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DIARIO DAS CORTES GERAES EXTRAORDINARIAS, E CONSTITUINTES

DA NAÇÃO PORTUGUEZA

REUNIDAS NO ANNO DE MIL OITOCENTOS TRINTA E SETE.

VOLUME II.

LISBOA

NA IMPRENSA NACIONAL.

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DIARIO DAS CORTES GERAES, EXTRAORDINARIAS, E CONSTITUINTES DA NAÇÃO PORTUGUEZA.

SESSÃO DE 24 D'ABRIL.

(Presidencia do Sr. Dias d'Oliveira.)

ABRIU-SE a sessão ás onze horas e meia da manhã, estando presentes cento e cinco Srs. Deputados.

Leu-se e approvou-se a acta da sessão antecedente.

Mencionou-se a seguinte correspondencia.

1.º De um officio do Ministerio dos negocios do reino, acompanhando mais alguns papeis relativos á divisão territorial. Foi remettido á Commissão d'estatistica.

2.° De uma representação da Camara municipal do concelho da Regoa, a pedir medidas de restricção sobre a ampla liberdade do commercio dos vinhos, e agoas-ardentes do Douro, e o estabelecimento de bancos para occorrer ás necessidades da agricultura d'aquelle paiz. Foi remettida á Commissão de vinhos.

3.° De uma representação de varios senhorios directos de fóros, e pensões sobre reforma da lei dos foráes. Foi remettida á Commissão de legislação.

4.º De uma representação da Camara municipal da villa de Cantanhede, sobre divisão judiciaria. Foi remettida á Commissão d'estatistica.

5° De uma dita da Camara municipal de Mira, sobre umas bases judiciarias. Foi remettida á Commissão de legislação.

O Sr. Silva Sanches leu, e mandou para a mesa a seguinte declaração de voto. - Declaro que votei contra a redacção do projecto de decreto, que mandou continuar em vigor indistinctamente todos os decretos do Governo, com força legislativa, publicados depois de 10 de Setembro de 1836. Sala das Côrtes 24 d'Abril de 1837.

O Sr. Leonel: - Seja-me permittido fazer uma declaração, e vem a ser, que esse projecto de decreto a que se refere o Sr Deputado Silva Sanches, foi redigido por mim primeiro; mas a sua redacção foi rejeitada: conseguintemente eu não tenho responsabilidade nenhuma sobre mim, por essa nova redacção.

O Sr. Silva. Sanches: - O Sr Leonel não está bem ao facto, do que se passou a este respeito com a Commissão de legislação. E' exacto o que o Sr. Deputado disse, relativamente a uma redacção por elle feita, e que differia da que foi approvada; mas a verdade é, que a grande maioria da Commissão de legislação julgou, que não devia assignar nem uma, nem a outra das redacções, que se apresentaram: isto é, nem a feita pelo Sr. Leonel, nem outra igual; a da Commissão de redacção, é que as Côrtes approvaram.

O Sr. Costa Cabral:- Parece-me, que nenhum dos Srs. Deputados estão bem ao facto do que se passou. A Commissão de legislação nem approvou, nem reprovou nenhuma dessas redacções, a que se tem alludido: o projecto que se apresentou, foi da Commissão de redacção, e não da de legislação, o que me parece porém é, que não ha motivo para censurar a Commissão de redacção; porque esta nada mais fez, que copiar a acta; nem podia deixar de o fazer assim, para obedecer ao que o Congresso tinha resolvido.

O Sr. Leonel: - Eu não quiz, com o que disse, culpar de maneira nenhuma a Commissão. é verdade, que ella não fez mais do que copiar a acta; não ha duvida nisso, e fez muito bem. Mas, Sr. Presidente, como pareceu a alguem, que devia deitar fóra de si alguma responsabilidade, que ninguem tem; eu tambem quiz deitar fóra de mim um peso com que não posso; porque não tenho culpa nenhuma de tal.

O Sr. Presidente: - Isto é negocio vencido, e que agora se não póde estar a discutir. A Commissão não fez mais do que consultar a acta, e consignar alli o facto; e fazendo assim obrou muito bem. Vai por tanto passar-se á ordem do dia.

Tiveram segunda leitura os requerimentos seguintes:

1.º Requeiro que se peça ao Governo o numero de exemplares necessario, para destribuir pelo Congresso, do projecto da reforma sobre a organisação judiciaria, e ordem do processo civil, e criminal, redigida pela Commissão creada pelos decretos de 27 de Novembro, e 11 de Dezembro de 1885. = José Alexandre de Campos.

Foi approvado sem discussão.

2.° Requeiro que se peça ao Governo pela repartição competente, uma relação nominal dos officiaes, que tendo servido o usurpador, se apresentaram a Sua Magestade Imperial no Porto, quando alli entrou o exercito libertador, e assim outra relação dos que se apresentaram ao duque da Terceira, quando desembarcou em Lisboa, com decla-

SESS. EXTRAOR. DE 1837. VOL. II. 1 B

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ração dos postos, que tinham nesse tempo, e d'aquelles que tem hoje = Cezar de Vasconcellos.

Foi approvado sem discussão.

O Sr. Barjona mandou para a mesa um parecer da Commissão de instrucção publica, e uma representação da junta de parochia da freguezia de Pereira, districto de Coimbra.

O Sr. Presidente: - Passa-se á ordem do dia, que é a continuação da discussão na sua generalidade do projecto de Constituição, começada na sessão de 5 d'Abril.

Não se tendo, por omissão, publicado no diario este projecto com a sessão de 5 d'Abril, por isso se insere agora, e é o seguinte:

Parecer da Commissão encarregada do projecto de modificações na Constituição.

TITULO I.

Da Nação Portugueza, seu Territorio, Religião, Governo, e Dinastia.

Art. 1. A Nação Portugueza é a associação de todos os cidadãos portuguezes o seu territorio compõe-se:

§. 1. Na Europa, das antigas provincias de Traz-os-Montes, Minho, Beira, Estremadura, Alemtejo, Remo do Algarve, e das ilhas adjacentes, Madeira, Porto Santo, e Açores.

§. 2. Na Africa Occidental, de Bissáo, e Cichea; na costa de Mina, do forte de S. João Baptista d'Ajudá, Angola, Benguella, e suas dependencias, Cabinda e Molembo, das ilhas de Cabo Verde, e das de S. Thomé e Principe, e suas dependencias: na costa Oriental, Moçambique, rios de Sanna, Sofalla, Inhambane, Quelimane, e as ilhas de cabo Delgado.

§. 3. Na Asia, de Salsete, Bardez, Gôa, Damão, Diu, e dos estabelecimentos de Macáo, e das ilhas de Solor, e Timor.

Art. 2. A nação não renuncia o direito, que tenha a qualquer porção de territorio não comprehendida no artigo antecedente.

Art. 3. A religião da nação Portugueza é a catholica apostolica romana. Permitte-se com tudo aos estrangeiros o exercicio particular de seus respectivos cultos.

Art. 4. O seu Governo é a Monarchia Constitucional representativa hereditaria com leis fundamentaes, que regulem o exercido dos poderes politicos.

Art. 5. A dinastia reinante é a da Serenissima Casa de Bragança, continuada na Pessoa da Senhora D. Maria II., actual Rainha dos Portuguezes:

TITULO II.

Dos Cidadãos Portuguezes.

Art. 6. São cidadãos portuguezes:

§. 1. Todos os filhos de cidadão portuguez, nascidos em territorio portuguez.

§. 2. Os filhos de cidadão portuguez, nascidos em territorio estrangeiro, senão declararem, que preferem outra naturalidade.

§. 3. Os filhos illegitimos de mãi portugueza, nascidos em paz estrangeiro, que vierem estabelecer domicilio no territorio da monarchia.

§. 4. Os expostos em qualquer parte da monarchia portugueza, cujos pais se ignorem.

§. 5. Os estraves, que alcançarem carta d'alforria.

§. 6. Os estrangeiros, que obtiverem carta de naturalização.

Art. 7. São havidos por naturaes os filhos de pai, que foi portuguez, e perdem a qualidade de cidadão, se tiverem domicilio no territorio da monarchia portugueza, e chegados á maioridade declararem nos livros da Camara do seu domicilio a intenção de serem cidadãos portuguezes.

Art. 8. Perde os direitos de cidadão portuguez:

§. 1. O que se naturalisar em paiz estrangeiro.

§. 2. O que sem licença do Governo acceitar emprego, pensão, ou condecoração de qualquer Governo estrangeiro.

§. 3. O que for condemnado no perdimento delles por sentença passada em julgado.

Art. 9. Suspende-se o exercicio dos direitos politicos:

§. 1. Por incapacidade fisica, ou moral.

§. 2. Por sentença, que condemne a prisão, ou degredo, em quanto durarem os seus effeitos.

TITULO III.

Dos Direitos, e Garantias individuaes dos Cidadãos Portuguezes.

Art. 10. A liberdade, segurança, e propriedade de todos os cidadãos portuguezes constituem os seus imprescriptiveis direitos civis, e politicos, que a Constituição do reino garante pela maneira seguinte.

Art. 11. Nenhum cidadão póde ser obrigado a fazer, ou deixar de fazer alguma cousa, senão em virtude da lei.

§. 1. A disposição da lei não tem effeito retroactivo.

§. 2. A imprensa é livre, e nunca mais se poderá estabelecer censura prévia. Todo o Portuguez póde por conseguinte dizer, escrever, imprimir, e publicar livremente os seus pensamentos, com tanto que haja de responder pelo abuso d'esta liberdade nos casos, e pela fórma, que a lei determinar.

§. 3. A repressão dos delidos commettidos pela imprensa compete sem excepção alguma ao juizo dos jurados.

§. 4. Ninguem póde ser perseguido por motivos de religião, uma vez que respeite a do estado, e não offenda a moral publica.

§. 5. Qualquer póde conservar-se, ou sahir do reino, como lhe convenha, levando comsigo os seus bens, guardados os regulamentos policiaes, e salvo o prejuízo particular, ou publico.

§. 6. Todo o cidadão póde não só apresentar os Côrtes, e do Poder executivo, reclamações, queixas, e petições, que deverão ser examinadas, ou ellas sejam de interesse geral do estado, ou do particular dos cidadãos; mas tambem expôr qualquer infracção das leis, ou da Constituição, e requerer perante a competente Auctoridade a effectiva responsabilidade dos infractores.

§. 7. Todos tem, assim o direito de se associar, como o de se reunir tranquilamente, e sem armas, conformando-se com as leis, que pódem regular o exercito deste direito, sem todavia o submetterem a auctorisação prévia; mas quando houverem de se reunir em campo, ou logar descoberto, darão previamente parte da reunião á auctoridade competente.

Art. 12. Todo o cidadão tem em sua casa um asylo inviolavel. De noite não se póde entrar n'ella senão por seu consentimento, ou nos casos de reclamação feita de dentro, de necessidade de soccorro, ou de aboletamento, e de dia só será franqueada a sua entrada nos casos, e pela maneira, que a lei determinar.

§. 1.° Ninguem póde ser preso sem culpa formada, excepto nos casos declarados na lei, e n'estes dentro de vinte e quatro horas, contados da entrada na prisão, o juiz, em ama nota por elle assignada, fará constar ao réo o motivo da prisão, o nome dos accusadores, e o das testemunhas, havendo-as.

§. 2. Ainda com culpa formada ninguem será conduzido á prisão, ou nella conservado, estando já preso, se prestar fiança idonea nos casos, em que a lei a admitte; e era

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geral, nos crimes, que não tiverem maior pena, do que a de seis mezes de pisão, ou de desterro, poderá o réo livrar-se solto.

§. 3. A excepção de flagrante delicto, não póde a prisão ser executada se não por ordem escripta da auctoridade legitima. Se esta fôr arbitraria, o juiz, que a deu, os officiaes, que sem representação, e protesto contra ella a executarem, e a pessoa, que a tiver requerido, serio punidos com as penas, que a lei determinar.

§. 4. O que fica disposto ácerca da prisão antes de culpa formada, não comprehende as ordenanças militares estabelecidas, ou que se estabelecerem, como necessarias á disciplina, e recrutamento do exercito; nem os casos, que não são puramente criminaes, e em que a lei determina todavia a prisão de alguma pessoa, por desobedecer aos mandados da justiça, ou por não cumprir alguma obrigação dentro de determinado praso.

§. 5. A lei é igual para todos, quer proteja, quer castigue, e recompensa em proporção dos merecimentos de cada um.

§. 6. Todo o cidadão póde por consequencia ser admittido aos empregos publicos, civis, politicos, ou militares, sem outra differença, que não seja a da sua aptidão, virtudes, e serviços feitos ao estado; mas o numero d'elles será rigorosamente restricto ao necessario.

§. 7. Nenhum é tambem isempto de contribuir, em proporção dos seus haveres, para as despezas do estado, depois de votadas pelas Côrtes.

§. 8. Os empregados publicos são restrictamente responsaveis pelos abusos, e omissões, que praticarem no exercicio de suas funcções, e por não fazerem effectivamente responsaveis aos seus subalternos.

§. 9. Ficam abolidos todos os privilegios, que não forem essencial, e inteiramente ligados aos cargos por utilidade publica.

§. 10. Por tanto, á excepção das causas, que por sua natureza pertencem a juizos particulares Da conformidade das leis, não haverá mais foro privilegiado, nem Commissões especiaes nas causas civis, ou crimes.

§. 11. Ninguem por consequencia será sentenciado se não pela auctoridade competente, em virtude de lei anterior, e na fórma por ella prescripta; e nenhuma auctoridade póde avocar as causas pendentes, susta-las, ou fazer reviver os processos fiados.

§. 12. Organisar-se-ha quanto antes um codigo civil, e criminal, fundado nas solidas bases da equidade, e da justiça.

§. 13. São vedados os açoutes, a tortura, a marca de ferro quente, e as outras penas crueis.

§. 14. Nenhuma pena passa da pessoa do delinquente. Não haverá por isso em caso algum confiscação de bens; nem a infamia do réo se transmittirá aos seus parentes, em qualquer gráo que esteja.

Art. 13. E' garantido o direito de propriedade. Com tudo se o bem publico, legalmente verificado, exigir o uso, e emprego da propriedade do cidadão, será elle previamente indemnisado do valor d'ella pela fórma, que a lei estabelecer.

§. 1. E' igualmente garantida a divida pública.

§. 2. Todo o género de trabalho, cultura, industria, e commercio é permittido, salvas as restricções da lei fundadas em utilidade pública.

§. 3. Os inventores terão as propriedades das suas descobertas, ou das suas producções. A lei lhes concederá os privilegios necessarios, ou os remunerará em ressarcimento da perda, que soffrerem pela vulgarisação.

§. 4. O segredo das cartas é inviolavel. A administração do correio fica rigorosamente responsavel por qualquer infracção d'este artigo.

§. 5. São igualmente garantidas, assim as recompensas já conferidas pelos serviços feitos ao estado; com o direito a ellas nos casos, e pela fórma, que a lei determinar.

Art. 14. A Constituição tambem garante:

§. 1. A nobreza hereditaria, e suas regalias.

§. 2. Os soccorros públicos.

§. S. A instrucção primaria, e gratuita a todos os cidadãos.

§. 4. Collegios, e universidades, aonde serão ensinados os elementos das sciencias, bellas letras, e artes.

Art. 15. Os Poderes Constitucionaes não podem suspender os direitos, e garantias individuaes, salvo nos casos; e nas circumstancias especificadas nos §§. Seguintes.

§. 1. Nos casos de rebellião declarada, ou de invasão de inimigos, se a segurança do estado exigir, que se dispensem por tempo determinado todas, ou algumas das formalidades, que garantem a liberdade individual, póde a suspensão fazer-se por acto especial do Poder legislativo, especificando as garantias, que ficam suspensas.

§. 2. Se as Côrtes não estiverem reunidas a esse tempo, e a patria correr perigo imminente, póde o Governo dar á mesma providencia, como medida provisoria, e indispensavel, suspendendo-a logo que cesse a necessidade urgente, que a motivou.

§. 3. Tanto em um, como n'outro caso, findo que seja o praso da suspensão, o Governo remetterá ás Côrtes, logo, que reunidas forem, uma relação das prisões, a que tiver mandado proceder, e de quaesquer outras medidas de prevenção, que houver tomado com a exposição dos motivos, que as justifiquem; e assim os Ministros d'Estado, como quaesquer outras auctoridades são responsaveis pelo abuso, que houverem feito do poder, além do que exigisse a segurança pública.

TITULO IV.

Dos Poderes do Estado.

Art. 16. A Soberania reside essencialmente ema Nação, de quem emanam todos os Poderes; é porém delegadamente exercida pelo Rei, e pelas Côrtes.

Art. 17. Os Poderes politicos, que a Constituição reconhece, são o Legislativo, Executivo, e Judicial.

Art. 18. Estes Poderes são exercidos.

§. 1. O Legislativo pelas Côrtes com a sancção do Rei.

§. 2. O Executivo pelo Rei.

§. S. O Judicial pelos juizes.

Art. 19. Cada um destes Poderes é de tal maneira independente, que um não póde arrogar a si as attribuições do outro.

TITULO V.

Do Poder Legislativo.

CAPITULO I.

Das Côrtes, e suas attribuições.

Art. 20. As Côrtes compõem-se de duas Camarás; Cantara de Senadores e Camara de Deputados.

Art. 81. Pertence ás Côrtes:

§. 1. Fazer leis, interpetra-las, suspende-las, e revoga-las.

§. 2. Velar na observancia da Constituição, e das leis, e promover o bem geral da Nação.

§. 8. Tomar juramento ao Rei, ao Principe Real, e ao Regente, ou Regencia.

§. 4. Eleger o Regente, ou a Regência, e marcar-lhe os limites da sua auctoridade.

§. 5. Reconhecer o Principe Real como successor da co-

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sua, na primeira reunião depois do seu nascimento, e approvar o plano da sua educarão.

§. 6. Nomear Tutor ao Rei menor, caso seu Pai o não tenha nomeado em testamento.

§. 7. Resolver as dúvidas, que Decorrerem sobre a successão da corôa.

§. 8. Approvar os tratados de alliança offensiva, os de subsidios, commercio, e troca, ou cessão de alguma porção de territorio portuguez, ou de direito a ella, antes de serem rectificados.

§. 9. Fixar annualmente sobre proposta, ou informação do Governo as forças de terra e mar, assim ordinarias em tempo de paz, como extraordinarias em tempo de guerra.

§. 10 Conceder, ou negar a entrada de forças estrangeiras, dentro do reino, ou dos portos d'elle.

§. 11. Votar annualmente os impostos, e fixar as despezas publicas: repartir a contribuição, e fiscalisar o emprego das rendas publicas, assim como as contas da sua receita e despeza.

§. 12. Auctorisar o Governo para contrahir emprestimos, marcando lhe as condições d'elles, ou sendo-lhes ellas presentes, excepto nos casos de urgencia.

§. 13. Estabelecer meios adequados para pagamento da divida publica.

§. 14. Regular a administração dos bens nacionaes, e decretar a sua alienação.

§ 15. Crear, ou supprimir empregos publicos, e estabelecer-lhes ordenados.

§. 16. Determinar o peso, valor, inscripção, typo, e denominação das moedas, bem como o padrão dos pesos e medidas.

Art. 22. Cada uma das Camaras tem o direito de proceder por meio de Commissões a inquirição sobre qualquer objecto, que lhe convenha verificar com exactidão.

Art. 23. Nenhuma Camara póde tomar resolução alguma, sem que esteja presente a maioria da totalidade de seus membros.

Art. 24. Toda a resolução de uma e outra é tomada á maioria de votos no caso d'empate fica regeitada a proposição, ou objecto, sobre que se deliberar.

Art. 25. Cada legislatura dura quatro annos: em cada anno ha necessariamente uma sessão; e nenhuma sessão annual se póde encerrar sem as Côrtes fixarem as despezas no orçamento.

Art. 26. A Sessão Real d'abertura será todos os annos no primeiro dia de fevereiro.

Art. 27. Tambem será Real a sessão do encerramento; e tanto esta, como a d'abertura, se fará em Côrtes Geraes, reunidas ambas as Camaras, estando os Serradores á direita, e os Deputados á esquerda.

Art. 28. Em cada cessão nomeia cada Camara o seu presidente, Vice-presidente, e secretarios.

Art. 29. Na reunião de ambas as Camaras dirige o trabalho o presidente da dos Senadores.

Art. 30. Não se póde ser ao mesmo tempo membro de ambas as Camaras.

Art. 31. Os Senadores, e Deputados são inviolaveis pelas opiniões, que proferirem no exercicio de suas funcções. Nenhuma responsabilidade lhes póde pois ser por ellas exigida.

Art. 32. Nenhum Senador, ou Deputado, durante a legislatura, de que fôr membro, póde ser preso por auctoridade alguma sem ordem da respectiva Camara, excepto no caso de flagrante delicto de pena capital.

Art. 33. Se algum Senador, ou Deputado for indiciado, o juiz, suspendendo todo o ulterior procedimento, dará conta a sua respectiva Camara, a qual decidirá, se o processo deva continuar, e o membro ser ou não suspenso do exercicio de suas funcções.

Art. 34. Nenhum Senador, nem Deputado desde o dia, em que a sua eleição constar na secretaria d'estado dos negocios do reino até o fim da legislatura, póde aceitar, ou solicitar para si, ou parente seu, pensão, ou condecoração alguma; nem emprego provido pelo Governo, salvo se lhe competir por antiguidade, ou escada na carreira da sua profissão.

Art. 35. Podem todavia os Senadores, e Deputados ser nomeados para o cargo de ministros d'estado; mas o Deputado deixa vago o seu logar na Camara.

Art. 36. Os Senadores, e Deputados, durante o tempo das sessões de Côrtes, ficam inhibidos do exercicio de qualquer emprego, excepto do de Ministros d'estado.

Art. 37. No intervallo das sessões não póde o Rei empregal-os fóra do reino de Portugal, e Algarve, nem mesmo irão exercer seus empregos, quando isso os impossibilitem para se reunirem no caso de convocação de Côrtes extraordinarias.

Art. 38. Se por algum caso extraordinario, ou imprevisto, de que dependa a segurança publica, ou o bem do estado, fôr indispensavel, que algum Senador, ou Deputado sala das Côrtes para outra occupação, a respectiva Camara o poderá determinar, concordando n'isso as duas terças partes dos votos.

CAPITULO II.

Da Camara dos Deputados.

Art. 39. A Camara dos Deputados é electiva e temporaria.

Art. 40. E' privativa da Camara dos Deputados a iniciativa sobre impostos, e sobre recrutamentos.

Art. 41. Tambem principiará na Camara dos Deputados:

§. 1. O exame d'administração passada, e a reforma dos abusos n'ella introduzidos.

§. 2. A discussão das propostas feitas pelo Poder executivo.

Art. 42. E' da privativa attribuição da mesma Camara decretar, que tem logar a accusação dos Ministros distado.

Art. 43. Os Deputados, desde o principio das sessões até que ellas acabem, vencem um subsidio pecuniario taxado pelas Côrtes na ultima sessão da legislatura antecedente; e se lhes arbitrará tambem uma indemnisação para as despezas da vinda e volta.

Art. 44. Aos do ultramar (entre os quaes se não comprehendem os das ilhas adjacentes) se assignará de mais um subsidio para o intervallo das Côrtes.

CAPITULO III.

Da Camara dos Senadores.

Art. 45. A Camara dos Senadores é composta de membros vitalicios, nomeados pelo Rei, e sem numero fixo.

Art. 46. Só podem com tudo ser nomeados Senadores dentre as seguintes cathegorias:

§. 1. Os proprietarios, que tiverem de rendimento annual, procedente de bens de raiz, dois contos e quatrocentos mil réis pelo menos.

§. 2. Os grandes commerciantes, ou fabricantes, cujos lucros forem calculados em cinco contos de réis annuaes, pelo menos.

§. 3. Os arcebispos, e bispos com diocese no reino, ou nas provincias ultramarinas.

§. 4. Os presidentes do supremo tribunal de justiça, das relações, e do supremo tribunal do commercio depois de cinco annos d'exercicio n'este emprego.

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§. 5. Os conselheiros do supremo tribunal de justiça tambem depois de cinco annos d'exercicio.

§. 6. Os que singular ou collectivamente occuparem as dignidades superiores dos lyceos e universidades do ensino das sciencias maiores.

§. 7. Os officiaes generaes tanto de mar, como de terra.

§. 8. Os embaixadores, e ministros plenipotenciarios depois de cinco annos de exercicio.

Art. 47. O numero de Senadores proprietarios de bens de raiz, e grandes commerciantes, ou fabricantes constituirá sempre dois terços pelo menos da totalidade da Camara.

Art. 48. Nenhum dos Senadores nomeados dentre as mencionadas cathegorias póde tomar assento na Camara antes de ter completado trinta annos de idade.

Art. 49. O Principe Real, e os Infantes são Senadores de direito aos dezoito annos, e tem voto logo que completarem vinte e cinco.

Art. 50. E' da exclusiva attribuição da Camara dos Senadores:

§. 1. Conhecer dos delictos individuaes commettidos pelos membros da familia Real, ministros d'estado, e Senadores; e dos delictos dos Deputados; durante o periodo da legislatura.

§. 2. Conhecer da responsabilidade dos ministros secretarios d'estado.

Art. 51. No juizo dos crimes, cuja accusação não pertence á Camara dos Deputados, accusará o procurador da Corôa.

Art. 52. E' da exclusiva attribuição do presidente, e na sua falta do vice-presidente da Camara dos Senadores convocar as Côrtes na morte do Rei para a eleição do Regente, ou da Regencia nos casos, em que ella tem logar, e quando a Regencia provisional não faça a convocação dentro de tres dias.

Art. 53. As sessões da Camara dos Senadores começam, e acabam ao mesmo tempo, que as da Camara dos Deputados.

Art. 54. Toda a reunião da Camara dos Senadores fóra do tempo das sessões da dos Deputados, é prohibida e nulla, salvo quando fôr competentemente convocada como tribunal de justiça.

ARTIGOS TRANSITORIOS.

Art. 1. A Camara dos Senadores será composta na sua origem de cincoenta merribros, dentre as respectivas cathegorias, nomeados pelo Rei sobre cincoenta listas triplices formadas pelos collegios eleitoraes pelo modo, que fôr determinado na lei para a eleição dos Deputados, que deverá ser feita pelas Côrtes actuaes.

Art. 2. No espaço de seis annos, depois da installação da Camara, não póde o Rei nomear novos Senadores, senão d'entre os Candidatos incluidos nas primittivas listas, salvo com prévia anthorisação das Côrtes para pessoa, que houver feita ao estado algum serviço extraordinario.

Art. 3. A disposição dos §§. 4, 5, e 8 do Artigo 47, quanto á necessidade de cinco annos d'exercicio, só começa a ter vigor depois da nomeação ordenada no primeiro artigo transitorio.

CAPITULO IV.

Da proposição, discussão, sancção, e promulgação das leis.

Art. 55. A proposição, opposição, e approvação das leis compete a cada uma das Camaras.

Art. 56. Póde tambem o poder executivo por qualquer dos ministros d'estado fazer propostas de lei, as quaes só depois de examinadas por uma commissão da Camara dos Deputados podem ser convertidas em projecto de lei.

Art. 57. Os ministros podem assistir á discussão da proposta, e n'ella tomar parte; mas não podem votar, nem, estar presentes á votação, salvo se forem Senadores, ou Deputados.

Art. 58. Em geral todas as proposições, ou projectos de lei, que a Camara dos Deputados admittir, e approvar, serão remettidos á Camara dos Senadores.

Art. 59. Se a Camara dos Senadores não approvar a proposição ou projecto, fica elle por isso rejeitado: se porém não o adoptando, nem rejeitando inteiramente, lhe fizer emendas, ou additamentos, o reenviará á Camara dos Deputados.

Art. 60. O mesmo praticará a Camara dos Deputados para com a dos Senadores, quando o projecto tiver nesta a sua origem.

Art. 61. Se a Camara dos Deputados não approvar as emendas, ou additamentos da dos Senadores, ou vice-versa, e todavia a Camara recusante julgar, que o projecto é, vantajoso, cada Camara nomeará uma commissão de igual numero de membros; e o que esta commissão resolver servirá, ou para se converter todo, ou parte do projecto em decreto, ou para ser recusado.

Art. 68. Se qualquer das Camaras, concluida a discussão, adoptar inteiramente o projecto, que a outra lhe enviou, o reduzirá a decreto; e depois de lido em sessão o dirigirá ao Rei em dois autografos, assignados pelo presidente, e por dois secretarios, pedindo-lhe a sua sancção.

Art. 63. Sanccionada a lei será promulgada pela formula seguinte: - D. (F.) por graça de Deos, e pela Constituição da Monarchia, Rei de Portugal e dos Algarves, etc. Fazemos saber a todos os nossos subditos, que as Cortes Geraes decretaram, e Nós queremos a lei seguinte. (A integra da lei nas suas disposições sómente) Mandamos por tanto a todas as authoridades, a quem o conhecimento, e execução da referida lei pertencer, que a cumpram, e façam cumprir, e guardar tão inteiramente como nella se contém. O secretario d'estado dos negocios de..... (o da repartição competente) a faça imprimir, publicar, e correr.

Art. 64. Uma lei especial regulará o modo, e os termos de correspondencia entre os dois corpos legislativos; e entre estes, e o Rei.

CAPITULO V.

Das Eleições.

Art. 65. A nomeação dos Deputados para as Côrtes Geraes, é feita por eleição directa dos cidadãos activos reunidos em assembléas parochiaes.

Art. 66. Tem voto nestas eleições os cidadãos portuguezes, e os estrangeiros naturalisados, que estiverem no exercicio de seus direitos politicos, e que tiverem de renda liquida annual oitenta mil réis provenientes de bens de raiz, industria, commercio, ou emprego.

Art. 67. Exceptuam-se:

§. 1. Os menores de vinte e cinco annos, nos quaes sã não comprehendem os casados, e officiaes militares, que forem maiores de vinte um annos, os bachareis formados, e os clerigos de ordens sacras.

§. 2. Os filhos-familias, que estiverem na companhia de seus pais, salvo se servirem officios publicos.

§. 3. Os Criados de servir, em cuja classe não entram, os guarda-livros, e primeiros caixeiros das casas de commercio; os criados da casa real, que não forem de galão branco, e os administradores das casas ruraes, e fabricas.

Art. 68. Podem ser eleitos Deputados todos os que podem votar, sendo maiores de vinte e cinco annos, e tendo quatrocentos mil réis annuaes de renda liquida proveniente de bens de raiz, industria, commercio, ou emprego.

Art. 69. Exceptuam-se da disposição do artigo antecedente, e são absolutamente inelegiveis:

§. 1. Os libertos.

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§. 2. Os apresentados por fallidos, em quanto não justificarem que o são de boa fé.

§. 3. Os estrangeiros posto que tenham carta de naturalisação.

§. 4.º Os indiciados por algum crime depois da ractificação da pronuncia.

Art. 70. São respectivamente inelegiveis:

§. 1. Os administradores geraes na provincia, em que estiver situada a séde do seu distrincto.

§. 2. Os contadores nos seus districtos.

§. 3. Os bispos nas suas dioceses.

§. 4. Os parochos nas suas freguezias.

§. 5. Os juizes de direito, e substitutos nas Comarcas, em que exercerem jurisdicção.

§. 6. Finalmente os commandantes dos corpos de primeira linha não podem ser votados pelos militares seus subditos.

Art. 71. Todos os cidadãos portuguezes elegiveis podem ser eleitos em qualquer parte da Monarchia, ainda que ahi não sejam nascidos, nem residentes, ou domiciliados.

Art. 72. A lei marcará o modo prático das eleições, e o numero dos Deputados relativamente á população do reino.

TITULO V.

Do poder executivo.

CAPITULO 1.

Do Rei.

Art. 73. O Rei é o chefe do poder executivo, e o exercita pelos ministros d'estado. A sua Authoridade consiste geralmente em fazer executar as leis, expedir os decretos, instrucções, e regulamentos adequados a esse fim; e provei, na fórma da Constituição, a tudo o que fôr concernente á segurança interna, e externa do estado.

Art. 74. São suas especiaes attribuições:

§. 1. Sanccionar, e promulgar as leis.

§. 2. Convocar as Côrtes Geraes extraordinariamente no intervallo das sessões, quando assim o pedir o bem do reino.

§. 3. Prorogar, ou addiar as Côrtes Geraes, e dissolver a Camara dos Deputados, nos casos, em que o exigir a salvação do estado; mas o decreto da dissolução mandará necessariamente proceder a novas eleições dentro de trinta dias, e convocará as novas Côrtes para se reunirem dentro de noventa dias.

§. 4. Nomear, e demittir livremente os ministros d'estado.

§. 5. Nomear, e suspender os magistrados segundo a lei; e em conformidade d'ella prover os mais empregos civis, e militares.

§. 6. Nomear bispos, e prover os beneficios ecclesiasticos, precedendo concurso, e exame publico perante os prelados diocesanos.

§. 7. Nomear, e remover os com mandantes da força armada de mar, e de terra, e emprega-la coroo entender mais conveniente ao serviço publico; mas em tempo de paz nunca haverá commandante em chefe do exercito, nem d'Armada.

§. 8. Nomear os embaixadores, e mais agentes diplomaticos, e commerciaes.

§. 9. Conceder cartas de naturalisação, e privilegios exclusivos a Favor da industria, na conformidade das leis.

§. 10. Conceder titulos, honras, ordens militares, e distincções em recompensa de serviços feitos ao estado; propôr ás Côrtes as mercês pecuniarias, que entender se devem pelo mesmo motivo conferir, e que ainda não estiverem taxadas por lei.

§. 11. Perdoar, e minorar as penas aos delinquentes condemnados por sentença.

§. 12. Conceder amnistia em caso urgente, e quando assim o aconselhem a humanidade, e o bem do estado.

§. 13. Conceder, ou negar o seu beneplacito aos decretos dos concilios, letras pontificias, e quaesquer outras constituições ecclesiasticas, que se não opposerem á Constituição, precedendo approvação das Côrtes, e se contiverem, disposições geraes.

§. 14. Declarar a guerra, e fazer a paz, dando ás Côrtes conta dos motivos, que pata isso teve.

§. 15. Dirigir as negociações politicas com as nações estrangeiras.

§. 16. Fazer tratados de alliança defensiva, e quaesquer outros.

§. 17. Decretar a applicação dos rendimentos votados pelas Côrtes aos diversos ramos da publica administração.

Art. 75. O Rei não póde:

§. 1. Impedir a eleição dos Deputados.

§. 2. Oppôr-se á reunião das Côrtes no primeiro dia de Fevereiro de cada anno.

§. 3. Com mandar força armada, nem nomear para commandante em chefe a Principe, algum da casa, ou familia real, nem mesmo os Infantes.

§. 4. Exercer attribuição alguma daquellas, que pela Constituição compete ás Côrtes, ou aos juizes.

§. 5. Perdoar, ou minorar a pena aos secretarios distado condemnados por sentença.

Art. 76. O Rei tambem não póde sem consentimento das Côrtes:

§. 1. Ser ao mesmo tempo chefe de outro estado.

§. 3. Sahir do ramo de Portugal, e Algarve, e se o fizer, se entende que abdica.

Art. 77. A pessoa do Rei é inviolavel, e sagrada: elle não está sujeito-a responsabilidade alguma.

Art. 78. Seus titulos são: Rei de Portugal, e dos Algarves, d'aquem, e d'além mar, em Africa Senhor de Guiné, e de Conquista, Navegação, Commercio da Ethiopia, Arabia, Persia, e da India, etc.; e tem o tratamento de Magestade. Fidelissima.

Art. 79. O Rei antes de ser acclamado, prestará nas mãos do Presidente da Camara dos Senadores, reunidas ambas as Camaras, o seguinte juramento: - Juro manter a Religião Catholica Apostolica Romana, a integridade do Reino, observar, e fazer observar a Constituição Politica da Nação Portugueza, e mais leis do Reino, e prover ao bem geral da Nação, quanto em mim couber.-

CAPITULO II.

Da Familia Real, e sua dotação.

Art. 80. O Herdeiro presumptivo da Corôa terá o titulo de - Principe Real - e o seu Primogenito o de - Principe da Beira - o tratamento de ambos é o de - Alteza Real. - Todos os mais tem o titulo de - Infantes, e o tratamento de - Alteza.-

Art. 81. O Herdeiro Presumptivo, completando 18 annos de idade, prestará nas mãos do Presidente da Camara, dos Senadores, reunidas ambas as Camaras, o seguinte juramento: - Juro manter a Religião Catholica, Apostolica Romana , observar a Constituição Política da Nação Portugueza, e ser obediente as leis, e ao Rei.-

Art. 82. As Côrtes Geraes, logo que o Rei succeder na Corôa, lhe assignarão, e á Rainha Sua Esposa, uma dotação correspondente ao decóro de Sua Alta Dignidade.

Art. 83. As Côrtes assignarão tambem alimentos ao Principe Real, e aos Infantes desde que nascerem.

Art. 84. Quando as Princezas, ou Infantas houverem de casar, as Côrtes lhes assignarão o seu dote; e com a entrega d'elle cessam os alimentos.

Art. 85.º Aos Infantes, que se casarem, e forem residir

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fóra do Reino, se entregará por uma vez sómente uma quantia determinada pelas Côrtes, com o que cessam os alimentos, que percebiam.

Art. 86. A dotação, alimentos, e dotes, de que fallam os artigos antecedentes, serão pagos polo Thesouro Publico.

Art. 87. Os Palacios, e Terrenos Reaes, que tem sido até agora possuidos pelo Rei, ficam pertencendo aos seus successores.

CAPITULO III.

Da successão da Corôa.

Art. 88. A successão da Corôa segue a ordem regular de Primogenitura, e Representação entre os Legitimos Descendentes da Rainha Actual a Senhora D. Maria Segunda, preferindo sempre a linha anterior ás posteriores; na mesma linha o grau mais proximo ao mais remoto; no mesmo grau o sexo masculino ao feminó; e no mesmo sexo a pessoa mais velha á mais nova.

Art. 89. Extinctas as linhas dos Descendentes da Senhora D. Maria Segunda, passa a Corôa ás Collateraes; e uma vez radicada a Corôa n'uma linha, em quanto esta durar não entra a immediata. Extinctas todas as linhas dos Descendentes, e Collateraes, as Côrtes Geraes chamarão ao Throno a Pessoa natural do Reino, que entenderem convir melhor ao bem da nação; e desde então continuará a regular-se a successão pela ordem estabelecida no artigo 88.

Art. 90. A linha Collateral do ex-Infante D. Miguel, e de toda a sua descendencia, é perpetuamente excluída da successão.

Art. 91. Se a successão da Corôa pertencer á fêmea, não poderá esta casar senão com portuguez, precedendo approvação das Côrtes. O marido não terá parte no Governo, e sómente se chamará Rei depois que tiver da Rainha filho, ou filha.

Art. 92. Nenhum estrangeiro póde succeder na Corôa de Portugal.

CAPITULO IV.

Da Regencia na menoridade, ou impedimento do Rei.

Art. 93. O Rei é menor até á idade de dezoito annos completos.

Art. 94. Durante a menoridade do Rei é o Reino governado por uma Regencia, nomeada pelas Côrtes Geraes, e conferida a uma só pessou natural deste Reino, a quem não póde mais ser tirada.

Art. 95. Se durante a menoridade vagar a Corôa, não estando as Côrtes reunidas, serão estas immediatamente convocadas para fé reunirem dentro de trinta dias: senão forem immediatamente convocadas, reunem-se ellas sem convocação no quadragessimo dia depois da morte do Rei, para elegerem a Regencia.

Art. 96. Se a Camara dos Deputados tiver anteriormente sido dissolvida, e no decreto da dissolução tiverem as novas Côrtes sido convocadas para época posterior ao quadragessimo dia da morte do Rei, os antigos Deputados reassumem suas funcções até á reunião d'aquelles, que devem substitui-los.

Art. 97. Em quanto a Regencia não for eleita, governa o Reino uma Regencia Provisional, composta dos dois Ministros d'Estado do Reino, e da Justiça, presidida pela Rainha Viuva; na falta della pelo Irmão mais velho do Rei defunto; e na falta de ambos pelo Presidente do Supremo Tribunal de Justiça.

Art. 98. A disposição dos artigos antecedentes extende-se no caso, em que o Rei por alguma causa fysica, ou moral, evidentemente reconhecida pelas Côrtes, se impossibilite para governar; porém a Regencia terá neste caso conferida ao immediato successor, seja tiver completado dezoito annos.

Art. 99.º Tanto a Regencia Provisional, como o Regente prestará o juramento mencionado no artigo 79 accrescentando o Regente a clausula de fidelidade ao Rei, e de lhe entregar o Governo, logo que elle chegue á maioridade, ou que cesse o seu impedimento.

Art. 100. A Regencia Provisional jura, não estando reunidas as Côrtes, perante a camara municipal da cidade, ou villa, em que ella se installar.

Art. 101. A Regencia Provisional sómente despacha os negocios, que não admittem dilação; e não póde nomear, nem remover empregados publicos senão interinamente.

Art. 102. Os actos da Regencia, e do Regente são expedidos em nome do Rei.

Art. 103. Nem a Regencia, nem o Regente é responsavel.

Art. 104. Não póde na Constituição fazer-se mudança alguma durante qualquer Regencia.

Art. 105. Durante a menoridade do successor da Corôa é seu tutor quem seu Pai lhe tiver nomeado em testamento; na falta deste a Rainha Mãi em quanto não tornar a casar; faltando esta ás Côrtes pertence nomeá-lo: em todos os casos deve o tutor ser pessoa natural do Reino.

Art. 106. Nunca será tutor do Rei menor o teu immediato successor, nem o Regente.

Art. 107. O successor da Corôa durante a sua menoridade não póde contrahir matrimonio sem consentimento das Côrtes.

CAPITULO V.

Do Ministerio.

Art. 108. Haverá as Secretarias d'Estado, que se julgarem necessarias; e pertencerão a cada uma os negocios, que a lei designar.

Art. 109. Os estrangeiros, posto que naturalisados, não podem ser Ministros d'Estado.

Art. 110. Os Ministros e Secretarios d'Estado, referendam todos os actos do poder executivo, e sem isso não se lhes dará cumprimento.

Art. 111. Os Ministros Secretarios d'Estado são responsaveis.

§. 1. Pela falta da observancia das leis.

§. 2. Pelo abuso do poder, que lhes foi confiado.

§. 3. Por traição.

§. 4. Por peita, suborno, ou concessão.

§. 5. Pelo que obrarem contra a liberdade, segurança, e propriedade dos cidadãos.

§. 6. Por qualquer dissipação, ou máo uso dos bens publicos.

Art. 112. A lei determinará as penas correspondentes a estes delictos e a maneira de proceder contra elles.

Art. 113. Não salva aos Secretarios d'Estado da responsabilidade a ordem do Rei, vocal, ou por escripto.

CAPITULO VI.

Da Força Armada.

Art. 114. Todos os portuguezes são obrigados a pegar era armas para sustentar a independencia, e integridade do Remo, e defende-lo de seus inimigos externos, e internos.

Art. 115. Haverá uma força militar permanente, Nacional, e composta do numero de tropas, e vasos, que as Côrtes annualmente determinarem.

Art. 116. A força militar existe para manter a segurança interna, e externa do Reino, com sujeição ao Governo a quem só compete emprega-la como fôr conveniente ao bem do Estado.

Art. 117. Toda a força militar é essencialmente obediente: corpos armados não podem deliberar.

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Art. 118. Os officiaes do Exercito, e da Armada sómente podem ser privados das suas patentes por sentença proferida em juizo competente.

Art. 119. Leis especiaes regularão a composição, organisação, e disciplina do Exercito, e da Arruada, bem como as promoções, soldos, e refórmas de uma, e outra arma.

Art. 120. A Guarda Nacional constitue parte da força publica, sujeita unicamente as auctoridades civis, e concorre para a eleição dos seus officiaes pelo modo, que a lei determinar. Uma lei especial regulara a sua composição, organisação, disciplina, e serviço.

TITULO VI.

Do Podêr Judicial.

Art. 121. O poder judicial compõem-se de juizes, e jurados, os quaes tem lugar assim no crime, como no civel, nos casos, e pelo modo, que a lei determinar.

Art. 122. Nenhum processo se começará em juizo contencioso sem se ter intentado o maio da conciliação nos casos, em que esta segundo a lei tiver logar.

Art. 123. Para este fim haverá juizes de paz, os quaes serão electivos pelo tempo, e maneira, que a lei ordenar. A lei regulará tambem suas attribuições, e districtos.

Art. 124. Para preparar, e julgar as causas em primeira instancia, haverá um juiz de direito em cada comarca, e um juiz electivo em cada julgado, que a lei designar, porém em Lisboa, e n'outras cidades populosas, haverá quantos juizes de direito forem necessarios.

Art. 125. Os juizes de direito nas causas, em que ha jurados, applicam a lei ao farto, sobre que estes pronunciam; e julgam de facto, e de direito n'aquellas, em que elles não intervem.

Art. 126. Os juizes electivos preparam na seu julgado todos os processos, e decidem, e executam todas as causas civeis, que forem designadas por lei.

Art. 127. Os juizes de direito são perpetuos, o que todavia se não entende, que não possam ser mudados de uns para outros lugares pelo tempo, e maneira, que a lei determinar.

Art. 128. Nenhum póde por tanto ser privado do seu logar senão por sentença proferida em razão de delicto, ou por ser aposentado com causa provada conforme a lei.

Art. 129. Póde porém o Rei suspende-los por queixas contra elles feitas, precedendo audiencia dos mesmos juizes, e ouvido o conselho de Ministros. Neste caso os papeis, que lhe são concernentes, serão logo remettidos á relação do respectivo districto, para proceder na fórma da lei.

Art. 130. Todos os juizes, e officiaes de justiça são responsaveis pelo abuso de poder, e prevaricações, que cometterem no exercicio de seus empregos. Esta responsabilidade se fará effectiva por lei regulamentar.

Art. 131. Por suborno, peita, peculato, e concussão haverá contra elles acção popular, que póde ser intentada dentro d'anno e dia pelo proprio queixoso, ou por qualquer do povo, guardada a ordem do processo estabelecida na lei

Art. 132. Para julgar as causas em segunda e ultima instancia haverá no reino, nas ilhas adjacentes, e nas provincias ultramarinas as relações, que forem necessarias para commodidade dos póvos, e boa administração da justiça.

Art. 133. Nas causas civeis, e nas penaes civilmente intentados, é permittido ás partes nomear juizes arbitros. Suas sentenças serão executadas sem recurso, se as mesmas partes assim o convencionarem.

Art. 134. Haverá em Lisboa um supremo tribunal de justiça, composto de juizes letrados, tirados das relações por suas antiguidades, e serão condecorados com o titulo do conselho.

Art. 135. Compete-lhe:

§. 1. Conceder, ou denegar registas nas cansas, e maneira, que a lei determinar.

§. 2. Conhecer dos delictos, e dos erros de officio comettidos pelos seus Ministros, pelos das relações, e pelos empregados no corpo diplomatico.

§. 8. Conhecer de todos os conflictos de jurisdição entre anthoridades judiciaes, e de competência de relações, e decidi-los.

§. 4 Julgar a antiguidade dos magistrados.

§. 5. Propôr as Côrtes as duvidas, que tiver, ou lhe forem apresentadas sobre a intelligencia d'alguma lei: e em geral quaesquer defeitos, ou faltas, que houver notado na legislação, podendo indicar os meios de suppri-las.

TITULO VI.

Do Governo Administrativo, e Economico.

CAPITULO I.

Da Administração.

Art. 136. Haverá em cada districto administrativo um magistrado do poder executivo, nomeado pelo Rei, ouvido o conselho de Ministros; uma junta electiva, e um conselho permanente.

Art. 137. O numero de membros da junta, o do conselho, o modo da sua nomeação, suas funcções, e as do magistrado do poder executivo, serão reguladas por lei.

CAPITULO II.

Das Camaras.

Art. 138. Haverá em todos os concelhos, que a lei designar, Camaras, ás quaes compete o governo economico, e municipal.

Art. 139. As Camaras são compostas do numero de vereadores, e eleitas directamente pelo modo, que a lei designar.

CAPITULO III.

Da Fazenda Nacional.

Art. 140. A receita, e despeza da fazenda nacional é encarregada a um tribunal debaixo do nome de thesouro publico, aonde em diversas estações estabelecidas por lei se regulara a sua administração, arrecadação, e contabilidade.

Art. 141. Todas as contribuições, á excepção d'aquellas, que estiverem especialmente applicadas para os juros, e amortisação da divida publica, são annualmente estabelecidas, ou confirmadas pelas Côrtes, a vista dos orçamentos, e saldos, que lhes apresentar o Ministro dos negocios da fazenda. Faltando o duo estabelecimento, ou confirmação, cessa a obrigação de pagar.

Art. 142. O Ministro d'estado dos negocios da fazenda, havendo recebido dos outros Ministros os orçamentos relativos as despezas de suas repartições, apresentará todos os annos ás Côrtes, logo que estiverem reunidas, um orçamento geral de todas as despezas publicas, do anno futuro, outro da importancia de todas as contribuições, e rendas publicas, e a conta da receita, e despeza do thesouro publico do anno antecedente.

Art. 143 A conta geral da receita, e despeza de cada anno, logo que tiver sido approvada pelas Côrtes, e as contas, que os Ministros d'estado derem das despezas feitas, nas suas repartições, se publicarão pela imprensa.

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TITULO VIII.

Da revisão, e reforma da Constituição.

Art. 144. As Côrtes no principio de suas sessões examinam, se a Constituição politica, e as leis do reino tem sido exactamente observadas para prover como fôr justo.

Art. 145. Só passados quatro annos depois de jurada a Constituição do reino, se póde propor a alteração, ou reforma de qualquer de seus artigos, que a necessite. A proposição deve ser feita por escripto, principiar na Camara dos Deputados, e ser apoiada pela terça parte d'elles.

Art. 146. A proposição assim feita será lida por tres vezes com intervallos de oito dias de uma a outra leitura, e depois da terceira a Camara deliberará, se filia ha de ser admittida a discussão, para o que são precisas duas terças partes dos votos presentes.

Art. 147. Admittida a discussão, e vencida tambem por duas terças partes dos votos presentes a necessidade da reforma do artigo, se reduzirá a lei, que ha de ser sanccionada, e promulgada pelo Rei em fórma ordinaria, pela qual se ordene aos eleitores dos Deputados para a seguinte legislatura, que nas procurações lhes confiram especial faculdade para a pertendida alteração ou reforma, obrigando-se a reconhece-la por Constitucional no caso de chegar a ser approvada.

Art. 148. A legislatura, que vier munida com as referidas procurações, discutirá novamente a proposta; e se fôr approvada pelas duas terças partes, será logo havida como lei Constitucional, e incluida na Constituição. = Barão da Ribeira de Sabrosa; José Ignacio Pereira Derramado; Manoel de Castro Pereira; Conde da Taipa; Leonel Tavares Cabral. - (Vencido em parte, e com especialidade no que respeita á formação da segunda Camara). José Liberato. - (Vencido igualmente em parte, e com especialidade no que respeita á formação da segunda Camara). Julio Gomes da Silva Sanches. (Igualmente vencido em parte, e com especialidade no que toca á organisação da segunda Camara).

O Sr. Costa Cabral: - Sr. Presidente, disposto, como estou, a combater o projecto em discussão, principalmente na parte relativa á organisação dos poderes politicos do estado, eu começarei, em primeiro logar, por implorar a indulgencia dos illustres membros, que compõem a Commissão de Constituição: sou um admirador dos seus talentos, e conhecimentos, mas não posso conformar-me com os seus principios em materia de Constituição, se por ventura os seus principios em tal materia são os que se acham consignados no projecto em discussão. Sr. Presidente, eu estou resolvido a rejeitar o projecto, e uma razão muito forte, em meu entender, me tem decidido a obrar desta maneira, e vem a ser, que examinando eu o projecto com toda a attenção, convenci-me de que é um projecto, não de modificações á Constituição de 22, mas um projecto de destruição da mesma Constituição. (Apoiado, apoiado.)

Eleitos pelo povo, convocados, e reunidos para consertar um edificio, (permitta-se-me esta figura) que se achava um tanto arruinado pelas vicissitudes de tempo, mas cujos alicerces são os mais perfeitos; eu nunca esperei, (nem a Nação já mais o esperou) que houvesse algum dentre nós, que não só quizesse fazer um edificio novo, mas se arrojasse mesmo a destruir, e arruinar os perfeitos alicerces do edificio, cujo concerto nos havia sido encarreirado: para tanto não fomos nós authoridades, a tanto não chegam os nossos poderes, em virtude dei lês só podemos desenvolver o pensamento enunciado pela Nação nos dias 9 e 10 de Setembro, ratificado nos dias 4 e 5 de Novembro.

Que espantosa contradicçâo é a nossa, combinando nosso actual proceder com aquelle, que tivemos em muitas das pausadas? Que decidio, ou quiz decidir o Congresso, quando em muitas das sessões passadas decidio, sancionou (nem podia deixar de o fazer), que e Constituição de 1822 era a lei fundamental da Monarchia? Que decidio, ou quiz decidir o Congresso, quando na resposta ao discurso do throno diz a S. M. que velaria pela possivel execução da Constituição de 1822? Não quiz porventura decidir este Congresso, que os principio; vilães daquella Constituição seriam por nós mantidos, e respeitados? Como nos salva a Commissão destas contradicções? Como nos poderá ella demonstrar que não é possível hoje como tem sido até agora, a execução d'uma tal Constituição? Como nos habilitará a comparecermos ante nossos constituintes, seguros de havermos bem desempenhado os nossos deveres, e cumprido os poderes, que nos foram conferidos? (Apoiado.)

Sr. Presidente, visto que a Commissão apresentou um tal projecto, e visto que o Congresso o admittio á discussão, lançarei um golpe de vista sobre o mesmo, e passarei a examina-lo conforme o permittem as minhas forças, e fracos talentos. O systema representativo afundado sobre certas bases substanciaes, absolutamente indispensaveis para se conseguir a perfeição do mesmo systema; é da perfeita divisão aos poderes politicos, e da sua reciproca independencia, que resulta toda a belleza, e até a estabilidade de um tal systema; se ao poder qualquer empatar o movimento das funcções peculiares de outro poder, segue-se a confuzão, resulta a desordem, e mesmo a destruição completa do systema representativo. Eu cançaria por extremo o Congresso, se me proporesse fallar de cada uma das bases peculiares a cada um dos differentes podares: bastará que por agora diga, que eu só julgo monarchia verdadeiramente constitucional aquella em que ao legislativo compete só, e exclusivamente fazer a lei; ao executivo só, e exclusivamente executa-la, e faze-la executar; ao judicial só, e exclusivamente e applica-la. E' por ventura isto o que vemos no projecto de Constituição? Não por certo. Segundo o projecto da Commissão, as decisões sahidas do Corpo Legislativo não podem considerar-se senão como uns simples projectos; porque para terem o caracter de lei é necessario que tenham a fortuna de merecer a approvação do executivo, o qual tambem as póde rejeitar, porque a tanto se entende essa terrivel prerogativa do veto absoluto dado á Corôa! Com effeito, conceder a um dos poderes politicos do estado o direito de invalidar, de anuullar, e até reprovar as decisões de um outro poder, é destruir completamente a sua independencia, que só faz a belleza do systema representativo! Uma tal prarogativa, que muito faz aproximar o governo representativo do governo absoluto, é tanto mais terrivel, quanto vem logo acompanhada d'uma outra de igual calibre; fallo, Sr. Presidente, d'um direito dado á Corôa, para dar uma morte repentina aos representantes do povo, sempre que estes não condescenderem com as suas pertenções, que de ordinario se acham em opposição aos interesses do povo!....

Um pouco mais feliz foi o poder judicial no projecto da Commissão; porque ao menos as decisões, que este tomar em materia judicial, não precisam de sancção do executivo para serem levadas á execução, nem o mesmo executivo as póde de modo algum embaraçar; verdade é, que a Commissão para ir conforme com o seu systema de muito conceder ao executivo, e pouco aos outros poderes, lá nos apresenta no seu projecto essa secretaria das justiças, do repugnante com a independencia do poder judicial; era esta uma das cousas a modificar na Constituição de 22; porque em quanto um Ministro das justiças tiver a influencia, que até hoje tem tido sobre o poder judicial, nunca este se poderá considerar perfeitamente independente: precisa este poder, é verdade, um fiscal, que vigie o desempenho das obrigações dos membros que o compõe; mas é necessario que este sai do seu circulo, e que não seja jámais uma pessoa, que, pertença a um outro poder do estado.

A illustre Commissão consignou, é verdade, o principio

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da soberania nacional no projecto, que nos apresentou; mesmo para ir de accordo com este principio, e com o da unidade e indivisibilidade da Nação, começou tambem por nos apresentar uma camara dos representantes do povo, fraca, impotente, e suheita, como já notei, a uma morte repentina, sempre que assim agrade ao executivo; e uma Segunda camara, a que se dá o nome de Senado, cuja existencia, se se pretender demonstrar, que não repugna inteiramnte com os principios que acaba de notar, ao menos será forçoso reconhece-la como desnecessaria, inutil, e talvez muito prejudicial (apoiado, apoiado). Eu entendo, que descendo os representantes do povo ser escolhidos d' entre todas as classes, para o fim de serem representados os grandes interesse da nação - a propriedade - a industria - e o serviço publico - não vejo necessidade de uma Segunda camara privilegiada, ou o privilegio venha do nascimento, das riquezas, ou de entra qualquer fonte; e muito mais concludentes se torna o que venho de dizer, se se attender a que somos uma Nação pequena, e que existe por consequencia toda a possibilidade de terem os representantes do povo conhecimentos das necessidades publicas. Isto, Sr. Presidente, pelo que respeita a nenhuma utilidade de uma tal camara, sendo mais inconstestavel que não póde admitir-se, que a ella. Caso se vença, possam competir attribuições só privativas do poder judicial, mas que a Commissão conceda a e-as Segunda camara, que devera por isso denominar se Senado contem gislacion-judiciario. (Apoiado)

Sr. Presidente, eu sou conforme com as idéias do primeiro illustre Crador, que abrio a discussão; julgo desnecessario repetir o que elle expendeu com tanta eloquencia, e força de persuação; paso por tanto a analysar um pouco os argumentos com que os dous membros da Commissão combateram o meu amigo o Sr. Coelho de Magalhães; porque deste modo continuo em tambem a combater o projecto. Os illustres membros da Commissão não se cançaram em demonstrar; que a organisação dos poderes politicos, como se lia no projecto. Está em perfeito accordo com os verdadeiros principios do systema representativo, o que todavia era necessario, por ser esta parte do projecto a que principalmente havia sido combatido, como subsistam os argumentos apresentados pelo Sr. Coelho de Magalhães; julgo ainda por esta razão não dever novamente faltar em tal materia: vamos por ano ás considerações particulares a que taria recorreram os dous illustres Oradores para sustentar o projecto.

O primeiro Sr. Deputado, que sustem o projecto, principal por nos dizer, que se lhe fôra lícito formar um projecto de Constituição, segundo os principios de direito publico philosophico. Elle o organasiria como no que offercem a Commissão: ora quando o illustre Deputado emimo elles idéias no principio do seu discurso, não se lembrou que tinha a combater, e a destruir os fortes argumentos, que o Sr. Custio de Magalhães
Havia ponderado, não só contra a Segunda camara, mas contra esses celebres artigos transitorios que suppõe o povo portuguez mais ignorante, e menos apprecisdor dos seus direitos á proporção que fôr caminhado na estrada da civilização, e da liberdade. A Commissão (disse o illustre Deputado), só escrevem transitorios por divididos por nossas discordias civis!.... Aonde ficaram, no caminho em que assim fallou o Sr. Deputado, os seus principios de direito publico philosophico? Principios de circumstancias para organisar uma lei fundamental da Monarchia? Perdoa-me o Sr. Deputado, nós estamos aqui para fazer o que é melhor e não para escutar partidos, e attender a divisões politicas. Esta confissão do sr. Deputado me dispensa ainda de não entrar em mittuciosos detalhes tem debites a demonstrar, que a Commissão não tem muito em vista os verdadeiros principios do systema representativo.

Outro illustre membro da Commissão disse, que não será possivel alcançar a paz interior, senão á vista d'uma lei fundamental, que reuna das condições; primeira, que a Constituição venha a ser a area da aliança, aonde possam abrigar-se todos os filhos da familia portugueza; (apoiado, apoiado) e que para tal se conseguir, é necessario que a Constituição não seja exclusiva, e que possa satisfazer o maior numero da exigencias, e attrahir o maior numero de sympathias (apoiado, apoiado): apoiado dizem os Srs. Deputados; e quem poderá deixar d'assim o dizer: eu tambem sou assistido d'iguaes sentimentos, e póde, além disto, o Sr. Deputados; a quem poderá deixar d'assim o dizer: eu tambem sou assistido d'iguaes sentimentos, e póde, além disto, o Sr. Deputado, a quem me refiro, Ter a certeza de que tambem respeito a sua opinião; mas que igualmente nque ella, eu estou decidido a votar pela minha; e temo mais, porque tenho a fortuna de ir d´accordo com o sentimento da maioria da Nação. Como póde o Sr. Deputado julgar-se authorisado a suppôr, e a declarar, que o projecto é tendente a conseguir tão louvavel, e desejado fim, quando o mesmo projecto está em opposição com os factos, que fallam mais alto que todos os argumentos, e declarações?.... Uma lei fundamental, igual ao menos, nos pontos essenciais ao projecto tinha a Nação na Carta Constitucional; e que fez a nação? Declaram que só a Constituição de 1822 podia satisfaze-la. E o que fez Sua Magestade? Acceitou essa mesma Constituição. Não só os Srs. Ministros, não são a maior parte dos Srs. Deputados os que mil vezes tem sustentado, e levantado a sua voz neste Congresso para demonstrar que a maioria da Nação, ou a quasi onamiceidade della, applaudio os aconteciemntos de 9 de Setembro? Não vão ainda coherestes, com o que por tantas vezes aqui se tem dito, as immensas representações que as Camaras municipaes, a Guarda Nacional, o Exercito em fim de toda a parte do Reino tem dirigido a Sua Magestade felicitando-a pelos acontecimentos de 9 e 10 de Setembro, e mais ainda pelos de o 5 de Novembro, dias em que o brio portuguez renasceu de abra, sustendo a dignidade, independencia nacional contra filhos illudidos, ou talvez degenerados, e contra as baiomesas estarngeiras são desconhecedoras estão do direito da guerra; que nem em meses quiserem receber o parlamento do povo na noite do dia 4 de Novembro? (Apoiado).

Se o Sr. Deputado quer uma Constituição, que satisfaça o maior numero de exigencias, e sympatias, porque não adoptou, com os seus collegas da Commissão, a Constituição de 22! Acaso se sucedia ella por milagre? Não se tem contra ella tramado noite e dia? E porque existe ella! Existe porque ella tem as sympatias da Nação; (apoiado) existe porque ella tem as sympatias da Nação; (apoiado) existe porque a Nação a quer; (apoiado) existe, em fim, porque é obra do povo; e quando este quer sustentar a sua obra, que forças poderão destrui-la? (Apoiado, apoiado.) A primeira condição que o Sr. Deputado exige, que exista na lei fundamental, só se verifica na Constituição de 1882.

Ainda mais, Sr. Presidente: não sustentou um dos membros da Commissão ha dias (querendo defender os Ministros de certa impuração que se lhes fazia), que se aqui apparecesse um Ministro, que não fosse comprometido nos acontecimentos de 9 de Setembro seria por nós constantemente batido, e que acabaríamos; ter não consenti-lo? (O Sr. Leonel: apoiado, apoiado) Então se o Sr. Deputado diz apoiado, como é que hoje se nos vem apresentar nem projecto de Constituição, que bem longe de ser o desenvo! innercio do pensamento da revolução de 2 de Setembro, é destruidor desse mesmo pensamento?.....

O mesmo illustre Orador, continnou dizendo, que a Segunda condição indispensavel na nossa Constituição, é que ella se assemelhe, quanto possivel, com a daquelles póvos que nos precederam no caminho da liberdade constitucional (Apoiado).

Se tal condição se torna necessaria, não posso descobrir a razão porque a illustre Commissão não foi buscar o modelo á canrara dos Lords em Inglaterra, a qual só represnta interesses, e privilegios de individuos: Se uma

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tal condição é necessaria, não sei ainda a razão porque se não foi buscar o modelo da camara dos Pares de França, a qual não representando cousa alguma, é com tudo um instrumento de que se serve o executivo para conseguir os seus fins? Se a maioria da Commissão se mostra tão apaixonada pelo estrangeirismo, não posso saber o motivo porque nos veio apresentar uma segunda camara de nova invenção, a qual nos faz passar, como já notei, por mais ignorantes á proporção que fôrmos caminhando na estrada da civilisação, e liberdade?

Não seria melhor que a Commissão attendesse a que na formação das leis, e com particularidade da lei fundamental, se deve sempre ter em vista os usos e costumes da nação a que é destinada. (Apoiado, apoiado.) Apoiado? Então porque se não attendeu a que nos felizes tempos da nossa monarchia só tivemos CÔrtes, e Rei; Rei e Côrtes? Não seria melhor que a Commissão encarasse o negocio pelo lado da conveniencia, e que fôsse sim consultar o estrangeiro, não para copiar indistinctamente muitas cousas: mas para tirar vantagem dos erros que por lá observasse? De que tem servido nesses paizes uma segunda camara? Lelam-se os jornaes, e diariamente se verá exclamar contra este corpo inutil, e prejudicial.

O Sr. Deputado disse mais, que os principios da Constituição de 22 já haviam sido experimentados na Peninsula, e qual foi o resultado - exclamou o illustre Orador? - "Aoresco referens." Ora, Sr. Presidente, ha muito por ventura para assim exclamar? Que máos resultados, que horrores, que perseguições cansou e-sa tão contrariada Constituição? (Sussurro.) Ah! Sr. Presidente, horrores, perseguições, é verdade existiram; mas foi quando essa Constituição deixou de governar; quando mãos merilegas a profanaram; quando os braços, a quem a Nação tinha confiado espadas para defende-la, se voltaram contra ella, para destruir a liberdade, e plantar o mais terrivél despotismo; e quando, finalmente, l00$000 francezes entraram na Peninsula para nos algemar, e lançar os ferros! .... (Apoiado, apoiado, apoiado) Horresco referens, e parece-me que tenho mais justo motivo para o dizer! .... O mesmo Sr. Deputado accrescentou que a Constituição uma vez mal succedida nunca mais, póde rehabiliiar-se; se assim é, permitta-me elle que lhe observe, que máo agouro é este para o projecto da Commissão; porque sendo pela maior parte uma cópia fiel da Carta de 26, esta cahiu, e pelo voto da Nação, (note-se bem) e então poderá elle vingar?.... As duas condições, por tanto, que o Sr. Deputado julga indispensaveis na nossa Constituição, não se realisam no projecto, e só se encontram na Constituição de 22, que a Nação proclamou, e que ella quer, e deseja.

Por todas estas razões, e por outras que apresentou o Sr. Coelho de Magalhães, e toa resolvido a votar contra o projecto; ouvirei os Srs. Deputados, e com particularidade os illustres membros da Commissão, e verei se me posso convencer pelas razões que apresentarem, e se devo em tal caso mudar d'opinião; por em quanto voto contra o projecto.

O Sr. Almeida Garrett: - Finalmente, depois de trez mezes de expectação, depois de trez longos mezes de incertesa e anciedade, vamos principiar a cumprir o nosso mandato. (Apoiado) Começâmos tarde, é verdade; mas começámos nobre e dignamente. Nem posso deixar de me congratular com meus illustres collegas, com a Nação portugueza que os escolheu, pela maneira generosa, pela dignidade verdadeiramente senatoria com que esta discussão principiou, unica mas plenaria resposta, com que o Congresso tem confundido as calumnias de seus dectractores, e dos inimigos do povo. Cheio de orgulho por ter meu quinhão, posto que tão minimo, nesta grande gloria, n'esta victoria magnifica sobre todas as paixões e interêsses. eu desafio com vaidade a historia de todos os corpos legislativos, que em parte nenhuma ainda se désse tal documento de uma Camara menos de facção, e de uma Camara aonde mais legitimamente estejam representadas todas as opiniões. Em verdade, Srs., depois que começámos esta discussão, principiei a gloriar-me de ter entrado nesta casa; desde esse dia entendo que tinhamos adquirido direito para sermos respeitados, ouvidos, e obedecidos pela Nação, que aqui nos mandou. En espero, e estou certo, que havemos de seguir da mesma maneira, votando cada um conforme a sua opinião, sem espirito de partido, segundo nossa convicção, mas sem obedecer a influencia alguma estranha, seja ella qual for, e por qualquer modo que se apresente. (Apoiado, apoiado.) Aqui trata-se unicamente uma questão, segundo me persuado; e é: saber se o projecto que a Commissão apresentou a esta Camara está conforme com o programma que a Nação nos deu, e que nós entregámos á Commissão para que o desenvolvesse. Esta é que me parece ser por agora a questão, e nada mais. (Apoiado, apoiado.) Esta questão por tanto quero eu examinar por dous lados. - dous unicos certamente; mas que demandam ambos profundissimo exame. O primeiro expressarei eu assim: O projecto que nos apresentou, a Commissão encerra ou não as cendições de uma verdadeira Constituição livre? E O segundo: O modo de verificar essas condições é ou não conforme com o que a Nação escreveu nas procurações, que nos confiou Absolutamente, e geralmente fallando, estou convencido que o projecto encerra essas condições; assim como tambem o estou, de que ha muitas cousas que lhe faltam e sobejam, e que eu me reservo para cortar ou addicionar em logar opportuno. E começando para primeira parte de meu exame e preva, estabelecerei, como base de todo o argumento, que, na perfeita convicção de minha alma, nenhuma Constituição deste mundo, seja ella qual for, seja redigida por quem for, ou offerecida pelos soberanos ao acceite dos póvos, tu apresentada pelos póvos á acceitação do soberano, nenhuma Constituição neste mundo póde ser feita por ninguem A Constituição de um paiz existe nelle pelos principios e pelos factos. Pelos principios, absolutamente coexiste com a sociedade; estado natural do homem: pelos factos contraccioanalmente, pelo modo com que esses factos tem modificado os principios em tal, ou tal povo. Mas os principios são inalteraveis; são (e estes é que o são) de direito divino: os factos só constituem direito, em quanto sómente modificarem e não alterarem aquelles. Qual é pois a missão do legislador humano? O que resta a fazer ao mero redactor das Constituições dos homens? Prestar homenagem aos principios, fazendo solemne declaração e profissão delles; examinar escrupulosamente os factos, respeitar e consagrar aquelles que não desviam dos principios; e fazendo recta applicação de uns a outros, organisar o Estado de maneira, que sem repugnar aos habitos rectos, aos usos innocentes dos póvos, a doutrina fique todavia salva, e o direito incolume.

O direito, que nasceu com o homem, é o de ser feliz; o de ser livre é condicção daquelle; o de ser igual deriva de ambos. (Apoiado.)

Todo isto só póde verificar-se no estado natural do homem, a sociedade; e os modos de o verificar, para que não sejam vãos e nullus, hão de forçosamente ser acomodados aos usos, aos costumes, e ao estado de civilisação do paiz que se constitue. (Apoiado, apoiado.) Porque, embora. - Eu não sou retroactor, e protesto, Srs., que o tenho provado toda a minha fraca vida, e hei de continuar a prova-lo! - Mas embora uma Constituição se escreva n'um papel, embora as maiores sommas de liberdade se ponham nesse papel, se a Constituição escripta não for acomodada na prática aos usos e costumes dos póvos, a Constituição ha de ficar no papel. (Apoiado, apoiado.) Forçosamente na de vir a cair pela falta de força dos governados, para reagir legalmente contra os governantes que lha hão de entorpecer, peia falta de força dos governantes para resistir legalmente ás repugnancias dos governados que a hão de annular,

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Neste desgraçado paiz já temos tido sobejas demonstrações desta minha thcoria. (Apoiado, apoiado.) Eu não quero atacar opinião alguma, combater nenhum credo politico. Tomára concilia-los todos. Tomára chamar aqui todas as opiniões portuguezas, ainda as mais erradas, ou que em meu conceito o são - á celebração solemne deste pacto de familia! (Apoiado.) Maldita é a espada de quem vence em taes questões! Bemdita a persuação que convence! Por mim só desejo fallar á consciencia do homem de bem em todos os partidos; não quero nada com as paixões de nenhum; appello para a razão de todos. Daria a melhor parte do meu rangue pelos convencer. Faria gostoso o sacrificio da minha vida, porque nunca mais seja possivel que uns nos vençamos nos outros. Sim, digo, appello para a convicção intima do democrata puro. (Se taes os temos, que não creio.) - Do proprio realista absoluto; dos mesmos fautores de uma dynastia que eu reputo illegitima! Quero appellar para a consciencia do homem religioso, invocar até os mesmos preconceitos do homem fanatico. Tomará en ouvir e fallar com todas as consciencias, por mais erradas que me pareçam. O que eu desejára, é que os homens de todas as convicções se unissem para discutir; que todos os partidos de Portugal ao acceitassem esta arêna como unica; que tomassem seus campeões este nobre campo que tão cavalheiramente lhes mantém a Nação, como unico em que se póde combater. Discordam de nós? Venham guerrear-nos aqui. Acham fracas nossas rasões, falsos nossos principios? Venham aqui destrui-los, vencer-nos aqui. Nem o povo de Portugal quer outra cousa. Nem, em sua admiravel sabedoria, em uma nunca vista prudencia, outra cousa quiz este povo - modello, quando tão espontaneamente baralhou na urna eleitoral todas as opiniões e partidos que a não recusaram.

E não acceitaram o convite do povo! E desnegaram a missão nacional! Renegaram de portuguezes. (Apoiado, apoiado.) Para que? Pejo-me de o dizer. Para adiar a questão, da tribuna para as ruas, do parlamento para a praça...... E nem isso -vergonha! - Nem isso. Exceptuaram da competencia do fôro nacional para os couscreatorios estrangeiras! Dos debates patentes, do jaiso publico, e feito á face do céo, e em pleno dia - para as tenebrosas intrigas da noite, para os colluios dos fracos - para as tredoras machinações dos covardes. (Apoiado unanime) Deshonrá-lhes seja! E nenhuma deshonra politica maior póde cair sobre o mais illustre e insigne caracter politico!

Tendes confiança em vossa causa? Para que a abandonais! Credes na justiça della? Sustentai-a como homens de bem! Como cidadãos. Se fôreis vencidos, ainda o sereis com gloria. Se perder-des tudo, ficar-vos-ha a honra.

Assim, escondidos pelas tocas de vossas torpes conspirações - o braço fraco para a espada - a lingua forte para a calumnia, (apoiado, apoiado) - com corações de anão para sustentar projectos de gigante - em que conta quereis, que vos tenha o povo?

Despreza-vos. E se alguma cousa havia bom em vossas opiniões, se alguma cousa de são em vossos principios - até esses calumniaes! (Apoiado, apoiado.)

Por esta occasião, e antes de passar mais adiante, quero prestar meus justos tributos de louvar aos campeões das opiniões mais oppostas, que se tem apresentado nesta discussão; aos que querem sustentar, sem modificar, a abstracta utopia da organisação politica de 1822. (que em minha opinião não é defeituosa; mas impraticavel) assim como aos que sustentam intacta a organisação da Constituição de 26 (em minha opinião ainda muito defeituosa; porém mais praticavel) (Apoiado.) Mas é nobre, mas é generoso advogar a causa de um partido vencido; e não é menos nobre, nem menos generosa a attenção, o silencio respeitoso, com que são escutados os oradores, que a advogam; e a moderação, a tranquillidade e presença de espirito, com que se lhes responde. Uma Constituição, disse eu, (e foi interrompido por idéas, que me ferviam na cabeça) uma Constituição, não póde ser feita pelos homens; porque foi feita por Deus, quando nos pôz na sociedade, como condicção da nossa existencia: esta Constituição é innata com o homem, coeva com a sociedade. O vassalo da Sublime Porta, que não gosa direitos nenhuns politicos, que não tem garantias individuaes, não deixa por isso de ser naturalmente tão livre, como nós. Ahi os factos absurdos dos homens, alteraram os principios, não os destruiram, que não pódem. Esse é um estado anormal; não se póde argumentar d'elle.

Não ha senão uma fórma normal de Governo, que é o livre: tudo o mais são, ou accidentes, que só o modificam sem o alterar, ou aberrações, que o desnaturam. Onde ellas pódem tanto, já não ha senão despotismo; e despotismo não é Governo. (Apoiado.) D'aqui por diante começam tambem os accidentes do despotismo, e da escravidão sua consequencia. E o despotismo de um só, chamamos a esse accidente tyrannia; é de uns poucos, chama-se o accidente oligarchia (vulgarmente se diz, e com impropriedade, aristocracia): é o despotismo das massas, diz-se demagogia. Por outras palavras: onde quer que a Constituição escripta ou tradiccional, oh mixta (segundo o são quasi todas) não conbina, equilibrando-as, a acção da vontade geral(a democracia) com a execução de um só (a monarchia) com a reflexão dos mais experimentados, e melhores (a aristocracia), segundo são os elementos indistructiveis da sociedade, qual a creou Deus, quando creou o homem; a Constituição não é normal, e ha despotismo, de um, de uns poucos, de muitos. E as mais das vezes, segue-se uma perenne successão de despotismos, não só das tres especies puras, mas de suas infinitas, e hybridas combinações.

E por outro lado agora, onde quer que a Constituição escripta, embora combine rectamente os elementos sociaes, todavia nas fórmulas, e modificações repugna aos factos, isto é, aos habitos, circumstancias, e modo especial de ser do povo para quem é feita, a Constituição é absurda, repugnante, e impraticavel. Segue-se crise politica; e ou se reverte a melhor methodo, ou se cai no mesmo, o despotismo de uma, de muitas, de todas as fórmas.

Principios destes. não sei como se possam combater: e não espero, que o pretenda ninguem.

Appliquemo-los á nossa hypothese. Ha pois, em toda a Constituição effectivamente duas partes; uma é a declaração dos direitos, que nenhum legislador homem, dá ou concede, e que não faz mais do que reconhecer, e declarar; a outra parte, que é o modo de effectuar o exercicio desses direitos, é onde entra a obra do legislador humano; e a sua obra será boa ou má, segundo aquelles principios ficarem, ou não illesos. Na primeira parte, não podia a Commissão fazer bem, nem mal. e a este respeito estou persuadido, que o projecto em discussão contém tudo o que é necessario. O unico ponto em que póde haver questão, é a segunda parte; isto é, sobre a maneira de regular o exercicio dos direitos, e a segurança das garantias politicas, e individuaes. Eu vou examinar em geral, se o projecto prehenche, ou não estes fins, e se por tanto deve ser, ou não approvado por esta consideração, e quanto ao direito summo, inalteravel, e immodificavel. Examinarei depois, quanto aos factos, e accidentes se elle está conforme com as nossas procurações; porque não estava na mão da Commissão alterar aquillo, que nós mesmos não tinhamos authoridade de fazer de outro modo.

Disse, que em uma parte da Constituição não podia-mos nós tocar, e que a respeito d'ella a unica cousa, que nos cumpria, era declarar. Em qualquer parte onde o legislador se apartou de principios de que se não polia apartar, ou os declarou de modo differente do que devia, fallam á sociedade as condicções de existencia, definha mais ou menos rapidamente, e perece por fim.

As chamadas fórmas de Governo, com que, e impropriamente se chama a um estado republica, a outro monarchia,

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não meros accidentes, e menos que accidentes; são nomes, são obloquios vulgares. Em todo o estado normal ha republica, ou cousa publica; ha monarchia, ou Governo de um só. Mas a questão é indifferente para o meu ponto. Não distingo nem na theoria, não sei distinguir, monarchia, de republica; porque não sei qual é a verdadeira significação destas palavras. Não ha, repito, senão uma especie de Governo rigorosamente tal. E repito, tambem, que onde quer que o Governo se affasta dos principios, que constituem um Governo livre, isto é, um Governo normal, a sociedade deixa de ter as condicções de existencia, e ha de perecer. Não ha meio termo, ou governar homens livres, ou açaimar escravos. Neste ultimo caso o Governo não é Governo, que não ha Governo de escravidão. Isso são senhores, e servos, e ahi não entram regras, nem principios. Os governos dos povos antigos, (que tantas vezes se citam mal a proposito; mas que neste caso tanto convém citar) variavam de nome, não de fórma e essencia. Sparta, que muita gente cuida, que era republica, não era senão uma mornarchia irregular, uma oligarchia verdadeira. Athenas, menos livre que Sparta, chamava-se republica, e não o era: Veneza, ainda muito menos livre do que os Estados da antiga Grecia, era uma oligarchia como as outras. Que se observa nessas, e em todas as outras constituições defeituosas? Desvios da regra geral; observações, que se fizeram dos principios constitutivos, que não estava na mão do legislador moderar; desvios, que onde existem, deixa de existir o Governo possivel, que é o que reune as condicções de fazer os povos livres, e felizes.

O amor da existencia, a tenacidade de viver que tem os corpos collectivos, assim como os individuos, faz que os defeitos de organisação social são ás vezes suppridos por um remedio espontaneo, por uma deviação tambem anormal, mas que deixa viver: assim acontece nos corpos physicos, com os defeitos organicos que estão minando a vida, mas que a não terminam logo. Mas será existencia não é normal, não se exercem todas as funcções do corpo; e a vida é imperfeita. Do mesmo modo, se na formação dos corpos politicos, faltou um principio de organisação, não se preenchem todas as funcções indispensaveis, existe-se mal, e morre-se depressa.

Vamos a exemplos. - Roma começou por uma monarchia aristocratica; a sua constituição não tinha as condições de existencia, porque faltava o principio ou elemento democratico, e faltava mais; o equilibrio ou moderação de todos. Qual foi a consequencia? Cresceu de mais a aristocracia, luctou braço a braço com a monarchia, e destrui-se. Mas a democracia foi vindo de persi, e introduzindo-se na constituição, sem que ninguem a chama-se. Defenderam-lho, disputaram-lho: admittiram-na em fim: mas annullado já o principio monarchico, forçosamente os dous restantes ficavam desequilibrados. D'ahi travou Incta aberta das exigencias demagogicas com as ambições oligarchicas até que chegou o despotismo. - Aqui está a historia de Roma, em tres palavras. (Apoiado.)

Que succedeu com um povo, cuja historia é dos mais inportantes exemplares para estudar, com o povo judaico? Primeiro, aristrocracia patriarchal; depois, reacção dos sacerdotes contra esta fórma; estabelecimento da theocracia, governo absurdo, impossivel, e que tanto opprimiu aquelle povo, que appellou para a monarchia. Veio a monarchia, e devorou o povo, como acontece todas as vezes que ella vem só, todas as vezes que o povo é obrigado a appellar para ella dos abusos dos outros elementos. (Apoiado, apoiado.)

Mas deixemos em repouso as cinzas das nações defuntas. Interroguemos os vivos, que tão mal vivem. Que aconteceu em Dinamarca? Os mesmos conflictos da democracia com a aristocracia; e por sua consequencia inevitavel, o despotismo. A tendencia á aristocracia (digamo-lo de parenthesis) é um vicio, que está na natureza do homem; é uma tendencia a preponderar que está em seu coração: fatal defeito nosso com que nascemos, e morremos. Extirpa-lo, é impossivel: modifica-lo, e dar-lhe boa tendencia, sabemos que se póde. Não ha remedio senão tolera-lo, assim como não ha remedio senão tolerar muitos outros inconvenientes da nossa organisação. E que deve fazer o legislador? Moderar esse vicio, voltar, quanto possa, os proprios defeitos em utilidade; finalmente fazer, já que os não póde destruir, que elles causem o menos mal possivel; dar-lhe rumo para o bem. Desarreiga-los, não é dado ao homem: oxalá que o fòra! - Os ultimos tempos de Roma. antes do puro, e simples absolutismo, foram uma serie de cruas guerras, entre a democracia, e a aristocracia: horrorisam ainda hoje os nomes de Mario, e Scylla, representantes, um das pretenções aristocraticas, outro das invasões demagogicas. Pois essa lucta ha de existir, em quanto houver sociedade; ha de-se combater sempre assim, como em combates de féras, em quanto Mario fòr tão louco quê queira destruir Scylla, ou Scylla tão absurdo que pretenda aniquilar Mario. Era preciso, para que assim não fòsse, que se alterasse a natureza do homem. E necessario um milagre. Não sômos nós capazes de o fazer. Appellêmos para o Creador, que nos volva a crear de novo. Em quanto este portento se não fizer, ha de existir aquelle mal. Demonstrado que este mal é irremediavel, trataram os legisladores de impedir, ou minorar o desequilibrio terrivel, que sempre ha de existir na superioridade do nascimento, dos talentos, da riqueza, da educação, e das forças physicas: - porque tudo isto é aristocracia. E saiba que é um miseravel ignorante, o que julga aristocracia, sómente a aristocracia de nascimento. (Apoiado.) Aristocracia, ainda acommodando-nos ao senso vulgar da palavra, é a differença que ha entre a somma das capacidades ordinarias comparadas com a de certas capacidades maiores. Estas pretendem, o hão de eternamente pretender contar por qualidades e valóres, aquellas por numeros.

Rectificar estas pretenções, e impedir que a questão se decida ás estocadas, é possivel. Evitar a questão, nunca. Nenhuma constituição o fez ainda, nenhuma o ha de fazer. (Apoiado.) Se se abrirem as paginas da historia do mundo, unico livro em que sei estudar politica, (apoiado) não se ha de ver outra cousa desde o nascimento das nações, até á sua destruição, ou incorporação em outras. Para corrigir este vicio, que desde que o mundo é mundo tem existido, para neutralisar, quanto é possivel, o bem com o mal, para impedir que a exorbitancia de uma força destrua a outra, é que progressivamente se formou o systema com que hoje vive a liberdade. Não o imaginou nenhum philosopho, não o escreveu nenhum jurisconsulto, não o constituiu nenhum legislador. Foi a experiencia dos póvos, ensinados á custa de grandes desgraças, que pouco a pouco foram descobrindo os meios de os evitar. Esta somma de experiencia veio por fim de seculos a formar um systema de governo, a que se chama hoje systema representativo. Não nasceu perfeito, nem talvez agora o seja ainda; mas tem já a vantagem de ter adquirido seu desenvolvimento á custa de muitissimas experiencias, e das indiziveis calamidades de muitissimos póvos, que uns aos outros foram ensinando os meios de evitar os males que padeceram, a fim de obterem, não um governo perfeito, que nunca o ha de haver, mas o menos pesado; é o mais estavel Depois de longas guerras estrangeiras, e civis; depois de longos debates nas tribunas, e nos campos; depois de funestissimas experiencias acompanhadas de terriveis males, chegámos em fim a conhecer que não ha senão um systema representativo, unico, e indestructivel; assim como é inalteravel. Este é o que contém quatro principios que formam a base de toda a organisação politica. Por minha parte estou tão convencido desta doutrina, como estou de que existo. E a sua demonstração parece-me tão facil, de tão simples intuição, como a das mais simples verdades da mechanica terrestre.

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Tres destes principios são ha muito conhecidos; e escusada quasi que é até a simples enumeração commum, e sabida de legislativo, executivo, e judicial. Falta o quarto principio; principio que, particularmente ha quinze annos a esta parte, tem sido objecto de grandes debates; que longo tempo foi desconhecido, e ultimamente mal applicado, e incerto: é o principio moderador, principio que existe, e co-existe com os outros; sem o qual elles são impossiveis, impraticaveis, e sem o qual a acção de cada um seria constantemente entorpecida. A questão toda está em saber a quem, e como se ha de dar a exercer esse principio moderador: creou-se para elle um poder distincto; e deu-se o poder á Corôa.

Todos sabem, que esta é creação de um illustre publicista, e patriota, Benjamin Constant. Foi este methodo adoptado por um grande, e sublime legislador, o Senhor D. Pedro IV., na sua Carta. A experiencia mostrou que era fatal erro considera-lo um poder; porque o não póde ser; mas não ha de ser erro o considera-lo como um principio, porque o é. (Apoiado, apoiado; viva attenção) Mas a quem se ha de dar? A Carta creou um poder para elle, e errou. A Constituição de 22 não creou nenhum poder para elle, nem o deu a ninguem; e errou (Apoiado, apoiado) Muitos publicistas modernos, e cujos escriptos são posteriores aos de Benjamim Constant, e á promulgação da Carta, quizeram crear um senado, para lhe dar esse poder moderador; outro erro. (Apoiado) O principio moderador não póde ser exercido por ninguem exclusivamente, por nenhum poder unicamente: é preciso, que seja exercido por todos os tres poderes do estado. (Apoiado, apoiado; viva adhesão de todos os lados.) A questão toda está em o repartir por estes tres poderes na proporção devida, e segundo o que cada um delles tem do funccionar no estado; e no attribuir se-lhes aquella parte de principio moderador, que elles mutua, e reciprocamente devem exercer uns sobre outros; sem o que não póde haver Constituição fixa, nem independencia de poderes, nem liberdade. (Apoiado, apoiado; grandes movimentos de applauso)

Da ignorancia deste principio moderador, e de sua não applicação ao recto equilibramento dos poderes politicos, veio a ruina da maior parte dos estados livres. Da mesma ignorancia derivaram em França as ridiculas, e sanguinosas questões do veto. Veto é um absurdo. Em mal nos veio este latim polaco, para termos mais uma palavra em que renhir; como se já não houvera tantas. Isso que chamam veto é uma parte do principio moderador, que tanto compete ao rei, como ás côrtes, como ao povo. Se aqui vier um projecto de constituição, em que se dê o veto ao poder executivo, hei de votar contra elle; mas se vier uma constituição, que não dê o veto a todos os poderes uns sobre outros, hei de tambem votar contra ella. (Apoiado) Mas dirão; e a independencia desses poderes? O principio moderador, e a parte delle com que cada um fôr dotado, é que é a mais segura garantia da independencia desses poderes. Onde iria a independencia do poder judiciario, senão tivesse um veto na sua mão, para resistir ás exorbitações constantes do poder executivo, e do legislativo ás vezes? Onde iria a independencia do poder executivo, senão tivesse na mão o veto, para resistir aos invahimentos do poder legislativo, e do judiciario tambem? Porque o poder judiciario muitas vezes tem exorbitado, muitas vezes tem pretendido á tyrannia; e se ha algum paiz no mundo, que seja o documento do quanto o poder judiciario tende ao despotismo, e de que chegando-o a usurpar, é o mais tirannico dos usurpadores, é Portugal esse paiz, que em nenhum outro a desembargocracia forcejou mais teimosa, luctou mais valente, por usurpar os direitos da Corôa, os do povo, e os de todos os poderes do estado. Logo todos os poderes precisam de ser moderadores, e elles deixariam de existir, senão tivessem na sua mão a força de resistir. Este é um principio verdadeiro, necessario, vivificante, inercado, e incorporeo. Protestando contra toda idéa de desacato, e profanação, conhecendo quão pouco é licito comparar cousas profanas ás sagradas, permitta-se-me todavia, por força de necessidade, usar de uma comparação, que talvez fará rir a meus illustres collegas; mas que me não faz rir a mim, porque respeito de convicção o que digo, e digo do coração o que penso. O principio moderador é o espirito santo da liberdade, do recto governo. O principio moderador é aquella cousa increada, e incorporea, que não existe por si; mas que existe em todos: é uma substancia subtil, e imperceptivel, que anda de poder em poder, que gira de authoridade suprema em authoridade suprema do estado, que não é elle poder, nem authoridade; mas sem o qual essas authoridades não existiriam; assim como os theologos dizem, que sem o Espirito Santo não existiria o poder de Deos. Todas estas theorias, que eu tenho procurado fazer as mais simples, e intelligiveis possivel, não porque assim fôsse necessario para as fazer entendidas, e gostadas pelos meus illustres collegas; mas para que fóra d'aqui ellas sejam percebidas por todo o mundo; estas theorias, repito, e agora me explico, são independentes do nome, que se dá ao governo, e tão necessariamente são applicaveis a uma chamada republica, ao governo dos Estados Unidos da America do Norte, como a uma monarchia antiga como a nossa; e tão necessarias são aqui como tá.

O accidente de se chamar monarchia, ou republica, que é um mero, e absoluto accidente, não póde senão modificar as fórmas exteriores; quero dizer, a maneira por que um dos poderes falla, ou se expressa com outro, nunca a maneira por que obra O poder legislativo, e o judiciario funccionam do mesmo modo no paiz, cujo chefe é um presidente electivo, como n'outro cujo chefe é um principe hereditario. As unicas distincções, que a prática tem estabelecido entre um paiz, e outro são simplesmente de formalidade, ou para me explicar convenientemente, de polidez, e civilidade social, e nada mais. Os accidentes das localidades, os moraes da historia, e usos desses paizes, modificam tambem as fórmas: mas modificam de palavras, e nada mais. Um plantador, um lavrador da Carolina do Sul, que vem para o senado dos Estados Unidos da America, é um potentado desmesuradamente maior, que um duque portugnez. Um duque portuguez é uma insignificante, e miseravel cousa á vista de um proprietario, que o é de seis, ou sete mil escravos; que tem dez, ou doze mil colonos debaixo de suas ordens, que é o senhor absoluto de vinte, e quarenta mil geiras de terra. O que é um triste duque portuguez á vista disto ? Aonde está a comparação dos factos? Em que está o aristocrata portuguez acima do aristocrata americano? Que lhe fica? Um mero nome, uma civilidade, que os nossos costumes hão de favorecer longamente, e que se a abolirmos será logo substituida por outra. Apello para toda a historia antiga, e moderna. Deixemos porém esta reflexão de incidente, e que eu poderia estender bem longe; e continuemos em minha demonstração principal.

O que tenho desenvolvido não são theorias abstractas. Uma por uma, consultadas as constituições de todos os póvos civilisados, são demonstrações práticas da verdade, que sustento. Aonde a constituição escripta, ou tradicional se affasta do typo primitivo, e eterno, qual o desenhei, não ha liberdade: ha-a mais, ou menos, segundo mais, ou menos se aproxima da inalteravel constituição primitiva, que vem de Deos. Qual tem sido a sorte da liberdade na Suecia, o paiz mais antigamente livre de toda a Europa? Ainda antes que se começasse a revolução de Inglaterra, no seculo 17.º, já a Suecia, por causa de imperfeições constitucionaes, tinha começado a sua. E qual é a constituição deste paiz? O seu corpo legislativo dividido em quatro camaras, em que a aristocracia das classes combate a seu modo uma com outra, lucta com a corôa dentro da arena legal; mas já não precisam revoluções, desde que o principio moderador se distribuiu melhor. A Suecia tem o nome de monarchia; mas em

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que differe o seu governo da uma verdadeira republica aristocratico-democratica, como é a dos estados-unidos? Qual é a constituição de Dinamarca? A Dinamarca, Srs., gosava de uma constituição representativa, liberal, em que a democracia tinha força respeitavel, mas os seus erros fizeram com que a aristocracia lh'a tirasse; e falhando o equilibrio, porque o principio moderador estava desarmado, e desattendido, viu-se o povo obrigado a pegar na carta de suas liberdades, e mette-la debaixo dos pés do rei, para se livrar da aristocracia. O que succedeu em tantos outros estados do Norte? E quasi a mesma historia.

Examinemos agora outro paiz em circumstancias diametralmente oppostas. O que succede actualmente na Prussia? Que tambem é governo livre a Prussia! Composta de tão differentes provincias, com diversas linguagens oppostas opiniões, credos, e historias! Não se pôde ainda constituir em uma sô republica, vai-se formando gradualmente em representações provinciaes. Não chegou ainda ao estado normal; mas tende para elle, porque aos conselhos do governo da Prussia preside a sabedoria, e o conhecimento das cousas, uma tal sciencia dos factos, que apezar de ser predominado por uma tendencia fortemente despotica, é tal o respeito, a contemplação, que se tem tido com os factos, que elles tem triunfado daquella mesma tendencia. O governo tem ido creando-o elemento democratico, que era fraco, equilibrando-o com a aristocracia; e o recto estado normal ha de vir com o tempo. Attender aos factos, modifica-los, vêr o que é, e o que póde ser cada povo, é tudo.

Que é o governo da Hungria? Uma Constituição puramente aristocratica. Alli não ha representação democratica; e porque? Porque o facto é esse; porque lá não ha povo. Hungria é um paiz unico na terra. Alli os conquistadores redusiram de tal modo os povos conquistados, que elles deixaram de ser povos; crearam-se uma aristocracia extraordinaria, e unica no mundo, dentro da qual ha gráos, e differenças; mas são elles o só elemento social. A consequencia é, que a aristocracia está só, e em luta constante com a monarchia; e ha de lutar em quanto um ao outro não chamarem a si a democracia; creando-a, que tanto é mister. Este estado de guerra ha de sempre existir aonde só dois elementos sociaes dividirem entre si os poderes politicos. Ou o estado se destroe, ou ha de vir um terceiro, que os equilibre; e assim se estabeleça entre elles o principio moderador, que reciprocamente exerça o veto de uns sobre os outros.

Venho pela ordem geografica, a uma provincia da Europa, que conheço particularmente, cujas instituições muitas vezes tem sido aqui invocadas; mas que, perdoem-me o dize-lo, são pouco conhecidas geralmente. Quero fallar da Belgia, paiz de uma existencia especialissima, que é preciso estudar muito tempo para conhecer, de um modo de ser tão único, que não se parece com nenhum outro paiz no estado normal. Tem a Belgia uma Constituição escripta, em que o povo é largamente dotado no papel; tem uma Constituição escripta em que o Rei é largamente dotado no papel; a aristocracia é considerada, mas sujeita á acção popular. Mas tudo isto é apparente, e vão: ha um principio sendo que governa o paiz é a theocracia: factos absurdos triumpham das leis: e as mais energicas instituições populares são annuladas pelo mais absurdo genero de oligarchia que se póde conceber a oligarchia sacerdotal.

O que é a Hollanda? Outro governo sui generis: é um governo federativo, de communes, de camaras municipaes; e no centro dellas está el-rei absoluto, com um nome supposto de constitucional; porque tiveram a imprudencia os representantes do povo de deixar fraccionar a authoridade popular pelos municipios, e que lhes deixaram tanta auctoridade, que quando quiseram dotar os poderes supremos, não houve que lhes dar; e a consequencia foi, que o rei ficou reinando á vontade: divide ut imperes.

Ponderemos que senão deve appellar para constituições escriptas que enganam a quem no seu gabinete as estuda, porque na prática são o contrario do que parecem lidas. Toda a vez que a constituição escripta, discordar sensivelmente da constituição dos factos do paiz, torna-se impraticavel. Isto succede na Belgia,
e na Hollanda, paizes que profundamente estudei; isto succede em muitos outros, que pessoalmente não examinei, mas que o testemunho de tantos publicistas illustres, de tantos observadores mais illustrados que eu, assim apresenta.

Vejamos a Inglaterra, esse governo sempre citado, sempre imitado por quasi todos os povos que querem ser livres. A Inglaterra passou de um estado quasi anormal, porque excessivamente aristocratico, a uma existencia muito mais regular. O principio democratico tomou o seu logar na Constituição ingleza ha cinco annos a esta parte. E todavia as fórmas exteriores de civilidade, e cumprimento, são tão excessivamente monarchicas, que muitas vezes repugnam a nossos ouvidos ciosos, e recusariam nossas bocas livres pronuncia-las. Mas o equilibrio é perfeito. A corôa respeitada, e rodeada de cortejos e homenagens, é todavia impotente para mal fazer.

E a aristocracia tem de se contentar com suas reminiscencias, com os monumentos saxonios, e normandos, de suas quintas e castellos; com o resplandor que ainda ao sol posto reflecte nas pintadas vidraças de uma antiga cathedral, sobre os variegados quarteis de seus escudos. Hoje o principio moderador está bem destribuido. N'outro tempo a aristocracia, mais forte, opprimia o estado - as reacções demagogicas foram tremendas. Com o equilibrio dos poderes veio a paz, e a ordem. - Em França temos pelo contrario uma democracia absurda, com uma monarchia inintelligivel. O povo quiz reformar a constituição, e os seus mandatarios abusaram da confiança do povo, cederam ás paixões do momento, e fizeram aquella constituição, que é a norma de todas as constituições absurdas do mundo, objecto de escarneo e odio para os governos absolutos, e de vergonha para os povos livres. Eis aqui o que é a famosa constituição franceza, rapsodia politica, sem nexo, nem base, e onde o principio moderador, o principio conservador não foi repartido sem paixão; não se dotaram com elle os poderes do estado, para que cada um podesse conter ao outro. D'ahi a continua guerra em que anda governo e povo. Os Estados-Unidos são modelo, na maior parte, de suas instituições; mas que eu desejaria imitar com juizo, e não como nesta malfadada terra se imitam sempre, - macaqueiam-se antes - as instituições alheias: porque, dizer, como dizem ha seis annos as nossas leis, haverão tantos juizes, haverão tantos prefeitos, haverão tantos conselheiros (insultando todo o senso commum, até o da lingua portugueza, em que o verbo haver não tem plural neste sentido) a nada disto dar fórma, nem regimento, nem nexo - é querer eternisar a desorganisação, e por consequencia a revolução; é cometter o maior dos absurdos politicos.

A constituição dos Estados-Unidos, Senhores, não é applicavel a qualquer paiz: aquella é uma sociedade de sociedades; a sua constituição, uma constituição de constituições. As suas theses devemos querê-las, que são as de um bom governo, sem duvida. As suas hypotheses são outras, e outra deve ser a applicação que lhe dêmos. Em occasião opportuna eu hei de mostrar ao Congresso, que todas as constituições dos diversos Estados da União ( e cada um delles tem a sua constituição especial) repousam toda via, nos mesmos principios; tem os mesmos poderes politicos, que ha pouco mostrei necessarios em toda e qualquer constituição.

Direi desde já toda via em somma, que a legislatura geral da federação americana, tem um unico poder executivo; um poder legislativo com duas instancias; e que lá, e por aquelles ciosos republicanos, a segunda instancia é considerada uma garantia, que não uma coartação de li-

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verdade. - Que o veio está no poder judicial, principalmente - mas na sua generalidade, por todos os poderes distribuido.

Taes são, Senhores, os factos, isto é, taes são os diversos modos, porque mais ou menos rectamente teem sido applicados ás hypoteses sociaes as inalteraveis e eternas theses ou principios do governo representativo, que, segundo já disse, é um é unico. Meditemo-las, que desta meditação se ha de colher grande fructo. Nenhum destes governos proponho para modelo; todos sim; no mais defeituoso ha que aprender.

Mas assentes aquellas bases sobre as quaes não julgo poder disputar-se: examinemos o que sobre ellas, e com nossas materiaes Portuguezes podêmos construir. - Teremos já se vê, o poder legislativo - Isto é a vontade nacional - a delegação encarregada do a declarar. Não ha mister demonstrar que em tal poder só póde ser exercido pelos Representantes do Povo. Mas será este rigor de principios sómente applicavel ao poder legislativo? Não por certo. Todas quantas funcções do estado não são exercidas pela nação, todas se exercem por delegação. E seria rediculamente absurda a constituição que não declarasse Representante do Povo, o chefe do poder executivo, e ou esse poder seria nullo, ou o Povo escravo. (Apoiado, apoiado.) Toda a authoridade que não dimana do Povo, é nulla, é absurda. Mas porque este principio é verdadeiro, não se segue que não haja senão um methodo do delegar a authoridade nacional. Deste ponto, em melhor logar trataremos com mais largueza.

Vejâmos agora como deve ser organisado o nosso poder legislativo. Eu digo, que para dar garantias effectivas de liberdade e acêrto, é preciso que tenha duas instancias.. Queremos appellação o aggravo; queremos usar de todos os recursos em demanda tão importante. Desgraçado aquelle paiz cujos Representantes convocados em uma só reunião, fôssem investidos do tremendo direito de decidir sem appelação um aggravo de todos os pontos legislativos. Iria logo direito ao despotismo. Quando muito, faria antes o rodeio da anarchia, para cahir mais seguro ainda no despotismo. (Apoiado.) Se me poderem provar que duas instancias no legislativo (assim como no judicial) se não são uma garantia para o Povo, eu hei de votar pela unidade de legislatura. Mas em quanto se me não mostrar, bei de considera-la sempre como tal, hei de sustenta-la em nome do Povo, para quem é, para cujo bem a peço, e a favor de cujos direitos a reclamo. (Apoiado, apoiado.)

Em nossos dias, Senhores, muitos Póvos se teem constituido com a espada na mão, e sobre o campo da victoria. Livre, independentemente o fizeram. Nenhum delles ainda quiz constituir-se com uma só instancia legislativa. (Apoiado.) Todos conheceram, que por tal methodo as leis não podiam ser bem feitas. E um poder absoluto, tende simultaneamente á anarchia, e ao despotismo; nenhum Povo sabio, nenhum Povo illustrado quiz já mais similhante monstruosidade. A França quando principiou a estabelecer a sua liberdade, constituiu (é verdade) o seu poder legislativo em uma só instancia. O Povo francez era infante na liberdade, e ainda assim foi forçado a cometter esse absurdo pela absurda resistencia da aristocracia sacerdotal, e do nascimento.

Estas cegas classes, ignorando a sua missão, renegando-a, quizeram afastar-se do povo; e então do povo não restou mais senão dizer: afastaivos embora, e nós legislaremos: (apoiado). O povo foi forçado a este erro: mas oSo deixou por isso de commetter uma falta grave, e peta qual foi severa, cruamente punido. Uma assembléia creada despotica a absoluta, irresponsável, foi o que não podia deixar de ser - o mais cruel tiranno que nunca teve a França. Desde então para cá é passado quasi meio seculo, tem havido um sem numero de revoluções em França. tem havido um sem numero de Constituições escriptos, e ainda se não estabeleceu o poder legislativo com Unia só instancia; tal foi o medo, e horror com que o povo francez ficou á unidade da legislatura! (Apoiado, apoiado.) Este é um facto que falla volumes. E a França e o typo revolucionario, o typo liberal, o typo do progresso; é o paiz aonde nasceu, onde ainda se crê no absurdo de que o homem é susceptivel de chegar á perfeição! (Apoiado.) Em Inglaterra aonde tem havido sempre duas instancias, (mal organisada a segunda; mas isso é outra questão) quando é que excepcionalmente só houve uma Camara unica? No tempo de Cromwel! Isto é que são argumentos, Srs., porque são tirados da experiencia, que de tudo é mestra e sobre tudo de politica! (apoiado.) Que succedeu á nossa visinha Hespanha quando infante e ignorante da liberdade pela primeira vez se constituiu? Preocupada de uma idéa natural era todos os que teem soffrido e padecido, que é prevenirem-se unicamente contra aquelle inimigo que os fazia soffrer e padecer - sem pensar que podem vir outros muitos inimigos, que tanto ou mais os opprimam, a Hespanha commetteu o mesmo erro. Edificou o baluarte da liberdade sómente do lado da aristocracia - deixou tudo o mais desmurado. (Apoiado.) Eu já aqui disse, e não me importa repeti-lo, que não sou aristocrata, nem por principios, nem por nascimento; devo-me ao povo, cujo sou e hei de ser sempre, e sempre fui. Que diga outro tanto quem de seu passado póde dize-lo !...... que diga outro tanto quem de seu futuro se atreve a promette-lo!..... Aquelle foi sem dúvida o tributo de faltas, que como homens, que eram, tiveram de pagar á humanidade; os illustres authores da Constituição de Cadiz. A grande número d'elles, aos mais distinctos d'ellas, que muitos tenho a honra de conhecer e de ter tratado familiarmente - lh'o ouvi eu com estes ouvidos confessar. Nem deixarei de invocar o testemunho do virtuoso e nobre Arguelles - o mais illibado e virgineo caracter publico da Peninsula; com cuja amisade tanto me desvaneço. Seja embora, me dizem? mas não o entende assim o povo. Façamos-lho entender, que nossa obrigação é: (Apoiado) os representantes do povo são obrigados a estudar a sua causa do mesmo modo que o procurador e advogado estudam a causa do seu cliente: e são obrigados a saber mais da causa dos seus constituintes, do que elles; e ter coragem para lhes dizer quando não teem justiça: vejamos as consequencias que teve em Hespanha a unidade da legislatura. Estabeleceu-se, aliás proclamou-se aquella Constituição na ausencia do Principe chefe do estado á revelia sua, e da monarquia. Voltou o Principe, e o que succedeu? Era uma Camara só, e então se passou aquella vergonhosa historia dos Persas!... Essa Camara unica foi meter a Constituição debaixo dos pez de Fernando, entregou-lha, pediu-lhe formalmente que a destruisse!(Apoiado)Nós tambem já tivemos o Poder legislativo em uma Camara única .... Sei muito bem que não foram sómente os defeito das Constituições de 12, e de 20, que as derribaram: foi o odio dos Governos estrangeiros, e a fraqueza do nosso. É verdade. Mas segue-se d'ahi que ellas se consolidariam, e seriam possiveis?

O argumento não colhe. No pouco tempo que experimentámos a Constituição de 22 o que vimos nós? O poder legislativo estava mal constituido; o governo tornou-se de facção. Não podia deixar de ser. Quem padeceu, foi o povo. Suspenderam-se as garantias, agrilhoou-se a imprensa, a Constituição ficou onde só podia estar - no papel.

Eu podia agora, se fosse menos indulgente com peccados - muitos delles expiados já, - invocar aqui o testemunho de alguns nobres caracteres que estão presentes, e perguntar-lhe se era ou não dominada essa camara unica por uma facção, que se formou em sou seio, que não deixava possibilidade de opposição, de resistencia legal. Vieram as armas da santa alliança, e destruiram a liberdade. Mas a Constituição havia de cahir. Cá não vieram baionetas estrangeiras, e ella cahio. (Apoiado).

O povo triste a desconsolado andou meditando longamen.

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te incerto do que fazia; mas era infeliz, e não via melhora de sorte. A primeira revolução que se lhe apresentou, seguio-a, não olhou se era retroactora, abraçou aquella, e abraçaria toda a que se lhe apresentasse, porque na desgraça o que se quer é mudar. (Apoiado.)

Ainda agora fallei era geral dos Estados-unidos da America do Norte. Direi duas palavras mais em especial. Todos os corpos legislativos daquelles estados tem duas instancias. Um só faz a excepção, o de Vermout. E qual é a consequencia desta excepção? A necessidade da segunda instancia é tal, é tão indispensavel aquella molla na maquina do estado, que por um arrojo monstruoso da natureza social, lá foi rebentar esta segunda instancia no poder executivo! Aqui está em que se cahe forçosamente, todas as vezes que nos affastamos da verdade, que é uma só - que pretendemos sahir da norma eterna que Deos pôz á sociedade, quando a creou, e ao homem nella, e por ella.

A Constituição, repito Srs., é eterna. Não está no poder dos homens destruir ou edificar a sociedade, mas tão sómente regular a applicação dos principios fixos, segundo a variedade dos factos alteraveis.

No nosso Portugal velho e antigo não havia Constituição escripta, nem poderes marcados, nem equilibrio ou moderação regulada. Cuidam que a natureza social estava alterada? Não: reagia por toda a parte; vegetava como podia a opprimida planta, e lá hia rebentar em toda a parte; lá apparecia nos tribunaes de justiça, lá despontava nas juntas e concelhos, na chancellaria mór do Reino; em toda a parte, menos onde devia apparecer. Proporcionalmente succedeu o mesmo com a Constituição de 1812. Não havia de direito, nem segunda instancia legislativa, nem moderação ou equilibrio algum de poderes. Mas lá foi aglomerar-se tudo isso em confuso embryão no conselho de estado, creação absurda, inutil, e daquelle modo - inconstitucional! (apoiado.)

Diversas porém são as funcções a que é chamado o poder executivo, e diversamente por tanto deve elle ser constituido. As deliberações que lenta e prudentemente deve tomar a vontade nacional, rapida e velozmente as deve executar a sua força. Os actos do poder executivo são todos complementares, nenhum é seu do principio, nenhum por elle incoado. Mas a acção nacional ficará sempre imperfeita sem o seu mister. Por isso esta authoridade não póde ser rectamente confiada senão a um só. Daqui a monarchia. E como a liberdade padecia sempre com as ambições da oligarchia, em vez da eleição individual, tão perigosa quando é muito repetida, se instituio a eleição das dynastias, a monarchia herediaria, fórma perfeitissima de todas quando é recta e normal, e cujos abusos ou desviações nada provam contra ella, porque são excepções que não destróem, mas confirmam a regra. Não é pois senão um só o que póde incutir a celeridade, o movimento necessario ao poder executivo, para dar complemento a tudo quanto os outros poderes fazem. Todas as vezes que se tem dado a força do poder executivo a um corpo collectivo, a natureza da sociedade reagio contra o facto absurdo, e a Constituição escripta deixou de ser Constituição executada: eu não canço o Congresso em apontar-lhe exemplos e provas. Quem as não sabe a milhares?

Passemos ao poder judiciario, poder que na minima parte (se em alguma) o povo delega de si. Nos verdadeiros principios de um governo livre, de que é principal condicção ser cada um julgado pelas seus pares, entendo que, se não toda, a maxima parte deste poder reservou para si o povo, assim como reservou a das funcções eleitoraes, e alguma das legislativas. Mas esta é questão que não quero suscitar agora, e que aponto sómente como programma de meus principios, que em logar conveniente protesto desenvolver. Seja porém como for, pelas mesmas garantias de acêrto e exclusão de toda facção, que nos quer fazer querer duas instancias das para a perfeição dos actos legislativos, por esses mesmos precisamos tambem duas instancias nos actos judiciaes. E agora occorre uma objecção que espero, e que eu a mim mesmo já fiz. Se duas instancias nos actos d'esses poderes são garantia de liberdade e de acêrto, porque a não serão tambem no executivo. Já implicitamente respondi a esta objecção quando sustentei (o que não receio ser combatido), que os actos todos do poder executivo não eram mais do que actos complementares dos actos dos outros poderes.

Toda a vez que o poder executivo tomar a iniciativa em qualquer acto, ou funcção geral do estado, usurpou elle, e é tyranno. Por si não tem, nem póde ter acção inchoativa em cousa alguma. Mas a sahir de seus limites constitucionaes, a exorbitar constantemente, todos os poderes do estado tendem. E por miseravel condição de tudo quanto é humano, os abusos de um são ordinariamente, são sempre cohibidos pelos abusos de outro. Evitar quanto é possivel esto mal (que impedi-lo de todo não sei se poderá ser) é o fim, e objecto de uma boa Constituição. Se chegarmos a organisar um codigo politico em que os poderes estejam constituidos de modo, que se não possam exceder, então será impraticavel, a tyrania, e até impossivel; então serão inuteis, serão impossiveis as revoluções. Se de todo se não póde conseguir este fim, devemos, com tudo, tender sempre a elle. Um unico meio ha, Srs., reflictamos bem: e é distribuir o principio moderador tão regular, e proporcionalmente pelos tres poderes do estado, que um possa moderar o outro.(Apoiado.) Uma Constituição bem organisada ha de ser aquella que dér ao poder legislativo o veto (já que assim lhe chamam) sobre os poderes executivo, e judiciario, e a cada um destes sobre os outros. O poder legislativo, exerce realmente o veto sobre o executivo de muitos modos: primeiro, pela denegação de recursos, pela fixação da força armada de mar e terra, pela simples accusação dos ministros. Sim, Srs., aqui está um veto, e tremendo veto, mas é necessario.

Aqui está o poder legislativo com o veto absoluto, absolutissimo. E a Constituição que não der este veto tremendo ao podêr legislativo é absurda. Quero-o em toda a sua extenção! (Apoiado.) Demais, o podêr legislativo além de todos estes meios, de todos estes modos de usar do principio moderador, tem ainda outro, sobre o qual peço a attenção de meus collegas, e é que todo o Governo, que toda a administração que não for tirada em um paiz representativo das maiorias parlamentares, não se póde sustentar, é impossivel. E este é outro formidavel veto que exerce o podêr legislativo; dar, impor ao executivo os proprios Ministros de suas funcções! (Apoiado.) E verdade que lhe diz "sois independentes, podeis escolher outros, mas eu posso torna-los impossiveis." Este é, como digo, o maior de todos os vetos, mas necessario, e sem o qual não ha verdadeira liberdade, nem verdadeiro systema representativo. E este veto pertence no legislativo. Dotado por este modo, e por muitos outros, aquelle podêr com uma porção do principio moderador que lhe compete, fica perfeitamente aquinhoado. E quando examinarmos a Constituição detalhadamente, eu mostrarei, que com este mesmo projecto que aqui está, e em muitos additamentos que eu pertendo apresentar-lhe, nos muitos que espero que meus illustres collegas apresentarão, nós havemos de constituir o podêr legislativo com taes meios, que elle seja, como cumpre, omnipotente para o bem - absolutamente inhabil para o mal. (Apoiado, apoiado.). Não menos precisa o podêr judicial de sua conveniente dotação de funcções moderadoras. Este podêr mal constituido em 1822, pouco melhor o foi em 1826. Na antiga Constituição de Portugal fôra dotado de mais, exorbitantemente: por todas as outras o tem sido de menos. O êrro é igual. O projecto que tenho na mão não corrige esse êrro. Em tempo e logar proprio, faço tenção de propor alguns additamentos que julgo necessarios para a perfeita dotação do poder judiciario, especialmente quanto aos limites, e modo,

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pelo qual deve exercer o seu veto. Entre tanto direi da passagem, que o podêr judiciario está já armado de um veto terrivel no direito que tem de metter em processo todos os funccionarios do executivo, e suspender, por consequencia, toda a sua acção. Entendo porém que isto só não basta, e que ha muitos casos em que elle deve podêr fazer mais. Nem pequena é todavia a parte do principio moderador - do veto que exerce, quando se lhe dá (e é impossivel deixar de dar-lhe) a authoridade de dizer: eu não posso applicar taes leis, porque são oppostos aos principios da Constituição, e da utilidade e conveniencia publica. Mas isto não basta, repito; e é mister que o podêr judicial possa fazer mais para nos dar, e ser elle uma garantia de liberdade e independencia tanto para o povo, como para os outros podêres seus confunccionarios. Falta-lhe aqui sôbre tudo, uma instituição central, organisadora, e de methodo. Havia-a em nossa antiga Constituição; era defeituosa, tinha-se tornado abusiva; mas convinha reforma-la, e não destrui-la. Sei que é impopular o que vou dizer; mas tambem sei que é justo. Receio não achar echo nesta Camara; mas nem por isso deixarei de pronunciar a verdade. A chancellaria mór do reino era uma roda indispensavel na materia do Estado. Os ignorantes que a quebraram, porque a não sabiam concertar, nem faze-la jogar com o novo systema, commetteram um fatal pecado politico. (Apoiado.)

Os juizos d'equidade, que são impossiveis sem esta instituição, o nexo das funcções judiciarias com as governativas que só ella póde dar, tudo ficou anomala e absurdamente tanstornado.

Em França, em Inglaterra, em quanto paiz ha bem constituido, lá acharemos esta instituição. Srs. Qual foi a accessoria, a forçosa consequencia de sua extincção em Portugal? A usurpação do Secretario d'Estado dos negocios da justiça, (apoiado) e a incongruente e abusiva força dada á procuradoria geral da corôa. (Apoiado.) Este facto, Srs., vem, como tantos outros, em apoio do meu principio em que tanto tenho insistido. Toda a vez que a lei repugna á naturesa da sociedade; a naturesa reage - quasi sempre com uma aberração: e a consequencia da má reforma é por tanto ficar peior que dantes.

Não tenho, repito, muita esperança de ser entendido. Mas heide insistir por estes principios, porque os entendo eu rectos, porque fóra delles não vejo salvação.

Mas, veio dizendo um Sr. Deputado (por Aveiro) cujos principios eu communico, pôsto que não posso concordar no modo porque delles tira consequencias, que eu lá não acho. Mas com todas essas divisões, é equilibrios de principios e poderes, o que fica para o povo?

Tudo quanto elle póde exercer per si, repondo eu, tudo quanto lhe não é forçoso delegar. Nem é tão pouco isso.

As funcções eleitoraes, reservou-as todas ou quasi todas para si o povo - digo quasi todas - porque não quero excluir o methodo indirecto em certos casos.

Das funcções legislativas, reservou-se para si, parte sufficiente no administrativo municipal.

Das judiciarias ficaram-lhe precipuas todas, ou quasi todas, uma vez estabelecido o princio do - juizo pelos pares. - em minha opinião o unico verdadeiramente constitucional.

Sobre o executivo, de que lhe era impossivel reservar nada, porque o não podia verificar, sobre as funcções de todos os outros podêres que delegou, o povo ficou com um meio de moderação, e fiscalisação formidavel. A opinião e a imprensa.

É verdade que do modo que desta magnifica garantia se abusa entre nós, ella não é garantia: mas bem estabelecida é a maior das garantias, o mais seguro fiel de equilibrio, o mais poderoso veto.

Quando o povo souber, que a garantia da imprensa não está na liberdade de nos insultar-mos uns aos outros; que este precioso direito, não consiste em dizer por fôrça cada um mal do seu similhante; e que a verdadeira garantia da liberdade da imprensa está na publicidade, que se dá aos actos da authoridade: e que nisto, não dos ridiculos commentarios dos periodiqueiros, é que o povo deve attender, então é que o povo portuguez ha de ser livre! (Apoiado apoiado.)

Eu tenho a honra de ter sido varias vezes jornalista. Quasi desde que abri os olhos da razão comecei a escrever; honro-me disso; tenho essa profissão por nobilissima, quando nobremente é exercida. Mas a espada que nobilita o soldado, tambem é a mesma que avilta o rufião.

Por mim, se de alguma cousa me desvaneço, e tenho orgulho, é que de tanto que, bem ou mal, tenho escripto, nunca sujei a minha penna n'uma calumnia, nunca me abaixei a um dicterio, (apoiado apoiado) nunca violei o sagrado da vida privada do cidadão, (apoiado) nunca prostitui a nobre profissão de homem de letras que tanto préso, ás chocarrices desses bufões do povo, que em seu reinado, e nova côrte até esse officio das antigas côrtes feudaes lhe instauraram seus nojentos aduladores! (Apoiado apoiado.)

Rectamente constituida ella a favor da liberdade, e do povo, para quem é, digo eu, e repito que o uso da liberdade de imprensa, é um grande meio de moderação, e sobre o exercicio de todos os poderes publicos um veto que o povo exerce, veto formidavel, que elle se reservou para si, precipuo que não delega a nenhum podêr, directa ou indirectamente.

Peço disculpa ao Congresso de me ter demorado tanto tempo com estas theorias; mas tenho para mim, que em quanto senão desenvolvesse estes pontos principaes da these, não se poderia chegar á hypothese, e entrar por bom caminho na discussão do projecto da Constitução.

Ora eu digo agora, que a applicação destes principios inquestionaveis está, na sua generalidade rectamente, feita ás hypotheses do projecto, supposto defectivo em partes. Tributo muito respeito, e consideração aos illustres, membros daquella Commissão; mas não posso deixar de dizer, que algumas imperfeições lhe acho. E declaro que fiz este juizo pela leitura reflectida do projecto em minha casa, com a imparcialidade que professo, e que me dirige em todas as questões em que entro.

Sommando porém as perfeições, e os defeitos, que apresenta o projecto, acho o resultado, a favor d'aquellas; e portanto, voto na totalidade por elle. Todavia desde já peço licença ao Congresso para apresentar uma emenda relativa á dotação moderadora do corpo legislativo, alludo ao tribunal de contas; porque eu entendo que este tribunal deve ser nomeado pelo corpo legislativo, emanação d'elle, e meio de exercer, e verificar o importante veto financeiro, que á legislatura compete sobre a administração. Já em outra occasião disse aqui, que do modo que a fazenda está organisada, e para que se não roubasse, não via providencias nem na Constituição de 1822, nem na carta de 1826. Tambem as não vejo agora no projecto, que está em discussão, o que aliás, é indispensavel. Na respectiva occasião hei de submetter minha emenda ou additamento á deliberação das Côrtes. E pelo mesmo modo o farei sobre outro ponto defectivo, que ainda ha pouco disse, me parecia dever prehencher-se, que é na organisação do poder judiciario, o qual de certo não está sufficientemente dotado pelo projecto, que se nos apresenta. Disse ainda agora que o projecto tinha defeitos; mas tambem digo que elle está conforme ao que se mandou fazer, até n'esses mesmos defeitos; porque todos, ou quasi todos lhe vieram da Constituição de 1822, e da Carta de 1826, defeitos estes que a Commissão agora prudentemente não tinha outro remedio se não encorporar aqui. Estou persuadido que a Commissão se não escandalisará com este meu juizo de sua obra, nem com os leaes esforços que todos faremos para a melhorar. Vejo n'este projecto que se constituiu o poder legislativo com duas instancias. Já disse que reputava

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uma garantia ás duas instancias do poder legislativo; e repito agora que approvo o principio; reservando-me para em tempo opportuno votar como entender na applicação, e nos methodos. Por esta occasião relevarei um erro, que ainda agora aqui se sustentou como verdade corrente. E' da nossa historia constitucional. O poder legislativo em Portugal nunca em tempo nenhum teve uma só instancia: tinha tres: era isto um defeito, mas tinha-as. Houve occasião (porque a nossa Constituição era anomala, e incerta nas fórmas) em que se convocavam só os deffinidores, que eram uma especie de Deputação permanente, da qual ainda em nossos dias encontramos vestigios na chamada junto dos tres estados. Nossos avós, que eram muito amigos da liberdade pratica, entendiam pouco de principios; mas eram mais livres do que nós; (apoiado) e nunca fizeram a loucura de entregar a um só corpo á parte mais importante de seus direitos. Não tinhamos uma só instancia legislativa, tinhamos tres, como acabo de mostrar: defeituosissimas é verdade; porque o alto clero era chamado a constituir um dos ramos, braços, ou camaras, e separadamente; este erro é um dos maiores, que se podem introduzir em qualquer Constituição, porque tende á oligarchia sacerdotal, a peor de todas: mas era um absurdo necessario; porque o clero então era forte proprietario, e a classe mais munida da nação; e a authoridade moral, que exercia politicamente no estado, foi muitas vezes proctetora da liberdade, benefica para o povo; empeceu as vexações das outras oligarchias, e resistiu a propria corôa.

Este erro, ou mais exactamente este desvio constitutivo; era de direito peninsular; e originado em nossos costumes hispanicos, nasceu com os nossos concilios toledanos, que tantas vezes sustentaram a liberdade, e a causa popular.

Além disto, antes da imprensa, e mal formada a tribuna, o clero tinha no pulpito o mais poderoso orgam de opinião, que os seculos passados conheceram. Muitas vezes se abusou delle, muitas se corrompeu, e prostituiu. (Somos nós isentos da arguição?) Mas quantas se disseram d'alli verdades cruas aos reis, se fulminaram tyrannos, e se manteve a causa da moral, da liberdade do homem, da igualdade de seus direitos? Então não se dizia; a igualdade diante da lei: dizia-se, a igualdade diante de Deus! Diziam mais que nós. (Apoiado,) A imprensa substitue hoje estas funcções; mas então não a havia: e d'ahi em grande parte a deferencia, e consideração politica de nossos pais pelo clero, que os levou áquella anomalia.

O facto é, que exceptuado o ensaio de 1823, sempre tivemos o corpo legislativo em mais de uma Camara.

Organisando é poder legislativo com duas instancias, a Commissão seguiu a recta doutrina. A parte, que lhe attribue do principio moderador (posto que explicitamente o não designam com esse nome) é, geralmente fallando, justa. Segundo o projecto, as Côrtes obtem todos os meios constitucionaes de manter sua independencia dos outros poderes, de os conservar a elles na sua, de estabelecer o equilibrio necessario, de exercer o seu veto, e de funccionar em fim na parte o principio moderador, que lhe compete.

A Commissão estabeleceu devidamente o veto legislativo, sem o qual a Constituição fôra absurda. Ora o veto do poder legislativo, não é o direito de fazer leis, senão as outras funcções de authoridade, que lhe attribuimos. A eleição do regente, é um veto; a approvação dos tratados, um veto; a fixação das forças de mar e terra, veto; a approvação, ou reprovação dos emprestimos, veto; a creação, a suppressão dos empregos, veto; a fiscalisação da fazenda, veto; a accusação dos Ministros, veto; ficando sobre todos o supremo veto de revogar todas as leis, que lhe parecer; e deslocar assim todas as funcções, executivas, e judiciarias.

A parte do principio moderado, com que a Commissão dotou o poder executivo, é igualmente justa. Nem podia ser menor. Deu-lhe o direito de sancção. Erradamente se tem aqui dito, que por este direito é poder executivo exerce um grande imperio sobre os actos do legislativo. A doutrina é falsa. O assenso dado pelo Governo ás leis não é mais; que um acto acceitação; um acto, pelo qual a Governo diz: Esta lei que vós fizestes, eu me obrigo a governar por ella. Recusa-la, quer dizer: Não posso governar por esta lei; reflecti de novo.

Nunca será governado o paiz; cujo Governo não possa dizer isto aos legisladores. (Apoiado, apoiado.)

Que outra cousa lhe dá o projecto? A commutação das penas. Moderação necessaria, tanto mais, quanto maior é o absurdo das nossas leis velhas, e mais inextricavel o cahos de leis de todas as datas, que começaram a ser codificadas no tempo d'El-Rei D. Affonso V, e ainda até hoje o não foram cabalmente; que pertencia a costumes, a factos, e a pretenções, que já não existem, que até desapareceram da memoria dos homens, e a lei ficou!

Não era menos necessario o direito de dissolução. E não farei agora a pompa van de sustentar um principio como este, que faria rir na Europa á nossa custa, se nos soubessem tão ignorantes, que ainda sobre tal disputavamos. Está é uma appellação para o povo. E quem a nega, nega um direito ao povo; ao povo é que o quer tirar, não é á Corôa. O legislador, que isto impugna, por suas regalias está pugnando, não pelas do povo. Sei que os que aqui o fazem, o fazem de boa fé. Mas peço-lhes, que usem de sua reflexão; e hão de conhecer o sofisma involuntario em que estão.

Mas os perigos da liberdade; me dizem, os perigos das revoluções!

Não estão ahi os perigos, nem as causas das revoluções; estão na desorganisação do paiz, na falta de nexo das leis. (Apoiado, apoiado); estão no nenhum sistema de governação, que ha; estão no funesto cahos das pretendidas reformas em que se confundiram principios novos, ainda ignorados, com principios velhos, que já se não sabe o que foram; estão na deslocação social, na immoralidade publica de que nesta infeliz terra, se chegou a fazer sistema de Governo! ( Apoiado, apoiado.) Ahi é que estão os perigos da liberdade, e a causa das revoluções, e não em se dar ao poder executivo os meios indispensaveis para cumprir a vontade nacional, para ser um verdadeiro poder, para não ser nullo no estado. (Apoiado.)

Tenho tratado a questão de direito, ou de justiça absoluta; resta-me a segunda parte do meu presupposto, isto é examinar se assim concebido o projecto, está ou não conforme com o progamma nacional; por outras palavras, se elle conserva incolumes os principios da Constituição de 1822, e ser os pôz em harmonia com as instituições dos outros paizes livres.

Ninguem disputou ainda da bondade dos principios da Constituição de 1822. Mas o seu desenvolvimento não é recta, nem avisado. Esta é unta verdade, que, talvez soa mal a alguns ouvidos. Mas permitta-se-me dizer, que neste Congresso ninguem tem mais direito a pronuncia-la, como eu, em todo o Portugal poucos. Quando esta Constituição caiu, quando era nobre, quando era grande, e generoso pugnar por ella, pugnar até por seus proprios defeitos, sustentar até seus erros; eu abandonei para o fazer, patria, interesses, tudo, e fui voluntariamente para o exilio. Renunciei até aos soccorros de minha familia, e ao abrigo de meus pais, e foi, não mendigar, que não sei; mas ganhar o pão com o suor do meu rosto. Por esta constituição, e sem admittir, que se lhe tocasse nem n'uma virgula, foi sacrificar a flôr da minha mocidade, passar na amargura, e nas privações os melhores annos da minha vida! De tres a quatro milhões de homens, que tem Portugal, não chegaram a duas duzias os meus companhieiros de sacrificios. Onde estavam então os defensores, agora tão strénnos da Constituição de 22? Em suas casas, transigindo com o despotismo, passando pelas forcas caudinas, por onde eu, graças a Deus, não passei

SESS. EXTRAOR. DE 1837. VOL II. 3 B

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nunca. A muitos hypocritas defensores d'essa Constituição, direi eu, pois agora: esse codigo, que vencido, eu guardei religiosamente; vencedor, devo dizer, que é necessario altera-lo; porque é impraticavel. Nunca tive medo de tyrannos, nunca, obedeci a tyrannos, desprezo calumnias, e caballas, hei de dizer a verdade a Reis, e a Povos, e nenhum cabedal faço dessas machinações traidoras, dessas intrigas de dia, ou de noite, (riso) digo de dia, e de noite!......

As considerações de conveniencia são sempre attendidas pelo legislador prudente; e toda, a vez que sem offensa dos principios, se poderem respeitar as conveniencias, devemos faze-lo. No presente caso, tanto mais sonhos a isso obrigados, quanto n'o-lo ordena a declaração nacional.

O que disseram os póvos de todo o Reino? Que queriam a Constituição de 22, porque assim julgavam findar os males que soffriam; mas que ao mesma tempo, queriam ter attenção ás razões da conveniencia, e a queriam modificar, e pôr-se em harmonia com os outros paizes livres. (Apoiado.) E' isto o que se acha consignado na injuria procuração. Duas divisões eleitoraes me fizeram a honra de confiar as suas procurações; em nenhuma dellas faltava a clausula a que me refiro.

Sr. Presidente, se nós existissemos em uma ilha incognita, melhor ainda; se Portugal fosse um planeta, que girasse livre no espaço, então diria eu á Commissão" Examinar todos os principios abstractos do summo direito social; decretemo-los, e vamos a executa-los. Mas Portugal não é um planeta; Portugal é um ponto, certamente, importantissimo da Europa, mas pequenissimo tambem. Não póde fazer isso. - Sr. Presidente, é preciso dizer a verdade: é realmente um absurdo estar-se a dizer todos os dias ao povo, que é grande, que é poderoso, que é invencivel. Se chegar a fatal hora de elle ver o contrario, se nós chamarmos, por essa hora com os nossos desvarios, o povo ha de maldizer os que o enganaram. (Apoiado, apoiado)

Unido porém ao ponto, entendo que o projecto preenche, com effeito, os desejos nacionaes, e que harmonizou a Constituição de 1822, com as instituições dos outros povos livres, nossos irmãos; que nos constitue independentes, mas não isolados; senhores em nossa casa, mas membros da grande familia europea, a que pertencemos, e a que não podemos deixar de pertencer.

Escuso demonstra-lo. Todos estamos, da simples intuição, convencidos.

Assáz tenho sido longo; mas não fosse tão vasto, o assumpto, tão immenso! Cumpre-me ainda responder a algumas objecções capitaes, que ao projecto se teem feito, e nas quaes façam sem duvida contidas todas de outras menores, e inferiores increpações.

Disse um Sr. Deputado, que, segundo o projecto, o poder legislativo não era independente; porque os seus actos não podiam chegar a effeito sem intervenção do poder executivo; o que era dar demasiada força a este ultimo.

Ora este, que no illustre Orador pareceu defeito, a todos os publicistas, um por um, e sem excepção, parece belleza, e perfeição. A intervenção, de mais a mais, é reciproca, e simultanea. Tambem os actos do poder executivo estão sujeitos a igual intervenção do legislativo. Por cada meio que o executivo tem de empecer o legislativo, tem este na sua mão dez, vinte meios de lho retribuir. Além de que, ainda agora o disse aqui, e peço licença para o repetir, é uma verdade que não soffre contradicção. - Dos tres poderes que constituem o espado, dous começam os seus actos; e o terceiro, que é o executivo, não começa nenhum; é como complementar dos outros dous poderes; por isso presisa de outra instancia, porque faz cousa alguma que depois, de feita possa ser modificada. No momento em que o executivi começar de per si qualquer acto, exorbita: e se alguma constituição lho permittir é essa - uma constituição anormal. Por constituição a não reconheço, nem de taes aberrações fallo. Diante da doutrina constitucional, não conheço exorbitancias de qualquer dos poderes politicos que venham. Tambem eu, e do mesmo modo, não conheço os actos das Côrtes d'Hespanha, que entregaram a Fernando 7.° o poder absoluto: não conheço os actos do usurpação da Cromwell: nem conheço o acto da camara de Dinamarca, que entregou nas mãos d'el-Rei o poder despotico. Tudo isto sabe das regras; são absurdos; nem sei o que são.

Tendo dado as razões pelas quaes, em minha consciencia, approvo na generalidade o projecto da Commissão; quero tambem entrar no exame das substituições, que nos foram apresentadas por dous illustres Deputados das duas extremida Camara: aos quaes as Côrtes, com muita sabedoria, deram a attenção que devem a qualquer proposição de um membro seu. Direi por tanto, primeiramente, algumas palavras sobre o projecto do illustre Deputado, que se senta para a minha extrema direita; assim como sobre a proposição feita por outro illustre Deputado, que toma assento na extremidade da minha esquerda.

As mesmas razões, que me fazem approvar o projecto da Commissão me obrigam a rejeitar os outros dous.

Rejeito o primeiro, porque pretendendo modificar a Constituição de 22, verdadeiramente a destroe em seus principios; principios cujo desenvolvimento é imperfeito naquella Constituição; mas que são perfeitissimos elles em suas bases. Inquestionavelmente. E porque eu sou o primeiro a entender, e sustentar, que devemos conservar essas bases puras, e invariaveis; porque são tão antigas como a especie humana, e como a sociedade; tambem sou o primevo a combater desenvolvimentos, que as alterem. O caracter do projecto do illustre Deputado, que mais o distingue de outro qualquer, é a formação de um corpo, com o titulo de senado conservador, imitação do senado de Bonaparte, fundado em parte nas theorias de um distincto publicista portuguez, de quem me vanglorio de ser amigo, respeitador, e discipulo: sabio, virtuoso, e independente; honra, e ornamenta da nação portuguesa; mas cujas theorias politicas devo dizer, que levam além do possivel. A idéa, deste corpo intermedio não menos é extrahida de outro distincto escriptor contemporaneo de uma nação mais visinha, nem já era estranha a alguma das mil e uma constituições do abbade Seyós, e sobejo; se parece com o seu poder absorvente, sobre o qual é bem sabido o famoso dito de Bonaparte.

Dotado, elle só, com o exercicio de todo o principio moderador, este corpo estranho, e anomalo no meio do estado, cujas funcções ao certo se não sabem, forçosamente será o destruidor da liberdade, a titulo, de a conservar.

Prestando, pois o devido tributo de consideração aos talentos, á leitura, e á excellente fé de seu author, devo rejeitar o projecto do illustre Deputado pela Estremadura.

Resta-me dar os motivos porque tambem rejeito a proposição apresentada pelo illustre Deputado de Traz-os-Montes.

Esta proposição reduz-se a que; tomando-se por base, não os principios, que são os mesmos em todas as constituições, (e diga-se o que se disser, não se alteram com isto) tomando-se por base a codificação feita em 1826, se lhe façam as alterações, que a opinião tão pronunciada antes da revolução exigia. Esta proposição pela sua natureza, pelas circumstancias de que é revestida, pelas simpathias: a que ainda prende merece ser sisudamente ponderada, e para isso peço a attenção do Congresso.

Seja-me licito, dizer de mim, que voltando ao meu paiz ha menos de um anno, e tendo-me especialmente dado a observar, como respondia na pratica a Constituição de 1826, conheci, desde logo (e disto posso dar muitas testemunhas nesta Camara) que ella só seria praticavel, se immediatamente se lhe fizessem certas modificações. Convencido desta verdade, e desejoso de que se conservasse um codigo santificado por tanto sangue, e tanto sacrificio, deliberei-me a sustentar estes principios pela imprensa. Sacrifiquei a estes

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principios (unicos que reputava salvadores do estado, e da mesma Carta) todos os meus interesses; perdi todos os meus amigos, ganhei sómente o que até ahi não tinha - inimigos. Tudo sacrifiquei de vontade, até a própria reputação; que a entreguei, como capa remedendada de mendigo, aos ladros, e mordedellas de todos os cães famintos da capital, e das provincias, a quem o Governo desse tempo açulava contra todo o homem de bem, que ousava ter opinião propria. Então, e antes da revolução de Setembro, e em quanto ella podia ser atalhada, a minha profissão de fé politica era, que se devia tomar por base a Carta de 1826, e reforma-la em certos pontos capitães, como - a Camara dos Pares, o conselho d'estado, e o absurdissimo tribunal do thesouro. Desde que a authoridade publica resistiu a tomar a iniciativa nestas reformas; desde que, fechando os olhos ás circumstancias, e recusando a competencia, a entregou ao juizo (que felizmente não foi caprichoso, mas sensato) do povo, a quem por isso honra seja feita! desde que essa questão do gabinete, e do senado, foi adiada para a praça publica, e chamado á discussão das ruas, o que só devia ser discutido dentro do Congresso nacional; cessou a possibilidade destas reformas pelo modo ordinario, pelo modo que eu, que todos os bons portuguezes, destravamos. Se fosse possivel anniquilar o espaço no tempo, fazer com que não existisse o que existe, que não succedesse o que é succedido, eu votaria por esse projecto. Mas hoje, depois que um povo tão heroico e generoso como este, tomando em sua mão uma questão, que ninguem mais quiz decidir, a resolveu de sua propria authoridade, já que assim o quizeram; e a resolveu com tanta prudencia; acabou logo toda a possibilidade - de direito, e de facto - de reinstaurar similhante questão.( Apoiado.) As bases adoptadas são as mesmas da Carta de 26; porque as bases da Carta, já tinham sido as mesmas da Constituição de 22: mas os principios de methodo, esses caducaram, e não podem vir substituir os proclamados. O povo conservava devotamente a memoria de uma Constituição, que fora o seu primeiro codigo de liberdade; e dava culto religioso á memoria, posto que vaga, de um codigo feito pelos seus representantes, codigo que lhe fora arrancado pela intriga estrangeira, e pela traição domestica. No momento da sua desesperação appella para elle, e fez muito bem: mas com um juizo, que só o povo portuguez podia ter. (Apoiado.) Como que disse: "Mas quem sabe se os nossos habitos, as nossas circunstancias, se as circunstancias da Europa permittem, que se execute este codigo tal qual está!... Então reflectiu com prudencia extrema, e disse = Proclamemos esse codigo sim; mas com modificações, que o ponham em harmonia com os nossos habitos, com as nossas circunstancias, e com as circunstancias da Europa; porque nós somos membros da familia eurapea. Assim o fez. Honra seja feita ao povo (Apoiado, apoiado.)

Depois de uma declaração destas, depois de um uso tão consciencioso, e tão generoso, que o povo fez de seus absolutos direitos; não ha possibilidade de tornar atraz, nem é licito reinstaurar uma questão, que elle decidiu; porque ninguem o quiz fazer. O povo estava clamando por todas suas bocas = Decidam esta questão, que eu receio de toma-la nas mãos. E não o escutaram! E ameaçaram-no de exterminios! E deram-se em odio, e escarneo ao mundo! (Apoiado, apoiado)

Mas a estas razões de direito, accresce uma de conveniencia, que é a mais forte de todas para mim.

Esta é a razão maxima das razões, a lei suprema das leis - a salvação do povo. - Restaurar similhante questão, reinstaura-la hoje, não podia ter senão consequencias funestissimas; porque ainda quando, (esta é, Sr. Presidente, uma profecia, que eu faço, e pela qual obrigo minha cabeça) ainda quando, - ou pelos nossos erros, ou por uma revolução popular, ou por movimentos militares, ou por outra qualquer fórma - se reinstaurasse tal questão, d'ella só podia seguir-se a perdição sem remedio do paiz, e da liberdade. Então aquelles; que hoje proclamamos a reforma, e a justiça, e a quem já com calumnias, já com embustes, já por nossos proprios erros e defeitos se tem conseguido tornar menos populares; ( e eu confesso, que para isso concorrem tanto as intrigas dos inimigos como os nossos defeitos,) - então, digo, e quando essa questão se instaurasse de novo, os nossos erros haviam de desapparecer, havia de fazer-se a apotheose de nossos proprios defeitos: o culto havia de ser mais zeloso, e a religião mais fanatica pelo Deus caindo do que pelo Deus dominante. Hoje (lembrem-se e pesem o que lhes diz uma boca imparcial!), hoje este partido é menos popular; porque chegou a tomar o poder nas mãos; por que se senta nestas cadeiras; porque tem os cargos do estado; - por tudo isto dá logar a que o injuriem cubiçosos, a que o calumniem invejosos e malquerentes.

Mas lembrem-se os que querem reinstanrar similhante questão, que apenas decahido do poder, elle ha de forçosamente tornar a ganhar toda a popularidade, que tinha perdido; e a revolução ha de vir com uma força d'impulsão a que nenhuma força ha de poder resistir. Mais dia; menos dia o povo ha de reagir: e a reacção já não póde vir com a generosidade que trouxe na primeira. Então é que appareceriam os cadafalsos, as fogueiras, as forcas, e guilhotinas. Então já não haveria meio de pregar moderação ao povo: a questão não se havia de discutir como aqui estamos fazendo; mas nas ruas, e praças - em uma tribuna de ruinas - e com um auditorio de cadaveres. Viria por fim, bem o sei, a intervenção estrangeira. Mas em que intervirá ella? E que poderá ella já encontrar n'esta votada terra? Em vez de homens - achará tigres e cadaveres - em vez de edificios, pardeiros - no logar dos campos - charnecas desoladas e nuas.

Poderiam querer ainda levantar um throno - sentar n'elle uma dynastia - mas não será já aquelle throno adorado, de nossos maiores; aquelle tbrono, que a victoria assentou no campo de Ourique, e que, desde Affonso Henrique, tem constantemente sido o objecto do amor, do respeito, da veneração dos portuguezes. Esse acabou para sempre no dia em que similhante questão se reinstaurar.

O Sr. Ministro da Fazenda: - Eu tinha pedido antes d'hontem a palavra para ler o relatorio do ministerio da fazenda, e apresentar as contas dos encargos, e recursos do estado.

O Sr. Presidente: - Eu entendo que isso podia ficar para ámanhã; entre tanto eu consulto o Congresso.....

O Sr. Barão da Ribeira de Sabrosa: - Eu creio que a discussão póde continuar até á hora costumada, e prorogar-se depois meia hora para ouvir o Sr. Ministro da fazenda.

O Sr. Presidente: - Eu lembro ao Sr. Deputado, que depois de cinco horas de sessão é muito difficil prorogar a sessão.

O Sr. Barão da Ribeira de Sabrosa: - Mas não é para tomar deliberação, é para ouvir o relatorio...

O Sr. Presidente: - Mas se ha de ser lido ás cadeiras, tanto faz ser lido, como não...

o Sr. Barão da Ribeira de Sabrosa: - Não é d'esperar que os Srs. Deputados se retirem.. (Vozes: - Leia-se agora.

Decidiu-se que se désse a palavra ao Sr. Ministro da fazenda para ler o relatorio da fazenda. Finda a leitura do relatorio, leu o Sr. Ministro da fazenda uma proposta por parte do Governo para a creação de um tribunal de contas, que foi remettida á Commissão de fazenda. Continuou-a ordem do dia, e teve a palavra.

O Sr. Macario de Castro: - Todas as Constituições feitas para os Governos monarchicos contém grande numero de artigos identicos, e d'ahi vem que discutir uma Constituição na sua generalidade seria analisar cada um dos artigos, que servem de base a essa Constituição debaixo das differentes relações que elles offerecem, quer com a fórma do

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Governo, gráo de liberdade civil e politica, quer com relação de uns artigos aos outros pela ligação, opposição, e compensação, que podessem offerecer.

Mas outro fructo se deseja tirar desta discussão, segundo entendo, o qual é saber se necessitamos ou temos mandato para discutir uma Constituição nova, ou tão sómente temos mandato, ou temos necessidade de modificar a Constituição de 1822.

Eu entendo que temos mandato para fazermos uma Constituição nova, e tambem entendo que temos necessidade de assim obrar. Para entrar nesta demonstração não me servirei das estipulações do convénio de Belém, o qual não julgo obrigativo, por isso que não fora ouvida a grande maioria dos Portuguezes; mas tambem não acceito como argumentos em contrario as primeiras vozes - de Constituição de 1822 - que se ouviram na noite do dia 9 de Setembro; isto pela mesma razão. São meus argumentos o meu juramento, e as palavras da minha procuração: e ainda me servirei das opiniões, e das instrucções, que recebi de meus constituintes.

Estas opiniões de meus immediatos constituintes, e as minhas proprias, que lhes foram patentes, ou manifestadas antes de minha eleição como Deputado, me dão toda a força para entrar na materia pela consciencia, que d'ahi me resulta, que eu preencho os seus desejos, votando como tenciono votar.

Poderia eu differir da opinião dos meus constituintes; e então, como agora, teria por rigoroso dever meu fazer-lhes conhecer antes da eleição essas minhas opiniões, para que eu as podesse seguir, se, apezar d'ellas, tivesse sido nomeado Deputado. Assim obrei, quando em 1834 votei aqui contra a regencia do immortal Duque de Bragança. Havia feito saber á grande maioria dos eleitores reunidos em Vizeu, que assim votaria, e não obstante recebi o seu mandato.

Mais vantajosa é hoje minha posição; pois que sustentando minha opinião defendo a da grande maioria dos habitantes do circulo de Lamego, que me elegeram.

Tratarei primeiro da necessidade de fazermos uma Constituição nova, e para este fim lançarei um golpe de vista rapido sobre a nossa historia politica, começando desde o dia 24 d'Agosto de 1820.

A revolução foi recebida com enthusiasmo por todos os Portuguezes, e nem Portuguez se podia chamar áquelles que vissem sem horror o seu paiz sujeito a um proconsul inglez. A revolução foi no seu principio uma revolução de independencia nacional, como o foi a de 1808.

Em 1823 a revolução tinha já inimigos em algumas classes; pois que era tambem uma revolução de liberdade, e por conseguinte de reforma de abusos.

Os sabios legisladores das Necessidades não conheceram que, tendo destruido as esperanças de algumas classes, era forçoso destruir essas mesmas classes, para que d'ellas nada houvesse a receiar. Era preciso fazer em 1820 o que fez a dictadura do immortal Duque de Bragança.

Se por ventura esses legisladores não se sentiam com força para assim obrar, teria sido conveniente interessar na revolução classes influentes, como ao depois fez a Carta Constitucional.

E' preciso, Srs., que aqui seja dito leal e francamente: toda, e qualquer instituição não sendo adquada aos usos, e costumes da nação pura que é decretada, tem mais cedo ou mais tarde de cahir, se ella ao mesmo tempo que faz inimigos, não interessa de novo na sua sustentação grande numero de cidadãos.

Debalde se imporá a um povo uma Constituição, se elle não estiver disposto a defende-la na uma eleitoral, campo aonde vão decidir-se todas as questões de liberdade. O progresso da civilisação tem por tal arte identificado, e harmonisado os interesses, e relações das diferentes familias ou nações europeas, que os abalos politicos, produzidos em qualquer ponto, reagem ou repercutem para todos os outros, e os povos marcham sempre com mais ou menos celeridade segundo os diversos gráos de illustração; mas este simptoma colminante, que devia ser o fanal directivo da nossa marcha politica, foi menos bem attendido pelos inexperientes legisladores das Necessidades.

E' preciso que nos convençamos, que as verdadeiras modificações na Constituição, ou nas leis, devem primeiro ser sentidas, e desejadas antes de decretadas.

Nesta parte desculpo eu mais os legisladores das Necessidades; pois que elles viam n'aquella época uma tendencia na Europa para as Constituições como aquella, que elles decretaram.

Cahiu a Constituição em 1823, e a sua queda foi não só devida á força dos partidos internos; mas á sombra collussal da santa alliança. Então começaram, e d'ahi datam todas as nossas calamidades politicas; pois que a raiz de todas foi, e será por muito tempo o fraccionamento da familia portugueza, dividindo-se e grupando-se debaixo de diversas cores. Os mais illustrados, e brilhantes caracteres ficam involuntariamente eliminados pelas nuvens tenebrosas destas reacções, que envolvem tudo na sua corrente; e os pequenos nem sempre escapam á ignominiosa imputação, e malevolencia do primeiro partido, que sobrepõe a reacção; ainda que rigorosos observadores de seus deveres se houvessem submettido ao destino da sociedade ou corporação, a que estavam ligados. Em tão differentes vicicitudes politicas, poucos empregados deixaram de passar por baixo das forcas caudinas. Eu, que apenas a revolução se manifestou em Traz-os-Montes, recolhi logo a Lisboa a unir-me ao regimento, de que então era alferes, seguindo como era meu dever a sua marcha, tambem não escapei á calumnia; mas os repetidos suffragios, com que os povos metem honrado, quer para eleitor, quer para Deputado, prostram de um modo invencivel todas essas malignidades.

Foi jurada a Carta Constitucional em 1826; n'esse juramento, na iniciativa das leis, e na revisão da mesma Carta estava implicitamente o principio da soberania nacional, na liberdade civil, necessidade reconhecida hoje nos Governos modernos, não era ella inferior á Constituição de 1822, e por estes motivos, os liberaes de 1820 foram amantes da Carta.

Interessava ella essencialmente a aristocracia, e o clero então influente em portugal, e emendava o defeito que já deixei apontado.

Serei obrigado a repeli ir aqui uma arguição, que se me faz, como não tendo defendido essa Carta, por se não querer attender a que em 1826 e 1827, por ella pugnei, e que fui dos primeiros, que das cadeias passei para a emigração, e aos motivos da minha demora, em voltar ao reino, justificados em uma portaria do Duque de Bragança, assignada por Agostinho José Freire, cujo testemunho em meu favor a ninguem conhecedor da historia do tempo deveria parecer suspeito; e parece tambem desconhecer-se, que apenas desembarquei no Porto em 1833, immediatamente peguei em armas servindo até ao fim da luta.

Principiaram nossos trabalhos parlamentares em 1834 por uma forte opposição ao ministerio, mas não á Carta, como muito elegantemente disse um meu collega, que hoje se assenta n'aquelle lado da casa.

Era minha opinião, que alguns artigos da Carta deveriam ser revistos; mas que primeiro estava fazer as leis regulamentares.

Os boas ou máos resultados, que se seguem ao estabelecimento duma Constituição, são dependentes das leis organicas, e do pessoal dos corpos permanentes, quando essa Constituição os admitte: assim não poderia eu então convir na alteração dos artigos da Carta, quando, essas leis orgânicas, ou ainda não estavam feitas, ou seu andamento, quando feitas, estava paralisado.

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Fazendo pois guerra a esse ministerio desastroso, não se tinha em vista derruba-lo; mas substitui-lo por outro, que representasse os principios exarados ha conta dada pela esquerda da Camara á nossos constituintes no fim da sessão de 1834.

Era a esquerda da Camara uma opposição; que tinha principios politicos, e ministerio possivel.

Sendo claro, que nenhum dos Deputados da esquerda, pediu a revisão da Carta, é demonstrado que elles não pertendiam destruir a Carta; antes pelo contrario tendo existido uma similhante indicação do lado direito; mais rasoavelmente áquelle se podia attribuir taes desejos.

Que a esquerda não era anarchica, tambem facilmente se próva do apoio que ella prestou ao ministerio em 1836.

No fim da sessão ordinaria de 1836, era claro a todas as luzes, que o ministerio se destruia a si mesmo, e que um ministerio intolerante se seguiria, o qual tornaria necessaria a revolução, a qual no seu impeto levaria as cousas para mais seguramente destruir ás pessoas.

Longe da capital não tive a honra de partilhar os successos de 9 e 10 de Setembro, nem do pouco os de 4 e 5 de Novembro, apenas fiz progredir a revolução na minha provincia, na idéa de que não devia haver reação para estarmos dispostos a abordar a questão, que agora nos occupa com a tranquillidade, socego, e moderação, que á nação hoje exige de nós.

Consegui o meu fim, e não posso deixar de lisongear-me com a idéa de que toda aquella parte da provincia, a que se estendeu minha authoridade provisoria, confiada pelo povo, e confirmada pelo Governo de Sua Magestade, gosou então do beneficio da tranquillidade, nunca antes obtido.

Não me lisonjeia menos o haver ajudado o Governo na época, em que - segundo elle mesmo aqui o tem confessado - crescia erva nas escadas das secretarias; mas tambem hoje me assiste o duplicado direito de pedir-lhe contas dos bons, ou máos resultados, que houver tirado da revolução.

Avancei eu, que tinhamos necessidade de fazer uma Constituição nova, e assim o acredito, pois que a Carta de 1826, com a sua segunda Camara aristocrata não deve hoje existir, visto que esse corpo rico, e independente; está hoje fraccionado pelas divisões politicas; e por essas mesmas, menos opulento.

Deixar pois ao throno á eleição da segunda Camara, seria promover a admissão n'ella de cidadãos, que, pela maior parte, não poderião sustentar a alta cathegoria a que se supporiam elevados. Então veriamos uma segunda Camara absolutamente dependente, e como suas funcções eram vitalicias, seria preciso uma revolução para a destruir, e nós legariamos a portugal a necessidade das revoluções.

A fim contrario tem visado todas as Constituições, pois que todas tem procurado corrigir seus defeitos; pelos meios nellas estabelecidos.

Nas nações em que um similhante corpo existe, seria de opinião que elle deveria fazer parte do poder legislativo; para que todos os interesses fossem representados, e para evitar que elle tramasse contra a Constituição. E' um mal, mas um mal necessario.

Esta questão tem o seu logar n'um dos artigos do projecto, que se acha em discussão, e então eu entrarei n'elle mais miudamente quando se tratar do seu exame especial, para não me separar agora dos pontos de vista, sobre que desejo observar a questão que nos occupa.

A Constituição de 1822 resultado da reunião das mais brilhantes capacidades, tambem me não satisfaz..

Não vejo alli bem divididos os poderes politicos. O poder executivo é dependente do legislativo pela proposta que este faz do conselho d'estado; em meu entender escusado, ou prejudicial. Escusado, em quanto suas deliberações não compelem o poder executivo: prejudicial em quanto diminue a responsabilidade dos ministros, escudando-se com as deliberações do conselho d'estado.

Tambem não vejo que o Rei, como chefe do poder executivo, tenha a parte, que julgo indispensavel, na factura das leis para mais se interessar na exacta execução d'ellas. A Constituição de 1822 creando uma só Camara; estabelece uma tendencia para o movimento prejudicialissimo.

Eu desejo, que a Constituição; que houvermos de fazer; possa ser melhorada segundo as reclamações dos tempos futuros; mas quizera, que a sua marcha fosse gradual, é pausada, para evitarmos a nossos vindouros o retrocesso, o qual faz parar muitos annos na marcha das reformas.

Dir-me-hão, que a Constituição de 1822 estabelece differentes meios, para que a discussão das leis não seja feita com toda a reflexão; e madureza; e que a Constituição não póde ser alterada antes do praso de 4 annos, e procedendo certas formalidades.

E' verdade; mas além de me não achar revestido dos poderes necessarios para legislar para as gerações futuras, hão tenho visto; que estes, e outros meios empregados nas Constituições de uma só Camara, tenham produzido effeito.

Em fim, sacrifiquemos alguma cousa ás exigencias do tempo, como os sabios legisladores das Necessidades o fizeram; e então teremos muito em vista, que á nação portugueza reclama hoje estabilidade; ordem, e justiça.

Uma ultima rasão me move para desejar alterar a Constituição de 1822, e é esta; que em nenhum outro paiz se vê hoje uma Constituição similhante á nossa.

Eu não quizera; que o meu paiz servisse para fazer uma experiencia; com a qual nós podemos comprometter o bem estar, as fortunas, e as vidas d'aquelles, que para aqui nos mandaram para advogar os seus interesses.

Eu; Srs., tenho toda a minha propriedade ligada ao paiz; e então fóra d'elle não vejo nada.

Peço, que se me tolerem estas minhas idéas; ha certeza de que eu mesmo daria mais vôo á minha imaginação na formação de uma Constituição, se fosse chamado a legislar para um paiz aonde nada possuisse;

Já em outra parte fiz sentir, que os legisladores da Constituição de 1822 tiveram mais razão para assim a fazerem, do que nós teriamos para hoje a sustentarmos.

Espero, que se não attribuirão estas minhas idéas a docilidades para com as nações estrangeiras. Essas guerras, com que o partido cabido insulta á nacionalidade portugueza, estão tão longe de nós, como as guerras de religião.

Concluirei pela segunda parte meu enunciado, e vem a ser, que temos procurações que nos authorisão para fazermos uma Constituição nova.

Se recorro á theoria das procurações do nosso erudito compatriota Silvestre Pinheiro, vejo que as procurações são informações, é nada mais. Que o deputado deve obrar, e votar segundo sua consciencia, e que os constituintes tem só sobre elles a authoridade da revogação do mandato.

Se escrutino a origem d'essas procurações, que aqui apresentamos, não vejo n'ellas mais; que um formulario remettido da secretaria da negocios do reino.

Se porém vou achar a verdadeira origem do meu mandato, está nas opiniões dos meus constituintes, cujas opiniões se conformam com as minhas.

Por ultimo, se recorro ao diccionario para conhecer o genuino sentido das palavras - alterar e modificar - vejo que sua significação é assás lata para poder abranger a mudança de natureza, e fórma de alguns artigos da Constituição. Será meu voto approvar o projecto.

Reservando-me a votar contra elle nos artigos tendentes á formação da segunda Camara. Ainda me resta o desgosto de me separar tambem da minoria reservando-me para apresentar á minha substituição em logar opportuno.

O Sr. Presidente: - A hora já deu, a ordem do dia para ámanhã, é a continuação da que vinha para hoje. - Está levantada a sessão. - Eram 4 horas e um quarto.

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