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SESSÃO DE 28 D'ABRIL.

(Presidencia do Sr. Dias d'Oliveira.)

ABRIU-SE a sessão às onze horas e meia da manhã, estando presentes cento e cinco Srs. Deputados.

Leu-se a acta da sessão antecedente, e sobre ella pedio a palavra.

O Sr. Leonel: - Pareceu-me na redacção da acta que, na fórma de uma proposta minha, o que existia no artigo 3.°, se fazia extensivo a todos os portos do reino; faz-me favor de dizer, o Sr. secretario, se são essas as palavras, que lá estão.

O Sr. Rebello de Carvalho: - A respeito de fiscalisação decidio-se, que ficasse para o fim da lei: o Sr. Deputado não a propoz por escripto; mas a sua proposta deu logar á resolução que se tomou, de que se transferisse o disposto no art. 3.º para o fim da lei.

O Sr. Leonel: - Eu não pedi que se fizesse extensiva a todos os portos do reino; porque as disposições dessa lei não são applicaveis a todos os portos do reino; pedi, que as disposições regulamentares de fianças, hypothecas, &c. que se estabeleceram no art. 3.°, se fizesse extensiva a todos os artigos do projecto: com isto não censuro ninguem; porque conheço, que não é conveniente fazer requerimentos verbaes.

O Sr. Rebello de Carvalho: - Eu redigi a acta conforme á votação do Congresso, para que se transferissem para o fim de lei todas as disposições do art. 3.°, fazendo-as extensivas a todos os portos de Portugal. O Sr. Deputado não propoz isso; mas foi a sua proposta, que deu logar a esta resolução.

O Sr. Leonel: - Eu não podia pedir que se applicasse a todos os portos de Portugal; porque pela maior parte o disposto nesta lei não tem applicação alguma. Trata-se sómente dos portos de Lisboa, e Porto: eu não quero com isto fazer a mais leve censura ao Sr. Deputado, em caso algum lha faria; por quanto conheço a dificuldade, que ha em redigir uma acta; muito mais quando nella se tratam objectos tão variados: se ha culpa, é minha em não mandar o requerimento por escripto....

O Sr. Rebello de Carvalho: - Se se tirarem estas palavras - portos do reino - ficará redigida a acta em conformidade com o que o Sr. Deputado quer. Quanto às fianças, já o Congresso tinha decidido, que se consignasse esta idéa; e pelo que pertence á fiscalisação, tiradas aquellas palavras; fica a acta desta fórma. (Leu.)

O Sr. Leonel: - Perdoe-me o Sr. Deputado: o que aconteceu, foi pouco mais ou menos isto. Havia no artigo 3.° uma resolução respeito a fianças; depois em outro artigo da lei, reconheceu-se a necessidade de fianças; disse o Sr. Presidente - pois póde fazer-se uma referencia a fianças; eu então propuz, que se não fizesse, em especial, referencia a nada; e que no fim da lei se colocasse a materia do artigo 3.º, com relação a todas as disposições da mesma.

O Sr. Presidente: - O sentido da proposição foi esse: agora o Sr. secretario redigiu a acta; porque eu tomei uns pequenos apontamentos, como membro da Commissão de redacção, para depois redigir esse artigo, de maneira que todos o entendessem, servi-me da expressão portos: o sentido desta palavra entendi-o eu muito bem: não ha duvida em alterar nessa parte a acta.

Não havendo mais quem pedisse a palavra, o Sr. Presidente propoz a approvação da acta com a alteração pedida pelo Sr. Leonel, e foi approvada.

O S. Secretario Vellozo da Cruz, leu a seguinte declaração de voto:

Declaro que, na sessão de hontem, fui de voto que senão tratasse do projecto emendado, relativo aos vinhos, agoas-ardentes &c., senão depois delle haver sido impresso, ou ter estado sobre a meza, o tempo necessario, para ser examinado pelos membros do Congresso. Sala das Côrtes em 28 de Abril de 1837. - O Deputado por Coimbra, Antonio Joaquim Barjona, Alberto Carlos Cerqueira de Faria Braamcamp, Costa Cabral, M. A. de Vasconcellos, João Alberto Pereira de Azevedo.

Mencionou-se a seguinte correspondencia:

1.º Um officio do Ministerio da guerra, acompanhando, em cumprimento do officio de 26 do corrente, uma collecção das ordens do Exercito, que se tem publicado desde o dia 10 de Setembro do anno proximo preterito, até 27 do corrente, e partecipando que d'ora em diante, será enviado á Commissão de guerra um exemplar das ditas ordens, que forem sabindo.

Foi remettido á Commissão de guerra.

2.º Outro do mesmo Ministerio, transmittindo esclarecimentos sobre o corneta de chaves Henrique Ribeiro, exigidos por indicação do Sr. Deputado M. A. de Vasconcellos.

Foi mandado para a Secretaria.

3.º Um officio de José Izidoro Guedes, Secretario da associação commercial do Porto, acompanhando uma representação da mesma associação, em que reclama contra a imposição, que naquella cidade se cobra com a denominação de subsidio militar.

Foi remettido á Commissão de fazenda.

4.° Uma representação da Junta de parochia, e mais moradores da freguezia de Mareco, no circulo de Penalva do Castello, sobre divisão do territorio.

Foi remettido á Commissão de estatistica.

Teve segunda leitura o seguinte requerimento;

Requeiro que se peça ao Governo, pela repartição competente, uma relação nominal de todos os individuos, que tem recebido indemnisações em conformidade do disposto no art. 7.° do decreto de 30 de Julho de 1832, e bem assim das pessoas que foram indemnisadas na conformidade do art. 10.º do mesmo decreto, com a declaração das quantias recebidas por cada um dos individuos. - Rodrigo Joaquim de Menezes.

O Sr. R. J. de Menezes: - Neste requerimento não faço mais senão pedir esclarecimentos; não invado nenhum dos poderes, e por conseguinte o Congresso não terá duvida em deixar passar o requerimento. Por esta occasião declaro, que em pedir remedio para os males, que sofre o clero; eu não sou movido pelo interesse particular: não tenho nada a pedir dessas indemnisações concedidas, aos que tinham direitos adquiridos ao tempo da publicação do decreto de 30 de Julho de 1833, nem tão pouco a receber nas congruas, que para o futuro se lhe destinarem, por conseguinte não é o interesse pessoal, que me obriga a fazer este, e outros requerimentos; mas o meu dever, e convicção.

Posto o requerimento á votação foi approvado.

O Sr. Conde de Lumiares: - (Leu um requerimento, pedindo um parecer da Commissão encarregada da reforma do correio, pela administração que entrou em 10 de Setembro do anno passado e accrescentou.) Para formar o juizo sobre o orçamento da repartição dos negocios estrangeiros, é, que pedia estes esclarecimentos, que julgava mui transcendentes.

O Sr. J. Joaquim Pinto: - Mando para a meza um requerimento da freguezia da Espiunca, em que pede reunir-se ao antigo concelho de Paiva, de que foi desanexada: as razões, que expõem, são muito attendiveis: não duvido que a Commissão as tenha muito em vista; porque uma dellas é, que esta freguezia é dividida em duas partes; uma fica á margem direita do rio Paiva, outra á esquerda; aquella sempre pertenceu ao dito concelho de Paiva, e esta ao de S. Fins para o civil: uniram tudo não se lembrando, que o rio Paiva no inverno é muito caudaloso, e não dá pas-

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ragem: a outra rasão ainda é mais fórte; tem suas relações com a estrada para a capital do concelho de Paiva, a distancia de uma legoa; foi incorporada ao concelho d'Arouca, mediante uma terra quasi intransitavel de inverno, a duas legoas de distancia, e para onde os povos não tem relações algumas. Ora como a principal base da divisão do territorio, para manter o systema de administração, não é só a extenção do terreno, mas a população, e commodidade dos póvos; esta ultima falta, no caso de que se trata, e por isso deve ser emendado o defeito.

O Sr. Pereira Borges: - Peço licença de mandar para a meza um requerimento, que tem referencia a um outro dos póvos de Monção e Valença , em que se queixam dos muitos direitos, que papa o gado vacum, que entra da Hespanha para Portugal; notam, que não podendo elles criar gado pela falta de pastos, e que sendo os direitos grandes; a fazenda perde, porque não entram na alfandega os competentes direitos, e a lavoura soffre, porque falta o gado para a cultura das terras.

O Sr. Souto Maior: - Eu tinha sido nomeado por V. Exa. para a deputação, que havia de apresentar a. S. Magestade os authographos de uma lei; apresentei-me no principio da sessão, encontrei o Sr. Galvão Palma, que era um dos nomeados; e fiquei á espera, que os mais Srs. sahissem para ir com elles: vi que tardavam, sahi fóra, e disseram-me , que a deputação já tinha sahido; fui só, e encontrei os 4 Srs., os quaes me disserem, que já tinham apresentado a S. Magestade o authographo: para que pois se me não faça imputação, eu assim o declaro.

O Sr. Paula Leite: - Mando para a meza um requerimento dos professores de primeiras letras do districto de Braga, que pedem providencias sobre os seus pagamentos; elles queixam-se com muita razão, que desde 35 se lhe não pague.

O Sr. Macario de Castro: - É para remetter á meza uma representação da camara municipal do concelho de Crasto Laboreiro, em que pede ser conservada em concelho: a representação não vem em fórma; mas creio, que se póde dar seguimento, porque isto provém de falta de conhecimento dos membros da camara.

O Sr. Presidente: - Passa-se á ordem do dia, que é a continuação da discussão do projecto de Constituição, na sua generalidade. Tem a palavra, o Sr. Freire Cardoso.

O Sr. Freire Cardoso: - Depois dos brilhantes discursos pronunciados por alguns dos illustres oradores, que me precederam, eu teria como grande temeridade invocar ainda a benevola attenção deste Congresso, se a importancia do objecto não parecesse reclamar de cada um de nós a declaração solemne de sua opinião. Limitar-me-hei por tanto a desenvolver os principios, em que esta se funda, com aquella ingenuidade, e franqueza propria de quem nunca desertou das fileiras da liberdade, e abraçado desde a infancia aos seus gloriosos pendões, soffreu por ella mais de uma corôa de martirio, sem com tudo me fazer cargo de responder aos que emittiram principios contrarios, nem fortificar os meus com o apoio de novos argumentos. Não possuindo a insensata pertenção de convencer os outros, eu desejo muito ser convencido, e nunca me faltará a necessaria docilidade para modificar principios, de cuja manifestação me julgo neste momento responsavel á patria, e em particular aos meus constituintes.

Nenhuma assembléa se achou jámais em circunstancias tão difficeis, como aquellas em que nos achamos: sobre nenhuma pezou tanta responsabilidade, como aquella que nos cabe. Cumpre-nos, Srs., sobre as bases de duas Constituições, que ambas foram consagradas como leis fundamentaes do estado, a levantar uma nova lei, que reuna debaixo da mesma bandeira toda a familia portugueza, tão limitada em terreno, como multiplicada em opiniões e vontades. Cumpre-nos conciliar interesses diametralmente oppostos, destruir prejuizos, e firmar em solidas bases um Governo liberal e duradouro.

Antes porém de examinar se o projecto em discussão reune todas estas circunstancias, eu vejo-me obrigado a declarar a minha posição em face dos acontecimentos de Setembro, origem da obrigação e necessidade que temos de fazer uma nova lei fundamental.

Quando soou o grito da revolução de Setembro, eu senti a commoção que nos causa o trovão inesperado, que estala sobre nossas cabeças no meio do deserto; mas como ella proclamava a liberdade, e eu não tinha força de impedir as suas consequencias, contente de a não ter provocado, recebi-a como um facto, abracei-a sem applaudi-la, e julguei-me obrigado, como cidadão, e amigo do meu paiz, a unir os meus esforços aos de todos aquelles que detestam a anarchia, que amam a ordem, e a liberdade legal. Quando ee me felicito de não ter promovido, nem mesmo desejado, a revolução de Setembro, não é porque não estime os progressos da liberdade; mas porque as revoluções politicas em nações divididas são difficillimas, para não dizer impossiveis, de consolidar.

Eu teria pois desejado que esses progressos de liberdade se operassem de uma maneira tão legal, que não dessemos aos diversos partidos, que agitam a nação, nem aos poderosos inimigos que de longe nos contemplam, motivos de destruirem, censurarem ou desacreditarem a nossa obra. Esta necessidade de legalizar as resoluções tem sido reconhecida em todos os tempos, mesmo entre as nações que podem com milhares de baionetas sustentar, e defender a sua vontade; porque a justiça não está na força com que se operam os actos; e desgraçada é a nação, que na força escóra o seu direito; porque como a força é variavel, o seu direito não será permanente. Quando a França, em 1830, se alevantou contra a violação da Carta, e em castigo d'esse attentado baniu uma dinastia, operou todos estes grandes actos pela acção regular das leis; e todos os esforços dos homens da revolução, tanto nas Camaras, como no Governo, se empenharam em manifestar á nação e á Europa a legalidade da revolução, reconhecendo que só pela convicção da justiça com que procederam, podiam captar a confiança de seus concidadãos, o respeito da Europa, e admiração dos seculos.

Uma desgraçada experiencia tem já demonstrado, ainda ao mais moço dos que nos assentamos nestas cadeiras, os terriveis effeitos da destruição das leis fundamentaes do estado. Quando em 1823 foi destruida a Constituição, que se tornou a resuscitar em Setembro para ser modificada pelos representantes da nação, eu vi estabelecer-se um Governo absoluto, e perseguidor: quando em 1823 a Carta, que baqueou em Setembro, foi tambem anniquilada, eu vi levantar-se um dispotismo feroz, que destruiu quanto havia de grande, e generoso nesta malfadada nação, queimada pelo facho do exterminio, abafada debaixo do peso dos cadafalsos. Em fim dessa mesma revolução de Setembro feita pela soberania popular, e em nome da liberdade, eu vi nascer um Governo que a si mesmo se chamou dictador, e que bem poderia chamar-se absoluto, por ser este o nome que se dá às monarchias onde as leis são feitas, e promulgadas sem a concorrencia da representação nacional; e se este poder tivesse sido dipositado em mãos menos leaes, ou apoiado em massas menos intelligentes, poder-nos-hia ter conduzido ao restabelecimento do despotismo, ou aos horrores com que a republica franceza espantou a metade do globo em época ainda não remota.

Depois de ter exprimido as minhas convicções ácerca da revolução de Setembro, eu acho me mais desembaraçado para examinar o projecto em questão, e julgo-me desobrigado de tratar dalguns pontos importantes, que deviam ser preliminares a esse exame. Assim não me occuparei eu em analisar a natureza, a extensão , e o direito do poder constituinte de que nos achamos revestidos; nem procurei respon-

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der áquelles que atacam a revolução pelo facto; e pela sua base; ou porque não provém do poder real, que admittem como unico, e estes são os homens reunidos em Evora-monte; ou porque na força, que a produziu, não reconhecem o direito ou a legalidade da destruição da lei fundamental, e estes são os partidarios da Carta de 1826; ou porque só nos reconhecem o direito de democratisar, e relaxar ainda mais as faculdades da corôa, consagradas na Constituição de 1822, e estes são os que por mercê de Deos em mui pequeno numero, sonham a possibilidade da republica de Platão, e dos quaes por maior, e ainda mais alta mercê de Deos, nem um só tomou assento nestas cadeiras orthodoxas e nacionaes.

Depois da decisão tomada na sessão de 10 do corrente, em que approvadas as leis da dictadura, foi sancionado o decreto de 10 de Novembro, pelo qual se mandou que os poderes de nossas procurações se limitassem á faculdade de fazer uma lei fundamental, que tivesse por bases a Carta de 1826, e a Constituição de 1822, o nosso poder constituinte acha-se mui circunscripto. Nós já não somos livres na escolha da religião, que é de necessidade a catholica romana. Não o somos na escolha da dinastia, que é a da Casa de Bragança continuada na Senhora D. Maria II. Nem o somos no fórma do governo, que ha de ser o da monarchia representativa em harmonia com o das outras monarchias representativas da Europa. Estes são os grandes principios consignados n'aquellas duas Constituições, e estes acho eu estabelecidos no projecto em questão. Nelles entendo que está comprehendida a liberdade do povo, a permanencia do Governo, e a felicidade da nação. Quando mesmo nós fôssemos livres na escolha das bases, eu tenho a profunda convicção de que nós adoptariamos estas por uma perfeita unanimidade. A religião catholica não carece dos meus elogios: a santidade da sua origem, a moral dos seus documentos está gravada em todos os corações; e seria mais facil fazer desapparecer Portugal de sobre a terra, que destruir o imperio sagrado da religião de Jésus Christo nesta nação eminentemente religiosa. Quanto á dinastia, quando não tivessemos a respeitar os direitos adquiridos por D. Afonso Henriques nos campos d'Ourique, sanccionados nas Côrtes de Lamego, e transmittidos por uma não interrompida successão de Reis á Senhora D. Maria II; quando não devessemos ao governo de seus augustos avós tanta grandeza e tanta gloria, como aquella que adquirimos em tantos reinados venturosos; quando mesmo chegassemos a esquecer-nos de que no tempo em que todos os povos do mundo encontravam nos seus monarchas tirannos e verdugos, nós achavamos amigos, e protectores; quando em fim tantos títulos lhe não dessem a unanimidade dos nossos votos, nós tínhamos ainda a ceder á qualidade de filha, e herdeira do libertador da patria, desse heróe maior que o seu seculo, desse chefe invensivel, que desceu á sepultura envolto n'um manto de gloria, que nenhum feito poderá eclipsar; e teriamos sobre tudo que ceder às virtudes pessoaes da Senhora D. Maria II, a esse amor tão ardente que tem manifestado aos Portuguezes por sacrificios tão dignos do coração de uma mãi.

Resta examinar o terceiro principio, a monarchia representativa, do qual eu direi tambem que se não fôsse um principio estabelecido, seria sem duvida aquelle que nós adoptaríamos. Depois das revoluções que tem agitado o mundo, depois dos ensaios desgraçados feitos por tantos povos, já em politica se não inventa: observam-se, tomam-se as lições da experiencia, estuda-se, compara-se o caracter dos povos, e abraçam-se ou repellem-se as instituições. Quando nós levamos a observação, e o exame às diversas fórmas do Governo, repellimos com despreso a fórma absoluta, despresamos com indignação a fórma, aristocratica, trememos horrorisados ante o movel aspecto da democracia, e paramos cheios de espanto, e admiração na presença da monarchia representativa; porque nella observamos combinados com harmonia os tres elementos constantes, que se encontram hoje em todas as nações da Europa, realesa, aristocracia, e democracia. Da primeira temos exemplos desgraçados em todos os povos do mundo, da segunda a historia da Veneza justifica a nossa indignação; os crimes da revolução Franceza legalisam o horror que nos inspira a terceira; e a prosperidade, e a extrema grandeza da Inglaterra, e da França santificam os nossos desejos, e os nossos votos pela monarchia representativa.

Eu não citarei as republicas gregas e romanas: os tempos são outros, e mui diverso o modo da existencia das sociedades. A America Ingleza tambem não pode servir de exemplo a nenhuma das nações da Europa. Dous homens tão virtuosos, como Franklin e Washington, podiam fazer de um povo habituado a respeitar direitos, e a cumprir as leis, não estragado por costumes impuros, e instituições viciosas, e sobre tudo forte por sua isolação material e moral, uma nação igualmente feliz e venturosa. Mas das nações da velha Europa, tão corrompidas em seus costumes, cercadas de inimigos poderosos, co-roidas da multiplicidade das pertenções, aguardar tão bellos resultados, não é mais do que um bello sonho, ou desejo prematuro de uma felicidade, que ou nunca, ou só alguns centos d'annos mais tarde poderá realisar-se. De mais o Governo é sempre o resultado de um certo estado social, e o estado social não póde mudar-se de nação para nação. Peço desculpa por me haver demorado mais do que devera, tratando alguns pontos, que por todos nós são recebidos como dogmas, e sobre tudo por haver insistido na stigmatisação do principio demócrato; porém as nossas palavras não ficam sepultadas neste augusto recinto, ellas vão tão longe como a nossa responsabilidade; e quando somos taxados de inimigos dos reis, e da religião, de republicanos, e anarchistas, é preciso fallar bem alto; e eu declaro á face da nação, que nós saberemos respeitar melhor do que esses vis calumniadores os direitos, que derivam da primeira corôa legitimada nos comicios de Lamego; que eu amo tanto os reis, como aborreço os tirannos; que adoro tanto a religião de Christo, como detesto o fanatismo dos bonzos; que nunca serei republicano em Portugal, e anarchista em parte nenhuma do mundo. Eu jurei na Cruz, e pela Cruz, antes de jurar nas bandeiras da liberdade: eu tive um Rei antes de ter uma Constituição escripta: e se para ser livre fôsse necessario abjurar a Deos e ao Rei, eu riscaria immediatamente o meu nome do registo civico da liberdade.

Nós paramos na monarchia representativa: vejamos pois se o projecto a estabelece convenientemente. Na monarchia representativa a sociedade é governada por si mesma. Esta fórma de governo exige a concorrencia, a representação desses tres elementos constantes em todas as nações, a realeza, a aristocracria, a democracia: o seu fim é assegurar o dominio da razão publica na sua força, e na sua pureza. Todos estes elementos tem direitos, pelos quaes se limitem, para que a lei, a cuja feitura são chamados, saia pura por meio de successivos exames. Ella tende á unidade pela necessidade de obrar: é porque ella tende á unidade, que ella é forte; e é livre, porque é composta. Mas entre estes elementos ha um que tendo pela sua natureza á preponderancia; é o povo representado na Camara electiva, que se não fôsse contido e limitado, poderia tornar-se absoluto: é limitado pela acção reservada ao Rei: é limitado, e o deve ser, por uma resistencia poderosa, que vai encontrar n'outro corpo codeliberante, que só differe do primeiro pela sua origem. Deste arranjo, e harmonia dos elementos sociaes, e dos seus direitos correlativos, derivam, como consequencia necessaria, a liberdade individual dos cidadão, e a conservação da realeza: d'aqui a ordem publica, e della a prosperidade dos estados. Todos estes principios acho eu simetrica, perfeita, e harmonicamente estabelecidos no projecto em discussão, não em sentido abstracto, mas calculados em relação ao nosso estado social, condicção sine qua non, ponto infallivel de que indispensavelmente se deve partir na organisação da lei

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fundamental, ou antes quando se trata de declarar, uniformisar, e reduzir a escriptura estes principios sociaes, e constitutivos, que se encontram em todas as nações, como ha pouco disse um illustre orador, que eu respeito como um dos mais bellos ornamentos deste Congresso.

Resta declarar, que eu não entendo por aristocracia, ou representação aristocratica, a que provém de um nascimento mais ou menos elevado: eu entendo fallar do merito culminante das notabilidades sociaes, sem com tudo deixar de respeitar, e reclamar a contemplação devida aos representantes dos grandes homens, que ennobreceram a patria por acções dignas do reconhecimento da posteridade. Jámais prestarei assentimento a essas paixões despresiveis, que humilham tudo quanto foi brilhante; nem me unirei áquelles que desconhecem ou atacam existencias resplandecentes, nomes respeitaveis, que honram a nação com talentos maravilhosos, ou acções do maior valor. Se todavia as minhas idéas me levassem a dar toda a importancia á aristocracia do nascimento, eu seria bem difficil em conceder esse direito á fidalguia portugueza, depois que vi a maior parte della desamparar o elevado posto, em que o libertador a collocou, preferindo o serviço do paço dos Reis á honra de representar um grande corpo do estado. Esta infamia, unica talvez na historia da nobreza hereditaria, convenceu-me desde 1828 da necessidade de examinar, e melhorar a organisação da segunda Camara, e as reformas da primeira dictadura fortificaram de novo esta minha convicção.

Um outro principio se tem considerado como essencial na Constituição, e vem a ser o da soberania nacional. Partidario enthusiasta deste principio, que está implicitamente consignado na Carta de 1826, eu não saberei desconhecer a sua existencia, nem entendo que de boa fé haja quem pertenda combate-lo; porque as revoluções nacionaes a cada passo apparecem destruindo todos os argumentos. Entretanto eu não concedo a este principio uma tão dilatada esfera como se pertende; isto é, não entendo que a soberania popular possa destruir o altar, e o throno: o primeiro é essencialmente industructivel; e o segundo alaga, e leva comsigo ao mesmo abismo o destruido, e o destruidor. Quanto a mim de qualquer modo que se conceba a soberania popular, é forçoso admittir que ella tem limites; não seria fazer grande elogio a essa soberania attribuir-lhe um poder superior á razão e á justiça, que são a fonte de todos os direitos: não seria grande elogio reconhece-la como uma vontade absoluta a mais caprichosa, e tirannica de todas: nem eu conheço origem mais nobre para lhe offerecer senão a razão e a justiça; porque a força não dá direitos, antes é em nome dos direitos, e debaixo dos seus auspícios, que as sociedades se formam para desthronisar a força: é por estes limites da soberania popular que a sociedade deve ser conduzida, classificada em direitos, e interesses igualmente legitimos.

Tendo encontrado no projecto que se acha em discussão estes principios ennunciados, sem todavia me conformar com alguns de seus artigos, e omissão d'outros, eu o approvo em geral como aquelle que mais se assemelha com a abolida lei fundamental, conquistada com o sangue de vinte mil bravos, e cujo titulo brilha ainda no meio da estrela de honra, que adorna o peito de nossos heróes. Eu respeitarei sempre esse monumento de sabedoria, grandeza e generosidade; essa columna abatida, a cuja recordação estão ligadas todas as glorias, todas as gentilezas militares da nossa historia moderna.

O Sr. Mendes de Mattos: - Principio por pedir a indulgencia deste Congresso, e principalmente dos Srs. que compõem a Commissão; respeito-as pelos seus talentos brilhantes, e pelas suas virtudes; porém apesar de seus eloquentes discursos, ainda me não decido a votar pelo parecer.

Farei por me restringir quanto possa dentro dos limites da questão; porque entendo que é grande vicio, e não pequeno defeito, o emittirem-se idéas, que não servem a provar o ponto questionado; vicio, Sr. Presidente, imperdoavel nos discursos parlamentares, onde o tempo é muito precioso, e a clareza summamente proveitosa. Eu entendo, que uma Constituição é o Código fundamental das associações politicas, onde devem expressar-se as renuncias dos direitos, e as vantagens e garantias que compensão esses sacrifícios; onde se estipulam os deveres, e obrigações dos cidadãos governados, e governantes; e aonde ultima, e principalmente se estabelece a fórma de Governo. A organisação porém do Governo será negocio de mero capricho? será por ventura obra do acaso? Qualquer fórma que se lhe der será ella justa, rasoavel, e propria a produzir a felicidade d'um paiz? São estas, Sr. Presidente, questões bem faceis de resolver: já ha muito, que a filosofia politica se tem empenhado em marcar regras a seguir em objecto de tamanha importancia; porém parece, que, por uma fatalidade inexplicavel, o homem se tem mostrado surdo aos gritos na naturesa, que lhe impunha como dever o associar-se d'um modo compativel com sua alta dignidade, e constituir-se de maneira propria a conseguir sua felicidade.

Srs., eu peço a vossa attenção sobre esta ardua questão, na qual se trata da organisação do Governo: trata-la-ei com a franquesa propria d'um homem livre; d'um cidadão zeloso do bem do seu paiz, sem vistas pessoaes, e só com a mira no bem da mesma patria: eis toda a profissão da minha fé politica.

Faço justiça aos sentimentos de todos os Srs. Deputados: estou intimamente convencido de que todos elles tem no coração o bem da sua patria, e espero que me façam a mesma justiça, convencendo-se de que eu não quero se não conseguir o mesmo fim. Estabelecer o Governo, sem receio do despotismo, garantir a liberdade, sem temer os desvarios da licença, e os excessos da anarchia; apresentar á Nação um Codigo fundamental, que mantenha a sua honra, dignidade, e independencia nacional; bane as feridas da guerra civil acabando com ella; que proteja tolerante a todos os portuguezes, estreitando o vinculo social, que os deve unir; eis os justos caracteres que deverão revestir á nossa projectada obra; eis o fim sagrado a que todos nós aspiramos. Porém , Srs., se iguaes sentimentos e desejos nos possuem, será isto titulo bastante para respeitarmos mutuamente as nossas opiniões, e assim, contando com a vossa tolerancia, passo a expor resumidamente as minhas idéas.

No Governo Monarchico representativo, como já aqui se disse, e eu sou obrigado a repetir, ha certos principios fundamentaes, que devem servir de base a todo o systema, aonde aquella fórma de Governo se estabelece. Estes principios são a divisão e independencia dos trez podêres politicos do Estado; legislativo, executivo, e judicial, marcando-se as attribuições de cada um delles, tão distincta e positivamente, que qualquer delles as possa levar a effeito sem a possibilidade de ser embaraçado pelos outros, e collocando-se elles igualmente na impossibilidade de exorbitarem dos seus justos limites, que é o que verdadeiramente constitue o equilibrio politico dos mesmos podêres. Sem a existencia destes principios fundamentaes, ou quando elles se consignão n'um systema metafisicamente perfeito, mas realmente impraticavel, então, Srs., o edificio social, que se pretende construir, não passa de ser um ente imaginario, que desapparece no menor sôpro da ambição do podêr, sempre ávido de arbitrariedade, ou ao mais pequeno choque das paixões do povo, ordinariamente propenso á anarchia.

O direito de dissolver a Camara dos Deputados, concedido ao podêr executivo, reduz aquelle corpo politico aos movimentos de um authomato, cujos vôos se quebram como se quer. Que virtude ou coragem desenvolverão os representantes da Nação, quando virem, que o unico premio de seus esforços nacionaes, será a sua morte politica? Que importará o deliberar sobre negocios publicos, se um homem com uma palavra póde suspender as deliberações, e dissol-

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ver a assembléa deliberante? Qual a firmesa da liberdade, se ao Rei se dá o direito de mudar de conselheiros parlamentares até acha-los tão servis, que approvem tudo aquillo que lhes quizer ordenar? Dar-se-ha ao Rei, cujos interesses os representantes da Nação contrariam, o direito de annullar suas procurações, negando-se este podêr ao povo, que os encarregou da defesa da sua liberdade, e que tem meios bastantes de lhes fazer saber qual é a sua vontade? Os meios de conter o Congresso legislativo são a opinião publica, a imprensa livre, e as reclamações dos póvos: estes meios parecem-me os naturaes; porque provém daquella mesma fonte que lhe deu o podêr, que lhe marcou as suas attribuições, e que por isso mesmo só por si póde medir a órbita, onde ellas se devem estender.

A isto disseram alguns dos Srs. Deputados que me precederam = Congressos ha, que é necessario dissolverem-se; que na Camara passada appareceu essa necessidade; e que muitos estavam decididos a enviar uma mensagem ao Throno, pedindo-lhe a sua dissolução, e que o mal desta estava remediado no projecto, obrigando o Rei a proceder a novas eleições dentro de 30 dias; appellando-se deste modo para o povo. = Ora, Sr. Presidente, é preciso não torcermos as cousas. Eu entendo que a dissolução de um Congresso é necessaria, quando a maioria delle não escuta a opinião publica, quando contrariando os seus mandatos deixa de advogar os interesses do povo, e sua liberdade; ou quando finalmente nesse Congresso entra certo espirito de partido, ou apparece uma lucta de paixões, que inutilisa todos os seus trabalhos. Esta maioria assim corrompida, pedirá ella a sua dissolução? O Ministerio, a quem ella tem servido, dissolve-la-ha por si? O Ministerio que quer conservar-se, e augmentar o seu podêr, que quer ser adulado, e não quer ser accusado, que deseja ver no esquecimento as suas faltas, e as infracções de lei que tiver commettido, ha de ser tão tôlo que demitta um Congresso, cuja maioria o sustenta e deffende, para se expor ao risco de vir outro, çuja maioria conhecendo melhor os seus deveres, obste ás infracções de lei, e ás suas usurpações? Sr. Presidente, vejamos sempre os homens como elles são, e não argumentemos partindo de dados, cuja existencia é impraticavel, ou pelo menos inverosímil.

A Camara passada foi sim dissolvida, mas ella o foi quando, depois de reforçada, ia na sua maioria combater os desperdicios, os patronatos escandalosos, e todos os mais systemas errados dessa administração, que a dissolveu. E que aconteceu com a appelação ao povo? Foi o ser a urna eleitoral ultrajada, illudida, subornada por todos os meios mais vergonhosos, e produzir em resultado uma representação que na sua maioria representava essa mesma facção, causa da dissolução da primeira Camara. E qual foi o remedio destes males? Diga-o a historia dos dias 9 e 10 de Setembro.

Do mesmo modo considero eu o veto absoluto. Em que consiste o direito de fazer as leis, se essas pertendidas leis não são julgadas taes, se não são aceitas, e sanccionadas pela authoridade absoluta do Monarcha? O veto absoluto é injurioso, não só ao Congresso legislativo, mas ao mesmo Monarcha; porque um Rei Constitucional não deve querer se não a felicidade de seus povos, nem póde querer se não o que a Nação quer; pois que contrariando a sua vontade torna-se inimigo declarado della. Mas tenho ouvido dizer, que é por isto mesmo que os Reis não tem feito uso desta prerogativa; porém a ser assim, é inutil conceder-se-lhe tal direito, não deixando de ser imprudente confiar-se-lhe uma arma terrivel, de que um dia póde abusar em prejuiso dos povos, e seu proprio; nestes exemplos abunda a historia, e escusado é que eu os refira. Assim, Srs., entendo, que estas ditas perigosas prerogativas concedidas á Corôa atacam a independencia, do podêr legislativo, anullam inteiramente a sua acção, destroem o equilibrio que deve reinar entre os differentes podêres politicos do Estado, e dão-nos por isso mesmo uma próva convincente da imperfeição do systema de Governo organisado no projecto.

Porém dizem: = Não resta freio algum para conter o podêr legislativo. = Eu tambem, Srs., estremeço com esta idéa; mas entendo que o remedio deste grande inconveniente está, como já disse, na opinião publica, na imprensa livre, nas differentes reclamações dos póvos, a que se deve dar a maior amplitude; e agora accrescentarei, que este grande mal poderá igualmente ser remediado com o veto suspensivo, que eu approvo; e com uma segunda Camara a que eu hoje me inclino.

Confeço, Sr. Presidente, com a franquesa que me é propria, que quando se encetou esta discussão, eu era do parecer d'uma só Camara: a complicação da maquina social, a necessidade de unidade na representação nacional, visto que a Soberania é uma, e indivisivel, e o demasiado apoio que, me parecia, daria a segunda Camara ao podêr executivo, eram estas as rasões que me conduziram a adoptar a opinião d'uma só Camara; porém depois de ouvir os discursos de alguns dos illustres preopinantes, e depois de luctar comigo mesmo, decidi-me a abraçar a opinião das duas Camaras, que agora me parece mais rasoavel. Além de ser o fiel da balança politica, outras muitas rasões se me apresentam em favor da minha opinião. Uma assembléa unica corre perpetuamente o risco de ser arrastada pela eloquencia, seduzida por sophismas, inflamada por paixões de outros, que se lhe fazem communicar, e às quaes não poderá resistir. Existindo duas Camaras em logar d'uma, a primeira terá mais attenção nas suas deliberações, e será mais cautelosa nas suas decisões; e a segunda terá mais meios de podêr corrigir os defeitos da primeira. Uma Camara só nunca estará assás vinculada; porque depositaria da cadêa, que a liga, quebrala-ha quando lhe approuver: as leis não terão estabilidade: a mesma Constituição estará sugeita á inconstancia, e ao capricho. Sem estabilidade nas leis, faltarão os habitos nacionaes; sem estes não haverá caracter politico, e conseguintemente liberdade.

Esta segunda Camara porém deverá ser vitalicia, e de nomeação Regía? Decido que não; porque, sendo emanação do Throno, receará demasiadamente o poder do povo, e favorecerá o do Principe, que lhe deu a vida, e que é a origem dos titulos, das honras civis, e militares, das graças, e das pensões. Todos os cidadãos do Estado são igualmente interessados na manutenção da liberdade; todas as distincções d'ordem, todos os privilegios, deveriam desapparecer, quando se trata deste objecto, feito para servir de base á felicidade publica. Eu entendo, que todas as classes da sociedade devem ser representadas; porém devê-lo-hão ser convenientemente, e sê-lo-hão só quando no corpo legislativo figurarem assembléas, que sejam só resultado da Soberania nacional, e representem toda a Nação, e não classe alguma privilegiada della. Assim a segunda Camara, tal qual se acha organisada, além de offender a justa proporção, que deve haver na representação nacional, tenderia pela sua duração a proporcionar ao podêr executivo os meios de se elevar á arbitrariedade, consignando pela sua mesma naturesa o principio da desigualdade, o maior e mais cruel inimigo da liberdade.

Talvez se me pérgunte: = Qual deverá ser a organisação desta segunda Camara? = Eu deixo isto para quando se tratar deste objecto na sua especialidade. Por agora só direi que deverá ser composta de cidadãos de todas as classes, aos quaes os seus talentos, os seus serviços, e as suas virtudes civicas tiverem feito dignos desta recompensa.

Porém, Sr. Presidente, ainda aqui me não demoro: o meu espirito vê ainda determinações funestas no parecer em questão. O unico meio de se procurar o direito de cidadão, é adquirir riquezas: para concorrer a nomear os pertendidos representantes do povo, é necessario o rendimento liquido de

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80$ réis, e para se representar isto que se chama = povo = são necessarios 400$000 réis de renda: instituição immoral, que concede tudo ao ouro, e nada á virtude!!! Instituição barbara, que priva da existencia politica a cidadãos que não tem outro crime mais, que luctarem contra a desgraça, e infortunio!!! Assim a pobresa tornará o portuguez escravo, apesar de a naturesa o ter creado livre: assim Socrates, que muitas vezes não tinha com que comprar um vestido, não poderia, nascendo em Portugal, representar o povo portuguez, nem mesmo concorrer para a nomeação de seus representantes!!! Srs., como excitaremos nós nas grandes massas o desejo da ordem, e amor da liberdade, a civilisação, e todas as mais virtudes sociaes, se as degradarmos á vil condição de escravos?

Por mim, não me quero manchar com esta infamia; a minha procuração não foi de classe alguma privilegiada, foi-me dada por todos os cidadãos da minha provincia, e estou decidido a não trair a confiança que em mim depositaram os meus constituintes, denegando á maior parte delles a consideração e importancia politica, que ainda gozam.

Sr. Presidente, eu confio muito pouco nas minhas fracas luzes, nos meus poucos estudos, e nos meus limitados conhecimentos para dizer, que esta minha opinião será aquella, que hei de seguir no final da discussão. Offereço só estas considerações, que desejo mesmo por honra minha, sejam combatidos: não perderei de vista a discussão, e a final votarei appellando unicamente para a minha convicção, e para a minha consciencia.

O Sr. Conde de Lumiares: - Sr. Presidente, depois de uma tão prolongada discussão, em que tem tomado parte tantos, e tão distinctos Oradores, eu não desejaria roubar o tempo ao Congresso, se não julgasse ao mesmo tempo que seria da minha parte uma fraqueza, o não apresentar os motivos do meu voto, em occasião tão solemne como esta, em que estamos constituindo a Nação. Entrando pois na questão, direi; que julgo ter a Commissão cumprido perfeitamente a sua missão, e em conformidade dos poderes que pela Nação nos foram conferidos; por quanto vejo ter escolhido o bom das duas Constituições de 22, e 26, para organisar o seu projecto. Neste apparece consignado o principio da Soberania Nacional; isto é, a supremacia da vontade geral, sobre toda e qualquer vontade particular; e apparece igualmente consignado o outro de ser a Camara dos Deputados eleita pelo methodo directo. Não me envolvendo mais nos differentes artigos do projecto, por isso mesmo que por agora só estamos discutindo-o na generalidade, não posso com tudo deixar de agradecer muito á Commissão, o ter introduzido os artigos 25, e 141, que não se acham em Constituição alguma, e só sim nos habitos e tradições do povo inglez, cujo axioma é No Caros no taxes, isto é, que quando o Governo não quer sanccionar leis uteis ao paiz, o povo tambem não paga as taxas. A introducçâo pois destes dous artigos deferia desvanecer quaesquer receios, que ainda possam inspirar as duas concessões do veto absoluto, e do direito de dissolução; concessões que eu julgo indispensaveis, como garantias de ordem; e é que qualquer Governo, por mais desmoralizado que seja, não fará uso senão em casos mui raros, e com motivos mui justos, sob-pena de ver a sua marcha inteiramente paralisada por falta de subsidios. Finalmente vejo, que o projecto consagra o principio da divisão do Corpo legislativo em duas Camaras, representando uma a opinião, outra a conservação; por tanto sendo estas as minhas idéas, eu approvo o projecto na sua generalidade, reservando-me a propôr algumas emendas, quando a discussão tiver logar na sua especialidade.

O Sr. Presidente: - Muito tarde me chegou a palavra, (chegou-me, quando me devia chegar; fui eu que me descuidei em a pedir) para eu ter a temeridade de lembrar-me, que poderia com os meus fracos cabedais, illustrar o Congresso sobre tão importante materia, depois que ella tem sido tratada por tão habeis oradores: eu devêra por isso ceder della, e principalmente quando fui de parecer, que se dispensasse na generalidade da discussão, do que estou arrependido; porque não teria o Congresso a occasião de conhecer, e o publico de avaliar, as illustrações, que encerra a representação nacional. Porém tendo mudado de parecer, julguei que devia-a meus constituintes a publicidade de minhas opiniões sobre as bases, e os tópicos principaes da Constituição, que faz hoje um dos primeiros desejos da nação; e é o objecto principal de nossa missão. E para não ter por mais tempo suspensa a attenção de meus nobres collegas, eu principiarei por fazer uma synopse dos artigos de fé politica, que professo nesta materia. Respeito, e approvo a Religião Catholica, como Religião do estado, mas quererei que se consagre a maior tolerancia de qualquer outro culto, como extensamente demonstrarei, quando se tratar da especialidade, e em logar competente, reconhecendo, como de todo o meu coração reconheço, que é a Religião de Jezus Christo, a que com sua philosophia, tem feito a felicidade dos povos: = votarei por duas camaras, mas não direi por agora o como será organisada a 2.ª = regeito o veto absoluto; (apoiado) mas votarei por algumas restrições no modo de reconhecer a authoridade das leis. Votarei por esse braço do poder moderador, o direito de dissolução, por necessidade, e por maior conveniencia; votarei contra a elegibilidade dos Ministros; (apoiado) e tambem porque nenhum representante da nação, em quanto o fôr, e um anno depois, possa ser empregado pelo governo: assim como porque nenhum empregado do governo possa vir occupar uma cadeira no Congresso.

Finalmente votarei por outros objectos accidentaes, cuja enumeração me parece não ter aqui agora logar. Quero eleições directas, mas desejo que o censo seja augmentado; e nisto irei d'encontro, não só ao nobre Deputado que me precedeu, mas ainda a alguns outros. Quererei que o poder judicial seja reformado de alguma maneira, quanto a juizes de facto. Conforme a estas idéas, já meus nobres collegas podem saber, a conta em que devo ser tido; mas qualquer que seja, espero merecer-lhes a sua attenção.

Sr. Presidente, este paiz cançado de revoluções, e fatigado de fazer experiencias em materia de Governo; e aproveitando-se tambem das lições da experiencia de todos até hoje conhecidos, isto é, não querendo aspirar á perfectibilidade, estou inteiramente convencido, (ao menos, pela parte que eu represento) que este paiz não deseja senão um governo nacional e independente, que lhe assegure liberdade, propriedade e segurança; que o ponha a pár dos outros da Europa livre, e que tambem o ponha a cuberto de crimes e de ameaços. Este paiz deseja repouzo, e desanco para se restabelecer das grandes perdas, que tem soffrido. Em 1820, Sr. Presidente, quiz-se dar a este paiz, um systema representativo eminentemente liberal; porém Portugal não tinha base, não estava preparado para o receber, faltavam a este povo, que desde longos séculos vivia na ignorancia e no obscurantismo; faltavam-lhe as bases, conhecimentos e em fim virtudes, que comportassem um Governo tão liberal como aquelle. Cahio esse Governo, Sr. Presidente; e permittam-me os nobres Deputados, que não querem attribuir essa queda á falta do paiz para abraçar esse systema, mas sim a cem mil bayonetas que entraram em Hespanha; permittam-me, que lhe responda: não foram as cem mil bayonetas, que lançaram por terra, e fizeram pedaços esse systema de 1820. Este systema repelio do seu seio individuos necessarios, (permitta-se-me a expressão) individuos que se deviam manejar para o momento: a aristocracia civil e ecclesiastica era nessa época verdadeira aristocracia entre nós, como o é hoje em qualquer dos paizes mais aristocratas da Europa; era influente e arrastava as massas, fôra mister por tanto transigir com ella, porque não convinha ataca-la de frente. Estabeleceu-se uma só Camara, em que não en-

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traram as altas capacidades do paiz; impolitica medida foi essa, principalmente se reflectirmos que esse mesmo Governo ao passo que a despresava, lhe deixava as armas na mão. Não valle tambem o argumento, porque em Portugal, assim como em Hespanha, 300 mil francezes não poderam , em tempos mais remotos conquistar a independencia d'esses póvos: mas então estes estavam unidos por principios communs, e geraes; um só pensamento os guiava; quando em 1823 os interesses eram diversos, esse Governo não reunia todas as classes. Mais tarde nós, ainda que poucos, combatemos 80 mil homens de boas tropas, mas o Governo tiranico do usurpador agradava tambem a poucos. Foi pois grande o salto, e a politica, assim como a natureza, não soffre saltos; havia-se dado de mais a este povo, forçoso foi retrogradar o systema cahio, e nós voltamos a um extremo opposto, como acontece quasi sempre. Restabeleceu-se o absolutismo em 1823; a verdade seja dita, este systema foi o mais toleravel no seu genero, que talvez se tenha visto na Europa: procederia isso das luzes que o systema extincto começava a difundir, e mesmo talvez da bondade e bonhomia do Monarcha, que então presidia á nação, o qual comprehendendo bem a sua posição, e as idéas do seculo, queria transigir Mas o povo não estava contente com similhante Governo; havia-se-lhe dado de menos; o povo merecia mais, e o Monarcha tendo-lhe promettido uma Carta nos campos de Villa-Franca, este povo entretinha a sua recordação; o Soberano mostrou vontade de cumprir, mas a morte lh'o impediu, e as esperanças do povo ficaram paralisadas. Assim estavam as cousas, quando S. M. o Imperador de saudosa memoria, comprindo com os desejos de seu Augusto Pai, e a ansiedade deste paiz, que estava proximo a passar por uma revolução, nos mandou uma Carta Constitucional, a de 1826.

Eu nem sou partidista desta Carta, nem deixo de o ser; mas talvez fôsse ella o codigo politico mas apropriado a este paiz, por estar em proporção, e harmonia com as luzes, habitos e costumes de Portugal; porém nesta lei fundamental existia o principio roedor que a havia de matar - a Camara dos Pares: - toda a Constituição que tiver uma Camara hereditaria, como a de 26, não poderá durar muito. - Logo na sua origem foi a Carta entregue a mãos iniquas, que trataram desde o principio de a assassinar: em fim a Carta cahio; e como cahio, não precizo tambem dize-lo agora aqui, passando por cima dessa época, em que um Governo nos tirannisou cinco annos , e nos preparou para o estado em que actualmente nos achámos - Restabeleceu-se a Carta em 1832, 33, e 34, sendo conquistada á custa de tanta fazenda, de tanta honra, e tanto sangue, parecia que esta Carta poderia ser ainda a taboa da nossa salvação: porém existia nella aquelle principio, de que fallei ha pouco, e esse foi um pouco mais tarde dilatada, de uma maneira que apressou talvez a queda da Carta. Além disso, seja-me permittido dizer, por quanto respeite ainda hoje a cinzas do Duque de Bragança, a quem, sem duvida, muito deve o paiz, e a cuja memoria será sempre grato; este Principe não foi mais feliz do que seu Pai na escolha dos homens; e por isso aquelles em cujas mãos estiveram os destinos da Carta, não eram melhores que os de 1826, 27 e 28; a Carta, e os seus verdadeiros amigos, eram açoitados com a mesma Carta. Para cumulo de males, faltou-nos o dador da mesma Carta; os males cresceram, o paiz ameaçava ruina, estavamos á boca do principio; estava proxima uma banca-rota, e todas as mizerias. O povo acordou, conheceu a sua fòrça, reasumio seus direitos, appareceu uma revolução, que em suas consequencias lançou por terra o Ministerio, supprimio a Carta, e interinamente proclamou a Constituição de 22: a nação, reasumindo a soberania nacional, compareceu nos collegios eleitoraes, e approvou a revolução, naquelles elegeu seus representantes, e lhes deu um mandato por virtude do qual nós aqui estamos.

Este mandato é especialmente para fazermos uma Constituição das de 22 e 26, em harmonia com o direito publico Europeo, e com as prerogativas da Corôa. - Eis-aqui; Sr Presidente, qual é exactissimamente o nosso mandato, de que não podemos affastar-nos de sorte alguma. - Tenho ouvido dizer, que esses mandatos não são senão meras recommendações: - perdoem os Srs. Deputados, que tem expendido esta opinião; é um verdadeiro mandato: não podemos de maneira alguma apartar-nos delle. Mas diz-se, que elle não póde ligar nossas consciencias, que d'elle nos podemos apartar, e que se nossos constituintes não estão contentes com as nossas opiniões, que nos retirem nossas procurações. Deus nos livre de taes theorias, Sr Presidente, que não poderiam senão produzir a anarchia. Estou bem longe de duvidar da boa fé de meus nobres collegas, mas lembro-me que essa opinião foi sustentada por um Deputado demagogo das Côrtes ordinarias de 22, para 23, em cujo coração já lavrava o veneno da discordia; porque não tardou muito que elle não fôsse um dos maiores sectarios de D. Miguel, o ao qual devemos uma boa porção de nossos males. Deos nos livre, digo ainda, Sr. Presidente, de taes principios: antes pelo contrario, se nossa consciencia repugna aos poderes de nossas procurações, não devemos trair a confiança de nossos constituintes , e devemos remette-las aos collegios eleitoraes. Eu não sei o que está escripto nas dos outros Srs. Deputados; na minha está o que disse: manda-se-me fazer uma Constituição composta d'aquellas duas, em harmonia com os governos representativos da Europa, mantendo e sustentando as prerogativas da Corôa. - Resta pois ver se no projecto apresentado pela Commissão se preenche effectivamente a execução deste mandato. Sr. Presidente, eu acho que preenche na sua generalidade, e eu o adopto com aquellas limitações que na minha sinopse tive a honra de manifestar ao Congresso. - O principio da soberania nacional está melhor do que na Carta de 1826, onde elle se exprime tacitamente, assim como tambem se acha em todas as Constituições, ao menos n'aquellas de que eu tenho conhecimento. No projecto se acha o principio da soberania nacional exercido pelas Côrtes e pelo Rei. - E já que aqui cheguei, exparei uma duvida, sobre que peço me esclareçam os Srs. Deputados que me seguirem. - As Côrtes, assim como o Rei; exercem a soberania por delegação: quanto ás Cortes, entendo muitíssimo bem , mas não assim quanto ao Rei: este é impeccavel e irresponsavel, mas n'um artigo do projecto diz-se que o Rei exerce o seu poder, por meio de seus Ministros. Parece-me, que aqui se estabelece delegação de delegação, mas se o Rei é um delegado do povo não sei como possa delegar, ao mesmo tempo que elle não póde governar, mas só reinar. Porém entendo eu, que esta soberania nacional, não é tão illimitada como talvez se queira dizer, e temos ouvido sustentar.

A soberania popular, em geral exerce se por dois modos: exerce-se, ou pelos collegios eleitoraes, ou então por um meio, a que se recorre, (e desgraçado de quem precisa recorrer a elle) nas ruas com as armas nas mãos: quanto a este segundo modo, entendo que elle é o mais illimitado possivel; todo o cidadão tem o direito de representar ahi uma porção da soberania, mas entendo que, exercida nos collegios eleitoraes a soberania é, e deve ser limitada. - E aqui prende já o principio eleitoral que apontei, e sobre o qual farei algumas observações. A Commissão propõe eleições directas, mal preparado está este povo para escolher por si immediatamente as suas representações, duas instancias bem necessarias eram tambem no systema d'eleições: um povo sem illustração, sem civilisação, aonde dois terços do paiz não sabe escrever, nem ler, o inverso totalmente dos paizes civilisados, mal póde formar um voto consciencioso, um voto depurado, livre de corrupção, peita, ou soborno, para o entornar immediatamente na urna eleitoral: o méthodo indirecto offerece uma correcção, dá mais garantias,

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e exprime melhor a vontade geral. Mas, receando eu que não tenhamos essa eleição n'estes dois mais proximos seculos, se esse methodo deixar de ser consignado na Constituição que vamos fazer, eu votarei pela eleição directa, mas na eleição que dê garantias, que seja a expressão da maioria. Pelo que tenho dito, e continuarei a dizer, talvez seja tido por retrogrado; não importa, eu direi toda a minha opinião com franqueza: é verdade, Sr. Presidente, oitenta mil reis de rendimento proveniente de propriedade, commercio, industria, não representa nada: só o cidadão, que desgraçadamente vive do bem fazer e caridade dos seus concidadãos, é que póde carecer d'esses rendimentos. Eu vejo nações muito mais avançadas em civilisação, como Inglaterra e França, com um censo muito mais forte; essa classe de oitenta mil réis, e ainda muito maior rendimento, é excluída dos collegios eleitoraes; pois essa classe lê, occupa-se da politica; o obreiro não deixa de dispensar um sous para ler na hora do descanço o periodico do dia; o cocheiro, o commissario, o homem de carreto, faz outro tanto; a ultima classe em fim é illustrada como a media d'outros paizes: assim mesmo o censo eleitoral é duzentos francos em França, tendo sido de duzentos e cincoenta até o anno de 30; em Inglaterra está reduzido a 10 libras sterlinas, mas tanto um, como outro de contribuição directa, que quer dizer trinta, ou quarenta mil réis do nosso dinheiro, ou trezentos e quatro centos mil réis de rendimento. E então acontecendo isto em nações que estão adiante de nós, dois ou tres seculos, havemos de ser nós, quem pretenda dar lições de direito publico constitucional? Eu não direi por agora, qual deva ser o augmento, que deve ter o censo eleitoral, isso ficará para a discussão especial; mas desde já declaro que não me conformo n'esta parte com o parecer da Commissão. É deste modo que eu entendo a soberania nacional.

Divisão de poderes. - Acho que no projecto está mui bem, apenas com algumas restricções, que ha bocado apontei; nem a encontrei melhor em Constituição alguma; e principiando pelo poder legislativo, o parecer da Commissão apresenta-nos duas camaras; voto por ellas. A experiencia, Sr. Presidente, deve-nos guiar nesta materia; nós devemos ir vêr às outras nações o que ellas tem; devemos ir ahi consultar os seus principios, e os seus arrependimentos. Eu não se me dá de passar por retrógrado, e vou se-lo como já tenho ouvido, em querer hoje duas camaras, por querer o que ha um seculo, e mais d'um seculo, as nações estão arrependidas de não ter adoptado o que hoje pertendo adoptar. Por consequencia, ao contrario, parece-me que, perdoem-me os nobres Deputados, serão retrógrados os que hoje quizerem apresentar no meio da Europa, no meio do mundo, o systema unitario, porque não ha hoje paiz nenhum, que tenha uma camara: creio que nos Estados Unidos da America do Norte ha dous, Neu Jersey, e não sei qual outro; mas são estados provinciaes, são fracções. Muitas dessas nações, como alguns dos meus nobres collegas disseram, assim principiaram; as Americas do Norte, a França, as provincias do Sul da Prata, todas ellas assim principiaram; mas bem depressa conheceram o erro, e se reformaram nos ultimos tempos. Eu não quizera tambem apresentar argumentos ad terrorem, quizera deixar de fallar nesses nomes de Danton, Robespierre, e Marat, convenção, etc.; mas quizera, que este Congresso se lembrasse dos horrores, e das consequencias, que produziram esses nomes, e essas cousas; e como é que acabaram todos esses horrores? A torrente democratica se precipitou sem limites; a convenção absorveu, e (permitta-se-me a expressão) engolio a soberania; todos os grandes interesses sociaes se deslocaram. E como é que a França teve de se constituir de novo? Foi necessario que aparecesse um genio grande, mas o mais despotico, e o mais inimigo da liberdade, que tem visto o mundo; não sei se o remedio seria peior, que o mal. Eu não tenho receio, de que isso aconteça em Portugal, Deos não ha de permittir tal: esse homem foi um daquelles partos, que a natureza, n'um momento de sua bizarria, no cume de sua riqueza , arremessou no meio do mundo; esses homens são muito raros: e mesmo essa espada, e a luva de ferro, que elle empunhou, não será facil encontrar: o official que a fabricou, o aço de que se compunha, já não existem. Muito bem; e nós mesmos, e os hespanhoes como nos constituimos em 1823? Com uma Constituição tão liberal como a de 22, e os hespanhoes com a de 12? Qual foi o resultado? Foi o salto para o extremo opposto, para o absolutismo. A politica, como a naturesa, não soffre saltos: é preciso vêr se os estomagos politicos das nações podem supportar alimentos tão fortes. Sr. Presidente, o modo da representação nacional varia segundo os elementos de que se compõe o paiz, quero dizer, segundo que o paiz está mais, ou menos avançado nas luzes, e illustração; segundo que a propriedade se acha mais ou menos aglomerada, dividida; e que a industria mesmo está mais bem regularisada, as luzes mais diffundidas. Variando pois os elementos sociaes segundo os tempos, e os logares, como é que a mesma fórma de governo sempre, e em toda a parte deverá ser aplicada a coordenar esses elementos diversos? Não, elles devem variar; e assim a fórma d'um governo poderá ser, ou puramente aristocratica , ou mixta d'aristocracia, e democracia, ou reduzida á unidade democratica. Não é a primeira, nem a ultima fórma, a que nos convém, e é aplicavel aos nossos interesses sociaes, é sim a segunda. Nós não temos uma verdadeira aristocracia; temos uma nobreza titular; temos capacidades nos elementos da propriedade do commercio, e das artes; mas tambem nos faltam virtudes, e civilisação: é necessario pois uma fórma de governo mixta d'aristocracia, e democracia, que represente todos os interesses sociaes, e equilibre a acção de todos os poderes. Está pois reconhecida a necessidade de dous corpos co-legislativos, uma segunda camara. Este corpo, quando bem constituido, forte, e independente, bem longe de ser nocivo, antes aplanará as difficuldades para o desenvolvimento do governo representativo; este governo terá em que apoiar suas justas resistencias, que elle tem obrigação d'oppôr a pertenções, que muitas vezes não tem senão a aparencia do voto geral: a acção popular desembaraçada das ambições dessas altas classes, que tem sua representação especial, formará uma camara electiva verdadeiramente nos interesses das massas; as altas classes contempladas na formação do governo representativo, cessarão de conspirar, e de tentar pela destruição desse governo, que lhe dá consideração. Mas diz-se, e aqui tenho ouvido, que este corpo manifestará constantemente um espirito particular, e estacionario, que terá um modo particular de ver, em relação às medidas do bem publico; e que, não poucas vezes, contrariará as vistas de prompto melhoramento da camara electiva. Tudo isso é evitavel, quando essa camara seja composta d'elementos verdadeiramente nacionaes, e independentes. E como deverá ella ser organisada? Antes d'emittir algumas idéas a este respeito, cumpre vermos como esta camara é organisada em todos os paizes, aonde ha systema representativo; e d'ahi podemos tirar uma lição importante. Nós temos paizes aonde existe ainda a aristocracia em toda a sua força; e outros donde ella tem inteiramente desapparecido. Em Inglaterra, Hungria, Baviera, Bade, Wuttemberg, HesseDarmstad, aonde predomina o principio aristocratico, onda o Lord, ou Par, ou Senador é um dos primeiros elementos do paiz, onde existe o direito feudal, onde os senhores dominam seus vassallos, e onde (como creio que succede em Hungria, e Baviera) esses senhores, e Barões, e Lords, tem até jurisdicção sobre seus vassallos, ahi é o principio hereditario, que regula o pariato, ou a qualidade para essa segunda camara hereditaria, de escolha do Rei, e sem numero fixo. Naquelles estados onde não ha verdadeira aristocracia, mas uma nobrezatitular como Norwega, Suecia,

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Hollanda, Belgica, e o Brazil mesmo; ahi o principio, que domina na segunda camara é o vitalicio, ou temporario, a escolha do Rei sobre lista triplice, ou não; mas sempre numero fixo, e cathegorias. Naquelles paizes onde ha uma quasi democracia, como as provincias do Norte d'America, as do Sul, o Chili, Haiti, Rio da Prata, etc., ahi não ha essas cathegorias; ahi verdadeiramente a segunda camara, ou primeira, como lhe quizerem chamar, constituida para fazer o equilibrio, e formar uma segunda instancia; ella é formada pelos collegios eleitoraes, ou pela primeira camara em seu seio, com censo, ou sem elle. Eis-aqui os principios, segundo os quaes, e conforme os logares, e tempos, se tem entendido dever formar a primeira camara do corpo legislativo. E ahi, no meio desses diversos elementos, que nós podemos ir escolher uma combinação adoptada ao nosso estado social. Parece-me pois, que uma camara vitalicia nomeada pelo Rei, em numero limitado, e proporcionado áquelle dos membros da outra camara, e sobre listas d'alta candidatura, formadas segundo certas condições de censo, e illustração qualquer, com origem popular, parece-me pois, digo eu, que um tal corpo reuniria todas as condições, que se podem desejar; seria nacional, e ao mesmo tempo independente, monarchico, e democratico; elle offereceria em fim garantias aos interesses, que é especialmente encarregado de representar. Eis-aqui a minha segunda camara. De resto eu não farei senão indicar estas bases, declarando que por ora neste, assim como em outros artigos, eu não tenho ainda uma opinião fixa, e determinada, e nem por ella me responsabilizo por ora. Já se vê, que eu não sou conforme com a maioria, nem com a minoria da Commissão, e muito menos o serei com esses artigos transitorios. Em verdade, ainda até hoje não pude atinar com a verdadeira razão, que teve a illustre Commissão para fazer transitorios esses artigos, que deviam, quando muito, ser permanentes. Que o povo esteja hoje mais habilitado, mais illustrado, que d'hoje a seis annos para escolher os seus representantes; que as prerogativas da Corôa cresçam na razão directa da illustração do povo; que os direitos do povo sejam coarctados na proporção, que elle cresce em illustração, como devemos suppôr; é contra todos os principios de direito publico constitucional. Tenho ouvido dizer, que rãzão politica, a de querer contentar todos os partidos, querer fazer entrar ahi a acção popular, levaram a Commissão a confiar do povo este ensaio: mas se eu quero, que agora, como sempre, o povo tome parte nessa eleição? Outra deve ser a razão, que não tenho ouvido.

O poder executivo, Sr. Presidente, acho-o muito bem organisado, menos quanto ao veto absoluto. O veto absoluto, entendo eu, que é uma arma terrivel na mão do Governo; e entendo mais ainda, que é injurioso, como acaba de dizer o nobre Deputado que me precedeu, muito injurioso, tanto para o povo, como para o Monarcha: porque não sendo o Rei, ou o poder executivo, como quizerem, senão um delegado do povo: que este tenha o direito de rejeitar, pura, absoluta, e indefinidamente qualquer medida, que os representantes desse mesmo povo fizerem, sem lhe dar a razão, por assim dizer, sem lhe dar conta disso, na verdade, Sr. Presidente, é um principio que não posso admittir, e que, ainda o digo, julgo injurioso para o povo, e para a Corôa. Mas ouvi dizer ao Sr. Conde da Taipa, que o veto absoluto existia em toda a parte, e até has provincias americanas do Norte. Direi ao nobre Conde, que troco de muito boa vontade por esse veto absoluto, que ha nas provincias do Norte da America, aquelle veto que eu quizera. Eu não quero o veto da Constituição de 22, mas tambem o não quero absoluto: eu quero que o Rei, quando recusar uma lei, dê as razões que assim teve para o fazer. Eu não quero que essas razões venham aqui para as discutir-mos, mas quero que o Rei as faça publicas á Nação = rejeitei esta lei por estas ou aquellas razões. = Porém, quando na immediata legislatura a mesma medida fôr proposta, então o Rei não tenha remedio senão sanciona-la. Se ainda assim não fôr bastante, quererei o veto de uma potencia, que ainda hoje passa pela mais liberal do mundo - a Suecia: propõe a Dieta uma medida, o Rei póde rejeita-la numa legislatura, na segunda, mas não na terceira: então a resolução adquire, força de lei, não obstante a recusa da sancção real. Este veto trocarei eu de boa vontade por aquelle do Sr. Conde da Taipa; porque nos Estados-unidos da America a proposta apresentada pelo corpo legislativo é levada a um tribunal, a uma especie de conselho, que participa do poder executivo, e ahi discute-se publicamente a proposta, e os seus debates chegam ao conhecimento de todo o paiz; e então está esse veto não só a par do que eu quero, que se consigne na Constituição, mas ainda um pouco mais liberal.

O direito de dissolução não posso deixar de o admittir com bem magoa minha, apesar do que aqui tenho ouvido dizer a respeito da sua inconveniencia. E tanto quanto tenho visto, e a memoria me soccorre, vejo que esta terrivel arma não tem sido empregada senão contra a liberdade, e contra o bem dos povos: não me recórdo senão de uma vez ella ser bem empregada nos nossos tempos, e é aquella de que usou Lord Grey para fazer passar a reforma: não tenho lembrança d'outro exemplo; a maior parte das vezes é contra a liberdade do paiz, e para satisfazer vistas particulares, que se dissolve o parlamento. Mas a dissolução de uma camara tem remedio; isto é, quando o poder executivo mal usa d'esse direito, o povo póde remediar; porque póde mandar-lhe esses mesmos homens, que o poder executivo dissolveu, e então terrivel lição recebe o Monarcha, e seu Ministros; mas ao contrario, eu não vejo remedio, ou senão um remedio muito violento, se o corpo legislativo se torna faccioso, como tem não poucas vezes acontecido, e isto é mais um argumento contra a unidade do corpo legislativo. A primeira, que conhecemos neste paiz, foi facciosa, e é desde o momento em que a facção entra no sanctuario da lei, que acabam as esperanças de conservar a liberdade. Logo, não ha senão um remedio para obviar as consequencias funestas de uma facção no corpo legislativo, não vejo outro remedio senão o uso do direito de dissolução; porque o outro é aquelle a que as potencias só recorrem na ultima extremidade - uma revolução.

Quanto á elegibilidade de Ministros, Sr. Presidente, eu não estava aqui quando se tratou d'essa questão; mas não obstante a muita amisade e respeito, que consagro aos Ministros, teria, com a mesma independencia, sinceridade, e franqueza; votado contra elles; e eu espero que não tornem mais a ser eleitos os Ministros da Corôa ; a elegibilidade dos Ministros, Sr. Presidente, entendo eu que é nociva ao bem dos povos: eu não posso combinar as funcções de Ministros com as de Deputados, porque na verdade não póde nunca um Ministro ser tão independente defensor do povo como da Corôa. Hontem o Sr. Julio apresentou outra razão, que a prática, principalmente neste momento, nos está fazendo ver que é verdadeira: o Ministro não póde ser de um talento tão superior, de umas forças tão colossaes, que possa satisfazer aos seus deveres como Deputado, e ao mesmo tempo como Ministro; por tanto votarei contra a elegibilidade dos Ministros. Este artigo é omisso na Constituição, assim como tambem é omisso aquelle de não poderem ser nomeados Deputados os empregados publicos dependentes do Governo, bem como de os Deputados, em quanto o forem, e um anno depois, não poderem ser nomeados para empregos dependentes do mesmo Governo, isto pelas mesmas razões, que apontei para inelegibilidade dos Ministros; porque em fim, e apesar de todas as boas teorias, a natureza humana, o nosso coração é feito de modo, que o homem que fôr empregado do Governo, ha de por momentos deixar de ser representante do povo.

Terminarei em fim, Sr. Presidente, por não cançar mais

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a paciencia do Congresso, e porque nada poderei dizer que possa instrui-lo: quizera ainda dizer alguma cousa ácerca do poder judiciario, e sobre juizo de facto principalmente, mas seria descer muito á espicialidade, quando ahi chegar-mos direi o que agora omitto. Declaro com tudo ainda que sobre alguns dos artigos de meu humilde discurso não tenho opinião determinada, é possivel que mude, se a discussão me esclarecer em differente sentido, mas para votar pelo parecer da Commissão como texto, e ha sua generalidade, tenho para já convicção bastante. - Voto pois por elle.

O Sr. B. da R. de Sabrosa: - Sr. Presidente, eu não tinha tenção de tomar segunda vez a palavra nesta materia; entretanto uma expressão de um illustre Deputado pela Beira-baixa colocou-me , como membro da Commissão na necessidade de defende-la. Disse o Sr Deputado, que a elegibilidade, dependente de um censo, era uma idéa immoral. Immoral! Sr. Presidente, se ha immoralidade, já vem de longe; e não era possivel que a Commissão deixasse de seguir em principio geralmente adoptado na Europa, é recebido da antiguidade. Em todos os Governos representativos, se a propriedade não é a base de todo o poder, ao menos, é a base de toda a representação. É isto o que eu tenho lido, e o que mais se conforma com o meu modo de entender. A Commissão achou este principio consagrado em todaa as Constituições. - Sr. Presidente, seria nos Governos absolutos que esta base se estabeleceu? Não Sr., é nos Governos mais democraticos, que eu não posso recommendar para o meu paiz, que esse principio é mais seguido. Por tanto, não posso, em nome da Commissão, consentir que se diga, que esse pensamento é immoral, quando elle e o principio conservador das sociedades. - O Sr. Ferreira de Castro já mostrou que o censo era a primeira condição eleitoral, e de elegibilidade. Em França é mister pagar dusentos francos d'impostos directos para ser eleitor, e em Inglaterra dez lib; e para ser Deputado é preciso ter lib. seiscentas de renda.

Disse-se mais, Sr. Presidante, que uma segunda Camara seria o apoio do Poder executivo pelo contrario entendo que uma segunda Camara, composta d'homems independentes por sua fortuna, e posição social, ha de ser maior garantia da liberdade, que apoio ministerial; porque o Ministerio passa, e o Senador inamovivel fica Sr Presidente, não foi uma segunda Camara, quem deu o Consulado vitalicio a Napoleão, foi o Povo, cançado d'eleições, e mudanças: não foi Daunou, foi a grande maioria do Tribunato, quem deu o imperio áquelle general. E que fez o despotp áquelle Tribunato que trhia a Republica? Cospio lhe no rosto, e anniquilou-o - Em Inglatera, havemos achar mil vezes essa Camara dos Lords defendendo a liberdade publica; e não foi certamente da Camara alta que vieram os grandes males, que experimentou essa nação desde 1640 ate 1668. Eis aqui o motivo porque a Commissão entende, que uma segunda Camara vitalicia ha de ser uma garantia da liberdade publica.

Fallou-se de pensões, titulos, etc que podiam recahir sobre esses Senadores, O projecto de Constituição previne esse abuso no artigo.. . creio que, na presença deste artigo, não poderá recear-se que as pensões corrompam os Senadores, e se isto é possivel no Senado, peior será ainda nos Deputados, porque eu creio que é mais facil corromper um proprietario, que um proprietario. Se os Senadores, e Deputados sahirem todos da mesma urna, porque razão ha de ser mais rendavel o homem Senador, que o homem Deputados? A asserção é gratuita; e gratuitas as prevenções que ouço manifestar.

Alludiu-se outra vez ainda á qualidade de Senadores vitalicios que a Commissão propõe: Sr. Presidente, ainda bem que nós temos chegado a um tempo de tolerancia total, que cada um póde livremente dizer o que entende no meio de Lisboa, aqui, e em toda a parte; e quem ostenta o contrario, não conhece a capital, em que tenho vivido, ha quasi trinta annos, e com todas as classes. O Povo de Lisboa quer, como o das províncias, a conservação dos principios, mas não pretende, nem deve pretender, dictar-nos os modos! - A minha convicção é que a Constituição ha de tirar mais força de uma Camara vitalicia, que duma temporaria. Aquella póde adquirir com o tempo uma certa influencia, certo pêso, que seja a salva guarda da liberdade, no tempo da renovação, ou dissolução da Camara temporaria. O Senador no fim da sua carreira, tem muito menos a temer, ou a desejar, que o Deputado no principio della. Se eu não tivesse a esperança de ver triumphar uma Camara vitalicia, então votaria por uma só Camara, porque não concebo a conveniencia de duas Camaras homogeneas, e temporarias.

Agora, Sr. Presidente, recordo-me tambem das palavras d'um illustre Deputado n'uma das ultimas sessões. Lamentou S. S.ª, que neste projecto de Constituição não dominasse o principio democratico - Sr. Presidente nós trabalhámos quanto nos foi possível para equilibrar os poderes politicos do Estado, e creio que não podiamos dar o dominio áquelle principio, sem mentir ao Povo, e a nós mesmos, depois de termos dito no artigo, que a Religião do Estado e a Catholica Romana, que o Governo da Nação é o monarchico representativo; este artigo é um principio nacional o Povo quer a Monarchia; e então é claro que a Commissão não podia dar o dominio ao principio democratico, uma vez que tinha estabelecido, obedecando ao seu mandato e persuações, que o Governo era munarchico representativo.

Eis aqui, Sr. Presidente, o que eu tinha a dizer por agora. Em quanto as outras questões, é campo trilhado, e quando o projecto se discutir tratarei de sustenta-lo artigo por artigo.
Sr. Lopes de Maraes - Sr Presidente, na questão incidente e d'ordem , que no começo desta discussão se suscitou, e em que se pôz em duvida se devia ou não haver discussão sobre o projecto do parecer da Commissão de Constituição, na sua generalidade, disse eu, que posto não podia haver duvida, nem questão sobre a necessidade social , que reclama uma reforma Constitucional, com tudo podia haver toda a duvida, e toda a questão sobre a conveniencia ou desconveniencia dos meios propostos no parecer para satisfazer a esta necessidade.

Então como se tratava db uma questão d'ordem, por não sahir della, disse eu, que esta duvida bastava para eu votar pela discussão na generalidade, mas que por bem da ordem me abstinha de dizer palavra na materia, mas aproveitava a occasião de pedi-la, caso se vencesse pela discussão na generalidade do projecto.

Venceu-se finalmente, Sr. Presidente, e é por isso que hoje fallo na materia, mas sempre a bem da ordem, nunca me esqueci della; porque aonde não ha ordem tudo é confusão. (Apoiado apoiado)

Cumpre-me pois, Sr. Presidente, fallar da materia de projecto em geral, e para isso seja-me permittido, pois é indispensavel, recordar que desde 1820 até hoje temos tido duas Constituições cada uma duas vezez ensaiada; e que taes ensaios nos tem custado mus de meia dúzia de revoluções e contra-revoluções, e sabe Deos ainda as que teremos.

Nesta ultima revolução occorrida em Setembro passado, proclamou a nação a Constituição de 1822 Eu não sei, Sr. Presidente, se a nação declarou nisto todas as necessidades que sentia, creio que não: porque uma nação, apenas sabe sentir que está mal, ou que podia estar melhor; mas conhecer qual é o mal, e determinar os meios necessarios para conseguir o bem, cuja falta sente, isso menos o póde fazer uma nação em massa, porque é necessario pensar, e as massas pensantes são mui pequenas na proporção das massas racionaes, movidas nas revoluções. Tenho por certo, que mais tem sentido em nossas revoluções a nação a falta d'uma Constituição orgânica, em harmonia com os nossos costumes e

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com as nossas Constituições politicas, de que os defeitos destas: organisar o paiz é no meu entender a nossa necessidade social, sempre existente, e que tem dado logar às nossas revoluções passadas, e o dará ainda a futuras, se presistir; embora façâmos nós a melhor Constituição politica do mundo, o tempo nos desenganará.

Seja porém como fôr, Sr. Presidente, se as nações em massa pouco pensão, e menos ainda quando se revoltam; com tudo ellas possuem sempre um instinto, que em parte indica além do mal sentido os meios de remedia-lo, ao menos em parte: o instinto é natural aos povos como aos homens.

Em 1820 sentiu-se mal a nação, indicou pela revolução o mal que sentia e ao mesmo tempo o remedio, n'uma reforma Constitucional: obteve essa reforma pela Constituição de 22; mas tendo-a experimentado, assim como a Carta de 26 até Setembro passado, e achando em ambas pouco ou nenhum alívio a seu mal sentido, voltou ao pacto de 1820, e proclamou a Constituição de 1822 com as modificações, que nós lhe fizer-mos. E porque não quiz a nação essa Constituição pura e tal qual? Porque a experiencia lhe mostrou que assim lhe não servia; seja isso como fôr, e parque fôr.

Proclamada aquella Constituição com modificações, que seria ella, Sr. Presidente, simplesmente proclamada? O mesmo que toda a lei sem execução; o mesmo que ella era antes de proclamada; uma letra morta, um cadaver sem vida. Então, Sr. Presidente, para dar-lhe vida era indispensavel dar-lhe execução; e foi para isso que se nomeou um novo Ministerio, que com a Rainha désse a possivel execução a essa Constituição proclamada , e que só podia ter vida personalisada, primeiro na Rainha e seu Ministerio, e logo no resto do corpo governativo, que ultimamente a personalisou também em nós, para reformar-mos essa lei.

Desta maneira, Sr. Presidente, é ctaro, que antes da nossa reunião todos os poderes, ou antes todos os deveres Constitucionaes (porque os poderes politicos são deveres; aliás ninguem seria responsavel por elles) (apoiado) estavam reunidos, no governo; elle devia fazer tudo, quanto julgasse necessario para manter a nova ordem politica, e leva-la a effeito na sua plenitude, até á nossa reunião, cujo fim principal é o mesmo ua parte que nos toca.

Censura-se o governo por ter legislado muito: pois Sr. Presidente, se eu o censurasse neste assumpto, eu o censuria por ter legislado pouco: as muitas leis são para mim próva certa da falta de legislação. (Apoiado.) Se o governo tivesse legislado bem, teria feito menos leis, e legislado mais: teria feito leis completas que organisassem o paiz em todos os ramos d'administração: (apoiado) isto estava no seu dever, antes do que no seu direito: o direito pertence á nação, por que precisava, como ainda preciza. Mas, Sr. Presidente, por nossa desgraça o governo, a que impropriamente se tem chamado dictadura , fez muitas leis, e legislou muito pouco e nós faremos o mesmo, senão tomarmos melhor ramo.

Se eu considero como um dever no governo, fazer tudo o que entendesse ser a bem da nova ordem, seria uma inconsequencia negar-lhe o poder de o fazer; porque os deveres nascem das faculdades, e os direitos das necessidades, e só se medem uns pelos outros reciprocamente. Uma necessidade social deu lugar as occorrencias de Setembro ultimo, e logo depois se procedeu a convocação das Côrtes; e nas instrucções para as eleições appareceu a recommendação de que nos diplomas se concedesse aos Deputados, tirar da Carta de 1826 o que julgarem conveniente á reforma Constitucional, para o que principalmente foram convocados.

Esta insinuação, Sr. Presidente, que alguns tanto tem censurado ao governo, é tão legitima como a lei das eleições, pela qual o mesmo governo nos convocou. A nação tinha a esse tempo outro orgam de expressão das suas necessidades sociaes; e se a nação toda lhe não encommendou pelo acto de Setembro essas clausulas em nossos diplomas, ella com tudo as legitimou pelo acto das eleições, authenticado pelas actas.

Porém, Sr. Presidente, outra clausula mais geral, e que comprehende a todas, que sem a qual nenhuma outra tem lugar, faz o fundamento de nossas procurações: esta clausula é de fazer tudo a bem da nação, que deixa á nossa prudencia , e á nossa sabedoria escolher os meios de conseguir esse bem, cuja falta sente a nação; mas cujo remedio a nós cumpre applicar-lhe: o doente só sabe sentir, e quando muito dizer, o que sente; ao medico pertence conhecer o mal, e applicar-lhe o remedio. (Apoiado apoiado.)

A nação mandou-nos aqui para reformar-mos a Constituição de 22; mas ella não podia saber o que faltava, nem o que havia de mais nessa Constituição; e por isso não passou em sua proclamação de expressar, que queria essa Constituição modificada, e nem o governo, seu unico orgam, na sua convocatoria passou de insinuar, e a nação de consentir, em que da Carta de 26 se aproveitasse o que parecesse util na reforma Constitucional. Eis-aqui quanto tem expressado a nação, seja immediata, seja mediatamente.

Mas, Sr. Presidente, quem é o juiz competente para fazer o processo á Constituição de 22, e á Carta de 26, a fim de aproveitar o bom, e regeitar o máo, se nellas houver, como creio, bom e máo, falha e excesso? Ninguem póde duvidar, que nós aqui reunidos, somos esse juiz ao menos eu assim o entendo, e se a nação nos elegeu, julgou-nos capazes para isso; embora se enganasse ao menos comigo; mas disso não tenho eu culpa.

O meu dever como Deputado, Sr. Presidente, é contribuir para que se faça uma reforma Constitucional, que convenha às nossas necessidades sociaes, e para isso me julgo investido de poder; porque sem este não ha dever. A nação nem quiz indicar-me a Constituição de 22, nem a Carta de 26, senão como fórmas e modos de realeza Constitucional, e representativa; porque a fóra as disposições preliminares, communs a uma e outra, e a fóra os direitos e garantias individuaes, communs a todas as Constituições livres, o que tudo é inalteravel; no mais não ha senão fórmas , e modas de realeza Constitucional, e representativa, que podem variar-se para melhor, ou peior : o melhor é que a nação quer, e a nós pertence escolher; esteja elle em qualquer Constituição, ou fóra della: a melhor fórma de realeza Constitucional, e representativa é a que a nação exige da nós; porque é esta a fórma de governo mais engenhosa, ainda que a mais complicada, que a sciencia , e a arte de governar tem descoberto; e é assim que a nação quer; uma vez que quer Rainha, e Constituição: (apoiado), e quem ha aqui que deva condemnar á morte n'uma e outra tudo o que é motivo de revolução, e dar vida numa nova refórma a tudo o que deve dar estabilidade para o repouso da nação, de que tanto preciza? quero dizer, fazer surgir desses germens de discordia uma nova, e duravel alliança da familia portugueza! (apoiado.)

Para cumprir esta melhor fórma, Sr. Presidente, que temos nós feito? O que podia-mos fazer. Nomeámos uma Commissão que lhe formasse o texto, e agora cumpre-nos examina-lo, e corrigi-lo: nenhumas bases démos a essa Commissão, escusadas eram ellas, porque outra sempre as faria como entendesse antes de nós as discutir-mos. Agora, Sr. Presidente, temos debaixo de mão esse texto para o discutir-mos na sua generalidade, e que nos offerece elle? Uma realeza Constitucional e representativa, que nem é a da Constituição de 22, nem a da Carta de 26. Eu, Sr. Presidente, não sei ainda se a nação quer, ou preciza d'uma fórma de realeza, qual a do projecto, nem sei como ella sahirá depois da discussão na especialidade. O que sei é, que a nação não quer a Constituição de 22 pura, nem a Carta de 26 pura; e por isso poderá convir-lhe um modo e fórma de realeza, como o do projecto: o tempo o dirá; mas por agora

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bastaria esta razão para adimttir-mos o parecer da Commissão. (Apoiado apoiado.)

As bases que a Commissão diz que tomára na confecção do texto do seu parecer, foram os poderes de seu mandato, os nossas Constituições, e os principios de direito publico Constitucional exarados, seja em diversas Constituições livres, seja nos escritos dos publicistas modernos. E que outras bases, Sr. Presidente, poderia buscar a Commissão? Ella sem duvida teve presente ao pensamento a historia dos governos livres antigos, e modernos, e conhece que estes, bem que a principio moldadas sobre o principio de liberdade, que dominava aquelles, com tudo sempre delles deferiram por sua fórma representativa; e esta se tem aperfeiçoado por tentativas e experiencias, como todas as sciencias e artes, a traz das quaes sempre vai a sciencia e a arte de governar, que aliás as faz tambem prosperar.

A theoria dos governos livres da antiguidade, Sr. Presidente, a historia no-la insinua, bem que differente da dos modernos; porque naquelles a escravatura formava as grandes massas, no meio das quaes poucos eram os cidadãos, quando nos modernos tudo são cidadãos; com tudo ella parece ter dado as primeiras idéas de reforma aos governos livres da Europa, estabelecidos nas ruinas do Imperio Romano. O governo representativo não existia entre os antigos; porque delle não tiveram necessidade poucos os cidadãos, e muitos os escravos, de cujo trabalho aquelles viviam , fácil foi, que todos esses cidadãos tivessem parte na confecção das leis: assim vemos em todos os governos livres da antiguidade que os cidadãos todos foram legisladores. Porém , Sr. Presidente, em toda a parte nós os vemos arranjados em dois concelhos legislativos, consilium majus ou de todos os cidadãos, consilium minus, estes tinham a iniciativa e proposição das leis, e aquelles votavam nas por sim, ou não. Athenas, Sparta, Roma, Cartago, Marselha, &c. nos offerecem constantes exemplos: o governo não era representativo, mas era livre; porque as, leis se faziam pelo nação, dividida em dois concelhos, ou duas camaras: o poder executivo não tinha parta especial na legislatura, em separado.

Nos governos modernos livres, que suçcederam á quéda do Imperador Romano; a sua extenção, e o maior numero de cidadãos fez necessaria a representação: os cidadãos passaram de legisladores a eleitores dosses legisladores, e a representação foi a principio por classes de clero, nobreza, e povo; e assim a tivemos nós por seculos, como as outras nações livres. Esta forma de realeza Constitucional degenerou em toda a parte em absolutismo; e isto mesmo fez sentir a necessidade de reforma; e foi ainda me parece, nos governos livres da antiguidade que se foi buscar a idéa nos seus dois concelhos legislativos. Seja nos antigos, seja nos modernos, governos nenhuns differença essencial offerecem ao meu espirito: o modo, e a fórma de leva-lo a effeito tem com tudo variado.

E com effeito, Sr. Presidente, consistindo a liberdade dos governos antigos na faculdade, que tinham as nações de se darem as suas proprias leis, dictadas sempre pelo seu concelho menor, e que só tinha capacidade para propo-las; e approvadas pelo seu concelho geral de todos os cidadãos, que como por um instincto, na falta de instrucção, as approvava, ou reprovava; os governos modernos não tendo podido descubrir outro principio de liberdade, e não podendo leva-lo a effeito em estados maiores, e sempre mais a bundantes em cidadãos, na maior parte occupados em seus negocios domesticos na falta de escravos, que delles cuidassem, como nos antigos governos livres: depois da terem por necessidade recorrido á representação por classes n'uma só camara com o rei nas monarchias constitucionais, e terem experimentado que, pelo tempo tal organisação veio a degenerar no absolutismo: depois de continuadas lutas entre o povo, a aristocracia, e o clero, e entre as duas classes e o rei, sendo o povo sempre instrumento, fôsse nas mãos dos grandes para supplantar os reis como em Inglaterra; fôsse nas mãos dos reis para supplantar os grandes como no resto da Europa Constitucional. Então, Sr. Presidente, a necessidade de uma reforma foi sentida, e foi ainda nos antigos que se encontrou a idéa de arranjar as classes em duas camaras representativas e legislativas, como os mesmos antigos arranjavam nos seus governos livres, todos os cidadãos em dois corpos legislativos, que aliás não eram representativos; porque, como já disse, os governos representativos são invenção das nações modernas livres, que nisso differem das antigas. (Apoiado.)

A Inglaterra, Sr. Presidente, foi a primeira, que deu o exemplo desta reforma, arranjando a Representação em duas Camaras, e com tal reforma ella prosperou, e se fez grande; e por mais que se sensure a imperfeição dessa reforma, eu a reputo muito conforme ao tempo, e ao paiz; porque muito durou, e com ella prosperou a Nação; e é só pelos effeitos, e pela duração, que se deve apreciar a perfeição das obras humanas; aliás sempre imprefeitas: mas é certo, que essa reforma, além da sua duração, e do bem que della se seguio ao paiz, continha em si os principios do progresso, e do melhoramento no futuro, com o qual se tem ido melhorando sem novas revoluções, similhantes áquellas em que começou. Praza a Deos, que nós fôssemos tão sábios, e tão felizes na refórma, que nos occupa, e que por ella affastasse-nos novas convulções, sempre debilitadoras. ( Apoiado.)

Seculos depois da reforma d'Inglaterra, teve logar na França uma revolução para o mesmo fim; porém, Sr. Presidente, a vertigem revolucionaria, e parece-me que a emulação franceza, não consentiu que a França imitasse simplesmente a Inglaterra, velha e experimentada era materia de reforma constitucional. A revolução francesa teve em resultado a Constituição de 1791, com uma Camara unica representativa dos individuos, e com o Rei; devidindo assim o Poder legislativo em dous ramos, como entre os antigos; mas defirindo delles pela unidade da Camara, e pela parte do Poder legislativo concedida ao Rei, chefe aliás do Poder executivo.

Este novo modo e forma de realeza constitucional e representativa, que á primeira vista parece tão simples e tão sabiamente combinada, mostrou-se por experiencia ser a mais imperfeita, porque em vez da ordem, de que precisava a França, nada mais fez que angmentar a desordem, e a anarchia, até que acabou com a realeza: nem mesmo depois disso póde presistir, durando menos tempo, que levou a conceber na cabeça, e a organiar em papel. (Apoiado.) Extincta a realeza em França, pasmaram os Francezes ao governo republicano, que em nada differe essencialmente da realeza constitucional e representativa, senão em privar o Poder executivo de tudo o que é legislativo. Então sentiram os Franceses que seria possivel organisar assim um governo livre; mas que é impossivel excluir a aristocracia, seja de nascimento, riqueza, virtude, e mérito; seja d'outra qualquer notabilidade, de participar do Poder legislativo n'uma Camara propria: e nos ensaios subsequentes vieram a duas Camaras em governo republicano. Porém, Sr. Presidente, como a necessidade social da França, desorganisada pelas revoluções, assim como nós já mais era d'organisar o paiz, nenhuma Constituição politica podia satisfazer por mais bem combinada que fôsse; e a nós succederá o mesmo. ( Apoiado.)

E na verdade a frança, de Constituição em Constituição, só póde escapar às vorageas da anarchia, quando Bonaparte, e o seu Conselho a organisou, fôsse como fôsse. Os reformadores liberaes não souberam organisa-la no sentido da liberdade (apoiado) mas um despota soube organisa-la no sentido do despotismo; a toda a organisação abraçaria então a França, porque precisava d'uma. (Apoiado.)

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Esta organisação, Sr. Presidente, nascida sofre as ruinas d'uma liberdade morta por anarchia, sempre levou algumas feições do seu nascimento, bem que alteradas pelo despotismo militar: e é a meu ver, por isso que ella se casou, ainda que mal, com a liberdade na volta dos Borbons, e é por isso que o estado politico da França é ainda hoje indifinido e pouco estavel. ( Apoiado. )

Organisada a França, e cbeia por isso de força, debor-dou sobre os visinhos, desde Gibraltar até Moscou, e atacando a independencia da Hespanba, suscitou-lhe a idéa de segura-la na liberdade politica. Então a Hespanha se constituiu; e imitando a França, contra quem lutava, organisou a sua realeza constitucional e representativa, como a França em 91: uma Camara representativa d'individuos com o Rei participam do Poder legislativo; mas o Rei só tem o veto suspensivo, tendo a Camará absoluto, e a iniciativa commum com o Rei, chefe aliás do Poder executivo; eis aqui a chave da organicação dos altos poderes politicos na Constituição de 12.

Esta fórma de realeza constitucional é no fundo a mesma da Constituição franceza de 91: os seus vicios radicaes, e destruidores da mesma Constituição, são os mesmos: ( apoiado ) a realeza é posta a nu aos embates d'uma Camara democratica, que n'um rasgo de penna póde acabar com ella, se a realeza se não prevenir em destruir antes tal fórma de governo; que aliás excluindo do exercicio do Poder legislativo uma aristocracia, por toda a parte abundante na Hespanha, seja pela propriedade accumulada, seja pela historia militar, seja pelo poder ecclesiastico ainda excessivo, não podia deixar de ter muitos e fortes inimigos communs com o Rei. E foi por isso que a Constituição de 1812 viciosa em sua organisação, e mais ainda na sua applicação á Hespanha, só durou em quanto Fernando 7.º não voltou de França, aliás acabaria essa constituição com a realeza, como sua mãi, a da 1791 , tinha acabado com ella na França. (Apoiado.) O despotismo de Fernando, e da aristocracia e clero hespanhol, despertado e assanhado pela nova liberdade, surgiu feroz, e fez desejar a volta á Constituição de 12, de que aliás a Hespanha ainda se não tinha farto. Uma circumstancia favoreceu esta volta, e as nossas nos constituiram na rigorosa necessidade d'imitar e copiar a Hespanha. Demos-nos então á Constituição de 1822, filha da de 12 na Hespanha, e neta da de 1791 na França. A avó, a filha, e a neta, tendo todas as mesmas feições e os mesmos vicios, não tiveram muito differente duração; e se pelos seus effeitos e duração se deve avaliar a perfeição das obras humanas, nunca os homens neste genero fizeram obra mais imperfeita. A França nunca mais repetiu a tentativa; a Hespanha depois de duas, apenas fez a terceira por transição, para melhor fórma; e nós.. .. Nós havemos de ser cegos á observação, e surdos á voz da Nação? ( Apiado.)

A Nação Portugueza, Sr. Presidente, sempre foi dotada do bom senso; ella nem quer a Constituição de 22 sem alteração, nem a Carta de 26: aquella, por muito democratica, e esta por muito monarchica e aristocratica: uma combinação de democracia, Monarchia, e aristocracia, a mais bem temperada, é o que ella quer, e o que lhe convém: uma combinação dos poderes politicos, e suas attribuições tal, que ellas se não empeçam, nem se choquem, ou se destruam: eis aqui em que está toda a habilidade da combinação. (Apoiado. )

E offerece-nos o parecer da Commissão uma tal combinação em seu Projecto? Na discussão na especialidade delle nós o veremos: por agora já vejo que nella entram os tres elementos - monarchico, aristocratico, e democratico:- vejo, que a poz das disposições preliminares, communs a Constituição e á Carta, se segue a declaração dos direitos, e garantias individuaes communs a todas as Constituições livres; e vejo que depois disto organisa uma realeza constitucional a representativa, ou bem ou mal, que nem é a da Constituição pura, nem a da Carta: eis aqui o projecto na sua generalidade: elle é conforme á nossa missão, é texto de mais para a nossa discussão: ella o melhorará, tirando-lhe o que fôr de mais, accrescentando-lhe o que lhe falta, e combinando melhor as partes mal combinadas.

Finalmente, Sr. Presidente, eu nem sou realista, nem aristocrata , nem democrata: sou Portuguez Constitucional, e por tal perseguido; mas se eu fizera uma Constituição para um Povo, que se constitue de primeira vez, e sem costumes governativos, e habitos adquiridos, eu os constituiria em republica; sem eu ser republicano: se eu reformasse a Constituição d'um Povo escravo, só lhe daria a liberdade compativel com seus costumes tão sómente: se um despota me encarregasse de reformar a Constituição despotica de seus estados, eu organisaria um despotismo doce e regular: mas se um Povo livre como o Portuguez, porém com habitos governativos monarchicos, aristocraticos, e democraticos, me encarregaste, como encarrega da sua reforma constitucional, eu devo organisar uma realeza constitucional, mixta e bem temperada de monarchia, aristocracia, e democracia; porque em todo o caso, a Constituição está no Corpo social, e eu só posso melhora-la pelo regimen d'uma boa lei politica em harmonia com a Constituição natural a cada Povo, segundo seus costumes e seu progresso social. (Apoiado.)

Posto isto, Sr. Presidente, deixando agora as questões de vetos, duplicidade ou unidade de Camara, divisão, harmonia, independencia, e moderação reciproca de poderes politicos; e reservando tudo isso para a discussão em especial do projecto, em que terei muito que dizer; concluo, que contendo-se, nelle o principio de liberdade politica, unico em todos os governos livres, sejam antigos, sejam modernos; isto é o poder da Nação em fazer, e dar-se suas proprias leis, e uma parte na nomeação de seus executores: e contendo-se nelle uma organisação boa ou má de realeza constitucional e representativa, que nem é a da Constituição, nem a da Carta; e attenta a latitude que fica a cada Deputado d'alterar na discussão na especialidade qualquer disposição, que no projecto lhe pareça menos conforme, eu voto pelo projecto na sua generalidade; e não acho rasoavel que qualquer dos Srs. Deputados, que o tem combatido, o não admita na falta d'outro melhor, como texto que elle póde commentar como entender; na certeza de que a prefeição só pertence às obras divinas, e não às humanas; e que nós devemos legislar para os homens, taes quaes elles são, e não quaes devam ou possam vira ser.

Agora, Sr. Presidente, seja-me ainda permettido dizerem declaração do meu voto, que procurando fuuda-lo no juizo geneologico da liberdade dos Governos, e na mesma natureza da liberdade, e modos e formas diversas de leva-la a effeito, tudo na sua generalidade; na generalidade considero simplesmente o projecto; e por isso nenhuma nota julguei a proposito tomar sobre os argumentos produzidos contra elle por alguns meus illustres collegas, que todos baixaram a especialidades. Estes argumentos estão todos dignamente combatidos, e defendidos; e tornar a elles, seria repetir uma ladainha fastidiosa, e já cantada de sobejo; o que aliás nos não escusa ainda de repeti-la por partes na discussão em particular. Ahi tenderei eu sempre para uma simplicidade, e para uma comprehensão tal no contexto da Constituição, que, se podesse ser, nella se encerrassem ao mesmo tempo os principios, e os fins de toda a mais legislação: felizes seriamos nós, se a tanto chegasse-mos., e de que aliás nos não tolhe o texto do parecer da Commissão, que a tudo se poderá moldar com sabedoria, e prudencia. (Apoiado, apoiado.)

O Sr. Santos Cruz:-Cesar ao subir ao docel na causa da Illiria disse: - Não demos a Cicero o trabalho de advogar uma causa perdida. - Mas o orador fallou, e a causa foi salva. Srs. eu não tenho a eloquencia de fogo d'aquelle orador; mas vós não tendes a vontade de ferro d'aquelle ty-

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anno: e eu oUSo ainda revocar-vos em nome da patria o voto, que a vossa sabedoria parece ter pronunciado .... o projecto em discussão - Veio! Duas Camaras! Dissolução! Elegibilidade de Ministros!...... que leio eu nelle. Sr.? Onde.... em que época estamos nós? Não é em Portugal? Não é depois do dia 9? Não houve pois uma Constituição jurada? Não houve pois uma revolução infinita? E podemos nós desmentir uma hypothese vivente, aniquilar um facto consuminado?... e o que é essa revolução Srs.? Eu a definiria como os Pautheistas definiam a alma da materia est quodum que vides, quacumque respiceris - é tudo o que vemos para qualquer parte que olhemos - e o que é a Constituição? Eu a definiria tambem como os primitivos catholicos difiniam o espirito divino - est id, in que rivimus, existimus sumus, - é isto em que vivemos, existimos, estamos - e poderemos nós... nós que o vimos, nós que o jurámos, nós que delles damos testemunho nestas cadeiras, resilir d'um pacto definido - repulsar um programa jurado? E dizer ao mundo - O povo nada quiz - não ha uma Constituição - uma nova Constituição haverá? Ah Srs. meditai-o é tempo.... é tempo pois de tomarmos cada um nossas posições: o ponto solemne assomma... em aquella uma pronunciando- decidida está a morte ou a vida da patria .... deste momento, daquella urna, estão agora pendentes os destinos de tres milhões de habitantes ...uma nação nos fita, uma Europa nos observa, uma posteridade nos espera, e a esta consideração profunda, nenhuma contemplação humana será capaz de calar esta lingoa, que com a vida sagrei á patria .... Honra, gloria, nome portuguez , tudo está hoje diante de nós; trata-se de um facto, do maior dos factos de Portugal... Trata-se de saber, se a revolução triumfante no campo d'Ourique, será hoje derrotada no campo parlamentar; trata-se de saber se o juramento unanime de um povo, será hoje pela representação abjurado; trata-se saber se um povo que se deu hontem em modelo de gloria á Europa, será hoje dado em espetaculo de opprobio, trata-se de saber se aquelles que disseram hontem ao mundo - nós somos livres, nós combatemos por direitos, e acampamos por principios, lhe dirão hoje - nós somos revoltosos, nós acampamos sem fins, e nos insurgimos sem alvo... trata-se de saber se tantas flores civicas, se tantas coroas de gloria, serão hoje por nós deslocadas e convertidas em purpura d'escarneo. - Trata-se disto - para a patria trata-se de muito.... para mim de pouco, de saber se o Congresso terá mais ou menos um Deputado... Porque eu voz declaro Srs., que sou portuguez, e mais que tudo homem livre, que respeito a Nação; mas que se elle me encarrega de ir dizer em seu nome á Europa , eu delirei, eu dei um grito vão, eu levantei um estandarte falso - eu renunciarei o seu diploma, e sahirei desta tribuna, porque eu não sou digno da honra de deshonra-la. Consume-se pois esse acto da vossa sabedoria;....mas que meus olhos não assistam a esse doloroso holocausto. Que Srs. pois um povo inteiro a campo, batem vinte caixas de guerra em todos os angulos de uma capital, revoluciona-se a Nação, livra Portugal só para enthronisar tres homens... só para destruir seis tyrannos, sem abater a tyrannia ministerial?!

Bravos, que me ouvis, e que visteis o dia memoravel, dizei-mo, ah! se um pensamento não tivesteis em Ourique, se vacilasteis um momento, se vossos braços se armaram contra um principio com que vosso coração tinha capitulado, nesse momento vós devieis virar para a terra, as vossas armas, arrancar vossas olivas, e em logar d'hymnos de victoria, volver a vossos quarteis sob uma marcha funeral... oh! jámais... Pois o dia 9 morrerá.... pois nós iremos n'um instante converter louros em algemas, depôr garantias que tanto.... tanto custaram, que pertende ou que se diz pertende, regimentar-nos! E para que Srs. para d'essa humiliações, outras humuliações ámanhã nos vierem requerer e augmentar?....
"Arda Lisboa, anniquile-se a patria " - rios disseram hontem daquella tribuna a proposito de uns fardos subtraidos á alfandega - isso não, mas arrisque-se tudo, se periga a soberania nacional - é um dogma, me dizeis vós - sim; mas é um dogma que me imprimio a natureza, que jurou minha consciencia, que me impõem meu dever politico, e onde está a morte ou a vida da minha patria? dizer isto é dizer, que eu serei immutavel, que caido elle, quebrou-se para mim o annel de pacto, e que em aquella uma contra elle pronunciando, soou para mim a hora parlamentar, erma ficara esta cadeia, e cidadão passivo eu vos obedecerei sem murmurar. Votar pois a Constituição de 22, modificada, e não alterada, eis meu voto: - vota-la porque a Nação a jurou - eis meu motivo: - nada mais: - eu não preciso mais porque, e para mim, aqui a questão está cifrada - quaes seriam pois meus argumentos? Nenhuns - quaes são pois as minhas razões? Uma só - a fidelidade - errar ou acertar com a patria, morrer ou viver com ela: - eis meu dever; meu dever é minha razão, sou a vontade delegada da patria - basta; - e para mim aqui a questão acabava.

Mas vós tendes decidido d'outro modo - vós metteis em discussão o que não é discutivel, - uma outra Constituição a dar ao paiz!.... Obedeço - cumpre deliberar - entro na materia - percorrerei pois vossos sabios argumentos da historia - da auctoridade - da politica - estabelacerei tambem os meus do seculo - de Portugal - da analyse - e de todos concluirei que era ainda a Constituição de 22 (se uma optassemos) a dar á pátria.

A historia é a primeira fonte, que aqui se apresentou, á argumentação, e é a primeira que eu começo a rejeitar; a historia Sr., e que fonte impura, que elastica base vós quereis substituir a principios evidentes, e ao direito raciocinado? E para que hei de eu ir interrogar ao pó dos tumulos, o que na vida e no coração está? Porque hei de eu ir perguntar aos livros, o que na natureza está? Direitos Srs., (apontando para o peito) é aqui que estão gravados, para os entender basta sentir, para os estudar basta estudarmos: mas a historia E o que ha, que pela historia pró ou contra todos os governos, se não possa provar? Duraram republicas, duraram theocracias, cahiram monarchias, democracias baquearam, os mesmos paizes viram; ora republicas, ora imperios, o mesmo Ceo cubrio despotas e tribunos; as mesmas fórmas de governo foram, ora ephémeras, ora vivazes; o Tibre vio; ora as fasces, ora as mitras, o Hellesponto vio o Alcorão, e as doze taboas, Governos puros, mixtos, despoticos, absolutos, dictaduras, tyrannias, heptarchias, dogados; em fim tudo tem indiscriminadamante podido existir e acabar. Agora que nos ensina a historia que tudo e possivel, e nada indemostravel.

Que se aprende pois na historia , respeito a governar? nada; resolveo acaso já algum governo o problema da humanidade, houve já algum immortal como a Phenis, e sereno como Eden? Não; porque então não estariam ainda hoje as sociedades a organisar-se: logo as fórmas de governo estudadas na historia são um cháos. Com tudo uma cousa parece liquida pela historia, e se alguma hei de deduzir esta será; porque nella está, (porque eu leio sempre a historia , como Raynald a escrevia - filosoficamente) e é Srs., que - tudo é governo excepto a olygarchia; - e que com tudo ella tem sido sempre a que tem governado, e a que tambem tem degenerado, e degenerara sempre todas as sociedades, e uma grande verdade é, a que disse um nobre Deputado daquella tribuna - que a olygarchia é um instincto natural; - mas eu concluo o contrario do orador, e é que, por isso que é instincto, e instincto vicioso, é que vossas leis devem mais, e mais reprimi-lo, e repulsa-lo; por isso mesmo é que não deve haver segunda Camara olygarcha, e privilegiada; porque é a mesma historia a que a delata; foi o principio equestre que degenerou França, e Rnma, republica, e imperio, foi o principio patricial que ensanguentou França, e Roma,

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republica, e imperio. Não foram as fórmas, não foi a democracia, foi o principio do privilegio que degenerou Athenas, Veneza, Polonia, Genova, em fim todas as fórmas que tem existido, fôssem Republicas, fôssem Imperios; fôssem representativas, fôssem arbitrarias; e foi este mesmo principio fenda, que em fim se formou mesmo em estado, e que quando os Reis os aboliram, veio refugiar-se nas representações nacionaes anomalas, nas segundas Camaras, nas Dietas, nos tres Estados etc., ete., e que continúa agora mesmo a tudo degenerar; sim Srs., Republicas, Monarchias, representações, isso tudo são fórmas, privilegios; e olygarchias é que vem ser sempre as realidades: o que dais aos Reis, quem gosa são os olygarchas; o que derdes aos povos, quem o gosa ainda são os olygarchas; é a mais vivaz praga, a mais anomala escrescencia , a mais indelevel peste das sociedades: (apoiado, apoiado,) apoiado! Pois então concluo: quereis vós pois funda-la em logar de extingui-la, essa molestia social? Não basta tolera-la passiva; cumpre erigi-la soberana! Querereis dar-lhe uma existencia legal, representa-la.....que presente Srs. á joven liberdade. Uma camara como a do projecto, uma segunda Camara de uma aristocracia e d'uma aristocracia aspirante vitalicia, funccionaria e antipopular! Cheia de todos os vícios organicos! em fim uma tyrannia legislante e judicial, um senado de Veneza; ah! Mil vezes antes a Camara nata; a Constituição inteira não vale o mal de ter uma similhante Camara, a que ahi está.

Outra verdade resulta da historia, Srs., e que as representações binarias, ou de dous corpos legislantes tem caido pela degeneração, e pelas mãos do povo, e as de uma unica Camara só tem caido pela espada. Athenas pela de Filippe, Carthago pela de Scipião, a Constituinte e o Throno pela de Broglie, a de Cadiz pelos Mamelucos d'Angouleme; e eu digo - que se as Constituições de duas representações, ou do privilegio, cahem pela degeneração; e as de uma só Camara, ou as do principio de soberania, cahem só pelo ferro; as do principio de unidade são boas instituições, porque soffrem todos as provas, excepto as da espada; porque a instituição que resista até á prova do ferro, que seja como Messa po "quem nec fasigni cuiquem, nec extinguere ferro." Se os despotas as atacam pelo meio estremo do ferro, é por verem que ellas não podem cair pela intriga, e pela corroção; é porque ellas tem bases solidas, são perfeitas, e não tem em si, como as binarias, o principio da sua destruição, o principio degenere , o aristocratico. Sim, Srs., o principio do segunda camara é um principio degenere, que não tem sido capaz senão de infeccionar as sociedades. Assim a historia, se alguma cousa próva é a favor de uma representação unitaria, e contra a representação do privilegio, e olygarchia. Mas que ha a procurar a resolução do problema da humanidade nos seculos? Se elles o tivessem resolvido, o nosso já o não procurava: que podemos nós achar ahi senão a constituição de nossos ferros? Que ha a aprender no velho mundo, quando é para resgatar-se delle que o novo mundo se tem levantado? O nosso seculo é de tentativas, porque os antigos tem falhado; eis-aqui tudo. De que serva pois copiar, quando é preciso inventar? Que ha que olhar para trás, Srs., depois do que disse o grande. Necker - «todo o direito publico da Europa repousa sobre o codigo da conquista.» e o systema das duas camaras é filho do systema feudal. Na historia pois não há que aprender, mas que desaprender em direito; e o melhor modo de estudar nella o direito, é fecha-la, e analysar.

Recorramos agora á politica, e viajemos a Europa para optar: vós o tendes feito; e eu optarei tambem, mas em contrario; eu tomarei o prisma de Montesquieu, e eu terei fitas as suas maximas da transplantação das leis, em quanto observo a Europa; e então, em logar de analogias, eu direi, que não acho nada analogo a Portugal; porque para mim é maxima, (com Cabanis) que a terra, o clima, o estado, politico é o que dão as constituições às nações; porque em politica, parte-se do ponto, e do logar aonde se está, que é em Portugal, e na revolução. Se vós me dizeis que não abstrahieis da Europa ,eu vos digo, que não abstrahaes vós de Portugal; e para mim é outra maxima esta, que quanto mais fracos são os costumes e as instituições civis de um povo, mais fortes representações, e instituições politicas deve ter; porque aonde a liberdade não está nos costumes, é á custa do centro, é á custa de uma forte representação central, que dura, e se sustenta a machina constitucional.

Diz-se: mas a Inglaterra, a Franca, a America, a Norwega tem duas camaras: sim, e devem te-las. É certo que essas nações tem o privilegio representndo; mas tambem é certo que isso é uma capitulação, e não um principio que imitar; que lhe impozeram, e não o escolheram. Petion dizia -«os inglezes riem-se de que as nações os tenham copiado, e lhes tomem como escolha o que foi uma necessidade. A Inglaterra tem a aristocracia representada, ou segunda camara; porque os Barões, e não o povo, é que fizeram a revolução, e conquistaram o direito a João Sem-terra: na Inglaterra dura a representação das classes, e hão dos individuos; porque na Inglaterra não ha senão classes, e não há individios; porque a propriedade lá não está dividida, por que as riquezas estão acummuladas porque, a Inglaterra é toda um fendo, um morgado, está na mão de quatro senhores, é uma nação rica de um povo pobre, (e é assim que todas as nações ricas o são, segundo os economistas politicos) e tambem é certo que a Inglaterra assim ha de durar, porque a propriedade nunca alli será devidida, porque sendo o clima esteril, e a terra ingrata ao cultor, ninguem quer comprar terra, ninguem quer tomar o risco de ser proprietario, prefere ser jornaleiro, e colono, porque tem mais segura a subsistencia dependendo de um senhor, que nos longos invernos da Hibernia, e nas esterilidades das terras cadelonias, lhe possa fornecer o combustivel, e supprir o necessario; e só grandes senhores podem entrar alli na temeraria especulação de proprietarios, porque só elles tem recursos para supportar os sinistros de uma producção incerta e avara E Portugal, Srs., é assim? Ha aqui alguma cousa, que se pareça com isto? Fizeram aqui alguns Barões a revolução? Não: fê-la o povo. A propriedade está aqui concentrada em alguns? Não: infinitamente dividida em todos, e de cada vez o será mais; porque a terra é fertil; porque o clima é risonho; porque o ser proprietario aqui convida, interessa, e attrahe. Então d'onde quereis vós fazer agora brotar uma olygarchia, que cá não ha (graças ao nosso bello Ceo)? Do nada? Quereis vós crea-la? (penso que nisso se trabalha.) E qual aristocracia? A mais odiosa de todas - a aspirante! a nova! a funccionaria! então antes representai-a nata, onde ha ao menos para a razão uma antiguidade de propriedade; para a patria um garante de independencia; para a imaginação um prestigio de gloria. Ah! Srs., buscar o modelo de representação na Inglaterra, onde são soberanias as geiras, onde são cidadãos os quintaes?.... Ouça, ouça o povo estas particularidades geralmente ignoradas, para se curar das imitações toristas, do inglezismo constitucional. Saibam o que é uma eleição em Inglaterra. Bermingham de 70 mil almas, Manchester de 100 mil, não dão um deputado ao parlamento; Old Sarneu uma quinta ao pé, Hafting, que é um casal, dão cada um dous deputados.
O senhor de Aylesbury {onde mora elle só) com a condição de dar tres enguias de preito annual, dá dous membros ao parlamento (que elle só elege, proclama, e o seu creado): em fim uma municipalidade, uma universidade, uma quinta, e cousas taes, tem voto inlierente: quem compra ou herda a quinta compra o voto; levam-no mesmo em dote as ricas herdeiras a seus maridos; - ha mais, compram-se fracções de votos, como nós compramos aqui as nossas cautellas das lotarias, por uma saciedade... (uma

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Voz: não é hoje) não é hoje? É Maltebrum que o diz, e Chateaubriand em 1822.

Ora bem, Senhores , encantava o quadro de uma representação á inglesa? A materia é que é alli representada, e não o ente moral, e livre: - e são estas as instituições, que quereis dar o um povo proprietario, e onde a terra está libertada? E é esta lei do clima do gêlo, que quereis transplantar a um povo do meio dia, a um Ceo de proprietarios? E é essa Inglaterra, que hoje mesmo lucta por emancipar-se do torysmo, e grita reforma, que nós (que não temos torysmo) iremos imitar? E iremos nós levanta-lo, só por termos o gosto de combate-lo, e isto só porque a Inglaterra está nisso; e só por imitar a Inglaterra nos metteremos nós nesses tormentos, e obstaculos de que ella lucta por sair, e de que nós saímos já? Bem sei que a alguem conviriam esses obstaculos; porém nós temos outros, e ella tem outras vantagens, e por isso não nos demos este, de que a natureza nos quiz livrar. Mas a Inglaterra é feliz, dizeis: - sim; porque está adiantada nas leis civis e sociaes, e industria, e esse impedimento de legislatura, e esses vetos, ser-lhe-hão uteis, porque tem ja tudo constituido, e precisa conservar, quanto nos seriam a nós perniciosos, porque precicamos ir depressa, porque temos tudo a constituir, e pouco a conservar. Sim, o veto, as duas Camaras, o principio estasionario, póde ser tão util a uma nação constituida, como funesto a uma a constituir-se; e n'uma cousa tem convindo todos os legisladores, e de todos os partidos, conservalistas ou progressivos, e em todas as Assembléas; e é que nas Nações, onde as instituições civís precedem as politicas, podem ser as representações binarias; pelo contrario onde não ha ainda instituições civís, e se estabelecem as politicas, é uma só camara, que póde aquellas crear, que se os vetos podem existir n'um Governo constituido, n'um a constituir-se não devem exstir jámais: eu mesmo que hoje vos proponho a unidade representativa, e sem veto, um dia votaria os vetos (nunca as camaras), em vendo a Nação bem constituida, e desejando conservar eis-aqui os principios. Sendo pois a Inglaterra, em circumstancias politicas, economicas, e civis, a antipoda de Portugal, é por isso mesmo que aquellas constituições lá convém, que não podem convir em Portugal. Passemos á França.

A Erança, (ao menos politicamente) está quasi no mesmo caso. A França, diz Denoyer, geme, e está degenerada hoje debaixo de duas aristocracias immensas a historica, que voltou com a carta, e a militar, que Napoleão erigio, a qual é tão grande como o imperio das Aguias, ou como a Europa, na França apenas cabe: a França d'hoje é pois em circunstancias uma antipoda de Portugal: quanto a estado politico, é toda aristocrata a sua civilização é falsa, absolutista, e doutrinaria, e por isso as suas organisações d'hoje, não são aqui possiveis: a aristocracia, a doutrinalidade, o funcionalismo, é só o que ali se representa, e é tambem por uma necessidade, e não por uma escolha; e então nada ha que applicar-nos de taes olygarchias, porque as não temos, nem queremos, e e tão conveniente representa-las, onde existem , como inconveniente querer fazelas, e representa-las onde as não ha; porque não ha interesses que as sustentem, que as façam existir, que as tornem = estado = independente, de que ellas são sempre uma injustiça, uma peste, um principio de degeneração de todas as sociedades, como elegantemente diz Tracy.- Já na memoravel época de 22 um illustre Deputado penetrava esta verdade, e o disse desta tribuna da verdade = ter privilegios n'uma nação é uma calamidade, mas representa-los é um absurdo, e uma imbecilidade. =

Diz-se mais: a America é uma republica, e tem segundas camaras; sim senhores, e deve te-las, por isso que é republica, por isso que o elemento do throno ahi não existe; por isso que abalança pende para o elemento democratico, e uma segunda camara serve para escudar o governo, porque um presidente transitorio sem fixidez, sem a boceta das graças, sem honras e titulos que dar, é uma authoridade fraca, mas um throno legitimo, perpetuo, agraciador, irresponsavel, é um elemento forte, e inabalavel, e eu quero um throno forte, e eu quero mesmo o veto, (mas suspensivo) mas não quero mais nada. Throno, e Povo, é o programma constitucional: é por isso que eu não quero o elemento olygarca complicante: porque quero a balança bem equilibrada, porque eu não quero que ella me penda, nem para a republica, nem para o despotismo, quero a monarchia representativa pura, e é por isso que os exemplos, nem do torismo, nem da republica, me não servem para nada. Privilegio, e republica, estão ambos em igual distancia do meu programma, e do de Portugal, que é o meio termo entre esses, dous extremos exagerados. De mais é inexacto, que a representação dessas republicas seja binaria. Columbia, e Venezuela, onde legislou Boliva, tem uma só camara Pensylvannia, onde legislou Franklin, tem uma só camara. Finalmente onde legislaram Tennes, Washingtons, publicistas filosophos, a representação é unitaria.

Diz-se, mas a Norwega tem duas Camaras: não tem tal, Srs. tem duas Commissões da mesma representação. O Logsthing (eu não sou forte na Norweguez) é uma Commissão do Sthorthing tirada no principio de cada sessão do seio de seus membros, e de mais essa Commissão não tem veto, ou não póde impedir as deliberações da primeira (o grande Logsthing), porque quando recusa juntar-se o Sthorthing geral n'uma só Camara, e decide a maioria que sempre está da parte do Sthorthing. Ora isso entendo eu, = que haja duas Commissões, uma para revisão de trabalhos, sim; mas duas representações d'uma unica Soberania! não tem logar; porque, ou essas duas representações são tiradas de diferentes classes, e então é representado o privilegio, o que é um absurdo,- ou são ambas tiradas da mesma massa, pelo mesmo methodo, e representar os mesmos interesses; e então é um pleonasmo em politica = dous procuradores plenarios na mesma causa! Duas vontades geraes! Isso é uma ficção pura; é o que dizia o illustre Royer-Collard na occasião de se crear = essa farça que ahi está em França = de duas Camaras ambas eleitas, ambas homogeneas, = e dizia elle: se toda esta gente, Deputados, e Pares é a mesma, representa os mesmos interesses, e sabe das mesmas capacidades, então elegei dobrados Deputados, e separai-os com um tabique; porque se a differença é de logar, basta fazer-lhe duas casas.

Respondidos estão pois os argumentos da historia e da imitação: como contra producentes restam os da authoridade, a serão elles mais solidos? Cita-se Benjamin, cita-se Benthan, eu citar-vos-ei = uma logica, que me ensina, que na hermeneutica de cada author eu devo ver a profissão, o partido, as paixões que o dominam, o tempo, o Governo sob que escreve = Benjamin escreveo sob a restauração do Bourbons, no Governo do privilegio, sob a Carta que as baionetas de Lord Welington deram á França; as suas opiniões são tão variadas como as obras que escreveo; e elle é em fim um funccionario e um Par. Benthan escreveo sob o Torismo, escreveo em Londres, e é um Jurisconsulto. Eu tenho tambem que vos citar publicistas da unidade, e da Soberania, mas publicistas philosofos, um Lameth, um Petion, um Mably, em fim um Franklin, o publicista de todos os seculos, o phylantropo por antonomazia, o fundador da Pensilvania, o Newton da Physica particular, o triunfador dos despotas, o domador dos raio = que mereceo bello epitheto tripuit caelo flumen, Sepirumque tyrannis =, eis os campeões duma só Camara; e pronunciados taes nomes, basta de authoridades; = E depois, Srs., para que authoridades em dogmas de razão? Que alto sofisma é ir buscar aos livros velhos as instituições do dia, e da joven Lusitania, quando a illustre filha do grande Netar nos disse tudo n'uma grande palavra = " todo o direito publico da

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Europa reproduza sobre o Codigo da conquista =,, fechai-o, pois homens livres! Nada ha que aprender, mas que desaprender nesse Codigo profano:= resta a analyse.

Os homens são iguaes diante da lei na sociedade, como o são diante de Deos na naturesa; se pois um direito maior que outro não ha, tudo são unidades, = e só pela addição é que a Soberania póde resultar: se a Soberania é o maior de todos os direitos, cumpre que um só nella não falte, (porque então não seria Soberania, e selo-hia aquella em que esse direito entrasse) logo se ella não é uma qualidade, mas um numero, e o maior de todos os numeros = a Soberania não póde se não ser = a somma de todos os direitos reunidos. = ou não é nada. Mas dados todos os direitos, nenhum póde ficar; logo dada uma Soberania, nenhuma póde haver mais; = porque dous universaes não ha. Srs., isto é evidente. =

Pour le peuple, e par le peuple = foi o programma das sociedades , = por sua vontade, e para os seus fins, é que os póvos quizeram que os governassem; nem jámais quereriam unir-se em sociedade, se seus direitos não ficassem iguaes, e solidarios, ou em commum: (e o privilegio não entrou no pacto) a Soberania pois não póde ser se não uma, e indivisivel, = porque assim é o universal - e achada esta idéa, duas representações não existem, e a questão acaba; porque eu estou persuadido, que por a idéa da Soberania inda até hoje não estar definida, é que, em cousas tão simples, se tem até hoje duvidado; porque, Srs., em duas palavras, a Soberania delegou-se a uma Camara, a Soberania são todos os direitos, todos os direitos estão pois já n'uma Camará: agora dizei-me, donde outra Camara se ha de tirar? Do nada: isto toca a evidencia, = recuai agora quanto quizerdes diante desta difficuldade, vós não fareis se não repetir a obra dos doutrinarios; e esta verdade eterna, e immortal, como a razão de que deriva, incessantemente se reproduzirá. Srs., isto é luminoso, como a luz. O povo não podia dar se não insolidum e não em fracções (dando Soberania): o povo não tinha se não = dous elementos de Soberania, que dar = a vontade e a força: = o primeiro deu = in solidum ao Congresso,= o segundo ao Throno. Nada mais tem que dar. Agora de que direitos se ha de tirar uma terceira representação? Não ha. = 0nde estão elles? Onde ficaram, depois de todos dados? Isto é irrespondivel, = e se alguem me quer contestar, eu espero nesta tribuna: Sr. Presidente, dê-lhe a palavra...

Restam os argumentos da politica, ou os de ver ao longe: ora nestes cada um vê segundo os seus olhos; vós tendes a vossa politica, e eu tenho tambem, como Napoleão, a minha = politique à moi Portugueza.= Ah! E que idéas esta palavra me recorda. Nesta casa, Srs., estiveram juntos (em 22} cem homens de um prestigio...... digo um prestigio immortal! Não sei, se porque foram os primeiros eleitos da nação.... porque , não o sei eu, Srs.; mas a sua memoria ficou indelevel, e sagrada ... esses homens ousaram declarar á face da Europa, fundar, e fazer lei a soberania da nação; isto ha dezesete annos, e nós hoje!... Ah! Deixai-me não acabar esta frase.... mas relevai-me, relevai-me aqui recordar esses veteranos da patria, a saudade desta tribuna, e o culto desta casa, á gratidão da liberdade!!! Eram os Quirites da nação, são uns Numens na patria; o seu prestigio ficou impresso á sua obra; nem elles, nem ella morrerá !... Ah Srs., em vão a emularemos: ella é um culto publico, é uma divindade nacional!... Sim, a Constituição de 22 está nos peitos; é uma religião patria!... Quem a não ama? Que recordações se lhe não ligam ? Que simpathias se lhe não prendem? Que tradições se lhe não enlaçam? Ella esteve, e reinou sempre; ella reina, e está em Portugal; ella está nas convicções, nos corações, nas almas; ella está nas nossas leis, e nas nossas bandeiras; ella está em tudo!.... Onde ella está sei eu; o que eu não sei, é onde ella não está; = tudo a recorda, tudo a fixa, tudo a repete em nossas existencias com nossas potencias apaixonadas! O povo a proclama sempre, como os ungaros o seu Moriamur, = o povo a entoa sempre, como Orfeu a sua Euridece = te veniente die, te decedente canebam = seus hymnos estão misturados aos cantos dos nossos guerreiros, e de nossas jovens; aos festins de nossas familias, e às victorias de nossos estandartes; elles estão nas nossas salas, nos nossos templos, nos nossos arraiaes: ah! Srs., e qual de nós o não viu! A Carta no seu reinado, nos mais bellos dias da sua gloria jámais póde eclipsar a sua mais simpathica rival! E seu hymno mil vezes vinha equivocar o d'aquella; assim como um nome querido vem sempre por encanto a uma boca apaixonada!. Srs., a Constituição é um amor, um culto, um idolo nacional: ah! e poderemos nós desvanece-lo?...
E temos nós tanto prestigio!...... Eu não. eu não sou capaz de dar uma nova religião ao estado ... e a Rainha? A Rainha que a jurou , e que adoramos!!.... Oh! Duas divindades! É muito. = Não, Srs., eu não, não sou capaz de ser rebelde a dous cultos; eu não sou capaz de ser apostata de dous altares: por ella jurada, e pela Rainha que a jurou, en o juro - a Constituição existirá. Agora perguntarei eu á vossa politica , ou á vossa grande prudencia ; pois dareis vós uma Constituição nova a Portugal! E querereis vós carregar com o peso da vossa obra? O que ahi está, é obra do povo, elle a fez, ella a quer, elle carregará com a sua obra:.. Srs., e se fôr a nossa? Quererá sustenta-la.... e quereis vós tirar dos hombros do povo para os vossos essa peso incalculavel? Ah! Meditai-o, meditai-o Athlantes da Patria!

Mas diz-se ainda: queremos fazer uma obra que reuna em cerca do throno todas as cores, todas os simpathias, todas as bandeiras: tambem eu; mas isso é o desiderandum; isso é impossível.....pois que, pensais vós que os cartis-
tas são platonicos? Que amam uma abstracção, um papel, a Carta? Amam tudo que os reproduzir noa empregos; e senão, nada: por homens, e não por cousas, é que elles combatem: e que carta dareis agora aos absolutistas? Que constituição, que pacto ha ahi, que os converta? Elles querem disso, ou entendem disso nada? Por tanto deixemo-nos de utopias, que isso é que são utopias!... amnistiemos os dessidentes, abramos-lhes os braços; elles são cidadãos, podem ser ainda benemeritos da liberdade; isso sim: subam elles ás nossas instituições; mas hão de as instituições baixar-se para irem amoldar-se aos varios partidos? Ah! Isso não (apoiado, apoiado): e como! São as instituições que hão de curvar-se aos individuos? Ah! Não: só á generalidade. Quanto a mim , Srs., eu não sonho todas as simpathias, contento-me da maioria dellas, e a maioria dellas está na Constituição de 22; e nós somos disso a prova viva; porque se não está, que somos nós? A que viemos nós? Reparai, Srs., se a Constituição, se a revolução não tem a maioria, não é nacional; vós sois illegitimos, e aqui agora páro eu, e eapero que se me responda ... Se aquella urna não sancciona a revolução, e a Constituição, então existe a Carta; nós somos intrusos, e devemos sair d'aqui, e deixar este logar aos eleitos de Agosto, e á Carta. Ah! Srs., que abismo! Não nos contradigamos, não nos suicidemos; salvaivos, e salvai a Constituição: meditai ainda uma vez, meditai! Eis-aqui, Srs., muitas, mas talvez não inda nimias reflexões, que me pareceu submetter á vossa sabedoria; fazei dellas o uso que entenderdes; foi para procurar inda um espaço á vossa meditação; foi para invocar-vos inda a reflectir uma vez a vossa obra, mais que por aspirar ao vão nome de publicista, que eu vos offereci um projecto de Constituição: entendo que sendo elle um epilogo, que consagra toda essa doutrina, que acabais de ouvir-me; e tendo feito algumas simpathias, devia voltar com o vosso á Commissão para os homologar, e refundir: vós o entendeis de outro modo; mas eu ouso ainda por esta opinião insistir. Não é tambem para previnir os vossos juizos, que tão longamente

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tenho orado n'uma causa luminosamente exaurida, é porque o assumpto é vital e immenso; é porque a causa que pésa hoje em nossas consciencias, é a de uma geração, e a de uma prosteridade, e direi ainda da humanidade inteira; porque; a causa da liberdade é a de todas as nações, de todas as linguas, de todas as tribunas, a do seculo, a do dia, a da Europa, a do mundo! E por tão bella causa nenhum tempo é demais Ah! Srs., e em que tempo ella vem ao debate!.....Quando a Hespanha está inerte, quando a França está convulsa , o Norte abajado.... ah ! não, não era este o momento , em que os terrores, as esperanças, os odios tão vivos fallam. o de expor tão grave assumpto á crise parlamentar - ganhar tempo cumpria - eu tambem tenho a minha politica - eu vejo, Srs. , em todo o orisonte da Europa as nuvens accumularem-se, veio ante num uma primavera mais fecunda de espinhos, que de flores... mas venham - não sou eu que os temo - sejam elles uteis á liberdade: attentemos, Srs. na hipothese do mundo, e legislemos para o seculo que vai - diante de nós está, Srs., um grande futuro: a luz não morre, o genero humano marcha! Desde o Uruguai até ao Neva se guerreia hoje a guerra dos principios: e o palacio do norte do autocrata acaba ha tres dias de ouvir o virgem grito da liberdade - que já o soberbo Ktemlim ouviu out'ora abalado. Concluo, Sr., uma grande crise está eminente na Europa, e este não, este não era o momento de dar uma Constituição a Portugal, porque talvez amanha nos arrependamos de retrogados, se hoje nos accusam de temerarios: e eu queria que os projectos ainda á Commissão voltassem: embora, embora me accusem de demora uma Constituição á patria, como já se me disse d'aquella extremidade- a patria tem uma Constituição; e ou só, eu tomo só de sobre mim toda essa responsabilidade.... que e a minha existencia por um só principio da liberdade patria? Salve-se ella, pereça eu, deixando, como Codro, a patria salva! Termino, todos os argumentos serão destruidos, todos são contraproducentes, do todo resulta que é só a Constituição de 22 que havemos de dar a pátria; repito que o projecto da Commissão, é a Carta, sustento o meu, que o a Constituição: voto que ambos á Commissão volvara para meditar as idéas aqui emittidas, e propormos a questão prellminar- se um delles deve fazer o texto da discussão, e prejudicar o outro, e qual? Se um delles deve fazer o texto sem prejudicar, e qual? Se nenhum deve fazer o texto, e ambos n'um só refundir-se para vir ao debate: a minha opinião é indivisivel; sem a preliminar não sei votar.

O Sr. Costa Cabral:- Depois do excellente, brilhante, e eloquente discurso, que acabou de recitar o illustre orador, que me precedeu, seria talvez uma tenreridade ir ogora fallar sobre o objecto em questão; direi no entanto o que me occorrer: e para evitar quanto possivel repetições, que de ordinario desagradam aos ouvintes, eu me limtarei particularmente a rectificar alguns dos argumentos, que apresentei no meu primeiro discurso, e que para serem mais triunfantemente destruidos, foram notavelmente invertidos pelo sr. Deputado, que me fez a honra de combater-me antes porém de chegar a este ponto, eu devo rogar ao illustre Deputado, que me precedeu, haja de corrigir algumas expressões, de que usou no seu discurso, e que por certo estão bem longe d'exprimir o que o Sr. Deputado nutre em seu coração. Parecerá talvez estranho, que combatendo eu no mesmo campo em que combate o Sr Deputado, porque ambos combatemos o projecto da Commíssão, eu tenha de igulmente combater um pensamento do nobre orador: no entanto eu sou forçado a faze-lo, e para isso peço desculpa ao Sr. Craz. Disse o illustre orador, que se o Congresso chegasse a opartar-se dos principios proclamados pelo povo em 9 de Setembro, e contra elles tomate uma decisão qual-quer, elle abandonaria a tribuna! Eis-aqui, Sr. Presidente, o que eu não desejo ouvir neste logar, eis-aqui o pensamento do Sr. Deputado, contra o qual eu me declaro franca, e fortemente! Havemos nós enviados do povo abandonar a sua causa, e deixar de por ella combater até a ultima hora? (Apoiado, apoiado.)

(O Sr. Silva Sanches pediu fortemente a palavra, observando logo ao orador, que não se pretendem tomar similhantes decisões, e que nem a Commissão as propõe.)

O Orador: - Perdoe-me o illustre Deputado, eu não fiz por em quanto aecusação alguma, eu fallei na hypohese, e ainda assim não fiz mais que repetir o que havia sido dito por um outro Sr. Deputado. Quando o Congresso tomasse decisões contra os principios proclamados em 9, e 10 de Setembro (dizia eu) declaro, que nunca abandonarei o meu logar, e que nelle me conservarei, e que na tribuna permanecerei, para continuar a sustentar tão excellentes principios com todas as minhas forças, e até á ultima hora. (Apoiado) Se o não podér conseguir, se o Congresso, aberrando de taes principios, fizer uma Constituição differente daquella, que o povo deseja, e quer, eu m'apresentarei aos meus constituintes, e a essa mesmo povo, que aqui represento, e seguro de haver bem desempenhado os meus deveres, e haver cumprido o mandato com que fui honrado, eu lhe dirai= Combati quanto pude para sustentar a vossa causa, fiquei vencido, paciencia! = (Apoiado, apoiado.)

Eu ouso por tanto rogar ao nobre orador, que me precedeu, haja de corrigir as expressões que notei; assegurando-nos que ha de continuar, como até hoje, a defender os direitos desse povo, que aqui o mandou, os direitos desse povo, cujos defensores são sempre poucos! Lembremo-nos de que o nosso dever é combater pelo que fór justo: vencer é só para o maior numero (Apoiado, apoiado.)

Agora, Sr. Presidente, pelo que respeita á questão: eu não me cançarei em impugnar de novo o projecto em discussão; porque entendo, que se tem dito de sobejo para mostrar a toda a evidencia, que elle não satisfaz a missão, de que fomos encarregados, e que não vai de maneira alguma conforme com os poderes, que a nação nos outorgou; e não oustante os luminosos, e brilhantes discursos, que se tem recitado em favor do projecto, não obstante o muito, que em sua defesa se tem dito, confesso que (talvez pela dureza do meu curacão) não estou convertido, como um Sr. Deputado do outro lado da Camara, que ha pouco indicou em seu discurso ter mudado d'opinião (quanto ás duas Camaras), em vista das razões ponderadas pelos nossos contrarios: é isto uma virtude, porque sapientis est mutare concilium; só o que eu sinto é não poder seguir um tal exemplo, e o que é mais notavel, é que presisto na minha opinião em vista das razões, e fundamentos com que tenho sido combatido!... Eu me absterei pois de entrar na questão, e me limitarei a ratificar alguns dou argumentos, e expressões, que empreguei no meu primeiro discurso, e que para serem mais facilmente destruidos, foram como já disse notavelmente invertidos por um Sr. Deputado.

Depois de haver estabelecido os principios, que professo sobre a divisão, e independencia dos poderes politicos do estado, accrescentei- que me parecia, que a illustre Commissão de Constituição havia de sobejo dotado o poder executivo, que não tinha dotado sufficientemente o poder legislativo, e que mais feliz tinha sido o poder judicial; porque em quanto as decisões tomadas pelo poder legislativo, não eram consideradas como leis, sem a approvação do poder executivo , e as decisões do poder judiciario eram levadas á execução, sem com tudo para isso dependerem de sancção do poder executivo; e então accrescentei mais= Mas a Commissão para ir coherente com o systema, que adoptou de muito dar ao executivo, e pouco aos outros poderes, lá deixou ficar essa secretaria das justiças, que em quanto continuar a dar (como hoje) ordens ao poder judicial, em quanto continuar a ter (como até hoje) influencia sobre um tal poder, nunca este se poderá considerar perfeitamente independente.

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Ora o Sr. Deputado, que me fez a honra de combater, me inverteu as minhas expressões, dizendo, que eu havia sustentado, que a unica cousa a alterar na Constituição de 22 era a secretaria das justiças, e que havia mais sustentado, que o poder judicial não devia estar de maneira nenhuma em contacto com os outros poderes!

É na realidade inverter muito os argumentos dos contrarios, é querer tirar grande vantagem da sua inversão! Assim vou eu combater os talentos mais brilhantes deste, e de todos os Congressos! Como podia haver alguem, que viesse aqui sustentar, que os poderes politicos do estado não devem estar em contacto uns com os outros? Não seria isto a prova da mais crassa ignorancia, que não será facil suppor em nenhum dos illustres membros deste Congresso? Ignorancia tal quiz, é verdade, attribuir o Sr. Deputado aos que combatem o projecto; porque elle disse = Que os Srs. Deputados, que combatiam o projecto na parte relativa á organisação dos poderes politicos do estado, o faziam porque não entendiam a materia !!!... = Eu não sei se isto é muito parlamentar; o que todavia sei é, que não vai muito conforme com os nossos costumes, e com a dignidade, que é mister conservar neste logar; pondo no entanto isto de parte, declaro ao Sr. Deputado, que muito agradecido lhe fiquei pela lição de direito publico, que me deu, e com que brindou este Congresso; mas tambem lhe declaro, que não posso de modo algum conformar-me com as suas doutrinas, nem com a sua maneira de pensar a respeito de tal materia; e de mais, quando se pretende taxar os outros de ignorantes, convém comprehender melhor a materia, do que mostrou comprehende-la o Sr. Deputado.

Eu não sou grande publicista, nem possuo grande massa de conhecimentos; mas nem por isso direi, como o Sr. Deputado, que a independencia do poder judicial consiste só em receber libellos, e querellas, dar sentenças, e executa-las: se nisto consistisse sómente a independencia do poder judicial, que differença haveria d'um tal poder do estado, a todas as demais classes d'empregados? Por ventura eu, que sou juiz, posso intrometter-me nas attribuições d'um governador militar de provincia, d'uma camara municipal, ou dum administrador civil? Não de certo; nem este negocio precisa maior demonstração.

A independencia do poder judicial consiste tambem em outras cousas, e para estas se conhecerem é necessario ter em vista os principios geraes, que regulam a independencia dos differentes poderes politicos. A independencia do poder judicial consiste, em que os seus agentes não dependam dos agentes d'outro poder, não só quanto á validade dos seus actos, mas ainda mesmo quanto á sua conservação, e promoção. Se o Sr. Deputado tivesse estes principios em vista, se delles partisse para combater-me, veria a razão por que eu disse, que julgava inutil, e inconstitucional a existencia da secretaria das justiças, no pé em que hoje se acha, veria mais a razão porque eu disse, que em quanto o ministro das justiças continuasse a ter o poder supremo sobre os membros do poder judicial, e que em quanto este não tivesse um chefe saido do seu corpo, nunca se podia julgar perfeitamente independente: veria mais, que não se podia julgar authorisado a inverter as minhas expressões, e attribuir-me que eu havia sustentado, que a unica cousa a alterar na Constituição de 22 era a secretaria das justiças, e que o poder judicial não devia estar em contacto com os outros poderes! Assim sei eu combater, como já disse, os maiores talentos; assim vou eu fazer passar como inteiramente improcedentes os mais fortes argumentos dos contrarios, mas esta não é a maneira d'argumentar, nem de combater, sobre um objecto em que deve entrar-se de perfeita boa fé!...

Agora continuarei a aproveitar-me da palatra para fazer algumas reflexões sobre dous pontos, que foram tocados por dous illustres Deputados, e que me parece devem ser por elles ratificados; porque respeitam á honra dos que impugnam o parecer da Commissão. Um Sr. Deputado, que se senta na bancada superior, e que muito sinto, que não esteja presente, disse que elle em 1823 fôra perseguido como affecto á Constituição de 22, e que até por ella emigrára, sendo obrigado a ganhar o pão para comer, com o suor do seu rosto, na qualidade de caixeiro, e accrescentou, com relação talvez aos individuos, que hoje impugnam o projecto = eu emigrei, em quanto os hypocritas defensores de hoje (da Constituição de 22) ficaram em suas casas: = estas expressões são aliás fortes, e como não podem ser applicaveis de modo algum aos que combatem o projecto, será conveniente, que sejam explicadas; e parece-me até que seria melhor, que não tivessem sido proferidas (Apoiado, apoiado) Eu espero, que o Sr. Deputado dará explicações satisfatorias; e não pareça estranho, que eu assim falle na ausencia do Sr. Deputado, porque já por mim foi prevenido, e elle me prometteu , que ratificaria as suas expressões, assegurando-me logo, que em nada alludia aos membros do Congresso.

Uma outra expressão empregada por outro Sr. Deputado, que se senta na bancada inferior, exige a mesma explicação, e pelo mesmo motivo. O Sr. Deputado propondo se mostrar, que o projecto da Commissão se achava em harmonia com os poderes, que a nação nos havia confiado, disse, que em vista dos poderes, que nos foram dados, e em vista do juramento, que haviamos prestado, nós não poderiamos de maneira alguma deixar de acceitar o projecto; porque d'outro modo seriamos perjuros. Ora o Sr. Deputado conhece a significação da palavra perjuro? É uma palavra muito feia, e que não póde empregar-se neste Congresso, na presença dos que combatem o projecto, sem que elles se julguem, gravemente offendidos: eu espero por tanto, sem entrar em maiores detalhes, que o Sr. Deputado se não recusará a dar tambem explicações satisfatorias.

Ha ainda um ponto, que hoje fez parte do discurso d'um outro Sr. Deputado, e que ha pouco foi pronunciado, que eu julgo indispensavel não deixar passar sem alguma reflexão; e muito seria para desejar, que deixassem de vir aqui similhantes argumentos, que só poderão servir para dar armas contra este Congresso.

Disse o Sr. Deputado = ha pontos a inserir na Constituição, sobre os quaes nós não temos liberdade alguma; o ponto da religião, e o ponto da dynastia: e depois continuou a esforçar-se por nos demonstrar, que a religião catholica apostolica romana era a melhor religião do mundo, e que por tanto se devia consignar na Constituição, etc., etc. Quem lêr o discurso do Sr. Deputado, ha de por certo convencer-se de que alguem aqui pertende hostiliear a religião de nossos pais! Acaso tem alguem aqui proferido uma palavra a respeito da religião, e contra ella? Os que impugnam o projecto, sustentando a Constituição de 22 , não sustentam elles por ventura a religião catholica ? (Apoiado, apoiado.) Para que se vem por tanto fazer questão d'uma cousa , em que todos estamos conformes?

Agora pelo que respeita ao segundo ponto, isto é, á dynastia: disse o Sr. Deputado, que não somos livres; porque somos obrigados a reconhecer os direitos adquiridos de D. Affonso Henriques. Eu sem entrar no desenvolvimento desta materia (porque ninguem questiona sobre dynastia), peço ao Sr. Deputado, que observe, que reconhecidos os direitos adquiridos por D. Affonso Henriques no campo d'Ourique, será o Sr. Deputado obrigado a tirar uma conclusão, que não seria muito conforme com os seus, e nossos desejos. (Apoiado, apoiado) Não digo mais nada sobre este ponto, porque não devemos fazer questão d'um objecto, em que tambem estamos de perfeito accordo; o que seria para desejar é, que taes objectos ficassem fóra da discussão. (Apoiado.) Largo campo, e muito vantajoso tem os Srs., que sustentam o projecto, para combater, sem recorrer a taes

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argumentos, que só poderão dar armas, como já disse, contra o Congresso.

Concluindo: presisto na minha opinião, e voto contra o projecto; porque entendo, que não é o desenvolvimento do pensamento do povo, enunciado em 9 , e 18 de Setembro, em Lisboa, e posteriormente em todo o reino.

O Sr. Valentim dos Santos: - Depois d'uma discussão, que faz honra a este Congresso, e que tem sido tratada com tanta sabedoria, e tal polidez, que só é propria deste logar, parece-me que me não pertencia senão lisonjear-me disto, e lembrar-me toda a vida com orgulho desta discussão, que para mim é um exemplo novo: aqui os Deputados não tem sido aggressores do throno, nem os Ministros da nação; e nesta discussão, julgo eu, que ha um motivo para a nação fundar suas esperanças; mas aqui tem ficado indefesa uma cousa, que é a côr do despotismo, não tem apparecido, por que o nome de D. Miguel , por si faria calnr todos oa argumentos em seu favor. Eu desejava que elle apparecesse aquí, mais que no campo; porque no campo resulta sangue, e devastação, e aqui resultaria a verdadeira convicção entretanto devemos dizer alguma cousa a esse respeito, não argumentando com o nome de D. Miguel; isso era um sofisma: elles responderiam, que D. Miguel era um abuso do poder absoluto.

Eu na minha opinião confesso, que reconheço, que todas as fórmas de governo pódem fazer a felicidade de uma nação, e que todas as fórmas de governo podem fazer a infelicidade de uma nação; por consequencia nas formas de governo não está a verdadeira base da felicidade publica. Reconheço, que o governo absoluto tem muitas vantagens, tem uma grande força, e muitas outras vantagens; mas o que eu não quero é, que julguem elles quando vamos á França buscar exemplos, para defender nossas opiniões, que não vemos a Prussia, e outros paizas, em que ha o governo absoluto, e são felizes; e que quando fallamos em D. Miguel, tambem citamos Robespierre, e outros muitos chefes dos partidos liberaes, que tem feito a desgraça de nações. Os nossos argumentos são outros, e vem a ser, que se encontra mais justiça nos corpos collectivos, do que n'um só homem: isto é da natureza das cousas. Ora agora, se me lembrasse dos costumes do século, diria, que quando uma fórma de governo é reprovada por uma nação, não se deve ir para diante com esse governo, porque aliàs se fará sempre mal. neste caso está o absolutismo, em querer considerar os homens, não como elles são, mas como deviam ser: isto é um erro tão grande, como se um homem quizesse republicanisar hoje Portugal, considerado Portugal, não no estado em que está; mas no estado em que o considerasse. Por tanto, eu não me demoro mais sobre este assumpto, e só foi para mostrar, que neste Congresso se podia advogar a causa do absolutismo, e que não seria reprovado o homem, que aqui apresentasse taes argumentos, eu desejava que elles apparecesssm, para mostrar mais a tolerancia, e as vantagens que temos adquirido.

Agora quanto ao projecto direi, que voto por elle, ainda que não concórdo em muitas cousas: se eu fôsse absolutista, não o podia approvar: mas sendo republicano, não acho incoherencia em o approvar, porque do projecto posso ir para uma Camara só, para duas, e para o que quizer; e por tanto convencido de que só uma Camara é sufficiente, e melhor, não tenho difficuldade em dar o meu voto a favor do projecto: não direi mais nada, porque entendo que nem tanto devia dizer.

O Sr. Judice Samora: - Collocado na melindrosa posição de advogar no recinto da representação nacional os interesses do meu paiz, e ainda mais de contribuir quanto em mim couber para que a sua constituição politica se organise de fórma, que assente sobra a vontade da maioria de meus concidadãos , e lhes garanta uma liberdade bem regulada, julgo do meu dever, não lisonjear de tal maneira meus principios de pura democracia, qne apresente em resultado proposições, que posto sejam verdadeiras, e defensaveis em theze, com tudo por senão referirem á vontade dos povos, me desviem do nobre fim a que esses mesmos povos me destinaram.

Não venho por tanto fazer alarde de meus principios; a minha missão consiste apenas em consultar a opinião, e vontade de meus constituintes, e consignala na constituição. E quaes serão os meios, porque essa vontade me deva ser manifestada? No meu entender são dous os modos, porque se patenteia a opinião d'uma nação, e vem a ser: a revolução, quando esta não tem principio no chefe do poder, ou em alguma facção, que agite o paiz; e a expressão voluntaria dos diversos corpos moraes, de que a mesma nação se compõe.

A nação Portugueza usou em Setembro do anno passado d'um direito, que inquestionavelmente pertence a todos os paizes; quiz mudar a sua lei constitutiva, e fundamental, e sem que ocorresse a menor influencia da parte do poder, sem que a força se empregasse contra alguma povoação refractaria, proclamou a constituição de 1822, com as modificações que as Côrtes lhe fizessem. Tal foi o grito, que repentinamente soou em todos os angulos de Portugal; tal foi o programma , que desde logo se olhou como o fundamento do novo edificio social.

Por outro lado as corporações municipaes, que sem duvida são os primeiros interpretes da vontade dos povos, e principaes reladores de todos os seus interesses, não só adheriram prompta e espontaneamente á revolução, apenas recebidos os primeiros annuncios dos successos da capital; mas reduzido o paiz ao estado pacifico se dirigiram quasi unanimemente a S. Magestade, felicitando-a por haver jurado a Constituição de 1822, com as modificações que as Côrtes houvessem de lhe fazer. E qual foi o comportamento das de mais repartições do estado? Todas adheriram sem replica ao progamma da revolução, todas o juraram; e em presença de tão poderosos factos, quem póde duvidar de que a nação se pronunciou na revolução pela constituição de 1822, com as modificações, que houvessemos de lhe fazer?

É verdade que o nosso mandato, que é sem duvida uma outra fonte do nosso conhecimento sobre a vontade dos povos, exorbita sobre maneira dos outros fundamentos, que deixo enunciados, em quanto na organisação da lei fundamental nos manda tambem consultar a constituição de 1826, mas eu entendo, que esta clausula, posto que deva cumprir se, não destroe de maneira alguma a vontade da nação anteriormente manifestada; isto é, entendo que os principios da constituição de 1822 ficaram salvos, e que nos devemos servir das doutrinas da Carta de 1826 para as consignarmos, na parte possivel, nas modificações da constituição proclamada. Eis-aqui como eu armoniso com a expressa manifestação dos povos o theor de nossas procurações; porque doutra maneira hão julgo concebivel, como tendo a nação reivindicado seus direitos, proclamado a sua soberania, e por consequencia todos os effeitos d'ella, viesse depois por um facto espontaneo, e suscitado pelas occorrencias dos dias 4, e 5 de Novembro, que apenas foram d'encontro com a sua minoria, murchar todas as belezas d'uma revolução gloriosa.

Mas ainda pondo de parte este argumento, supponhamos, que não houve essa revolução, e que nós temos simplesmente de consultar na organisação da constituição a letra de nossas procurações E um principio sabido, que no estado de duvida as procurações se devem interpretar sempre pela maior utilidade dos commitentes. A nação não designou em suas procurações, quaes eram os pontos de que pertendia utilisar-se em uma , e outra constituição; e sendo os principios da constituição de 1822 mais favoraveis á liberdade dos povos, do que os da Carta de 1826, é evidente, que devemos respeitar aquelles com preferencia a todos os mais.

Mas póde por ventura d'aqui concluir-se, qne deva haver uma só Camara? Eu entendo que não. Sr. Presidente, a nação proclamou principios, e o principio nesta parte, consiste

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em que ella eleja aquelles, que a devem representar, embora elles se reunam em uma, ou em duas camaras.

Isto posto, já se vê, que eu voto pela idéa das duas camaras apresentada no parecer da Commissão; mas que desapprovo o modo, porque no mesmo parecer se organisa a Segunda Camara, que pelo meu voto deve ser ellectiva, e temporaria, e não de nomeação regia , e vitalicia, contra o saudavel principio da soberania do povo, cuja primeira emanação é sem duvida o direito de fazer as leis.

Mas diz-se, que sendo o rei tambem um dos representantes da nação, não ha inconveniente algum em que por força dessa representação se lhe conceda o direito de nomear uma segunda Camara. Eu não acho força alguma neste argumento, considero o rei como representante da nação; mas unicamente na qualidade de chefe do poder executivo; qualidade, que lhe não dá attribuições algumas, pelo que toca, a organização dos corpos legislativos, que constituem um poder differente: tambem os juizes são representantes do povo, como depositarios do poder judiciario; mas nem por isso se poderá dizer, que elles devam tomar a menor parte na organisação d'algum dos outros dous poderes nacionaes.

Por outro lado, uma só Camara composta de individuos indistinctamente eleitos por toda a nação, ha de sempre reunir na sua maioria o principio puramente democratico; pois que as massas populares tem uma tendencia irresistivel para a maior liberdade, a qual ha de sem duvida reflectir noa seus representantes.

Pelo contrario, o imperante representa o principio monarchico, cujo fito constante é o absolutismo; ora se nós pozermos singular, e despidamente em scena estes dous principios, tocando dous oppostos extremos, as dissenções se tornarão eternas, e por fim acabarão com a morte d'um dos dous poderes; porque é da natureza de todas as cousas, a impossibilidade de conciliação entre dous extremos.

Se pois, nós queremos estabelecer um governo monarchico representativo, é indispensavel que constituamos um terceiro poder; isto é, uma segunda Camara, que ao passo, que corte as exorbitancias do principio democratico, enfreie tambem a ambição do principio monarchico; mas uma segunda Camara não nomeada pelo rei, porque além de que elle não deva gosar de prerogativas, que ou directa, ou indirectamente lhe dê influencia na construcção das leis, a sua escolha iria necessariamente recair em pessoas, que mais favoreceriam os interessees da Corôa, do que, os dos povos; mas eleita pela nação sobre certas cathegorias, que constituem a aristocracia de representação de classes, unica que no meu entender, é capaz de contribuir para a felicidade d'um paiz.

Sr. Presidente, eu tambem quero como alguns de meus illustres collegas, uma segunda Camara, que cerque, e fortifique o throno; mas que em quanto o cerca, e fortifica, senão esqueça dos interesses de seus concidadãos. Tenho por tanto manifestado a minha opinião pelo que pertence á existencia d'uma segunda Camara.

Agora pelo que toca á prerogativa do veto absoluto não estou deliberado a investir o poder d'uma tal attribuição; porque entendo que o seu exercicio consiste em fazer executar as leis, e se eu o investisse d'aquelle direito, iria dar-lhe atttibuições diametralmente contrarias áquellas para que fôra constituido. Se eu fôsse da opinião d'uma só Camara, não teria duvida em conceder ao throno uma tal prerogativa; porque deste modo iria eu cortar as exorbitancias democraticas, que apparecessem nessa Camara; mas na presença d'uma segunda Camara constituida pela maneira, que deixo enunciada, não julgo necessario revestir o throno d'um tão alto poder; porque me parece impossivel que uma lei, que passa em uma Camara composta dos cidadãos mais ligados ao paiz, já por sua propriedade, e já por seus empregos, e representação, seja tão prejudicial aos interesses publicos, que seja necessario expôla ao terrivel anathema d'um veto absoluto.

Mas diz-se, que deve conceder-se ao throno aquelle direito, porque tambem a Camara tem o veto dos tributos. Sr. Presidente, este argumento a meu ver nada colhe; porque o veto nos tributos, quando acontecesse, seria um despotismo da Camara, e isto que a constituição lhe determina, que os decrete para fazer face às despezas publicas, e o veto sobre as leis, quando exercido pela Corôa, não seria um despotismo por lhe ser outorgado pela constituição, e basta esta observação para destruir, a paridade.

Quanto mais, que eu não julgo possivel a existencia d'uma Camara, que use desse chamado veto; porque elle se encaminharia á ruína da sociedade; e não é presumivel como uma Camara de representantes do povo, promova por um acinte ao Governo, a ruina desse mesmo povo, que os elegeu.

Também me não parece, deva munir-se a Corôa do terrivel direito de dissolver as camaras; a experiencia nos tem mostrado quanto elle tem sido funesto á liberdade dos povos. Eu quero, Sr. Presidente, uma plena liberdade no desempenho do direito de fazer as leis, e não concebo como esta exista á vista do receio da dissolução.

Mas justifica-se esta outra prerogativa, com o receio de que a primeira Camara se torne facciosa; vindo então a ser necessaria a sua dissolução. Em primeiro logar, julgo dificillimo na presença d'uma a segunda Camara, que a primeira se torne facciosa; mas quando isso, aconteça, quaes serão os effeitos dessa facção? A Camara apenas póde fazer leis; e leis facciosas é impossível que passassem em uma segunda Camara organisada, segundo a minha opinião.

Tenho por tanto expedido as minhas idéas, sobre os pontos essenciaes do projecto offerecido pela Commissão ; approvo a creação d'uma segunda Camara, reprovo o modo como ella é constituída, assim como reprovo a prerogativa do veto, e o direito de dissolver as camaras; de resto estou confórme mais, ou menos, com as doutrinas do projecto, e por isso voto pela sua generalidade, reservando me para combater alguns artigos na discussão em especial.

O Sr. Pereira de Lemos:- Sr. Presidente, difficil posição é esta, penoso encargo o meu. Eu trepidaria se não tivesse a certeza de fallar na presença de uma Assembléa possuída da mais exemplar tolerancia, e diante de um povo, que, vê na livre exposição dos sentimentos de um Deputado, uma das mais fortes garantias de seus direitos.

Quando na sessão de 5 do corrente expressei nesta Assembléa os meus sentimentos sobre a importante questão, que hoje se agita, alguem houve, que me imputasse o querer desenrolar um estandarte vencido: longe de mim tal empresa, convencido como estou de minhas debeis forças.

Estou muito longe de me alistar em partido algum; respeito todas as opiniões; mas tenho a minha própria.

Disse eu na sessão de 5, que combinando o que antecedera aoa dias 9 e 10 de Setembro, com as occorrencias subsequentes, tinha julgado aquelle infausto acontecimento, mais dirigido contraias pessoas, do que contra as cousas; e que por isso considerava aquelle mpvimento revolucionario, despojado do caracter de nacionalidade. Sr. Presidente costumam os grandes acontecimentos politicos ser precedidos de taes signaes que os presagiam, que já antes de apparecerem, não é difficil indica-los nos jornaes, onde, a imprensa é livre; mas é singular, que sendo ella o mais livre possivel em Portugal, nunca se usasse da mesma para apontar como exigencia da nação, a violação do pacto estabelecido.

Dos dous lados da Camara electiva, como da hereditaria, soou sempre a voz salutar de Carta, e Rainha; e além disso se os acontecimentos de 10 de Setembro foram nacionaes, porque se obscurece a sua origem; votando-se ao segredo os nomes dos promotores, e negando-se a gloria de emprehen-der uma tal obra? Como é, que a nação consentiria que os Ministros, que se encarregavam dos negocios públicos, se attrevessem a pisar aos pés o melhor artigo do seu programma, e attentassem contra as attribuições do poder legislativo?

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Ainda quando (o que nunca eu concederei) a revolta de Setembro fôsse espontanea, e nacional; acaso as nações não podem ser injustas? Não tinhamos nós um pacto, que não podia ser violado, ou derogado pelo povo, sem que o fosse pelo Governo? Foi por ventura já convencida a Corôa de similhante attentado? Não é neste grande jury nacional, isento como elle deve ser das paixões tumultuarias, e da vertigem das revoluções, que cumpre tratar-se este negocio preliminar? Para que é trazer-se aqui a revolução franceza de 1830? Nào foi porventura alli a Corôa convencida de attentar contra as instituições? E apesar disso, nem mudança de dynastia se póde dizer que houvesse, e essa nação sensata longe de derribar, conservou, fortificou ainda mais seu pacto fundamental!

Diz-se, que o desgosto publico se manifestava, e era o precursor das desgraças de Setembro: desgosto havia, é forçoso confessa-lo; mas a meu ver, nenhuma antipathia, ou aversão contra instituições. A espada do immortal Duque de Bragança tinha cortado por muitos cancros, que roiam o coração do estado: os eleitos do povo deviam tratar de lhe applicar os devidos cauterios; mas não lhos applicaram - deixaram o culto sem dotação - as leis sem o remedio exigido pelas circumstancias -a imprensa licenciosa, desmoralisando tudo - os mãos, abusando dos impoliticos decretos de 30 d'Agosto de 1833, e 25 d'Abril de 1835 - a segurança publica atacada - os orfãos sem amparo - os expostos inválidos, e as authoridades sem força para rebater tentativas facciosas!
Mas por ventura, não tem estes males progredido immensamente? quem sabe se alguem não estará espreitando o momento, para por meio d'elles nos preparar a anarchia, e um futuro desastroso?

Sr. Presidente, estas considerações não deixam de ter peso dentro deste recinto; mas recua-se talvez ante as suppostas difficuldades d'uma transicção. Eu de per mim não as vejo; o unico meio de sair de todos os embaraços, é voltar á Carta.

Permitta-se-me applicar a este respeito um argumento, tantas vezes empregado pelos Srs. Deputados d'aquelle lado, para convencer da necessidade de duas camaras, pelo perigo da precipitação, e espirito faccioso nas decisões. Acaso, Sr. Presidente, nos poderemos nós lisonjear de qne nesta lei, principio, e base de todas as leis, nos não precipitaremos no meio de tantos partidos, que agitam este desgraçado paiz?! Eu confesso que a Carta tem defeitos; mas não melhor remedia-los pelas fórmas legaes?

Diz-se, que com a Carta voltará uma facção. A Corôa, Sr. Presidente, não póde escolher um Ministerio conciliador e patriota? e o povo nas eleições não póde escolher homens de tantos, que já lhe não são desconhecidos, independentes? E, Sr. Presidente, na verdadeira representação nacional, que nós devemos procurar o remedio a nossos males. - Quanto ás facções: enthronisam se ellas sobre as ruinas da lei fundamental do estado- restabelecida esta, acaba o seu poder, e começa a era da verdadeira liberdade , e da ordem legal.

Resta-me responder á objecção do Sr. Midosi. Disse elle, que a minha procuração me não authorisa a emittir estas idéas. Responderei ao Sr. Deputado, que o texto das procurações exprime a opinião dos seus redactores; e que as verdadeiras forças, e limites do mandato estão nos desejos, e nas necessidades da maioria da nação. Responder lhe hei, que pelo texto do meu diploma posso eu adoptar da Carta quanto me approuver, e assim adopto-a toda.

Outros Deputados, Sr. Presidente, se julgaram anthortsados para viajar por toda a Europa em busca das instituições mais convenientes, e até pelo Hayti: porque não poderei eu, sem emprehender tão longa viagem , ir á Torre do Tombo desta cidade buscar a Carta, como a mais conveniente de todas ellas? Concluo, que se tal não fôsse a minha intima convicção, votaria antes com a minoria do Congresso, cujas doutrinas reputo mais conformes ao programma da revolução; mas de nenhum modo com a maioria, cuja opinião rejeito.

O Sr. José Alexandre de Campos:- Sr. Presidente, uma discussão tão luminosa, placida, e a todos os respeitos, quasi que tem collocado fóra do orisonte da questão, tudo quanto são idéas novas: o estado da discussão tem chegado a tal ponto, que dificultoso na verdade é o poder ainda encontrar uma idéa nova, aonde o espirito possa parar por algum tempo sem fastio: estas considerações ter-me-iam de bom grado feito ceder da palavra , senão tivesse que dizer alguma cousa ácerca da maneira, por que tem sido defendido o projecto; e senão tivesse de apresentar algumas idéas, ou razões singulares, a fim de que tenham tempo de germinar, ou reproduzir entre a discussão geral, e a especial. Sr. Presidente, este projecto tem sido defendido de uma maneira, que póde produzir no público effeitos pouco convenientes, e que nós não desejamos; eu desejo desvanecer taes idéas: tem-se dito, que deve ser votado aquelle projecto; porque os termos das nossas procurações são limitados: tem-se dito, que deve ser votado aquelle projecto, ou outro similhante, em virtude de considerações de politica externa: e tem-se, dito tambem, que deve ser votado o projecto em virtude das circumstancias presentes, e que devemos considerar o projecto de Constituição como um projecto de circumstancias. Parece-me, Sr. Presidente, que desta maneira de defender o projecto ha de seguir-se uma consequencia no público, que nós não queremos; porque dizendo-se, que o projecto não póde ser melhor, porque os nossos poderes são limitados; então podem dizer nossos constituintes "pois faremos em occasião opportuna outras procurações mais ampla." Tambem dizendo-se, que este projecto é votado em consideração de politica externa, dirá o público "quando essas considerações de política exterior passarem, nós queremos outra Constituição"; e o mesmo podem dizer, respeito às considerações de circumstancias; porque passadas ellas ainda se poderá querer outra Constituição: esta maneira de defender o projecto, positivamente encontra os inconvenientes de versatilidade; o .... de pouca duração é, que voto pelo projecto; hei de, para desviar estes pensamentos, escolher outros motivos para o sustentar. Eu não voto pelo projecto por entender, que as nossas procurações são limitadas; eu entendo, que ellas são bastantes: eu não voto pelo projecto por considerações de politica externa, nenhuma politica externa seria capaz de decidir do meu voto: eu tambem não voto pelo projecto por elle ser lei de circumstancias; porque é minha opinião, que uma Constituição não póde ser lei de circumstancias; porque uma Constituição deve ter o caracter de permanencia, e quanto podér ser de immotabilidade: voto neste projecto por outros motivos, pelos principios de mecanica social; porque nelle estão consignados os melhores princípios de equilibrio dos poderes politicos: voto por este projecto, porque é o unico possivel para o estado moral do povo, circumstancia talvez unica attendivel; um dos pontos controversos, e mais delicados, que tem sido tocado pelos Srs , que combatem o projecto, é a idéa de uma só Camara; porque, dizem elles, estão mais seguras as liberdades publicas; porque uma só Camara contém nos seus justos limites o poder executivo; eu estou convencido do contrario: ha um facto historico geral, e tão geral, que póde dizer-se, que está convertido em lei, que resulta de um grande numero de factos, e é que o poder executivo não costuma exceder-se, atacando directamente as attribuições do poder legislativo; mas arranjando maiorias nesse corpo; não se verifica a exorbitancia por falta de attribuições; mas porque a deputação não quer usar dellas: o governo, que quer invadir, cobre-se com a deputação, e livre assim de responsabilidade usurpar agora qual é o caminho que temos para conseguir remedio para este inconveniente? Será conceder ao poder legislativo grande numero de attribuições incompativeis? Será despojar o executivo das attribuições, de

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que carece para ter regular exercicio, a fim de as accumular no legislativo aonde são improprias, e deslocadas? Não. O meio é tornar difficeis essas maiorias: agora pergunto: Sr Presidente, qual será mais facil, seduzir a maioria de uma só Camara, ou a de duas? Por certo, que é sempre mais difficultoso o seduzir essa maioria em dous corpos, geralmente fallando, do que em um só. Qual será mais facil, obter isto de um corpo de homens, que estão no principio da sua vida, ou de outro composto de homens proprietarios, negociantes, ou finalmente de outros, que como estes não tem dependencia do governo, que estão no fim da carreira da ambição, que não tem a temer, nem a esperar do governo? Certamente que se poderá conseguir com muito maior facilidade no primeiro corpo, do que no segundo; e por conseguinte não se tema esse perigo. Eis-aqui pois como os principios vem em apoio dos factos.

Sr. Presidente, ainda mais: qual é a maneira porque um constituinte depositaria melhor direitos seus, direitos sagrados, e da maior importancia, seria depositando-os em um só procurador, ou em dous, ou tres procuradores, eleitos em differentes épocas, e eleitos debaixo de diversos auspicios? Applicando ao direito civil este principio, digo que era ser mais seguro o confia-los a dous procuradores, do que a um só: isto é verdade reconhecida; quanto mais que esses procuradores são de differente qualidade, e de differente origem. As nações tem, como os individuos, momentos de paixão, de erro, de crise, quando uma eleição for filha delles, bom é que possa ser rectificada no seu effeito, por outra feita em melhores circumstancias.

Agora, Sr. Presidente, consideremos esta questão debaixo do ponto de vista do caracter moral do nosso povo. Se corrermos a nossa historia desde 1820 para cá, acharemos um facto singular: veremos que o nosso povo apresenta um fenomeno differente, do que apresentam os factos acontecidos nos outros povos. Nos outros, apparecem os povos querendo conservar a sua liberdade, e os governos a quererem tirar-lh'a. Entre nós nasceu a liberdade em 1820, de um desembargador, ornamento da toga; de alguns coroneis; e de poucos proprietarios: foram estes os que fizeram a revolução para nos dar a liberdade, liberdade que o povo com regosijo, e nunca visto enthusiasmo abraçou mas o que aconteceu, foi, que depois de uma simples, e breve jornada que houve, o povo esqueceu-se de toda essa liberdade, e ella caiu! Mas eu estou persuadido, que a Constituição de 1822 não caiu pela razão de ter uma só Camara. Eu bem sei, que tanto cáem as Constituições, que tem duas Camaras, como as que tem uma; mas tenho observado, que as Constituições cáem; mas é porque não tem passado do papel ao coração, aos habitos, e aos costumes dos povos. É necessario, Sr. Presidente, quando se dá uma Constituição ao povo, escrever-se no coração do povo (Apoiado, apoiado.) Se essa Constituição estivesse no coração dos povos, as mesmas baionetas, que tinham quebrado contra a nossa independencia, ter-se-iam quebrado contra a liberdade.

Seguiram-se os acontecimentos de 1826. E de donde veio então a liberdade? Veio do Throno, foi delle que veio a Carta. Esta Carta progrediu por algum tempo, mas apresenta-se um homem sem força, sem talentos, e sem virtudes, e diz ao povo eu quero ser rei absoluto; e o povo deixa-se levar, e diz, viva o rei absoluto! Quem resistiu então? Alguns coroneis do exercito, alguns magistrados, professores, commerciantes, que denodadamente recusaram emprestar o seu dinheiro. Este facto é um daquelles, que sempre fará época na historia de Portugal. (Apoiado geralmente.)

Ora, Sr. Presidente, em um povo do qual se podem citar factos desta ordem, e em que temos visto as massas numericas desvairadas, e prostituidas. Em um paiz, cujo estado moral é este, não convirá lançar mais uma ancora á liberdade, organisar desses elementos, que resistiram sempre, um corpo forte por suas attribuições, que possa dizer não, quando um ambicioso tiver conseguido das massas, que digam sim? Certamente convém, é necessario, e justo. (Apoiado.) Será mais uma garantia para a liberdade o dia em que este Congresso tiver votado a existencia de uma Camara, como apresenta o projecto, e eu então terei a certeza de que hei de morrer livre na minha patria.

Tem-se insistido em alguns pontos, que devem ser considerados como bases do projecto um d'elles e o velo, idéa que a palavra não explica, porque ella e a mais impropria para a exprimir.

Sr. Presidente, se nós concordâmos em que o Rei deve ser representante do povo ... então não ha veto; mas ha concorrencia para a formação de lei; e então é necessario que o Rei tenha o seu voto e quando falta um dos votos cae a lei, que só póde passar por unanimidade, vista a natureza particular de cada elemento: eis-aqui o que é: é a concorrencia de um dos representantes do povo para a formação dessa lei. Este voto reside pois no poder executivo, que e quem examina a lei, e quem dá a sua opinião sobre ella. Se quem exerce pois, e concorre para a formação do poder legislativo, e o poder executivo, e se este é essencialmente poder responsavel por todos os actos, segue-se que o uso indevido do veto, deve ser caso de responsabilidade constitucional, por ser acto dos Ministros; e não da Corôa, que é mister collocar sempre fóra do atrito das rodas na machina politica: nós poderemos então no exercicio do veto estabelecer-lhe essa mesma responsabilidade, seja por qualquer maneira, que se julgue, porque senão se suppõe, que o Monarcha é quem faz esse acto, deve suppor-se, que é um acto do Ministerio responsavel. Discutindo nós este ponto maduramente, poderemos talvez leva-lo ao estado de maior liberalidade.

Tambem estou persuadido, que não é possivel organisar o poder legislativo, sem se dar á Corôa o poder de o dissolver: eu quero dar isto a Coroa, mas quero tirar á Corôa o poder de sustentar pessoas: eu convirei, que a Corôa possa, e deva sustentar principios, mas não sei como a Corôa possa sustentar pessoas. Se a nação vai escolher cem procuradores, tambem a Corôa poderá nomear seis ministros: mas eu quererei, que quando a Corôa dissolver a Camara, demitta tambem os Ministros. Pelo systema ordinario de dissolver, o Ministerio emprega depois todos os meios ao seu alcance honestos, e não honestos, para conseguir obter uma Camara, que lhe seja affeiçoada: e acontece então, que isto se faz para se sustentarem as pessoas, que tem aconselhado essa dissolução. O Ministerio fica sendo então, pelo vicio da instituição, o primeiro intrigante legal; no dia da dissolução deixa empenhada a sua palavra no paço, de intrigar quanto poder. Em Inglaterra o direito de dissolver a Camara converte-se em especulação ministerial; porque alli o ministerio, que vê que se não póde sustentar, tenta dissolver essa Camara, com o fim de obter outra, que lhe seja afeiçoada. É necessario pois aperfeiçoar-se a instituição nesta parte, muito embora seja isto assim mesmo em França, e em Inglaterra, o que d'ahi se segue é, que é um erro francez, ou um erro inglez, que devemos evitar entre nós: quero pois apartar desta scena politica todas as personalidades: esta crise deve ser de principios, e não de pessoas: o Ministerio dissolvente não deve apparecer em qualidade de triunfador, na nova Camara a excitar personalidades: e então é para isso necessario, que o Ministerio, dado esse caso, seja logo demittido: quando for enviado á Camara o decreto da dissolução, a Corôa póde nomear outro dos mesmos principios, da mesma côr, póde mandar sustentar os mesmos principios por differentes pessoas; mas a possibilidade de sustentar pessoas é o presente mais funesto, que podemos deixar á Corôa. Digo pois, que o projecto não só apresenta os melhores principios da Constituição de 1822, e os melhores principios da Carta de 1826; mas apresenta tambem algumas

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cousas novas, de que podem provir boas garantias para o povo, e que está concebido debaixo de bases constitucionaes de que póde resultar a felicidade do paiz: voto por tanto pelo projecto, guardando-me para entrar na discussão delle em especial, quando della se tratar.

O Sr. Presidente: - Não sei se o Congresso quer, que ámanhã se altere a ordem do dia, e então proponho se a ordem do dia para ámanhã ha de ser a continuação da de hoje.

(O Congresso resolveu que sim.)

Está levantada a sessão.

Eram quatro horas e um quarto da tarde.

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