia 26, como póde negar-se-lhe o direito d'assignar decretos desde 18 até 26 de Janeiro? Quem concede uma, ha de conceder a outra cousa, sob pena de cair era grande contradicção, e isto não deve admirar; porque eu já disse, que nenhuma opinião deixa d'apresentar grandes inconvenientes; eu mesmo hei de logo ex-combatido por haver caído em algumas contradicções; eu tambem posso mostrar outras muitas das opiniões contrarias, em fim são embaraços de que não podemos saír sem fornecermos, materia para grande censura!

Sr. Presidente, além da declaração, que acabo de fazer, e que logo veio reservada no parecer da Commissão, tenho a fazer uma outra; porque pensando mais maduramente sobre a questão entendo, que é preciso salvar a principal prerogativa deste Congresso, se o sacrificio della não tiver de ser votado á salvação da causa pública. Sr. Presidente, eu tambem reprovo todos os decretos, que o Ministerio publicou sobre tributos de qualquer natureza, e entre estes se algum apparecer, que se mostre ter salvado a revolução, e a causa, da nação, estou prompto a dar-lhe a minha approvação: mas posso eu approvar decretos sobre impostos, que não podiam ser recebidos antes da reunião do Corpo legislativo? Posso eu approvar um desses decretos, publicado apenas, no dia 16 de Janeiro, dous dias antes da nossa reunião? Pouca, consideração houve na verdade, da parte do Ministerio, para com este Congresso! Eu já em outra occasião censurei o decreto sobre o lançamento das decimas, no qual se manda (além do que as leis determinam) pagar dous porcento mais sobre as fortunas de cada um; a applicação deste novo, e, pesado imposto é justa; mas pergunto, tendia elle a salvar a revolução, e a causa pública? Tinha eu razão de dizer, que não podia conformar-me com o desenvolvimento, que o Sr. Ministro das justiças deu ao seu discurso? Reprovo por tanto os decretos sobre impostos na fórma, que expendi.

O Sr. Ministro do reino, para nos convencer de que deviamos approvar todos os decretos até no dia 26, apontou o inconveniente de ser. reprovado o decreto sobre a fiscalisação das alfandegas, se approvado fosse o parecer da Commissão; mas eu confesso, que me não convenci da força do seu argumento, porque entendo, que se esse decreto é tão interessante como o Sr. Ministro diz, e se elle foi bem meditado, e por pessoas intelligentes na materia, não ha difficuldade em ser desde hoje apresentado como projecto, e ser depois examinado com urgencia, e approvado como lei provisoria; assim remove-se toda a difficuldade.

Sr. Presidente, agora mesmo me lembra tambem, que é preciso salvar um decreto, que approvou, e sanccionou o codigo penal; este código, a serem approvados todos os decretos, deve ser enviado ás differentes estações, porque tem de por elle julgar o poder judicial desde hoje, se hoje se approvar a opinião do Sr. Ministro; mas esse codigo, segundo me consta, contém materia, que pouca honra faz á nação portugueza, como saír então deste embaraço?

O Sr. Ministro do Reino: - O codigo penal..............(N. B. Não se lhe ponde perceber cousa alguma.)

O Sr. Costa Cabral: - Então é evidente, que os juizes são obrigados a julgar por elle...

O Sr. Ministro do Reino: - Não foi distribuido officialmente.

O Sr. Costa Cabral: - Não foi distribuido officialmente, bem está; então como querem os Srs. Ministros, que tenham execução outros tantos decretos, que ainda tambem não foram distribuidos officialmente? Em Cm eu apresento este facto, para que o Congresso o tome na devida contemplação. Concluo votando da maneira, que já expuz ao meu discurso.

O Sr. Manoel Antonio de Vasconcellos: - Sr. Presidente, eu pedi a palavra para esclarecer dous factos, que produziu o Sr. Ministro do reino ao seu discurso, e teria a fallar n'outro; porém esse foi tocado pelo Sr. Deputado que me precedeu, que foi o modo pouco airoso, e até pouco justo, com que Sr. Exca. tratou o Congresso; porém sobre isso não direi mais palavra alguma. Os outros dous factos que S. Exca. avancou, e que vem a ser; o primeiro, que tinha convocado uma reunião, de seus amigos politicos, para com elles consultar a maneira porque havia de proceder o Ministerio depois da revolução de 10 de Setembro; eu, Sr. Presidente, tive a honra, bem que nenhum proveito d'ahi podesse vir a esse negocio, de entrar n'essa reunião; lá fui chamado, e cumpre-me declarar(como já neste Congresso o fizeram alguns Srs. Deputados, que entraram n'essa reunião) o que lá se passou; e o em que eu pela minha parte convim, assim como convierem todos os outros Srs. que alli foram áquella reunião. Todos os que alli se acharam foram d'accôrdo, que o Ministerio devia julgar-se investido de poder descripcionario para o fim de sustentar a revolução, e de convocar quanto antes o Congresso nacional; isto foi o que se accôrdou, não como uma deliberação, mas como uma opinião: ora S. Exca. prevaleceu-se deste facto para formar uma censura, e muito forte sobre os mesmos indivíduos, que alli tinham sido desta opinião; porque hoje, Deputados neste Congresso, combatiam actos da dictadura: pela minha parte cumpre-me declarar, que eu reprovei alta, e altissimamente muitos actos da dictadura, não obstante ter sido daquella opinião; porque vi que muitos actos dessa dictadura, longe de tenderem ao fim de fazer progredir a revolução, e conserva-la em todos, os seus effeitos eram diametralmente oppóstos a esses fins, (apoiado) não digo por intenções, mas nos seus effeitos assim o eram, e não custaria muito prova-lo aqui hoje, se não fôsse evidentemente demonstrado aos olhos de todo o mundo. A maior parte da actos da administração presente, não. digo que eram insufficientes para sustentar a revolução; mas que eram sufficientes para revolucionar o paiz mais estacionario, que eu conheço, que é o da China (riso). Mas honra seja feita aos bons portuguezes, que tanto amôr tem ás instituições que proclamaram no dia 10, que apesar da todas essas cousas, de todas essas fermentações, elles sós, e por seu bom senso e amôr da liberdade foram os defensores dessas mesmas instituições, como os seus defensoras natos!

Disse o Sr. Ministro da Corôa, que ninguem se tinha levantado contra a dictadura, e que agora se vem impugnar neste Congresso os seus actos: permitta-me S. Exca. que eu lhe note, que alguem se levantou contra essa dictadura, não digo no todo, mas na marcha desregrada por que ella caminhava depois de certo tempo; e eu declaro a este Congresso, que fui um desses insurgentes; porque d'antemão previ os resultados a que nos haviam de levar esses vôos longiquos e arrebatados! Terminarei, Sr. Presidente, por fazer uma outra declaração ao Sr. Ministro do reino, e vem a ser, que a razão porque se tolerou essa dictadura, e se não destruiu quasi á sua nascensa, foi a mesma porque se está agora tendo alguma condescendencia com os actos dessa mesma dictadura (apoiado, apoiado); foi a necessidade publica, foram as circumstancias difficeis, em que se achava o reino, e em que se achava o Governo; mas tambem noto a S. Exca., que não tire d'ahi um argumento para sustentar glorias governativas, porque realmente não o deve em boa fé tirar (apoiado, apoiado); é preciso que todo o mundo saiba, que foi uma differença pela ordem publica, que forcou a nação Portugueza o tolerar esse Governo illegal, assim como tem sido agora considerações de bem publico, que tem feito com que nós tenha-mos condescendencia com alguns actos desse mesmo Governo (apoiado, apoiado.)

O Sr. Gorjão: - Sr. Presidente, eu partilho o quinhão que me toca na justa magoa de que vejo possuídos os membros deste Congresso, pela pouca consideração, e nenhuma gratidão, que o Sr. Ministro do reino mostrou para com esta Assembléa (apoiado, apoiado), e particularmente,

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Sr, Presidente, eu me julgo ter sido mal tratado por alguma das expressões do Sr. Ministro da Corôa, na repartição do reino; não é de todo o Ministerio, é do Ministro Sr. Passos Manoel. Sr. Presidente, nada mais facil do que estabelecer asserções gratuitas, para d'ellas cada um deduzir favoravelmente a si as affirmativas que lhe parecer, e a seu modo: quando eu disse que não era necessario pedir licença para censurar, em frente do Ministerio publico, qualquer Ministerio por aquelles actos, que, não fossem da minha approvação, como Deputado da nação logo disse, com tanto que essas idéas sejam emittidas debaixo da linguagem da propriedade, e da civilidade. Por tanto só provei, que tinha um direito que me dispensava de pedir licença: ora os cumprimentos são de civilidade, e por tanto fica a meu arbitrio usar delles, ou não, ainda que muito gosto de os usar, não é dever: entretanto conheço, que se deve guardar toda, a urbanidade no parlamento, digo a verdade, não sei se nessas expressões faltei a ella ; porque ha onze ou doze annos que não venho a Lisboa; não tenho presenciado particularmente as grandes cortezias usadas, se bem que por lá me constaram, neste parlamento, nas reuniões anteriores; e então nesse, caso peço desculpa dos meus poucos conhecimentos de taes costumes, como um lavrador. Digo a verdade, porque estou aqui para isso, e é para que os meus constituintes cá me mandaram. Eis porque vou ennunciar uma idéa, que me occorre, e vem a ser, quando entro aquella porta deste logar augusto, deste sacro sanctuario, na realidade produz em mim uma illusão, que me faz remontar a tempos mui remotos, aquelles tempos, der que Tacito disse: tempos de rara felicidade, em que cada um pensa como quer, e lhe é permittido dizer o que pensa. Digo de illusão, Sr. Presidente; porque se fôsse verdadeiro, melhor nos fôra; se elles fôssem verdadeiros, nós seriamos mais seguros, nós não teriamos tambem a recear que por aquillo, que aqui dizemos, fôssemos algum dia tratados mal lá fóra, como já o foram nesta capital, Deputados da nação, e não vai isto muito longe, que todos se não lembrem, e com razão, pois não é sem motivo lembrar-nos de que não seremos nós mais bem tratados, apesar da inviolabilidade estabelecida ás nossas opiniões. Inviolabilidade, que nenhum pacto social nós paires onde ha liberdade, onde um Governo representativo Consigna com maior força, do que estabelece, tambem a lei da propriedade sagrada, do asilo da casa de cidadão, e da liberdade da imprensa, a mais temivel arma contra o dispotismo, e aquella que diffunde os brilhantes raios da justiça, e da razão. Razão, digo; porque se fôsse realidade, não sómente não serião mal tratados os homens que pensam, e escrevem, mas nem os innocentes prelos se destruiriam, arrombando-se violentamente as portas da casa do cidadão; arruinando-se a sua propriedade, e se reduz á desgraça uma familia honesta, e util á sociedade; não se veria um bravo militar, que ainda agora expõe sua vida, e terá talvez em paiz extranho derramado seu sangue a bem da liberdade da sua patria, um dos heroes da patria, e um dos sete mil e quinhentos, obrigado a pedir a bua demissão, pela ingratidão com que era tratado por uma parte degenerada de seus concidadãos (apoiado, apoiado), que ainda atropellam tão sagrados direitos. Sr. Presidente, eu não disse, que Sua Magestade Imperial de saudosa memoria, fosse por ser um principe, mais capaz de ser Dictador, do que Sua Magestade a nossa Augusta, e amavel Rainha; não disse uma destas palavras, se alguem ouviu, que o diga; se algum tachigrafo o escreveu em suas notas, faça favor de mo dizer. Eu só disse, que Sua Magestade Imperial no tempo da dictadura, tinha legislado nas circunstancias da necessidade, e por isso lhe teci o elogio, que com minhas fracas forças pude; não o disse então, e o que disse, Sr. Presidente, é verdade; e mais o que então não disse, e agora digo, e é verdade, é que Sua Magestade Imperial estava mais abilitado para ser Dictador; porque tinha experiencia necessaria, tinha a lição das vicissitudes humanas, tinha a sua coragem pessoal, não dependia tanto do seu Ministerio, até porque tinha á cinta a sua espada, de que me parece se serviria talvez contra seus mesmos Ministros, se elles lha fizessem qualquer violencia, ou engano como Imperador, e como homem.

O Sr. José Estevão: - Menos isso.

O Sr. Presidente: - Os Srs. Deputados não podem senão ratificar as expressões, que lhe forem attribuidas, e que na realidade não disseram; e não discutir o facto. O Sr. Deputado, que está fallando, está aclarando um facto, que lhe disse respeito no discurso de um outro; entendo que está no seu direito, e para contestar suas idéas não é esta a occasião. (Apoiado.)

Continuou o Orador: - Eu digo agora, que S. M., a nossa augusta Rainha possue em o maior gráo todas as qualidades de bondade, e todo o composto de todas as virtudes, que a tornam o objecto do amor de seus subditos; e oxalá que todos elles lhe consagrassem o puro, e decidido amor, que eu lhe rendo; então mui socegado, longo, e glorioso seria seu reinado; mas o seu sexo, sua mais tenra idade, e sua menos experiencia, tornam de mais gravidade o exercicio de uma dictadura; porque a fazem consistir ainda mais na bondade de seus Ministros, fieis, zelosos do bem da nação, e do throno, incapazes de a comprometterem, o que todos sabem, não é muito vulgar encontrar-se; e com isto acabo minha explicação.

O Sr. Valentim: - O Sr. Deputado está fóra da ordem.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado rateficou expressões, que lhe tinham sido attribuidas falsamente, estava no seu direito, porque lho dá o regimento (leu).

O Sr. Leonel: - Quando se fallou no codigo penal, quando se notou que elle dão tinha sido publicado, digo eu, o facto é verdadeiro. Agora os motivos desse facto creio, que havia até este momento poucas pessoas que o soubessem; eu vou contá-lo: um dia, o Sr. Ministro do Reino pedio-me, que eu me viesse sentar ao pé d'elle: mostrou-me dois §§ do codigo penal, que elle não approvava, e que eu tambem não approvei; logo ajustámos que sendo approvado o 1.° artigo do parecer da Commissão de legislação, pelo qual eu voto, eu proporia um projecto de lei, para se mandar suspender o codigo penal, até serem corrigidos alguns dos artigos. Logo que se approve, eu apresentarei immediatamente esse projecto. Aqui está o facto relativo ao codigo penal: tambem julgo que com esta explicação mostro, que quando approvo alguma parte do parecer, e reprovo o resto procedo com inteira boa fé. Eu tambem queria dizer alguma cousa sobre a reunião do ministerio da guerra no dia 11; mas julgo que o não devo fazer, porque um outro Sr. Deputado pediu a palavra para o fazer, e temo que elle se julgue prejudicado no seu direito.

O Sr. Presidente: - E' para explicar o facto, póde fallar; mas não discuta.

O Sr. Leonel: - Já disse mais de uma vez, que assisti a esta reunião no ministerio da guerra no dia 11. Aquillo em que alli se assentou não se póde dizer resolução: porque não estaremos reunidos com poder algum, foi que o ministerio usasse de poder discripcionario para levar ávante a revolução, sobre isto estamos da accôrdo. Agora a duvida é, se tal, ou tal facto, era necessario para levar ávante a revolução, a minha opinião é que sim.

O Sr. Silva Sanches: - E' o facto da Secretaria da guerra, que tambem vou explicar; porque ainda o não julgo explicado sufficientemente. Já o Sr. Ministro do Reino recorreo por differentes vezes a esta reunião, para provar a authoridade, que o tinha revestido dos excessivos poderes, que exerceu; e ainda se não julgou prudente contraria-lo. Fa-lo-hei hoje. As razões, que elle deu, em logar de lhe serem favoraveis, são-lhe absolutamente contrarias; porque o que alli se passou, é exactamente o que vou a dizer; e V. Exca. que lá esteve, recordar-se-ha, se é ou não exacto;

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o que passo a expor. No dia 11 de Setembro convidou o ministerio os seus amigos politicos para que o conselhassem, se elle teria ou não o poder de legislar sobre alguma, cousa: muito explicitamente se usou da palavra - poder de legislar. - A resposta unanime de todos os que alli se reuniram, foi que o ministerio poderia legislar sobre as cousas indispensaveis para dirigir os negocios públicos até á reunião das Côrtes, e por reflexão do Sr. Leonel, e minha, se insistiu que só nas cousas absolutamente indispensaveis. E' isto o que se passou; e então já se vê, que as consequencias que se tiram, são todas desfavoraveis ao ministerio, quando se mostra, que legislou sobre cousas, que não eram necessarias para levar a revolução até á reunião das Côrtes, como com effeito legislou. D'aqui se infirirá tambem o nenhum fundamento, com que o Sr. Ministro do Reino fallou de restricções hypocritas, e jesuiticas, ás quaes responderei, quando me chegar a palavra.

O Sr. José Estevão: - A minha explicação reduz-se a ratificar algumas expressões do Sr. Deputado, que se senta deste lado da Sala. O Sr. Deputado deve entender que qualquer, que seja a inviolabilidade, que em virtude da nossa situação nos conferem as leis, não vai ella ao ponto de estorvar, que as nossas opiniões sejam combatidas; porque então a inviolabilidade dos Deputados seria um elemento de moderno parlamento, ou pelo menos um embaraço a discussão, e por consequencia a todos os nossos trabalhos, visto que discutir é todo o nosso officio. O Sr. Deputado lamenta a desgraça de não ser entendido por seus collegas; esta infelicidade é na verdade grande, mas o Sr. Deputado muitas vezes se tem pago della, não entendendo tambem algum de nós o que eu porém não entendo, é como em discussão ordinaria, o Sr. Deputado começou a clamar, sem motivo, contra o quebrantamento da inviolabilidade, e d'ahi passou a fallar no ataque á imprensa. E' preciso confessar, que o Sr. Deputado possue o talento das transições em gráo summo! Eu não vi, que ao Sr. Deputado fôsse cortada a palavra, e não me consta que fóra deste Congresso, ninguem o perseguisse pelas opiniões que emitto; e assim não não que fundamento tenham as suas queixas contra a falta de inviolabilidade. Agora quanto aos negocios da imprensa, digo que elle, a quem fica mais mal, é a quem o provocou: o Governo tez o seu dever rodeando a officina de força armada para impedir os furores populares, e da parte do Congresso houve o maior zelo a este respeito, fazendo effectiva a responsabilidade dos Ministros. Bem pudemos dizer da nossa parte, que neste negocio temos lavadas as mãos. Agora é impossivel, que eu havendo tido a honra de combater debaixo das ordens do Imperador, tendo-me a sua espada guiado aos combates, e á victoria, eu não levanto a minha voz de uma maneira mais solemne para delir a nodoa, que se lançou em sua honra. A espada do Imperador contra seus ministros!?...

O Sr. Gorjão: - Como particular.

(O Orador.) Nem como particular, nem como general, nem como Imperador.... Foi elle uma victima tão illustre da patria, e as pessoas que mais empenhadas se inculcam em sustentar o seu credito, tem sido aquellas que mais lho tem denigrido. Este fado, que o perseguiu na vida, já vejo que não acabou, quando a pedra da sepultura cahio sobre o seu corpo.

O Sr. Gorjão Henriques: - O meu dever, e os meus principios me ensinão, que eu diga perante este Congresso, que entendo que o termo fingido, foi precipitado, qualquer que tona a idéa que eu tivesse do facto, a qual ainda povo ter: assim o declaro em satisfação a esta Assembléa, e não em consequencia das ultimas palavras do illustre Deputado.

O Sr. Ministro dos Negocios do Reino: - Aproveito esta occasião para dar algumas explicações ao Congresso. - Eu em todo o tempo que combatia, como Deputado, as opiniões do outro lado da Camara, nunca offendi, nem faltei ao respeito devido; em consequencia nem só era incapaz de faltar á cortezia devida ao Congresso, nem essa era de certo a minha intenção; póde ser que alguma expressão minha, menos exacta, desse occasião á arguição, que se me faz; mas decerto não foi minha intenção offender ninguem, e muito menos o Congresso; eu creio que estas explicações são necessarias; póde ser que eu respondesse ás arguições que se me fizeram, de maneira que deixasse entrever o que se passava dentro de mim, que era o sentimento da injustiça com que me julguei tractado; mas as muitas expressões foram, como deviam ser: isto pelo que respeita á cortezia. Quando um Sr. Deputado, que se assenta daquelle lado da Camara, disse, que elle não pedia licença para censurar o Governo, como que se os mais a pedissem em quebra da sua independencia e primor, fui o primeiro que acudi pela honra dos Srs. Deputados, e declarei logo que era obrigado a dar um testemunho da sua independencia, assim como da independencia do Governo; ao mesmo passo fiz justiça aos Srs. Deputados, não quiz que se tomasse como acto de dependencia, o que era demonstração de cortesia: e então enchendo-me d'um nobre orgulho, disse, que tambem os Ministros eram dignos da nação; porque nunca se abateram diante dos homens, ou partidos; nunca solicitaram os votos do Sr. Deputado; mas vieram ao Congresso argumentar a discutir.

Ora, Sr. Presidente, a outra interpelação é, que eu disse, que o povo podia derribar o Throno, e o altar. Eu entendo, que a religião catholica contribuio poderosamente para a civilisação dos póvos, e não tentava mais que em querer mostrar, que os póvos são independentes; mas não se entende d'ahi que eu quero, que essa religião seja alterada. Sua Majestade para Governar não precisa ir remontar ao direito Divino, basta Governar sustentando a Monarchia Constitucional (apoiado): eu tenho dado todas as próvas que deffendo a pessoa de Sua Magestade com a liberdade do paiz. -- A respeito do programa da secretaria da guerra, o que o Sr. Silva Sanches disse, para mim foi uma novidade discutir-se simitlidiite questão; mas sem duvidar da verdade, não me recordo do facto. - Eu, Sr. Presidente, não peço o auxilio da responsabilidade dos Srs. Deputados; eu disse que a tomava toda sobre mim. - Um Sr. Deputado combateo um dos actos da administração, que foi o da illegibiliddde. Alli está assentado o Sr. Administrador geral, que me mandou dizer na occasião em que essa lei se publicou, que o desapprovava, e por isso pedia a sua demissão; eu respondi-lhe muito cathegoricamente, dizendo-lhe, que lhe não dava a demissão pela divergencia de opiniões, S. Sa. escreveo contra isto, ficou com, os seus principios, e eu com os meus.

O Sr. Gorjão disse que eu tinha.....

O Sr. Presidente: - Mas eu entendo, que isso são explicações pessoaes, e então devem ficar para depois de acabada a discussão.

O Sr. Ministro dos Negocios do Reino:- Eu estava fóra da sala, e pediram-me que viesse para dar explicações ao Congresso; vim para esse fim; e estou certo que o Congresso não quer reduzir os Ministros á condição de criados de servir; assim como os Ministros são obrigados a tractar o Congresso com toda a cortezia.

O Sr. Gorjão: - Peço a palavra, para a explicação de um facto.

O Sr. Presidente: - Eu não dou a palavra ao Sr. Deputado, nem a ninguem para explicações, se não depois da votação; tem a palavra o Sr. Garrett sobre a ordem.

O Sr. Almeida Garrett: - As explicações de factos degeneram aqui sempre em explicações pessoaes. (Apoiado) Esta é uma tendencia da natureza humana, que senão póde destruir; mas que se póde evitar: façamos lei para a reprimir. E' natural sermos zelosos de nosso credito, e mal nos

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parece offendido, acudimos logo por elle, muitas vezes irreflectidamente. Por mim mesmo me accuso de o haver feito. E' desculpavel esta susceptibilidade, e faz honra aos sentimentos de quem a tem; mas primeiro que todos os creditos está o do Congresso, está a sua dignidade, a dignidade da Nação, que representamos. Ha explicações uteis, ha-as que obscurecem de sombras apaixonadas a mais simples questão. Que importa á Nação Portugueza o que se passou na secretaria da guerra entre certos amigos politicos, que ahi se juntaram. Não sei o que ahi se passou, e pelas revelações que se tem feito, tomara não saber mais. Não pretendo arguir nenhum dos Srs. Deputados, só quero manter a dignidade e respeito deste logar, que é o templo das leis; não o convertamos em fóro de nenhumas outras discussões.

Peço por tanto que se consulte o Congresso, se o regimento não deve ser interpretado no sentido de que todas as explicações, sejam quaes forem; fiquem reservadas, para o fim da discussão, ou quando muito da sessão.

O Sr. Silva Sanches: - Em quanto no que disse o Sr. Deputado, que fallando sobre a ordem, pertende, que se resolva, que as explicações de qualquer natureza fiquem para o fim da sessão; muno bem; e ha dias eu disse aos meus collegas, que muito necessario era revogar esse artigo do regimento. Mas agora permitta-me o Sr. Deputado, que lhe diga, que eu não quero admittir a censura, que me faz, do que eu disse; a respeito do que se passou na secretaria da guerra. Antes teria a censurar o Sr. Deputada; porque tendo tantas vezes o Sr. Ministro fallado do que alli se passou; nunca o censurou; e agora que um Deputado o faz, diz que isso para nada importa! Se hoje não importa, tambem não importava das outras vezes. E porque não fez então o Sr. Deputado esse reflexão?

Diz elle, que é preciso zelar a dignidade do Congresso. E ficaria ella muito zelada, cobrindo se d'opprobrio alguns de seus membros?

E' pela dignidade pois do Congresso, que eu julguei dever explicar me; porque mais de doze membros do Congresso assistiram a essa reunião; agora pertende-se apresenta-las como contradictarios, dizendo lá uma cousa, e vindo aqui sustentar outra: se d'isso fossem capazes seriam indignos de ser Deputados; e o Congresso não deveria por tanto julgar-se honrado, conservando-os. Por conseguinte, e por estes motivos não posso deixar passar tal idéa, e repitto toda a censura a tal respeito; mas declaro ao Sr. Deputado, não supponho mal das suas intenções.

O Sr. Garrett: - Eu não censurei ninguem.

O Sr. Gorjão: - A minha opinião é a que seguiu o Sr. Garrett, e eu não quereria dar uma explicação de um facto (perdoe-me V. Exca.), se V. Exca. não tivesse consentido que se alterasse a lei que V. Exca. mesmo nos impôz. O Sr. José Estevão, que combateo as minhas idéas, e não tinha a explicar facto algum de meu discurso, que lhe dissesse respeito, nisso mesmo cahio na censura que parece quiz inflingir-me, quando disse, que ás vezes poderiam alguns Deputados peccar em não terem ouvido bem as palavras dos outros oradores, ou não terem bem penetrado o seu sentido; apesar de que eu me voltei para o illustre Deputado, quando disse, que Sua Magestade Imperial tinha a espada para se servir della como Imperador, e como homem, se seus ministros o atraiçoassem, ou violentassem pessoalmente; e por tanto á vista do que disse agora, parece não ter ouvido, ou fingir, que não ouviu.

O Sr. José Estevão: - Sobre a ordem, Sr. Presidente; limito-me a dizer ao Sr. Deputado, que a expressão figio, de que usou a meu respeito, tornou a questão de tal natureza, que não póde aqui ser tractada.

O Sr. Presidente pôz á votação se as explicações de qualquer natureza deviam ficar para depois das discussões; e assim se venceu.

O Sr. Pereira Borges: - Sr. Presidente, não entrarei na questão de merito de todos os actos legislativos da dictadura, porque seria difficultosa tarefa nesta occasião; porém limitarei a questão a um só acto, que me parece ser importante, o qual é o decreto da nova reforma judiciaria, que entendo deve ser posto em execução, não só porque tem a qualidade da publicação antes da reunião do Congresso que parece exigir-se no parecer da Commissão; mas até pela sua necessidade, e pela importancia da materia, que nelle se contem. Este decreto na sua primeira parte teve publicação antes do Congresso reunido; e como nella esteja consignado o pessoal, e divisão respectiva, entendo que comprehende o principal da lei, e que as outras duas partes são dependencias da primeira, isto é, são os modos porque se deve dar á execução. O decreto de 29 de Novembro determinou á sua publicação, e na parte que pertence aos juizes ordinarios a sua execução; logo existem as duas qualidades essenciaes, porque se deve pôr em vigor. A sua necessidade, é fácil ver-se, quando se considera o poder judicial, como um dos poderes mais importantes, que tem uma Nação, e o que mais póde concorrer para a sua liberdade, e segurança; porque da sua boa, ou má acção depende a paz das familias, e a tranquilidade do estado; para que, parece-me que um mez, uma semana, que se embarace esta lei, é um mal gravissimo para os povos; e os embaraços, e tropeços, que se fizerem ao Governo para a sua não execução, é dar-lhe direito para que nos diga um dia, que a desordem judicial foi culpa do Congresso. Sr. Presidente, a administração da justiça está em um estado deploravel nas provincias; este estado de desorganisação em todos os elementos do poder judiciario, é pouco agradavel, que continue; as authoridades não tem força para fazer executar as leis, o mal é grave, precisa de remedio, logo está provada a necessidade.

E' importante, e conveniente, porque abrange tudo o que ha de melhor no decreto de 16 de Maio, e sepára o que há de peior, e accrescenta a veneranda instituição dos juizes ordinarios; está neste decreto consignado o principio de que quem instrue o processo, não dá a sentença, e por este modo algum inconveniente que possa acontecer na instrucção do processo pelos juizes ordinarios, é remediado; porque tendo este de ser examinado pelo juiz letrado de correição, póde ver os seus defeitos, e entendendo que precisa de reforma, assim o determina antes de dar a sentença. Não se sabe quem são os juizes de facto, e aqui está outra bellesa da melhor importancia; porque pela divisão judicial os circulos são de maneira combinados, e senão estreitam de fórma, que haja conhecimento de quem tem de julgar do facto; encontram-se os recursos que são necessarios, e nesta parte está emendada a escassêz em que o decreto de 16 de Maio collocava os litigantes, abafando a sua justiça, e fazendo porque se tomassem decisões, algumas vezes, menos justas: a instituição dos juizes ordinarios aqui é renovada; esta instituição é a que mais se acommoda com as circumstancias do thesouro, e commodidade dos povos; porque pela reducção do pessoal se diminue a despeza, e fica o Governo habilitado para dar melhores ordenados aos juizes de direito, fazendo assim a sua independencia, e porque os circulos sendo em menores distancias, já não obrigam o requerente a procurar na distancia de 5 legoas a justiça que tem ao pé de casa: por tanto, Sr. Presidente, parece-me que esta instituição é a mais liberal; e tanto é assim, que quando em França a assembléa constituinte quiz a liberdade de boa fé; mandou, que os juizes fossem eleitos pelo povo; e quando Napoleão quiz fundar o despotismo arrogou a si esta nomeação: se consultamos a historia, achamos que Dom Affonso 4.°, e Dom Pedro 1.°, e outros Monarchas até Dom Manoel, querendo substituir estes juizes pelos letrados, encontraram nas Cortes desse tempo a maior repugnancia, e difficuldade; do que se deixa ver, que estes jurzes eram os que

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mais agradavam aos povos; e por tanto repito (com perdão do Congresso) que esta instituição é, no meu entender, a mais liberal, e por isso voto por ella, e pelo parecer da Commissão.

O Sr. Costa Pinto: - Sr. Presidente, eu tinha pedido a palavra para emittir as minhas idéas sobre a materia em questão; mas estas em parte foram prevenidas pelo illustres oradores que me tem precedido; e então eu, que não gosto se consuma o tempo com discursos inuteis, de certo cederia da mesma, a não ser a intima convicção em que me acho, de que a questão é grave, e conseguintemente que devo manifestai com franqueza a minha opinião, para que ella chegue ao conhecimento de meus constituintes. Tenho pois a declarar, que me não posso conformar com o parecer da Commissão, na parte em que pertende se considerem em vigor todas as leis da dictadura, publicadas até ao dia 18 de Janeiro, em que ca reuniram as Côrtes. Não posso assentir a tal. Sr. Presidente: porque naquellas leis algumas ha, que eu não approvo; outras que não tenho podido examinar com o vagar, e circunspecção, que é necessaria (o que me parece tem acontecido a muita gente); e então se eu approvasse em globo o parecer da Commissão, em parte procederia contra a minha consciencia, em parte sem um verdadeiro conhecimento de causa, absurdo grave, que de modo algum estou resolvido a commetter. Embora me argumentem com principios de conveniencia, e de que, no caso de se não executarem todas cegamente, tudo se transtornará: eu, Sr. Presidente, acho que o maior transtorno de todos, e a maior inconveniencia, é deixar-mos de ser coherentes e fieis aos principios constitucionaes, segundo os quaes, ou se olhe para a Constituição de 1822, que jurámos guardar, ou para a extincta Carta Constitucional, ou para qualquer Constituição do Mundo, em que se tenha adoptado a divisão dos tres poderes politicos do estado; a ninguem compete o poder de legislar, senão aos Representantes da Nação reunidos em Côrtes. Eu. Sr. Presidente, não me acho resolvido a resignar estes principios por considerações de qualidade alguma; por elles tenho soffrido bastante; mas ainda que mais soffra, serei constantemente fiel aos mesmos: não posso por tanto reconhecer como leis aquellas que a dictadura publicou até á reunião das Côrtes, até porque receio, se estabeleça um precedente perigoso para o futuro, e que um Ministerio, ainda a titulo de dictadura, venha fazer leis, que nos privem da vida e bens, talvez com a esperança de conseguir na camara uma maioria que approve todos os seus actos. Não faço tal juizo do actual Ministerio, estou persuadido antes, que a maioria das suas medidas são boas; estou prompto a prestar já a minha sancção aquellas que approvo, e de que tenho conhecimento; mas ás outras não é possivel, sem que primeiramente sejam examinadas, e discutidas neste Congresso, pois que este é o unico modo, que acho para ser coherente, e salvar os meus principios.- Por esta occasião não posso deixar de dizer alguma cousa em resposta ao que avançou um Sr. Deputado na sessão de homem, o qual pretendeu mostrar, que se deviam considerar em vigor todas as leis da dictadura, publicadas até 26 de Janeiro: não duvidou trazer a campo o decreto sobre a reforma judiciaria, e os seus vaticinios nas camaras passadas sobre a difficuldade de voltar aos juizes ordinarios, lançando por este modo certo odioso sobre a classe dos jurisconsultos, que suppõem enredadores, pouco aptos para representar os interesses dos povos, e que nesta questão talvez fazem opposição por interesse? particulares. Ora, Sr. Presidente, que o Sr. Deputado faltasse de si, porque tambem é jurisconsulto, não me admirava; porque cada um de si póde dizer o que quizer; mas estender o seu comprimento, aliás insulta uma classe inteira; parece-me um tanto extraordinario, porque é essa classe, sem duvida, a que mais soffreu pela causa da liberdade; porque foram os d'essa classe que entre nós lhe deram o primeiro impulso; porque entre elles existem muitos incapazes de prostituir a sua missão, e de sacrificarem os interesses de seus constituintes pelos seus proprios interesses, que muito soffreram no tempo da usurpação, e que nada tem pedido; e é assim que se lhes agradece seu patriotismo, e sacrificios? Eu tambem tenho a honra de pertencer, a essa classe, e tambem voto contra o famoso decreto da reforma judiciaria, não por interesse, porque nesse caso havia de votar no sentido contrario; mas porque a minha consciencia assim o dicta.

O Sr. Fernandes Thomaz: - Eu vejo a Camara deserta, Sr. Presidente, não sei se V. Exa. tem direito de mandar chamar os Srs. Deputados que estão fóra da sala: a não o ter, acho que se deve suspender a sessão; porque a discussão desta questão é muito importante, e além disto, é uma questão d'interesse ministerial, que para poder continuar parece-me necessária a presença dós Srs. Ministros aqui, tanto mais por que tendo feito o seu discurso o Sr. Ministro do reino; e tendo alguns Srs. Deputados que responder-lhe, torna-se absolutamente preciso, que elle esteja presente.

O Sr. Presidente: - Eu mando chamar os Srs. Deputados que estão fóra. (O que assim se fez.)

O Sr. Presidente: - Creio, que agora se acha na sala o numero sufficiente de Srs. Deputados; e por isso póde continuar a discussão.

O Sr. Fernandes Thomaz: - E muito difficil a posição de um Deputado, que tendo pedido a palavra para fallar sobre um objecto em questão; ella lhe cabe depois de terem fallado muitos Srs. Deputados, dotados de tantas luzes, e talentos, como são os que me tem precedido! Que póde elle dizer que seja novo? Que póde elle dizer que não enfade? Apezar porém de parecer esgotada a materia, vejo-me com tudo, Sr. Presidente, em necessidade de dizer mais alguma cousa, maximè depois de ouvir os discursos dos Srs. ministros da Corôa. Eu fui dos primeiros que negaram ao Governo a faculdade de legislar; e que pedi se examinassem as leis por elle publicadas; censurei-o amargamente pelo ter feito, e insisti quanto pude para que na resposta ao discurso do throno clara e expressamente se declarasse, que o Congresso eslava determinado a rever todos os decretos com força legislativa, e a approvar só aquelles que julgasse de manifesta utilidade. Disse o Sr. Ministro da justiça, que é verdade que o Governo tinha legislado muito; mas que tinha sido para bem do seu paiz: eu porém respondo a S. Exa., que se engana perfeitamente: eu reconheço as muitas virtudes, e patriotismo de S. Exa.; mas se S. Exa. quizesse mostrar que não tinha muito a peito o bem do seu paiz, a maior prova que disso podia dar, era legislando com os seus collegas, tanto como legislou. E' verdade reconhecida por todos, não obstante o que avançou em contrario o Sr. Ministro do reino, que a multiplicidade de leis é o presente mais funesto, que se póde dar a um povo. Esta doutrina anda ahi em todos os publicistas, e os factos a levão á evidencia. Tacito já dizia no seu tempo = ut olim flagitiis sic nunc legibus laboramus, = E não teremos nós portuguezes muita mais razão para repetir a exclamação do antigo romano?

Sr. Presidente, tem havido até aqui uma opinião, que eu de certo não posso admittir; é o querer-se comparar a dictadura depois de 10 de Setembro 1836, com a dictadura que findou em Agosto de 1834: e dizer-se ainda mais que o paiz precisava tanto da dictadura de Setembro para cá, como logo apoz o desembarque nas praias do Mindello!

Não ha paralello, Sr. Presidente, entre uma e outra; por que as circumstancias são inteiramente differentes. Na primeira dictadura, o dictador quem era? Era um Principe, era o commandante em chefe do exercito, cuja missão não podia ser nem mais nobre, nem mais gloriosa; porque era a de libertar a sua patria, e assentar no throno usurpado a Sua Magestade a Rainha, cujo Pai e Tutor elle era. O dictador então vinha restituir ao seio de suas familias milha-

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res de portuguezes fieis. Era necessario passar da tyrania para o Governo da lei, d'um systema absoluto para um systema Constitucional, e mudar assim toda a machina antiga por uma nova. Nenhum parallelo póde haver portanto com as mudanças que trouxe a revolução de Setembro, que mais não fez sento passar d'um systema liberal para em outro systema liberal, embora mais amplo. Não se dão por tanto, Sr. Presidente, circumstancias communs entre o ministerio dictador de Setembro, e a dictadura do Duque de Bragança. Esta dictadura foi necessaria e innevitavel, e eu reconheço-a: aquella não era necessaria, e tem sido mui prejudicial, é eu não a reconheço, rejeito-a.

Tambem se disse, que os ministros tinham direito de legislar, e podiam assumir esta faculdade, que só compete ao Corpo legistivo, para publicar todas as disposições legislativas, tendentes a assegurar o triumpho da revolução. Mas pergunto eu, o que os ministros fizeram, foi só isso? Não. Mas vieram elles dizer-nos já, que se não fizessem tal, ou tal lei, se perdia a liberdade-? Mostraram por ventura, que para ella se sustentar tinha sido necessario publicar este, ou aquelle decreto? Similhante cousa ainda aqui. não disseram.

Sr. Presidente, se os ministros tivessem sómente tomado alguma medida de circumstancia, sem a qual tudo se puzesse em risco, e logo que aqui nos reunimos nos viessem dizer, que se tinham visto obrigados pela fôrça das cousas a usar da prerogativa de legisladores neste ou naquelle ponto, e para salvar a causa pública; que lhe diria o soberano Congresso? Que bem, que elles tinham abusado do poder, que ordinariamente lhe era conferido, com tudo bem mereciam da patria, por que a haviam salvo.

Sr. Presidente, seria preciso por ventura, para que a revolução de Setembro vingasse, a publicação do codigo administrativo; a reforma da instrucção pública, a judiciaria, - as novas pautas, etc., etc. ? ( Alguns Srs. Deputados, responderam = era, era = ).

O Sr. Presidente dirigindo-se á Assembléa disse: - As interrupções são prohibidas; os Srs. Deputados, que tens a combater a opinião do que está fallando, tem o direito de pedir a palavra para o fazerem. (Apoiado, apoiado.)

O Orador continuou: - O Sr. Ministro dos Negocios do Reino não está presente para me ouvir: - não é culpa minha. Eu tenho que responder a algumas expressões de que elle usou no seu discurso, e como não posso advinhar quando entrará outra vez na sala, não tenho remedio senão começar.

O Sr. Ministro dos Negocios do Reino já disse, que o Governo não tinha tido a faculdade de legislar. Confessou pois, que tinha sahido fóra da esfera de suas attribuições, e por agora é isso quanto me bastei. Mis o Sr. Ministro dos Negocios do Reino, servio-se de expressões anti-parlamentares, e que não podem passar sem serem rebatidas.

Disse, que Sua Magestade não havia consentir em nenhuma lei de sangue....

O Sr. Ministro do Reino quiz pôr a sua responsabilidade a coberto com o nome de S. M., influindo assim no espirito desta Assembléa. Isto, Sr. Presidente, não se faz em Parlamento algum: não se pratica em nação alguma que se rege pelo systema Representativo. Accrescentou, que a Rainha é quem tinha assignado esses decretos, por ter assumido o poder legislativo. A Rainha desde que nomeou os seus Ministros, e que lhes entregou as redeas do Governo, nunca mais governou. Se D. Pedro foi Dictador, a Rainha nunca se póde dizer que foi Dictadora; a Rainha sempre usou das formulas do Governo Representativo, por isso que nada tem apparecido como actos seus proprios; todos são do Governo, e de mais ninguem. Se são publicados em nome della, os Ministros é que são responsaveis, e não a pessoa de S. M. que é inviolavel.

Houve muita razão, Sr. Presidente, em alguns Srs. Deputados, que se escandalisaram do modo, porque o Sr. Ministro dos Negocios do Reino tractou o Congresso dizendo, ou dando a entender, que só esta era a Camara dos Solons e Lycurgos, que desde 1834 até hoje a uma eleitoral, sempre aberta, nunca tinha cá mandado senão agora! E porque, Sr. Presidente? Porque os meus collegas tem cumprido o seu dever; porque os Srs. Deputados lhe negaram um direito, que o Sr. Ministro do seu discurso confessou, que não tinha!

Agora, Sr. Presidente, reconhecendo-se que o Governo não tinha authoridade para legislar, e que foi uma falta muitissimo grande que commetteu; pergunto eu: porque o Governo commetteu essa falta, havemos nós julgar essas leis todas nullas? Julga que não. Quanto á primeira parte do parecer da Commissão sou da mesma opinião della; isto é, que os decretos da Dictadura sejam mandados ás differentes Commissões: quanto á segunda, até que termo se devem julgarem vigor esses decretos, não lhe conheço differença alguma na época; porque se acaso elles nau tinham direito de legislar, no dia immediato ao da revolução, esse mesmo direito não tinham até nós aqui chegarmos. Eu digo pois, que se devem, pelos mesmos principios, considerar em vigor umas e outras leis, excepto aquellas que não estiverem ainda em execução. Reconhecido pois (como não póde deixar de ser) o principio de que só nós, Assembléa Legislativa, temos a faculdade de legislar: eu sacrifico esse principio, no caso presente á ordem, e tranquilidade do meu paiz, á conveniencia pública.

Agora direi mais, Sr. Presidente: se os Srs. Ministros assentaram que as reformas eram de absolucta necessidade, e tão profícuas para curar os males públicos, como é que se abalançaram a decreta-las já d'antemão, seguros de que ellas eram imperfeitas, e defeituosas? No entanto os Srs. Ministros já tiveram a franqueza de o confessarem; e isto é imperdoavel. Na frase do Sr. Ministro do Reino algumas dessas reformas precisam ser maduramente reflectidas, e a nós nos compete o revê-las, e examina-las; porque, disse elle, ellas são imperfeitas pela demasiada pressa com que foram feitas. Citarei, para prova do que disse o Sr. Ministro, a lei da devisão do territorio: ainda o outro dia o Sr. Deputado, que foi encarregado de a fazer, nos declarou que a administração actual lhe não tinha dado sufficiente tempo para isso; e até se servio desta expressão - que todas as administrações que tem havido desde 1834 para cá, o tinham sempre mandado trabalhar naquelle objecto, como se fosse machina de vapôr! - E que resultou daqui, Sr. Presidente? resultou para o paiz o germen da discordia, o estado da desordem em que se acham as provincias.

Sr. Presidente, eu o que não quero como Deputado, é que recaia sobre o Congresso a minima particula de responsabilidade da falta de obediencia ás leis, e da falta da tranquillidade publica: não somos, nós os culpados, mas sim os Srs. Ministros da corôa; porque elles trataram de reformar, e de legislar incompetentemente. Os Srs. Ministros distruiram tudo o que se linha feito; e que aconteceo? Isso que estava feito, sempre se ía executando; os povos já estavam acostumados, e os Srs. Ministros não tiveram força para fazer executar, aquillo que de novo decretaram. E como, podia o Ministerio ter força, Sr. Presidente, se foi elle mesmo que primeiro atacou, pelo fatal decreto de elegebilidade, a propria lei fundamental do Estado, pouco tempo depois de solemnemente jurada! Acaso esperava elle depois disto, que lhe acatassem as suas leis, que respeitassem, como cumpria, a sua authoridade? O Sr. Ministro do reino disse mais: que se os Deputados achavam as suas leis más; porque usando da sua iniciativa hão propunham outras melhores? mas esta accusação por ora, Sr. Presidente, não tem lugar algum; porque tudo depende da decisão da questão, que temos entre mãos. Se chegar-mos a tractar da revisão das leis, S. Exca. verá então se ha motivo para tal increpação.

Agora passando a um outro ponto, perguntarei ao Sr.

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Ministro o que quer dizer governo de milagre, como S. Exca. apelidou o seu Governo n'uma das sessões antecedentes? Que os Governos se sustentam pela opinião publica, que muitos vezes se sustentam pela força bruta dão armas, entendo se, Sr. Presidente, agora por milagre, é uma novidade, que não esperava ouvir a S Exca.! Recordo-me, que nessa mesma occasião o Sr. Ministro declarou, que não tinha meios de governar, mas se assim é, porque os não pede ao Congresso? Acaso se lhe negou já alguma cousa? Esta Assembléa já lhe concedeo as duas cousas, que mais difficultosamente um parlamento concede a um Governo, um voto de confiança para obter meios pecuniarios, e a suspensão das garantias individuaes n'uma consideravel porção de territorio portuguez. Ora, Sr. Presidente, um Congresso que faz isto, mostra bem que quer ajudar o Governo nas suas difficuldades, e que está prompto a satisfazer tosas as exigencias do Ministerio, quando bem fundadas, porque quem concede o mais, de certo não mostra querer negar o menos. Se pois tem havido negligencia, não é deste Congresso, mas da administração. Este Congresso tem dado todas as provas de patriota, tem-se mostrado sempre prompto para melhorar a sorte do nosso infeliz Portugal, tem dado es maiores testemunhos de não querer embaraçar a marcha do Governo, tem-lhe mestrado, repito, do modo mais decisivo, que confia nelle.

Agora volto ainda a outro ponto, e permita-me a Assembléa esta nova digressão O outro dia disse um Sr. Deputado, que se assenta ao pé de mim (o Sr Leonel), que soubesse o Congresso, que soubesse a nação toda, que soubesse o mundo inteiro, que em Portugal não havia mais ninguem que quizesse ser Ministro d'Estado, e por isso se não completava a administração. Não sei se o Sr. Deputado tinha procuração dos Srs. Ministros, para asseverar officialmente similhante cousa, ou se algum delles que estivesse presente (do que me não recordo) lhe deo seu a senso para tanto. Espero ouvir a este respeito algum dos Srs. Ministros, porque a fallar a verdade me parece a declaração mais estranha, e nova, que póde haver!

Sr. Presidente, até me parece que isto e uma nodoa sobre a revolução da Setembro! Pois então em Portugal não ha quem seja Ministro d'Estado? (Vozes, ordem, ordem.) Pois o Sr. Deputado teve o direito de fallar neste sentido, e eu não o posso combater? (Outras vozes, falle, falle.) Eu, Sr. Presidente, logo que o Sr. Deputado nos fez aqui aquella celebre revelação, quiz logo levantar-me, e pedir explicações, mas como me pareceu mui pouco deslocada, então não quiz dar motivo talvez a longo, e acalorado debate; e reservei minha tenção para outra oportunidade, que agora se me offerece.

Pois, Sr. Presidente, é possivel dizer-se, que em todo o Portugal não ha quem queira acceitar uma pasta de Ministro d'Estado, que não ha com quem Sua Magestade complete o seu Governo? Parece me, que isto é o desengano mais triste, que se póde dar ao paiz. Eu supponho que tem havido difficuldade, em haver quem prehencha o Ministerio, mas não creio que haja uma impossibilidade absoluta de satisfazer aos desejos da nação. E se difficuldades tem bando, pouco me custa a crer, que talvez ellas tanham provindo em grande parte das medidas legislativas; porque os aetuaes Ministros se tem responsabilisado, e do estado lastimoso a que tem deixado chegar o reino. Terminarei, Sr. Presidente, declarando que muito me custou fazer tão amargas censuras, a homens por quem tenho sympathia, e do quem me confesso amigo. Oxalá que elles me podessem mostrar, que são injustas as occusações que lhe faço oxalá que me mostrassem, que me tenho enganado; mas por em quanto confiando nas verdades do que tenho avançado, era do meu dever dize-las, porque sou Deputado da nação, e fallei em nome de tres milhões de portuguezes, a tres Ministres da corôa.

O Sr. Ministro do Reino: - O nobre Deputado combateu as minhas expressões, e por isso peço a palavra para me explicar.

O Sr. Presidente: - Ainda neste momento acaba o Congresso de decidir, que as explicações só tinham lugar depois de discutida a materia (apoiado, apoiado).

O Sr. João Victorino tem a palavra.

O Sr. João Vistorino - Obtive finalmente a palavra, Sr. Presidente, nesta questão de tanta importancia. Eu teria sido bem feliz, se me visse agora collocado na favoravel circumstancia em que se achou o illustre membro, que me precedeu, a saber, de estarem quasi desertas as cadeiras desta assembléa; então poderia eu fallar, e com menos receio do que agora, em que tenho de o fazer na presença de uma plana união, e diante de um corpo composto de tantos sabios. Eu confesso, que tremo da respeito, e quem se admirará disso me acontecer, quando o maior dos oradores da antiguidade se expressava, tendo dê orar no seio da Curia Romana, por esta digna frase - Totalmente contre misco - Mas em fim se disser a verdade, serei tolerado. - Quando eu, Sr Presidente, sahi da minha patria, observei que um dos objectos que tinham mais pronunciadamente affectado a opinião, e movido a indisposição publica em a multiplicidade das leis, e a confusão necessaria em todas as repartições, que de tal multiplicidade se seguia. Eu já por vezes aqui o tenho francamente exposto, a Nação achava-se em um estado de coacção, de constrangimento tal, que já o não podia supportar. Isto e uma verdade observada, por quem era capaz: de observa-la, diga-se o que se quizer, fóra d'aqui não ha exactidão, e quem formar juízo fora destas bases, e sobre outros dados, sem dúvida alguma o erra. A Nação estava infastiada de tantas leis, via que ellas lhe haviam feito grandes males, ou ao menos era esta a sua crença, chegou o tempo de acabar, o que não podia conservar-se; e deixe-me dizer, bastou um sôpro, cahiu tudo! Attribua-se a isto a tão manifestada espontaneadade, com que a Constituição de 22 foi universalmente adoptada. Partindo desta especie de preambulo passo a dizer o que me occorre sobre a questão. Ora Sr. Presidente, como eu pedi a palavra depois de tantos illustres oradores, tem me acontecido por mais de uma vez, por não repetir o que tão sabiamente se tem exposto, mudar não só o plano, porque tencionava fallar; mas até mesmo as idéas, e pensamentos, e por isso, como o Sr. ministro dos negocios do reino era o soa eloquente discurso defendeu com tanta força os decretos da dictadura, e eu fui comando nota dos mais fortes argumentos, com que elle o fez, vou, como o permittam meus pequenos recursos, diligenciar por responder aos mesmos argumentos. E com effeito, diz o Sr. ministro, nada me custa que o Soberano Congresso desapprove os meus decretos, nada absolutamente, porque isso é uma responsabilidade que se me tira; o governo o estima, menos responsavel fica. Muito bem, e muito acertadamente falla o Sr. ministro, e o peor é que os decretos sejam approvados, ou sejam regeitados, sempre a responsabilidade passa do governo, e vem carregar toda sobre os hombros do Congresso, porque se nós approvamos a legislação, de que hoje se tracta, e ella é com effeito, anomala, e nociva, é nossa a responsabilidade por confirmarmos leis nullas na sua essencia, e perjudiciaes em seus effeitos, e se as regeitamos, tambem somos responsaveis, porque se acaso algumas forem uteis, privamos desse bem os nossos constituintes, e em ambas as hypotheses, depois de vir ao Congresso esta discussão, qualquer que seja o seu resultado, sempre nós ficamos responsaveis, e o governo livre (Apoiado) Antes, muito antes de Sua Exca. apresentar esta idéa já eu a previa, já ella me pesava na consciencia, tal é a nossa situação; tal é o formidavel embaraço, em que havemos sido collocados, posso a segurar que esta foi a principal razão, que me movera a fallar nesta matrria, e expôr nella o meu sentir, aliás eu me conservaria

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em silencio. - Mas vamos á segunda proposição do Sr. ministro; disse elle «quando nós entrámos a legislar, se as nossas leis eram aborrecidas, se eram do desgosto publico como é possivel, que os póvos não gostando dessas leis, nos não tragassem? qual é a razão, porque a imprensa; tantos homens liberaes; tantos amigos do bem publico, senão levantaram logo contra nós?» Ora, Sr. Presidente, muito ha que responder a este argumento. Primeiramente estejam capacitados, que não tem os Srs. ministros tanto a lisongear-se com a imprensa; ella não tem estado muito innocente, e calada a respeito delles; bem o conhecem, e por isso não podem do silencio della tirar prova a seu Favor; oxalá assim fosse: de mais, de perto se vai ao longe, e não tarda quem vem; mas eu desenvolvo o motivo disso, que lembra como apoio dos decretos. A Nação Portugueza, como já disse, recebeu o maior prazer com os movimentos do dia 9, e 10 de Setembro; foram adoptados com a mais decidida boa vontade; poucas vezes se tem apresentado approvação mais geral, e pronunciadamente declarada; porém assentam os Srs., do governo ser isso devido á sua bella presença? Desculpem-me Suas Excellencias, eu lhe peço, estão enganados. (Riso) Perdoem, torno a dizer, a expressão: a razão é porque o povo desejava a revolução; é porque já não podia sofrer a posição em que se achava, era melhor mudar, e mudou para aquillo de que estava mais desejoso. He verdade, e muita satisfação me cabe em confessa-lo, os homens, que se pozeram á face da revolução, e por ella chamados ao poder, dispunham da opinião publica. Desinteressados, sábios, patriotas; e dotados de notaveis virtudes civicas, eram reputados taes pelo povo. Está dada a principal razão, porque elles temporariamente ficaram satisfeitos; tudo se esperava da mudança. Estão elles agora assim? bem me custa dize-lo; mas é certo que não. O decreto, esse fatal decreto. que fez eligiveis a Deputados os membros do governo, foi o primeiro annel do descontentamento publico, isto logo desgostou os homens que pensavam; mas o povo ainda não perdeu muito a opinião, porque tambem não entrou muito nessa questão; porém que aconteceu depois? começou a confusão das leis novas, que contradizião as que existião, que já eram tantas! O povo; que pouco estava ao facto do que se passava, ainda se conservou quieto, e ainda o socegava a esperançando melhorar. Advirta-te mais, que o desgosto publico não se patenteia de repente; ninguem espere vêr hoje uma revolução, e ámanhã outra. Todos os partidos ficam estacionarios; mas depois do tempo natural destas pausas politicas, começam a apparecer signaes, que indicam fermentação; os odios estabelecem as machinações, e ultimamente desenvolve-se o desgosto geral. A Nação sofreu os novos decretos, e todos os mais motivos de a desgostar, porque tambem estava com os olhos fitos em nós. Ella dizia «- isto não tem ido como se esperava; porém para lá vão os nossos Deputados; havemos escolhe-los com plena liberdade; esperemos delles o bem; agoardemos o resultado da dua união.» - Tem havido tanto socego porque, graças á Nação, ainda este Congresso conserva assaz a opinião, ainda é objecto de esperanças, ainda não perdemos a sympathia publica; ainda somos olhados como quem quer salvar a Nação; mas ha! Srs. nós tambem podemos perder esta opinião, e estas sympathias, e então triste cousa será. Eis aqui a resposta que tenho desenvolvido á segunda observação, com que se defende o Sr. ministro. - Disse elle mais «nós temos regulado tudo, com isto temos tirado o trabalho ao Congresso; mas não pensem os Srs. Deputados, que lhe não deixámos bastante obra para os seus trabalhos, pois lhe deixámos o ramo da fazenda; elles a arrangem, e se o fizerem, grande serviço tem leito á Nação: grande verdade, Sr. Presidente, grande verdade disse o Sr. ministro do reino, grande trabalho nos deixou; esse é que fica a cahir sobre nós: a parte espinhosa, a parte difficil, a parte odiosa dá administração é, a que se nos deixa; pois esta é a que eu queria, que Sua Exca. restabelecesse. Fatal legado. Nós viremos para aqui para opprimir o desgraçado povo Portuguez; nós para lançar os tributos; nós para fecharmos os ouvidos ás queixas dos que gemem, ás supplicas dos pobres; nós para espremer o sangue dos desgraçados. Ah e quem sabe o resultado? quem ignora o terrivel effeito da imposição dos tributos novos; quem conta com a segurança publica em uma nação descontente, e esmagada ainda com contribuições, a que não estava acostumada. Mas, diz-se, crearam-se interesses novos; temos envolvido nelles muitas gentes, e por tanto está segura a revolução. Assim he; crearam-se interesses novos, e muitos; mas offenderam-se propriedades amigas, e muitas: creámos um amigo; mas fizemos logo um inimigo: contentámos um, e desesperámos outro. Ah! formar interesses á custa de interesses violados, isto na minha opinião é sempre máo. (Apoiado) - Disse mais o Sr. ministro «o povo póde destruir o throno, e o altar...» Mas a isto já Sua Exca. deu plena satisfação; risquemos. - Parece ter tractado este Congresso com menos consideração, empregando frases algum tanto ironicas contra o respeito devido á assembléa, e usos parlamentares... Mas tambem já explicou satisfatoriamente estas suas frases... Eis aqui, Sr. Presidente, as notas, que tomei neste papel da extensa falla do Sr. ministro, e as observações, que me pareceu fazer sobre as mesmas.

Pasto agora a analysar algumas proposiçôes, e argumentos, com que outro dos Srs. ministros quiz hontem defender a legislação da dictadura, em quanto á sua legitimidade. Eis aqui o seu primeiro argumento. «Nós achámo-nos em um Governo irregular; a revolução de Setembro havia destruído as formulas regulares. Se estas estivessem em vigor, nós não poderiamos legislar; mas vendo-nos n'aquellas circumstancias foi-nos licito faze-lo, e assim o fizemos.» Aqui está o seu argumento, e apresentado com toda a força, que o mesmo Sr. lhe podia dar, sem della nada diminuir-mos. Ora Sr. Presidente, esta proposição é a menor de um syllogismo, cuja maior é = todas as vezes que existe um Governo irregular ha direito de legislar; mas em Setembro passado existia um Governo irregular; logo os Ministros tiveram direito de legislar. Ahi vai agora a resposta: destingo ao maior; = todas as vezes que ha um Governo irregular, ha direito de legislar, em quem ha esse direito; mas não em quem o não ha. Em quanto á menor, nós estávamos em um Governo irregular, nego minorem. O Governo, que se estabeleceu em Setembro de 1836, deixou de ser regular em quanto se não pôz em acção; em quanto a nação não disse = Quero que seja a Constituição de 1822 com as modificações, que as Cortês lhe fizerem; logo que isto foi proferido ficou o Governo regular. Por tanto não se póde dizer, que o Ministerio estivesse em Governo irregular. Segunda proposição do Sr. Ministro = Tinhamos um dever de salvar a nação, logo um direito de legislar. Ora Sr. Presidente, continuemos com o nosso methodo escholastico: temos outro syllogismo: quando ha obrigação de salvar a nação, ha um direito correlativo de empregar os meios para cumpri-la; mas em Setembro havia sobre nós a obrigação de salvar a nação, logo tinhamos direito de legislar.- Fallemos serio;, ninguem nega, que pesava sobre os Srs. Ministros, collocados á testa da revolução, o sagrado dever de salvar a obra nacional; tinham sem dúvida o direito de legislar; mas como tantas vezes aqui já se tem dito, e eu repetirei - só legislar o que fôsse necessario para esta importante operação, e nada mais. Entretanto folheemos todos esses numerosos decretos, e se verá que á excepção de um todos os mais eram desnecessarios para tal fim. Eram desnecessarios, digo, porque a nação estava n'aquelle sistema, que tinha proclamado voluntariamente, e que queria a Constituição de 1822. Ella a tinha abraçado sem opposição alguma, sem coacção, sem intervenção de força armada, nem sombra disso nas provin-

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cias, nas cidades, nas villas, nas aldeãs, nada por tanto, nada havia que salvar, isto são factor, e fóra do toda a contraposição. Parece por tanto falso este segundo fundamento do Sr Ministro. = Vamos ao terceiro argumento do mesmo Sr. = Se não legislassemos paravam todos os ramos da administração publica, e por isso deviamos legislar, estavamos no nosso direito para o fazer. = Nego, e como se ha de mostrai que sem a torrente dos decretos da dictadura paravam as todas da administração publica? não é possivel. Em primeiro logar esses decretos não saíram logo, e a administração foi continuando nesta marcha, e quando houvesse nisso alguma dúvida, ella foi tirada com aquelle decreto de 11 de Setembro, em que o Sr. Ministro do reino ordenou, que o ramo administrativo continuasse nos meamos eixos (ou bons, ou máus) em que estava montado, que tudo progredisse no mesmo, só mudando o nome ao governador civil, para administrador geral, que continuasse a mesma divisão em dezesete districtos, em fim, que nenhuma alteração houvesse neste ramo: a mudança dos nomes era a marcada na Constituição de 22, mas essa nada alterava a essencia da cousa. Este decreto não foi mal entendido, verdade é, que sem elle mesmo, tudo continuava na marcha existente, uma vez que o não fizessem parar, mas, em fim convenho, que foi a tempo este decreto, porem que se me diga, que houve decretos que salvaram a nação, porque fizeram com que não parasse o jogo total da administrarão publica, digo que os não conheço. Mas, continua o Sr. Ministro, queriamos evitar os males da instabilidade, em que estavam as cousas, e isto legaliza os nossos decretos Ora permitta-me S. Exca., que lhe diga, que me pareço faltara ao serio, que o caracteriza, quando usa deste argumento. Com que para evitar a instabilidade vão se propôr medidas novas, em divergencia, e em opposição com as antigas, e ficam os póvos, que estavam já mal, ficam, digo, agora sem saber que lei tem a seguir, uns regendo-se pelas antigas, outros pelas medias, outros pelas novas, e isto é, que foi evitar a instabilidade? que faria o Sr. Ministro se quizesse promove-la? Esta proposição, pois, não póde passar, nem prova nada se não contra o fim, para que é empregada. Estes foram sem dúvida alguns, os principaes argumentos, que hontem metteu em acção o Sr. Ministro, para a defeza das leis do Governo, e se me não engano, parece-me não vão pouco feridas com as reflexões, que sobre as mesmas acabo de fazer.

Um dos mais bellos Oradores desta assembléa, notavel principalmente pela sua capacidade prudencial, tomou tambem hoje a seu cargo a defeza dos actos legislativos do Ministerio, o disse = As leis, que regiam na épocha da revolução de Setembro eram as leis da Carta, e como com esta mudou o sistema constitucional, era necessario mudar tambem o sistema legislativo, que regia segundo a mesma. Ora perdoe-me o illustre Deputado, se eu disser, que elle aqui deixou a sua linha de prudencia, que sempre o regula. Não duvido que viesse por tempo a ser preciso pôr em homologia as leis com a Constituição vidente, porém isso não era tão urgente, que se não podesse esperar pelo corpo legislativo. Este seu principio não é tão corrente, que não seja contradicto com o maior numero do factos historicos. Quem ignora, que os romanos quando conquistavam os póvos jámais tocavam nas suas leis, a muito menos nas suas crenças religiosas só quando havia rogativas dos póvos, é que lhe boliam nas leis, eis-aqui o motivo principal porque conquestaram o mundo. Dizia Machiavel, que os Governos novos eram, os que mais precisavam de conservar as fórmulas antigas. E que fizeram os nossos primeiros, monarchas? Elles começaram a governar um Reino, que era tirado do Reino de Leão, o outros de Hespanha; e por ventura mudavam logo as leis dos póvos, que principiavam a reger? Estes tinham suas leis particulares. Estavam ellas consignadas nos seus foraes, e estes foraes eram compomos nas leis, ou antes determinações dos principes, ou senhores, que davam estes foraes, e dos artigos de direito consuctudinario, que fazia tambem leis; os nossos nada alteraram estas instituições, respeitaram-as, e os póvos continuaram a reger se por ellas, e só no reinado de Affonso II, é, que começaram a apparecer leis geraes. Quando Filippe II de Hespanha, e primeiro do Portugal, entrou a governar este reino, que fez elle? Aniquilou por ventura, alterou as nossas leis? Por elle outras repugnantes aos nossos costumes? Por certo não. Verdade é, que desde logo se propoz a fazer um codigo, e ainda que essa era analogo aos nossos costumes, não obstante isso sentando-se no throno portugez em 1580, só o codigo estava terminado em 1595, o nem então foi publicado, pois só o foi em 1603 por seu successor Filippe II. de Portugal. Se elle entrasse logo a bulir nos costumes, e leis dos Portuguezes, acontecer-lhe-ia o que veio a realisar-se só em 1640. A mesma pratica seguiu D. João IV. Foi elle acclamado rei em 1640, como e sabido, e mudou elle por ventura a legislação, que achou? Por fórma alguma. Elle a confirmou antes, logo no principio do seu reinado, por um alvará, e assim as leis da usurpação hespanhola foram legalizadas, e continuaram a reger os Portuguezes, e este principe não as alterou, fazendo apenas algumas creações novas que as circunstancias, e verdadeiramente a salvação da palna reclamam. Vê-se pois que a pratica opposta ao principio, que apresentou o illustre membro, tem sido a seguida nestes, e em mil outros casos, que podar-lhe ía eu recordar para mais amplamente o convencer. Depois deste apparece no discurso do mesmo Sr. Deputado e te singular argumento, que vou já a repetir: era necessario demittir muitos empregados, que não convinha se conservassem nas suas funcções, pois que sendo desafectos á nova ordem de cousas, seriam sempre um embaraço para a marcha regular das mesmas logo era necessario mudar as instituições antigas, em que elles serviam Com effeito para reconhecer a fraqueza deste argumento basta expo-lo. Pois para demittir um empregado é necessario aniquilar o emprego? Que logica dirá para que o individuo, que está dando execução a esta lei, deixe de dar-lha, e se retire, qual é o remedio? Mudar a lei. Pois eu digo, basta mudar o individuo, e pôr outro da nossa escolha no seu logar. Em fim, tal raciocinio não merece mais uma palavra. Apparece finalmente a grande objecção, a que eu dou toda a força, e que o mesmo Sr. Deputado bem desenvolveu. Esta sim, eu a reconheço por invencivel, e tem toda a influencia na minha persuasão para justificar a necessidade legislatoria das dictaduras, e vem a ser amorosidade das operações dos corpos legislativos. Isto é verdade, e esta argumento cahe em cima de nós com todo o seu peso, e justamente disse o Sr. Deputado, se as leis sem numero, que brotaram da dictadura, levariam quatro annos a ler, quantos levariam a fazer n'este Congresso? Os Sr. Ministros da Corôa pela sua delicadaza, por não improbar esta Congresso, abstiveram-se de lançar mão deste argumento, ou ao menos tirar d'elle todo o partido, que podiam, pois era o mais forte baluarte para defender a sua causa Srs., confessemos a sua força, dêmos remédio a este mal (Applausos). E' necessario mudar a nossa marcha parlamentar, é necessario mudar o regimento: acabem, Srs., acabem por uma vez estas improprias, eternas explicações (successivos applausos) Eu nunca as hei de pedir para mim, se me não expressar claramente, o justo castigo será não ser entendido, mas ha de cahir sobre a nação o perjuizo da minha ignorancia, ou do meu defeito? Isto em quanto a explicações de cousas; em quanta porém a explicações pessoaes, este terrivel mal, que além da despeza do tempo póde trazer comsigo outras consequencias peiores, nada, nada, nada. Prohiba-se, Sr. Presidente, que nenhum Deputado falle de si mesmo (Apoiado, apoiado). Que quer dizer gastar meia hora agabar-se? Como interessa isto ao bem publico? Que querem dizer estas interminaveis questões de ordem, que só fazem desordem, mas que estão continuamente a suscitar-se, e a interromper as discussões?

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Ultimamente direi (e eu já propuz isto em outra assembléa, e foi muito bem recebido), devia estar alli uma ampulheta, e taxar-se a cada Deputado o tempo que devia fallar. Isso tinha muitas conveniencias (Apoiado, apoiado). Porque, permitta-me V. Exca. que eu diga, ha muitos Srs. Deputados que tem uma grande facilidade para fallar, e podem só com uma idéa faze-lo por meia hora; e ha outros cujo estilo é cerrado, e conciso, e com essa idéa não consomem senão o tempo que ella gasta a expor; porém ha uma especie de capricho, em que um discurso appareça muito extenso; que se diga fallou uma hora, fallou tres quartos de hora. Tudo isto se evitava optimamente cpm a taxa do tempo; faziam-se mais concisos, mais fortes, mais comprehensiveis os argumentos; economisava-se o tempo, decidia-se maior numero de questões, e poupava-se, o que era sobre tudo mais attendivel, o capricho dos nobres Oradores, a nenhum ficando desairoso não fallar mais tempo; porque a lei lho prohibia. Vou finalmente a encarar o ultimo argumento, com que se terá querido sustentar a necessidade das leis da dictadura. A anarchia, a incerteza, o estado provisorio, em que se acha tudo por ellas não estarem regularmente postas em execução. Como se ha de remediar a situação lamentavel, em que se acha o reino, se senão sabe a lei que regula? Os magistrados em um julgado julgam por uma, em outros por outras; elles mesmos incertos, do seu destino, e da sua futura promoção, não tem o zelo, que devem; subtrahem-se ao seu dever. Ora, Sr. Presidente, este estado é terrivel; mas quem o promoveu-? Mas, permitta-me V. Exca., em quanto a anarchia, que eu faça uma distincção. De que anarchia se falla da anarchia no direito, ou da anarchia no facto? Da anarchia nas leis, ou da anarchia nas pessoas? Qualifiquemos, qualifiquemos, Sr. Presidente, estas duas anarchias: ahi que vastissimo campo para fallar em ambas ellas? Que espantoso quadro desenharia eu agora, se trouxesse aqui apintura fatal da minha, adorada patria? Poucas palavras direi;* nem a dor me deixa dizer muitas, da anarchia de sangue que cahiu sobre este malfadado paiz.

Sr. Presidente, eu vi Portugal feliz, e hoje vejo-a desgraçado: que contentamento, que docilidade de costumes; e hoje que tristeza, que barbaridade de conducta! Vi Portugal, quando era rico; e vejo-o agora quando é pobre: vi Portugal quando era respeitado, e agora abatido; tenho idade bastante para ter assistido a todas estas épocas. Eu vi um inimigo estrangeiro, orgulhoso com o seu immenso podér, innundar as nossas provincias, a destruição ía na sua vanguarda, parecia que o nome portuguez tinha para sempre descido ao tumulo. Mas que aconteceu! os portuguezes eram então todos filhos de um só pai; unimo-nos, e este poder que tinha aterrado a Europa, foi vencido. A união nos salvou; éramos uma familia só; quem nos resistiria? Ah! e o estado de hoje! Os cidadãos inimigos encarniçados dos cidadãos! assassinando-se sem medida, sem dó!

Muitas vozes: - E' verdade, é verdade.

O Orador: - Mil vezes, Sr. Presidente, mil vezes faço estas considerações; o meu coração não as póde supportar, e na maior desconsolação repito comigo mesmo aquelle bellissimo verso do meu Virgilio:

En que perduxit miseros discordia cives!

Agora se ha, ou não anarchia nas leis, e se uma tem relação com a outra, eu vou sobre isto fazer uma breve analyse. Ainda peço um instante mais a esta nobre assembléa. Eu não sou jurista, sou medico, e ninguem póde esperar de mim uma analyse juridica destas leis. Nem eu quero mostrar senão a incoherencia, antinomia, em fim a anarchia dellas. Comecemos peja reforma judiciaria. Nós tinhamos as nossas leis, ou boas, ou más, ellas iam governando-nos. Eis que apparece a primeira reforma judiciaria trazida no decreto n.º 24 de 16 de Maio de 1832. Apenas, elle começou a pôr-se em execução, entrou a descobrir-se o antagonismo com os nossos antigos costumes, e logo o desgosto geral, não póde resistir á vontade publica, cahiu. Querem as Côrtes de 35 remediar isto, e apresenta-se a segunda reforma judiciaria na lei de 30 d'Abril de 1835 das mesmas Côrtes; bem. Mas apenas esta se ía estabelecendo, e, mal começando a dar á execução, eis que a dictadura actual nos manda terceira reforma judiciaria nos decretos de 29 de Setembro, e 30 de Janeiro ultimo; e contra esta, que mal vai a começar ater execução, já ha infinitas reclamações dos póvos, e que lhe parece? Em pouco virá quarta reforma judiciaria. Mas deixemos a reforma judiciaria, e vamos ás administrativas. Temos a primeira no notavel, e de máo agouro decreto n.º 23 de 16 de Maio de 1832. Era horrivel, cabia; eis apparece outra feita pelas Côrtes, e publicada na lei de 25 d'Abril de 1835. Torna esta mesma lei a gerar outra reforma administrativa no decreto de 18 de Julho de 1835, e ultimamente, como se estas tres não bastassem dentro de tres annos, a actual dictadura nos dá quarta reforma administrativa no seu decreto de 31 de Dezembro de 1836. Ora. Srs., já que estamos neste objecto notemos de passagem esta, idéa, que agora me lembra, e desejo me não esqueça. Era todos estes codigos administrativos, em todos elles ha esta muito recommendavel expressão, este artigo vergonhoso. «Junto de cada provedor (ou como quer que este se chame) haverá uma Camara municipal.» Frase infame! e verdadeiramente injuriosa a estas respeitaveis corporações; corporações veneradas, por nossos antigos monarchas, pais dos povos. Sem duvida estes corpos municipaes respeitados em todas as épocas da nossa historia, que viram nascer a monarchia nos seus braços, ficaram espantados hoje com as suas barbas brancas, quando chegaram á humiliação de serem dominado; por uns tarellos sem talento, e sem consideração. (Riso, e applauso.) Junto a cada provedor uma Camara Municipal!!! Qual é aqui o principal, qual o accessorio? As vezes as frazes são mais injuriosas, que a materia. Segundo os decretos os provedores são a substancia, e as Camaras os adjuntos. Ah, Srs., permitti á minha indignação, esta expressão impropria deste logar: as velhas costumão atar o trambolho á gallinha, e os decretos ataram a gallinha ao trambolho. (Applausos, risadas.) Eis-ahi está o que são estas leis de administração.

Mas, vamos adiante na nossa analyse. Entremos nas divisões do territorio; além dessa incerta do Decreto n.° 24.°, temos na lei de 28 de Fevereiro de 1835 a divisão era ( 120, a 130 julgados: vem o decreto de 7 de Agosto do mesmo anno divide em 133 ditos; e ultimamente o decreto ultimo da dictadura reparte em 351 julgados, e 48 Comarcas; mas que formidavel opposição entram já a mostrar os povos contra tal arranjo? Ora aqui temos em 3, ou 4 annos, 3 ou 4 divisões do territorio. Não tem razão os povo? para dizer: d'aqui a um anno outra? (Apoiado.)

Ora vamos a outro artigo: no- Decreto n.º 24 são admittidos os juizes ordinarios. Depois de uma terrivel batalha nas Côrtes de 35, sahem na lei de 30 de Abril excluidos os juizes ordinarios; e ha muitas portarias a atarracar isto, a esmagar os pobres juizes ordinarios. Louvam-se as Camaras que representaram contra elles, e quem, visse isto, julgava-os mortos para sempre. Eis apparecem na ultima reforma judiciaria de 29 de Novembro, e 30 de Janeiro, ressucitados os juizes ordinarios; parece com tudo que devia haver mais alguma contemplação com a lei feita nas Côrtes. Ora, como Deputado, se esta questão se tornar a tractar, talvez eu concorra com o meu contingente. Eu sei, que as nossas antigas instituições não admittiam outros juizes senão os ordinarios; sei que elles quasi por tres seculos julgaram a nossa patria; mas é porque as leis, que então havia, eram simplicissimas, particulares, quasi municipaes; era com estas leis muito facil administrar-se a justiça com os juizes ordinarios: Elles julgavam com effeito os casos mais simplices, sem soccorro

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alheio; porém nos mais importantes o faziam conjunctamente com os chamados ricos homens. Estas leis eram consignadas nos foraes dados ás terras pelos Monarchas, ou pelos grandes senhores. As leis geraes começaram a apparecer no tempo de Affonso 2.°; entrou depois a influir o direito canonico no nosso foro, principiaram as leis hespanholas, chamadas das Partidas, a trazerem tambem o direito romano, e entrando a complicar-se o foro, no tempo de D. Manoel começam a apparecer os juizes de fóra. Entre tanto ha a notar, que já nos tempos do dominio dos juizes ordinarios se padeciam os abusos, que ultimamente, e mesmo nos nossos tempos, tanta força tiveram nestas eleições, feitas pelos póvos desta especie de juizes, e era a influencia das pessoas poderosas nestas mesmas eleições. E' facil acharem-se na antiga historia providencias para evitar estes abusos, eu as tenho lido, a bem me lembro, que quando em 1380 se deu por um corregedor mandado pelo Sr. D, João 1.º o foral a S. Martinho de Mouros, faz-se menção deste abnro como geral, e alli se põe nm artigo = que todo o filho d'algo (fidalgo), que apparecer na eleição do juiz pagasse uma condemnação de 500 soldos, e fôsse lançado fóra do logar, aonde se fazia a eleição. Foram generalisando-se estes abusos, e os povos requerendo aos Monarchas contra os juizes ordinarios, e elles foram desapparecendo, e ficando como ultimamente era sabido. Se os povos não vissem, que aquella instituição deixava de produzir aquelles beneficos effeitos, que costumava, e d'ella se esperava, e hia degenerando, ainda não haveria senão juizes desta cathegoria. Depois destes fados tornam a vir os juizes ordinarios, e quando as leis fé tem muito complicado, quando a legislação é um cáhos, bem pouco espero eu desta nova fórma de julgar; mas veremos o que sahe das mãos da esperencia.

Mas deixemos este episodio, que nos interrompeu, vamos a vêr a legislação moderna a respeito dos escrivães privativos dos provedores, hoje administradores de Concelho. Pelo artigo 64 do decreto n.° 23 de 16 de Maio, primeira determinação nesta materia, nenhum escrivães privativos tinham, e foi reforçado pela portaria de 20 de Julho de 1834. Com tudo esta mesma portaria já dá a entender, que alguns o poderão ter. - Vem o decreto de 18 de Julho de 1835, e diz, que nas Cidades, e Villas de 10$ habitantes os fies provedores os possam ter, V o artigo 56 - Finalmente apparece o artigo 118 do decreto de 31 de Dezembro de 1836, e diz, que o tenham todos os hoje administradores de Concelho, de maneira que uma lei disse, nenhuns tenham, outra disse, pode ser que alguns tenham, outra disse positivamente, tenham taes, e taes administradores, e outra disse, tenham todos isto é, legislou-se uma opinião, a contraria, e a média!!!

A respeito do lançamento da decima, ha uma lei que exclue delle os louvados, ha outra, que admitte os louvados; ha uma lei que manda fazer visita aos predios, ha outra que não manda fazer visita aos predios.

Vamos aos negocios do Ultramar, o decreto de 28 de Junho de 1834 manda, que sejam recorridos os negocios do Ultramar por todas as secretarias, a lei de 25 d'Abril, que se reunam todos a uma só secretaria, mas não diz qual; e o decreto de 2 de Maio de 1835 ordena, que fiquem pertencendo á secretaria da marinha.

Passemos a outra cousa, que é bem importante para as provincias, e ainda se não sabe como ha de ser regulada, e é, em que cofre devem ser arrecadados os rendimentos propriamente municipaes, apesar de haver sobre esta materia tres regulações differentes, e oppnstas. Diz o decreto n.° 22 de Maio: esses rendimentos entrem nos cofres das recebedorias geraes. Terrivel opposição da parte das Camaras contra esta injusta disposição. Pois não entrem lá, diz a portaria de 15 de Julho de 1835. Apparece ultimamente o decreto de 31 de Dezembro de 1836, e diz, pois entrem, ou não entrem, conforme quizerem. Ora bem, estam todos contentes «entrem não entrem» entrem, ou não entrem, conforme quizerem (Risadas).

A legislação a respeito dos pobres Egressos: que confusão que incertesa, que vacilação!! E' quanto se tem legislado sobre esta materia um cáhos sempiterno umas determinações confundem as outras, sempre diversas, e pela maxima parte contradictonas, e no fim de tudo, ei-los ahi rotos; cheios de fome, e a pedir esmola.

E que direi dos Parochos? O mesmo que dos Egressos. Esta respeitavel classe depois de mil incertesa, esperanças, desesperações, vem finalmente a receber a sua irregular subsistencia dos povos, como com effeito deve ser; mas elles pela maior parte em demandas com os freguezes.

Muito paciente, muito paciente, Sr Presidente, é o povo portuguez! Soffre tudo isto, e muito mais, que eu nem posso, nem quero recordar. Eis-aqui uma ligeira vista sobre a minima parte das leis, que tem sido feitas dentro de quatro annos, e então admira-se alguem, que eu diga, que estamos em completa anarchia de legislação? Eu não a posso vêr maior.

Eu poderia mostrar à priori, como tencionava ao principio a illegalidade destas leis da dictadura, tirando as minhas provas da essencia dos governos representativos, mas para que faze-lo depois de tantos, e tão sabios Oradores haverem esgotado esta materia. Bastante tenho abusado, e muito grato me reconheço á não merecida attenção de tantos sabios, para por mais tempo os fatigar. Resta-me só dizer: mas que juizo fórmo eu a respeito deste parecer da illustre Commissão de legislação? Devem as leis da dictadura ser postas em execução, ou não? Como votarei? Sr. Presidente, tenho feito as reflexões, que a paciencia desta Assembléa se dignou escutar, tenho ouvido com infinita attenção toda a discussão, e não posso dizer tomo votarei. Espero para ver se posso sobre isto formar opinião, e decidir-me, espero torno a dizer, que ultimem seus discursos tantos Srs. que tem ainda a palavra; por ora, confesso não sei como heide votar.

O Sr. Presidente: - Já deu a hora, a ordem do dia da sessão seguinte, é a continuação da mesma materia, está levantada a sessão. - Eram 4 horas e um quarto.

SESSÃO DE 10 D'ABRIL.

(Presidencia do Sr. Dias d'Oliveira.)

ABRIU-SE a sessão pelas onze horas da manhã, estando presentes cento e quatro Srs. Deputados.

Leu-se e approvou-se a acta da sessão antecedente.

Mencionou-se a seguinte correspondencia.

1.° Um officio do Ministerio dos negocios da fazenda, remettendo um requerimento de D. Marianna Rita da Silva Pinto, pedindo o competente titulo de pensão annual, sem pagamento dos respectivos direitos, para que as Côrtes deliberem sobre tal pertenção. Foi remettido á Commissão de fazenda.

2 ° Outro do Ministerio dos negocios estrangeiros, remettendo para ser submettido á consideração do poder legislativo os documentos, que instruem o requerimento de Duarte Joyce, em que pede satisfação das promessas, que o Governo lhe fizera relativas ao augmento do seu ordenado. Foi remettido á Commissão diplomatica.

Tiveram segunda leitura os seguintes requerimentos:

1.° Do Sr Valentim = Requeiro, que se nomeie uma Commissão especial para apresentar um projecto de lei de responsabilidade de mineiros. Foi approvado.

O Sr. Presidente: - Agora resta saber o numero de mem-

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