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SESSÃO DE 25 D'ABRIL.

(Presidencia do Sr. Dias d'Oliveira.)

ABRUI-SE a sessão ás onze horas e meia da manhã, estando presentes cento e seis Srs. Deputados.

Leu-se e approvou-se a acta da sessão antecedente.

Mencionou-se a seguinte correspondencia.

1.° Um officio do ministerio dos negocios da guerra, acompanhando duas representações e informações relativas á necessidade de fixar a futura sorte das praças do regimento de voluntarios da Rainha, que serviram durante a guerra civil, e bem assim copias das ordens pelas quaes foi creado o mesmo corpo. Foi remettido á Commissão de guerra.

2.º Uma representação da Camara municipal e administrador do concelho da Ilha do Porto Santo, comarca da Ilha da Madeira a expor os vexames, a que são expostos os povos d'aquelle municipio, obrigados a concorrer, como jurados á cabeça do julgado, e a pedir remedio contra estes males. Foi remettida á Commissão do ultramar.

3.° Uma dita da Camara municipal do concelho de Idanha a Nova a pedir se lhe conceda o edificio do extincto convento de Santo Antonio da mesma Villa e sua cerca, para alli estabelecer um hospital. Foi remettida á Commissão de fazenda.

4.° Uma dita da junta de parochia da villa de Pereira sobre divisão administrativa. Foi remettida á Commissão d'estatistica.

5.º Um officio do Sr. Deputado Pedro de Sande Salema, em que partecipa, que por molestia grave, se acha impossibilitado de poder assistir por alguns dias ás sessões. O Congresso ficou inteirado.

Tiveram segunda leitura os requerimentos seguintes:

1.° Requeiro que pelo ministerio da guerra se remetta á Commissão militar neste Congresso uma collecção das ordens do dia desde o dia 10 de Setembro, ultimo até hoje. Sala do Congresso 24 d'Abril de 1837. - Barão da Ribeira de Sabrosa.

Foi approvado sem discussão.

2.º Requeiro que em execução do artigo 93 da Constituição de 1822, que manda observar o regimento interno das Cortes, e em observancia do artigo 4.° do actual regimento, se não vote sobre prorogação de sessão alguma, sem primeiro se verificar se estão presentes os Deputados em o numero que prescreve o mesmo regimento no artigo 4.º E outro sim, que por uma deliberação deste Congresso, que deve ser consignada na acta respectiva, fique estabelecido, que depois de vencida afirmativamente a prorogação da sessão, nenhum dos Deputados, que assistiram á votação, possa sem urgente motivo declarado ao Presidente da mesa ausentar-se da sala das Côrtes em distancia tal, que não ouça o sinal da chamada para votação, ou ser avisado. Sala das Côrtes 24 d'Abril de 1837 - O Deputado Bernardo Gorjão Henriques.

O Sr. Gorjão Henriques: - Ninguem neste Congresso ignora o acontecimento desagradavel, que teve logar na sessão de sabbado passado, que lá fóra todo o povo o sabe já, pois os jornaes o tem publicado, e em breve será conhecido, em todo o reino; que na verdade me parece pouco airoso, que depois de se haver votado pela prorogação de uma sessão desappareçam de todo da sala os Srs. Deputados, e em tal numero que a sessão se termine por falta de numero legal de volantes. E' innegavel que nós estamos aqui contra a vontade de alguma gente boa, e de alguma gente má, porém que nós mostremos, que estamos aqui sem vontade, isto me parece pouco airoso. - Sr. Presidente, eu n'aquella sessão votei contra a prorogação, que deve ter a meu modo de ver muito pouco uso e votei contra por dous motivos: pelo geral que faz ver, que a prorogação d'uma hora pouca utilidade traz á discussão da materia se está quasi exhaurida: então se se evitarem tantas, e tão repetidas questões decidem, pouco tempo é necessario além da hora determinada para se votar sobre a materia; e se a sua discussão ainda está atrasada, o praso de uma hora é quasi sempre insufficiente, attendendo mesmo ás costumadas questões de ordem; e nada mais faz do que indispor os animos, e alienar as attenções já cançadas com cinco horas de discussão, e permanencia. Ora tambem lotei particularmente contra aquella prorogação; porque a minha saude me não permettia estar mais tempo sem grande encommodo; e porque muitos Srs. Deputados, além de estarem talvez em iguaes circumstancias, teriam a fazer, e quereriam ainda escrever para o correio, etc. Porém apesar de ser o meu voto contra, eu permaneci nasala até se levantar a sessão, apesar do meu soffrimento; e sempre o farei em quanto minhas forças o permittirem, e assim o julgo de dever. Proponho pois o meu requerimento, que tem duas partes: a primeira é verdadeiramente a observancia que tão dignamente V. Exca. dá ao regimento, porém involve sómente o peditório da sua mais exacta minuciosidade: e a segunda parte, solicitar deste Congresso uma deliberação, que sem cohibir a liberdade de seus membros, evite d'algum modo repetições duma tal incoherencia: este é o meu desejo, esta a minha opinião, estes os meus fins: entre tanto o Congresso tem direito de dar ao meu requerimento o destino que lhe parecer, e até de o rejeitar, e eu espero tranquillo, e resignado qualquer que seja a sua decisão. (Apoiado.)

O Sr. Presidente: - Devo fazer uma declaração a respeito da primeira parte deste requerimento, que parece ser uma censura terrivel a mesa (ainda que estou persuadido, que não foi esse o espirito de seu author); mas em fim quem o vir assim, ha de entender que a mesa, quando se votou sobre a prorogação da sessão no sabbado, não teve o cuidado de examinar se estava presente a maioria do Congresso; era isso do meu dever verifica-lo, e verificou-se com effeito, e estavam presentes 59 Srs. Deputados, e como era apenas a maioria, por isso eu adverti, que não sahissem, porque nesse caso os trabalhos não podiam continuar. Esta primeira parte do regimento parece na verdade dar logar a pensar, a quem olhar para elle á primeira vista, que a mesa nessa occasião não tinha verificado, se no Congresso estava a maioria dos Deputados.

Agora pelo que toca ao mais, eu sómente tenho a dizer, que o facto de sabbado entre nós póde ser de alguma estranhesa; mas que entre tanto é ordinario em outras partes, e em outros paizes. Eu só peço, que seja tido em consideração para nos convencer, que devemos ser muito economicos em pedir prorogações de sessões; porque realmente depois de 5 horas de sessão é difficil continuar. Não digo isto para me escusar do trabalho dellas, eu pela minha parte estou prompto a assistir ás sessões, quando se resolver que se proroguem; mas eu estou de 32 annos, tenho robustez fisica (outra tanta tivesse em moral); mas nem todos os Srs. Deputados podem fazem isso, e de mais eu observei na sessão de sabbado, que os Srs. que se retiraram, são dos exactissimos nas sessões, que vem para aqui á hora, e estão dentro da sala até ao fim da sessão, portanto o facto de sabbado só serve para se ser muito prudente em pedir prorogações.

O Sr. Macario de Castro: - Sobre a ordem. Sem entrar na materia desse requerimento, assento que o objecto deve ir á Commissão do regimento para ella dar o seu parecer, mas se se entrar na materia, eu tambem, entrarei nella.

O Sr. José Estevão: - Sr. Presidente, concordo em que a materia do requerimento vá a Commissão do regimento; mas não posso concordar em deixar de responder ao author desse requerimento.

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O Sr. Presidente: - Para isso ha de ter a palavra, quando se entrar na materia.

O Sr. Ferreira de Castro: - Não tenho duvida quanto á 1.ª parte do requerimento; V. Exca. com muito boas palavras, de alguma maneira (perdoe-me o nobre Deputado) dirigiu-lhe aquella censura, que era possivel dirigir-lhe, e quanto a cortesia permittia; porque na realidade V. Exca. é um zeloso observador do regimento: eu lembro-me muito bem, que V. Exca. mandou contar os votos, tenho certeza disso. Agora quanto á 2.ª, eu opponho-me. Confeço na realidade, que vi com magoa esse acontecimento de sabbado; mas eu não levei essa magoa a um ponto tal, que não dissesse, depois de acabada a sessão a V. Exca. mesmo, que isto não era novo, que eu o tinha visto em outros paizes; por que muitas vezes vi eu, se levantar a sessão por não haver numero sufficiente de Deputados para votar: isto, em França faz-se a cada passo. E' necessario, que nós não demos a este acontecimento um corpo, que no paiz se supponha, que nós comettemos um crime parlamentar, que não tem uso em outras nações.

Mas querer o nobre Deputado, que quando um outro seu collega tenha necessidade de sahir da sala, depois de se ter decidido que se prorogue a sessão, vá á mesa, e diga ao Sr. Presidente" eu tenho necessidade, motivos de sahir lá fóra" ha verdade, não sei se isto até seria muito decoroso para o Congresso.

Por minha parte confeço, Sr. Presidente, que talvez não houvesse motivo, que me levasse a dar esses passos; não, eu não o faria. Parece-ma pois, que o melhor arbitrio é deixar á prudencia de cada um Sr. Deputado, e entrar no fundo do seu coração, e valiar a legitimidade desses motivos para desamparar a sessão depois de se ter resolvido a sua prorogação, e onde de esperar que o não faça sem grande necessidade, para que se não repita esse acontecimento, que eu todavia, ainda o digo, não é tão escandaloso como-se se tem querido pintar. Por estas considerações pois voto contra a 2.ª parte requerimento.

O Sr. José Estevão: - Sr. Presidente, disse-se, que nós tinhamos desamparado as nossas cadeiras na sessão passada; depois desta facto não podemos deixar de reconhecer a nossa infelicidade; cahio-nos a censura de preguiçosos no dia, em que trabalhamos mais; no dia em que votámos umas poucas de leis. Disse-se, que os jornaes tinham tomado conta deste deploravel acontecimento, que o tinham transmittido á Nação, e que a Nação estava coberta de loto, e cheia de magoa por ver o nosso pouco zelo. Sr. Presidente, isto repetio-se com um ar de lastima, que dava visos de um alarde disfarçado! (Apoiado, apoiado.) Pois que se pertende enganar a Nação, desfigurando-lhe os factos, narrando-lhe falsamente os successos, seja a Nação desenganada daqui mesmo, conheça ella os acontecimentos com verdade, e fóra das inspirações dos partidos: prorogou-se a sessão depois de 6 horas de trabalho; e para que? Para se decidirem uns poucos de pareceres de Commissões, de pequena importancia, sobre varios requerimentos; depois de se ter deferido a alguns, porque a sessão se ia alongando demasiadamente, parte dos Srs. Deputados sairam da sala, e foram-se embora. E é pois por isto que se lança sobre nós uma censura terrivel? Isto succede frequentemente nos paizes, onde se tratem negocios publicos de tanta importancia, como os que nós tratamos; aonde se dá aos interesses nacionaes a maior attenção que nós lhe damos; e lá não se repara nisso: quantas vezes em França se levantam as sessões da Camara dos Deputados por faltar o numero necessario de membros para deliberar? Pois cessões tumultuosas!! Aqui uma sessão animada, chama-se-lhe baralho e indecencia; e em França até uma vez Casemir Perrier deixou as abas da casaca nas mãos de Odillon Barrot ao subir para a tribuna; e a França tem Constituição, e prosperidade.

Saiba a Nação, que se não abandonam os seus interesses, que não nos esquecemos do seu mandato, e que o facto aqui succedido, foi desfigurado de preposito para a enganar, e indispor com o corpo legislativo. (Apoiado, apoiado.)

Agora quanto á matéria do requerimento, esse entendo que não tem cabimento algum, que é tornar o Congresso em uma casa de escola. (Apoiado, apoiado.)

O Sr. Gorjão Henriques: - Para que é tanta cousa dita, para que é necessaria tanta acrimonia parlamentar!! Sr. Presidente, eu bem declarei logo, que a primeira parte, não era mais que pedir uma verificação mesmo numerica, o mais exacta possivel da existencia dos Deputados presentes ao acto da votação; porque eu vejo que muitas vezes na acto de se querer isso verificar, alguns Srs. passam d'umas cadeiras para outros, o que faz confusão; assim como tenho observado que nas votações muitos dos mesmos Srs., julgando que outros muitos que se levantaram, deixam de o fazer; e os que apparecem de pé não são muitos: entre tanto, eu conheço as boas deligencias, e activo proceder da mesa, neste, e em todos os objectos a seu cargo.

Quanto aos argumentos que se oppõem á 2.ª parte do meu requerimento, digo, que muito acertado eludo quanto os Srs. Deputados tem dito; não lhe nego o merecimento: entre tanto, se o que aconteceu, é um abuso, vá fóra para não se commetter mais. - Ora eu, Sr. Presidente, como poderia taxar de perguiçosos os membros desta assembléa, que se retiraram, se eu fui o mesmo que me declarei perguiçoso nesse dia, pelo meu estado de saude, e quasi sempre perguiçoso nas votações para taes prorogações? Eu só aqui tenho a notar, o que faz o objecto do meu requerimento, é a incoherencia que figura em tal proceder. - O meu requerimento não me parece que envolva grande encommodo, e privação de liberdade aos Srs. Deputados; porque nenhum se deverá acanhar de participar, até em voz alta, que uma falta de saude, um negocio urgente, ou familiar, ou publico, o obriga a sair do edificio; e para todas as mais exigencias, creio, que tem os meios de as satisfazer dentro deste edificio. (Apoiado.) Tambem se tem argumentado muito com o que se pratica nos outros parlamentos, e até se quiz fazer ver, que entre nós está isto em melhor estado em muitas cousas, do que o estava nas sessões das Camaras passadas; muito bem: tanto melhor; mas vamos a ver se damos mais alguma perfeitibilidade á actual assembléa; parece-me justa esta pertenção. (Apoiado.) Tem-se dito por muitas vezes que não devemos ser sómente imitadores das outros Nações; invoco essa proposição; não as imitemos ás cegas tambem neste objecto; ou então se as devemos imitar sem alteração em taes casos, vamos tambem imita-las á risca nas suas boas instituições, leia, amor a ellas, e sensatez. (Apoiado.) Termino, que esta minha pertenção está entregue ao Congresso, elle decidirá della; e eu mui satisfeito de ter preenchido o meu fim, aguardo a decisão. (Apoiado)

O Sr. Presidente: - O que me parece, é que o remedio é peior do que o mal: a mesa tem sempre muito cuidado na conta dos votos; esse trabalho pertence aos Srs. secretarios: quando ha minima duvida contam-se duas vezes, e eu não declaro o resultado se não depois dos Srs. secretarios terem até escripto o numero dos votos: pelo que toca ás approvações dos requerimentos, muitas vezes os Srs. Deputados não chegam a levantar-se; mas fazem um signal, que sempre se praticou neste Congresso, e nas Camaras passadas, pelo qual se indica qual a sua opinião: devo quanto ao mais dizer, que a prorogação da sessão de Sabbado se venceo por dois votos; ora tambem não sei, se os que sairam da sala, foram os que votaram pela prorogação; o que sei, é, que já me não lembra nada do que se passou, nem me lembra mesmo se eu estava na cadeira.

O Sr. Gorjão Henriques: - (Sobre a ordem.) Tenho ouvido tudo, estou prompto a respeitar, ou tolerar todas as opiniões; - já o disse, e o repito; entre tanto não retiro o meu requerimento; já estou costumado, e disposto a achar-

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me quasi solitario em muitas das minhas pertenções, o sertamente creio, não serão essas vezes as ultimas: = faça o Congresso o que entender; termine-se a questão; proponha V. Exca. á votação o meu requerimento, dê-se-lhe destino, ou não; rejeite-se, ou approve-se como os illustres Deputados assentarem. (Apoiado.)

O Sr. Leonel: - O Sr. Deputado diz, que está por tudo quanto se quizer; convém em todo quanto o Congresso decidir; ora nisso não nos dá novidade alguma; porque assim o deve fazer: agora depois de se ter lançado o veneno, (não digo que essa fosse a sua intenção) mas lançou-se, porque o tacto é esse; é preciso dar lhe o remedio, e por isso eu entendo, que esta discussão deve continuar, para se responder ao Sr. Deputado. Eu penso que o author do requerimento teria feito melhor, senão apresentasse o veneno; mas já que o apresentou, é preciso remedio: ora agora para que se dê esse remedio, é que eu julgo conveniente, não sei se nisso me enganarei, mas parece-me conveniente, que se dê a palavra a alguem, que a pedisse com a intenção de lha responder; porque o caso é realmente serio.

O Sr. Presidente: - Eu creio, que o Sr. Deputado quando fez o seu requerimento, estava no seu direito: (apoiado, apoiado) eu não entendo que elle quizesse vir censurar o Congresso. (Vozes: não não.)

O Sr. Gorjão Henriques: - A minha explicação concluiu tudo.

O Sr. Presidente: propôz se a materia estava discutida. (Apoiado.) Agora é uma moção previa do Sr. Macario.

O Sr. Macario de Castro: - Eu retiro a minha indicação.

O Sr. Presidente: - Então vou propôr o requerimento do Sr. Deputado: os Srs. que approvam o requerimento do Sr. Gorjão....

O Sr. Barjona: - Uma cousa é tornar-se em consideração o requerimento, outra cousa é tomar-se em consideração o destino que elle ha0 de ter...

O Sr. Presidente: - Era uma questão preliminar que tinha suscitado o Sr. Macario, se havia de ir á Commissão do regimento: o Sr. Macario diz, que retirava a sua moção, por consequencia não tenho senão a pôr á votação o requerimento.

Posto o requerimento á votação foi regeitado

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. João Victorino.

O Sr. João Victorino: - Eu desejava dizer duas palavras a respeito da livraria, que se mandou crear neste Congresso: antes de hontem fallei com o Sr. Antonio Nunes de Carvalho, e me disse que estavam os livros promptos; desejava que V. Exa. avisasse a Commissão d'administração interna das Côrtes sobre este objecto, para que com a maior brevidade se estabeleça a livraria.

O Sr. Presidente: - A respeito da livraria das Côrtes devo dizer, que é cousa que me tem dado cuidado, e que tenho feito todas as diligencias para se tornar effectivo aquelle estabelecimento; mas até hoje ainda senão póde conseguir este negocio está encarregado á meza pelo artigo 122 do regimento, e melhor fôra que o não estivesse: o artigo 122 do regimento diz assim: (leu) mandou-se ao Governo uma requisição d'aquelles livros, que se julgaram ser convenientes para fundamento da bibliotheca das Côrtes; fez-se esta requisição ha já muito tempo, mas até hoje não teve resultado nenhum, o que não é para admirar; porque segundo me informam o deposito dos livros é uma Torre de Babel, a onde é quasi impossivel escolherem-se, pela desordem em que elles se acham; porque acha-se o primeiro volume de uma obra, e não se acha o segundo, e finalmente será muito custoso completar-se qualquer obra: hontem recebeu a meza uma participação assignada pelo sub-inspector do palacio da extincta Camara dos Pares, que estava encarregado dessa commissão, de que a commissâo administrativa tinha dado as suas ordens; não sei que ordens foram: a meza ha de averiguar esse negocio; e podem os Srs. Deputados ter a certeza de que se hão de fazer todos os exforços possiveis, para que se leve a effeito aquelle estabelecimento; com a maior brevidade possivel.

O Sr. Galvão Palma: - Em consequencia da participação do Ministerio da fazenda, que foi dirigida á Commissão, a que tenho a honra de pertencer, incluindo copia della, officiei ao Sr. Nunes, para que promptificasse os livros das extinctas corporações, a fim de serem collocados na biblioteca das Côrtes; e como apenas tenham decorrido dous dias, não admira que senão tenha tornado effectiva aquella providencia. Tranquilissimo pois o Sr. Deputado na intelligencia que serão plenamente satisfeitos os seus desejos.

O Sr. Presidente: - Seria bom talvez, que o Congresso resolvesse, que este objecto de bibliotheca fosse encarregado á Commissão administrativa, e não á mesa; porque o que eu vejo é um conflicto de ordens: a Commissão administrativa manda ordens; a mesa dá ordens; a Commissão encarregada pelo Governo dá ordens; e a final, o resultado de todas estas ordens, é orna desordem. (Riso.) Eu estimaria muito, que o Congresso alterasse o artigo 122 do regimento; e em logar de ficar a mesa encarregada deste negocio, ficasse a Commissão administrativa; porque é a quem verdadeiramente pertence todo o governo interno da casa.

O Sr. Midosi: - Nós temos lei escripta no regimento, que encarrega este negocio á mesa. Está muito bem collocado na mesa, e nem póde, nem deve ser de outro modo. (Apoiado.) A mesa póde dar ordens, não só á Commissão administrativa, mas tambem ao Governo, nas materias da sua competencia. Considero pois isto decidido, e tanto mais convenientemente, quanto V. Exca. mui dignamente o terá cumprido, o que lhe incumbe a nossa lei regulamentar. Opponho-me pois, que se altere o regimento nesta parte. (Apoiado, apoiado.) A mesa é que póde, e deve dar as ordens, que julgar convenientes; todos os mais não tem direito nenhum a intrometterem-se com isso. A mesa, que tem em si o Presidente, aquelle sobre quem recahiu a nossa escolha pela certeza, e convicção, que temos, que sabe manter o seu logar, e dirigir os nossos trabalhos, é por sem duvida a unica competente para a administração, e direcção de tudo, quanto á parte intellectual lhe diz respeito.

O Sr. João Victorino: - Eu fallei neste objecto, porque o Sr. Nunes de Carvalho, como eu já disse, que está encarregado de formar esta livraria, me assegurou, que estavam todos os livros promptos, e que a difficuldade, que havia era de se não preparar a casa: eu pediria então, que ella se acabasse, porque para isso não é preciso muito luxo. Os Srs. Deputados de Lisboa estão de melhor condição, do que os das provincias; porque tendo aqui as suas livrarias, as consultam; nós porém, ou havemos de comprar livros, que já temos, ou havemos de privar-nos deste soccorro.

O Sr. Presidente: - Sim , Sr.; mas eu não vejo caracter algum official no Sr. Nunes de Carvalho; porque elle já não está encarregado d'esta commissão do deposito de livros.

O Sr. L. J. Moniz: - Eu pertenci á commissão administrativa das livrarias publicas; e posso affirmar, que o que V. Exca. acaba de dizer é muito exacto: o Sr. Nunes da Carvalho administrou aquella repartição; mas já não a administra ha muito tempo; essa administração ficou no estado de maior confusão, que é possivel deixar, de maneira, que aquelles, que foram nomeados para o substituir, sáem de lá com a cabeça moida, e quasi desesperando de poder dar seguimento áquelle trabalho: accresce além disso, que os meios pecuniarios são muito limitados, para poder progredir nos trabalhos; e muitas, e muitas obras, como V. Exca. acabou de dizer, estão truncadas; e então não sei como possa haver essa facilidade, que alguém quiz inculcar: pela minha parte eu estou persuadido, que nem dentro de um anno se poderá fazer um inventario soffrivel; advertindo

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que com isto, que eu digo de memoria, não pretendo fazer cultura a ninguem: a ninguem torno a culpa; mas este é o estado deste negocio.

O Sr. Presidente: - Eu tambem não quiz tornar a culpa a ninguem, nem o que eu disse, poderia recair neste, ou naquelle individuo em particular; porque não sei mesmo donde isso provém.

O Sr Rodrigo de Menezes: - Eu não me levanto para contrariar nenhum dos factos, que tem sido apresentados, tanto por V. Exca,, como pelo nobre orador, que acaba de se sentar, mas devo dizer, em abono da verdade, que o Dr. Antonio Nunes de Carvalho tem feito ao seu paiz, e á litteratura um importantissimo serviço no desempenho dessas funcções não teve meios nenhuns á sua disposição...

Vozes: - E' verdade.

O Orador: - Elle fez o mais, que póde fazer com dous empregados, que tinha ás suas ordens, mandou limpar os livros, para que a traça os não consumisse, e fazendo-os pôr nas estantes, salvou este deposito interessante da rapina, e da furia do tempo: eis um serviço feito ás letras, e á fazenda. Ninguem pedia esperar, que o Dr. Nunes de Carvalho com os meios postos á sua disposição, podesse coordenar uma tão numerosa bibliotheca. Agora tenho a accrescentar, que as Côrtes quizerem ter com brevidade uma bibliotlieca, não tem remedio senão recorrer ao serviço do Dr. Antonio Nunes de Carvalho, porque só elle sabe como collocou os livros, só elle sabe aonde elles estão.

O Sr. L J. Moniz: - Eu confirmo outra vez o que ainda agora disse: não quiz fazer censura a ninguem, e muito menos ao Sr. Nunes de Carvalho, eu sei, que naquelle ponto particular elle tem feito muitos serviços; dou tambem todo o peso á razào, que apresentou o Sr. Deputado, da falta de meios pecuniarios, e com essa falta ainda menos fundamento ha para censura-lo, ou a quem quer que seja.

O Sr. Teixeira de Carvalho: - Tenho aqui um officio da secretaria d'estado dos negocios do reino, era resposta a outro, que lhe dirigiu a Commissão administrativa; e creio que com a leitura delle ficarão satisfeitos os desejos dos Srs. Deputados (leu). Remetteu-se por copia este officio ao Dr. Antonio Nunes do Carvalho, e está-se á espera dos livros.

O Sr. Pinto Soares: - Sr Presidente, eu pedi a palavra para declarar, que sendo membro da Commissão administrativa, não tive conhecimento nenhum do officio, que acaba de ser lido; porque se tivesse sido convocado para o assignar votaria, que não fôsse expedido similhante officio, visto que tinha relação a um objecto, que não está a cargo da Commissão; mas sim da mesa, a quem a bibliotbeca está encarregada, e muito bem encarregada julguei conveniente fazer esta declaração.

Posto á votação se esta questão devia terminar, assim se venceu.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Cezar de Vasconcellos.

O Sr Cezar de Vasconcellos: - Eu pedi a palavra para mandar para a mesa um requerimento dos voluntarios do batallião da Senhora D. Maria II, que assistiram á acção ao dia 11 de Agosto de 1829, na villa da Praia, em que pedem se lhes conceda uma condecoração por aquelle serviço: estes individuos já por vezes tem dirigido a este Congresso, e creio que ao Governo, iguaes supplicas, e realmente não sei o motivo por que tenham sido sempre desattendidos, apezar de pedirem uma cousa, que nenhuma despeza faz á fazenda publica isto costuma fazer-se em todos os paizes, e de certo lá se não encontram estas mal entendidas resistencias. O que elles pedem, é uma muito pequena paga para tão grandes serviços, e por isso eu mando o requerimento para a mesa, e V. Exca., e o Congresso o tomarão na consideração, que merecer.

O Sr Furtado de Mello: - E para ler um requerimento. (leu.) Por esta occasião desejo tambem, que se recommende ao Governo, que mande a este Congresso os esclarecimentos, que eu pedi sobre a ordem denominada - do Açôr - que tem por fim condecorar os defensores da liberdade, entre os quaes se contam os benemeritos, que notou o Sr. Cezar de Vasconcellos: se quando se faz um requerimento neste Congresso, não ha de o Governo satisfazer a elle, então é
melhor deixar de o fazer.....

O Sr. Presidente: - Eu creio, que já vieram esses esclarecimentos eu mando saber á secretaria, mas parece me, que esse requerimento já esta satisfeito.

O Sr. Alberto Carlos: - Sr. Presidente, pedi a palavra, porque tenho em meu poder um requerimento do Parocho do Campo Grande, pedindo providencias á Camara sobre a sua sustentação. Eu poderia deixa lo na caixa, mas não o fiz, e fallei nisto aqui, por estar premente S. Exca. o Sr. Ministro dos negocios ecclesiasticos, e de justiça, a fim de ver se S. Exca. dá algumas providencias a este respeito.

Este parocho queixa-se, de que em virtude do decreto de 19 de Setembro ultimo, ficou sendo tão má a sua condicção, que se tem passado tres mezes em receber a maior parte da limitada congrua, que lhe foi arbitrada, porque sendo relaxadas as verbas dos que não quizeram pagar ao Ministerio publico, até hoje não tem havido resultado, achando se conseguintemente sem ter que comer, e quasi no estado de mendigar esmola.

Eu bem sei, que S. Exca. já deu algumas providencias sobre congruas de parochos, e creio que foi em 14 de Janeiro ultimo, mas essas providencias são sómente sobre o arbitramento das congruas, e não sobre a arrecadação; ao que eu agora pedia a S Exca. era, que tomasse providencias especiaes sobre a arrecadação dessas congruas, e é, a este respeito, que chamo a sua attenção, apezar de que sei, que não é muito possivel acudir a isso, com uma providencia muito efficaz, mas é preciso tornar-se alguma, porque me conota que alguns parochos estão em um grande desgosto, e talvez em estado de abandonarem as igrejas, não só por esta razão; mas tambem porque as juntas de parochia em algumas partes os trataram muito mal; o que de certo precisa remedio.

Eu confio, que S. Exca. dará as providencias de que falla o seu relatorio, mas em quanto isto não chega, eu peço se recommende aos delegados do procurador regio, promovam estas cobranças com zelo, e actividade, e que se proceda contra a omissão. Aproveitarei tambem esta occasião para, rogar a S. Exca., dê tambem algumas providencias a respeito da sustenção das religiosas, porque se acham no maior, e misero estado de pobreza, e sem terem com que alimentar-se (Apoiado, apoiado) Já que toquei nesta materia de congruas, aproveito esta occasião para fazer o seguinte requerimento, a fim de se pedirem esclarecimentos ao Governo (leu) sobre a importancia das mesmas congruas, convém, que o Congresso tenha estes esclarecimentos, para estar mais habilitado a votar quando se discutir o orçamento, por que, vendo que nelle se não faz conta á despeza, que custa á nação a sustentação do clero, e calculando se o deficit sem attenção a essa despeza, quando realmente ella se tira da nação, como os mais tributos, é mixter, que nós saibamos, e a nação, o que isso importa, e que não pareçamos illudidos com a diminuição do deficit. Além deste requerimento faço outro, que tambem me parece ser de muita importancia, para quando se tratar do orçamento, e da reforma ecclesisticos (leu.) Eu creio que ha alguns parochos, que tem grandes passaes, e com os quaes pódem viver muito bem, e tambem ha outros, que tem um bom pé de altar; e de um sei eu, a quem o povo offerecia quatrocentos mil réis para que cedesse delle, e não quiz: outros porém, não estão neste caso. Ha mesmo parochias tão pequenas, que não podem sustentar um parocho, e por isso é, que eu faço este requerimento, pedindo os esclarecimentos devidos, a fim de ser habilitada com elles a Commissão ecclesiastica, para me-

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lhor dar a sua opinião, e as providencias, que julgar precisas; porque Sr. Presidente, a organização dos parochos, especialmente dos parochos ruraes, é negocio de muita importancia, que póde produzir effeitos politicos da maior transcendencia.

O Sr. Ministro das Justiças: - As frequentes representações, e clamores dos parochos, que, de diversas partes do reino chegaram ao Governo, foram os que aconselharam a medida sanccionada no decreto de 19 de Setembro do anno proximo passado, e com quanto esta medida fôsse imperiosa, e eminentemente justa, é força confessar, que ella não prehencheu os fins que tiveram em vista as intenções do Governo; e não é para admirar, que, ficando ao arbitrio dos contribuintes a taxa da contribuição, se seguisse o natural inconveniente da reluctancia, e aversão dos Póvos, para tudo que é imposto, ou contribuição directa; mas este, inconveniente que podia esperar-se mesmo n'um Governo regular, tornou-o ainda mais sensivel pelas circumstancias, filhas do nosso, actual estado de cousas. O máu espirito das Juntas de parochia, nutrido pelas intricas daquelles ecclesiasticos, que foram julgados incapazes de continuar no ministerio parocbial, e algumas vezes a imprudencia, e avidez dos proprios parochos, fizeram com que similhante medida não produzisse os resultados, que eram de esperar. O Governo procurou, por todos os meios ao seu alcance, occorrer a este inconveniente; já despertando o zelo e actividade dos vigarios, capitulares, e administradores geraes; já concedendo- lhes a graça de recurso para os concelhos de districto; e resultou de suas diligencias, que o decreto de 19 de Setembro teve facil execução, e produzio os melhores e feitos em toda a parte, aonde os parochos, e as Juntas de parochia eram o que deviam ser; e aonde nem uns, nem outros eram determinados por más influencias....

Quando se tratar de discutir o orçamento, terei de propôr ao Congresso a prorogação do decreto de 19 de Setembro, ou outro meio d'occorrer convenientemente á sustentação dos parochos; e este o motivo porque o Sr. Deputado não vê por ora figurar no orçamento a verba destinada a essa sustentação; mas se antes disso se julgarem necessarios alguns esclarecimentos sobre tão importante objecto, nenhuma duvida tenho em offerecer os que tiver.

O Sr. Rodrigo de Menezes: - Não só como membro deste Congresso, mas tambem como membro da Commissão ecclesiastica, eu; tenho que examinar este orçamento: - sinto bem estar colocado na dura necessidade de censurar os actos d'um nobre Ministro, a quem, consagro cordial amizade; mas não posso deixar de dizer, que o nobre Ministro dos Negocios Ecclesiasticos e de Justiça não teve em vista as leis em vigor, e deixou, por isso seus meios alguns de subsistencia, e em abandono, uma classe respeitavel como é a dos parochos. Vejamos o que ha decretado a este respeito. O decreto de 30 de Julho de 1832, n.° 40, declara na artigo 40.°, que a decima dos predios rusticos, será applicada para pagamento das congruas dos parochos. O Governo faltou a esta especie de contracto, e com manifesto escandalo postergou o disposto neste decreto. As Côrtes passadas, com a carta de lei de 20 de Dezembro de 1834, authorisaram esta falta de fé; nesta carta de lei authorisa-se o Governo para dar por caridade aos parochos uma esmola, quando o que se devia fazer, era habilita-lo para satisfazer ao que devia de justiça, ao que se havia promettido em uma lei, em uma lei que estatuia um verdadeiro contracto; porque tirando direitos adquiridos, o não podia fazer sem prévia indemnisação.

Eu não sei, Sr. Presidente, como o Ministro da Fazenda, que teve esta pasta, desde Julho de 1832 até Dezembro de 1834 podesse dar differente applicação a esta decima; mas fel-o, e o Congresso approvou-o!

Entre tanto esta mesma carta de lei de 20 de Dezembro, é hoje calcada pela actual Administração: - esta, não sei porque; assentou que devia arrogar o direito de Padroado, que o decreto de 6 de Agosto de 1833 conceda á Corôa, ás Juntas de parochia, que julgaram seu o direito da nomeação dos parochos; assentou, não sei porque, que devia abandonar estes empregados ás Juntas de parochia, vindo a ser fintados os fintadores, juizes os interessados. E o que tem produzido isto? Eu assevero ao Sr. Ministro, e a toda esta Camara, que isto não tem produzido bem nenhum, e só tem feito uma perfeita anarchia em todo o reino de Portugal.

S. Exca. não teve em vista, nem a carta de lei que acabo de referir, nem o decreto de 30 de Julho de de 1832. O Sr. Ministro persuadiu se, que não havia neste reino outras entidades ecclesiasticas, senão o Patriarcha de Lisboa, e o seu Vigario; o Bispo eleito do Porto, os Vigarios capitulares, uns certos Conegos, e uns Beneficiado; que apparecem aqui em uma verba confusamente. Sobre tudo mereceu ao Sr. Ministro uma particular attenção a Sé de Lisboa, onde apparecem Conegos honorarios; mas com ordenado!!! Eu não sei o que isto seja, nem que lei authorisa esta verba de despeza. A quantia de 3.... réis, é uma cifra que desappareceu do orçamento apresentado em 1836. Eu desejava que o Sr. Ministro me dissesse, como é que desappareceu esta verba do orçamento, e como pretende substitui-la. Dirá S. Exca., que tudo se acha regulado no decreto de 19 de Setembro do anno passado; mas este decreto tem de findar em 19 de Setembro deste anno; e por conseguinte, a não contarem os Srs. Ministros, que para esse tempo se hão de achar outra vez revestidos d'um poder illimitado, quod Deus avertat a nobis, temos que desde 19 de Setembro em diante, os parochos ficam sem ter que comer. Eu desejo que S. Exa. me dê informações a este respeito, porque as preciso, não só como Deputado, mas como relator da Commissão ecclesiastica.

O Sr. Ministro das Justiças: - A' vista do que eu acabei de dizer, parecia-me, que o Sr. Deputado muito bem se podia poupar á increpação, que com menos justiça acaba de fazer ao Governo: esse decreto, a que o Sr. Deputado se refere, nunca teve execução, e só a podia ter, se o Governo não fosse forçado pelas circumstancias, a applicar a necessidades mais urgentes o rendimento, a que nesse mesmo decreto se pertendeu dar outra applicação; e hoje tambem a não póde ter, attenta a escacez dos meios, e o muito que indirectamente se lhes prometteu. (Apoiado, apoiado.)

Os Parochos tem merecido ao Governo a maior attenção possivel, e não é justo dizer-se, que senão fez caso de uma classe tão respeitavel, só porque no orçamento não apparece a verba da sua despeza. Se o decreto de 19 de Setembro vigora, ahi está providenciada a sua subsistencia. Se ao Congresso parecer, que elles devem ser pagos pelo thesouro, por occasião da discussão do orçamento pedirei o credito necessario, e para então me reservo dar os esclarecimentos necessarios, para que o Congresso possa decidir com conhecimento de causa.

O Sr. Rodrigo de Menezes: - Se o nobre Ministro via que não tinha meios para levar á vante as disposições do decreto de 30 de Julho de 1832, parece-me que devia pedir áS Cortes providencias sobre isso. Deveremos nós, Sr. Presidente, deixar os Parochos; entregue ao abandono, e á miséria? Certamente, não. Eu vejo que até 19 de Setembro, está providenciado de tal ou tal modo; mas desse dia por diante não vejo providencias nenhumas para se lhes pagar. Eu não vejo aqui fallar em Parochos, vejo só fallar em Patriarcha..... e na verdade, é notavel cousa ser este é unico Bispo que temos em exercicio de funcções Episcopaes! Parece que está em Portugal extincto o Sacerdocio......

O Sr. Presidente (interrompendo o orador:) - Eu creio que não se está discutindo actualmente, qual deve ser a organisação do clero, nem o orçamento nesta parte. Se o Sr. Deputado tem precisão de alguns esclarecimentos, póde pedi-los ao Go-

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verno, e este deve dar-lhos; mas não é occasião de estar discutindo esta materia. (Apoiado, apoiado.) Eu pedi esclarecimentos ao Sr. Ministro, S. Exa. deu-os; mas é preciso que se saiba aqui e lá fóra, que esses esclarecimentos me não satisfazem, porque não podem satisfazer aos meus constituintes. Apparece um vasio no orçamento, e dadas as razões disso, torno a dizer que ellas me não satisfazem, e por conseguinte que me reservo para proseguir este negocio em occasião opportuna.

O Sr. Ministro da Justiça: - Póde ser que o Congresso não queira a continuação da medida, tal qual se acha, e o Governo mesmo entende que ella admitte algumas correcções. Se a Commissão em logar de increpar o Ministerio injustamente, o chamasse, elle perguntasse os inconvenientes que havia encontrado na execução, combinando depois sobre o modo de remediar esses inconvenientes (na hypothese de que a sua opinião fosse, que se continuasse a prover á subsistencia dos Parochos por este modo) isto digo, teria sido mais conveniente: e se a sua opinião é de que sejam pagos pelo thesouro, tambem o Governo o póde habilitar com os esclarecimentos necessarios para votar, ou pedir a verba correspondente no orçamento. N'uma das Sessões de 1836 opinei, e votei contra a medida, que depois adoptei sendo ministro, persuadido de que era o unico meio em taes circunstancias de prover á subsistencia dos Parochos: um Ministro que assim sacrifica as suas opiniões, ao proveito de uma classe tão respeitavel, não se póde dizer que a abandona: deixo á consideração do Congresso o pronunciar-se sobre a justiça de tal increpação.

O Sr. Leonel: - Quando eu pedi a palavra sobre a ordem, era em parte para dizer o mesmo que V. Exa. observou ha pouco; e a isso pouco tenho a accrescentar. Parece que o Sr. Deputado não comprehende bem, o que é um orçamento: e como havia o Ministro metter uma verba, que não está decretada por lei? Essa verba vem em branco, e anos é, que toca enche-la, se nos parecer conveniente; mas nunca isso pertence ao Governo.

Ora Sr. Presidente, dizer que o Sacerdocio acabou em Portugal: quem tiver amor ao seu paiz, não profira similhante cousa pelo amor de Deus; não só porque isso não é assim; mas porque faz muito mal dizerem-se aqui taes palavras.

O Sr. Galvão Palma: - O espirito da Commissão dos negocios ecclesiasticos é o pedir ao respectivo Sr. Ministro, esclarecimentos sobre o orçamento, visto que lhe faltam além de bazes, desenvolvimentos, sem o que a Commissão não póde interpor o seu parecer. Forçoso é confessa-lo, é muito inexacto, e mesmo defficiente o mencionado orçamento, pois apenas se limita a fallar da Sé Metropolitana da Extremadura, e de alguns outros ramos das nossas possessões ultramarinas; no entanto que pouco ou nada diz sobre os Bispados, Cathedraes, Parochos urbanos, e ruraes do continente; sem cujo conhecimento não se póde vir no alcance das reformas, e economias, que incumbe fazerem-se. A' vista do exposto, aproveito a occasião para lembrar á Camara, que não merece imputação pela demora que tivermos em apresentar o parecer, pois sem dados, pessoa alguma póde julgar.

O Sr. Rodrigo de Menezes: - Disse um Sr. Deputado, que eu não entendia o que era orçamento, porque nelle exigia uma verba, que não estava marcada por lei. - Tenho a responder, que o illustre Deputado não está presente na legislação que rege os negocios ecclesiasticos. A carta de lei de 20 de Dezembro de 1834 é uma lei, que o Sr. Ministro da justiça devia ter tido em vista; e o decreto n.º 40, que se diz inexequivel, não deixa de ser vigente, em quanto o corpo legislativo o não revogar por conseguinte não se trata de verba, que não estivesse antes marcada por ler. Mas ainda quando a lei de que fallo, e que proveu á subsistencia dos parochos, se não quizesse reputar em vigor, (que de certo não podia ser derogada por um decreto provisorio, cuja duração é d'um anno) ainda havia a marcar uma especie de congrua para a sustentação dos parochos, de certo tempo em diante; porque este decreto não lha marca senão até Setembro.

Agora sobre a expressão que eu soltei, de que parecia extincto o Sacerdocio em Portugal, seja-me permittido dar uma explicação. - Todos sabem, que ha Sacerdotes maiores, o menores: estes não podem exercer certas funcções, que pertençam áquelles. Ora não ha Bispo nenhum em Portugal, que esteja regendo diocese, a não ser o Patriarcha, e o Bispo eleito: isto é máo, não o duvido; mas que parte tenho eu em que isto assim esteja? Eu toquei esta circumstancia por incidente, e o Sr. Deputado arguio-me, nãe sei se dando importancia, talvez demasiada, ao que eu disse. Entretanto, se o illustre Deputado quer que este facto seja de muito pezo, eu convenho com elle: isto o que mostra, é a necessidade de dar muita attenção a este negocio. - Declaro por ultimo, que quando pedi estes esclarecimentos, tambem não foi por parte da Commissão ecclesiastica, posto que a maior parte dos seus membros, estejam d'accordo comigo neste ponto.

O Sr. Presidente: - Torno a dizer, que me parece não ser esta a occasião de discutir o orçamento, relativo aos ecclesiasticos; a Commissão ecclesiastica examinará este negocio opportunamente, approvando o que lhe parecer, e propondo as emendas que julgar convenientes. Esta questão deve acabar. (Apoiado.)

O Sr. Leonel: - Uma explicação importante, sobre o estado dos Bispos em Portugal. - Este estado, Sr. Presidente, não é para comparar com aquelle em que a propria Curia de Roma, em outro tempo, nos collocou pelo espaço de 28 annos, negando-se a ordenar Bispos para este Reino; mas nem por isso se disse então, que tinha acabado a Religião em Portugal. Por conseguinte acho que o Sr. Deputado não tinha agora razão para dizer isto.

O Sr. Rodrigo de Menezes: - A palavra para uma explicação pessoal. - (Sussurro).

Vozes: - Ordem, ordem.

O Sr. Presidente: - Não posso dar a palavra ao Sr. Deputado, porque já deu uma explicação.

O Sr. Rodrigo de Menezes: - Dei uma explicação de facto, e parece-me que o Congresso não me ha de negar que eu dê outra pessoal.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra.

O Sr. Rodrigo de Menezes: - Quando eu disse, que o Sacerdocio entre nós parecia extinguir se, fallei de facto, e não de direito. E como poderia eu dizer o contrario, se estou persuadido que o remedio para curar este mal, está indigitado em um livro intitulado = a Demonstração theologica = legado de profundissima erudição, que nos deixou o Padre Antonio Pereira. Se for preciso lançaremos mão destes meios. Concluo, que eu não disse que havia extincção de Sacerdocio; mas que parecia extincto o Sacerdocio; e isto por não ver era todo Portugal senão uma diocese regida pelo seu Bispo.

O Sr. Presidente: - Esta questão está terminada; agora tem a palavra o Sr. Pereira de Vasconcellos.

O Sr. Pereira de Vasconcellos: - S. Exca. o Sr. Ministro da marinha prometteu, que por todo o mez de Abril sahiriam para as nossas possessões da Asia a fragata D. Pedro, e a charrua Magnanimo; porém estamos hoje a 26 deste mez; e consta-me que tem havido tão pouca actividade nos preparativos destes navios, que eu duvido que elles saiam, não só até ao fim deste mez, mas até aos primeiros dias do mez de Maio. Se não sahirem até então, perde ser a monção; os navios não hirão fazer o serviço a que estavam destinados; e o dinheiro que se tem gasto com elles é dinheiro perdido. E qual será o resultado desta inacção? A meu ver, o perderem-se todas as possessões da Asia, perda muito sensivel; porque ainda que hoje ellas não rendem muito para o estado, podem, para o futuro vir a ser de

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grande vantagem. Para provar o que avanço basta dizer, que o estado de Damão produz uma grande quantidade de teca; esta madeira é a melhor que se conhece para a construcção, a obra de mão alli é minto barata, porque o jornal de um carpinteiro não custa mais de um tostão por dia, de maneira, que com a maior commodidade se podem construir em Damão todos os navios de guerra, e actualmente se está construindo ahi ha muito tempo uma fragata Goa é o melhor porto da costa do Malabar, e Macáo é um ponto interessantissimo para o commercio da China. Ora se estes navios perderem a monção, e não sahirem para o seu destino, não só perderemos as possessões da Asia, mas as da Africa Oriental. Eu vi uma carta de Moçambique, escripta por uma pessoa muito capaz, em que dizia que os Cofres estavam sitiando o nosso estabelecimento de Inhambane, que dalli se tinham pedido soccorros a Moçambique, mas que os não havia para se lhe mandarem, dizia mais a carta, que em Moçambique reinava a maior desordem, e que se o Governo não acudia promptamente perdiamos para sempre aquella colonia Sr. Presidente, estariamos nós reservados para ver separar em pedaços a Monarchia Portugueza, tendo meios para o evitar, tendo navios de guerra armados neste porto? Os Srs. Ministros da Corôa estão na rigorosa obrigarão de fazerem os maiores esforços para que esses dous navios saiam o mais tardar até ao principio de Maio, a fim delles não perderem a monção, e nós perdermos as nossas possessões da Asia, e da Africa Oriental - Em quanto eu tiver a honra de estar sentado neste Congresso hei de clamar altamente contra todo o Ministerio, que pela sua falta de energia deixar perder as nossas colonias; por que considero, que o Ministerio, que tal fizesse, fazia a desgraça da Nação. Permittam-me os Srs. Ministros que lhes diga, que me parece injusto e impolitico, continuar a mandar para as nossas possessões ultramarinas uma alluvião de empregados subalternos, porque a justiça e a politica pede, que esses empregos sejam dados aos naturaes do paiz (apoiado), e não nomeados pelos Governadores que para lá vão, mas aqui pelo Governo, porque a maior parte; desses Governadores tem ido para as nossas possessões, não para fazer a felicidade a esses povos, mas a sua propria fortuna (apoiado) e se se permittir a esses Governadores o proverem taes empregos, elles hão de prover, não as pessoas que tiverem mais merecimento, mas sim aquellas que lhes derem mais por elles.

Sr. Presidente, eu peço a attenção do Sr. Ministro da Coroa, (e sinto que não esteja presente o da fazenda) sobre o que vou dizer. - Ha no porto de Lisboa armados uma grande fragata de 50 peças, tres excellentes corvetas, um brigue, e uma grande charrua armada em guerra Estes navios, em vez de irem navegar, a fim de exercitar suas tripulações, e fazer respeitar a bandeira Portuguesa, estão ancorados no Tejo sem fazerem serviço algum, e fazendo uma grande despesa ao estado. Por que razão se não ha demandar estacionar parte desses navios nas nossas possessões ultramarinas, para serem sustentados por ellas, e aliviar o nosso thesouro, o que lhes não póde fazer maior pezo, porque o dinheiro que com isso se gastasse ficava no mesmo paiz. Dir-se-ha, que o thesouro é o mesmo, e que tanto faz gasta-lo aqui, como lá, mas eu digo que não, porque presentemente não vem rendimentos alguns das provincias ultramarinas. E porque não vem esses rendimentos? Porque essas provincias estão em anarchia, e um paiz sem tranquilidade não póde florescer: se os navios de guerra para lá fossem mandados estacionar, manteriam a tranquilidade, sustentariam as authoridades, e fariam respeitar o nome Portuguez, e então esses paizes haviam de florescer, e florescendo não só poderiam sustentar a nossa marinha, mas ainda ajudar o thesouro. Sr Presidente, excepto Inglaterra, nenhuma nação tem possessões tão vastas, e tão ricas como rios, a desgraça é, que não sabemos tirar utilidade dellas!

O Congresso creio estará lembrado, de que eu ha muito tempo pedi aqui ao Sr. Ministro da marinha, que mandasse vir uma pouca de madeira do Baltico para forrar o fundo de uma náo, que está ha quatorze annos no estaleiro, a fim de poder lançar se ao mar, para cuja despeza não era preciso mais de tres ou quatro contos de réis em letras do thesouro. S. Exca. prometteu, que se ia mandar vir immediatamente esta madeira; mas consta-me que S. Exca. o Sr. Ministro da fazenda, ainda não mandara dar estas letras do thesouro, apezar de lhe terem sido exigidas repetidas vezes pelo Sr. Mineiro da marinha.

Sinto muito que o Sr Ministro da fazenda não esteja presente, porque lhe queria observar, que se essa madeira não fôr mandada vir já, não vem este anno, e não vindo este anno ficará a náo no estaleiro mais um ou dous invernos, do que resultará a sua total ruina. Não será pois a maior falta d'economia, por uma quantia tão pequena perder a Nação um navio, que lhe custou já, talvez mais de 200 contos de réis? Em fim, como não se acha nesta Sala o Sr. Ministro da fazenda, mais nada direi sobre este objecto.

O Sr. Ministro da Marinha: - O Sr. Deputado de certo não tinha ainda lido o diario d'hoje o zelo, que elle mostra, por maior que seja, por mais efficaz, que seja a sua vontade de acudir as nossas possessões ultramarinas, de certo não lhe faço injuria, o seu zelo, e a sua vontade não é mais efficaz, nem tem sido mais benefica, que a do Governo. No diario de hoje vem uma portam do Ministerio da marinha, que diz assim (leu). Estão dadas as ordens, e de certo só por algum caso sobre o mar, é que póde deixar de verificar-se a sua saida neste praso, assim como a da charrua S. João Magnanimo. Tenho satisfeito á solicitude do Sr. Deputado agora quanto ao conselho, que dá á administração, de não empregar nos empregos subalternos senão os naturaes do paiz, essa é a politica da actual administração. A actual administração assim o entendeu, e tanto que todos os despachos anteriormente feitos em sentido contrario, foram cassados por mim, mas o Ministerio não concorda com o Sr. Deputado, quando diz, que não deixar aos governadores o indica-los, o Governo não deixa aos governadores o nomea-los, mas a propo-los a S. M. Como é que o Governo póde, em tão grande distancia, conhecer da aptidão, e do merito dos empregados senão por orgão dos seus empregados superiores? Os empregados superiores, em geral, póde dizer-se, que iam para alli fazer fortuna; mas hoje estou convencido, que os homens que para lá são mandados, são verdadeiramente portuguezes, e hão de fazer honra á nação. Parece-me, que tenho satisfeito ao Sr. Deputado.

O Sr. Vasconcellos Pereira: - Eu fallei dos governadores antigos; e a respeito do que disse S. E., vejo na portaria só a fragata D. Pedro, e a charrua, senão for até dez, ou doze, não poderá ir este anno, porque decerto perde a monção.

O Sr. Ministro da Marinha: - Eu disse, que tambem havia de ir a charrua no mesmo tempo, mas mandei fixar a partida da fragata D. Pedro, porque se por alguma circumstancia extraordinaria não podessem sair ambas, saisse aquella, mas tenho toda a esperança, que hão de sair ambas.

O Sr Presidente: - Esta questão está terminada passa-se á ordem do dia, que é a continuação da discussão do projecto de Constituição na sua generalidade, o Sr. Midosi tem a palavra.

O Sr. Midosi: - Srs.! Não é sem temor, que eu tomo a palavra em materia de tanta transcendencia, e que importa nada menos, que a salvação da patria. Digo, Srs., que não é sem receio, não porque eu tema pronunciar a minha opinião sobre este ponto importante, nem porque eu queira comprar popularidade á custa do bem estar da nação, que para aqui me mandou, e me nomeou seu procurador; mas por conhecer a magoa de cabedal, a falta de luzes, que desejára possuir em gráo eminente, para concorrer na

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grande obra do novo edificio social, que nos pertence reconstruir. Apezar desta pouquidade de talentos, não duvido, animado sómente pelos meus bons desejos, e rectas intenções, accrescentar o fraco clarão de minha pobre, e humilde candeia ao grande luminar de talentos, que brilha nesta Camara.

Difficil é sobre maneira a tarefa, que me cabe, tendo de usar da palavra no terceiro dia desta discussão, em a qual mui distinctos oradores tanto sobresahiram. Mas com quanto difficil seja esta tarefa, e com quanto superior ás minhas forças, não recuarei perante as difficuldades, e farei por desempenhar conscienciosamente o meu dever, satisfazendo aos desejos da maioria dos meus constituintes, que são esses o meu norte...

(Aqui foi o orador interrompido pelo Sr. Presidente, o qual ponderou ao orador, que toda a Camara não tinha outro norte, nem outros desejos, que o de acerto, e o do desempenho de seus deveres, satisfazendo assim ao que por seus constituintes lhe foi incumbido.)

O Orador proseguiu: - Não ha duvida, Sr Presidente, nem minhas expressões podiam, nem de leve, inculcar que eu deixava de reconhecer essa verdade, fallei com referencia a mim proprio, e não alludindo á Camara. Repetirei pois, Sr. Presidente, que o meu dever é, neste logar, satisfazer aos desejos da maioria de meus constituintes, cujo mandato acceitei quaesquer que fossem minhas opiniões particulares sobre esta questão, não podem ellas, nem devem ellas prevalecer, porque tenho um mandato especial, um mandato que me prescreve regras, que me marca bases, e do qual não me é dado affastar.

Um illustre orador, que hontem fallou, empregando a metafora disse, que nós fomos alluir pelos alicerces, minar até aos seus fundamentos o edificio da Constituição de 22. Eu digo, servindo-me tambem dessa metafora, que fomos aqui chamados para o fabrico regular de um novo edificio, que tenha duração, e solidez. E com effeito, se quizermos edificar sobre argila, se quizermos pôr no edificio demasiada cantaria, e edificio ha de forçosamente abater, e esmagar os inquilinos; se o madeiramento for igualmente demasiado, sem as necessarias ligações, e o indispensavel encadeamento, arrisca se a desabar, e se a architrave não tiver as dimenções, e proporções necessarias, mal poderá o todo resistir aos terremotos, e aos furacões politicos. E' preciso pois, que o todo seja entre si devidamente ligado, e que os materiaes sejam equilibrados para terem a necessaria solidez. Desenganemo-nos, Srs.: Portugal não póde ser nação modelo. Portugal não póde ir mais além do que tem ido outras nações, que lhe avantajam em força, em riqueza, em illustração (Apoiado.) Não estamos no seculo dos ensaios, as utopias não são para nossos dias. Carece se uma fórma de governo duravel, em que os diversos poderes doestado mantenham entre si o equilibrio, e a harmonia necessaria sé assim faremos uma obra duradoura, como é exigida pela nação, que nos pede uma Constituição, que satisfaça a todos os interesses, e a todas as precisões (Apoiado.)

Começo, ao entrar na generalidade do projecto, por tributar á illustre Commissão os meus mais sinceros agradecimentos, não só pela brevidade com que apresentou um tão importante trabalho, como pelo denodo civico com que desprezando preconceitos e só com a mira no bem geral, teve a nobre ousadia de consagrar, quando mais alto fallavam as paixões, principios, de apresentar bases ousadas, que fóra desta Camara achavam então opposição, sem duvida, de uma parte talvez menos pensadora da nação, mas que nem por isso deixava de ser a que mais alto fallava.

Na Constituição, que a Commissão nos apresenta, e com cuja maioria de principios me conformo, ainda que em um, ou outro artigo della me affaste em pontos de menor importancia, os quaes estou certo verei emendar na discussão especial, acho consignadas todas as boas doutrinas constituintes, e convenientemente marcada a divisão dos poderes. Possivel porém será reduzir este codigo a maior simplicidade, e despi-lo de alguns atavios, que menos bem lhe quadram. Examinemos, Srs., de passo, que não desejo cançar a vossa attenção, este projecto de lei fundamental, que a nação vai dar-se a si mesma.

Observo no titulo 1.°, na parte em que se marca o territorio da nação portugueza, designaram-se algumas possessões, que de ha muito não são nossas, e falla-se em outras na Asia, e na Africa, que desde longo tempo abandonámos; d'aqui se póde ver o inconveniente, que se seguirá, e quanto é melindroso consignarmos na Constituição similhante declaração Desejaria pois, que na discussão especial, ou se supprimisse esta parte, ou ella se exarasse em termos mais geraes.

Seguindo a ordem chronologica das materias, desejava tambem, que do titulo 3.° se eliminasse o § 12 do artigo 12, que manda organisar um codigo civil, e criminal; porque tenho esta matéria como regulamentar. O artigo 11 do mesmo titulo, que diz respeito á imprensa, e no qual se declara, que todo o portuguez póde dizer, escrever, imprimir, e publicar livremente os seus pensamentos, necessita ser mais conciso, porque dizer os seus pensamentos, póde entender se por fallar, e nunca fallar foi delicio da liberdade d'imprensa. Quizera tambem em alguns outros artigos empregado o positivo, e tirado tudo que deve ser attribuição do poder executivo, como o são as cartas de naturalisação do § 9.° do artigo 74. Sei que nesta parte se imitou de outra Constituição, que se cita por vezes como modelo, mas nossas circumstancias são mui diversas daquellas, em que se acha a nação, que quiz que as cartas de naturalisação fossem attribuição do poder legislativo. Estas pequenas cousas escaparam ao correr da penna, mas podem ser facilmente emendadas na discussão especial.

Voltemos agora ao artigo 45 do titulo 3.°, que determina, que a Camara dos Senadores seja composta de membros vitalicios nomeados pelo Rei, e sem numero fixo. E este, a meu ver, um dos pontos mais importantes do projecto, e no qual mais diversidade de opiniões se ha de encontrar; diversidade que até appareceu no seio da propria Commissão, aonde parte se affastou do projecto, votando por numero fixo de Senadores, e outra parte, a minoria, votou pela Camara temporaria. Confesso, Sr. Presidente , que neste ponto a minha razão, e o meu entendimento, não se acham ainda sufficientemente esclarecidos para adoptar um, ou outro arbitrio. Votarei talvez por um terceiro, que por exemplo permitte a renovação de uma terça parte de Senadores, que saiam da Camara, quando a Camara dos Deputados fôr dissolvida, ou por outro qualquer correctivo, que reuna a conveniencia politica, e possa servir, como de arca de alliança, para reunir todos os portuguezes leaes em roda do throno.

E aqui, Srs., devo ponderar, que na formação da segunda Camara existem muitas considerações de politica conveniencia, a que se deverá attender. E' preciso que não fechemos a porta ás esperanças futuras de certas classes, e que respeitemos até seus preconceitos. Embora se designe numero, mas haja sempre uma parte fixa desse numero, que se possa periodicamente renovar. Sei que na discussão especial se apresentarão os inconvenientes desta medida, que a mim mesmo se me offerecem, mas estes pesados com as razões de conveniencia politica, que offerecerei na discussão especial, fazem-me inclinar a favor de um terceiro methodo para a formação da segunda Camara, methodo que espero poderei desenvolver então, e a que alludo de passagem.

No artigo 50, permitta-me V. Exca. que eu continue estas observações, que apesar de parecerem mais proprias da especialidade, tem aqui todo o cabimento. Por este artigo se dá a Camara dos Senadores a attribuição de conhecer dos delictos individuaes comettidos pelos membros da Familia

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Real, Ministros, Senadores, e Deputados. Isto a meu ver tem graves inconvenientes, porque arvora os Senadores em Camara de justiça, e os seus membros de Senadores passam a juizes. Temos por esta disposição uma contradicção com o principio da independencia dos poderes politicos, e bem assim uma usurpação do Poder judicial. Sei que em Inglaterra, de quem só devemos imitar o bom, a Camara Alta tem o direito de julgar, mas esse direito ficou-lhe dos tempos fendaes, do seculo de Jean sans terre: nesses tempos tinham os barões em suas terras o direito de julgar os seus vassallos; os nobres de então preferiam antes ser julgados nas Côrtes dos seus Soberanos, do que Comparecer perante os tribunaes, onde o povo era julgado: estes tribunaes - compostos pela maior parte de ecclesiasticos, - julgavam pelo direito canonico, que os nobres não reconheciam como contrario ás suas preterições feudaes, e porque julgados aquelles conjunctamente, com os pares, ou iguaes destes, quasi sempre seus amigos, ou parentes achavam nelles facilidade para encaparem ao castigo de seus crimes, e prepotencias.

Hoje porém, que nenhum nobre tem o direito de fazer justiça nos seus dominios, seria transtorno de idear dar o officio de juiz a um corpo leigo em sua maioria. E' necessario eliminar do codigo fundamental esta disposição gotica, que póde originar muitos abusos, e talvez levar-nos a ver, como hoje em França, a Camara Alta julgar exclusivamente todos os crimes politicos. Alli não só julga dos delidos comettidos pelos Principes, Ministros, Pares, e Deputados, mas até da imprensa. Se por ventura se deseja, que certas pessoas não compareçam perante os tribunaes, mais coherente será formar um jurado especial composto de membros das duas Camaras, e tira-los por sorte em numero fixo para quando occoram taes causas.

Agora, Sr. Presidente, para não cançar a attenção do Congresso, passarei a refutar algumas das opiniões de illustres Deputados que combateram o projecto. Applaudo-me em ter sido um dos que insisti, que este projecto fosse discutido na sua generalidade, por que d'aqui terá visto o Congresso e tem resultado que se tira desta discussão, em que assentam bases, em que se admittem principios geraes, sobre os quaes é facil ao depois na especialidade edificar. Não só por este lado estimo se approvasse a generalidade, mas tambem porque tivemos occasião de ouvir neste Congresso reproduzida; todas as opiniões, expressadas com plena liberdade, e todas ellas tendendo a um só objecto, ao desejo de acertar. Por honra e gloria desta assembléa, vejo nesta discussão todos a uma voz quererem o bem geral, o bem de seus constituintes, e discreparem sómente nos meios, que não nos fins. Se por ventura, Sr. Presidente, vou agora combater algumas das opiniões da illustres Deputados, que rejeitaram o projecto, não se entenda por isso, que eu lhes faço a menor arguição, as razões que expenderam são theoreticas; convencem-os, levam os Srs. Deputados a persuadirem-se que isso será o melhor, as minhas são tiradas tambem das theorias, mas ainda mais da pratica, e do mesmo modo me levam a presuadir me, que ponderados os bens possiveis, e os males inevitaveis é preciso adoptar o meio termo. A minha opinião está formada sobre a base da conveniencia publica, e na adopção por consequencia do projecto, como unico possivel, e que encerra em si os elementos da duração, e da felicidade publica. O illustre orador, que abriu a discussão, e outros dous Srs. Deputados que se assentam neste lado da Camara, acharam, que no projecto não estava bem definida a soberania nacional, e que esse principio não estava consagrado no projecto. Outro abalisado orador, e meu contra parente, que homem fallou na materia com tanta eloquencia, mostrou que a soberania nacional era um facto e não um direito. Eu hoje accrescento, que a soberania é um facto, e é um direito. O direito está consignado no artigo 16 do titulo 4° onde diz - A soberania reside essencialmente em a nação, de quem emanam todos os poderes. - O facto está aqui; está entre nós; está no direito de constituir-nos, está no direito de fazermos a lei, que ha de regular todos os poderes do estado, está em marcar a cada um desses poderes as suas attribuições. A consequencia immediata desta soberania nacional, é, que o povo forme a sua constituição em vez de a receberem. E por ventura, não estamos nós em virtude dos mandatos do povo exercendo, esse direito? Negaram os meus illustres collegas, que impugnam o projecto, que o povo não está, pelos seus representantes, exercendo a soberania? Se eu quero escrever, andar, fallar careço acaso dizer que vou escrever, que vou fallar, que vou andar? Que outra prova posso dar da liberdade, que tenho para fazer qualquer cousa, do que o exercicio dessa faculdade? A soberania está no acto, no direito de constituir-se de formar a sua propria lei, e nas garantias que a nação reserva para si. Se esse acto não é o de uma plena, e absoluta soberania, mal entendo eu o que significa soberania, e em que consiste ella.

Quanto á unidade da Camara, ás observações e razões com que se deffende uma só Camara, não repetirei os excellentes argumentos, que meus illustres collegas produziram com tanta erodição. Estou preparado para responder aos defensores dessa anomalia politica com as doutrinas dos melhores e mais abalisados publicistas, com os exemplos da historia, e com os de nossa casa e de nossos dias. Quizera em verdade convencer-me da possibilidade de estabelecer uma só Camara, que a optimos e bons pensadores deslumbra; mas não posso, em quanto vir a sociedade constituida como esta, e com elementos em si de propria distruição! Confesso que por mais que queira persuadir-me da conveniencia de similhante elemento, unico na confecção das leis; quando considero, ou medito em a organisação de tal poder por essa fórma, vejo a par disso a imparciabilidade e os perigos que d'ahi se seguiriam. Eu chamo sobre a seguinte reflexão, que me occorre, a attenção da Camara, e direi, Sr. Presidente, que offerecer hoje a favor do estabelecimento de uma só Camara os argumentos, que se repetiam ha meio seculo para sustentar tal doutrina, é pelo menos desconhecer a marcha da sciencia politica. A sciencia politica tem em nossos dias feito muito e muitos progressos, e refuta-la agora com os argumentos dos tempos passados, é, sem a menor duvida, querer ficar atraz da sciencia (Apoiado, apoiado.)

Mas os Srs. que defendem uma só Camara, julgarão por ventura possivel, que ella possa vingar sem mil difficuldades internas, e externas? Quando na especialidade esse projecto se apresentar á discussão, parece me, que lhes poderemos responder com o analitico Bentham, que satisfez com suas doutrinas a toda a filosofia europea, com Montesquieu, Blackstone, Constam, Frilot, e o nosso abalisado concidadão o Sr. Silvestre Pinheiro, além de tantos outros publicistas, que defenderam os dois poderes co-legisladores, como operando favoravelmente contra a irrestricta authoridade de uma assembléa única. E a par de tão distinctos publicistas, se fôr chamado a citar exemplos de experiencia, direi onde existe na europa um só governo monarchico representativo sem duas Camaras? Quatro ha na Suecia, onde as classes são separadamente representadas, e Deos nos livre dessa multiplicidade, que é mais do que, a que eu defendo: duas na Inglaterra, na França, na Belgica, e decretadas na Hespanha, e até nos Estados Unidos, onde 24 são os differentes estados federaes, ha apesar de ser uma republica, ha, digo, consagrado, e admittido o principio dos dois corpos co-legislativos. E então, Srs., se a experiencia mostrou a nações provectas, e adiantadas na carreira da liberdade, a conveniencia de ter duas Camaras, será prudente, que nas falhas de força, de riqueza, e até, seja-me termimda a expressão, por amarga que pareça, de illustração, querer ser mais do que estas nações, fortes, ricas, e illustradas? (Apoiado)

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E agora note-se, Srs., um facto, que eu desejo presente em vossa lembrança. A França, e a Belgica; fizeram duas revoluções; duas revoluções em que correu sangue, e se tornaram pedaços dois thronos; onde morreram moralmente duas dinastias. E aonde foi a França enthusiasta, ebria da liberdade, e de gloria, buscar precedentes para o seu novo codigo, foi á revolução de 91? - Não, Srs.; foi a carta de Luiz 18. - Chamou outra dinastia, e todavia conservou as fórmas monarchicas, que assim lh'o aconselhou a experiencia, depois do funesto ensaio de uma só Camara, d'essa Camara que gerou tantos attentados! Ora, Srs., se a França, e a Belgica, podendo tudo, se limitaram sómente ao possivel, como se poderá, ou entregará ao desprezo esse exemplo? O argumento porém recobra mais força, ainda se considerarmos as differentes posições revolucionarias, em que se achavam aquelles, paizes, e o nosso. Alli, como disse, acabaram duas dinastias, cessaram de reinar; e entre nós, apesar que o povo reagia, o throno ficou intacto.

Aqui, em quanto a nação tomava armas contra os que a vendiam, contra os que a atraiçoavam, lamentava ao mesmo tempo a que excesso a levara a maldade dos que seduziram a sua adorada Rainha, dos que surprehenderam; seu coração bondadoso e innocente (Apoiado); no meio do estridor das armas victoriava se o nome da Soberana, e bastou ella apparecer para se ouvir um só grito, o de - Viva a Augusta Filha do Grande Pedro! - Qual anjo da paz, mostrou-se a seus subditos, e tudo acabou acabou no mesmo momento. (Apoiado, apoiado.)

Na França, e na Belgica foram prescriptas duas dinastia», o principio monarchico parecia quebrado, e todavia não o foi, conservou-se porque assim convinha, porque assim o entendeu o bom senso nacional cançado de experiencias, e ainda mais de enganos. Em Portugal, como disse, ficou intacto o principio monarchico o throno de 1640 não soffreu abalo; houve pacto entre o Rei, e o povo, ambos concordaram, e ambos foram salvos.

Resta-me combater com a opinião singular, que appareceu, e foi proferida por um illustre Deputado, que toma assento na extrema direita da Camara. Disse S. S.ª, que não queria, nem seus constituintes, mais do que a Carta de 26. Eu não sei se a procuração de S. S.ª é exarada nos mesmos termos, que aquella que me deu assento nesta Camara, se é, parece-me, que o seu desejo está em opposição com o seu mandato. Porém demos de barato, que o não estivesse, não se acha por ventura o illustre Deputado satisfeito vendo que o Projecto, que se nos apresenta, encerra quanto na Carta era bom? Não acha o Sr. Deputado consagradas no projecto todas as garantias da Carta? Não encerra elle por ventura as duas Camaras - o véto - o poder de dissolver? (Apoiado, apoiado) Que mais deseja? Mas diz S. S.ª, desejo a Carta com pequenas modificações. Está no seu direito o Sr. Deputado em manifestar o seu desejo, e ninguem lhe disputa; mas esse desejo não é o da maioria da nação, que o encarregou por seu mandato de fazer uma Constituição tendo por base a Constituição de 22, e a Carta de 26. Essa Constituição deve pois assentar sobre taes bases, que são as exaradas na sua procuração. (Apoiado.)

Sr. Presidente, esta Carta a que alludo tambem, eu a defendi com o denodo, e á sombra della, quando a traição gritava em outra parte - Carta nada mais, e Carta nada menos -, isto é, quando a traição queria tudo, menos a Carta; vi que ella serviu em 27 para alcatifar os sanguinolentos degráos da usurpação; então calcando-se tudo aos pés, eu, e mais alguns de meus nobres companheiros, um dos quaes tem assento neste Congresso, apesar da censura e da lei da liberdade da imprensa, fomos indiciados como réos de alta traição, por a havermos defendido, e publicado um papel penodico - o Portuguez -, e pouco faltou que não fossemos sacrificados em holocausto ao minotauro portuguez. Em 1833 serviu essa Carta para capa de grande livro, por onde estudava uma facção liberticida, que nos preparava nada menos que o absolutismo. Dessa Carta, ou antes de seus interpretes não me restam saudades, nem á nação, que vio como ella foi executada, e soffreu as maldades dos homens dessa época, que com seu, manto se cobriam. A nação chegou, levada ao exespero, a julgar, que não podia, livrar-se desses que a opprimiam, sem desfazer-se do codigo que elles proclamavam, em quanto lhes rasgavam suas paginas uma por uma. (Apoiado) Em verdade continha elle algumas boas disposições, que consignadas se acham no projecto, divestidas porém de outras, que eram mistificações politicas, e que serviam para ludibriar a nação. A' sombra dessa Carta, que nunca seus interpretes, quiseram emendar, vimos praticadas tantas prepotencias, que, a mira me tocavam tambem em partilha. Ella seria em breve nas mãos dos que se apregoavam os amigos do Grande Monarcha, que a outorgou, o que foi a Carta Franceza nas mãos de Polignac e La Bourdonaye, e teria com esta feito pedaços, mais um throno, se tão leaes não fossem os portuguezes...... (Apoiado, apoiado) Não proseguirei, Sr. Presidente, e resumindo a meu, discurso concluirei, que no projecto apresentado pela illustre Commissão estão plenamente satisfeitos, tanto os desejos dos idolatras da Carta, como todos os que se tem expressado os defensores da Constituição da 22; e então, não serei eu por certo quem terá escrupulos e, para deixar de votar, como disse, pela generalidade do projecto.

O Sr. Maia Silva: - Trata-se d'approvar, ou rejeitar na generalidade o parecer da Commissão; e por isso eu não descerei prematuramente á discussão de cada um dos seus artigos. Restringir-me-hei á questão propriamente dita. Alguns dos meus illustres collegas, tanto no primeiro dia, em que teve logar a discussão do parecer, como na sessão d'hontem impugnaram o mesmo; e o fizeram com o fundamento, de que era insufiiciente para a liberdade, e que não derivava as suas idéas da Constituição de 22. - Eu faço justiça aos seus sentimentos; sei avaliar seu merito; invejo os seus talentos; e reconheço sem repugnancia alguma o seu acrisolado patriotismo; mas seram exactos os seus raciocinios? Serão convenientes as suas opiniões? Vamos a examina-lo, - Sr. Presidente, a que viemos nós aqui? Qual, é o objecto da nossa missão? Não é o modificarmos as duas Constituições, que até o presente tem existido no paiz? O extrahir d'ellas o melhor possivel, e que esteja em harmonia com os actuaes Governos representativos da Europa? Certamente que sim. E que é o que o parecer extrahe da Constituição de 22? O que, Sr. Presidente? O principio da soberania popular -principio vital para a liberdade, principio de per si só bastante para baquear em terra o collosso do despotismo. E que tira elle da Carta de 26? Uma força d'equilibrio - um poder conservador, reconhecido necessario por todos os povos constituidos em circumstancias identicas ás nossas. Mas irá elle d'accordo com as outras Constituições da Europa? Vai; porque ellas tem por base os mesmos fundamentos, que no parecer se adoptaram. Se pois este contém os elementos precisos para liberdade... Se lhe servem d'alicerces a Constituição de 22 - a Carta de 26 - e o combinar o seu systema com a actual representação europea... Se assim prehenchemos o nosso fim - o nosso mandato - as nossas procurações - a nossa missão - e o juramento, que alli prestamos - porque havendo de rejeitar, o parecer? Illudir esse juramento? Mas não é só a força de raciocinio; não é só o rigor logico, que me convence a favor do parecer, são os sentimentos do meu coração, é o amor da minha patria, que me persuade a votar por elle. Sr. Presidente! A liberdade sempre ha de obter meus votos; nunca deixei de prestar-lhe cultos: sou livre; e quero, ser livre o mais, que me seja possivel; e por isso em theo-

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ria eu partilho as opiniões daquelles, que com tanto denodo, e com tão boa fé as tem expendido contra o parecer..... mas na pratica, Sr. Presidente, - na prática..... as lições da experiencia são tão pesadas..... sim, é d'essa experiencia, mãi primitiva dos conhecimentos humanos, que tiraram partido esses publicistas celebres, que acaba de citar o illustre Orador, que me precedeu, os quaes tanto bem fizeram á humanidade, era contraposição doutros que beneficiando anteriormente as sciencias, foram muitissimo prejudiciaes á causa da sociedade. Que é o que se tem visto em tempos modernos, quando principios totalmente democraticos suplantaram os de mais elementos politicos? E aqui talvez seria o logar de responder a um Sr Deputado, cujos talentos eu muito respeito, o qual me pareceu appellar para a resistencia, não sei de quem - oh não! Eu estou tão intimamente convencido do caracter dos portuguezes - bem como do civismo daquelles bravos, que dirigem a população armada, que nenhum, nenhum receio se me antolha, de que haja um só cidadão, que não fique um mudo, e pacifico expectador das decisões de seus representantes. - Uma nação, talvez a mais poderosa da terra, quando os uni-camaristas arvararam suas bandeiras, - sangue - o sangue jorrou em torno de seus estandartes - e esse sangue só servio por ultimo para regar a arvore do absolutismo.

Tem-se lançado aqui o odioso sobre aquelles, que mendigam entre os estranhos exemplos para as nossas cousas. Isto em parte e rasoavel ninguem mais do que nós deve ostentar um nobre orgulho, e appresentar um decidido caracter de civismo, independencia, e nacionalidade mas, sem sahirmos do nosso solo, não haverão exemplos para comprovar a minha asserção?...

Que aconteceu em 20? O amor da novidade criou o nunca visto enthusiasmo para com as nossas instituições, mas os habitos do paiz, ainda muito fanatisado;... (além das causas externas, já mui bem desenvolvidas aqui) os prestigios dos povos, que os legisladores não souberam respeitar, e com os quaes não meditaram quanto era possivel as suas idéas, foram pouco apouco minando solapadamente os alicerces da liberdade - prepararam a tyrannia -as prepotencias aristocraticas - e por fim arrojaram aos nossos pulsos as cadêas de um despotismo o mais terrenho, e o mais atroz. Sr Presidente, no estado actual das cousas, na crise melindrosa, em que nos achamos, que e o que mais convém ao nosso paiz?... Será o amor da ordem - da tranquillidade - do socego domestico? Ou a seisão - as antipathias, o aceirramento dos partidos? Olhemos pela patria: seu seio está dilacerado pela divergencia d'opiniões politicas - O parecer tem por alvo obstar a tantos males. Formemos de toda a Nação uma só familia, e do povo portuguez um povo d'irmãos.

A republica de Platão é uma chimera - um bello sonho d'uma imaginação ardente. Sacrifiquemos esse bello ideal ao que é menos bello, mas mais estavel, mais permanente. Existamos primeiro, e depois trataremos d'existir bem. Voto pelo parecer.

O Sr Raivoso: - Estamos chegados ao passo extremo, e é formoso passa-lo. Portugal olha-nos, a Europa observa-nos, os partidos exaltam-se, uns querem mais, outros menos, e outros cousa nenhuma, por isso tendo eu de dar o meu voto julgo do meu dever publicar a minha crença politica, para que todos me conheçam, e esta a rasão porque fallo, quando não estaria calado. Sr. Presidente, nem sempre é possivel fazer o melhor, e porque impossiveis não andam para diante, e erro intentar impossiveis.

O projecto de Constituição, que a Commissão nos apresenta, terá imperfeições, mas qual é a obra sahida das mãos dos homens, que as não tem? Se os artifices são imperfeitos, como podem as suas obras sahir perfeitas? Para conhecermos pois o gráo de perfeição, ou de imperfeição deste projecto, é necessario compara-lo com as duas Constituições de que foi tirado, só comparando, e analisando o comparado, é que poderemos conhecer o melhor, esta é a minha opinião, e de mais alguem entremos pois na comparação. As garantias do titulo 3.° do projecto são mais explicitas, que as das outras Constituições, principalmente o § 7.° do artigo 11.°, que é novo e conveniente ao progresso da liberdade, quando permitte as reuniões desarmadas o artigo 16.º resolve a grande questão da Soberania Nacional: os §§ 1.º e 2.º do artigo 76.º sustentam esta doutrina, e os artigos 91.° e 92 °, vão em armonia com ella. Se o artigo 94° do projecto estivesse escripto na Carta de 26, não chegaria D. Miguel a ser Rei de facto em Portugal, porque a Regencia não mudaria para elle. O artigo 121.° ácerca dos jurados, é mais positivo, porque falla no presente, quando o da Constituição de 22, a similhante respeito, falla no futuro. - A doutrina da ultima parte do artigo 141.°, é tambem nova e boa, porque da ao Congresso a força necessaria para manter o equilibrio entre elle, e o Governo; e sem equilibrio entre os poderes politicos do Estado não ha Constituição: se um dos poderes pesa mais que os outros, na balança politica, esse poder torna-se absoluto e por tanto necessario que, cada poder tenha uma arma defensiva de seus direitos, e assas forte, para resistir aos outros poderes.

A liberdade de imprensa do projecto é mais ampla, que a da Constituição de 22, que deixa aos Bispos salva a censura sobre dogma, e moral. Convirei com tudo, que alguns paragrafos, e artigos deverão ser emendados, suprimidos, ou additados eu mesmo offerecerei talvez alguma emenda, porém como este projecto de Constituição enche a principal condição explicita na «unha procuração, o de estar em harmonia com as de mais Constituições da Europa, as quaes o comparei; segundo o meu modo de ver as cousas, voto que seja approvado na sua generalidade.

Agora responderei a algumas reflexões que tenho ouvido, e que me parecem menos exactas. Servindo-me dos mesmos argumentos em differente corollario, Sr. Presidente, a minha procuração diz, (as outras não sei) que meus constituintes me outhorgam poderes especiaes para fazer na Constituição de 22, e na Carta de 26, as alterações, e modificações, que julgar convenientes, a fim de estabelecer uma lei fundamental, que assegure a liberdade legal da Nação, e a prerogativa do Throno Constitucional, e que estejam em harmonia com as Monarchias Constitucionaes da Europa o contrario seria ultrapassar os meus poderes, do que resultaria nullidade insanavel, nem se diga, que não sou obrigado a respeitar as condições especificadas na minha procuração, porque ellas tracem a sua origem do decreto do Governo, que regulou as eleições, já eu disse que ellas, as condições, trazem a sua origem de longe, fôsse porém qual fôsse seu nascimento, é certo, e muito certo, que o Povo, os mesarios das eleições, e as Camaras municipaes, sanccionaram essas mesmas condições, pelo bem notorio facto de concorrerem espontaneamente ás eleições dos Deputados, que approvaram sem protesto, nem declaração alguma este acto da concorrencia espontanea do Povo as eleições sanccionou o decreto do Governo, que regulou as mesmas eleições, e eu devo respeitar a sancção do Povo, porque elle é o soberano, e eu o seu delegado é esta a minha opinião.

Isto diz a minha procuração, que eu muito respeito, e sigo, e já antes tinha eu lido esta mesma doutrina no diario do Governo, que relata os acontecimentos de 4 e 5 de Novembro proximo passado, como concordara ou ajuste, que pôz termo áquelles mesmos acontecimentos. Ora, Sr. Presidente, em virtude desta procuração exerço eu a Soberania, porque sou delegado do Soberano, que e a Nação que me elegeu; mas eu não sou Soberano, a Soberania não pode ser dividida, nem alienada, ella reside na Nação, e só na Nação, eu que sou teu procurador, só tenho os poderes que ella me outhorgou: ella manda, que eu faça uma lei com condições explicitas, devo faze-la como é ordenada.

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O Sr. Pereira Borges: - Depois dos illustres oradores, que me precederam, e fallaram nesta materia com tanta sabedoria, eu certamente teria desistido da palavra, se o objecto em questão não fosse tão importante, e não entendesse que preciso é dar a rasão do meu voto; por tanto deixei a minha opinião com a maior brevidade que me for possivel, sobre este projecto na sua a generalidade.

O projecto de Constituição, que a Commissão apresentou á deliberação deste Congresso, offerece nos os principios geraes, que podem fazer a felicidade de todos os paizes, e aquelles que mais particularmente pertencem á Nação portugueza, attendendo á sua indole, e mais circumstancias que lhe são inherentes, da nossa nacionalidade, e independencia, e não passou da orbita dos poderes que nos foram confiados nas nossas procurações, segundo as quaes, e conforme com as suas forças, eu entendo que este projecto deveria ser concebido.

Principia a Commissão por nos consignar aquelle principio de Governo, que mais conveio aos nossos antigos portuguezes, e que mais se conforma com os nossos tempos modernos, e por nos dar uma forma monarchica Constitucional representativa, por isso que ha um monarcha Constitucional, que deve ser confiado o podêr executivo em consequencia da sua acção rapida, e momentanea. Os direitos individuaes são neste projecto garantidos em toda a sua plenitude, e o titulo 3.° consigna principios, que são mais liberaes, que os de todas as Constituições conhecidas. Os poderes do Estado conservam a sua perfeita independencia, e nestes tem a Nação uma forte garantia em todos os ramos da sua administração. O principio de soberania nacional aqui está consignado, principio que tem nacionalidade, porque na acclamação do Sr. D. João IV., elle foi ratificado, e se em 1820 se adoptaram idéas de liberdade mais conformes com o espirito do seculo, todavia não deixou este de ser sempre o idolo dos portuguezes, e só póde dizer-se interrompido no tempo dos Filippes.

A Commissão procurando accomodar se ao estado do paiz, e mais principios adoptado, entre os povos, que se governam pelas formas representativas, adoptou o principio das duas Camaras, e foi procurar na Camara dos senadores os grandes proprietarios, e as melhores notabilidades portuguezas, retirou o odioso da herança, e estabeleceu o equilibrio entre o executivo, e a primeira Camara, e desta maneira constituiu a monarchia Constitucional, formando um poder neutro, que para os outros poderes fosse o mesmo, que é o poder judiciario para os casos particulares; deu-lhe a qualidade de Milicia, para estabelecer um centro de força, de estabilidade, e resistencia contra qualquer tendencia democratica, e para haver interesse por esta dignidade.

Nas prerogativas da Corôa, a Commissão consultou as Constituições mais livres, e aproveitou das nossas o que lhe pareceu de melhor neste sentido; e entendeu que convinha dar á Corôa aquella latitude, que mais se compadece com o decoro nacional, e por isso lhe consignou o direito de examinar as lei, que tem de dar á execução, porque estando a seu cargo a sua execução, e responsabilidade, parece que lhe deveria pertencer o direito de examinar, se ellas eram, ou não prejudiciaes ao estado, porque se tivesse de apoiar leis, que desaprovasse, seguir se ia obrar contra a sua consciencia, e serem todos os seus actos violentados, e porque desde esse momento deixaria de ter força, por quanto os seus subordinados lhe desobedeceriam, seguros de que lhe não desagradavam, além de que é necessario, que o poder representativo tenha limites, para que os seus actos tenham moderação, e não seja perigoso no povo, o que aconteceria se o seu poder não fôsse limitado. Dá-lhe mais o podêr de dissolver as Camaras escolhidas pelo povo; porque a dissolução é o unico remedio efficaz e tranquillo contra os excessos do poder legislativo, e contra qualquer espirito de partido; porque assim como é conveniente, que os corpos deliberativos tenham toda a liberdade, e sejam investidos de prerogativas legaes, e fortes; tambem é justo que sejam reprimidos, quando pertendam exceder se. Neste projecto encontra-se a responsabilidade dos Ministros, a independencia, dos juizes, a instituição dos jurados, e mais garantias de liberdade; pelo que voto pelo projecto na sua generalidade, e guardar-ma-ei para fazer algumas observações sobre alguns dos seus artigos, quando se discutir na sua especialidade.

O Sr. Sampaio Araujo. - Eu ceio da palavra, porque pedindo-a muito cedo não esperava me chegasse só agora: tem fallado tantos oradores, e tão sabios, que não tenho a accrescentar cousa alguma em segundo logar porque todos os oradores tem defendido o projecto, e eu conformando me com elle, reservo me para na especialidade combater alguns artigos com que me não conformo.

O Sr. Fernandes Thomaz: - Sr. Presidente, parecerá estranho, que eu que me oppuz á discussão na generalidade do projecto, agora tenha pedido a palavra para entrar nessa discussão, em geral. Vejo-me porém a isso forçado, por quanto esta discussão tem dado motivo aos differentes Srs. que me tem precedido, para expender seus principios, e para fazer sua profissão de fé politica, o respeito da organisação da futura lei fundamental do estado, e não devo deitar passar este officio, sem que, igualmente com a mesma franqueia e lealdade, exponha tambem quaes são as minhas idéas geraes sobre tão grave assumpto. Sobre nós todos péza gravissima responsabilidade. Pela minha parte della me não eximo, mas para que a nação toda, para que os meus constituintes me possam avaliar com justiça, é necessario que antes de pronunciar o seu voto, faça algumas reflexões geraes, que o motivam. Sr Presidenta, na noute de 9 de Setembro houve uma revolução na capital, que destruio o systema da Carta, e em vez della, proclamou um outro systema politico; não sei se essa revolução poderia ter melhores fins, se poderia ser encaminhada, de sorte que tivesse melhores consequencias não o sei, Sr. Presidente, ou se o sei não me cumpre dize-lo, porque nem esta é agora o logar competente, nem a occasião opportuna, e porque em fim, Sr. Presidente, não é essa a minha rasão. O povo não me mandou aqui para me arvorar em censor de seus actos, nem em juiz que condenasse, os absolvesse a revolução, que havia feito. E' facto que essa revolução fez echo em todo o reino, e que o que havia sido a vontade do povo da capital, foi em breve a expressão da vontade nacional. Foi em virtude della que aqui nos reunimos para fazer uma nova Constituição, visto que a Nação não estava satisfeita com a Carta, que rasgou em Setembro, nem com a Constituição de 22, que nesse mesmo tempo jurou com modificações.

A Nação pois espera de nós um novo systema de Governo, que melhor satisfaça aos seus desejos, que mais acomodado seja ás suas necessidades, e mais conveniente á sua felicidade.

Alguns dos Srs. Deputados, que tem combatido o projecto da Commissão, dizem que a Constituição de 22 só póde ser alterada em pequenas couzas, e nunca nas suas essencialidades que tal é o sentido em que se deve tomar a palavra modificações. Eu porém, Sr. Presidente, penso de bem differente maneira. Destruida em Setembro a lei, que nos governava, natural era que a Nação de novo proclamasse uma Constituição, que já a havia regido, uma Constituição toda popular. Mas proclamou-a como vigente até que as Côrtes se reunissem, e a alterassem. Proclamou como positivo sim o principio da soberania nacional, que se acha expressamente consignado no art. 26. Reconheceu de novo que só a Nação, por meio de seus representantes em Côrtes, tem o direito de se constituir (conforme o art. 27), e eis aqui o que a revolução fez. O mais de nós depende.

A Carta de 26 era uma Carta outorgada, era em favor d'um Principe, era uma offerta do Monarcha á Nação, a

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que presidia; mas aos póvos é que compete o constituirem-se: são os seus representantes quem legitimamente devem fazer a lei fundamental do Estado. A elles pertence a offerta, ao Monarcha sómente a aceitação. Por este lado fez-se em setembro de 36, o mesmo que em França em Julho de 30. Havia uma Carta outorgada por Luiz XVIII. com um preambulo que offendia a dignidade da Nação francesa; fez-se a revolução, e os Deputados do povo, que então se achavam em Pariz, modificaram aquella Carta: riscaram-lhe o preambulo que menoscabava os seus direitos, tornaram-na á expressão da vontade nacional, e offereceram-na a aceitarão de um novo Rei, havendo expellido uma dynastia ominosa. Por tanto, Sr. Presidente, estamos igualmente no nosso direito de fazer uma Constituição, que nem seja a Constituição de 26, nem a Constituirão de 22 estamos no nosso direito, quando fizermos um systema de Governo acomodado ás nossas circumstancias, é isso o que a Commissão, a quem foi encarregado o projecto de Constituição, desempenhou plenamente, a meu ver, naquelle que nos apresenta.

Sr. Presidente, estou inteiramente convencido que se acaso a Carta de 26 não podia marchar entre nós, muito menos póde satisfazer-nos a Constituição de 1822. A Nação toda reconheceu esta verdade, e deu-nos uma prova do quanto está adiantada em idéas de politica, e de bem entendida liberdade; de quanto tem marchado em civilisação de 1820 para cá, no juramento que prestou á Constituição de 23 com as modificações que as Côrtes lhe houvessem de fazer, e nas procurações que nos deu com poderes especiaes para fazer-nos uma nova Constituição acomodada aos seus usos, e costumes, e em harmonia com as Constituições dos povos mais civilisados e livres da Europa.

Sr. Presidente, em Constituições não ha bondade absoluta, nem ellas são obra de para creação. Uma Constituição é boa ou má em relação aos povos que governa. Um Sr. Deputado, que é dos ornamentos desta Assembléa, já hontem disse, que para cada Nação só ha uma Constituição, que convenha, e que lhe seja propria. E' esta uma verdade, Sr. Presidente. Essa Constituição é aquella que mais conforme for aos seus usos, e costumes, mais accommodada nos seus diversos interesses, mais em harmonia com as dos outros paizes com quem tem relações, mais conforme á sua posição geografica.

Agora, Sr. Presidente, repetirei com um Sr. Deputado por Traz-dos-montes, que desejaria, que a Constituição que vamos fazer, fôsse a arca de alliança, que reunisse o maior numero do portugueses, que tivesse o maior numero de sympathias, que creasse o maior numero d'intereses, e fizesse o mais pequeno numero de inimigos. (Apoiado, apoiado.)

A melhor constituição é aquella que offerecer maiores considerações de duração. A primeira, condicção dos bons governos, é a estabelidade. Sem ella não ha ordem, e por conseguinte não ha liberdade Não nos sacrifiquemos a vãs theorias olhê-mos para as realidades, e para a pratica: são estas as minhas idéas.

Tem-se atacado na discussão da generalidade, o novo projecto de Constituição, no que diz respeito aos poderes politicos do estado, e suas atribuições, é nisso, que o tenho visto impugnar pelos Srs. Deputados. Era ahi que eu esperava o ataque; era ahi que eu o disse já, estava o campo de batalha, por quanto na parte da Constituição, que diz, respeito á declaração dos direitos dos cidadãos portuguezes, ninguem póde fazer-lhe restricções, nem combate-los não chegam lá nossos poderes não póde tanto a soberania nacional, porque ella tambem é limitada. Admira-me, Sr. Presidente, que haja ainda hoje quem tanto medo tenha ao veto absoluto! Em outro tempo, em que não tinha-mos presenciado de perto a marcha desgovernos representativos nos paizes estrangeiros; quando se tinha escripto ainda pouco, e lido menos, a respeito do mechanismo dos governos constitucionaes, não admirava, que se lhe tivesse horror; mas agora depois de uma experiencia tão longa parece-me, que não ha a mais pequena razão, para se ter tanto medo desse veto absoluto.

Muito bem disse hontem o Sr. Garrett, que todos os poderes do estado tinham um veto reciproco, uns para com os outros; este veto não é outra cousa senão a faculdade, que cada um desses poderes tem de se embaraçar reciprocamente, quero dizer, que um delles póde embaraçar a marcha do outro, quando vê que ella é extra-legal, e quando elle se affasta da raia de suas atrribuições marcada na Constituição. Eis-aqui como o veto, que tem todos os poderes politicos, uns relativamente com outros, e uma condicção essencial para o equilibrio do sistema representativo, eis-aqui como o veto de um delles, modera a marcha do outro, e o faz conter nos seus devidos limites. E a este poder moderador, que se acha disseminado por todos os differentes poderes politicos, que o nosso concidadão, e eximio publicista o Sr. Silvestre Pinheiro, dá o nome de poder, ou principio conservador. Parece-me comtudo, que da parte do rei, ha um poder a moderador um pouco mais amplo, do que ha da parte dos outros poderes, porque todas as vezes, que se dá a collisão entre o poder executivo, e as Côrtes, ou a marcha dos negocios ha de parar, o que não póde ser, ou ser dissolvida a Camara dos Deputados, ou ser dimittido o Ministerio. E' necessario, por tanto haver um poder neutro, que faça (por assim dizer) de poder judicial, entre o poder legislativo, e o executivo, para decidir a contenda, que houver entre um e outro.

Debaixo destes principios, digo eu, que existe no rei um poder moderador, um pouco mais amplo, que nos outros poderes do estado: um poder, que nem é attributo do executivo, nem do legislativo, mas privativo do rei esta opinião é a de Berjamin Constant, e a de Lanjuinais, desse nestor politico, que sobre-viveu a todas as alterações de França.

Um Sr. Deputado disse, que era muito grande a attribuição, que se dava ao rei de poder dissolver a Camara dos Deputados: mas quando o rei faz isso, para quem appella? Para o povo que a elegeu.

Quando o povo nomeia os seus representantes, é porque lhe reconhece qualidades capazes para o serem, é porque no momento da eleição deposita nelles sua confiança; mas a maioria de uma Camara não podará, por uma circunstancia qualquer, tornar-se facciosa? Póde de certo. Porque o povo a escolheu, seguir-se-ha que ella seja sempre boa? Terá o povo o dom de se não enganar? Se pois uma Camara fôr facciosa, se fôr ant-popular, se fizer a desgraça da nação, não ha de haver meio de obstar a taes malas? E' pois necessario, que orei apossa dissolver, e appellar de novo para quem a elegeu. E que faz o povo? Se acaso entende, que o monarcha se enganou, e que os seus representantes eram bons, torna a eleger os mesmos. E se conhece que a dissolução foi justa, e assim errada sua primeira escolha, que faz então? Elege outros. Diz se porém, que se nós formos dar essa attribuição ao rei, poderá haver uma serie de dissoluções
tal, que seja illudir por fim a vontade da nação....... Mas qual é o paiz onde se tenham visto essas continuadas dissoluções? Onde estão esses exemplos? Quando o chefe do estado recorre a esses ultimos meios, Sr. Presidente, segue-se muitas vezes uma revolução, e a perda do throno, que a tanto se abalançou. Foi isto o que acconteceu em França com os duzentos e vinte um, e o que se seguiu todos o sabem.

Sr. Presidente, não ha caso algum, talvez, em que seja máo o veto do poder real, e o poder de dissolver muitas vezes e proficuo. E se a Corôa tem veto sobre as prettenções do povo, este tem muitas mais vezes o veto sobre as pretenções daquella. Tambem se tem fallado em duas camaras: eu não entro agora nesta questão, que em logar proprio será tratada, e para então me reservo. Agora só direi, que se

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quizer-mos um Governo monarchico-representativo, havemos de crear das camaras, porque eu não concebo monarchia sem ambas ellas. O chefe d'um Governo com uma Camara só, embora se chame rei, não é mais do que presidente d'uma republica. A Polonia teve reis, e o seu Governo não se podia chamar monarchico. Sparta teve reis, e o seu Governo foi republicano.

Voto por tanto pelo projecto na sua generalidade.

O Sr. Conde da Taipa: - Sr. Presidente, tem-se discutido este projecto na sua generalidade tão largamente, que se eu não pertencesse á maioria da Commissão, que o apresentou, eu não accrescentaria mais ao que se tem dito, por uso mesmo que elle tem sido mui habilmente sustentado pelos meus collegas da maioria da Commissão, entre tanto eu julgo do meu dever, em questão tão importante, expender as razões, que me induziram a concordar com a maioria da Commissão, em todas as partes essenciaes do projecto que hoje discutimos. O projecto de Constituição apresentado tem em si todas as garantias de liberdade, que, como homem muito bem disse o Sr. Garrett, nós não podiamos alterar, e só podiamos proclamar. Entre tanto tem-se dito, que o projecto é contrario á vontade do povo, e illude a revolução de Setembro. Todas as revoluções, Sr. Presidente, são determinadas pela predominação de certas idéas, que mais tarde, ou mais cedo a tornam necessaria, muitas vezes a causa da revolução é a diferença, que apparece entre as instituições, e as idéas predominantes, e outras, e muitas mais vezes, pelos abusos introduzidos nas instituições pelos governantas.

Porém as idéas, que determinam uma revolução, tem um termo; conhecer qual é esse termo, nem deixar de o tocar, nem ultrapassa-lo, e o dever do legislador, que é chamado a constituir uma nação depois de uma revolução, que destruiu o pacto fundamental. A historia mostra, que todas as vezes que esse termo tem sido ultrapassado, em vez de liberdade, as revoluções só tem produzido a volta de um despotismo ainda mais atroz, do que aquelle contra o qual tinham sido as revoluções, e pelo contrario, quando esse termo não tem sido ultrapassado, tem-se visto as nações constituirem-se, e tornarem-se livres, e florescentes.

A Hollanda fez a sua revolução, o seu fim era libertar-se do jugo hespanhol, os seus legisladores constituiram o paiz conforme os seus usos, e costumes, e a Hollanda veio a ser pouco depois da revolução uma das nações mais poderosas da Europa.

A Suissa revolucionou-se contra o dominio da casa d'Austria, constituiu se, resistiu heroicamente aos estrangeiros, que a queriam escravisar, e é nação independente ha muitos seculos, entre tanto alli com o andar do tempo, já as instituições não estão de accordo com as idéas predominantes, e a Suissa ha de ter em pouco tempo de reformar as suas suas instituições. A revolução da America é outro exemplo, que a historia offerece aos legisladores. Por outro lado vemos a revolução de Inglaterra, cuja idea era destruir o papismo, ser a idéa ultrapassada os legisladores cederem ás vozerias dos patriotas de Westminster, destruirem a monarchia; levarem um rei ao cadafalso, e em resultado serem governados pelo soeptro de ferro de Cromwel, que sustentou despoticamente o principio da revolução, até que por sua morte uma horrivel reacção trouxe outra vez a monarchia, e a Inglaterra soffreu o reinado infame de Carlos II, e os assastinatos judiciaes do coronel Kirk, e do juiz Jeffreis, que levaram ao cadafalso milhares de victimas, e o sangue mais puro de Inglaterra, até que correndo de reacção em reacção, a revolução de 1688 deu a liberdade a Inglaterra, porque voltou as ideas, que tinham determinado a revolução contra Carlos I.

Em França temos outra lição, que nos dá a historia; a idéa da revolução franceza era a destruição dos privilegios, privilegios vergonhosos, que dispensavam os nobres de pagar tributos, e não admittiam os cidadãos aos grandes cargos do estado, se elles não pertenciam as familias da nobreza porém as ideas foram ultrapassadas, a revolução destruiu rei, monarchia, prodriedade, e todos os horrores daquelles tempos só trouxeram á França o despotismo, ou de um, ou de muitos, e só depois de quarenta annos de oscillações politicas, é que a revolução de Julho de 1830 realisou as idéas de 1789. Por tanto, Sr. Presidente, qual será o caminho, que nos indica a prudencia? Será o deixar-nos guiar por theorias vãs, e por idéas apaixonadas, ou examinar bem o estado da opinião do paiz, e decretar uma Constituição, que reuna as simpathias, e que não ultrapasse as idéas da revolução?

Creio que não ha que hesitar.

Se entrarmos na analise dos factos veremos, que a idéa da revolução de Setembro não foi destruir a Carta Constitucional, a destruição da Carta não foi causa da revolução, foi um effeito accidental da revolução.

Quando a guarda nacional se juntou no Rocio, a idéa, que a determinou, não foi a de destruir a Carta Constitucional, foi a de tirar o governo das mãos de uma facção, que todos os dias infringia a Carta, e que só a invocava como uma palavra sacramental, ao abrigo da qual punha em pratica todos os meios, ou fossem, ou não constitucionaes, ou federa, ou não conformes com as regras de moral, com tanto que se conseguisse o fim delles governarem. Eu já em outra occasião disse isto neste Congresso, e as minhas palavras foram alteradas pelos foliculanos do partido chamado devorista, nesses jornaes cujos redactores todo o mundo conhece pelo seu renome immoral, e de quem eu desdenho proferir os nomes Biles disseram, que eu tinha confessado, que a revolução tinha sido feita para substituir homens a outros, esses infames bem sabem, que o que eu então disso, é o mesmo, que digo hoje, aquillo que os tachigrafos escreveram, que se imprimiu, mas que elles com a sua cara desfaçada imprimiram o contrario, para ver se illudiam alguem. A revolução foi feita contra homens, mas foi negativamente á nação não queria mais ser ludibriada, obedecendo a taes homens, nem queria ver jogar na praça de Londres todo o producto de seu trabalho foi negativamente, como já disse, e não positivamente; porque ninguem lhe importava, que fosse este, ou aquelle para Ministro, e creio que ninguém pensava, que fossem os presentes Ministros os que entrassem no Ministerio, a idéa era deitar os outros abaixo, não era pôr ninguem em cima, e para os deitar fóra do poder era necessario uma revolução, porque não havia força moral a que elles cedessem, o seu jogo era revolução, ou mando. Todas as pessoas, que estavam em Lisboa, sabem isto muito bem, e eu mesmo ouvi dizer a uma das pessoas mais influentes, na revolução de 9 de Setembro, que se lhe tinham arripiado os cabelos, quando no Rocio se deu o primeiro grito de viva a Constituição de 20, porque temeu, e com razão, que houverem resultados funestos. Entre tanto, Sr. Presidente, o grito da Constituição de 22 foi acompanhado da condição de ella ser modificada pelas Côrtes, e os nossos constituintes mais expressamente dizem nas suas procurações, que sejam modificadas ambas as Constituições esses foram os poderes, que eu tenho de quatro circulos, pelos quaes tive a honra de ser eleito Deputado. Ora que fez a Commissão? Seguiu strictamente o seu mandado: modificou a Constituição de 22 com a Carta Constitucional, e a Carta Constitucional com a Constituição de 22... Entre tanto a Commissão tem sido censurada pelo projecto, e principalmente por tres pontos essenciaes: o veto absoluto, o poder de dissolução, e a determinação do poder legislativo ser constituido em suas Camaras co-legislativas. Defenderei todos estes tres pontos cardeaes do projecto como indispensaveis á liberdade.

Alguns Srs. Deputados sustentam, que é essencial á liberdade a existencia de uma só Camara a legislar, sem poder

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nenhum legal, que posta impedida, execução perniciosa, de uma lei passada, ou em um momento de paixão, ou de desaccordo, ou em fim por se ter, apoderado uma facção, dessa, unica Camara, nem consente nem no poder legal de dissolução pacato della se ter tornado impopular; em fim um poder sem nenhuma, limitação, bem arbitrário para ser bem liberal.

A minha opinão, á respeito de dous corpos colegislativos não se funda em theorias especulativas, funda-se na analiso dos factos. Eu não vejo Constituições, que tenham durado senão aquellas açude o poder legislativo está dividido, em duas Camaras, não só nas monarchias; mas mesmo nas leis publicas se tem conhecido os inconvenientes de uma só Camara. Nas trinca e duas republicas da America do Norte todas tem duas Camaras; ora se isto é nas republicas, quem pretenderá sustentar o contrario em uma monarchia? Tem-se dito muito a respeito da tendencia do poder real para usurpar, e eu digo, que o poder legislativo tem tanta, ou mais tendencia para se tornar absoluto; e que uma Camaras sem veto; e sem poder de dissolução; sem haver outro corpo do estado para onde apellar das suas decisões, não tem necessidade de usurpar; porque é o poder legislativo, constitucionalmente absoluto, que póde, quando quizer, arrogar a BJ todos P poderes. Se quizermos proceder com reflexão, não havernos crear um poder illimitado, para o firo de limitar outro poder; porque o mal continua, muda só de orgão. A respeito do veto muito se tem dito; entre tanto as cores negras, com que se tem pintado este monstro, não tem nada de real. O veto é uma prerogativa, de que um rei nunca ha de usar provavelmente em tempos ordinarios; e a prova está na historia de Inglaterra, aonde ha cento e quarenta annos, que o rei não usa dessa prerogativa. Mas póde apparecer uma circumstancia, em que essa prerogativa posta salvar o estado: supponha-se, que o corpo legislativo passa uma lei, cuja execução póde causar males immediatos; não deve estar algum poder encarregado de impedir a execução dessa lei? E póde-se temer, que orei ponha o veto em uma lei, que seja reconhecida pelo publico como uma lei de interesse geral? Certamente não.

Não existe tambem estado constitucional, aonde o veto não esteja em algum dos poderes do estado; mesmo na republica dos Estados Unidos, apegar do presidente não ter essa prerogativa, o veto existe na Constituição: porque o supremo tribunal de justiça, que é um corpo vitalicio, e inamovivel, decide por apellação da constitucionalidade, ou da inconstitucionalidade das leis, e em o tribunal decidindo, que a lei é inconstitucional, apezar de ter passado pela camara dos representantes, e dos senadores, a lei fica sem effeito. Ainda mais, o ministerio teria na sua mão desacreditar o governo representativo, executando leis más de modo, que ainda pela execução produzissem resultados mais prejudiciaes; e como elle, por não ter a prerogativa do veto, não a podia impedir, toda a culpa recahiria no poder legislativo, o que poderia mui bem servir um homem habil, que estivesse á testa do poder executivo, e que quizesse usurpar os dois poderes, desacreditando o corpo legislativo: em fim eu creio, que Mirabeau não era muito moderado, e elle exclamou, quando se tratava em França da questão do veto; que elle antes queria viver em Argel, do que em França; se na Constituição se não desse ao rei o poder do veto. Em fim na revolução franceza gritou-se muito contra o veto; mas todos sabem como foi levantado aguelle grito de guerra, para fazer gritar gente, que nem sabia o que a palavra queria dizer, e a anedocta do homem, que teve a curiosidade de perguntar no meio de cincoenta de seus companheiros, que todos gritavam - abaixo o veto - o que era o veto; respondendo-lhe todos - que nenhum sabia; mas que era preciso gritar abaixo o veto, para bem da liberdade - é bem conhecida.

A respeito do poder de dissolver as Camaras, de todas as garantias, e eu julgo esta a mais essencial: uma Camara faciosa póde usurpar todos os poderes do estado, se a corôa, não tiver o direito de apellar para O povo, quando os seus representantes, tiverem excedido, ou não tiverem cumprido, os seus mandados; e em duas palavras, o poder de dissolver a Camara não é mais, do que apellar para, os direitas povo a beneficio, de seus interesses. Quando uma legislativa não tem poder nenhum que a contenha, depressa se torna arbitraria, e chama a si todos os poderes, ainda, mesmo que a maior parte de seus membros sejam homens probos; porque muitas vezes temos visto pequenas minorias seduzir; ameaçar, e dominar mais, tarde, ou mais cedo as, maiorias, pela violencia de seus argumentos e pelo apoio faccioso buscado fora da assembléa: todos sabem, que, a maioria da convenção franceza não queria as atrocidades, que decretou; e que só o medo, causado, pela energia de uma pequena minoria, levou aquella assembléa aos
excessos, que cometteu.

Resumindo-me direi, que eu voto pelo projecto; porque os poderes politicos estão alli determinados de maneira, que se limitam, uns aos outros; que o poder real está limitado porque só na Camara dos Deputados está o puder de fazer contribuir os povos para as despezas do estado; e que o poder legislativo é limitado pelo veto real, que impede a execução de leis, que sejam prejudiciaes, e injustas.

Tambem voto pelo projecto, porque elle está mais conforme com os nossos usos, e costumes do que a Constituição de 22; porque esta Constituição não deve ser um acto dei hostilidade dê um partido para com outro, deve ser um acto da união, que não só estabeleça as relações reciprocas do rei com os povos; mas que possa tambem servir de ponto de reunião a todos os partidos: e quanto mais depressa, se fizer a Constituição tanto melhor; porque eu conheço pessoas liberaes de muitos serviços, que não quizeram, jurar a Constituição de 22 porque não reconheceram na revolução poder de constituir; mas que estão promptas a jurar, a Constituição, que se ha de fazer, com tanto que os direitos do throno, e as liberdades do povo estejam nella garantidas. Por consequencia, Sr. Presidente, o projecto em questão reúne mais simpathias do que se pensa; porque não, é exacto, que a Carta Constitucional seja odiada em Portugal; os povos já a não olhavam como a Carta outorgada, era como a Carta conquistada nas linhas do Porto, na Asseiceira, e em Almoster.

Hei de declarar as minhas opiniões mui claramente a esta respeito; porque, como disse o celebre Garat na sua defeza perante o tribunal revolucionário, que: o que, tinha havida de absurdo na revolução, é que tinha produzido o que na revolução tinha havido de atroz; e eu não quero participar nos absurdos, para não ser solidario nas atrocidades, se as houver; porque se a Constituição for absurda, a Carta ha de ficar dentro da caixa de Pandora, e tornará a apparecer com o triumfo de uma facção.

O Sr. Lourenço José Moniz: - Chegou finalmente, Sr. Presidente, a minha vez de tambem levantar a minha voz nesta solemne occasião, para não dar o meu voto em silencio na materia, em verdade a mais grave, e a mais importante que, ha seculos, tem apparecido perante os representantes da nação portugueza; materia a cujo pezo succumbiriam meus hombros, se eu sómente contasse com as minhas forças, e me não sentisse fortalecido com o poderoso auxilio dos illustres Oradores, que metem precedido: suas luzes tão vantajosas para meu esclarecimento, me colocam todavia em uma posição menos favoravel, por isso, que na comparação com tão subidos engenhos sou eu o que muito perco. - Se eu pois sómente tivesse de attender á illustração da materia de bom grado cederia da palavra: por quanto; que poderei eu contribuir de meu pobre peculio para o precioso thesouro com que os meus illustres collegas já tem enriquecido esta discussão? Muito contra mim é tambem, o ter eu def-

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tar quando a hora já está tão adiantada, e a fadiga dos que me escutam deve já ser mui grande. - Todavia, em occasiões como esta, nós temos de satisfazer a outras considerações para com a nação em geral, e para com aquella parte della em particular, que nos honrou com a sua confiança, e que tem direito a saber quaes foram as nossas opiniões. Já por uma, ou duas vezes, por me não chegar a palavra em assumptos importantes, fui obrigado a declarar o meu voto de uma maneira menos directa, e menos explicita: hoje que ella me cabe a tempo, por mais desfavoraveis que me sejam algumas circumstancias, confiando muito na indulgencia do Congresso, passo a fazer uso do meu direito.

O meu intento, Sr. Presidente, é approvar o projecto da Commissão, e approva-lo não pela prefeição absoluta, não na sua totalidade; mas como texto para as nossas discussões, e muito bom texto para satisfazermos aos termos do mandato, que depois do naufragio da Carta, o povo portuguesa teve o bom senso de nos conferir; reservando-me, porém, o direito de modificar, alterar, accrescentar, ou supprimir qualquer parte do mesmo projecto, segundo melhor me parecer. - Antes, porem, de entrar no desenvolvimento das razões porque o approvo, é-me necessario fazer uma espécie de manifesto dos principias, porque me hei de guiar para esse fim, tanto nesta discussão geral, como na de cada um dos seus artigos.

Começo pois por declarar; que nestas materias a minha grande balisa, é o maior bem de todos: para satisfazer a este objecto, entendo eu, que é indispensavel meditar mui prudente, e mui pacientemente os factos, e circumstancias que têm relações com os interesses, de todos; (Apoiado, apoiado.) é necessario, que nem uma só classe de Cidadãos fique desattendida nesta obra; porque se assim acontecer, não só teremos dentro em nós o remorso da injustiça, mas demais amais teremos o de haver lançado em o nosso paiz o gérmen da guerra, e da opposição á nossa propria obra; e esta guerra, e opposição serão tanto mais fortes, quanto mais poderosa, em qualquer sentido, for essa classe desattendida. Outra consideração que tenho muito em vista, e com a qual andam estreitamente enlaçadas as primeiras, é, que o systema do governo que temos de arranjar para a nação a que todos temos a honra de pertencer, não póde, Sr. Presidente, não póde ser organisado em desharmonia com os das outras monarchias representativas da Europa. Nós não temos força para nos pormos á testa de innovações, que desafiem a má vontade desses governos contra nós; ou amorteçam suas sympathias a nosso favor. Não é necessario que elles nos façam uma guerra aberta, para que nos possa vir muito mal. Nós ainda temos dentro, e fora de nós, perto, e longe de nossas terras, muitos, e poderosos inimigos; e se até os, amigos indispozermos com nossas imprudencias, quem nos ha de valer na hora do perigo? Ninguém nos nega o direito, que nos compete, de nos constituirmos como bem entendermos; - mas uma cousa é o direito, outra é o uso que delle fizermos: - pequenos como somos, e dilacerados como estamos, não me parece prudente, que sejamos dos primeiros a lançar-nos aos mais perigosos das innovações, em uma occasião em que todos os elementos ameaçam conspirar-se contra nossa fragil barca. - Parece-me mais acertado que vamos navegando segundo o calculo, sim, de nossa propria derrota, mas mui cautelosamente a respeito dos cachopos, e da furia dos ventos, e não despresando a experiência de pilotos antigos: nem isto nas está mal.

Nações reais poderosas que nós, muitas vezes tem seguido, e sem deshonra, uma politica similhante. - Certamente, que se algum governo quizesse extorquir de nós o sacrificio da nossa honra, ou da nossa liberdade, nós lhe deviamos resistir com firmeza até o ultimo de nós; mas não é disso que se trata; é sómente de não arriscarmos nós mesmos uma, ou outra innovação no systema representativo da Europa, sem a qual ainda podemos; ser muito livres.

Nós não somos chamados a executar sobre em terreno novo e desembaraçado de todo o obstáculo, o bello ideal de um edificio politico filho de nossa propria fahtasia; mas recebermos os primeiros traços de quem, no-lo encomendou, que são os que estão em nossas procurações; e temos de os desenvolver com attenção a muitas cousas que nos restam do edificio de uma das mais antigas monarchias da Europa, e de uma monarchia absoluta; isto é, temos de constituir a lei fundamental para um povo que tem usos, costumes, affeições, e até prejuizos enveterados de seculos, que nenhum poder da terra é capaz de mudar de um anno para o outro. Não ha leis, que possam de um só facto donominar taes factos; porque elles são mais fortes que as nossas concepções. Querer obstinadamente domina-los é loucura; deixar-se guiar por elles é que me parece de prudencia. A nossa organisação politica pois, é minha convicção, não póde deixar de ser de transicção progressiva, sim; mas pausada e gradual: já bem temos corrido a diante dos factos; se continuamos na carreira com a mesma velocidade, vamos de certo despenhar-nos em algum abysmo. Eu reconheço toda a importancia e necessidade dos principios fundamentaes. Sem elles andariamos sem balizas certas, mas o mechanismo necessario para os tornar effectivos; para assegurar nossos direitas, é que deve ser modificado segundo a força de factos presistentes. Se isto é ser homem de circumstancias declaro que professo altamente de o ser, e não me envergonho desta profissão. Appello para a authoridade dos maiores legisladores; appello para a experiencia de todos quantos governos tem havido no mundo, cuja duração não fosse ephemera. Que quer dizer Solon Confessou, que não tinha dado aos Athenienses as melhores leis, mas as melhores para elles? Que outra cousa quizeram significar Franklin, e Washinghton, politicamente os homens mais virtuosos dos tempos modernos, e a quem ninguem pudera nem suspeitar de temidez, quando disseram aos seus concidadãos: - "ahi tendes, não a obra mais perfeita, mas a melhor que povos podemos offerecer nas actuaes circumstancias; ella contém os elementos para o aperfeiçoamento progressivo; o tempo e a experiencia vo-lo trarão." Se dos indivíduos passo às nações, toda a, historia vem em meu favor desde o povo judaico até nós; desde o governo de uma tribo de selvagens na infância da sociedade, até o de um povo elevado ao maior auge da civilisação; porque até os selvagens, nesta sentido podem dar lições aos philosofos das utopias; e a mini, que não sou philosopho, me deram uma vez uma de tolerancia religiosa, capaz de envergonhar um inquisidor. Viajando eu entre elles com alguns amigos, um Cacique nos perguntou, se professávamos deferentes religiões; e respondendo-lhe nós que sim, seguio logo com outra pergunta: e sois amigos não que respondendo nós afirmativamente, elle como exultando com a resposta, accrescentou: tambem eu sou vosso amigo, e porque não? não somos nós todos filhos do Grande Espirito?

"Muito mais podia eu contar; mas baeta para provar, que até dos selvagens às vezes se podem tirar lições. Continuando nas minhas reflexões digo, que eu poderia provar em toda a historia, que já mais houve um governo duravel, que estivesse em contradicção com os factos e opiniões dominantes: eu podia com muita facilidade discorrer de povo em povo para o demonstrar; mas um illustre Deputado já o fez com tanta erudição, com tão brilhante lingoagem, e com uma força de logica tão concludente, que não serviria senão para roubar o tempo ao Congresso, e abusar de sua benevolencia, ir repetir o que elle tão admiravelmente fez.

Limitar-me-hei por tanto a sómente tocar nos exemplos de uma ou duas nações, por serem seus governos apontados por todos como modelos de bem entendida; liberdade. A primeira destas é a dos Estados-unidos da America do Norte, a respeito da qual, seja-me permittido dizer, que se alguém se persuade que o seu governo é rigorosamente, e a todos os respeitos, o resultado de

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meras theorias, pre-concebidas sem attenção aos factos que as percederam
ou, em outros termos, se alguem se persuade como já se disse, que elle é em tudo um governo rigorosamente logico, muito se engana; e os mesmos americanos seriam os primeiros a rir-se, de quem assim o entendesse. - Não ha governo, onde maisque tudo se tenha estudado a influencia dos factos, e as lições da experiencia. - O seu caracter de governo federativo, onde ficou a cada estado menos, do que as cabeças dos que os conceberam; mas é um governo próprio acommodado a suas particulares circunstancias e onde o governo não póde deixar, para conservar a união, de ter todo o respeito a estas differenças locaes já muito depõem contra a idéa d'essa especie de governo: - Entre de Razão, que a alguem se figurou ser o governo daquella Republica, ou antes aggregado de Republica ou antes aggragado Republicas. - Não seria difficil mostrar, que talvez não ha nem um só estado na união americana, em que se não encontre alguma diferença em abono do que, digo; mas bastará notar, que em alguns dos estados do Sul o numero dos representantes não é só em proporção á povoação livre, mas tambem á dos escravos, não como pessoas, mas como propriedade de uma especie mui particular. O estado de RhodIsland até 1830 ainda conservava, e creio que ate hoje conserva, acarta que lhe deu o Rei de Inglaterra Carlos 2.°, e não se tem por menos livre, ou menos feliz que os outros.

Em algum estado o corpo legislativo é eleito por cidades e villas; em ontros, em virtude de principios geraes e communs de eleição; e em outros, parte por um, parte por outro methodo. E será isto obra do acaso? Não, Sr. Presidente, é obra muito reflectida daquelle povo, eminentemente sensato, e experimentado. Esses governos vão-se aproximando a um caracter mais uniforme mas muito gradualmente, e sempre caminhando ao nivel dos factos e das opiniões. E a Grã-Bretanha, Sr. Presidente, haverá nação que tenha mostrado mais afferro á influencia de seus usos e costumes, e mais repugnancia ás innovações abstractas, e generalisações indiscretas? Haverá uma nação, que em toda a historia do seu governo, tenha espreitado com mais attenção a força dos factos, e que tenha marachado na sua carreira politica mais madura e reflectidamente? Agora mesmo nesse famoso bill da reforma das corporações municipaes póde alguem deparar com alguma próva de mania das generalisações especulativas. E tem-lhe vindo algum mal d'esse seu espirito de prudencia? Se assim é, forçoso há de ser confessr, que pessimas cousa é essa espantosa prosperiadade, de que ella gosa; e grande desgraça o ter subido a tão elevado gráo de civilisação. Por tudo o que tenho exposto já se vê, que a quem attenta por taes considerações, muito mal cabido é o odioso de querer estabelecer um governo de circumstancias. Por tanto sem me intimidar com o doesto, presisto na opinião, de que o melhor governo é aquelle, que respeitando os principios fundamentaes, no seu machanismo se acommoda mlhor aos factos, isto é, as affeições, gráo de instrucção, usos costumes, e mesmo a muitas das circunstancias materiaes do paiz como a maior ou menor difficuldade nas communicações, o ser elle agricola, ou disposto para o commercio externo etc. elle agricola, ou disposto para o commercio externo etc. e que em sua mesma organisação tiver elasticidade bastante para se ir acompanhando gradualmente ás mudanças nos factos, sem abalos, ou emoções violentas e perigosas em toda a maquina social. Tal é a grande feição caracteristica do governo britanico, e por isso com todos os seus defeitos de theoria elle tem até hoje dado os mehores resultados! Não quero dizer com isto, que elle deva ou possa ser copiado em tudo para outro paiz - bem longe disso; porque essa idéa seria contadictoria com o mesmo que acabo de indicar. Um governo optimo em todas as suas partes par um povo póde em alguma dellas, e ainda mais no todo, ser impossivel para outro: uma instituição muito facil de plantar em um tempo póde ser inexiquivel em outro.

Outra, muito facil de arrancar em um momento resistiria invencivelmente á mão que o pretendesse fazer em outro. Os frades por exemplo antes ou mais tarde do que os extinguio o Duque de Bragança, acabariam provavelmente por a seu modo reformar, isto é, dar cabo de quem os quizesse reformar. Tudo o que tenho dito ultimamente, é evidente; e por tanto a forma de governo com os caracteres que há pouco apontei, não corresponderá ao bello ideal dos systemas concedidos nos gabinetes; systemas que todos tem durado menos, do que o offerece mais dados para se conservar; sem deixar de offerecer os indispensaveis para a liberdade e prosperidade dos governados.

Continuando no meu primeiro proposito, tenho a declarar, que eu tambem reconheço como dogma fundamental de todo o governo livre a soberania nacional; expressão pela qual entendo; que a nação é a origem de todos os poderes politicos que ella tem direito a construir o seu governo como melhor entender para a felicidade de todos, nem mesmo casa um destes poderes, isto é, ella não póde em massa nem fazer leis nem applica-las aos factos, nem executa-las; e por isso tem necessidade de delegar os seus poderes a quem saiba e possa exerce-los. A nação exerce a soberania por dous modos em geral, um ordinario que é pelas eleições daquelles a quem confia seus poderes para fazer as leis, ou para outro fim; e outro extraordinario, e felizmente novo; que é o de resitencia á oppressão, e tyrannia, por actos de insirreição; actos a que ella não deve recorrer, senão quando é peior que o mal , até nos seus resultados. Toda a nação deve entender que não tem direito a fazer o que quizer; mas sómente o que é justo. Se os Reis não devem ser despoticos, tambem as nações o não devem ser: os limites do seu poder são os principios do justo. Uma vez que a nação delegou os seus poderes, é necessario que não queira a cada passo intrometer indevidamente, e pelos meios da força nas funções dos seus delegados. Uma vez manifestada a vontade geral, isto é, a lei pelos meios, e com os requesitos que a mesma vontade geral tem fixado, é-me necessrio obedecer-lhe. Nenhuma parte do povo tem direito a por outro modo impor a sua vontade a outra, nem mesmo o povo inteiro deve começar por tumultuariamente destruir a lei regularmente feita, e publicada. Se a lei é má o povo tem o recurso no direito de representação, e de petição e antes de appellar para a força, deve ter esgotado todos os meios pacificos. Metter na cabeça ao povo, que elle é sberano em outro sentido, é metter-lhe na cabeça um absurdo, e do absurdo ao crime, como já disse, o passo é muitas vezes rapido. Felizmente que o povo portuguez senso tem mostrado para escarnecer dos que lhe querem metter na cabeça similhantes absurdos, lisongeando seu amor proprio. A maioria da nação é que constitue a vontade nacional: é attributo inseparavel dos governos livres o serem as nações regidas pelas maiorias; mas a vontade das maiorias deve ser determinada por uma razão geral, illustrada, reflectida, e desafrontada da influencia de paixões criminosas. A maioria não é meramente a superioridade numerica: Deos nos livre dessa maioria desamparada do farol da razão, e da justiça. A primeira que representa a verdade e a razão nacinla, deve ser soberana; a ella sujeito a minha vontade, porque ella concorda com a minha razão, e porque a vontade, e a razão de tantos assim constituida deve valer mais, que a minha. Mas á segunda, a essa maioria dos numeros, cega pela ignorancia, arrebatada pelas paixões, não darei jámais voliuntariamente o meu assenso.

Ella mette-me mais medo, que todos os tyrannos do mundo porque ella representa a tyrannia dos muitos, com tudo o que a póde tornar odioza, e terrivel tyrannia que o usurpador soube combinar com a sua propria, para nada deixar que desejar em tirannia aos despotas, que se lhe seguissem no mundo, e para nada lhe faltar para vexar o povo

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portuguez. (Apoiado, apoiado.) Longe pois de nós tal maioria. Ainda mesmo q bem do que é justo, não nos cansamos jamais de proclamar destas cadeiras aos Reis, e aos povos, que a força é o ultimo de todos os recursos, e que desgraçada da nação, que a tomar em recurso ordinario. (apoiado, apoiado).

Na organisação politica do uma monarquia representativa, e por ventura até na de uma republica, tres, a meu ver, cão os princípios, que bem combinados produzem o melhor resultado - o principio democratico, o aristocratico e o monarquico , e com quanto eu não negue a importancia de outras doutrinas que, o progresso das sciencias constitutivas tem introduzido, conservo ainda toda a preferencia a esta; e tenho para isso em meu favor os maiores publicistas da antiguidade, e a maior parte dos modernos. - Em virtude do principio democrático entendo eu, que pela Constituição deve ficar ao povo aquillo, que elle por si mesmo bem souber e poder fazer para a felicidade de todas; - e que aquillo que elle não souber, ou poder desempenhar, deve passar a outras mãos que estejam no caso de bem o fazerem: do principio aristocrático (ninguem se assuste com a palavra, que eu vou explicar-me) deve vir o espanto de estabelidade e conservação. - A minha aristocracia é a dos notaveis de qualquer nação, por seus talentos, virtudes, e serviços; (apoiado, apoiado) o nesta minha idéa eu uno o presente ao passado; quero dizer, que em uma monarquia, em que de facto e de direito já existe ama classe illustre pelos altos feitos de seus maiores, identificada com os triunfos e gloria da nação; de que uma boa parte, ao menos, ao lado della, ou á testa de seus exercitos combateu com honra, pela conquista da sua liberdade, que por ella sem murmurar sacrificou sua fortuna, e até seus foros; essa classe não deve ser desconsiderada, mas por justiça, por politica, e até por gratidão nacional ella deve ser muito attendida, não á custa dos direitos dos outros; mas em justiça aos seus, e em apoio; e para conservação dos de todos: (apoiado, apoiado). Parece-me, que nisto não vou contra o sentimento nacional; mas se os portuguezes fossem capazes de nutrir sentimentos de ingratidão, eu nunca nisso concordaria com elles. - Mas, Sr. Presidente, peço perdão: é ociosa a minha observação: no peito dos bravos não cabem taes sentimentos. Muito difficil é, nas nossas circumstancias assignar á nobreza o seu proprio logar, eu o reconheço: é em verdade, o ponto mais difficil que temos a decidir nesta grande questão mas eu ainda não desespero de que achemos a incognita. - em virtude do principio monarquico hereditario, eu entendo, que o Rei não devo ser mera e simplesmente um chefe para fazer executar as leis; mas que deve ser revestido dos attributos do respeito e do esplendor, que exigem os costumes do um povo, que nunca com outros olhos vio o Throno dos seus Reis. E o que ainda mais importa, entendo, que o Throno deve ser escudado da prerogativas para sua propria defeza e que ao mesmo tempo o tornem um firme baluarte em favor da liberdade dos povos, bem como estas devem ser o mais poderoso baluarte para a defeza do Throno. - Na justa combinação destes três elementos está toda a sabedoria na Constituição de uma "monarquia representativa e hereditaria; por isso o meu inato na formação de uma tal Constituição é, e será." - Ponderibus librata suis á - Este sistema de um justo equilibrio que tem sido metido a ridiculo por alguns da modernos publicistas, é, na minha humilde opinião, mais capaz de manter, a liberdade, e de fazer a felicidade dos povos do que esses sonhos de gabinete, que a luz da experiencia logo dissipa.

Agora antes de conclnir esta minha declaração, seja me permittido tambem exprimir um sentimento, que outros illustres oradores já manifestaram, e é que na parte que eu tiver nestes nossos trabalhos, é meu firme proposito nem um só instante deixar amortecer no meu peito o desejo da paz e (conciliação da familia portugueza. - Eu pela minha parte estou na firme resolução de me apresentar sempre com o ramo de oliveira na mão. - Jamais hei de concorrer para fechar as portas às esperanças de um só cidadão portuguez. (apoiado, apoiado). Reconheço o quanto será difficil, que a nova lei fundamental seja effectivamente a arca d'alliança para toda a família portugueza; e creio mesmo que essa ventura não está reservada para os meus dias; mas ao menos não quero levar para a outra vida o remorso de não haver contribuido para tão desejado fim. - Ainda quero declarar mais uma cousa até como meio para tão importante fim, e é, que tambem estou na firme resolução de tributar o maio profundo respeito aos direitos de consciencia, e por tanto á religião sancta dos portuguezes. (Apoiado, apoiado) Ainda quando esta não fosse a religião do meu coração, para assim proceder bastaria considerar, que o mais caro de todos os interesses, para qualquer povo, e o que elle mais venera, é o da sua religião. É este um tributo de respeito, que entendo dever ao povo portuguez, ao qual tambem não cessarei de intimar; que quanto mais puro e verdadeiramente religioso for, mais livre e mais feliz tambem será (apoiado, apoiado).- Sentimentos contrarios em mim não podiam ser filhos senão, ou da mais reprehensivel leviandade, ou de um desmedido orgulho e intolerancia.

Passo já a fazer applicação dos meus principios, e reflexões á materia em questão. - Eu podia limitar-me simplesmente a dizer que, pelas mesmas razões que outros oradores antes de mim tem desenvolvido, approvo o projecto da Commissão, como texto para satisfazer aos poderes que me são confiados na minha procuração.

E que me importa a mim que elle partisse primeiro do ministerio dos negocios do reino; que viesse do da guerra; ou que tivesse sua origem nos primeiros movimentos de Lisboa, seu incremento nos do campo de Ourique, e de Belem, ou que ella em fim cahisse dos ares? - O que me importa, é, que ella me veio dos meus Constituintes; e que por todas as informações, que póde colher, quem está ausente, ella está de accordo com as suas opiniões em geral, com as quaes tambem em geral concordam as minhas. Eu mui francamente lhes disse, em muitas de minhas cartas, que sé elles queriam uma Constituição, que não fosse fundada sobre a base de conciliar o maior numero de interesses possivel, ou que não estivesse em harmonia com as das monarquias representativas da Europa, e nomeadamente, que não conservasse intactos os direitos da Rainha a Senhora D. Maria II. ao Throno, e os da sua Dinastia; se elles queriam uma Constituição sem uma segunda Camara; eu respeitaria, como me cumpria, a sua vontade; mas que desde já declarava, que não contassem comigo para, com o meu pouco, concorrer para uma tal obra; porque elle não podia representar opiniões das quaes tão essencialmente dissentia. - Apesar desta minha declaração tive a honra de ser eleito por uma grande maioria, e não tive a mais levo mudança nos poderes, da minha procuração. - Mas eu irei um pouco mais longe, e descorrerei pelos pontos principaes da materia do projecto, contentando-me com as generalidades em cada um delles, e reservando o desenvolvimento delles para a discussão especial. - A base de todo o Governo livre é o dogma da soberania nacional, no artigo 16, do projecto, eu a vejo reconhecida, e parece-me que, pelo modo que eu a entendo. - Também a Constituição de 23 a reconhecia; - e nisto querem alguns, que esteja a principal differença entre esta, e a Carta de 1826. - Que houvesse - diferença no modo em que a Carta a estabelecia, convenho mas não que nella não existisse: e como os amigos da Carta de 26 tem sido accusados de não gostarem desta doutrina, - seja-me permittido; (porque ela fim quem lhe doe a ferida acode-lhe,) demorar-me um pouco com esta circumstancia. - A principal razão do meu amor, e respeito pela Carta, Sr. Presidente, era porque nella via consignado tão importante principio de uma maneira - menos directa, é Verdade, mas muito nobre para a Nação portu-

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gueza, e gloriosa para o Heroe immortal, que lhe restaurou as liberdades. - Onde se vio jámais um Principe no mesmo momento em que acaba de herdar um Throno absoluto de uma nação enfraquecida, e rodeada de perigos, e obstáculos quasi invenciveis para recuperar por si mesma seus foros, arrastando-se com essa corporação de despotas contra as liberdades dos povos, declarar livre e espontaneamente, como fez o Senhor D. Pedro no artigo 12 da Carta, que os representantes da Nação portugueza, eram as Côrtes Geraes e o Rei. Que significava toda a organisação da Carta, mesmo com todas as suas imperfeições, senão um sistema com as mais importantes garantias para manter a theoria da supremacia nacional, e o que mais era, conservar a Nação na posse desta? Que significava sobre tudo a parte, em que a reforma dá lei fundamental era confiada á mesma Nação; e aos seus representantes? Por ventura o Sr. Dom Pedro disse em alguma parte da Carta, quando achado neste codigo algum deffeito: - Volvei-o a mim, porque só eu tenho direito de o alterar. - Bem longe disso; elle entregou essa obra á Nação e as Cortes? E deve elle infundir algum indicio de pretender o direito de tirar o que tinha dado? Não sabem todos a firmesa e tenacidade, com que elle resistiu às insidias da diplomada europea para o induzir to trahir as suas promessas, e haver a si o poder absoluto ou consenti-lo em outras mãos! Não combateu elle atesta dos portuguezes pela Carta, ao mesmo tempo que pelos direitos de sua augusta Filha, até ao ultimo suspiro de sua vida? A circumstancia de elle a haver dado não considero eu militar contra o principio porque é reconhecido, que uma Nação exerce o seu poder supremo, tanto fazendo ella por seus representantes a sua Constituição, como approvando jurando, e deffendendo uma já feita. - Como individuo eu considero essa circumstancia, como se a Carta tivesse Vindo do illustre Manoel Fernandes Thomaz, onde um filosofo como Loch, por exemplo, se elle cá estivesse neste mundo; ainda que a que elle deu á Carolina, teve a sorte das constituições de gabinete; isto é, morreu á nascença porque não era ao comodada ás circumstancias do povo, para quem era feita. - Mas o Sr. D. Pedro já tinha governado, e tinha em roda de si varões eminentes, que o podiam; ter aconselhado em obra tão importante. - A sua qualidade de Principe a quem a Nação tinha até então consentido o poder absoluto, não deixou de ser favoravel para nas circumstancias d'aquelle tempo, levar a effeito o restabelecimento de nossas liberdades, e servir-se dessa mesma qualidade para as deffender: e até para attrahir em torno da Carta, e por tanto do partido da liberdade, muitos portugueses (que sem isso, embora por illusões, ou erros de entendimento) não engrossariam o partido da monarquia representativa. Longe dos portuguezes pois a ingratidão ao Dador da Carta: ella continha a dadiva de liberdade mais perfeita, que jamais veio das mãos de um Principe! Não sou eu, quê o digo: - assim o proclamou á Europa um dos maiores homens de estado que o mundo tem visto! O sistema de liberdade, que ella
continha, havia custado a outros povos seculos de experiencias, e rios de sangue, com muitos outros sacrificios! E se um Rei a deu, tambem um Rei deu á Inglaterra amaino Carta, e nem por isso ella deixa de ser hoje a Nação mais livre, dos que vivem debaixo do governo monárquico. - Peço desculpa ao Congresso por o haver detido tanto com esta digressão, a que a minha posição um pouco particular de algum modo me obrigava.

Tem pois o projecto satisfeito a esta principal condição, e com ella elle tambem conserva a monarquia hereditaria e representativa, porque nelle temos Throno e Corpo legislativo e os direitos da Senhora Dona Maria II, como nossa Rainha, e dos seus legitimos descendentes, são mantidos na sua integridade segundo a ordem de primo-genitura, e representação, nos mesmos termos em que estavam, consignados no artigo 87, e 88 da Carta. - E a parte que no artigo 89 do projecto confia às Cortes geraes a nomeação do novo monarca, no caso de extincção de todas as linhas dos descendentes e collateraes, muito me agrada. Para o exercício da soberania nacionas em a nomeação dos seus representantes o projecto preferio o methodo da eleição directa. A minha regra é, que esta faculdade deve ficar aquém bem o souber, e poder exercer; com certas condições, de que no próprio logar se tratará: eu tambem prefiro a eleição directa; mas sem ellas quererei antes a indirecta. - E casos de eleições ha, para objectos de serviço publico, em que eu prefiro sempre a indirecta, ou a primeira com um correctivo em outro gráo de eleição.

Na destribuição dos funcções legislativas a Commissão adoptou o estabelecimento de duas Canmaras. - Esta é uma das differenças principaes entre o projecto, e a Constituição de 22; e eu muito approvo a differença introduzida pelo projecto, e a considero como mais um passo na carreira de nossos progressos; porque a tenho em conta de uma das melhores garantias para a conservação da liberdade, e para a ordem e estabilidade da organisação politica; garantia cuja origem considero estar ha condição das sociedades, como ellas hoje existem, é talvez em qualquer condição em que para o futuro hajam de existir; garantia que tem a seu favor as mais respeitaveis authoridade; antigas e modernas, e quasi toda a experiencia reunida desde os mais remotos tempos, até aos nossos. - Quanto ao modo da formação da segunda Camara, e attribuições de uma e de outra, não é este o logar pata tratar dessas cousas: limitar-me-hei sómente a dizer que, no meu entender, a alma da segunda Camara, é o espirito de conservação, e que para este fim é necessário, que ella reuna em si todos os elementos de respeito é independencia, incluindo talentos, virtudes, experiência, propriedade, e até quanto possivel seja, sem prejuizo destas qualidades, os prestigies e esplendor de antigos feitos, e grandes serviços nacionais; em fim, tudo quanto nella possa findar uma firme barreira contra o impeto, muitas vezes demasiado forte, do movimento popular; bem como assento, que a Constituição deve deixar á primeira Camara os elementos de energia e movimento. Não entro por ora nas demais attribuições, nem trato do veto, ou poder que uma deve exercer a respeito das decisões da outra.
Pelo que acabo de dizer, e pelo que eu já disse na exposição dos meus principios, já se vê que eu sigo a este respeito, e a respeito do mesmo poder na Coroa, o systema da acção reciproca de uns, para com os outros; e que sou por tanto partidista das doutrinas que a respeito do poder do veto, apresentou neste congresso o illustre Deputado pela provincia central dos Açores; e quanto ao veto Real, declaro desde já que na pratica, uma vez que os vetos dos outros poderes estejam bem distribuidor; isto é, uma Vez que a acção de uns para com os outros esteja bem regulada, elle não é para mim permitta-se-me a expressão trivial, esse papão que muitos imaginam: e quanto á theoria eu faço uma grande differença entre o veto dado a um chefe executivo responsavel, e a um que o não é; e dada a prepetuidade da Coroa, parece-me que hão póde deixar de seguir-se sem incoherencia uma grande differença neste poder. - Quanto às outras prerogativas da Coroa em geral, já eu disse na primeira parte do meu discurso, qual é a minha idéa fundamental, e qual é a que eu tenho a respeito dos attributos deste mesmo poder, em relação aos habitos do Povo Portuguez. Não necessito de accrescentar por ora mais cousa alguma, senão que com as mais prerogativas, o projecto consagra a da inviolabilidade do Rei - dogma este que além de ser uma consequencia de prepetuidade do poder Real, vai tambem de accordo com os sentimentos de acatamento para com este poder; e com o principio da livre escolha de Ministros da Coroa; e estricta responsabilidade delles -combinação feliz; que constitua toda a excellencia do moderno systema da monarchia representativa;(apoiado, apoiado) combinação que fez honra aos mo-

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demos; e que tornou praticavel o que a algum dos antigos pareceu optimo, mas impossivel; (apoiado, apoiado)quero dizer, o Governo fundado nos tres principios, democratico, aristocrático, e monarcbico; (apoiado) e que mostra, que daquillo que ignoravam 09 nossos antepassados, e do que noa ignoramos, ninguém póde tirar argumentos para a ignorancia dos vindouros - por mais ardua e difficil que pareça a descuberta. - Se dos pontos essenciaes dos poderes legislativo e Real, passamos aos direitos e garantias individuaes, vejo que o projecto não só conservou, as que se acham na Constituição de 22, e na Carta de 26; mas que com razão preferio a respeito de algumas, as disposições da Carta, por serem mais amplas e mais explicitas, como é por exemplo, o que respeita aos direitos de consciencia; e o que toca ao asilo da casa do cidadão, durante a noite; e á prisão sem culpa formada, que tem desde logo na Carta de 26 condições muito reais favoraveis para prevenir os abusos, donde se cegue, que nenhuma censura merece a Commissão, por haver copiado grande parte da Carta de 26, pois que nella ha grande numero de comas boas, que são communs a ambas, e a todas as Constituições; outras que são melhores. A Commissão tornou mais claros alguns artigos, como o que pertence á liberdade de imprensa, e introduzio de novo outros que encerram garantias preciosas, que haviam sido omittidas tanto na Carta, como na Constituição de 22: tal é o direito de se ajuntar pacificamente, sem dependencia previa de authoridade, mas a não lhe parte quando a reunião for em publico; direito este que só tinhamos pela regra de que aquillo que as leis não prohibem, é permittido: mas infelizmente as leis antigas eram oppostas a ajuntamentos publicos, para tratar de objectos de governo, e não estavam ainda expressamente revogadas, mas só pela consideração de serem contrarias ao espirito da Carta; consideração que um Ministro podia facilmente illudir, escudando-se com o pretexto da não revogação expressa dessas leis. Concordo com a idéa de que se gosassemos deste direito em 1828, quando D. Miguel deu os primeiros passos para a usurpação, talvez elle nunca tivesse levado a effeito a sua obra; eu posso prestar o meu testemunho pessoal sobre este ponto, porque aqui me achava nesta capital, e sei bem o que se tratou, e donde vieram os maiores obstáculos aos nossos esforços. - Dou por tanto os meus sinceros agradecimentos á Commissão, por este importante additamento, que eu tambem tinha tenção de propor, e o dou tambem por desde logo iniciar no mesmo artigo, os corredios contra os abusos deste direito: este direito bem regulado, até é o melhor antídoto contra os ajuntamentos clandestinos, a que os Povos recorrem, quando não tem a faculdade de se reunirem em publico para tratarem de seus negócios, e para defenderem suas liberdades: quando os olhos podem encarar a luz, não procuram as trevas. Talvez que ainda alguma cousa mais se possa accrescentar no capitulo das garantias e direitos individuaes, que não seja superfluo. - Para lá mais particularmente me guardo.

O poder judicial está no projecto dotado de bastante independencia. - Eu assim o quero, porque assim é que elle melhor póde decidir da nossa honra, da nossa fazenda, e das nossas liberdades, e até das nossas vidas. - De companhia com os Juizes de direito, vai a admiravel instituição do jury, que foi plantada em Portugal em hora asiaga! E que milagre é, que no meio dos furacões das paixões dos partidos, e da immoralidade da guerra civil, esta planta preciosa, mas exótica no nosso terreno, não tenha medrado! Consideraveis mudanças me parece que serão necessárias para a aclimatar! Eu não quero levar a independencia do poder judicial a ponto de o constituir irresponsavel, ou de lhe dar uma preponderancia que o torne perigoso, e que rompa o equilíbrio necessario em todo o systema. - Lá me parece que em a nova legislação judicial, alguma cousa ha com esta tendencia ; por ora seja-me permittido, de passagem, manifestar este receio, a que com tudo não dou mais importância do que a de um simples receio.

Quanto às attribuições judiciaes dadas pela Commissão á segunda Camara, eu direi, sobre aos partidistas da separação absoluta dos poderes, ellas não podem parecer em conformidade com esse principio, se bem que não sejam sem exemplo, como se vê da, segunda Camara de Inglaterra, e de França. Na de Inglaterra esse poder da Camara, certamente teve origem feudal, como já disse um illustre Deputado; mas não é essa a unica razão porque elle existe; muitas cousas tiveram em Inglaterra chronologicamente essa origem, que toda via vieram a ser confirmadas pela razão, e pela experiencia. - Uma das razões que se costumam dar em Inglaterra para essa accumulação de poderes na Camara alta, como algumas vezes se lhe chama, é que em certas causas, ella é que melhor póde manter o caracter de um juizo de pares, ou de um verdadeiro jury. - A sua grande independencia, e o muito respeito que ella reúne, tambem tem contribuido para lhe conservarem esta alta prerogativa em certos casos. - Os francezes tem imitado, talvez menos bem, estas considerações. - Eu quizera na verdade, se tanto podesse ser em o nosso paiz, ver as altas funcções judiciaes separadas do corpo legislativo; mas ha de ser se eu tiver a certeza de as poder Conferir a outros juizes, que, pelo menos, igualmente bem as possam desempenhar; porque aliás bem pouco me importa a simples razão da divisão symetrica dos poderes: o que eu ha pouco disse, espero se não entenda no sentido de tanta de attenção ao corpo da magistratura Portugueza, que muito respeito em geral, e particularmente a alguns indivíduos della; mas prescindindo de considerações de pessoas, e attendendo só á natureza das cousas; a classe judicial não póde deixar de ser muito numerosa, muito influente, por isso mesmo que entende com as pessoas e bens de todos; que ella se acha por toda a parte; que ella deve ter mais independencia, e mais instrucção, é que ella se torna objecto de maior vigilância; porque quem reune mais poder para o bem, está por isso mais apto para abusar delle para o mal: parece-me pois que á força de lhe querermos conferir muita independencia, devemos ter cuidado não a vamos pôr acima de tudo, e de todos. (Apoiado.)

Os principios reconhecidos a respeito da força armada estão bem lançados no projecto, temos nelle algumas e não pequenas cautellas, que não existem em outras Constituições. - Se alguma cousa mais lembrar para tornar o projecto mais perfeito nesta, parte, muito estimarei. - Do sistema da fazenda nacional estão só lançados no capitulo 3.º os primeiros traços, nem muito mais se póde com acerto introduzir em uma Constituição: neste mesmo capitulo de accordo com o §. 11 do artigo 21 - se consigna o grande principio da votação annual das contribuições, e fixação das despezas publicas pelo mesmo tempo; e por isso mesmo do indispensável exame de fiscalisação das contas. - Com este principio prende o outro da necessidade da reunião das Côrtes em todos os annos, e de não illudir a discussão do orçamento, que eu considero como condições vitaes para a conservação, e realidade do Governo representativo, e para uma boa e economica administração das rendas publicas.

Se nossos maiores tivessem bem comprehendido toda a importancia destes principios, talvez nunca tivessemos perdido a liberdade, mas estivessemos hoje adiante de todas as nações, que nessas épocas remotas tão atrasadas estavam a nosso respeito. - Um discuido, um só erro, póde perder um sistema inteiro. - Foi talvez o descuido a respeito da importancia da reunião annual de nossas Cortes, e o de fazer ligar esta a uma necessidade inivitavel de obter os subsidios para as despezas do estado, que nos trouxe a mina. - Foi por esta razão, que eu com outros de meus collegas, já assignei uma declaração de principios, em Abril de 1835 - por me parecer, que um grande e muito perigoso abuso se ia introduzindo a este respeito. - E é por isto que eu esta-

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rei sempre alerta para combater por estes importantissimos principios Constitucionais.

Do sistema administrativo vejo, que o projecto conserva os primeiros e mais fecundos elementos para uma boa, e popular administração, elementos que já existiam na Constituição de 22, que haviam sido omittidos na Constituição de 26; - mas que o Senhor D. Pedro havia amplamente procurado desenvolver entre nós, e em que se elle peccou, foi por excesso.

O nosso sistema municipal, unico resto das ruinas do edificio da nossa antiga liberdade; materna, em que nós levávamos a palma a tantas outras nações; -sistema, que tornava a liberdade familiar na mais pequena villa, e que por isso bem cuidado tiveram os déspotas de a minar por toda a parte; - é conservado nos seus principios fundamentaes; e em sua futura organisação, espero que elle caminhe a par dos outros melhoramentos, e que nem por defeito, nem por excesso, se torne pernicioso ao todo de nossa organisação politica.

O sistema administrativo propriamente dito, e em separado, não existia entre nós: a administração andava dispersa por toda a parte, e confundida com os outros sistemas desde o almotacé até ao ministro da policia; desde o corregedor até ao chanceller mór do reino. - Algumas das nações modernas tem dado passos vantajosos neste respeito, que me parecem dignos de serem imitados. - Mas tambem me parece, que nesta pane as leis da dictadura do Senhor D. Pedro correram muito adiante dos factos, ou dos dados, que nós tinhamos para transplantarmos subitamente o nosso solo, um sistema desde logo tão complicado. - Já temos fecundos principios, e se marcharmos com prudencia, entendo que delle poderemos tirar grandes fructos. - A falta de pessoas hábeis para funcções administrativas, que ainda experimentamos em o nosso paiz, e algumas outras causas oppõem certamente, grandes obstáculos a este sistema; mas não podem ser motivos suficientes para nunca começar. - No mesmo projecto estão lançadas as bases para o aperfeiçoamento progressivo da lei fundamental; e lançadas com aquelle espirito de prudencia e cautela, que inspira a idéa, de que a par do desejo de melhorar anda quasi sempre, em taes materias, o perigo de innovar. - Também na Carta já existiam disposições para atalhar os excessos de um desvairado espirito de inovação; e na Constituição de 22 ellas não haviam esquecido.

Muito bem, no meu entender, andou a Commissão - em eliminar do projecto uma grande parte da Constituição de 22, que era toda regulamentar. - Em uma Constituição deve entrar só o que é fundamental. - Quanto mais do que o não é, nella entrar; tanto mais necessidade haverá de lhe bolir: e isto é um grande mal nas leis; e quanto mais na lei das leis, e deve evitar-se o mais que for possível: muitas cousas ha de importância em que eu nem toque, porque outros de meus illustres collegas já dellas muito bem haviam tratado, principalmente os que mais se occuparam com a refutação das doutrinas contrarias. - Em geral, direi em conclusão de tudo o que tenho exposto, que, ou no mundo não tem existido até hoje liberdade debaixo do Governo de uma monarquia hereditária e representativa, ou se tem existido, tem sido um sistema de organisação regulada pelos principios, e com as formas, que indiquei.

Tenho dado conta, Sr. Presidente, das minhas opiniões e dos meus sentimentos nesta soleumne occasião. - Eis-me mais uma vez diante da Nação portugueza tal qual sou! - Em tudo o que tenho dito, em tudo o que tenho feito, em tudo o que disser, ou fizer nesta mesma occasião, nenhum interesse exclusivo, He pessoa, ou classe, metera movido ou moverá. - O bem geral dos meus- concidadãos, e o meu com o dellee, é o alvo a que sempre me tenho dirigido. - Ainda quando a Constituição, que este Congresso approvou, não faça a felicidade dos portuguezes, e a minha com a delles, se assim mesmo a quizerem. ninguém me verá jamais alistado debaixo das bandeiras de conspiradores. - Nesse caso, que espero a clemencia do céo desvie de nós, quando eu já em nada poder valer a minhapátria, - usarei do meu direito; e onde quer que existir a liberdade bem regulada, ahi será o meu paiz. - Se a Constituição contiver disposições que repugnem a minha consciência, o que não espero, o mesmo farei; porque em poder nenhum reconheço direito para me forçar. - Em todo o caso os meus votos ao céo serão constantemente pela minha patria, e com ella estará sempre o meu coração.

O Sr. Presidente: - S. Magestade destinou o dia 5.ª feira pelo meio dia para receber a Deputação, que há de apresentar-lhe os authografos das leis, que hão de ir á sancção.

O Sr. José Estevão: - Sr. Presidente, tem continuado esta discussão com a ordem decencia, e nobreza com que começou: sempre esperei que assim acontecesse, e assim não me felicito de terem confirmado os factos o que eu reputava infallivel. Não se póde negar que a minha situação neste debate é a mais melindrosa, e que successos causaes a vieram tornar ainda mais complicada; coube-me desgraçadamente fallar quando o Congresso se acha já cançado de ouvir discursos eloquentes, quando todas as armas da oratória tem sido destramente manejadas por meus adversarios, e sendo-me forçoso ser longo, porque são longos os discursos a que tenho de responder, talvez nem esta consideração me releve o enfado que vou causar.

Tenho diante de mim um colosso de historia, de erudição, de exemplos, de raciocínios, e de nomes respeitaveis, e voltando os olhos atraz vejo inscriptos muitos oradores distinctos, que vão escutar as minhas palavras, e que não deixarão de castigar o meu discurso. Que devo eu fazer em tão apertadas circumstancias? Abater as bandeiras, implorar capitulação, e deixar sem defeza a minha causa? Não, Srs. Tomarei o partido do capitão valente (apoiado, apoiado), que se vê cercado de inimigos: com a espada em punho ou abre caminho por um lado, ou perece no ferro dos contrarios. Assim vou fazer. Não faltarei de mim, Sr. Presidente, porque não posso roubar o tempo, que é destinado a tratar dos interesses do meu paiz, com as historias da minha insignificante pessoa. Se alguns serviços tenho feito á minha patria, esqueceram-me; se alguns sacrifícios tenho feito pela liberdade, não me lembram. A meu respeito só peço licença ao Congresso para dizer-lhe, que pertenço á seita da mocidade; que me glorio de pertencer a ella; a essa seita, que se soccorre sem se ver communicar; que se communica sem se corresponder; a essa seita cujos simbolos são os proprios signaes da joventude; cujos estatutos são os puros sentimentos da natureza: seita a que a Europa deve tudo quanto tem de grandeza, civilisação, e liberdade; seita cujos principios eu defenderei sempre, mesmo depois que as cãs me alvejem na cabeça. Mas aonde irei eu buscar a coragem necessária para sair da perigosa situação , em que me acho? A minha propria convicção, e só a ella.
Quando se começou esta discussão fui eu arguido de ter sahido dos seus termos legaes; porque em uma discussão de generalidade havia descido á especialidade Entendi logo que a accusação era grave; porque o illustre Deputado, que ma irrogou, esforçou-se, e conseguiu aparta-la de si, não tocando em seu discurso na menor especialidade; mas este mesmo procedimento me colocou numa posição desvantajosa, obrigando-me a responder a observações geraes, em quanto os meus adversários se dispensaram de redarguir às minhas especialidades. Poderei eu todavia rejeitar por infundada esta accusação? Sim: eu entrei na discussão sobre a generalidade do unico modo, que em taes discussões se póde entrar; não sahi dos termos proprios, nem exorbitei a minha faculdade. Quando se questiona o modo de organisar politicamente um povo, ou se questione no gabinete, ou no parlamento, ou como escriptor, ou como legislador, o principal objecto a

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que ha a attender, a base de toda a instigação é a divisão e equilíbrio dos poderes políticos. Viciado este principio, vicioso é tudo o mais. E não ataquei eu o projecto por este lado? E será isto sahir da generalidade? Todas as doutrinai do projecto estão consignadas em artigos, a esses artigos chamam-se especialidades, e assim, ou uma discussão em geral é impossivel, ou é forçoso nella tocar essas especialidades; mas eu entendo que um artigo não é uma especialidade, se asna materia é geral, se é fundamental; e só em artigos desta natureza é que eu toquei. Será rejeite? um projecto na generalidade reprovar os seus artigos, aquelles que não é possível rejeitar; tudo o que é desse projecto, e nelle se contém, o papel em que é escripto, o formato em que foi impresso, o tipo em que sahiu, o dia da assignatura, e os proprios nomes dos que o assignaram?.... (Riso) Sr. Presidente, já se vê que não sahi dos termos legues da discussão, que fallei na generalidade como podia fallar; (o Sr. Presidente interrompeu o Orador para lhe significar, que não fora elle quem lhe havia feito essa censura de discutir fora da ordem, e o orador continuou) 6ei, que não foi V. Exca. quem me fez essa censura; mas ella fez-se, e era preciso redarguir-lhe.

Sr. Presidente, não posso deixar de manifestar a minha magoa por algumas expressões bem impróprias, que tenho ouvido proferir nesta discussão. Tem-se invocado repetidas vezes a letra das nossas procurações, tem-se agradecido á Commissão, que ella se contivesse nos limites que nossos constituintes nos prescreveram; e até se lançou já o ferrete de perjuros sobre os que argumentam contra o parecer dessa Commissão; e nos accusaram de trahirmos a missão popular. Trair a missão do povo na presença do mesmo povo! Enganar a nação á face da nação! Rasgar as nossas procurações, e continuar sentado nesta cadeira! Qual de nós seria capaz de tanta immoralidade, e desvergonhamento?! Sr. Presidente, eu sou tão fiel á minha procuração votando para o meu paiz a organisação politica, que tenho sustentado, como o são os Srs. Deputados, que defendem a organisação, que consigna o parecer da Commissão. (Apoiado, apoiado.) Quando se abriu a discussão sobre esta matéria, depois de ter estabelecido que nós éramos senhores de todos os poderes, e que podiamos dividi-los como nos parecer, disse eu pouco mais ou menos estas palavras = Permitti, Srs., que ca me eleve a esta altura, e que tire a medida das nossas faculdades do espirito das nossas procurações, sem me ligar a palavras, que tocam em sucessos em que está envolvida a maior parto dos nossos contemporâneos. = Não se consideraram estas minhas palavras, e agora sou provocado a entrar nesses melindrosas questões. Pois não cedo á provocação. Que dizem as nossas procurações? Que façamos uma Constituição da Constituição de 22, e da Carta de 26. E determinam ellas a porção de artigos que devemos tirar desses códigos, para formar aquelle que a nação nos encommendou? Não. Logo se eu apresentar um programma governativo que tenha um só artigo da Carta de 26, não trahi a minha procuração. (Apoiado, apoiado.) E verdade que as mesmas procurações nos obrigam a fazer uma Constituição em harmonia com as dos paizes mais civilisados da Europa; mas com a observância desta clausula, julguei eu que hia fazer grave damno ao meu paiz; parei, hesitei, e determinei aberrar nesta parte dos meus poderes. Os motivos ides ouvi-los.

Carregue-se agora com a minha Europa, como eu carreguei com a dos outros. (Riso). Viagei também. Fui primeiro a França, vi lá um pacto social formado por um poder a que se disputou o direito de o formar; vi inquietação no interior, descredito no estrangeiro, pouca simpathia nos povos livres, falla a amisade dos Governos absolutos; em uma palavra, vi todos os signaes de instabilidade e dissolução, e disse comigo = não ha aqui que imitar. = Passei a Inglaterra, e vi essa veterana do sistema representativo, que tem sabido fazei da aristocracia um elemento de prosperidade, que foi achar a liberdade nomeio dos derrocados castellos do feudalismo; vi-a, digo, esquecida já daquelle supresticioso respeito pelas suas leis, e usos antigo?, pedir em altas vozes = reforma, reforma = e disse =aqui não ha prespectiva de duração, não tenho que imitar. = Na Hespanha apresentou-se-me uma Constituição meia discutida, feita debaixo do estrépito das armas, e para uma nação, cuja sorte futura está pendente das contingencias da guerra; e eu disse = aqui não acho exemplos para seguir. = Acabei então a viagem, voltei a Portugal, e comecei a estudar as suas circunstancias para resolver só por ellas o problema da nossa organisação social. Eis-aqui como em proveito do povo me apartei do seu mandato: a elle me apresento como réo, elle que me julgue.

O illustre Deputado, que primeiro orou em defeza do projecto, estabeleceu que eram quatro as condições indispensaveis do sistema representativo: que essas tinham suas consequências naturaes; depois disse, que taes bases, e taes consequências se achavam no projecto, e concluiu a sua defeza. E preciso confessar, que se eu combati mal o projecto, por fallar em especialidade na discussão em geral, (como se me imputou) tambem não é com estas generalidades que elle se defende bem. Encommenda-se uma estatua a um artista, um palacio a um mestre dobras; um apresenta uma figura com as proporções ordinárias, outro um edifício com a grandeza e decorações de casa nobre; e não será permittido a quem encommendou estas obras notar faltas em uma e outra, manifestar que lhe não agradam, que podiam estar mais ao seu gosto? Certamente que sim. Pois e o que eu fiz a respeito do projecto. Quer a Commissão que lhe agradeçamos, que sanccionasse no seu trabalho o principio da independencia nacional, os direitos civis dos portugueses, a divisão dos poderes, a doutrina da fiscalisação das rendas publicas, e todos os mais axiomas de direito publico constitucional? Eu não contesto, que a Commissão fizesse um Governo representativo; mas não quero que me contestem tambem o direito de dizer que esse Governo, como ella o formou, não é o meu Governo. Convenhamos que a defeza do projecto nesta generalidade foi mais a apologia do sistema representativo, do que a refutação das impugnações, que eu fiz ao mesmo projecto.

Um illustre Deputado por Villa Real manifestou desejos de que a nova Constituição seja a arca da alliança, que reuna toda a familia portugueza; o laço de fraternidade, que nos traga a paz de que carecemos. Reunir a familia portugueza! Ah! Sr. Presidente, que portuguez não abençoaria o momento em que podesse realisar-se tão apetecido futuro! Reunir a familia portugueza! Que coração amigo da pátria não pula de prazer com tão lisonjeira idéa? Ha uma Constituição que possa operar esta maravilha? Ella que appareça, seja como for; eu me esqueço do meu mandato, eu a approvo, eu a reconheço, eu a sancciono, eu a juro........
Mas, se combino em desejos com o nosso honrado collega, discordo infelizmente em esperanças; porque tenho por impossivel essa união.

Nas idades anteriores, cuja felicidade é objecto da nossa inveja, ou fosse por ignorancia, ou por menor corrupção, a união era fácil, e natural; porque era a Índole do tempo: hoje a discordância é o caracter da época, e, é forçoso, ou sujeitar a ella, ou renunciar a liberdade. As disenções politicas são o tormento do nosso século; côas não ha que lhe oppôr, não ha com que as vencer, ha só meios de minorar o mal de suas consequências. E quaes são ellas? Não as deixar chegar ao coração; respeitar todas as opiniões, e aborrecer só os crimes. (Apoiado geral.) E que parte da família portugueza queremos nós unir comnosco? Os absolutistas? Esses, Sr. Presidente, representam um anacronismo, são os séculos da meia idade, que querem tomar o lugar do século dezenove. A chronologia oppõe-se a esta invasão. Esses não querem união, querem triunfo; porque a união é a morte de seus principios, o a renúncia dos seus planos. O partido

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que se chama da Carta?! Ah! Sr. Presidente, pois pensa-se que esse partido perdoará nunca a nação a resistencia contumaz, que oppoz ao seu dominio, o desprezo a que se tem votado as suas pessoas, a execração com que tem coberto seus nomes, uma revolução gloriosa com que acabou a sua existencia politica, e sobre isto o ludibrio de suas miseráveis conspirações. Pensa-se, que a Constituição que fizermos não será sempre o objecto do seu ódio, e de suas maquinações; e que elles se esquecerão que ella teve uma origem, que os affronta, e faz a sua vergonha:.... Sr. Presidente, o Governo representativo é pela EUS natureza uma fusão sistematica e legal. A uma recebe todos os nomes, nella se volvem todas ambições, a ella correm todos os partidos. Fazemos nós alguma lei de exclusão? Pediamos a uma a alguma cor política? Nas ultimas eleições não appareceram nella os nomei mais infestos á revolução E a revolução repelliu-os? Não O mesmo illustre Deputado disse, que o programma de Hotel de Filie sempre tinha sido resolvido pelo facto contra a theoria; e com isto quiz inculcar a impossibilidade da sua pratica confesso que esta linguagem me maravilhou. Os desfavores da fortuna destroem por acaso os direitos dos povos? As conspirações liberticidas podem desacreditar a liberdade? Porque motivos a theoria tem resolvido contra os factos o programma do Hotel de Vilie? O illustre Deputado bem os sabe, e o Congresso não os póde ignorar.

Também se nos citou a morte de Carlos I., de Luiz XVI. - Sr. Presidente, os dias em que uma nação se constitue, são OE dias de noivado entre o throno e essa nação; e será cortez agoar o prazer do festim com narrativas funebres, e salpicar com cangue as gaias dos convidados?
Quando nós vamos lançar sobre o jovem throno as flores da boda, para que é misturar nellas os ciprestres da morte? Sr. Presidente, a nossa rua do Parlamento, a nossa praça da revolução, é esta sala, e aqui discutem-se muito maduramente os direitos da coroa, e do povo, e não se cortam cabeças de Reis. (Apoiado, apoiado) E os Robspierres, os Marates ....exclamou o nobre Deputado. Muitas vezes reflectindo eu sobre a sorte dos povos, tenho dito comigo. = Estes homens tem feito mais mal á liberdade com os seus nomes do que com os seus crimes. E com effeito os seus crimes passaram, o tempo tem desvanecido os effeitos delles; mas os seus nomes intimidam o presente, e compromettem o futuro, ao (permitta-se-me que assim lhe chame) os papões da liberdade, com que se intimida o povo, e se incutem receios no progresso. Sr. Presidente, desenganemo-nos; a historia da revolução franceza é a historia só da França , e só dessa revolução. Não se tornam a repelir os seus successos nem cá, nem em paiz algum não o consente a civilisação da nossa idade Desde os horrores dessa vertigem revolucionaria até agora , quantos povos tem tomado as armas para defender seus direitos Acaso um algum representado as scenas criminosas da contenção, e do directorio? O mesmo povo francez, sentado sobre as ruinas dum throno, tendo em suas irmãs vitoriosas os destinos da França, senhor da lei e da força, lançou aos pés do heroe dos dous mundos os troféos do seu civico triunfo, e á voz delle, a ordem, e o Governo renasceram sem esforço do orgulho da victoria, do tumulto das paixões, e da confusão dos partidos. Tal é a differença dos tempos, tal é o espirito da nova idade! Robspierres, e Marates em Portugal! O nosso paiz não nutre estes monstros. Abra-se a nossa historia, não tem sido poucas as nossas revoluções, e ainda não appareceu nel-las uin homem desses. Os Robspierres, e Marates nunca foram do nosso clima, e já não são do nosso seculo. (Apoiado, apoiado.)

Um illustre Deputado pela Terceira estabeleceu a doutrina = que a Constituição dum paiz não é obra dos homens, mas que está no mesmo paiz. Sr. Presidente, uma Constituição política qualquer tem duas partes, como bem notou o mesmo nosso honrado collega: uma é a parte natural essa é inalteravel, eterna, e universal, e a mesma para todos os povos, fallo da declaração dos direitos, que são os mesmos para todos os climas. O negro que debaixo da Zona tórrida trabalha ao som do chicote do senhor, o francez que não sabe permanecer, o china que é sempre o mesmo, o turco que respeita a lei pela força, o Inglez que teme a lei sem a força, todos filhos iguaes da natureza, não obstante a diversidade de condicções, tem os mesmos direitos. A outra parte é dos homens, é aparte sistematica e organica, supposto que tambem tenha o seu fundamento na natureza das cousas; porque constituir politicamente um povo é resolver os problemas da sua prosperidade e liberdade, tendo por dados as suas circunstancias economicas, moraes, e físicas mas não discordando eu desta doutrina, permita me o illustre Deputado que a produziu, que eu lhe diga que se as suas vistas foram só
produzi-la, a lembrança foi um pouco intempestiva; e se a apresentou para tirar delia as conclusões que eu julgo, o recurso não foi feliz; porque essas consequências não dimanam delia. Eu julgo que esta doutrina foi apresentada para nos prender em nossas concepções politicas, e obrigar as nossas opiniões; mas esta doutrina só muda os termos da questão, e não lhe faz perder a natureza. Se nos querem subjugar com os exemplos, e subjeitar a theoria aos factos, ainda nos fica a mesma latitude de argumentar sobre a concludencia desses exemplos, e o valor desses factos Esteja-se se quer a nossa organisação politica no nosso próprio paiz, mas vamos a ver que organisação elle pede. Recebamos exemplos de fora, mas veja-mos se esses exemplos nos podem aproveitar; porque um Governo não é uma maquina, que se transporte, e trabalhe em toda a parte.

Eu sei tão bem como o illustre Deputado pela Terceira, que os nomes não fazem as cousas, e que um povo póde governar-se democraticamente tendo uma Constituição, a que se chama monarchica, e mesmo gemer debaixo dum dispotismo consumado tendo a liberdade decretada em suas leis; que Sparta, republica dos livros, se póde chamar monarchia no facto, e Inglaterra aristocracia nas instituições se póde reputar democratica no seu modo de governar-se, mas para que dar uma lição terminologica a todos os povos da terra? É preciso advertir, que muitas vezes em politica se emprega uma terminologia falsa para incubrir a realidade das cousas; (apoiado) outras vezes a terminologia fica, e as cousas mudam, e daqui em a differença que se acha entre a Constituição real dum povo, e a Constituição nominal.

Todas as lutas, que tem havido no mundo, disse o nosso honrado collega, esta inquietação dos povos, esta instabilidade dos Governos, vem da guerra continua em que sempre andam a aristocracia, e a democracia. A historia, de todos os paires é a historia destes combates, e todas as revoluções políticas se explicam por esta única causa. Quando estes dous monstros, continuou o mesmo illustrt Deputado, não são dotados de igual força na Constituição dum paiz, o resultado é a desordem, a confusão, e anarchia. Mas o nobre Deputado, que proferiu estas idéas, approvou o projecto da Commissão de constituição, constituições como essas tem sido experimentadas em muitos paizes da Europa, e esses males de desordem, e instabilidade não tem cessado logo aqui, ou ha engano em atinar com a origem destes males, ou má politica nos remedios que se lhe propõe. Isto
parece-me concludente. Figurou-se-nos a aristocracia como uma torrente impetuosa, quebrando todos os diques que se lhe opõe rompendo por todas as leis, por todas as instituições, e por todos os tempos; e disse-se = a aristocracia é um vicio do coração humano, que não tem podido, nem nunca poderá extirpar-se. Entendamo-nos duma vez para sempre sobre o sentido desta palavra, que não deixa de metter medo a muita gente. Eu, Sr. Presidente, não sou partidario daquelle igualdade imaginaria, que nos leva a contestar os factos conhecidos e a duvidar do testemunho dos sentidos Se vejo dous homens, e reconheço por factos reiterados - que um é mais

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alto que o outro, hão insisto na igualdade da sua grandeza; se vejo dous a lutar, e um vencido aos pés do vencedor, tendo esse successo como documento da differença das forças; e agora, e sempre que eu tenho a honra de tomar a palavra neste Congresso, estou experimentando eu mesmo novas provas da inferioridade de talentos. Se a aristocracia consista pois na differença do merito, no conhecimento d'essa differença, na elevação d'animo próprio da virtude, que nos leva a ser mais útil aos outros, fazendo-lhe sentir só por isto a nossa superioridade, essa aristocracia não é para mim um vicio, é o gérmen de todas as virtudes; é o elemento da prefectibilidade; a base da grandeza das nações; dessa aristocracia sigo eu o partido, assim desejava eu ser o mais aristocrático de todos os homens, e estimava que nenhum paiz da terra se avantajasse ao nosso nesta especie de aristocracia (apoiado, apoiado); mas se por esta expressão se entende um corpo de privilegiados, que querem viver por um modo civil, politica, e até criminalmente differente do resto de seus concidadãos, essa aristocracia reprovo eu, detesto-a; dessa aristocracia sou eu inimigo, e combate-la-hei em quanto tiver lingos. (Apoiados geraes.) Mas a aristocracia, como eu defini, não precisa que lhe façamos interesses, que lhe reparemos representação; ella abraça todos os interesses, e representa-se por toda a parte; e paiz; é della, e felizmente não ha que disputar-lho, que a ella pertence de direito o seu governo.

Sr. Presidente, inculcou-se como origem do sistema representativo, esta lucta continuada da aristocracia, e da democracia; mas não julgo eu exacta esta doutrina. Reputo o sistema representativo coevo do primeiro governo do mundo. Um povo que legislasse, que executasse, e julgasse por si; e em uma palavra, um povo que fizesse todos os serviços publicos sem delegação alguma, é impossivel que exista, ou tenha existido; porque um povo tal havia de viver do suor d'outro, não ter commercio, nem lavoura, nem artes, nem rendas, e isto já se vê que não é praticável. - Logo que houve a primeira idéa de governo, appareceu o principio das delegações, e só este principio forma o governo representativo; porque as delegações são representações.

Chego finalmente ao poder moderador, - Para me não envolver na methafisica de Santo Agostinho, nem me enredar nas subtilezas de Leibenits, continuarei a chamar-lhe pó der, como até aqui. Disse se, e eu não o constesto, que o poder moderador está espalhado em todos os corpos do estado, que o complexo dos poderes, que tem cada um desses corpos, é que os conserva reciprocamente nas suas orbitas, e estorva as suas mutuas invasões. Pois se isto é o que constitue o poder moderador, póde-se-lhe recusar o nome de poder? Se elle é formado do complexo de poderes, titio será elle mesmo um poder? - Sr. Presidente, considere-se embora o poder moderador dividido como quizerem; mas não se faça uma inovação terminologica, que é falsa, que prejudica a sciencia , e não aproveita á pratica governativa. - O effeito do jogo regular dos diversos poderes , é sem duvida a moderação de todos; e a este effeito chamarei sem custo = Spirito = porque os spiritos são seres, que se conhecem pelas qualidades que não tem , e o moderantismo dos poderes políticos, tambem se manifesta negativamente pela falta de invasões de uns em outros. (Apoiado, apoiado.)

E a França que é? Disse o nosso honrado collega, Deputado pela Terceira, nem monarchia, nem republica, nem aristocracia; luta na confusão, e na anarchia política, sem ter uma existencia definida. Os Depurados francezes em 1830, não tendo a coragem de arrostar com os prejuizos populares, constituíram o paiz pela influencia das paixões, e minaram assim o alicerce politico.

Sr. Presidente, os reformadores da Carta franceza só condescenderam com as exigências publicas em stigmatisar o principio heriditario; e este principio, que a opinião de França repellia, que as suas leis civis não consentiam, a que os seus costumes, e indole repugnavam, seria capaz de lhe restituir a tranquilidade, de que ella carece; e a base que falta ao seu governo para elle ter caracter, cuja falta lhe notou o illustre Deputado? - Não, Sr. Presidenta, Não repito eu. Já não é tempo de chorar pelo principio heriditario, nem. ha paiz a quem elle possa aproveitar. - O projecto da Constituição, é na sua essência a actual Carta franceza; os proprios membros da Commissão o confessaram, e não era preciso que elles o dissessem; o illustre Deputado, que nos fez da França tão triste pintura, declarou já, que approvava esse projecto; e a fallar a verdade, eu não esperava do seu patriotismo tão estranha contradicção. Depois das opiniões que elle aqui pronunciou, e segundo ellas, é forçoso que elle confesse, que estamos mais adiantados que os francezes; ou que tenha a coragem de nos propor o principio hereditario, ou que reprove o parecer da Commissão. Este ultimo partido já elle não póde tomar; é de crer que escolha um dos primeiros.

Uma Camara só! Exclamou-se; é a mina do paiz. Uma Camara só houve era Portugal, uma Camara só houve em Hespanha, e ellas lançaram as liberdade dos povos aos pés dos Reis. De certo que se um homem podesse ser uma Camara, eu queria ser tudo quanto ha de máo neste mundo menos Camara só; porque na verdade são taes os elogios que lhe fazem, que me pejaria de os merecer. (Apoiados e riso.) Mas, Sr. Presidente, com que justiça se quer lançar sobre o sistema unitário as culpas que são dum exercito de cem mil homens, da reacção de todos os interesses, de alguns erros governativos, e da colisão da Europa? - Confessa-se, que estes poderes reunidos eram bem capazes de distruir um Governo com qualquer numero de Cornaras. E já que tanto mal se diz duma só Camara, já que uma segunda se reputa sua instituição tão proveitosa, ouçào-llie as obras, e julguem por ellas. Uma segunda Camara viu despedaçar-se o throno de Napoleâo depois do Waterlóo sem dar sequer num gemido; uma segunda Camara presenciou socegada u queda de Luiz IS; e quando as mãos do povo rasgaram o manto real de Carlos X , os pares não cobriram com seus arminhos o Rei deposto. Uma segunda Camara saudava, e felicitava a politica de Polignac, quando toda a França via nella os ensaios liberticidas desse Ministro fanático; eu Ire nós uma segunda Camara fugiu com a primeira aproximação de D. Miguel, e ultimamente a segunda Camara só acompanhou a primeira nos seus protestos com a nossa gloriosa revolução? Eis-aqui a chronica resumida dessa tão gabada instituição. Eis uma segunda Camara a desamparar os thronos, e não proteger os povos.

Mas instou-se: nos negocios ordinarios da vida reputa-se uma garantia a segunda instancia , e como se rejeita essa mesma garantia em outros de maior momento, como são os que se ventilam nas assembléas legislativas? Quando se tratar desta matéria na especialidade, eu mostrarei que a analogia não colhe, que as questões não são as mesmas, que os principios são outros, e os resultados diversos: espero levar estas proposições á ultima evidencia.

O illustre Deputado pela Terceira, a que tenho a honra de continuar a responder, sustentou com muito acerto que o perigo da liberdade não está na Constituição, mas no desaranjo organico do paiz, e na corrupção dos costumes; eu combino exactamente com as suas idéas a este respeito; mas tiro dellas consequencias, que lhe não podem agradar, fie é em nossos costumes, e na organisação do paiz que estão as bases da liberdade, façamos uma Constituição, que depure esses costumes, e lhe de vigor e energia, e que não difficulte a acção legislativa, donde depende essencialmente, todo o arranjo interno do paiz. E o projecto da Commissão poderá preencher este fim? O Congresso que o julgue, que eu não quero abusar da sua attenção com longos desenvolvimentos; mas não me posso dispensar de fazer a este respeito uma só e curta reflexão. O sistema representativo, como

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e apresenta a Commissão, repoupa todo na theoria das maiorias: quero dizer, a Constituição do parecer é um verdadeiro arbitrio; perde todas as garantias, se se quebranta o principio, de que o Ministerio deve governar com a maioria do corpo legislativo. E este principio deduz-se como lei inquebrantavel do parecer da Commissão? Não: logo aonde está essa garantia mestra, esse penhor unico da liberdade? Nos costumes; e os nossos costumes estão formados para a liberdade? Não! Oh! Sr. Presidente, pois se os proprios Srs. Deputados, que approvam o projecto, confessam esta triste verdade; como querem elles dotar o paiz de instituições, cujo elemento de liberdade está na força dos costumes publicos, que elles confessam não encontrar entre nós?

Chego aos vetos, e não tenho eu a culpa de cá chegar tão tarde: aqui é que está toda a questão. O veto acha-se em todos os poderes, ou antes todos os poderes são votos; de modo que a veto é o poder que tem qualquer poder para estorvar, que os outros poderes exorbitem dos seus podares. Será vicioso este circumloquio; mas é exacto; e exprime a idéa com clareza. Assim as prerogativas do throno são vetos contra os direitos populares, e os direitos populares são vetos contra as prerogativãs do throno. Um nobre Deputado, que primeiro aqui ampliou a accepção da palavra veto, discorrendo sobre a adotação desigual de vetos que tem o poder judicial, manifestou desejos que na lei fundamental lhe consignassemos o de obstar a execução das leis. Ainda que eu espero que nem os talentos da nobre Deputado, que apresentou esta doutrina, poderão arrancar deste Congresso a menor simpathia por ella, não posso deixar, de a combater com todas as minhas forças. Este veto, que se quer dar ao poder judiciaria, tiveram-no antes da revolução certos tribunaes de França.

Então, as leis não se executavam sem serem registadas por esses tribunaes, e elles, negando-lhe o registo; vedavam a execução; Sr. Presidente, já aqui serviu de argumento contra o sistema: unitario o ter-se ensaiado pouco, e sem fructo depois da revolução franceza, e parece-me que me poderei servir do mesmo argumento contra o direito de registar dado aos tribunaes. - A revolução de 1791 acabou com esse privilegio, e ainda até agora ninguem se lembrou de o resuscitar. - Não façamos especulações, não vamos por mares nunca dantes navegados. - Estranho que o illustre Deputado, que tantos receios mostrou da desembargocracia, lhe queira metter na mão a terrivel arma de annular as leis; com effeito são muitos vetos contra a vontade popular!

Peço desculpa desta curta digressão, ella estava muito ligada á materia.

Entro finalmente no exame comparado dos vetos do throno, e do povo. Disse-se, que o povo até tem o direito de impor ao chefe do executivo os homens que hão de servir com elle, os seus proprios Ministros; porque elles são sempre tirados das maiorias parlamentares, e essas maiorias, é a uma que é popular que as cria, e as sustenta. Sr. Presidente, isto era bom se assim fosse; se o throno tirasse sempre os Ministros da maioria do parlamento, mas elle faz mais vezes as maiorias para os Ministros, do que tira os Ministros das maiorias. - Olhe-se para a historia do governo representativo, e não temo que a minha asserção seja contestada. E' o povo que dispõe das partas, ou o throno que dispõe da urna? Quando se falla das prerogativas do throno sempre se suppõe no seu estado normal, sem sair dos seus limites; quando se trata dos direitos do povo sempre se figura a invadir tudo, agitado pelas paixões, e respirando anarchia. Esta logica é na verdade bem desigual. (Apoiado, apoiado.)

Disse-se, o povo elege, e a eleição é o maior de todos os vetos. E o throno não elege? Elegem por elle os Ministros, os empregados, os que esperam , os que querem conservar, os que temem perder, e em fim aquelles que cercam sempre o poder, e o acompanham em todas as suas operações. O veto da eleição é pois, partilhado pela Corôa. O povo tem imprensa, e a imprensa é o maior veto de todos os vetos. Oh! pois o throno não manda: escrever, não compra escriptores, não tem jornaes. Aonde está o Governo que não tenha imprensa sua? - O veto da imprensar é pois, partilhado pelo throno.

Os actos do executivo não tem começo em si, são o complemento da lei que elle não fez. - O executivo tem o direito de iniciativa, e se elle executa a lei que propôz, esses actos da execução vem da mesma origem que a lei, e se elle a não propôz, ou consentiu nella, ou os Ministros se retiram, e se a lei vem a ter depois execução os Ministros que executam receberam-na, e a execução, e a lei eis-las a partir sempre do mesmo principio, ou por consentimento ou por iniciativa. - E não tem o executivo certa latitude em suas operações; não tem certas faculdades, que não são o rigoroso complemento da lei, da vontade popular?

Tombem se argumentou com o direito de acusação, e muito se exagerou a sua importancia; mas o projecto da Constituição torna-o illusorio, tira-lhe todo o valor. Quem accusa os Ministros, é sem duvida um corpo de creação popular; mas quem os julga, e condemna não é um collegio de homens, que os proprios Ministros escolhem? Oh! Sr. Presidente, pois apresentesse-nos uma segunda camara da nomeação regia, e sem numero fixo de membros, e ainda se nos falla do direito de accusar?! Que me dêem o direito de escolher os meus juizes, e que me accusem quando quizerem. (Riso.)

Eis-aqui, como todos os poderes, ou vetos do povo, ou são partilhados- pela Corôa, ou neutralisados de todo por ella.

Peço disculpa se cançar a attenção da Assemblêa ainda por um pouco.

Um illustre Deputado disse, que se não fôsse proprietario adheriria de boa vontade a uma Constituição que fosse lembrada por cabeças aquentadas: Sr. Presidente, a esquentação do cerebro, é um desarranjo nervoso, e esses desarranjos não poucas vezes os causa o medo. Nesta questão o demasiado receio de perder propriedades póde tão facilmente levar a erros o illustre Deputado, que as possue; como a falta dellas arrastar a precipicios os que as não tem. Se eu duvidar da minha cabeça, porque sou pobre, não acredito na de S. Exca. por ser favorecido da fortuna.

Toco esta especie mui ligeiramente; porque se a encarasse como devera, podera talvez dizer alguma cousa, que desagradasse ao illustre Deputado.

Sr. Presidente, eu não tenho propriedades; mas tenho familia. (Apoiado.) Tenho pai, e tenho amigos. (Apoiado, apoiado.) Tenho patria, e não sou capaz de propor para o meu paiz um governo, que eu julgue, que não póde fazer a sua felicidade (apoiado; apoiado); porque eu sem propriedades sou tão consciencioso, e patriota, como o Sr. Deputado com ellas. (Apoiado.)

Disse-se: á Camara vitalicia hão de ser chamados só os velhos; e então a mobilidade, que se pertende neste corpo, a curteza da vida a dará.

Primeiro a idade, que pelo projecto se quer para poder ser investido de dignidade senatoria não é tão avançada, que não haja mais segura probabilidade de que os senadores hão d'occupar as suas cadeiras por mais tempo do que o consentem os termos regularei da renovação; e qualquer que seja a vida delles, isso não destroe o vicio da instituição, que reveste perpetuamente um homem das funcções legislativas. A morte mais ou menos rapida d'um senador, é um successo casual; mas o principio orgânico do senado sempre é a perpetuidade do cargo; e essa circumstancia offende os interesses sociaes, destroe a dignidade do mesmo cargo, repousa sobre maximas erroneas, e dá mais receios de damnos, do que esperanças de proveito. Parece que se quer uma segunda Camara mais vitalicia do que a vida!

Dissesse tambem, que nos proprios Estados Unidos havia duas instancias legislativas, e que a nós que advogamos o

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sistema unitario nos haviam agradar estes exemplos. Eu pela minha parte não tenho simpathias em questões desta natureza, e sou pouco avesado a argumentar com exemplos; porque receio a falsidade das analogias, e veja-se se este caso mesmo não justifica os meus receios. Os Estados Unidos são uma republica, é uma republica que tem de commum no seu principio constitutivo com uma monarchia? A mobilidade, é o elemento de todas as instituições republicanas e entretanto que na monarchia o throno hereditario é um principio de perpetuidade, que transcende os limites da vida, e quer arremedar a eternidade. Então é logico este argumento de analogia, é bem trazido o exemplo. A mesma instituição tem iguaes vantagens em diversas fórmas de Governo?

Fez-se uma revolução em França (disse um dos nossos collegas), destruiu se um throno, mas depois não se regatearam á Coroa as prerogativas que lhe pertencem Sr. Presidente, nós aqui não tratamos de destruir thronos, nem valem para nós exemplos densas destruições, que não queremos emitar, discutimos simplesmente o modo de constituir o throno Portuguez, com as melhores garantias de liberdade para a nação, e os mais seguros penhores de segurança para elle; e o meu programma é o que eu julgo preencher melhor estes fins. E para que é estar sempre a citar a revolução franceza Sr. Presidente, essa desgraçada revolução foi frustrada, foi traida, foi ludibriada. (Rumor.)

Ninguem póde estranhar, que eu exponha aqui francamente as minhas idéas, é a opinião d'um Deputado, que por mais exagerada que seja, nunca póde offender os interesses do paiz, nem as conveniencias diplomáticas, máxima sendo dum Deputado de tão pequena consideração como eu. Repito, e repetirei mil vezes, a revolução francesa foi traida, e ludibriada. Esse povo generoso. e grande á voz de seus ovaculos politicos, largou das mãos as armas victoriosas sem deixar segura a sua conquista, e a ambição veio logo recolher a preza dos combates, escarnecer da memoria das victimas, e jogar o fructo do seu valor, e do seu sangue. E quaes foram os resultados, Sr. Presidente? Ah! que nem delles me posso recordar sem uma profunda commoção. A Polonia, a infeliz Polonia, a Phaeniz da liberdade, lá esta nas garras da Aguia Russiana, aquelle solo magestoso, o reducto avançado da civilisação, donde podiamos acenar aos Cossacos com o pendão da liberdade, lá o calcam os pés impuros dos Janisaros do Autocrata. A Italia, a ala direita do exercito do Occidente, lá tem suspensa sobre seu colo a espada Austriaca, e á menor tentativa de resgate, á menor reminiscencia de seus passados brios, saltará na terra mais uma cabeça d'um povo livre. A França malquista dos principes, com pouca affeição dos povos, vê todos os dias o punhal regicida sobre o peito do rei cidadão, e sente de cada vez que elle se alevanta estermecerem os alicerces da monarchia, e jogarem-se seus destinos, nos destinos d'uma revolução. A Hespanha, depois de tantas desgraças, e esforço, ainda tem a liberdade nas baionetas de seus soldados, e nus espadas de seus generaes, e nós constituimo-nos hoje, quando deveriamos ter já contado muitos annos de prosperidade, e paz. Sirva-nos de lição este triste exemplo! Posta ella doutrinar a todo o mundo!

A soberania nacional, disse um illustre Deputado, foi a unica cousa que o povo quiz proclamar nos dias 9 e 10 de Setembro. - Sr. Presidente, o povo julga se pelos seus actos, e apreciando bem os actos do povo, é mister confessar que ou elle se explicou muito mal, ou quiz mais alguma cousa do que a soberania nacional.

Disse-se, se a Carta de 2G não póde vigorar em Portugal, não poderá certamente vigorar a Constituição de 22. Uma proposição de similhante natureza, precisava sustentar-se com alguns argumentos, estranho que ella fosse proferida como uma verdade incontestavel, quando tenho para mim, que é de bem difficil prova. Não se nos quizeram revellar os raciocinios, os principios que geraram uma convicção tão segura, e que fizeram aventurar uma profecia tão descomedida. Eu estou persuadido, que provaria sem muita difficuldade a proposição inversa daquella que o illustre Deputado apresentou, isto é, que por isso que a Carta de 26 senão póde sustentar, a Constituição de 22 se sustentaria sem esforço.

Fallou-se em veto absoluto. A este respeito anda uma notavel contradicção nas cabeças dos Srs., que defendem o parecer da Commissão.

E' preciso estabelecer o veto absoluto (dizem uns) por que sem elle o throno fica completamente desarmado, o veto é um direito importantissimo. Outros dizem, o veto é nada: ha cento e cincoenta annos que em Inglaterra se não usou delle. Então em que ficamos? Para que sequer o veto. Se elle com effeito é nada, confessem no todos que o sustentam, e não queiram dar ao throno um direito, que sem lhe aproveitar lhe grangeia as antipatica populares. Se pelo contrario, é uma prerogativa importante, diga-se francamente que o é, para examinarmos a sua importancia. Defender um principio porque é, e porque não é, eis uma logica nova, uma tactica sublime.

A dissolução repete-se sempre, e repetiu-se agora mesmo é apenas uma appellação para o povo, diz-se-lhe = exercestes o vosso direito na escolha dos Deputados, a sua politica não é conveniente ao paiz, escolhei outros, se tambem discordaes delles nos meios de governar, e accrescentou, a isto = póde-se contestar este direito ao throno o povo será infalivel. Não. E o throno se-lo-há? Pergunto eu? Não. Ora se o throno, e o povo são falliveis, eu confesso que me decido antes pela fallibilidade do segundo, que do primeiro; porque vejo mais garantia de acerto em um corpo de cem homens que passaram pelo crisol da uma, do que em tres ou seis, que muitas vezes são elevados ao Governo, ou por um capricho, por uma intriga palaciana.

O direito de dissolver não é tão perigoso como se diz; porque se as dissoluções são continuadas, a revolução é o seu effeito. As dissoluções repetidas trouxeram os protestos dos duzentos e vinte um, e os protestos dos duzentos e vinte um a revolução de Julho, e a queda de Carlos X = Isto disse um Sr Deputado defensor do projecto, e esta confissão, é na verdade um triumfo para aquelles que o impugnam. Pois que o direito de dissolver, e o gérmen das revoluções, pois que elle não é uma garantia, mas um perigo, eu não sancciono um principio, que não protege as liberdades publicas, e que compromette a segurança da Corôa. (Pausa) Sr. Presidente, eu tinha feito aqui algumas notas mais, e felizmente para o Congresso não as posso ler. (Riso.)

Terminarei fazendo um breve reparo sobre uma expressão d'um de nossos collegas, disse elle, que se não se fizesse uma Constituição sensata, não queria ser solidario nessa obra. Sr. Presidente, tem aqui sido invocada muitas vezes a tolerancia, pelos illustres Deputados que defendem o projecto, e a fallar a verdade combina pouco com estas invocações o protesto de sair d'entre nós, de deixar os nossos trabalhos, se as proprias idéas não poderem triumfar no Congresso.

Eu que tenho defendido com o maior calor as minhas; opiniões, que não tenho esperança que ellas vinguem, julgo-me solitariamente responsavel pela Constituição, que o Congrego fizer, (apoiado) hei de constantemente reconhecer, que é o pacto da nação se fôr sanccionado pela maioria, (apoiado, apoiado) hei de defende-lo como tal, e espero que o illustre Deputado pensando mais maduramente das suas expressões, na primeira occasião no-las explique de modo que tire de si o ferrete de intolerante, que com ellas acarretou. (Apoiado, apoiado)

O Sr. Presidente: - Já deu a hora: a ordem do dia para a sessão seguinte é a continuação da mesma de hoje. Está levantada a sessão. Eram quatro horas e um quarto.

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