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estrella, e a execução do infallivel decreto, com que o destino marcou as primeiras fachas, em que fui envolvido, é com que sanccionou o periodo, e os acontecimentos da minha existencia; muito poderia desenvolver estas considerações; mas assaz me terei já demorado.

Achamo-nos, Sr. Presidente, reunidos aqui os procuradores da nação portugueza: estas palavras logo mostram, que havemos de ter procurações, e que o bom procurador é aquelle, que em tudo, e á risca desempenha essas procurações de que está munido; e aos ajustes que fez com seus outorgantes, sobre o modo de desempenhar os poderes, que lhe conferem: vejamos qual foi o modo por que eu, e todos nós nos obrigámos a desempenhar á risca, e fielmente essas procurações, que a nação noa deu, quando para este logar nos mandou: este modo é aquelle, que está estampado no juramento, que démos ao tomar assento nestas Côrtes; e eis-aqui o que jurámos (leu). Ora bem se infere, por consequencia necessaria, que aquelle, que desempenha sua procuração segando em sua consciencia entende, que o faz bem, e fielmente; cumpre o seu dever e não tem crime: eis o que eu penso fazer, eis o que mesmo entendo haver feito desde que tive a honra de occupar esta cadeira; e tanto entendo em minha consciencia que hei obrado bem, e bem obrarei em quanto assim praticar, que durmo tranquillo sem receio algum, e menos incommodado do aguilhão dos remorsos, do que o seria, se no peso do meu somno fôsse levemente picado por um mesquito, que não chegasse a fazer-me acordar.

Vamos agora a saber qual é o theor de nossas procurações, e o que nos ha de servir de normas inalteravel: a minha diz, e creio que todas, ou quasi todas dizem o mesmo (leu): entendo pois que nós temos uma obrigação imprescriptivel de nos cingirmos ás condições, que nossos poderes encerram: digo temos obrigação, porque todas as procurações dos Srs. Deputados, que em grande numero examinei na secretaria, são iguaes á minha, mesmo no que toca á confecção da futura Constituição: estando por tanto chegado o tempo de desempenhar a parte mais essencial dessas condições, é necassario havermo-nos com toda a pontualidade nesse desempenho.

As nossas procurações tem duas partes, uma implicita, e outra esplicita; na parte implicita o Deputado tem todas as largas, que lhe ministra a sua consciencia com o bem geral da nação em vista, e então é-lhe permittido, está, na sua longanimidade, dar a maior latitude á intelligencia doutrinal do theor de sua procuração; mas na parte, que respeita ao que é explicito em nossas procurações, que marca positivamente os poderes dos Deputados na obra da futura Constituição, temos, como já disse, estricta obrigação de cingir-nos ás condições, que nos foram impostas; e nesta parte do theor de nossas procurações, não póde de modo algum dar-se outra intelligencia, que hão seja a litteral: isto é um axioma de direito, que não carece de mais demonstração alguma.

Sr. Presidente, a nação portuguesa trata hoje de constituir-se; este direito ninguem póde contestar-se uma nação soberana, assim como ninguem, que reconheço a sua soberania, póde desconhecer a sua independencia; mas tambem é certo, que uma nação a par da sua soberania; e independencia, tem para com ella mesma obrigações da sua conservação, e de seu aperfeiçoamento, e para com as outras nações o dever de as não incommodar, e o dever da união reciproca com aquellas, em cuja communhão pretende subsistir: ora a perfeição de uma nação dimana essencialmente da sua Constituição; mas esta nunca póde ser perfeita, ou menus imperfeita, senão quando uma nação se conhece a si mesma, tanto nas relações internas, como nas que dizem respeito ao seu estado comparativo com as outras nações; e quando, em virtude desse conhecimento, ella adapta sabia, e prudentemente a Constituição do estado a essas circumstancias, e relações; isto é o que eu chamo constituir-se, e o contrario seria aberrar inteiramente dos fins da sociedade, e pôr em perigo, e até destruir a mesma sociedade, o que ella não póde fazer, nem para isso tem direito; e ninguem me venha com o estrepitoso argumento, de que um povo soberano não depende dos outros para se constituir, e que, porque nenhuma nação tem direito de se intrometter na Constituição, e leis de outra nação, primeiro deve um povo independente sepultar-se nas finas ruinas, do que soffrer que uma nação estranha lhe imponha, ou de algum modo influa no fazer de suas leis: isto na verdade é muito heroico, é muito altisonante em these; mas descendo á prática é circumscripto por outras considerações, e muito verdadeiras. Aquelle povo, ou nação, que, levada só por aquellas maximas, quisesse apresentar na sua totalidade essas tão decantadas scenas de Sagunto, e Çaragoça, pergunto eu, satisfaria aos fins da sociedade? Cumpriria ella a primeira das leis, que é a sua existencia, e salvação, por aquelle axioma «salus populi suprema lex esta? Reduzida unicamente a montões de ruinas, poderia dizer-se povo independente? Poderia sim, porque só quem não existe não depende; os póvos soberanos são independentes em constituir-se, é verdade; mas tem melindrosos, e regrados limites no exercicio desse direito, prescriptos pela sua conservação, e aperfeiçoamento; e nunca esse direito se exerce devidamente, e se preenchem seus fins, se a lei fundamental não se basear sobre as circumstancias actuaes dos mesmos póvos; tudo que é o contrario, é uma obra efemera, e que em breve rolará sobre suas ruinas pela fraqueza, ou carencia de sua base; e para o demonstrar com exemplos, vamos chamando a questão ao ponto, que sevindo-me nesta parte do meu discurso faz igualmente bem a todo o corpo delle, e me leva á minha final proposta, e conclusão.

Todos sabemos, porque a materia é contemporanea, que quando um povo, pelos defeitos de seu Governo, chega ao cumulo dos males, e ao ultimo apuro de soffrimento; quando por parte do poder estão rotos os vinculos sociaes, e quebrado o contrato, esse povo só trata de saír desse estado violento para um outro qualquer, e escolhe o que lhe parece melhor, e de ordinario quanto mais opposto é ao que o afflige, mais preferivel lhe parece ao estado; e se a oppressão tirannisa um povo, sempre julga que lhe convém passar para a maior liberdade: a compressão do espirito, quanto maior é, maior reacção importa; mas nesse estado de paixão excessiva quasi nunca se encontra o acerto, e se vai mil vezes cahir em o extremo opposto: eu não citarei as scenas passadas em França, e Inglaterra, que comprovam isto, eu limito-me á nós, e aos nossos visinhos, ou a exemplos, como já disse, do periodo da nossa vida: opprimida a Hespanha pelas falanges monopolista-militar da Europa; arruinada inteiramente pelo governo da fraqueza, e da traição, esta nação se viu reduzida ao curto espaço da ilha de Leão: alli em quanto um rei gemia no captiveiro, essa parte herroica da nação, sempre esperançosa de seu restabelecimento, se emmancipou do jugo do despotismo: ella faz uma lei fundamental, que impoz, e fez jurar ao chefe do poder, quando libertado pelos heroicos esforços dos mesmos hespanhoes, e seus alliados; tornou a pizar a terra de seus antepassados; a constituição de Cadiz, foi o pacto fundamental da Hespanha constitucional desde então.

Quando em 1820 estava Portugal entregue ao abandono do seu Governo, e ao despotismo estrangeiro, feito uma colonia da sua colonia, presa da cesariana de detestaveis mandões, reduzido ao opprobrio, e á miseria, a ponto de que os portugueses na sua patria não tinham patria, o grito da nação se ouviu do Douro ao Téjo, do Guadiana ao Minho, e em breve retumbou além da mares, em toda a parte onde imperava o nome portuguez, e á imitação do povo hespanhol, o povo portuguez, roto o seu antigo pacto, proclamou um novo pacto; mas esse pacto era indifinido, este