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SESSÃO DE 26 D'ABRIL.

(Presidencia do Sr. Dias d'Oliveira.)

ABRIU-SE a sessão ás onze horas e meia da manhã, estando presentes cento e cinco Srs. Deputados.

Leu-se, e approvou-se a acta da sessão antecedente.

Mencionou-se a seguinte correspondencia:

1.º Um officio do Ministerio dos negocios do reino, participando que Sua Magestade a Rainha receberá no dia d'amanhã 27, pelo meio dia, a Deputação encarregada de lhe apresentar os authographos da decreto relativo á approvação dos decretos, contendo medidas legislativas, promulgadas pelo Governo depois de 9 de Setembro do anno pasmado. O Congresso ficou inteirado.

2.º Um officio do Ministerio dos negocios da fazenda, acompanhando em satisfação da primeira parte da indicação do Sr. Deputado Pereira Brandão, a copia authentica do officio do sub-inspector geral do Thesouro publico, incluindo varios papeis relativos ao pagamento da pensão de Lord Beresford, e participando que em quanto á segunda, relativa á pensão de Lord Wellington, não póde ser satisfeita por terem sido remettidos á Camara electiva de 1836 ou papeis, que lhe são relativos.

Foi mandado para a secretaria.

3.º Outro officio do mesmo Ministerio, acompanhando documentos que constituem a legislação, porque se regeu a junta dos juros dos reaes emprestimos até á sua extincção, e porque actualmente, se rege a junta interina do credito publico.

Foi remettido á Commissão de fazenda.

4.° Uma representação de alguns membros da primitiva organisação do batalhão (hoje regimento) de Voluntarios da Rainha a Senhora D. Maria II., a pedir que se tome em consideração uma representação que, na sessão extraordinaria de 1834, dirigiram á Camara das Srs. Deputados sobre a concessão de uma condecoração ás praças do mesmo corpo, que tinham entrado na acção do dia 11 d'Agosto de 1829, na villa da Praia da Ilha Terceira.

Foi remettida á Commissão de guerra.

Tiveram segunda leitura os requerimentos seguintes:

1.º Requeiro que pela secretaria competente se peça ao Governo um mappa dos officiaes do exercito, declarando quantos officiaes das diferentes classes contribuem para o monte-pio, e quantos deixam de contribuir. Sala das Côrtes 25 d'Abril de 1837. - Furtado de Mello.

Foi approvado sem discussão.

2.° Requeiro se peça ao Governo que, pelas vias competentes, exija com urgencia de todas as juntas de parochia informação breve, mas circumstanciada, das congruas, que taxaram aos respectivos parochos; e as rasões principaes, em que fundaram a taxa do seu arbitramento; e finalmente o estado de cobrança, em que se acham; e as difficuldades que nisso tem occorrido, para á face de tudo se poderem proporcionar os remédios convenientes. Sala das Côrtes, em 21 de Abril de 1837. - Alberto Carlos Cerqueira de Faria - Antonio Joaquim Barjona - Francisco José Gomes da Matta.

O Sr. Barjona: - Quando se apresentou esse requerimento, disse eu, que desejava fallar sobre elle. A classe dos parochos é uma das mais distinctas da sociedade, e alguns delles estão soffrendo muitas privações: elles devem ser tratados e alimentados com decencia, sem o que o systema Constitucional não póde ir bem. A lei, ou o decreto de 19 de Setembro do anno passado, sem duvida fez, com que muitos parochos podessem ir subsistindo, alguns até com decencia, mas em varias parochias tem-se encontrado gravissimos inconvenientes. Não creio, que seja muito difficil emendar esses defeitos; por isso sinto muito que não esteja presente o Sr. Ministro da justiça, e desde já peço a palavra para a primeira occasião opportuna, em que elle esteja no teu logar para lhe pedir, que nos apresente medidas, que possam fazer effectiva os principios fundamentaes daquelle decreto.

Quando se tratou deste objecto nas Camaras passadas, por ambas as vezes, sendo a primeira questão o decidir, se os parochos deviam ser sustentados pelo Governo, ou immediatamente pelos parochianos; eu fui de opinião, que o fossem pelo Governo; por isso mesmo que julguei, que além do grande principio de que os parochos entre nós devem ser considerados verdadeiros funccionarios publicos, vi nisto outras rasões de grande conveniencia, maximé na época em que nos achâmos. Eu não quero que existam aquellas contestações entre os parochianos, e os parochos; e por isso votei, antes que fosse o Governo quem os sustentasse; mas infelizmente depois da revolução de Setembro o Governo, julgando que era necessario satisfazer as precisões dos parochos, e não podendo apresentar outra medida, ao menos no momento, para de algum modo satisfazer as suas precisões, lançou mão daquella, que em alguns locares, como já disse, produzio um effeito excellente; mas n'outros continuaram os parochos sem subsistencia; e além a isso collisões muito desagradaveis, e cuja continuação devem desapparecer
quanto antes. Peço pois a este Congresso, que tome este objecto muito em consideração, e ao Governo que faça o possivel para que aquelle decreto soffra algumas modificações, emendas, ou additamentos, para ter execução nas parochias. Lembra-me, que seria muito bom, que a appellação, ou recurso de qualquer dos interessados, da Camara municipal fôsse para o conselho de districto. Eu já apresentei as rasões, em que me fundo, ellas são bem obvias; e em segundo logar, uma idéa cuja importancia tenho conhecido á priori de ambas as vezes, que se tratou deste objecto, quando observei que muitos membros da Camara dos Deputados votaram, que fosse o povo quem sustentasse os parochos, eu disse, que se se vencesse, que o povo o sustentasse, que não fosse a parochia quem pagasse immediatamente;, mas se estabelecesse outra corporação para não só fazer a derrama; mas para lhes pagar: foi esta a idéa, que apresentei: - vi a
questão á priori; predisse o que, havia de acontecer, e desejaria ter-me enganado, quando apresentei estas idéas, e disse o que aconteceria: vejo que aconteceo mais ainda do que eu poderia esperar, e por consequencia visto que o Governo não está disposto por agora a estabelecer o pagamento dos parochos pelo Thesouro, deve subsistir a pratica determinada no decreto de 19 de Setembro passado; porque se não se adoptar alguma providencia para que elle tenha execução, seguir-se-hão os mais funestos resultados.

O Sr. Barão da Ribeira de Sabroza: - Quando a Commissão ecclesiastica, nas Cortes do anno passado, apresentou um parecer analogo aquelle que se adoptou no decreto de 19 de Setembro, argumentei eu contra esse parecer, e votei contra elle; e lisongeio-me muito de Ter sido apoiado pelo illustre Deputado, o Sr. Moniz. As minhas rasões foram então menos d'economia, que de politica: entre tanto legislou-se doutro modo; existe aquelle decreto de 19 de Setembro; e póde ser até certo ponto, exequivel. O mal não tem vindo tanto da lei, como da má vontade, ou pouca intelligencia das juntas de parochia: as juntas de parochia, ao menos tanto quanto eu conheço, e particularmente, pela que pude observar no districto de Bragança, foram sempre as authoras do mal. Este districto administrativo comprehende a comarca de Miranda, e todos sabem que esta comarca, não é muito enthusiasta pelo systema representativo. D'ahi veio, que todas as juntas de parochia trataram de reduzir os parochos as maiores difficuldades: uma junta de parochia naquella comarca, arbitrou ao parodio trez mil réis cada anno, e o usofructo de uma oliveira. (Riso.) Isto deu logar a que eu, como administrador geral da Bragança,

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fizesse uma pastoral, isto é um facto como administrador geral fiz uma pastoral ás juntas de parochia, dizendo que a ]ei não podia entender-se assim, e que o sacerdócio exigia outro respeito. Os parochos, apoquentados pelas juntas de parochia, appellavam para as Camaras municipaes; mas as Camaras municipaes, pela maior parte, eram da mesma classe que as juntas, e poucas vezes lhes davam remedio. - Os pobres parochos appellavam para o administrador geral; este não tinha alçada, e o mais que podia fazer era sugeitar aquella matéria ao conselho de districto, mas o conselho de districto não podia se não dar conselhos, e entre tanto os parochos ficavam mal, e estão mal; mas logo que pelo Ministerio do remo se dê poder aos administradores geraes para estes exercerem maior alçada sobre as juntas de parochia, e os administradores de conselho para as derramas serem feitas segundo as posses da freguezia, e não segundo os caprixos das juntas, os parochos poderão subsistir, não bem, porque ha districtos muito pobres, e nesses, muitos parochos não podem actualmente parochiar com decencia.

As juntas de parochia tambem não fazem muita distincção entre a grandesa das freguezias; por exemplo, ha freguezias de trez e quatro povoações, em que o parocho póde viver com uma certa dotação, mas as que têem doze, ou desoito povoações, não podem ser curadas e assistidas, sem um coadjutor, e maior congrua: concluo pois, que ampliando-se a authoridade dos administradores geraes sobre as juntas de parochia, para que as derramas a favor dos parochos sejam feitas com mais exactidão, e generosidade, parece-me possivel sustentar os parochos, não com grandesa, mas parcamente. Sendo certo, como affirma o Sr. Barjona, que por negligencia, e má vontade das juntas de parochia, ha parochos que pouco tem que comer. Apesar d'isto, melhorando a lei de 19 de Setembro, será possivel manter os parochos por aquelle modo, visto que o Thesouro o não póde fazer, o que seria mais util e decente, se fosse possivel. Mal haja quem aconselhou a destruição de todas as rendas ecclesiasticas para nos deixar nestes embaraços.

O Sr. Presidente: - Creio que não é esta a occasião de tratar das juntas da districto, nem das brigas dos parochos.

O Sr. Fernandez Thomaz: - Era isso que eu queria ponderar ao Congresso. Com effeito o decreto citado tem bastantes inconvenientes, e este negocio é de summa importância, eu desejava, quando pedi a palavra sobre a materia, apontar alguns dos inconvenientes, que tem o decreto em questão; mas parece-me que agora não é occasião propria; porque tudo quanto se disser, é sem resultado. - O melhor, e mais proprio meio será por um projecto de lei, ou talvez quando se tratar do orçamento. O requerimento é sómente para que se peçam ao Governo certas informações, que são necessarias para esta discussão se poder tratar com aquella maduresa, e conhecimento de causa, que necessita. Por tanto pediria a V. Exca., que proposesse ao Congresso a approvação, ou rejeição de que se mande no Governo esse requerimento, e que por agora terminasse a discussão.

O Sr. Alves do Rio: - Eu pedi a palavra para dizer, que isto está providenciado quanto é possivel pelo decreto da dictadura ha dous por cento na decima para serem applicados ás juntas de parochia, e a primeira despeza da parochia é o parocho parece-me pois, que devemos reservar esta discussão para quando se tratar da fazenda.

O Sr. Presidente: - Agora não é occasião de tratar da lei; é preciso saber se se ha de mandar ao Governo este requerimento.

O Sr. Costa Cabral: - Se o requerimento tendesse a pedir esclarecimentos ao Governo sobre obstaculos, que tem encontrado a lei, a que elle se refere, votava por elle; mas não é isso: nelle pede-se que as juntas de parochia hajam de informar sobre os obstaculos, que se tem encontrado na sua execução: - parece-me que se pede uma cousa, que depois não ha de poder ser examinada pela maior parte dos Srs Deputados. Quantas parochias temos nós em Portugal? Temos quatro mil, me dizem agora; vem aqui quatro mil informações de juntas de parochia, e o Congresso não tem tempo de examina-las. O que eu desejava, é que o Governo, como disse o Sr. Fernando Thomaz, nos dissesse, quaes são os obstaculos que a lei teve encontrado na execução, ficando a arbitrio do Governo o meio de o saber, é por este modo que tiraremos algum proveito do esclarecimentos; por consequencia voto contra o requerimento da maneira que está. Agora de passagem direi alguma cousa sobre o atraso dos pagamentos dos parochos. - Eu tambem respeito muito a classe dos parochos, sou o primeiro a dizer, que merecem toda a contemplação; mas é preciso reconhecer, que uma tal classe não e a presente a mais miseravel; (apoiado) porque tem esses meios, que SB estabeleceram nessas leis, e uma grande parte os tem recebido: - alguns tem encontrado obstaculos, mas é preciso convir, que a maior parta dos que assim tem encontrado obstaculos, não estão muito bem com os seus freguezes. Ora agora combinemos a posição dos parochos com a da maior parte dos outros empregados estão n'um grande atraso, e porque? Porque o Thesouro não tem. - Ora quem vive de enganos, como vivem os parochos, não são os que vivem peior; sempre vão tendo alguma cousa que comer: por consequencia muito embora se faça o possivel por melhorar a sua sorte; mas é preciso que se entenda, que ha muitas classes d'empregados nessas circumstancias, ou peiores.

O Sr. Fernandes Thomaz: - Eu tambem entendo, que seria impossivel examinar todas as informações das juntas, e por consequencia parece-me que o requerimento se poderá admittir, se acaso nelle se disser, - em vez de juntas de parochias, governadores de bispados, ou administradores geraes.

O Sr. Rodrigo de Menezes: - Eu limito-me por ora a fallar sobre a ordem. Se o requerimento tende a pedir esclarecimentos sobre as difficuldades, que tem encontrado um ensaio, que impropriamente se tem chamado uma lei, não me opponho se se trata porém do decreto de 19 de Setembro, então peço a palavra para dar algumas explicações, pois, a meu vêr, prejudicará a discussão, que em tempo opportuno ha de haver a este respeito o preconceito que reputa a lei, e lei que deroga a legislação anterior, um decreto cuja duração não póde ir além d'um anno.

O Sr. Maia e Silva: - Sr. Presidente, muitos dos parochos em portugal estão perecendo á mingua: é uma verdade, que o decreto de 32 não póde obstar á miseria; é tambem uma verdade, que muitos estão n'uma anarchia completa com seus freguezes. - é verdade. - Eu fui obrigado a formar um mappa para o ministerio para dar uma conta dos rendimentos das parochias, e vi-me obrigado em 40 freguesias a dizer em todas as observações: - não se póde dar uma conta exacta pelos barulhos, e desavenças, que ha entre os parochos e freguezes; - desavenças que hão de sempre existir em quanto os fintadores forem os que contribuem.

O Sr. Presidente: - Retiro lhe a palavra, porque não é sobre a ordem , que está fallando.

O Sr. Rodrigo de Menezes: - Desgraçadamente este negocio não tem sido encarado como devia ser. O Sr. Barjona olhou o decreto de 19 de Novembro, como se fosse uma lei, e nós não poderemos dar o nome de lei a um decreto, que tem a duração de um anno eu não receio dizer por isso, que tal decreto não póde revogar a legislação existente. Os parochos são, é verdade, empregados publicos, mas as suas circumstancias não são as mesmas d'outros. Não pedem creação, ou augmento d'ordenado, pedem só que se lhe restitua o que lhe estava marcado por lei.....

O Sr. Presidente: - Nós não estamos discutindo isso.

O Sr. Menezes: - Se eu emprego estes argumentos, é por

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que os empregou o Sr. Deputado, que me precedeu.....

O Sr. Presidente: - Eu hão sei se o Sr. Deputado empregou bem esses argumentos, ou não; se os empregou mal, devia ser chamado á ordem...

O Sr. Menezes: - Mas Sr. Presidente, eu desejo que um negocio destes, que se vai alterando logo do seu principio...

O Sr. Presidente: - Então o Sr. Deputado tem o direito de fazer um projecto de lei, e apresenta-lo em occasião competente.

O Sr. Menezes: - Mas V. Exca. restringe-me agora a mim, e não restringiu aos outros Senhores que fallaram.

O Sr. Alberto Carlos: - Eu fui que fiz aquelle requerimento, e creio que elle não foi ainda bem entendido pelos Srs. Deputados: eu declaro os motivos porque o fiz. Eu já fui membro de uma junta de parochia encarregada destes trabalhos, e então tive occasião de conhecer as difficuldades do negocio, e as razões especiaes, que é mister ter em conta: e quero pedir estes esclarecimentos para auxilio á organisação das medidas, que se devem decretar sobre este negocio; porque eu vi que em muitas parochias não era possivel taxar subsistencia bastante a um parocho, em consequencia da sua pobreza; eis aqui um principio que se deve ter em vista para reunir a outra essa parochia: o segundo é que eu estou persuadido, que o governo não sabe até a importancia do rendimento dos passes das parochias, nem a opinião, e estado de muitos povos; e por isso eu quis provocar o governo a que tratasse de obter esclarecimentos sobre este negocio, para depois no-los dar. Há outras razões que se devem attender; por exemplo, sobre os direitos de escola, que em muitas partes são tão proficuos, que os parochos não precisam mais nada; mas n'outras partes são tão insignificantes, e incertos, que nada valem, senão para confusão dos parochianos. V. Exca. sabe muito bem a confusão que há nas leis existentes a este respeito; confusão que se deixou na lei de 20 de Outubro de 1834, recommendando, que os ordinarios emendassem os abusos que achassem nesta parte! Se eu perguntar por isto ao Sr. Ministro das justiças, diz elle que não sabe, e que se hão de pedir informações, e então quero eu, que elle as vá já pedindo. Ora sem estes conhecimentos práticos não se póde fazer nada. O Sr. Deputado, que entrou em duvida da utilidade do meu requerimento, certamente nunca entrou nestas minucias como eu; isto é indispensavel ao Congresso, e sem eu os pedir estou certo, que o Sr. Ministro não os terá; porque tambem não lhe falta em que cuidar. Por outro lado a cobrança é uma das grandes difficuldades que hoje existem, e por isso peço juntamente no requerimento, que o governo se informe das juntas para dar as suas providencias: não peço cousas inuteis, o governo tem muito em que cuidar; e é necessario lembrar-lhe Alguma cousa: e peço aos Srs. Deputados, que meditem nisto, e que attendam que eu não sou parocho, nem ecclesiastico; mas promovo o que me parece conveniente para todos, e para a nação; e é isto o que cumpre que se faça no Congresso.

O Sr. Fernandes Thomaz: - Eu pedia a V. Exca. que consultasse o Congresso, se esta materia estava discutida: venham as informações, mas por agora podiamos terminar a questão, quando não ella será indefinida, e della não tiraremos proveito algum.

Pondo-se á votação a materia estava discutida, assim se venceu.

Votou-se sobre o requerimento, e foi rejeitado.

O Sr. Presidente: - Está na mesa uma substituição, que mandou o Sr. Fernandes Thomaz, e é assim: - Requeiro se peçam ao governo informações sobre os inconvenientes, que tem encontrado na pratica sobre os inconvenientes, que tem encontrado na pratica o decreto de 19 de Setembro passado. - Está em discussão esta substituição.

O Sr. Barjona: - Não me opporei a esse requerimento, assim como me não oppuz ao outro, e votei a favor delle. E' verdade, que fui agora mesmo informado por um dos membros da Commissão ecclesiastica, de que ella ia com brevidade apresentar um projecto conforme as idéas, que expendi; mas apezar disto não julgo desnecessarios os esclarecimentos pedidos pelo Sr. Deputado pelo methodo, que pareça mais apropriado.

O Sr. Rodrigo de Menezes: - Eu votei contra o requerimento do Sr. Alberto Carlos, pelo julgar não só inutil, mas prejudicial; pela mês,ma razão rejeito a substituição. Diz um nobre Deputado, que a Commissão ecclesiastica ia apresentar um projecto a este respeito; eu não tenho conhecimento de tal projecto, e tambem sou membro da Commissão.

O Sr. José Estevão: - .........................................................
...................

O Sr. Presidente: - Eu poderia dizer ao Sr. Deputado, que o poder judiciario não tem nada com isso; é o ministerio publico, se ha alguma falta.

O Sr. José Estevão: - Pois será isto: o delegado.

O Sr. Leonel: - Este decreto foi sanccionado sómente por um anno, ha de acabar em o dia igual á sua data agora perguntar se este decreto tem achado tropeços, quando nós o sabemos, não é precisa a resposta: entre tanto não me opponho a que se pergunte; posto que sei muito bem o que tem havido. Agora estar a tratar de uma questão tal é, que não acho de nenhum proveito. A Commissão tem um projecto a este respeito, venha, e tratemos delle: querem-se informações, venham; mas por ora não digamos nada, que não serve senão para gastar tempo. (Apoiado.)

O Sr. Tavares Ribeiro: - Os membros da Commissão ecclesiastica tem fallado mais ou menos sobre as providencias, que se devem dar a este respeito; e trata de dar o seu parecer quanto antes; e por isso é escusado fallar nisto por ora.

O Sr. Rodrigo de Menezes: - Um dos Srs. Ministros da Corôa disse hontem nesta casa, que o decreto de 30 de Julho de 1332 era inexequível: sinto que S. E. não esteja presente, para lhe dizer o que hontem me não deixaram dizer, e é, que os Ministros não são competentes para decidirem a inexequibilidade das leis; que se o Sr. Ministro entendia, que o decreto em questão não é exequível, era do seu dever trazer este negocio ao conhecimento das Côrtes, para ellas proverem de remedio. Até que os Ministros tenham dado este passo, até que as Côrtes os declarem livres do onus, ou os habilitem com os meios necessarios para o satisfazerem, elles devem reconhecer o peso desse onus, que a lei lhe põe a cargo. O decreto n.° 40, extinguindo os dizimos, impoz ao Governo a obrigação de pagar aos funccionarios ecclesiasticos, então exigentes, congruas correspondentes aos rendimentos, que percebiam; e aos que houvessem de existir para o futuro, as que fossem marcadas em um decreto, que para este fim se devia fazer. Ora o decreto n.° 40 é uma obra do Governo, sem mediação de outro corpo estranho; logo as soas disposições devem ser consideradas como entre o Governo, e o clero. Mas diz o Sr. Ministro, que para satisfazer ás clausulas do contracto não tem meios...

O Sr. Presidente: - Tornamos outra vez á questão.

O Sr. Rodrigo de Menezes: - Tenha paciencia, Sr. Presidente, eu não posso deixar de seguir...

O Sr. Presidente: - Não tenho paciencia, o Congresso é que a tem. O Sr. Deputado tem o direito de fazer um projecto de lei, e eu não posso continuar-lhe a palavra.

O Sr. Rodrigo de Menezes: - Então peço a minha demissão da Commissão ecclesiastica; porque sei, que tal projecto não tem de apresentar-se, e queira V. Exca. propor ao Congresso, que m'a conceda.

Pondo-se á Votação se a matéria estava discutida, assim se julgou.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra para uma explicação o Sr. Vasconcellos.

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O Sr. M. A. de Vasconcellos: - Parece-me sempre prejudicial, quando se avançam principios de certa natureza.

Felizmente chegou uma época, em que se entenderam dous textos da escriptura, que dizem "que se não deve tapar a boca ao boi, que debulha;" e outro que "o que trabalha no altar, deve viver do altar." Isto quer dizer, que todo o homem tem direito ao producto do seu trabalho hoje temos sanccionado que os ecclesiasticos são empregados da nação, por tanto parecia-me, que não seria muito exacto o dizer-se, que o onus das congruas passou dos dízimos para a decima rustica, por contracto com o sacerdocio, Sr. Presidente, eu não posso convir em que se diga, que o decreto da refórma ecclesiastica foi um contracto feito com o sacerdocio, por ventura em algum artigo desse decreto ha tal idéa.

O Sr. Presidente: - Isso não póde entrar em discussão; porque disposições de lei, se é contracto feito com o clero, ou não, não é da discussão actual.

O Orador: - Eu não quero entrar em discussão, sómente quiz declarar, que não existia tal contracto.

O Sr. Presidente: - Os Srs. que opprovam a substituição do Sr. Fernandes Thomaz, queiram levantar-se. (Foi approvada.)

Ha ainda na mesa o seguinte additamento do Sr. Maia e Silva, que é o seguinte = requeiro que estes requerimentos sejam pedidos ao ordinario pelo Governo.

O Sr. Maia e Silva: - Sr Presidente, pedir esclarecimentos á junta de parochia, que tem sido juizes desta distribuição, que tem estado em contendo com os parochos, e um absurdo, por consequencia peçam-se ao ordinario.

O Sr. Presidente: - Mas isso já foi rejeitado.

O Orador: - Então cedo da palavra.

O Sr Presidente propoz o additamento, e foi rejeitado.

O Sr. Secretario Velloso da Cruz leu um officio do Ministerio da fazenda, que diz respeito ás attribuição da junta dos juros, e sobre este objecto teve a palavra.

O Sr. Sá Nogueira: - Esses esclarecimentos foram pedidos por um Sr. Deputado por Lisboa, quando se apresentou o projecto da Commissão de fazenda, para a organisação da junta de credito publico esse Sr. Deputado, que os exigiu, é que póde dizer se quer que sejam impressos, para serem prementes a todos os membros deste Congresso, quando se discutir o projecto da Commissão de fazenda.

O Sr. Leonel: - No primeiro projecto apresentado pela Commissão de fazenda, sobre a organização da junta do credito publico, dizia-se, que as attribuições da nova junta seriam as da actual Commissão, e no segundo projecto ainda ha alguma cousa desta mesma idéa, ora como havemos nós votar, que as attribuições da nova junta fossem as da actual Commissão, sem termos conhecimento dessas attribuições pareceu-me conveniente pedi-los, e mesmo porque havia um decreto, que não estava impresso, e eu para obte-lo mandei buscar por cópia ao thesouro, no qual decreto se dão attribuições á Commissão de credito publico, que a faz uma criada do ministro da fazenda eu supponho, que ninguem quererá, que a nova junta seja criada do ministro da fazenda, não estou persuadido, que se queira, então era impossivel deixar de se saberem as atribuições, para se lhe não darem, não quero que se imprimam, fiquem sobre a mesa, será bastante.

O Sr. Sá Nogueira: - A Commissão no projecto, que apresentou, não queria, que a nova junta fôsse criada do ministro da fazenda, porque a Commissão declarou desde o primeiro dia, que pretendia, que essa junta fôsse independente no ministerio, que não tivesse com elle senão as relações, que não podia deixar de ter essas attribuições, que se davam á junta, em primeiro logar eram provisorias, em quanto se não fizesse o seu regimento, que na conformidade do projecto deve ser feito, o mais tardar, dentro de um anno; ora como a essencia da junta e ser independente do Governo, claro está, que attribuições, com que ella ficava provisoriamente, eram só aquellas, que não prejudicassem esse principio, isto é, aquellas que a não tornarem dependente do ministro da fazenda.

O Sr. Leonel: - Eu no que disse, não attribui á Commissão de fazenda a intenção de querer, que a nova junta fôsse criada do ministro da fazenda, eu declaro francamente a minha opinião eu desejo, que nem por um momento a nova junta tenha taes attribuições, desejo, que quando chegarmos a essa occasião sejam logo marcadas as attribuições, aliás não tratemos disto, nisto não se offende de maneira alguma a Commissão tenho uma opinião differente de um artigo, que ella apresentou nesse seu projecto, essa liberdade temos nós todos.

O Sr. Faustino da Gama: - Eu peça, que os papeis vão para a Commissão de fazenda, e lembro a V. Exa. o interesse do projecto, a fim de o dar para ordem do dia quanto antes.

O Sr. Barjona: - Esses papeis tem de ser vistos por alguns Deputados, eu sou um delles então mandem-se para a Commissão de fazenda, ou para a secretaria, mas o melhor é para a Commissão de fazenda, por isso que ella é mais directamente obrigada a examina-los.

Resolveu-se que fossem á Commissão de fazenda.

Continuaram as segundas leituras.

3 ° Requeiro se peça ao Governo, pela repartição competente, uma relação individual da importancia de todas as congruas, que em virtude do decreto de 19 de Setembro ultimo, foram taxadas aos diversos parochos do reino, e que seja remettida com urgencia, para servir na discussão do ornamento. Sala das Côrtes, 21 d'Abril de 1837. = O Deputado por Coimbra, Alberlo Carlos Cerqueira de Faria, Antonio Joaquim Barjona, Gomes da Moita.

O Sr. Alberto Carlos: - Esse meu requerimento tem um fim manifestado nelle mesmo, e é para que na discussão do orçamento o Congresso saiba, quanto importa essa verba da sustentação dos parochos, que a nação já paga, e que se deve calcular, para ajuizar a importancia da receita, e despeza publica. O Sr. Ministro já disse, que estava prompto a apresentar esses esclarecimentos, então supponho não deve haver duvida.

O Sr. Barjona: - Todo o mundo reconhece a justiça desse requerimento. E' verdade que o Sr Ministro declarou hontem, que mui brevemente havia de satisfazer a elle, não sei se no todo, se em parte com tudo, julgo que o requerimento não faz mal, e que se não deve fazer discussão sobre tal objecto agora.

O Sr. Rodrigo de Menezes: - Se o Sr. Deputado pretende haver o computo das congruas fixadas pelas juntas de parochia, para conhecer o resultado do decreto de 19 de Setembro do anno passado, ou para qualquer outro fim similhante, não tenho que me oppor ao seu requerimento, mas se o nobre Deputado julga, que sobre tal computo podem as Côrtes basear esta parte do orçamento, declaro desde já, que rejeito, e altamente rejeito a sua idéa.

O Sr. Alberto Carlos: - Eu digo, que é para servir na discussão do orçamento, cada um dos Srs. Deputados tirará as consequencias, que quizer.

Posto o requerimento á votação foi approvado.

O Sr. Cezar de Vasconcellos mandou para a mesa um requerimento.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Castro Pereira.

O Sr. Castro Pereira: - Estou incumbido de apresentar ao Congresso uma representação dos habitantes da villa da Batalha, na qual se queixam da divisão do territorio, pelos ter unido á cidade de Leiria no seu requerimento mostram, que elles não tem relação nenhuma de communidade com a cidade de Leiria, da qual estão separados por uma faxa de oiteiros, mostram mais, que apezar de terem pouco mais de setecentos fogos, ha no seu concelho um numero suffi-

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ciente de sujeitos capazes de exercer as funcções electivas, que exige o sistema, que nos governa. Além disso, a villa da Batalha possue o mais rico, e primoroso monumento de architectura gothica da Europa, monumento tanto mais precioso para nós, quanto que elle foi erigido para perpetuar a memoria da batalha de Aljubarrota, que firmou a independencia nacional no tempo de João I. Neste grandioso monumento se conservam ainda hoje as cinzas daquelle grande Rei, e as de seus filhos, o immortal Infante D. Henrique, o santo Infante D. Fernando, e o desgraçado, mas valente Principe D. Pedro, possue igualmente as cinzas do grande Rei D. João II, e as espadas, e elmos deste, e do immortal D. João I. Por todos estes motivos, parece-me digna do especial consideração, e que merece ser mandada com recommendação á Commissão de estatistica, para por ella ser tomada na consideração, que lhe merecer.

O Sr. Midosi: - (Leu.) Este negocio é importante: o Governo entendeu o differentemente do que eu o entendo. O litoral do rio está-se entulhando todos os dias; porque cada um deita o lastro donde quer: as lanchas dos navios estrangeiros tem a liberdade de fazerem o que querem, porque ninguem fiscalisa este ramo, desde a abolição do cargo de guarda mór do lastro. O Governo entende, que o que requerem os proprietarios dos barcos do lastro, é um privilegio; mas não o é: é sim um regulamento do Porto, que pertence ao Governo o faze-lo, segundo melhor convém; mas já que o requerimento veio ao Congresso, deve vir tudo, para que com conhecimento de causa se possa decidir o que convier. A'manhã na segunda leitora darei mais alguns esclarecimentos.

O Sr. Ochôa: - Pedi a palavra para mandar para a mesa uma representação da Camara de Cortiços, districto de Bragança, que tendo-se feito capital de um concelho grande, a que se uniram outros pequenos, precisa de melhores casas para suas audiencias, etc.: pede ao Congresso a concessão de um pequeno edificio, que serviu n'outro tempo de celeiro de dizimos, que não tem mais valor do que sessenta mil réis.

O Sr. Presidente: - Passa se á ordem do dia, que é a continuação da discussão na generalidade do projecto de Constituição. Tem a palavra o Sr Leonel.

O Sr. Leonel: - Sr. Presidente, o orador que tem de fallar sobre uma materia tão longamente discutida por tantos outros, pouco interesse póde inspirar. Eu cederia da palavra se a minha qualidade de relator da Commissão não me pozesse de certa maneira na necessidade. ao menos por decoro, de fazer alguma exposição ao Congresso ácerca dos motivos, que teve a Commissão para apresentar o que apresentou, e por essa occasião naturalmente será necessario responder aos argumentos, que se tem apresentado contra o parecer da Commissão.

Agradecerei aos meus collegas, que tem feito elogios a esse parecer, estou certo que esse elogio procede mais do pouco tempo, que a Commissão teve, do que do merecimento do mesmo trabalho.

A Commissão nunca teve a persuação, nem julgou possivel apresentar um trabalho perfeito, logo suppôz que seriam precisas emendas, as quase devem ter logar na discussão especial; seus membros mesmo poderio propor differentes alterações, e receberão com muita satisfação todas as informações propostas para melhoramento do projecto; na discussão em geral não st vota por tudo hontem pareceu dizer-se, que quem approvasse em geral o que estava no projecto, approvava todas as suas idéas; não é assim, porque fica salvo a cada um de discutir, e votar na especialidade como lhe parecer.

Agora, Sr. Presidente, antes de eu entrar na materia, parece-me proprio do meu discurso começar por fazer algumas observações sobre algumas palavras, que foram ditas no 1.º dia dessa discussão, e pelo Sr. Deputado que abriu a discussão. Ora este Sr. Deputado disse que nós proclamando sómente a soberania nacional, pouco fizemos; ou nada é verdade isso, Sr. Presidente, nação nenhuma da Europa em tempo algum como a nossa proclamou a soberania nacional, e para não repetir outro facto, basta lembrar o acto das Côrtes de 1641, aonde esta linguagem se proferiu da maneira, que nunca ninguem usou, nenhuma das nações mais livres a usou não obstante isso, é verdade que a não souberam desenvolver, mas nós tivemos esse cuidado, e para prova vamos primeiro ver o que é soberania nacional, já que essa idéa se tocou em geral, mas eu julgo dever toca-la com mais miudesa. Soberania nacional não consiste nem no poder de fazer leis, nem de as mudar, nem no de julgar, mas no de executar, nem o poder legislativo só por si é soberano, nem o Rei é soberano, nem o poder judicial é soberano, a soberania nacional é superior a estes tres poderes soberania nacional e o direito que tem um povo de se constituir; é o direito que tem de fazer o pacto fundamental da nação; é o direito de crear, definir, e dividir os poderes politicos, destes direitos poucas vezes se usa, é só quando é preciso, (mas nem sempre) oxalá que se usasse delle quando é preciso, muitas vezes é necessario, e não se póde usar, porque está opprimido pela força, não ha direito, que esteja sempre em exercicio, não é com os tres poderes politicos do estado que devem estar sempre em operação creio que me não contestará esta definição; porque ella não póde ser outra. Agora, Sr. Presidente, são dois os Deputados que tem combatido, não o projecto da Commissão, mas algumas de suas principaes disposições o Sr. Deputado, que foi o 2.° a combater essa parte do projecto da Commissão, disse, que a Commissão tinha excedido suas naturaes faculdades, e que em lugar de apresentar um projecto de modificações á Constituição, tinha apresentado um projecto de destruição da Constituição de 22. (Uma voz, apoiado.) Apoiado, eu lá vou. Sr. Presidente; isto não é senão a repetição do que muita gente tem dito, de que por modificações não se póde entender a faculdade de alterar o essencial da Constituição de 22 é preciso examinar o que he essencial, e o que são modificações: o que é essencial é Constituição de 22; é a proclamação da soberania nacional; é a proclamação dos direitos individuaes do cidadão; é a divisão da poderes politicos, é a proclamação da Monarchia, isto creio que é o essencial; sem isto não poda existir a Constituição de 22, tudo o mais são modos, e com diversos modos podia existir a Constituição de 22: tanto é isto assim, que na mesma Constituição no artigo 17 se diz, que ella póde ser alterada, e reformada por certos meios alli estabelecidos: tanto é verdade, que os proprios legisladores das Necessidades estavam certos que o que era essencial não podia marchar sem que houvesse reforma nos modos; e o tempo para isso marcado não foi longinquo, foi sómente de 4 annos, e mais de 4 annos tem decorrido de então até agora, é natural que senão tivessem sobrevindo os acontecimentos, de 1823, graves modificações se teriam feito nós lembramo-nos, que desde logo começou-se a notar deleites nessa Constituição, e o principal era a organisação do poder legislativo, e que iodos queriam a mudança dessa organisação. Creio que se prova bem pelas differentes organisações, que elle tem em outros paizes, e que se lhe tem dado em diversas épocas, conseguintemente já se vê, que é materia sujeita a modificações. Mas, o Sr. Deputado disse. - a Commissão destruiu estes principios vitaes. - Sr. Presidente, isto é facil de dizer, mas era necessario, que o Sr Deputado começasse por definir, quaes eram esses principios, e quaes o não eram; - mas o Sr. Deputado não se occupou nisto - era necessario que elle tivesse o trabalho de mostrar por argumentos convincentes, quaes são, e quaes não são esses principios vitaes. Em quanto isto senão mostrar, eu estou firme em sustentar, que o projecto não destruia esses principios.

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Ora, este mesmo Sr. Deputado naturalmente concorda-la, em que algumas modificações convém fazer na Constituição de 1823, mas eu não vi que elle declarasse, quaes eram os que julgava necessarias, e só fallou da conservação do Ministerio das justiças - eu não sei se me lembrarei bem das razões, que produziu o Sr. Deputado, para estabelecer esta censura: - talvez me não lembre, mas o Sr. Deputado sabe muito bem, porque tem sido meu colega, e pela experiencia de minto tempo, que eu quando me engano, e o conheço depois, não tenho duvida em o confessar, e em dar todas as satisfações necessarias - Digo pois, que a rasão que deu o Sr. Deputado, foi porque o poder judiciario ficava dependente da Secretaria das justiças - eu porém perguntarei ao Sr Deputado, se quer que os poderes todos fiquem postos no mesmo terreno, e sem relação uns com os outros isto não é possivel, por quanto se todos elles não estiverem regulados pela applicação dos principios de uns para com os outros, então acontecerá, que os dentes das todas hão de pegar-se, e por fim quebrar-se ha a maquina.

Quer o Sr Deputado, que a Constituição de um paiz seja organisada de tal maneira, que evite todos os males - mas o Sr. Deputado enganado, porque seja essa Constituição feita como for, os males não acabarão nunca. Querer-se que o poder judicial esteja regulado de tal maneira, que não haja uma estação qualquer, que esteja em contacto com elle, é querer um impossivel (Um Sr. Deputado disse, não é assim, não se disse isso.) O orador continuou. - Então senão é isso, o que se disse, segue-se que eu me engano, mas parece-me que não, e vejo que se dizem as cousas, e depois negam-se, confesso que não entendo: - seja o que for.

A verdade, Sr. Presidente, é, que se tal passasse os desembargadores ficariam então em um tempo tão dourado como nunca tiveram e é necessario que elles para o futuro não tenham esse tempo dourado. Eu creio que dizendo isto não offendo ninguem, porque estou discutindo uma materia de politica. (Apoiado geralmente.) Digo pois que eu não vi, que o Sr. Deputado apresentasse um systema seu, ouvi só dizer, que a Commissão tinha excedido os seus poderes - mas eu, Sr. Presidente, estou persuadido intimamente, que senão bolio naquillo, que é essencial, e que aquillo que é do modo, a Commissão o apresentou do um modo differente, é verdade, mas para isso tinha ella tido poderes, e a esta a materia da discussão.

Passando agora a fallar dos argumentos apresentados pelo Sr. Deputado, permitta-me elle, que eu faça uma reflexão, e vem a ser, que o Sr. Deputado tem apresentado uma notavel contradicção entre os seus decursos feitos aqui em outras occasiões, com o discurso que hontem fez achou o Sr. Deputado o modo de responder a cada um dos argumentos, mas não reparou, que respondia a si proprio.

A primeira vez que o Sr Deputado fallou nesta materia, disse elle - pois o podêr executivo ha de ser entregue a um só Rei, a um só Ministerio, - o poder legislativo a uma só Camara, e a um só Deputado, - o poder judicial a um só tribunal, e a uns só juizes! - O Sr Deputado não reparou que nos apresentava um sofisma, ao mesmo passo que reconheceu, que o poder executivo, posto que seja um só, e todavia composto de elementos absolutamente differentes, porque reconheceu, que o poder executivo sendo um só, é com tudo composto de elementos muito differentes entre si, como são um Rei hereditario, e um Ministerio amovivel.

Também o Sr Deputado disse: - o poder judicial encarregado a um só jurado, e a uns só juizes: - isto é verdade, mas repare elle, que são juizes encarregados de julgar de direito de nomeação do Governo, - devididos em differentes instancias, e estações, - ao mesmo tempo jurados encarregados de conhecer só de facto, que recebem a sua nomeação não do Governo, mas que hão do receber de um recenseamento, ou de uma eleição, conforme o que a este respeito se decidir, - e ainda ha mais outras especies de juizes além destes, inteiramente differentes.
Vê se por tanto que temos poder judicial, um só, é verdade, mas composto de elementos absolutamente diferentes, como acabo de mostrar, mas apesar de ser isto tão claro, e conhecido de todos, o Sr. Deputado tirou uma conclusão diversa...

O Sr. José Estevão interrompeu o orador, dizendo: - Não tirei tal, não disse isso. - O Sr. Leonel, continuando: - Esta é melhor, nega-se ter dito isto: -disse-o o Sr. Deputado, todo o Congresso o ouvio, e elle decidirá se é ou não verdade.

O Sr José Estevão: - Dê me licença o Sr. Deputado para lhe dizer, que eu não disse tal: - perdoe-me interrompe-lo, mas se o permitte, eu me explico.....

O Sr. Presidente: - Isso é contra a ordem o Sr. Deputado tem o direito de responder depois, pedindo a palavra. Por esta oceano eu peço ao Congresso, que entre nesta questão com muito sangue frio, e seriedade.

O Sr. Leonel: - Eu argumento, que o Sr. Deputado disse isto, e faço-o, porque estou muito bem lembrado de lho ouvir.

O Sr. Deputado da primeira vez, que fallou, disse que estava persoadido, que a maioria da nação já não podia retrogradar. Sr. Presidente, uma vez que se disse isto, e que se declarou de uma maneira positiva, que isso não era possivel, peço eu ao Congresso, e a toda a nação, que não tenha tal certezas todas as nações tem estado já em um estado de adiantamento na sua civilisação, e nós tambem já estivemos em identicas circumstancias, mas todas ellas tem retrogradado, assim como nós o estivemos em 1820, e retrogradámos, estivemos em 1826, e tornamos a retrogradar, e depois vimos procuradores, virem advogar a causa do despotismo isto não se chama de certo outra cousa, senão retrogradar.

Vamos agora ao que o Sr. Deputado disse hontem. Negou se a conveniencia de recorrer a exemplos estranhos, mas, Sr. Presidente, o Sr. Deputado que hontem pareceu muito pouco disposto a se regular por exemplos estranhos, não se lembrou, que quando se discutiu a resposta ao discurso do throno, fez muitissimas deligencias para que nella se insirisse um periodo dizendo, que a revolução de 9 de Setembro tinha sido o resultado da revolução de Hespanha. Sr. Presidente, esta declaração não era decorosa para nós, mas é forçoso reconhecer, que os grandes acontecimentos que hoje occorrem em um ou outro paiz da Europa, exercem alguma influencia sobre os outros paizes, e tanto isto é assim, que os acontecimentos que occorrem nos paizes pequenos, exercem muitas vezes grande influencia nos paizes grandes ora o Sr. Deputado pertendendo que na resposta ao discurso do throno se dissesse, que a revolução de 9 de Setembro tinha sido uma consequencia da revolução de Hespanha, reconheceu que os acontecimentos dos paizes estrangeiros podem ter influencia, pois então não é de maneira nenhuma imprudente recorrer a experiencias dos estrangeiros, mas para responder a estas experiencias disse o Sr. Deputado, se vou a França vejo, que lá ha agitação, não acho estabelidade, por consequencia não quero nada de lá se vou a Inglaterra vejo a agitação, que trata de reformar a Constituição existente do paiz, vejo por consequencia que não ha estabelidade, e não quero nada de lá se vou a Hespanha, vejo que se trata de fazer uma Constituição nomeio do ruido das armas, por consequencia não acho estabelidada, não quero nada de lá mas aonde quer ir buscar o Sr. Deputado a experiencia? Se a quer procurar em tempo de estabelidade, e impossivel, porque, nunca se fizeram reformas consideraveis nas constituições dos differentes paizes, senão no meio da maior instabelidade. Disse o Sr. Deputado, que procurem os casos estrangeiros na pratica de uma segunda camara para remediar os inconvenientes d'uma só, e quaes

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são os milagres dessa segunda camara, porém o Sr. Deputado para mostrar os males, que na sua opinião podiam resultar dessa segunda camara, não foi buscar exemplo nenhum d'uma segunda camara, como lhe propõem a maioria da Commissão, ou a minoria; foi buscar exemplos d'uma segunda camara como heriditaria, e disso não tratemos nós hoje: que fez o Sr. Deputado em ir buscar exemplos da camara hereditaria franceza! não fez nada; porque ninguém propõem ao Sr. Deputado uma camara hereditaria; por consequencia não fez o Sr. Deputado bem em responder ao que aqui se propõem com os exemplos da camara hereditária franceza: foi tambem o Sr. Deputado buscar exemplos da camara hereditária de Inglaterra; mas torno a repetir, ninguem propõem ao Sr. Deputado camara hereditaria; por consequencia tambem a Inglaterra não póde ir buscar exemplo algum para combater o projecto da Commissão: ora agora a este respeito permitta-se-me, que eu note uma grandíssima contradicção do Sr. Deputado: disse o Sr. Deputado, respondendo a um outro argumento, que combatia: disse muitíssimo bem da revolução de 1830; disse que esta revolução tinha sido feita por homens os mais prudentes, os mais judiciosos, que podiam ser; e este mesmo Sr. Deputado, sendo-lhe preciso responder a um argumento de uma outra espécie, disse muitíssimo mal da revolução: que na revolução, os francezes se tinham mostrado muitíssimo poucos judiciosos; mas perdoe-me o Sr. Deputado, que em não lhe dar razão, nem quando disse bem, nem quando disse mal: a minha opinião a respeito dessa revolução é outra, que não é conveniente dizer aqui neste lugar.

Disse depois que todas as agitações, que actualmente existem na França, são filhas dos grandes deffeitos que ha na Constituição; mas ainda ninguem se queixou dessa Constituição, e muito menos se queixam de haver nessa Constituição duas Camaras; pelo contrario se alguem for dizer á França, que é melhor haver uma só Camara, então estimaria ver o que os publicistas do paiz diriam a esse respeito: os jornaes alli, como toda a gente sabe, são bons: oxalá que os nossos... os jornaes que mais advogam a causa da liberdade, por exemplo, o jornal que em outro tempo redigio um homem respeitado, tanto peles seus talentos, como serviços, Armant-Carret, eu estimaria que lhe fossem fallar n'uma Camara só; o que dizia elle pois? Sr. Presidente, em grande parte as doutrinas de nacional de Pariz são as minhas, e muito particularmente a este respeito: ainda posso notar outros jornaes; a tribuna, a revolução, e mesmo todos os outros que advogam a mesma causa da republica, ainda nenhum fallou n'uma Camara só; todos querem duas Camaras. O Sr. Deputado disse, que na Inglaterra não havia estabellidade, e que não podia ir buscar a Inglaterra um exemplo para provar a conveniencia das duas Camaras; provavelmente não tinha noticia do que ha pouco alli disse o Sr. O'connel, advogado da liberdade da Irlanda, pela maneira honrosa, porque advogou essa liberdade da Irlanda, consideram-no hoje como primeiro advogado da causa da liberdade na propria Inglaterra; este, homem para se mostrar que he liberal, basta o que todos os dias dizem delle os jornaes Toris; este homem a quem muita gente dá na Inglaterra o nome d'agitador, este homem disse outro dia. Eu quero a reforma na Camara dos Pares; porque como ella está, não pude ser senão perjudicial no paiz; mas não quero a dissolução dessa Camara; porque se ficarmos com uma só teremos dentro della em pouco tempo uma facção, que virá a ser mais inimiga da liberdade d'Inglaterra, que actualmente a Camara dos Lords: eu creio que não é deshonra para mim em citar Mr. O'connel, nem deshonra o Congresso esta citação (apoiado, apoiado).

A respeito d'Hespanha, Sr. Presidente, ha mais que uma reflexão a fazer; tinha-se dito no primeiro dia, que se discutiu esta materia, e hontem se tornou a repetir, que nós não podemos aproveitar a experiencia da Hespanha; porque se a Constituição tinha cabido alli em 1823, tinha sido porque um exercito de cem mil francezes tinha invadido a Hespanha. Sr. Presidente, se na propria Hespanha não houvesse uma causa, que se oppoz á conservação da Constituição do anno de 12, essa Constituição não cahiria pela invasão desses cem mil francezes: a nação franceza desapprovava altamente essa invasão; e se a invasão de 1823 tivesse achado alguma resistência da parte dos hespanhoes, a propria França se teria levantado para apoiar essa resistencia; (apoiado) e é verdade que muitos francezes vieram na vanguarda do exercito, com mandado pelo filho de S. Luiz, para ajudarem a defender a causa da liberdade: o que aconteceu porém, Sr. Presidente; a Hespanha estava dividida, e não se defendeu; uma parte dessa divisão, Sr. Presidente, era devida á hiprocrisia, e ao fanatismo; a outra parte dessa divisão, e a que fez mais mal foi a que se estabeleceu entre o proprio partido nacional; de maneira que nem uns, nem outros se poderam defender: eis-aqui o que aconteceu em Hespanha. Ora agora - 23 em Portugal - 23 em Portugal! Melhor fóra que nos podessemos esquecer disso!! Estava Lisboa inteira a gritar, que queria defender a Constituição, e um dia ella cahiu! Porque, Sr. Presidente? Porque tinha tambem já começado no espirito de muita gente, de que ella não podia ir á vante; eis-aqui está a explicação de facto: ora este facto é que nós devemos procurar tambem cá na nossa própria casa, e dessa lição de experiencia nos podemos aproveitar.

Vamos agora á questão d'uma Camara, ou duas Camaras: diz-se, Sr. Presidente, que quem hoje votar por duas Camaras é retrogrado; ora, Sr. Presidente, quem hoje votar por uma só o que faz? Volta ás idéas de 1820, e despresa tudo quanto a experiencia tem ensinado de então para cá: e então quem é o retrogrado? Entendo eu; Sr. Presidente, que é quem quer voltar a 1820, despresando tudo quanto a experiencia tem ensinado de então para cá: (apoiado) esse proprio despresador da experiencia, é, que é o verdadeiro retrogrado. Sr. Presidente, todos os publicistas, todos os homens que entendem dessa matéria, julgam necessarias as duas Camaras: isto é pelo receio que havendo uma só, dentro della se forme uma facção, e que venha a ser mais dispotica, que todos os dispotismos. Sr. Presidente, seja-me permittido tocar na minha propria experiencia: eu já desta casa me mostrei bastante indisposto contra providencias, e contra alguns projectos de lei, que lá se fizeram na outra casa; e então mostrava tendencia para querer, que o poder legislativo estivesse só entre os meus collegas: tambem eu aqui me mostrei bastante indisposto, porque se achava a maioria contra mim; era natural que não gostasse, e effectivamente não gostava; queria que prevalecesse a minha opinião; porém isso são defeitos humanos, e é possível eu querer impor a minha opinião como lei nos meus collegas: ora eu que reconheço isto possível em mim, vejo que isto tem acontecido muitas vezes. Agora, Sr. Presidente, vamos á França: não sei, Sr. Presidente, para que se vai aos exemplos da assembléa legislativa de França! Foi essa assembléa legislativa, que destruiu a Constituição, que tinha feito a assembléa nacional; uma maioria, que se formou na assembléa legislativa, que pugnava contra isso, e a Constituição da assembléa nacional, foi destruída: veio depois a convenção, formou-se logo um partido, que começou por muito poucos; mas teve a habilidade de se elevar atai ponto, que entraram logo a degolar, primeiramente homens que podiam estar enganados, mas que tinham virtudes, e talentos; depois alguns dos que tinham servido a causa da revolução, não sendo decoroso contar entre esses Danton, nem Desmoulins; degolaram muitos mais de todas as classes, e opiniões; e não acabaram senão quando elles mesmos foram degolados. Se tudo isto aconteceu já n'um corpo da natureza, que o Sr. Deputado quer para Portugal, porque se

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não ha de recear, que ainda torne a acontecer? Mas, diz-se, que esses actos não tornarão a repetir-se em França, nem se verão nunca em Portugal. Eu não quero dizer mal da França, e muito menos do meu paiz, mas visto que se assegurou que não se tornariam a ver similhantes cousas, não posso eu deixar de dizer algumas palavras para mostrar, que ninguem tem a certeza disso. Pergunto, não se tem commettido muitissimos horrores entre nós? Quem o duvida? Em 1809 que se fez no Porto? Que foi a usurpação senão uma carnagem continua? Que aconteceu em Estremoz, aonde a titulo de mudar homens de uma para outra cadêa, foram conduzidos. A um sitio, e ahi mortos a golpes de machados! Que é isto senão carnagem segue-se por tanto, que em toda a parte podem apparecer destes horrores, e que é preciso evita-los.

Se a razão próva a possibilidade de se formarem n'um corpo unico partidos, que venham a ser mais despoticos, que o despotismo de um só homem, a experiencia não menos se ajunta aos raciocinios neste caso. Já aqui se disse, que doutros paizes nunca o despotismo tinha sido exercido por duas camaras, tanto como por uma só. Em época nenhuma houve maior despotismo em Inglaterra, do que no tempo de Crouwel, com uma só Camara. Isto prova a tendencia desta especie de corpos, para taes excessos. Diz se porém, o inconveniente das duas, consiste principalmente em demorar o andamento dos negocios publicos. Sr. Presidente, occasião ha, em que essa demora é nociva, mas na maior parte das occasiões e necessaria parecerá isto um paradoxo, um absurdo, entretanto e verdade, e tanto o é, que na propria Constituição de 20, tendo-se estabelecido uma Camara só, lá se estabeleceu um novo titulo, com o fim de demorar a discussão dos negocios, é esse onde se diz, que uma proposição, será lida duas vezes, com intervallo de oito dias, irá a uma Commissão, etc. Isto não teve outro fim, senão a demora das discussões, mas desgraçadamente nesse tempo se pôz logo uma excepção a esta regra, que a veio a destruir, quando se legislou, que em certas circumstancias poderia a lei ser discutida, e approvada, mas que neste caso seria declarada provisoria. Ora, Sr. Presidente, que differença ha entre lei permanente, e lei provisoria? Em primeiro logar, todas as leis são provisorias por sua natureza, e em segundo logar não se póde uma lei dizer provisoria, sem lhe marcar o tempo de sua duração. E esta lei não póde durar muitissimo mais do que uma que não é provisoria? Sem duvida, por tanto o remedio, que a Constituição de 20 inventou para demorar as discussões póde ser nullo, ou tomo se tal titulo não existisse. Creio ter provado por essa propria Constituição, que a demora das discussões é, na maior parte dos casos, um bem, e que o remédio, que ella dava contra isso, não remediava nada, e por tanto, que os legisladores das necessidades não preencheram o fim, que primeiro tinham tido em vista.

A respeito das duas camaras, parece-me escusado accrescentar mais nada, ao que sobre esse ponto se tem dito, ficando para a discussão da especialidade do projecto, debate-lo com mais minuciosidade, não direi pois, nada sobre elle, por agora, porque tenho mais propria occasião de o fazer depois.

Quanto á dissolução da Camara dos Deputados. Como quererá alguem, que eu julgue prejudicial a dissolução do poder legislativo, quando eu já nesta mesma casa assiguei um requerimento, (e creio que o assignaram tambem quarenta e tantos dos meus collegas) pedindo a dissolução da Camara de que eu faria parte (Apoiado.) Então todo o mundo achou, que quem pedia a dissolução tinha razão, e se então havia razão para isso, e porque a cousa podesse em algumas occasiões ser util, para que heide privar a nação dessa utilidade? Tendo o Governo a faculdade de nos dissolver (diz) manda-nos embora ainda que a Camara seja boa. E' possivel; porque já isso aconteceu a uma Assembléa, que se reunia nesta casa. Quando a Camara dos Deputados quiz forçar o Governo a entrar no caminho das economias, foi dissolvida, entretanto seja-me permittido lembrar o que então se passou, para tirar a conclusão, de que não póde haver remedio nenhum, que não seja sujeito a inconvenientes. Nesse tempo o Governo dissolveu a Camara, e procedeu-se a novas eleições, onde os Deputados haviam de ser eleitos pelos cidadãos e que aconteceu, Sr. Presidente? Toda a gente approvava o procedimento da maioria, em querer forçar o Governo ás economias, mas tez se a eleição, e o grande numero de portugueses, abandonou os Deputados, cujo procedimento antes, e ainda então louvavam! Ora sede um, ou outro tacto, se appella para as eleições, o que acabo de dizer prova contra, porque se appellava para a maioria da Camara, e esta não foi eleita. Se a nova Camara se juntasse, havia de ser opposta áquillo que tinha dado logar a sua eleição, mas seguir-se-hia daqui, que os cidadãos portuguezes, não devem eleger os seus Deputados? Não: as eleições hão de fazer-se sempre pelos cidadãos, se as fizerem mal queixem-se de si, e emendem-se para a outra vez. A dissolução, por um facto, não póde julgar-se má.

Disse o illustre Deputado, que assim como os entes phisicos tem horror á dissolução, tambem tem igual horror os entes moraes, e que uma Camara de Deputados com receio de ser dissolvida, votará com o Governo. Perdoe o Sr. Deputado, mas nesta mesma casa acho eu, a prova do contrario. Os Deputados, que aqui estavam em 1836, sabiam muito bem, que se o Governo fosse vencido, na questão de que já fallei, estava resolvido a dissolve-la; e acaso algum desses Deputados, que tinha concebido a necessidades das economias, algum d'elles desdisse-se. Não. A experiencia do coração humano mostra, que a presença do perigo (especialmente do perigo moral) e um incentivo para se arrostar com mais coragem. (Apoiado ) Agora, Sr. Presidente, eu vou aos exemplos da revolução franceza, para mostrar a necessidade da dissolução.

Acho a Constituido do directorio, isto é, aquella que encarregou o poder executivo a cinco directores. Esta Constituição, aproveitando a experiencia da revolução, formou duas camaras, em tempo de republica, mas não deu ao Governo a faculdade de as dissolver, e que se seguiu d'ahi? Na segunda eleição, que teve logar na fórma desta Constituição, a maioria dos Deputados saiu realista, e por conseguinte inimiga da revolução o directorio espantou-se, vendo isto, porque temeu ver destruir a republica, e então empregou o despotismo para se ver livre de taes Deputados, fez áquillo para que não estava authorisado pela Constituição, prendeu Deputados, prendeu dous dos seus membros, e mandou-os para Surignan. A Constituição não dava ao directorio poder para nada disto, mas elle viu-se se obrigado a offender directamente a Constituição, para salvar a liberdade. Isto foi um acto revolucionario, e o illustre Deputado, que sustenta o direito dando dissolução, disse, que queria uma organisação politica, de que a revolução não fôsse elemento, mas do seu mesmo sistema vem a necessidade absoluta da revolução. Quando o directorio viu, que tinha offendido a Constituição pela necessidade, e que um dia, a não ter remedios ordinarios, poderia tornar a achar-se em igual necessidade, não podendo alterar a Constituição, pediu ao poder legislativo uma lei para annullar quaesquer eleições, que julgasse perniciosas, e essa lei lhe foi concedida vieram as eleições seguintes, nas quaes começaram a ser eleitos desses homens, que o Illustre Deputado diz, que não haviam de tornar a apparecer em França, isto é, os do partido do terror, a cuja testa haviam estado Robspierre, e Maral; então o directorio fez annullar a eleição, e nas seguintes veio melhor gente, mas ainda não foi tal, que no conselho dos anciões não estivesse o gérmen da destruição da liberdade. Na Constituição não estava o remedio para este mal, tinham sido empregados meios extraordinarios, tinha se offendido a Consti-

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luição, e esta não podia já sustentar a republica. Apparece, Bonaparte, vindo do Egypto, a França olhou para elle como um salvador, e houve quem lhe quizesse entregar o Governo. Todos sabem o que depois se passou, até que entrando no conselho dos quinhentos para o dissolver, exprebando-lhe um Deputado o seu procedimento como opposto á Constituição, Bonaparte lhe respondera - vós a matastes, é preciso fazer outra; - e todos sabem qual esta foi.

A' vista de tudo isto, parece que quando as eleições forem más, o unico remedio é a dissolução. E a quem se encarregará isso? Ao Governo. Mas elle póde abusar: é verdade; nas não ha remedio para todos os males. A próva disso está na medicina, na cirurgia, e na pharmacia; estas tres artes ainda não poderam fazer com que os homens fossem immortaes; mas tem salvado da morte a muitos homens. Assim as leis são para a maior parte dos casos, faça-mo-las para estes, que para todos é impossivel.

Sobre o veto absoluto. Começarei por observar, que se faz bulha com estas palavras; porque se não entendem; e recorreu-se a ellas por uma falta de linguagem. Diz-se, que o veto é uma faculdade dada ao rei, para estorvar as deliberações do poder legislativo; não é assim. Um Sr. Deputado, já aqui expôz a theoria do poder moderador: este distribuido por todos os poderes politicos, não é absurdo; é necessario, é absolutamente indispensavel; porque sem elle não póde existir liberdade. Disse-se, que se a cada um dos poderes politicos, se der uma parte do poder moderador, fica destruida a independencia desses poderes. Mas é necessario saber o que é - independencia dos poderes - porque antes de raciocinar comem definir tudo. A independencia dos poderes, consistirá em fazer cada um delles quanto quizer, a torto e a direito, bem ou mal? Não é tal: a meu ver essa independencia consiste nisto. Ninguem recebe queréllas, offerece libellos, prepara processos, ou dá sentenças, senão o poder judicial: mas por ventura o poder judicial, ou o juiz que o exerce, ha des receber queréllas, offerecer libellos, preparar processos, ou dar sentenças, como quizer? Não; porque elle só ha de fazer isto na fórma da lei: ninguem póde exercer as funcções do poder judicial, se não elle próprio; e se alguem lá se fôr ingerir comette uma usurpação de poder. Eis-aqui a independencia desse poder.

Em que consiste a independencia do poder executivo? Consiste em que ninguem tem a faculdade de administrar, porque a expressão de poder executivo não me parece exacta, mas não tratarei de a corrigir, porque se tem usado della: ninguem tem a faculdade de administrar em geral senão o poder executivo: se alguém se quizer ingerir na administração em geral commette uma usurpação. Diz-se: mas então para o poder executivo ser perfeitamente independente ha de administrar como quizer? Não senhor: ha de administrar na fórma que estiver determinada pelas leis; e se quizer administrar d'outro modo commette uma usurpação de poderes, pela qual ha de ser responsavel, não deixando com tudo de ser independente; porque ninguém póde praticar aquelles actos senão elle.

O poder legislativo em que consiste a sua independencia? Consiste em declarar, que tal e tal regra é necessaria no paiz, que tal e tal obrigação é precisa, que tal e tal direito eleve existir no cidadão. Agora aqui é que está a maior de todas as difficuldades: - e qnaes sào as regras que ha de seguir o poder legislativo para declarar que é necessaria esta ou aquella regra, esta ou aquella obrigação, este ou aquelle direito? Aos outros podem dar-se regras póde fazer-se a lei para regular o poder judiciario, podem lixar-se regras pelos quaes se ha de regular o poder executivo; e não é possivel faze-las para regular o poder legislativo: para declarar o andamento das sessões isso é um verdadeiro regulamento da sessão; sobre a maneira porque se ha de apresentar um projecto, e porque ha de ser discutido, tudo isso póde fazer-se; mas o poder legislativo faz ámanhã uma lei, e todoS tem obrigação de cumpri-la; e quando nós chegar-mos á questão se tal ou tal lei é uma usurpação de direitos, estamos mettidos no caminho da revolução. Eis-aqui está. Sr. Presidente, a razão pela qual é preciso oppôr mais cautella ás usurpações de poderes, que póde praticar o poder legislativo; mas assim mesmo a differença, pela qual o poder moderador é exercido por cada poder, não é nada contra o poder legislativo; porque, quaes são os meios que tem o poder legislativo para exercer influencia pobre o poder executivo? Tem em primeiro logar as continuas interpellações aos Ministros, que os põe muitas vezes em terriveis circumstancias, e isso é uma consideravel influencia. Tem a rejeição dos seus projectos, e quando um projecto do poder executivo é rejeitado, resulta d'ahi a necessidade da demissão do Ministerio. Tem as accusações; e tem a final o grande meio, o grande recurso de lhe negar os tributos: este é o maior de todos os vetos que se podem conceder ao poder legislativo politico. Disse-se; mas Deos nos livre de que se use desse poder; porque não póde haver Constituição, que negue aos Deputados do paiz a faculdade de negar os tributos; se se negasse essa faculdade, estava destruido o governo representativo; que se lhe conceda essa faculdade, recommendando-se que use della com moderação, sim senhor; oxalá que nunca se use della senão com moderação; mas póde usar-se mal uma vez. Ora, mas se a titulo de que pode resultar d'ahi uma revolução, não se ha de usar deste poder? Também a esse titulo não se poderia usar de cousa alguma; entretanto o Sr. Deputado a quem me refiro, para de alguma maneira responder a tudo isto, disse como por incidente: é verdade que os Ministros não podem ser tirados senão dos chefes das maiorias; mas muitas vezes o governo faz as maiorias para os Ministros: - acontece isso muitas vezes; porém, se o Sr. Deputado dá alguma importancia a este argumento, dá importancia aos argumentos dos inimigos do governo representativo; porque é d'ahi que elles tiram a principal consideração, de que o governo representativo não presta para nada; mas desenganemo-nos, ha de haver no governo representativo inconvenientes, como em tudo o mais. O governo representativo é um governo de lucta continua; algumas vezes dos poderes, outras do povo; mas é nesta lucta que consiste a liberdade: a grande habilidade das nações consiste em dar tal direcção a esta lucta, que não resultem della malles, e isso tem-se verificado por muito tempo. Já o Sr. Deputado, que desenvolveu a theoria do poder moderador distribuido pelos outros, mostrou bem a maneira, por» que cada um delles exerce o seu dominio, e mostrou-o d'um modo, que entendo que não póde ter resposta, nem ainda ouvi que ninguém lhe respondesse; por consequencia escuso de sustenta-lo, não só porque o não fazia tão bem como o Sr. Deputado, mas porque não é necessario.

Disse um Sr. Deputado: mas diz-se, que o Governo não usará do veto, e então que se lhe dá? Dá-se-lhe nada. Não é assim: é verdade que em Inglaterra ha 150 annos, que o governo não usou do veto; mas tambem é verdade que ha muitos annos não me lembra que a camara dos communs negasse subsidios ao governo senão uma vez só: entretanto lá estima-se muito essa faculdade de negar os subsidios; e vão lá dizer aos inglezes, que é melhor negar ao parlamento essa faculdade de negar os subsidios; porque uma só vez se usou della: dirão os inglezes: - nem se deve tirar ao Rei o veto, nem á camara dos communs o poder de negar os tributos; porque se não se tem usado destes poderes, é porque os corpos politicos, quando se conhecem reciprocamente fortes, respeitam-se, e não se combatem: o Rei d'Inglaterra não usa do veto, porque sabe que se o empregar indevidamente corre gravissimo risco: a camara dos communs ha muitos annos, que não usou da faculdade de negar os tributos senão uma vez; porque sabe que se os negasse muitas vezes correria grande risco: e assim fazem os fortes; guardam o seu poder, a sua faculdade, as suas armas

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quando forem necessarias, e em quanto não lhes são precisas, não usam dellas, e os outros conhecendo a sua força não o attacam d'outro modo não é possivel continuar a existir a sociedade. Se se quizer dizer pois o poder legislativo ha de estar sujeito á censura do poder executivo? Diz o poder legislalivo: sim, essa censura fica de tal maneira superior ao poder executivo, que em pouco tempo ha de emprega la, sem que o corpo legislativo possa dar-lhe remedio, e daqui que viria? Ou o poder executivo, alguma vez que se queixasse a nação, tinha razão, ou não se o poder executivo, proclamando á nação, tivesse razão, e razão lhe fosse dada, teriamos uma revolução contra o poder legislativo se o poder executivo alguma vez fizesse uma queixa sem razão, sempre tinhamos o perigo da resolução, e alli estávamos mettidos nesse caminho de que queremos fugir. Por isso, Sr. Presidente, eu não posso deixar de approvar o projecto na generalidade, ficando-se salvo, assim comn a todos os meus collcças, o direito de propôr as alterações que quizer bem entendido, que quando approvo na generalidade o projecto, não voto na camara vitalicia, por que sou da opinião já consignada no parecer da minoria, mas seja-me permittido a este respeito acabar com uma observação. O Sr. Deputado, que pareceu não gostar da experiencia dos paizes estrangeiros, não se lembrou hontem que em grande parte as côrtes hespanholas acabavam de approvar, a respeito da segunda camara, em grande parte o que a maioria da Commissão apresentou a Commissão não tira nisso grande vaidade, mas na peninsula foi a Commissão de legislação a primeira que levantou a voz a respeito desse systema, já approvado na maior parte pelas côrtes dos nossos visinhos creio que se não se póde tirar disso grande utilidade, alguma honra resulta aos que assignaram o parecer.

O Sr José Estevão: - Não posso deixar de interromper a discussão, porque não está providenciado por lei alguma o caso especial, em que me acho. Eu tenho sido combatido nas opiniões, que emitti, de um modo singularissimo, é por tanto necessario, que haja algum meio singularissimo pelo qual eu distrua essas argumentações de nova especie. Não sei, disserão-me que sim, se o regimento dá ao que abre a discussão o direito de a fechar. Se elle tal determina, então peço a palavra para fechar a discussão, visto que a abri.

O Sr Presidente: - O regimento estabelece a regra, que ninguem possa fallar mais de duas vezes n'uma mesma discussão, e alem d'isto estabelece, que o Deputado, que abriu a discussão, possa fallar por ultimo; mas isto não altera a disposição (entendo eu) de se não poder fallar mais de duas vazes, e só aquelle que abriu a discussão tenho direito d'escolher gosar segunda vez da palavra no fim de todos querendo, e esta é a pratica que tenho seguido, entre tanto o Congresso sendo consultado póde resolver, que o Sr. Deputado tenha a palavra pela terceira vez.

O Sr. José Estevão: - Está visto, que pela interpretação, que V. Exca. dá ao regimento, não me aproveita aquella disposição delle, que dá ao Deputado, que abre a discussão, o direito de a fechar. Entretanto, como o Congresso póde interpretar d'outro modo, bom seria consulta-lo já a esse respeito, porque eu não desejava ficar com o meu direito incerto. Em todo o caso peço a V. Exca. a palavra para explicações.

O Sr. Presidente: - Está decidido, que no fim da discussão é que podem ter logar as explicações, alguns Srs. Deputados aqui estão inscriptos para explicações, quando a discussão acabar eu lhes darei a palavra.

O Sr. Leonel: - Eu sinto muito que, segundo parece, o Sr. Deputado se tivesse offendido do que eu disse........... (uma voz: não me dou por offendido.) Eu não tive intenção de o offender, nem a nenhum outro pareceu-me que tinha respondido por uma linguagem, similhante á sua, aos argumentos que tinha apresentado, se assim o não fiz, se usei de linguagem, que póde julgar-se offensiva, não tenho duvida nenhuma em declarar, que não tive tal intenção, e peço-lhe que acredite isso...

O Sr. Presidente: - Isso é uma explicação verdadeiramente por ora a questão d'ordem e saber se o Sr. Deputado ha de ter a palavra.

O Sr. Leonel: - Mas eu com isto tenho dito tudo, que podia dizer.

O Sr. José Estevão: - Eu declaro já, que me não dou por offendido do que disse o Sr. Deputado, porque se elle me offendesse soffria miseravel é o homem que não sabe soffrer offensas, quando é preciso soffre-las. Não me queixo de offensas, mas de inversões absolutas, e completas do que eu disse, imersões feitas á vista das minhas fallas escriptas, e impressas ha muito tempo, e que se o Sr. Deputado as passou pelos olhos, e as entendeu como disse, ou as leu mal, ou estava cego, ou tinha nessa occasião pouca disposição para entender.

O Sr. Alberto Carlos: - Parece-me, que o caso do Sr. José Estevão está decedido no art. 79 do regimento (leu). Creio que é, o que o Sr. Deputado quer, e nisso não haverá difficuldade.

O Sr. Presidente: - Sei muito bem, que ha esse artigo, mas ha uma resolução de 8 d'Abril, que o alterou nessa parte, dizendo, que de qualquer natureza que fossem as explicações, ficassem para o fim, por consequencia quando o Sr. Deputado pediu a pnlavra para uma explicação, cá o inscrevi, para a ter em occasião opportuna, que ha de ser finda a discussão.

O Sr. Barão da Ribeira de Sabrosa: - Se V. Exca. consultar o Congresso para saber, se o Sr. José Estevão deve ter a palavra terceira vez, eu voto que a tenha; mas desejaria, que a explicação ficasse para o fim, e que a discussão continuasse.

O Sr. Almeida Garrett: - Desejo simplesmente dizer que hei de votar, porque se dê terceira vez a palavra ao Sr. Deputado; mas não pela rasão, que allega, de ter sido combatido singularmente, e alteradas suas disposições, porque do mesmo modo fui eu combatido pelo illustre Deputado, e tenho a mesma queixa delle, que elle tem d'outros oradores. No entanto eu reservo-me para o meu logar, e não allego essa, como rasão para fallar terceira vez.

O Sr. José Estevão: - Como a queixa é a mesma, tambem desejo que o remedio seja igual. (Riso.)

O Sr. Presidente propoz se se devia tratar agora desta questão, e decidiu-se que não, continuando por consequencia a discussão na sua ordem.

O Sr. Branquinho Feio: - E' summamente sensivel para um Deputado como eu, ter de fallar n'uma materia assás melindrosa, principalmente depois de tantas capacidades, que fazem o ornamento desta Camara, haverem esgotado a materia, de maneira que será pouco possivel apresentar idéas novas, com tudo vejo me na necessidade de motivar meu voto, pois que tem passado como caso julgado, e dever faze-lo aquelle Deputado que pediu a palavra, faço-o porem com tanta mais satisfação, quanto tenho visto acolher todas as opiniões com a melhor harmonia.

Não me opponho ao parecer da Commissão de Constituição na sua generalidade, em quanto no projecto só consignam principios politicos, communs a quasi todas as Constituições, mas opponho-me a determinações alli introduzidas, pelas não julgar de conveniencia em nossas peculiares circumstancias.

Muitos dos nobres Deputados, que me precederam, tem dito, que uma Constituição se compõe de duas partes: aquella em que se designam os direitos e garantias dos Cidadãos, que corresponde ao protesto que o Povo faz desses mesmos direitos no Codigo fundamental, para que me possam ser ignorados, nem postos em duvida, e a outra em que se tra-

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ta da distribuição dos poderes politicos do Estado: de maneira que será melhor aquella, em que a distribuição destes poderes esteja com o maior equilibrio; isto é, coordenada de tal fórma, que se não possam confundir estes poderes; verdade que ninguem contestará; mas estará o parecer da Commissão nesta relação? Presumo que não, e é o que convém esclarecer: antes porém de entrar na indagação, cumpre observar, que me não demorarei na consideração de que a Commissão exorbitou, quando apresentou um projecto de Constituição, devendo limitar-se a apresentar modificações á de 1822; por quanto ainda que o programma do Povo em 9 de Setembro fôsse que adoptava a Constituição de 1822, com as modificações que as Côrtes lhe fizessem, e não delegasse no Ministerio o direito de chamar tambem a Carta de 1826, com tudo o facto existe em nossas procurações, e poderes especiaes, que alli se nos conferem para tal fim: tambem em nossas procurações existem outras circumstancias, como a de fazer uma Constituição que esteja em harmonia com as dos Governos representativos da Europa; mas eu entendo que á vista do minucioso exame que um illustre Deputado, que se assenta daquelle lado da Camara, fez de todas as Constituições da Europa, pouco ou nada ha aproveitar nellas; por quanto tratando da da Belgica, alli achou o poder theocratico preponderante; foi á França, e alli encontrou o poder monarchico demasiadamente debilitado; passou a Inglaterra, e viu que a aristocracia conserva restos do antigo feudalismo, etc. etc.: já se vê por consequencia, que convém fazer uma Constituição adaptada a nossas conveniencias e usos: receio muitissimo que se não realisem os desejos deste Congresso em anhelar uma Constituição, que reuna em toda de si os Portuguezes divergentes, chamando-os á concordia e união; mas como possivel tal operação? Não é certo, que uns quererão aquella Constituição em que for mais ricamente dotada a aristocracia? Para outros, aquella em que mais se contemplar o Povo; e outros em fim não quererão nenhuma; com tudo esforçamos-hemos para fazer uma que assegure a liberdade legal, e que possa fazer a felicidade commum.

Muitos pontos encontro eu no parecer da Commissão, com que me não conformo: não fallo das duas Camaras, porque não sou partidario de uma só, pelas razões por vezes aqui apresentadas, e de que me dispenso repetir por não cançar o Congresso; porém fallo da natureza da Camara Senatoria, consignada no projecto = de vitalicia!! = Poderemos nós consentir que tal Camara seja vitalicia? Não o creio: como poderá a Nação punir uma tal Camara, quando seus actos se não encaminharem á felicidade do todo? Só o poderá fazer sendo electiva e temporaria. Eu não posso considerar a segunda Camara como uma instancia; por isso que tal consideração me dá a idéa de superioridade, que lhe não admitto: nos Governos em que o Corpo legislativo está dividido em dous ramos, instancia então é uma Camara, a que corresponde, em meu entender, a Commissão mixta, quando uma dellas não combina nos actos da outra, etc.

Outro ponto consignado no parecer, é o veto absoluto, com o qual me não conformo. Quererá este Congresso habilitar o poder executivo para paralisar e destruir uma medida qualquer, filha de longas meditações, e decretada em proveito commum? Não o julgo: mas dizem, o veto não é nada em um Governo de duas Camaras, e não deve por isso assustar: se não é nada, não lucra o poder executivo com tal concessão; mas eu, nem esse nada, lhe concedo. Tambem me não posso harmonisar com a faculdade de dissolução da Camara dos Deputados, concedida ao executivo. Não é evidente, que o Ministerio figura, quando lhe apraz, a Camara em opposição aos interesses nacionaes? Não póde elle, não o tem feito, figurar esse bem do Estado, quando a mesma Camara só não acha disposta a approvar lhe seus desvarios? Mas argumenta-se; é possivel que a Camara dos Deputados seja facciosa, e então para acabar esse mal, convém que o executivo se ache revestido dessa facilidade; mas, Sr. Presidente, será só a Camara dos Deputados, que seja falivel? Não é possivel que a Senatoria seja igualmente facciosa? E qual é o meio que a Commissão nos apresenta para terminar esse mal? Nenhum: eu entendo que podem occorrer circumstancias em que se deva dissolver o Corpo legislativo; mas cumpre marcar na Constituição os casos em que.

Tem-se fallado de horrores praticados pala democracia, de maneira, que é o grande papão: mas será a democracia a unica que os haja causado? Ninguem contestará, que os tem igualmente causado a monarchia, e a aristocracia.

Diz o Sr, Leonel, para mostrar que se deve conceder ao poder executivo, o poder da dissolução; que França apresenta exemplos, no tempo da republica, de graves malles devidos a essa falta: se S. Sa. mendigou no estrangeiro exemplos, eu acho-os no domestico; em Portugal tristissimas consequencias de tal faculdade. Em 1868 D. Miguel disolveu a Camara, e para que? Para se acclamar absoluto, para usurpar o throuo á Rainha, para causar os malles, de que nos ressentiremos por longo tempo. Que fez o Governo passado, quando se chegou a conseguir na Camara electiva uma maioria nacional? Dissolveu-a. E daremos nós ao executivo tal poder? Presumo que este Congresso o não fará; eu peço licença para recordar os acontecimentos de 1830 em Pariz, em qne o sangue de illustres victimas correu; mas diz se, lá está o campo das eleições: esse campo, Sr. Presidente, é triste remedio com os poderosos meios que tem á sua disposição o Ministerio. Limito-me por tanto a dizer, que approvo o parecer da Commissão, em quanto consigna no projecto os direitos individuaes, e sancciona os poderes politicos: reservo-me para a especialidade, para votar contra estes pontos, declarados no projecto, com que me não conformo; e não só contra estes, mas contra outros, como a legibilidade dos Ministros. (Apoiado.)

O Sr. Silva Sanches: - Os illustres Oradores, que hoje me precederam, já ponderaram as grandes difficuldades daquelles, que no quarto dia de discussão tem de fallar em uma questão muito bem sustentada por um, e outro lado. Estas difficuldades, maiores são ainda para mim, que fallo depois delles; mas ellas certamente serão tambem mais - um motivo, para que a assembléa tenha para comigo a mesma benevolencia, de que já tem dado tantos exemplos.

Tem-se impugnado o parecer da Commissão com diversos fundamentos; mas quasi todos elles se reduzem a dizer, que o projecto é contrario aos principios da resolução de Setembro, e que os poderes estão mal organisados. Será elle effectivamente opposto áquelles principios, ou aos poderes, que nos foram concedidos? Estarão com effeito nelle mal constituidos os poderes do Estado? Taes são as duas questões, de cuja resolução está pendente a da approvaçào, ou rejeição do projecto na sua generalidade. A ellas pois me restringirei, segundo o meu costume.

Já houve quem disputasse ao Congresso a faculdade do encarregar a Commissão de um projecto de similhante natureza: quem gravemente censurasse a Commissão pelo ter assim apresentado; e até quem chegasse a negar ás Cortes o poder de o discutir, e approvar. Oppõe-se-nos por tanto uma excepção de incompetencia; e em tal caso convém principiar por nos certificarmos do nosso direito, porque inutilmente se discorrem sobre o merito do projecto, se por ventura excedesse nossas attribuições o poder de o admittir. O exame da primeira questão torna-se por tanto indispensavel; e ainda que alguns dos nobres Oradores, que me precederam, a tocaram já, julgo assim mesmo do mesmo modo dever entrar nella, e desenvolve-la um pouco mais.

Dizem os Srs. Deputados, que a suscitaram, que a Nação proclamára a Constituição de 32 com as modificações, gue as Côrtes lhe fizessem: que modificar uma cousa é dar-lhe novo modo, sem lhe alterar a sua substancia: que o projecto altera porem inteiramente a substancia da Consti-

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tuição de 22 que é por isso contrario aos nossos poderes, e que nem a Commissão tinha por conseguinte direito para o apresentar, nem o Congresso o tem para o admittir. A isto se reduzem, pouco mais ou menos, todos os seus argumentos, e eu procurarei responder a cada uma das suas partes, propondo-me demonstrar, que elles peccam assim na materia, como na fórma.

Se pelas palavras se explicam as idéas, pouco poderá ter admirado, que esta grande questão se tenha controvertido sobre a intelligencia da palavra = modificação. = Mas por isso mesmo que ella se tem questionado sobre essa inteligencia por isso mesmo que um Sr. Deputado, que não está presente, no acto de apresentar um projecto, com que pertende substituir o que esta em discussão, chamou a questão a este ponto, pouco deverá tambem admirar-se agora, que eu vá questiona-la no mesmo ponto, principalmente não me tendo sido licito, como pertendia, responder-lhe logo (Apoiado, apoiado).

Nenhumas, ou muito poucas palavras da nossa lingoa se tomam em uma só accepção, e é certo, que o verbo = modificar = se usa tambem no sentido de = moderar = assim como o substantivo = modificação = no de = moderação = ou modo guardado entre os extremos. - Assim se diz modificada a lei, quando se alteraram alguns de seus artigos, ou se moderou o rigor das suas disposições mais fortes. Ora a Nação proclamando a Constituição de 1822 com as modificações, que as Côrtes lhe fizessem, ainda não declarou não haver tomado aquella palavra no sentido mais lato. Não podem por tanto as Côrtes toma-la em qualquer dos dous sentidos? E tomando-o no ultimo não tem ellas o poder de moderar o rigor de quaesquer principios consignados na Constituição de 22? O poder de os accommodar às circumstancias do paiz, de cortar o que nelles houver d'inexequivel, o poder em fim d'evitar qualquer excesso, que nelles se encontrar?

Na Hespanha proclamou-se a Constituição de 1812 tambem com as modificações, que as côrtes lhe fizessem. As côrtes apresentaram um projecto, que alterou parte daquella Constituição approvaram-no na sua generalidade, e já 17 artigos foram discutidos, e approvados na sua especialidade. E por ventura retiraram-lhes seus constituintes a sua confiança. Acaso lhes declararam, que ellas tinham excedido a orbita de seus poderes? Ou procederiam aquellas côrtes por tal fórma, se entendessem, que a clausula das modificações as restringia absolutamente ao primeiro pacto. Por certo que não. Tudo concorre pois para mostrar, que a restricção, com que foi proclamada a Constituição de 1822, nos não obriga a conservar, quanto nella se encontra, e que a significação da palavra = modificações = é mais ampla, do que parece aquelles Srs., que della deduzem argumentos contra o projecto, e aos quaes tenho a honra de responder.

Mas eu quero concordar com elles, em que a palavra = Modificação = só significa dar novo modo a uma cousa sem mudar a sua essencia. Não consiste a essencia de toda a Constituição, e por consequencia tambem a de 22, na declaração dos direitos individuaes, na fixação do principio dos poderes politicos, e na sua divisão ou equilibrio. E não se acham no projecto da vossa Commissão bem definidas as garantias individuaes de liberdade, de segurança pessoal, e propriedade. Não está nelle bem claramente estabelecido no artigo 16 o principio da soberania nacional como origem de todos os poderes. Não estão estes claramente determinados e divididos? Em que pois deixou de se conservar inteiramente a estancia da Constituição de 22, ou em que foi ella invertida? (Apoiado, apoiado)

Diz se que fôra invertida, porque estabelecendo essa Constituição uma só camara, e veto suspensivo; o projecto propoz duas camaras, e veto absoluto! Nunca temi, não temo abordar as questões de frente, quando a isso sou chamado. Neste ponto vou trata-las. Mas oh! Srs., pois dividir o poder legislativo em duas camaras será mudar a essencia deste poder...!!! Não consiste a essencia de uma cousa na propriedade, que principalmente a destingue de outra, eque constitue a sua natureza. E a propriedade, que distingue o poder legislativo dos outros poderes, não é a de só elle poder fazer as leis? E não podem estas ser feitas pelo concurso da duas camaras? (Apoiado.) Não podem mesmo os merobros das duas camaras serem todos escolhidos pela Nação? Dividindo-se pois em dous ramos, o que estava concentrado em um só, fez-se alguma cousa mais do que dar-lhe uma nova fórma, um modo novo? E que é isto senão modificar no mais rigoroso sentido da palavra, naquelle mesmo em que a tomam os illustres adversarios, a quem respondo?

Veto já existia na Constituição de 22. Tambem por tanto sómente se lhe deu novo modo, fórma nova, porque a essencia delle, em todo o caso, consiste em obstar a que os decretos do corpo legislativo se convertam em lei. E' pois evidente que o projecto não inverte, não destroe a substancia da Constituição de 22, e os argumentos em contrario peccam por conseguiste na materia. Mas eu quero em tudo concordar com meus Illustres adversarios quero ainda conceder-lhes, que naquelles dous pontos, e em quaesquer outros que elles apontarem, se inverteu a essencia da Constituição de 22. Pensam elles, feita esta concessão, ter incontestavelmente demonstrado, que nem a Commissão podia apresentar, nem o Congresso póde admittir o projecto apresentado. Pensam ter então provado, que elle é contrario aos nossos poderes? Não, não o tem provado, prova-lo não podem porque a questão, que até aqui se tem ventilado sobre a intelligencia de uma palavra, deve a final ser decidida pelos nossos mandatos, e os nossos mandatos dão-nos, a faculdade de alterar essa Constituição, dão-nos a faculdade, que em vão se pretende negar ao Congresso.

E' um facto, que em Setembro se proclamou a Constituição de 22 com as modificações, que as Côrtes lhe fizessem: e igualmente em facto, que assim foi jurado por aquelles, a quem cumpria jurir, e que não repugnaram ao juramento. Mas tambem é facto, que nós não somos Deputados em virtude do acto, que proclamou essa Constituição, nem em virtude do decreto, pelo qual o Governo o mandou pôr em logor (apoiado, apoiado) somos Deputados por effeito dos votos, e em consequencia da eleição de nossos concidadãos eleitores, a que se verificou muito posteriormente. Todos os nossos poderes dimanam pois da outorga dos eleitores, das procurações, que elles nos deram. Por tanto sómente por estas procurações, só por esta outorga, e de modo nenhum por aqualle neto, juramento, ou decreto, e que se ha-de, e deve examinar até onde se estendem esses nossos poderes. E não nos outorgaram os eleitores nossos constituintes todos os poderes necessarios, não só para alterar a Constituição de 22, mas até para fazer-mos a que julgássemos ser-lhe, mais conveniente? Ouçamos o que elles dizem nas procurações, pelas quaes nos constituiram seus procuradores. (O orador leu então a formula da concessão dos poderes por uma procuração, que tinha presente, notando nella o que se segue.) E outorgam poderes especiaes, para na Constituição de 1822, e na Carta de 1826, fizerem as alterações necessaria; para estabelecerem uma Constituição, que garanta as prerogativas do Throno Constitucional, que assegure a liberdade legal da nação, e que fique em harmonia com as Constituições das mais Monarchias Constitucionaes da Europa.

Todos os Srs. Deputados pelo reino, ou continente, foram investidos de igual faculdade, porque todas as procurações são neste ponto uniformes. E ha nellas alguma cousa, alguma palavra, que rigorosamente nos obrigue a manter intacta toda a essencia da Constituição de 22? Pelo contrario as palavras de fazer na Constituição, e na Carta as alterações necessarias para estabelecerem uma Constituição etc. não nos concedem ampla liberdade para adoptar-mos da-

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quellas ditas Constituição de 22, e Carta de 26, quanto nos parecer proveitoso, podendo regeitar tudo o mais? E sendo suas ultimas expressões o ultimatum de seus votos, não nos outorgaram por isso mesmo o poder de fixar uma nova Constituição, se entendesse-mos, que aquelles seus votos nem pelos principios de 22, nem pelos de 26 podiam ser inteiramente satisfeitos, ou realisados?

Mas diz-se: nem todas as procurações trazem esses poderes; porque alguns Srs. Deputados pelos Açores não os trazem tão amplos. (Vozes, e tambem alguns pelo reino.) O orador: - Os do reino não; porque eu como membro da Commissão, encarregada de apresentar uma fórma de juramento, examinei com os mais membros, todas as procurações do reino desde a primeira até á ultima. V. Exa., Sr. Presidente, fazia parte dessa Commissão, assistio ao exame, e vio, que d'entre as do reino não appareceu uma só, que não contivesse os mesmos poderes, que acabei de ler. Não é por tanto exacto, que haja pelo continente algum Deputado com menos attribuições. Assim continuarei com a analise dos poderes concedidos pelos habitantes da ilha de S. Miguel a seus procuradores. Elles não são tão amplos, é verdade. Entretanto primeiramente direi; que os Deputados pelo reino so acham aqui em grandissima maioria, e que constitucionalmente a decisão de todos os negocios, é sempre tomada pelo maior numero. Ora o reino de Portugal tem 3 milhões e trinta mil habitantes, segundo a ultima statistica; e a ilha de S. Miguel apenas terá cem mil. E por ventura as procurações de cem mil habitantes poderão prevalecer sobre as de trez milhões? Não. Já se vê pois, que os poderes dados pelos habitantes de S. Miguel a seus procuradores, embora fossem, muito limitados, nem por isso nos impediam de fazer as alterações necessarias na Constituição de 22. Porém vejamos em segundo lugar, como os constituintes de S. Miguel constituiram os seus Deputados. (Leu.) Constituiram-os com poderes para - rever, derrogar, e alterar quaesquer artigos da Constituição de 22. - Quem pois não concluirá por esta simples leitura, que aos Srs. Deputados pela ilha de S. Miguel tambem foi dada illimitada liberdade, para fazerem na Constituição de 1822 todas os mudanças, toda a leforma substancial, ou de modo, que entendessem necessaria?

Diga-se, que o projecto é contrario á opinião de alguns Srs. Deputados. Isso podem dize-lo, podem sustenta-lo, e basta ennuncia-lo para todos os acreditar-mos. Diga-se, que alguns Srs. Deputados não julgam necessario usar de toda a extenção dos poderes, que lhes foram conferidos; porque isso tambem elles podem fazer. Mas poderá á vista de nossas procurações fundadamente dizer-se, que o projecto não está na esphera de nossas attribuições?

Dir-se-ha, que a fórmula desses poderes foi indicada aos eleitores por um decreto do Governo; e eu digo tambem, que é verdade. Mas foi-lhes apresentada, como o é em todos, ou quasi todos os paizes constitucionaes, e como cumpria que fosse, so para o fim da uniformidade, para o fim de se evitar, que os poderes fossem tão diversamente concedidos, que depois os Deputados senão podessem entender, e trabalhar; como aconteceu aos Deputados francezes da assemblêa constituinte de 1789, que tiveram de consultar de novo seus constituintes. Entretanto é precizo notar, que, essa formula exarada no decreto do Governo, não é mais, por assim dizer, que uma simples proposta, que se faz aos eleitores, e que elles podem approvar, ou regeitar. (Apoiado apoiado.) E como elles podendo regeita-la, e dar-nos ainda mais, ou muito menos poderes, a adoptaram, é innegavel, que a legitimaram. E poderá por tanto duvidar-se de que estamos obrigados a obrar na conformidade desses poderes, e só delles?

Ainda mais: não foi o projecto publicado ha mais de um mez? E mais de um mez não era tempo bastante para nossos constituintes terem representado contra elle, se por ventura o achassem contrario aos seus votos, opposto aos podêres, que nos concederam? E appareceu aqui já alguma representação contra elle?

Tambem se disse, que o projecto era contrario ás deliberações do Congresso, porque o Congresso conciderara em vigor a Constituição de 22; e mesmo porque tinha promettido na resposta ao discurso do throno, que havia de velar pela possivel observancia della. - Mas esqueceu accrescentar, que ella fôra considerada em vigor até que se fixasse definitivamente a lei fundamental, que devia reger-nos. E não é de fixar essa lei definitiva, que agora se trata? Em que é elle pois contrario áquella resolução?

Pecam por tanto assim na materia, como na forma de todos os argumentos ex-adverso, com que por este lado se impugnou o parecer: e é por consequencia incontestavel, que a Commissão estava sufficientemente authorisada para apresentar o projecto tal, como o apresentou, e que o Congresso tem todo o direito para o admittir, approvar, ou regeitar; porque em fim elle não é nada, absolutamente nada contrario aos nossos poderes.

Peço ao Congresso, que desculpe havê-lo tanto tempo entretido sobre esta primeira questão. Pois quando se disputava ás Côrtes o seu direito, pareceu-me, que devia essa materia ser tratada com alguma meditação: muito mnis sendo certo, que acarta franceza de 1830 encerrou na sua origem o gérmen de sua destruição, por se haver tambem disputado aos Deputados, que a fizeram, o poder constituinte, oa de faze-la. E' porém innegavel que para disputa-lo, delles ouve mais rasão; porque elles so tinham poderes ordinarios e a nós tambem se concederam os extraordinarios, os constituintes.

Passo á segunda questão. Estão com effeito os poderes politicos mal constituidos no projecto? Tal é o estado della, e aquillo, sobre que deve versar o seu exame.

O projecto diz no art. 4.° art. 17 quaes são esses poderes: no art. 18 estabelece a quem cada um delles pertence: e nos titulos seguintes se definem as suas respectivas, attribuiçôes. Objectou já alguem contra esses poderes? Notou algum dos illustres Oradores, que atacam o projecto, que se omttisse algum? Ou que se conferisse o exercicio delles, a quem não devesse exerce-los? Ou que faltou marcar, e definir alguma das suas attribuições? Ainda não. Como se sustenta pois, que os poderes estão mal constituidos no projecto? E se nelle mal constituidos estão, qual é a Constituição do mundo, em que o não estejam, visto que em todas as Constituições conhecidas elles se acham estabelecidos, e repartidos pouco mais ou menos da mesma maneira?

Diz-se porém: - estão mal constituidos, porque o poder legislativo depende do executivo; visto que os seus decretos estão sujeitos á sancção, ou não sancção do poder executivo. - A isto respondo, que ao poder executivo pertence a execução das leis; e que se estas não forem bem executadas, de nada serve, ou pouco impprta faze-las. E será por ventura a lei bem executada por aquelle, que lhe não der o seu assentimento? E certo que não: e por isso mesmo é facil conhecer, que a utilidade, que a conveniencia publica pede, que as leis obtenham a approvação do chefe do Estado, daqueHe; que as ha de fazer executar. Note-se com tudo, que as leis se submettem á sancção do chefe do poder executivo, como parte integrante, que é do poder legislativo. E parte integrante do poder legislativo não era elle já considerado pela mesma Constituição de 1822? Era decerto.

E tanto isto é necessario, Sr. Presidente, que até nos mesmos Estados unidos, os projectos que passam na Camara dos representantes, e na dos senadores, se não convertem em leis sem se submetterem á sancção do Presidente. Isto faz-se alli; e ninguem por certo taxará com justiça de pouco liberal aquelle Governo. Alli, depois do projecto ter passado pelos dous corpos legislativos, vai ser presente ao chefe da republica; e este ou o aprova, e então se converte em lei, que manda publicar; ou o não approva, e coro as rasões de

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sua recusa o reenvia á Camara, que lho enviou. Esta entra de novo a discuti-lo, e são precisas duas terças partes dos votos, que o approvem, para que o projecto passe para a outra Camara, onde soiire igual exame. Se torna a ser approvado nesta segunda discussão, é então convertido em lei. Entre tanto dir-se-ha. - mas o veto do Presidente dos Estados unidos é suspensivo, e o que se propõe no projecto é absoluto.

E' verdade; mas não será facil ao Presidente obter n'uma Camara de 60 membros (por exemplo) 21 votos contra o projecto? E não bastam os 21 contra 39 para o projecto já não passar? Assim aquelle veto suspensivo póde, com menos odioso para o chefe do estado, produzir os resultados de absoluto. Todavia quando na especialidade se discolir esta questão, se deliberará qual é mais conveniente; e então direi sobre isso a minha opinião. Mas tornando ao que estabeleci, a ao que é inquestionavel, como os decretos do Poder legislativo se submettem á sancção do chefa do Executivo na qualidade sómente de parte integrante daquelle poder, segue-se, que se não verifica a objectada dependencia. Disse-se mais: - que os poderes estão mal constituidos; porque nm delles tinha sido ricamente dotado, e o outro estava pobrissimo: - e tambem se disse, que o Throno era um padrastro, que legalmente não podia ser atacado: que se lhe dera uma dotução muito superior, á que se tinha concedido ao Poder legislativo, ou á Nação. - Vejamos se este argumento é exacto. - Se o for, declaro já, que hei de tambem votar contra o projecto nesta parte. Parece-me porém que o não é.

O projecto diz no titulo 6.º do Poder executivo (digo 6.° porque a epygrafe está errada; tem 5.º; mas deve ser 6.°). Diz elle nesse titulo artigo 76 - que o Rei é o chefe do Poder executivo: que B tua authoridade consiste geralmente em fazer executar as leis, expedires decretos, instrucçôes, e regulamentos adquados a esse fim; e prover, na forma da Constituição, á tudo o que for concernente á segurança interna e externa do estado. - Mas tambem no titulo 5.° artigo 21, §. 1° diz: que ás Côrtes pertence fazer leis, interpetra-las, suspende-los, e revoga-las. - Ora se a om se dá o direito da fazer, e a outro o de executar, parece-me, que as prerogativas até aqui não estão desencontradas.

Diz mais no titulo 6.º - que o Rei sancciona, e promulga as leis. - Mas já fica dito, que ellas hão de ser feitas pelas Côrtes. Diz: - que elle convoca extraordinariamente as Côrtes. - Mas estas retinem-se ordinariamente, sem convocação, no primeiro dia de Fevereiro; e tambem algumas vezes extraordinariamente, como se dispõe no artigo 95.

Diz: - que ao Rei toca nomear, e definir os seus ministros: nomear, e suspender magistrados; e prover em fim todos os empregos ecclesiaiticos, civis, militares, e diplomaticos. - Mas ás Côrtes pertence crear, ou supprimir empregos, e estabelecer-lhes ordenados; e sem a sua creação não podem elles ser providos; ou cessam de o ser, decretada a sua suppressão.

Diz mais: que ao Poder executivo compete o conceder Cartas de naturalisação, e de privilegios exclusivos, na conformidade das leis. - Mas estas leis hão de ser feitas pelo Poder legislativo.

Diz mais: que lhe compete conceder titulos, ordens militares, e distincções. - Mas só as Côrtes podem crear essas ordens.

Diz mais: que o Rei declara a guerra, e faz a paz, dando ás Côrtes conta dos motivos, que para isso teve. - Mas a guerra não póde ser feita sem dinheiro; e só as Côrtes o podem dar, votando-o.

Diz mais: que lhe compete dirigir as negociações com as nações estrangeiras; fazer tratados d'alliança defensiva, e quaesquer outros. - Mas no titulo 5.° fica dito, que ao Corpo legislativo pertence approvar esses tratados, antes de serem ractificados; e te este artigo passar, não tornaremos de certo a ter mais tratados como o de 1310; porque não ha de haver representantes da Nação, que para ella queiram tamanha desgraça, e para si tão grande desdouro.

Já se vê pois, que a cada uma das prerogativas, que se concede ao Poder executivo, corresponde outra do Poder legislativo.

Ha porém ainda uma differença: e vem a ser, que todas, ou quasi todas as do executivo, dependem do exercicio das do legislativo, e não podem exercer-se sem estas serem primeiro postas em pratica. Em que está por tanto o Poder executivo mais ricamente dotado?

Responde-se a isto dizendo: - festa mais ricamente dotado, porque elle tem o poder de matar repentinamente o Corpo legislativo, dissolvendo-o no momento em que queira. - E o Poder legislativo (respondo eu) não tem tambem a faculdade de matar rapidamente os agentes do Poder executivo? Tem de certo. Logo que se apresente ás Côrtes um ministerio, que não convenha ao paiz, não tem ellas meios de o fazer cair, ou votando contra qualquer medida que elle proponha, ou significando por orna mensagem ao Throno, que tal ministerio não tam a confiança nacional? Tem de certo. Nem se me diga, que essa faculdade não póde immediatamente ser exercida; porque seja necessaiio esperar pelos seus actos. Por quanto difficilmente serão nomeados ministros homens, cujos precedentes não sejam conhecidos; e como os homens representam os principios, póde logo calcular-se o que elles virão a ser. Em prova d'isto apontarei alguns exemplos. Quando Polignae foi em 1829 nomeado primeiro ministro em França, houve por ventura algum francez liberal, que não ficasse tremendo logo pela perda da liberdade? E de qne proveio aquelle geral receio senão de Polignae ser tido por inimigo declarado do liberalismo?

Quando Lord Wellinglon foi chamado em 1832 para compor um ministerio, não entendeo logo o povo Inglez, que as instituições liberaes iam ficar estagnadas? Entendeo sem duvida, porque bem sabia elle, que Lord Wellington representava o Torysmo; e que era por isso opposto á reforma, e ao progresso da liberdade. E sem esperar actos alguns seus, não significou logo a Camara dos communs ao Rei o seu sentimento pela demissar, de Lord Grey, e não lhe pedio, que elle fosse reintegrado? E não é certo, que o Rei chamou logo a Lord Gray? E' por tanto evidente, que se o poder executivo póde repentinamente matar, ou dissolver o poder legislativo, tambem este póde n'um instante fazer o mesmo aquelle. Não ha por isso motivo para que se assustem os Srs. Deputados com o que estabelece o projecto. Ha todavia ainda a observar: que os ministros assim politicamente mortos, ou dissolvidos, não podem logo ressuscitar; mas o corpo legislativo morto, ou dissolvido, ressuscita lojo no mesmo decreto que o mata, ou dissolve. E' isto o que prescreve o projecto no artigo 74, §. 3.°, que diz: mas o decreto da dissolução mandará necessariamente proceder a novas eleições dentro de 30 dias, e convocará as novas Cortês para se reunirem dentro de 90 dias. Aqui está pois a ressurreição ao lado da morte do poder legislativo: - mas ao lado da morte dos agentes do poder executivo não se vê que haja resurreição alguma; porque os ministros, que por falta de maioria parlamentar forem dimittidos, por certo não podem tornar logo a ser chamados.

Agora pelo que toca á conveniencia do direito de dissolução, bastará notar, que uma Camara póde vir a ser perigosa, ou prejudicial ao Estado, e que não havendo poder para dissolvel-a, forçoso é supportal-a uma legislatura inteira. E n'uma legislatura quantos males não póde ella causar por suas más leis? A Camara, ou os 300 de Mr. Villelle certamente não representavam a França, de quem por longo tempo fizeram a desgraça. E se n'ausencia do corpo legislativo Carlos X mais Bem aconselhado nomeasse outro ministerio, e este lhe propozesse a dissolução daquella Camara, não seria muito conveniente dissolvel-a ? (apoia-

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do, apoiado) Não applaudiria toda a França uma tal medida? Mas sem a prerogativa dá dissolução, podia esta em caso algum levar-se a effeito? (Apoiado, apoiado).

E' pois evidente, que esse poder de dissolver uma Camara não é tão perigoso como se julga, é algumas vezes muito util póde ser. Da sua conveniencia porém fallarei mais largamente, quando se entrar na discussão do projecto na sua especialidade.

Resta responder a outro argumento tambem forte, e corri o qual se tem feito muito estrepito. E' elle o veto. Diz-se, que o poder executivo póde com o veto fazer cair quantas leis o corpo legislativo fizer. Assim será; mas o corpo legislativo póde tambem fazer cair o executivo; porque tem a faculdade de lhe negar os recursos, ou os subsidios, sem os quaes poder algum póde subsistir. E o que é mais, póde mesmo physicamente fazer cair o encarregado do poder executivo; porque o chefe desse poder vive da dotação, que sabe dos subsidios nacionaes. Logo que estes sejam negados, cessa aquella de ser paga: cessam-lhe por conseguinte os meios de subsistir: e eis aqui como á morte das leis póde o corpo legislativo oppor á morte do chefe do poder executivo. Qual será por tanto o veta mais terrivel?

Mas diz-se: que o poder legislativo póde não ter tempo para oppôr o seu veto; porque póde ser dissolvido antes de negar os subsidios. Porém, Srs. não é preciso, que o poder legislativo exerça o seu veto, para se fazer sentir o effeito delle. Basta que senão votem os subsidios, para que o governo já os não possa cobrar, e deixe de ter recursos, com que acudir ás suas precisões. (Apoiado, apoiado) Isto está dito no projecto; e em mais de um artigo. Primeiramente no artigo 12, §. 7.°, que é assim concebido - Nenhum é tambem isempto de contribuir, em proporção dos seus haveres, para as despesas do estado, depois de votadas pelas Côrtes. - Da votação depende pois o pagamento; e se aquella não preceder; já este senão póde erigir. Mais claramente porém é esta regra estabelecida no artigo 141; porque nelle se diz; que todas as contribuições são annualmente estabelecidas, ou confirmadas pelas Côrtes; e se accrescenta - faltando o dito estabelecimento, ou confirmação, cessa a obrigação de pagar. - Vê-se por tanto, que não é preciso o uso do terrivel veto do poder legislativo. Ou a denegação dos subsidios, para o poder executivo ficar em estado de não podem marchar.

Mas eu ainda digo mais: digo, que com este terrivel veto póde o poder legislativo fazer com que o poder executivo não deixe de sancionar lei alguma; porque póde propor a sancção dos decretos vedados como condição indispensavel para se votarem os subsidios. Nem pareça isto producto simples de imaginação desvairada; porque este meio já produzio o indicado effeito fora de Portugal. Em 1308 acconteceo na Inglaterra, que o parlamento votou subsidios ao Rei sob condição de lhe fazer justiça em certos pontos; e o Rei obrigou-se a isso. E todavia a Camara dos communs inda então hão constituia parte essencial do poder legislativo; porque a necessidade do concurso das duas Camaras para fazer, e abrogar leis, só foi reconhecida no tempo de Eduardo 3.º Em 1341 votou o parlamento um subsidio ao Rei debaixo da condição deste sanccionar, como primeiro sanccionou, um bill, pelo qual no 3.° dia de cada sessão do parlamento o Rei se obrigava a reassumir o exercicio dos mais elevados cargos do Estado, e os ministros a irem pessoalmente ouvir as accusações, que se lhe quizessem fazer no parlamento, o qual podia em resultado dellas demitti-los, e substitui-los por outros. E' verdade, que é Rei abolio depois esse bill, adegando que para o sanccionar tinha sido obrigado, ou que a sua sancção fora simulada. Mas o parlamento não se esqueceo deste abuso; e em 1376 accusou os ministros da corôa, com especialidade a Lord Latimer, que foi victima d'accusação, como o disse Mr. Hume. Se pois entre nós se recuzasse a sancção a uma lei de publica utilidade, e o poder legislativo declarasse, que não votava subsidios sem essa lei ser sanccionada, não o seria ella? Poderia o chefe do executivo negarse a isso? como faze-lo? Julgo pois, Sr. Presidente, ter demonstrado, que atéqui não ha desigualdade alguma na dotação dos poderes; porque ao ceio do executivo póde o legislativo oppôr mais forte veto, com que lho inutilize. Ora estes eram os argumentos mais fortes, com que se pertendeu mostrar, que os poderes não estavam igualmente dotados; e se estes, sendo os mais fortes, estão distruidos, parece que dispensado estaria eu da responder aos outros! No emtanto eu quero seguir aquelles que me lembrarem; e agora me occorre um tambem forte, ou em que muito se tem baseado a impugnação. Passo por isso a examinal-o.

Disse-se: que ha ainda uma desigualdade, e que está consiste no modo, porque se organisa o poder legislativo; pois que se estabelece uma segunda Camara, dando-se ao chefe do poder executivo a faculdade de nomear os legisladores. Creio que todo o Congresso sabe, que eu tive o infortunio de não poder neste ponto concordar com a maioria da Commissão; e que por consequencia o meu modo de pensar a este respeito se combina pouco mais ou menos com os principios daquelles Senhores, que por esse motivo tem atacado o projecto. Discordo com tudo assim mesmo daquelles, que pugnam por uma só Camara; porque eu hei de sustentar a necessidade de duas.

Argumentou-se muito contra os artigos transitórios; e nos artigos transitorios ha um pensamento profundamente politico, se por ventura uma segunda Camara organisada, como propõem a respeitavel maioria da Commissão, devesse ser votada. Esse pensamento será provavelmente desenvolvido pela maioria da Commissão, quando se chegar a esse ponto; e eu não quero, nem devo prevenil-a, ou antecipar-me. E' innegavel, que se póde organisar uma segunda Camara, que seja tão nacional como a dos Deputados, e que tenha a mesma origem. Tal é a que apresenta a minoria, no seu parecer; parecer, que até aqui senão tem ainda tido em vista. Porém se será ou não conveniente uma segunda Camara, tambem é questão de especialidade; e então trata-la-hei na discussão especial da maneira que me fôr possivel. Todavia deverei desde já notar, que se uma segunda Camara fosse para um paiz a causa das suai desgraças, nem a Inglaterra, nem os Estados Unidos, podiam ter chegado á prosperidade, em que se acham, e em que excedem a todos os outros paizes; porque tanto na Inglaterra, como nos Estados Unidos ha uma segunda Camara (apoiado). Notarei tambem que as prevenções contra uma segunda Camara provém ordinariamente de se estar acostumado a considerar as organisadas, como o tem sido até aqui. Como tem estado organisadas, não representavam os interesses do paiz, ou do estado, representavam os interesses d'uma classe, ou de um privilegio. Porém nenhum de nós a quer constituir por essa fórma; nem isso era praticavel, porque os privilegios entre nós acabaram felizmente. E nesta parte podemos julgarmos mais adiantados, que a Inglaterra; porque na Inglaterra ainda ha privilegios, ainda ha feridos, senhores, é vassallos. Se pois se prescindir desta prevenção, poderá reconhecer-se, que uma segunda Camara em nada prejudica, se a sua organisação fôr boa, e nacional.

Pertendeo-se contestar que a queda do systema representativo, ou a da Constituição de 23 em Portugal, e na Hespanha, não foi o resultado do estabelecimento d'uma só Camara. Eu conformo-me com essa idéa; porque tambem estou persuadido, que outra foi a causa da queda desse systema, é que uma Camara de modo algum podia resistir a cem mil bayonétas. Mas depois pertendeu-se argumentar contra uma segunda Camara, por ella não ter obstado ao que uma só não ponde obstar, e perguntou-se: - Porque hão conservou o Senado em 1815 a corôa de Napoleão? -

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Ora Bonaparte foi o maior espesinhador da liberdade, não digo só da dos Francezes, mas da de toda a Europa. Por este motivo de certo não devera merecer as simpathias dos homens liberaes. Admiro-o como o maior capitão dos nossos tempos, admiro-o ainda como legislador absoluto; mas não posso deixar de o considerar a respeito da liberdade como o seu maior inimigo, e não poderia por isso ter-lhe affeição, se desaffeição merecessem os mortos.

Se pois o senado fôsse composto de cidadãos constitucionaes verdadeiros, Napoleão mal podia merecer os seus esforços. Mas supponhamos, que era digno delles, e que o senado queria conserva-lo, podia elle consegui-lo? Se uma Camara só não póde resistir a cem mil baionetas, como poderia o senado resistir a muito mais de cem mil inglesas, austriacas, e prusuanas, que depois da batalha do Waterlóo se aproximaram de Pariz?

Sejamos pois justos, e reconheçamos, que nem uma, nem outra Camara é viciosa, porque não resistiu a grandissima força. Diz-se: que a Camara dos Pares em 30 protestou contra a revolução. Mas, Sr. Presidente, isto não é exacto. A Camara dos Pares longe de protestar, adheriu ás emendas feitas na carta franceza pela Camara dos Deputados.

Uma voz: - Não adheriu.

O Orador: - Não adheriu! E por ventura ha alguém, que queira, ou possa demonstrar, que ella não adheriu? Não o attestam todas as historias, e testemunhas presenciaes, que se achavam então em Pariz (apoiado) e que pertencem hoje a este Congresso? E todos os jornaes desse tempo não attestam o facto? E não foi essa Camara assistir á inauguração de Luiz Filippe, quando elle foi proclamado? Por consequencia, de maneira nenhuma se ha de dizer, que a Camara dos Pares de 1830 protestou contra a revolução. O que aconteceu, foi, que muitos dos Pares sairam da Camara; porque a dos Deputados os julgou illegalmente nomeados e mesmo dous delles pediram a sua demissão. Entre tanto já eu disse, como era então a Camara dos Pares; e que uma Camara, como essa tinha sido constituida, não póde hoje estabelecer-se em Portugal.

Outro motivo de prevenção contra a segunda Camara é o de suppor-se, que ella está sempre ligada com o throno contra o povo, e nunca com o povo contra o throno. Desgraçadamente assim tem quasi sempre acontecido; mas isso e defeito da sua organisação. Organise-se uma Camara de modo, que se um ao throno, quando o povo sem justiça conspirar; e que se una com o povo, quando o throno injustamente proceder, ou tambem conspirar (porque tanto podem conspirar os governos, como os governados): e nunca mais se verá essa quasi constante ligação contra a liberdade. Organisa-la por esta fórma não é impossivel; e por tanto esta prevenção tambem nada concludentemente prova.

Tenho (me parece) respondido a todos os argumentos, com que mais fortemente se tem atacado o projecto; e se os mais fortes o não podem destruir, menos destrui-lo podem os mais fracos. Entre tanto responderei ainda a alguns, que apezar de serem secundarios, e de não poderem depois de destruidos aquelles, fazer prova attendivel, nem por isso são indignos de resposta; porque indigno de resposta não julgo eu cousa alguma dita pelos meus illustres collegas, principalmente quando seus argumentos são baseados em mais, ou menos razão.

Disse-se: que o projecto seria infeliz, porque era cópia fiel da Carta de 26, e que a Carta de 26 tinha expirado. Primeiramente direi ao Sr. Deputado, que a Carta de 25 foi cópia fiel da Constituição. Tire-se da Carta de 26 o modo da discussão, que não existia na Constituição de 22; tire-se a prerogativa do veto absoluto, e da dissolução, tire-se o estabelecimento duma segunda Camara, e vêr-se-ha se acaso não contém o mesmo, que a Constituição de 22. Admittido isso pois, e admittido, que o projecto é uma cópia fiel da Carta de 26, admittido estava, que é igualmente cópia fiel da Constituição de 22, com esta differança, que já notei. Mas agora digo eu, que não é cópia fiel da Constituição de 22, nem da Carta de 26, porque está no projecto minta cousa, que não estava nem n'uma, nem n'outra. Algumas razões, ou alguns artigos no projecto provarão o que acabo de expender. Estava por ventura na Carta de 26, que o decreto da dissolução da Camara dos Srs. Deputados, havia de conter necessariamente a convocação dos eleitores dentro em trinta dias, e a reunião do corpo legislativo dentro em tres mezes? Certissimamente não. Estaria por ventura na Carta de 26, que durante a minoridade do Rei, o reino seja governado por uma regência nomeada pelas Côrtes? Certissimamente não. E se este artigo estivesse na Carta de 26, teria por ventura D. Miguel vindo reger Portugal? Estaria na Carta de 26, que a todo o cidadão é licito reunir-se, e associar-se independentemente de qualquer armonisação previa? Estaria na Carta de 26 a declaração, de que os portuguezes não são obrigados a pagar subsidios, quando não forem votados pelas Côrtes? Se estas declarações lá estivessem, teria talvez a Carta sido salva do seu naufragio. E um projecto, que contém artigos desta natureza, póde por ventura considerar-se cópia fiel da Carta de 26? Se pois o projecto não é cópia fiel da Carta de 26, segue-se, que bem póde ella ter sido infeliz, sem que este projecto o seja, ou venha a ser.

Disse-se mais, que era impossivel reunir todos os Portuguezes debaixo d'uma só bandeira, ou dentro da arca da alliança. Concórdo que isso seja impossivel, ou muito difficil, e muito lamento essa impossibilidade, porque eu tambem queria vê-los todos reunidos debaixo d'uma só bandeira, mettidos dentro dessa arca d'alliança. (Apoiado, apoiado.) Mas porque isso seja impossivel, estaremos nós desobrigados de fazer todas as diligencias ao nosso alcance, para se conseguir essa reunião? (applausos) E não poderá isso melhor conseguir-se pelas disposições do projecto, que pela Constituição de 22 tal como se acha? Também pois me parece, Sr. Presidente, que este argumento, ou que estes argumentos não colhem.

Disse-se mais, que o governo representativo tal qual está constituido no projecto, era o peior de todos; e o caso é que se repetio isto por mais de uma vez. E qual é então, como já disse, ou perguntei, o poder representativo bem constituido? Por ventura não tem todos os governos representativos os poderes, que propõem o projecto? Não são elles distribuidos da maneira, porque o projecto os distribua? Não são as differentes attribuicções dadas, a quem dadas deviam ser, ou quem em toda a parte as exerce? Mas, Sr. Presidente, responder a este argumento, é desnecessario; porque se avançou a proposição; mas nenhuma rasão se produzio para prova-la.

Disse-se mais, que quando fie queriam augmentar as prerogativas do throno, se suppunha sempre este no estado normal, e a nação a conspirar. - Porém eu já disse, que não são só os povos, que conspiram: ordinariamente as conspirações dos povos, são filhas das conspirações dos governos; são filhas da tendencia, que todo o governo tem para augmentar as suas prerogativas. Mas já disse tambem, que convinha constituir os poderes do estado de maneira, que nem o governo, nem o povo podesse conspirar, se não quando fosse absolutamente indispensavel. Para que isto aconteça, é forçoso interessa-los igualmente; e igualmente os interessa o projecto, como já demonstrei. Já se vê pois, que não é para augmentar ás prerogativas do throno, nem para diminuir as da nação, (porque no estado de collisão, eu votaria mais pelas da nação, que pelas do throno) que elle se concertou tal, qual está exarado.

Disse-se, que no projecto havia algumas faltas, sendo uma das apontadas, a do tribunal de contas. - Este tribunal é sem duvida indispensável n'um estado bem constituido; mas a Commissão obrigada a trabalhar com tanta ra-

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pidez, como o Congresso sabe; obrigada a trabalhar de noute, porque de dia comparecia nas sessões de Côrtes, instada continuamente pelo projecto, não podia prover tudo. Ou de tudo lembrar-se. Estava o mesmo projecto já concluido, quando essa lembrança lhe occorreu, mas na discussão especial poderá ainda sanar-se esta falta, supposto que nunca ficam prejudicada a existencia desse tribunal, que aliás póde estabelecer-se por uma lei regulamentar.

Mais se disse que poder judicial, segundo o projecto, estava, defeituoso, porque lhe faltava um chefe, e julgou-se indispensavel o restabelecimento do chanceller-mór. - Não sei que o restabelecimento de um chanceller-mór, (quando se demonstre indispensavel) devesse ser determinado na Constituição; porque, se na Constituição se houvessem de enunciar quantos empregos são necessarios no estado, quantas paginas seriam necessarias para os exarar? Se porém isso é defeito, poder-se-ha tambem emendar na discussão particular.

Mais se disse que o titulo 1.° do projecto devia ser eliminado, porque continha a discripção do territorio portuguez, incluindo terras........das quaes, algumas já nos não pertencem. - Creio, que a Commissão não terá duvida alguma era convir com o illustre Deputado ella não julgou, que a discripção das terras fôsse um artigo constitucional, mas estabeleceu o artigo, ou como uma especie d'introducção para as outras materias, ou pelo desejo de conservar o que na Constituição, e na Carta se achava a este respeito.

Disse-se, que tambem se poderia eliminar o artigo, em que se propõe a factura dos codigos, porque é regulamentar - Igualmente creio, que a Commissão não terá duvida em convir nisso, e, se bem me lembra, esteve até para o não incluir no projecto.

Disse-se, que se devia eliminar o art. 50 (é aquelle, em que á Camara dos Senadores se conferem attribuições de justiça). - A esse respeito podem as minhas opiniões combinar-se, e se combinam com as do illustre Deputado, por que essa mesma opinião expendi na Commissão: quando entrarmos na discussão especial do projecto, poderemos pugnar pela eliminação deste artigo, e muito me lisonjea de ter mais um illustre Deputado, que com seus bem conhecidos talentos me póde coadjuvar na empreza da mencionada eliminação. Preciso e porém fazer justiça á Commissão, que a este respeito não se mostrou muito adversa. Uma das duas rasões dadas para a eliminação do artigo é, que a sua disposição provinha do feudalismo, e eu com ella me conformo.

Disse-se, que constituições, como apresenta o projecto, tem sido ensaiadas em todos os paizes; que apesar disso em todos continua a desgraça e conclue-se que, ou se não tinha dado com a causa do mal, ou se lhe não sabia applicar o remedio. - Convenho, que n'alguns paizes, que mais soffrem, se não tenha descoberto a origem do mal, mas outros ha, em que os bens sommam muito mais, que as desgraças. Para mim é porem indubitavel, que uma fórma de governo, como o projecto propõe, em parte alguma é a causa efficiente dos males, assim como é certo, que nem a tudo se póde dar remedio.

Finalmente disse um illustre Deputado, (o ultimo que fallou) que no projecto havia tambem outro artigo, que não devia passar, - o da elegibilidade dos Ministros. - Confesso, que no momento em que se discutiu o mesmo projecto na Commissão, ainda eu não Unha a minha opinião fortemente formada a este respeito. Ate ha cinco mezes, pouco mais ou menos, estava eu fortemente convencido de que deviam ter elegiveis, desde essa epoca comecei a vacilar, esta minha vacilação não tinha cessado, quando esse ponto se questinou na Commissão, mas hoje estou muito inclinado a convir, que os ministros não devem ser elegiveis. Em falta de outras rasões, apresentarei a de que, em quanto o corpo legislativo está reunido, falta o ministro a dar audiencia ás partes; e como eu não quero, que as parles soffram, para que os ministros sejam Deputados, por isso estou contra a sua elegibilidade. Apresento esta rasão, não como a mau plausivel, mas como aquella, que junta a outras contributo para decidir a minha opinião a tal respeito.

Tenho por este modo, a meu ver, respondido ás principaes objecções apresentadas contra o projecto, e já, pela combinação de alguns de seus artigos, demonstrei, que é muito melhor, do que a Carta de 26. Convirá ainda demonstrar, que é tambem preferivel á Constituirão de 1822, essa demonstração será muito succinta. Ella está no titulo 3.º do mesmo projecto.

Uma das partes mais essenciaes em uma Constituição, parte sem a qual toda a Constituição será defeituosa, é a declaração de todos os direitos, e garantias individuaes do cidadão. Esses direitos, e garantias existem, embora não sejam declarados; mas sem a declaração não podem os cidadãos legalmente pugnar pelo respeito desses direitos, e garantias. E eis-aqui como tal declaração se torna absolutamente indispensavel. Ora a Constituição de 1822, era de certo muitissimo falha nesse artigo, porque as garantias, que nella se declaravam para os cidadãos portuguezes, eram muitissimo inferiores ás que se lhes não podem deixar de reconhecer. Muitas mais porem se declaram no titulo 3.° do projecto. E' facil chegar a esta conclusão faça se a comparação do que na Constituição, e no dito projecto se acha a este respeito; e vêr-se-ha, que o projecto, neste ponto essencialissimo, é muito mais rico, do que a Constituição, e por tanto a ella preferivel.

Concluo finalmente, que se os argumentos, pelos quaes se pertendeu demonstrar, que o projecto era contrario aos principios, que a nação ultimamente proclamara, são argumentos, que peccam na materia, e na forma, alem de serem totalmente destruidos pelo que em nossas procurações está determinado, se estão respondidos os argumentos, com que se pertendeu provar, que pelo projecto o throno ficada mais ricamente dotado, do que a nação, assim como aquelles, de que se queria deduzir, que o mesmo projecto era inferior á Constituição, e a Carta se todos os argumentos em contrario, digo, ficam respondidos, e rejeitados, parece-me poder inferir, que o projecto da Commissão é, se não o que mais convinha, ao menos o que mais aproximadamente convém, que póde por isso merecer as honras da approvação na generalidade; e eu por tanto na sua generalidade o approvo.

O Sr. M. A. de Vasconcellos: - A final, Sr. Presidente, depois de tres dias de longa discussão tive a palavra, para fallar em uma materia que se acha esgostada. Um illustre Deputado, que entrou n'esta discussão, despontou uma allegoria, que me fez excitar outra: disse elle que os trabalhos deste Congresso tinham chegado á angustia. Esta expressão fez-me lembrar a situação, em que nos achamos os poucos impugnadores do projecto. Estamos de guarda á Grecia junto ao passo de Thermopilas. Parece me que estou vendo o exercito de Xerxes, que alguem eleva a tres milhões de combatentes, arrojando nuvens de dardos sobre quatro mil lacedemonimos. Mas se é dado a um ser, tão pequenino como eu, apropriar se expressões de tão grande homem como Leonidas, visto que de certo me faltará o vencimento, ficarei com a vangloria da ousadia direi, como elle disse a quem, para o persuadir a abandonar o passo, e ameaçou, que Xerxes lhe faria chover em cima tão grossa nuvem de dardos, que lhe escureceria o sol: tanto melhor, combaterei á sombra. Assim me ha de acontecer nesta questão. Muitas vezes me tem pertencido votar na minoria, o que para mim tem sido uma felicidade. Quando a minha convicção está em divergencia com a maioria do Congresso (maioria, que sempre respeito), fico tranquillo depois da votação por este motivo unico se não ajudei a fazer o bem, que dahi vier, o meu voto não fez de certo mal ao meu paiz. (Apoiado.)

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Muito se tem dito pró e contra o projecto eis questão. Eu não tratarei de bater argumentos; porque o vou atacar por um lado novo, lado que importa o coração, e a vida do projecto: nada tenho que lhe curem as feridas que tem recebida, se a que lhe fizer for mortal. Com tudo vejo-me precisado a tentar uma pequena digressão, tocando, ainda que de leve, algumas asserções que foram avançadas neste Congresso, como ante-mural, e a favor do qual se queria combater; para que esse ante-mural nos não faça estorvo, não só nesta questão, mas ainda para o futuro, á liberdade portugueza.

Tem-se exaggerado muito neste Congresso os horrores, as perseguições devidas aos excessos das pertenções do elemento democratico. Confesso, Sr. Presidente, que muito horrorosos tem sido esses excessos; mas se eu os comparar aos que tem havido pelos excessos das pertenções de todos os outros elementos sociaes, talvez que os primeiros não sejam os mais horrorosos. Eu os reputo como uma gota, uma lagrima no meio do Oceano em comparação dos outros. E quando disto se duvidasse, pediria aos illustres Deputados, que dessa arma se tem servido, recorram a historia, e façam o paralello. Vejam quantos homens, quantas fortunas se destruiram pelas pertenções excessivas do elemento theocratico: recorram a essas guerras das cruzadas, recorram a essas guerras de religião, e verão que sómente d'ellas (se me não engano) a mais de quinze milhões de individuos se seguiu a morte. A aristocracia tem feito pelo seu lado, quanto tem podido para ajudar a destruir a especie humana, e de regicidios me pouparão que falle. O elemento monarchico tambem tem entrado na destruição com um bom contingente. Quantas guerras, quantas conquistas se não tem feito pelas suas ambições? Se hoje podessem resuscitar esses miseraveis pacificos habitantes da America, sacrificados ao furor de Cortez! mesmo só os que elle immolou nas ilhas do golfão do Mexico, veriamos aqui levantarem-se mais de trezentos mil, pedindo vingança aos Ceos contra os excessos das preterições do elemento monarchico. Mas em fim é forçoso lançar um véo sobre os horrores que fluem destes paralellos: eu conheço que elles não devem ser levados á evidencia neste Congresso. Um pouco mais de nada posso eu em literatura; mas com esse pouco mais de nada (permitta-se me a ousadia) me offereço para sustentar aquelles paralellos, contra quem quizer apresentar pela parte contraria os excessos do elemento democratico; e seja me permittido mais estoutro arrojo: ficarei tendo por districto das minhas investigações unicamente a historia de qualquer paiz da Europa, que se me assigne, deixando para os meus contrarios a historia do resto da Europa inteira.

Grandes tem sido os serviços que á realeza tem prestado todos os elementos sociaes; mas nenhuns como o elemento democratico. Aqui, Sr. Presidente, torno a ter outro arrojo, comprometto-me a sustentar o paralello, se houver quem queira impugnar o que eu digo (mas fóra desta casa); tambem escolherei para campo das minhas investigações um unico paiz, e com muita complacencia, e com muito orgulho o nomeio, escolherei sómente o territorio portuguez. N'este paiz tem o elemento democratico feito ainda maiores serviços do que se podiam esperar de entes, não digo já mortaes, mas de entes sobre naturaes, ou dotados de forças mais que humanas, ao elemento monarchico, e continuará a prestar ainda; mas com a differença, Sr. Presidente, que hoje não adoramos os nossos monarchas, ou não estamos dispostos a adora-los, estamos dispostos a coadjuva-los para o grande fim da felicidade publica; hoje não lhe juramos preito e menagem; mas juramos- lhes obediencia, como chefes da nação, e tributamos lhes respeito e amor; um respeito, e amor muito mais bem fundado, porque é filho dos movimentos d'alma, e das simpathias do coração, e não do terror, que a prepotencia excita.

Em vista desta exposição, Sr. Presidente, parece-me que não posso ser taxado (porque não costumo dizer nunca se não o que sinto) de ser inimigo do elemento monarchico: sou verdadeiramente seu amigo; mas em quanto elle fôr um principio de ordem, e de felicidade publica. Se algum dia elle se tornasse o inimigo das liberdades publicas, seria eu um inimigo implacavel contra elle; mas não vejo esse risco. Sr. Presidente, os monarchas de hoje são esclarecidos; os habitos, e os costumes deste seculo tem levado os monarchas de hoje á convicção, de que elles tão tanto maiores, mais poderosos, e mais felizes, quanto a nação, que elles governam, é mais feliz, e mais poderosa. Antigamente não era assim: avaliava-se a grandesa d'um monarcha pela fraquesa, e pela miseria da nação sobre que imperava. Este milagre, esta mudança d'idéas, só ao sistema constitucional se podia dever. Mas estando eu, convencido d'estes principios, estou tambem convencido de que é preciso, que nós não colloquemos no nosso pacto fundamental a elemento monarchico de uma maneira, que possa vir a ser prejudicial á nação; não porque esse elemento hoje o possa ser; mas por que ruins Ministros pódem abusar do seu nome, e da sua influencia, para fazer mal ao povo, e ao mesmo elemento monarchico. Já hoje não se póde soffrer com a resignação de escravos, com a paciencia, e a humiliação, com que antigamente se soffriam os males, que nos advem d'aquelles, que nos governam; por consequencia entendo eu, que temos de constituir os differentes poderes politicos do estado de uma maneira a mais proveitosa ao mesmo estado, e para elles, mesmos; porque nenhuma dessas entidades se crearam, nem existem para nenhum outro proveito, que não seja o da nação. De que serviria a um rei dota-lo excessivamente de attribuições, e de regalias? Para elle não lhe servia de proveito, nem de honra, nem de gloria; porque ser o unico homem privilegiado em uma nação, ser um ente irresponsável, é ter o governo d'ella; parece-me que deve preencher todas as ambições humanas: dar-lhe attribuições, de que podessem abusar os que em seu nome governam, e mandam, bem longe de ser isso um presente ao monarcha, seria um dom funesto, seria o principio do seu descredito, e da sua ruina.

A observação mostra, que dous meios ha de constituir um povo, ou partindo do elemento monarchico para o elemento popular, ou partindo do elemento popular para o elemento monarchico; isto é, ou fazendo o rei a lei constitutiva do Citado, e apresentando-a ao assentimento do povo; ou fazendo-a o povo por meio dos seus representantes, e apresentando-a ao assentimento do monarcha. Destes dous modos de constituir um povo, fluem necessariamente duas verdades; que aquella Constituição, que tiver a sua origem no poder real e a ter o seu assenso na vontade nacional, ha de ter um principio predominante, e será este principio o elemento monarchico. Se ella tiver a sua origem nos representantes da nação, e fôr depois acceita pelo monarcha, ha de ter outro principio predominante, que será o principio popular.

Eu, Sr. Presidente, preciso fazer aqui uma breve exposição, da maneira porque entendo a expressão de que me acabo de servir.

Esta expressão tem contra si grandes preconceitos, e bastantemente desvantajosos; mas eu não a uso no sentido, em que ella se tomava, quando as nações se achavam constituidas por classes; entre ellas a palavra poço exprimia o que entre nós exprime o termo plebe; que entre algumas, mesmo republicanas, era escrava. A tanto póde chegar a miseria de uns, e a prepotencia de outros! Entre ellas o povo estava absolutamente espesinhado pelo elemento monarchico, muitas vezes só, outras colligado com o elemento theocratico. A porção do povo, que nós hoje chamâmos plebe, era, mesmo na Grecia republicana, escrava, e os infelizes que a compunham eram olhados como animaes de serviço. Eram seus senhores os nobres, os sacerdotes; e em algumas dessas monstruosas republicas, onde se chamava aos presidentes reis,

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elles eram os que tinham menos podêr; entre algumas apenas commandavam os exercitos. Ora quando eu digo elemento popular, entendo o elemento nacional; aquelle elemento da classe media, reunido a todas as classes, esse elemento que segundo um grande escriptor francez (Mr. Guisót) no progresso da civilisação, ha de vir a absorver todos os outros elementos: Eis-aqui o meu elemento popular, é esse grande movel civilisador, que vai conquistando todos os outros; elles hão de desapparecer na presença de seu irresistivel desenvolvimento: para mim elemento popular, é o mesmo que massa nacional; aqui é que está é verdadeiro povo, isto é, o complexo dos cidadãos que entendem; os homens, que teem vontade proprias os homens, que teem interesses no paiz; os que nelle exercem industria honesta; os que teem uma propriedade; ou em fim, que por qualquer laço; que os prenda á patria, dão garantias de amor por ella. Não quero entender aquelles de meus concidadãos, que bem, que muito os ame, porque são meus similhantes, e porque concorrem para o bem publico, lhe faltam com tudo, os primeiros rudimentos sociaes, e que por isso não podem muitas vezes saber o que querem, nem absolutamente conhecer os laços que lhe urdem, para com sua propria mão esmagar a liberdade. Temos em questão, não um projecto de constituição dada por um monarcha para ser acceita pelo povo; mas sim o de uma, dada pelo povo, por via dos seus representantes para ser acceita pelo monarcha. Nesta Constituição entendo eu, que deve predominar o elemento do povo, isto é, a influencia da massa nacional; porque assim é que eu entendo, que se preenche o programma da soberania nacional. Ora para ser conservado ileso este dogma politico, é de absoluta necessidade; que a vontade do maior numero seja quem presida, não só á- formação da lei primordial, mas tambem á dos leis secundarias, se não quizermos, que a soberania da Nação pereça pela confecção da lei fundamental. Claro é, que nosso pacto social deve ser organisado de maneira, que na formação das leis tenha a primeira e unica influencia a vontade nacional: o projecto em questão não preenche estes fins, porque temos nelle o podêr legislativo composto de trez ramos; quero dizer, de um que representa a massa nacional, e de outros dois, que se representam um ao outro. A segunda, Camara, ou o senado, nomeado livremente pelo Rei, e vitalicio, não póde de maneira nenhuma demonstrar-se que seja representante da vontade da maioria da Nação, mas da sua vontade particular, ou daquella de quem o nomeou; eu me explico, e dou a rasão porque assim o conjecturo.

Armado o Throno do direito de agraciar, de investir em nobresa, de repartir os empregos da Nação, de mandar fazer os pagamentos, e de dispor da força publica, torna-se tão poderoso, que talvez se precise ser um heroe para resistir ás suggestões do podêr; e esperar a nossa salvação d'heroes, Sr. Presidente, é esperar por uma cousa que não podemos tem se não muito tarde, é mui poucas vezes. Uma segunda Camara vitalicia póde dizer-se... eu posso fallar agora com toda a franquesa; porque ainda não ha individuos, que olhem o que eu disser como ataque pessoal; porque ella ainda não existe, mas póde dizer-se que é uma Camara absolutamente dependente da vontade do Governo. (Apoiado.) Não só por principio de gratidão, mas mesmo de esperanças de interesses futuros. Dor principio de gratidão, porque eu não julgo que o Governo escolherá homens dotados de uma alma tão mal formada, que não lhe sejam gratos depois, por um tão grande beneficio. Por principio de interesses futuros, porque ainda não conheci pai algum que não desejas, se transmittir o bem, que possuia, aos seus filhos; e se os homens não trabalhassem para esse fim, mui cedo acabaria a sociedade: um cidadão, que tiver a felicidade de entrar na graça do seu monarcha, e que obtiver delle uma nomeação de senador vitalicio, tendo filhos ha de querer tambem que elles participem da mesma graça (apoiado, apoiado) depois da sua morte; por consequencia temos os candidatos senatorios na precisa obrigação, digo, precisão (porque os nossos desejos são tambem uma necessidade que precisamos satisfazer) de servirem o Governo, para obterem delle, a sua nomeação, e depois de nomeados: tem precisão de o servirem, para obter a nomeação do filho; e aqui temos estabelecido um feudo perpetuo de vontades. Ora, uma Camara constituida por esta maneira, parece me que bem longe de fazer conservar um ramo do podêr legislativo, que possa servir de equilibrio entre as dissenções do Throno, e as da Camara dos representantes da Nação, vai justamente estabelecer um apoio nato, e exclusivo, das pertenções do Governo; porque lá é que ella tem a dependencia; e para lá gravita pela similhança da naturesa. Ora não desempenhando o projecto da Commissão a condição essencial, que e eu reconheço necessaria em todas as Constituições, que são propostas pelo povo, por via de seus representantes, ao assenso do monarca, parece-me que bem provado fica; que o parecer dá Commissão não preenche o fim para que a Nação nos mandou aqui. (Apoiado.)

O facto da nossa reunião para constituir o povo portuguez, prova altamente que a nação deliberou constituir se por si, e não receber uma Constituição. Deste facto segue-se, que se ella quiz ser legisladora no mais, o ha de querer ser no menos (fallo da ordem chronologica); porque eu não considero de menor entidade muitas das leis secundarias; entendo eu que a nação que nos mandou aqui para fazer a sua primeira lei, quer que todas as leis, sejam feitas pelos seus representantes; por: consequencia, ella quer que seja o principio dominante em sua Constituição a vontade nacional, e não a da realeza; essa lá terá no ramo executivo ás suas regalias, que lhe serão sufficientemente proveitosas, é honorificas para o chefe supremo do executivo.

Tem-se dito, Sr. Presidente, (e muito bom seria) que o nosso codigo fundamental, deve ser uma arca de alliança para todos os partidos. (Apoiado.) Eu digo mais: e desejaria que ella o fôsse até para todos os individuos. (Apoiado.) Mas será, esse um desejo possivel de realisar-se? Poderão estes partidos vir á concordancia e á armonia,, em quanto dura a efervescencia delles? Se entrarem nessa arca, em quanto lhe arde o desejo, de vingança, não lhe buscarão cavar a ruinas, não ficam mais habilitados para o conseguir?

Agora Sr. Presidente, peço licença ao Congresso para apresentar um simile, que muitas vezes um simile; faz entrar pelos olhos, verdades, que não poderão entrar pelo intendimento.

Quando os Romanos, queriam castigar o parricidio, e vice-versa, usavam de uma machina muito celebre: arranjavam dentro de um couro de boi cozido, um cão, um gato, um macaco, uma cabra, e um galo, e depois de fazerem soffrer ao réo um forte chibatamemo, o metiam dentro do tal odre com esta boa companhia e deitavam-no ao mar, ou ao rio; e que acontecia depois? Tal era a desordem entre estes animaes, que depois de se despedaçarem, acabavam por despedaçar o odre, e afogavam-se todos: quando em estado de separação, cá fóra podia o padecente mesmo conviver sem perigo com aquelles animaes, se uzasse de prudencia para lhe contêr os furores; e até familiarisarem-se uns com outros.

Odios civis, Sr. Presidente, só o tempo e a prudencia os cura, hão é isso obra que se faça de improviso; e contrarios em poder; são juizes certos e inexoraveis. Não sou intolerante, e nunca o fui; mas devo ser prudente, devo pugnar pela estabelidade da obra, que a nação nos incumbio. A unica arca de alliança, que póde haver é estabelecer-se um unico corpo legislativo. (Apoiado) Uma boa lei de eleições, que prevenindo abusos admitta á uma todos os partidos, por que alli é que elles hão de ser representados promiscua, e equilibradamente; e então ha de apparecer a maioria da vontade nacional; e então não se ha de brigar dentro da ar-g

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ca, ha de trabalhar-se para o bem publico; e assim havemos nós vêr constituida esta pobre nação, de maneira, que ella mesma se contente, e que deffenda a nossa obra. Lute-se embora junto a urna, porque á urna eleitoral vão papeis, entre papeis, a luta morre ao contar os votos. Entre duas Camaras excitam se odios encarniçados; depois vem as desavenças politicas, que vão affectar toda a sociedade, e as leis, que forem feitas no meio dessas intrigas, hão de por força produzir na sua execução terriveis effeitos, porque não são filhas de uma maioria lá de fóra, sem duvida parecerá isto um paradoxo, mas quem reflectir o quanto e facil vencer o poder, arranjando um voto popular, sempre que houver Commissão mixta, decerto convirá comigo.

Muito se tem dito, Sr. Presidente, relativamente aos differentes artigos do projecto da Commissão, eu reservo-me para em lugar opportuno, expender as minhas idéas sobre cada um destes pontos, por ora limito-me a concluir, regeitando o parecer da Commissão, pelo principio delle não desempenhar o fim da nossa missão, porque não é um projecto que nos assegure a marcha legislam a da nação para o throno; mas pelo contrario estabelece para o futuro, a marcha legislativa do throno para a nação, o que é contrario ao principio da soberania nacional.

O Sr. Costa Cabral - Ante de V. Exa. dar a ordem do dia para ámanhã, permitta me que eu diga, que se acha sobre a meza um parecer da Commissão de redacção do Diario, sobre a impressão das Sessões das Côrtes; e sendo isto importante, eu pediria a V. Exa. que, senão tem tenção de alterar ámanhã a ordem dos trabalhos; ao menos antes do Congresso se dividir em Commissões, tivesse-mos uma hora para tratar daquelle parecer.

O Sr. José Estevão: - Eu não tenho senão a accrescentar, que é necessario de uma vez decidir este negocio, para que tenhamos um papel, em que as nossas discussões saíam impressas, e livres do monopolio interesseiro dos escriptores, dos differentes partidos. Quando aqui se tratou das leis da dictadura, manifestei eu aqui a minha opinião sobre a conveniencia de as deixar em vigor, sem dizer uma só palavra sobre a questão, que tambem se ventilava do direito, com que os Ministros as tinham feito, e então em um periodico da capital escreveu-se, que eu tinha dito que lastimava, que o Ministerio não tivesse feito mais leis. Por pouco amigo que eu fôsse do meu paiz, não lhe rogaria esta praga. Assim como é o isto, é do mais, como e comigo, é com os meus colegas. E' preciso, que nos salvemos da tyrannia da imprensa dos partidos. O parecer está na meza, entendo que se deve discutir, e tratar-se deste negocio, aliás o que aqui se diz, será sempre transtornado.

O Sr. Barão da Ribeira de Sabrosa: - Sr. Presidente, eu espero que V. Exca. admitta a Commissão de vinhos a lêr a ultima redação dos additamentos, que se fizeram ao projecto, aliás ficam inúteis todos os trabalhos do Congresso espero que V. Exca. nos fará a justiça de nos ouvir, porque cada dia que se perde neste negocio, é um mal gravissimo.

O Sr. Presidente - A ordem do dia de ámanhã não está na minha mão o altera-la; porque existe uma resolução do Congresso que a fixa, e que eu não posso desfazer. Agora, se me é licito dizer a minha opinião, direi, que eu tencionava fazer seguir esta discussão na generalidade, sem lhe metter alguma cousa de permeio, e então ámanhã não haveria Commissões, se o Congresso concordasse nisto (Apoiados.) Agora pode-se combinar a maneira de discutir ámanhã aquelle parecer, que pedem os Srs. Costa Cabral, e José Estevão, antes da ordem do dia. Quanto a outros objectos, era que se tem fallado, aquelle projecto de vinhos é muito importante, é perciso tratar delle quanto antes; mas existem outros muito importantes, de que é preciso tratar tambem; tal é, por exemplo, o parecer da Commissão de commercio a respeito da empresa da navegação do Tejo, e Sado por vapôr. Eu tenho tido uns poucos de requerimentos a pedir, que se dê isto para ordem do dia; e eu entendo que em um paiz como o nosso, em que é perciso proteger, e animar todas estas emprezas, o credito mesmo do Governo Constitucional exige, que se discuta com brevidade, por tanto a minha tenção era acabar o parecer de Constituição na sua generalidade, depois, em quanto não chegasse o tempo de o discutir em especial, metter nomeio estes objectos, que reputo importantes, e depois interpolar a discussão especial com o orçamento, não sei se o Congresso estará satisfeito com esta ordem de trabalhos (Apoiado, apoiado.) Eu vou propôr ao Congresso.

O Sr. Barão da Ribeira de Sabrosa. - Ora ha tres mezes que nos remediamos com este diario, e então creio que nos podemos remediar mais dous dias, porque este objecto não é mais urgente, do que o outro dos vinhos.

O Sr. Almeida Garrett: - Pedia a V. Exca. que propozesse ao Congresso, se em quanto se não discutem estes projectos de lei, que pelo Congresso foram considerados urgentissimos, consente que a hora da conversa anterior a ordem do dia, seja reservada para depois.

O Sr. Presidente: - Alguns Srs. Deputados lembraram-se de querer deixar a mesa a designação dos trabalhos do Congresso, presente que eu não desejo de fórma alguma, e que de bom grado renunciarei, porque quero a menor responsabilidade, mas sendo isto, eu lembrei-me primeiro de principiar as sessões na fórma do Regimento, que é leitura da acta, correspondencia, e ordem do dia, e no fim da ordem do dia se tratasse de tudo mais.

O Sr. Almeida Garrett: - Mudo a minha proposição para a de observancia rigorosa do regimento.

O Sr. Costa Cabral: - Como se faz opposição ao meu requerimento, eu cedo d'elle para evitar mais discussão.

O Sr José Estevão: - Eu desejo muito que se altere a ordem do dia para continuar a discussão da Constituição, e por tanto voto que não haja Commissões ámanhã; mas entendo tambem que no tempo, que se costuma gastar com as segundas leituras, se deve discutir o parecer da Commissão de redacção, pedido pelo Sr. Costa Cabral.

Propoz o Sr. Presidente, se se devia alterar a ordem do dia, e assim se venceu, e deu para a de ámanhã a continuação do projecto de Constituição, e cabendo no tempo antes da uma hora da tarde, a discussão sobre a redação do projecto de lei n° 23 da Commissão dos vinhos, e bem assim a discussão do parecer n.º 31 da Commissão inspectora da publicação das sessões das Côrtes; e levantou a sessão. Eram quatro horas e um quarto da tarde.

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