O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Página 153

(153)

SESSÃO DE 2 DE MAIO

(Presidencia do Sr. Dias d'Oliveira).

ABRIU-SE a sessão ás onze horas e meia da manhã, estando presentes cento e um Srs. Deputados.

Leu-se e approvou-se a acta da sessão antecedente.

Mencionou-se a seguinte correspondencia:

1.º Um officio do Ministerio da guerra a satisfazer aos esclarecimentos pedidos por este Congresso sobre o que se tem praticado por aquelle Ministerio a respeito dos empregados civis, que pedem ser comtemplados, como os officiaes do exército rebelde amnistiados pela convenção d'Evora-monte em 27 de Maio de 1834. - Foi á Commissão de guerra.

2.º Outro do mesmo Ministerio a remetter um requerimento de D. Marianna Rita da Silva Quaresma, viuva de Pedro d'Alcantara da Silva, tenente que foi do exercito, a qual pede lhe seja concedido o beneficio da lei de 19 de Janeiro de 1827; sobre o que, havendo duvida n'aquelle Ministerio, de que lhe possa aproveitar a disposição d'aquella lei, ampliada pela de 20 de Fevereiro de 1885, pede que este negocio seja submettido á decisão das Côrtes, a fim de que o Governo seja habilitado a deferir a esta, e a outras pertenções d'igual natureza. - Foi á Commissão de guerra.

3.º Uma representação da Camara municipal de Celorico de Basto sobre divisão de territorio. - Foi á Commissão d'estatistica.

4.º Outra da junta de parochia da freguezia de Santa Teca de Basto sobre divisão de territorio. - Foi á Commissão d'estatistica.

5.º Outra da junta de parochia da freguezia de S. João d'Arnoia tambem sobre divisão de territorio. - Foi á Commissão d'estatistica.

6.º Outra da Camara municipal de Fafe sobre divisão de territorio. - Foi á Commissão d'estatistica.

7.º Quatro representações dos mestres dos officios de esparteiro, albardeiro, barbeiro, e cordoeiro desta cidade, em que pedem certas providencias tendentes ao melhoramento de suas profissões e officios. - Foram á Commissão de commercio e artes.

8.º Uma representação de alguns habitantes da villa da Mota a pedir providencias para que a tropa, que alli foi mandada estacionar, seja retirada como desnecessaria ao serviço publico n'aquella villa. - Foi á Commissão de petições.

9.º Um officio do Sr. Deputado José Henriques Ferreira, no qual pede licença de vinte a trinta dias, a fim de ir a sua casa, onde o chamam motivos urgentes.

Submettida á approvação do Congresso esta licença, foi concedida.

Tiveram segunda leitura o requerimentos seguintes:

1.º Requeiro que se peça ao Governo, pelo Ministerio do reino, uma representação que a Sua Magestade dirigiram as Camaras municipaes do Riba-Tejo, expondo os. graves damnos que soffre a agricultura da Estremadura com a existencia do terreiro publico. 1.º de Maio - Cesar de Vasconcellos.

O Sr. Cesar de Vasconcellos: - Eu nesse requerimento peço tão sómente, que ao Congresso sejam remettidas as representações de todas as Camaras do Riba-Tejo, ácerca do mal que lhe resulta da existencia do terreiro publico, para que sendo remettidas á Commissão de agricultura, esta tome na devida consideração as justas queixas d'aquellas Camaras, e proponha ao Congresso as medidas que julgar precisas, para evitar os escandalosos abusos d'aquella repartição.

O Sr. Visconde de Fonte Arcada: - O que acaba de ler-se é um requerimento do Sr, César, peçlindo certas representações das Camarás do Riba-Tejo. A Commissão de agricultura foi ha poucos dias remettido um requerimento dos lavradores de Riba-Tejo pedindo algumas providencias; mas a Commissão não póde dar o seu parecer cobre este requerimento sem ao mesmo tempo vêr essas representações das Camaras; por tanto apoio o requerimento do Sr. Cesar, e pediria a V. Exca., vista a importancia da materia, e a necessidade que ha de dar providencias, exigisse que o Governo mandasse essas informações com brevidade.

O Sr. Presidente propoz o requerimento, e foi approvado.

2.º Requeiro que se recommende ao Governo, pela repartição competente; que faça sustar a venda do convento da serra d'Ossa, e das mais terras que lhe pertencem, sitas no concelho do Redondo, até que o Congresso defira a uma representação da Camara municipal do dito concelho, em que pede a restituição duma grande, parte das terras daquelle convento, e que estão em venda. Sala do Congresso 1 de Maio de 1837. = J. M. Rojão.

O Sr. Rojão: - Sr. Presidente, V. Exca. e o Congresso estarão lembrados, que numa das sessões antecedentes (creio que no mez de Fevereiro) eu tive a honra de apresentar aqui uma representação da Camara municipal do Redondo. Nesta representação pedia a Camara que o Congresso decidisse, se ella tinha ou não direito acertas terras, que fazem boje parte do convento da serra d'Ossa: á precise que o Congresso saiba, que a Camara requereu ao Governo, a resolução d'aquella duvida, mas que o Governo lhe não deferiu; a Camara julga-se com direito, ás terras pedidas, e por isso, em conformidade da lei, requereu embargo nellas e supponho que ainda não foi relaxado. Requereu a Camara representante às Camaras de trinta e cinco a decisão deste negocio, e tambem, não houve resultado; agora requereram novamente, e esta representação acha-se affecta á Commissão de legislação, e esta por seus muitos trabalhos não pôde ainda dar o seu parecer; porém appareceu no diario de 7 d'Abril proximo passado uma lista, na qual se põe á venda estes bens que a Camara pede: ora como taes terras foram embargadas pela Camara, e a representação se acha neste Congresso, pedia eu, que esta venda se sustasse, até se decidir se a Camara tinha ou não direito a essas terras; porque senão se sustar a venda, e se venderem os bens, e depois se decidir que pertencem á Camara, novas difficuldades ha a vencer; e é para as evitar que eu peço, que se recomende ao Governo mande sustar esta venda até se decidir a pertenção da Camara representante.

O Sr. Leonel: - Sr. Presidente, eu não tenho noticia, da representação da Camara do Redondo; entretanto o maior beneficio que se póde fazer á Camara, é desengana-la, de que nós não podemos metter-nos nesse negocio, para que não esperem que d'aqui se lhe dê remedio. A Camara fez um embargo; já recorreu ao poder judiciario, aonde só pertence a decisão deste negocio; o Governo, ou a Commissão de credito publico encarregada da venda dos bens nacionaes, mandou publicar a venda desses bens, de certo porque não tinha noticia de que o facto estava affecto ao poder Judiciario; fazendo-se constar na Commissão que o negocio se acha affecto ao poder judiciario, ella sustará na venda. Na lei da venda dos bens nacionaes está remediado tudo quanto póde haver a esse respeito; mas estar a Camara a esperar que nós resolvamos, é engana-la.

O Sr. R. J. de Menezes: - Eu fui prevenido pelo Sr. Leonel, e por conseguinte cedo da palavra.

O Sr. Rojão: - Sr. Presidente, eu estou convencido, que o Congresso, não tem a decidir se não conforme ao. que disse o Sr. Leonel; roas não obstante isso não vejo inconveniente, em que se diga ao Governo, que mande sustar essa venda.

SESS. EXTRAOR. DE 1837. VOL. II. 18

Página 154

(154)

O Sr. V. de F. Arcada: - Sr. Presidente, nós não podemos decidir este negocio aqui; a lei sobre a venda da bens nacionaes providencêa estes casos, se estou bem lembrado, no artigo 14; por consequencia não requer uma lei nova para a Camara do Redondo; não temos mais que fazer.

O Sr. Derramado: - O que disseram os illustres Deputados, que me precederam, é exacto; mas não ha inconveniente em que o requerimento seja temettido ao Governo, não com recommendação positiva de sustar na venda, mas para o tomar na consideração que o merecer, conforme o estado em que se achar o negocio; porque assim se póde obter a justiça devida aos requerentes, sem ultrapassar os attribuições das Côrtes.

O Sr. Alberto Carlos: - Fui prevenido pelo Sr. Deputado, que me precedeu, não podermos decidir nada a este respeito: é negocio que pertence ao poder judiciario; mas o Governo interessa em saber para sustar a venda; porque depois não ha de indemnisar, como disse o Sr. Visconde, o possuidor, mas sim o comprador: ora creio que vi no Diario de antes de hontem, que a Commissão do credito publico mandou sustar uma venda, por saber que se tinha suscitado duvida sobre a propriedade dos bens; e por tanto não ha difficuldade em mandar ao Governo para que elle dê as providencias conforme fôr de lei.

O Sr. Presidente pôz o requerimento á votação segundo a proposição do Sr. Derramado. - Foi approvado.

O Sr. B. da R. de Sabrosa: - Sr. Presidente, sou incumbido de mandar para a mesa ama representação das authoridades actuaes fiscaes de villa do Conde sobre ordenados, e outra de uns voluntarios do batalhão movel de Bragança.

O Sr. R. J. de Menezes: - Vou lêr, e mandar para a mesa o seguinte requerimento (leu).

O Sr. Rebello de Carvalho: - Tenho a honra de mandar para a mesa uma representação da Camara municipal do concelho de Aviz, districto de Portalegre, na qual representa a necessidade de se erigir naquelle concelho a cabeça de uma comarca judicial: junta á sua representação um mappa de alguns concelhos com que se póde formar essa comarca.

Ficou para ulterior destino.

O Sr. J. C. de Campos: - Vou apresentar a ultima redacção da lei sobre vinhos. A Commissão julgou necessario para maior claresa dividir alguns artigos, dar differente colocação a outros; mas em quanto ás ideas não ha differença alguma essencial! (leu.)

O Sr. J. Victorino: - Sr. Presidente, eu estava na idéa que só tinha vencido, que os direitos do vinho de consumo haviam de ser pagos em dinheiro de metal; mas alli vejo que se falla tambem em escriptos do thesouro: não estou certo se isto se venceu.

O Sr. Presidente: - Não me sendo permittido daqui, como membro da Commissão, sustentar esta redacção, nem mesmo dar as razões que a Commissão teve para a apresentar, convido o Sr. Vice-Presidente a occupar a cadeira da presidencia.

O Sr. Vice-Presidente assim o fez.

O Sr. Vice-Presidente: - Passa-se á discussão especial de cada um dos artigos, para vir só estão conformes com o que se venceu.

Artigo 1.º Ou vinhos, agoas-ardentes, e mais licôres espirituosos de producção nacional, que derem entrada nas barreiras da cidade do Porto, e Villa Nova de Gaia, pagarão os direitos da consumo estabelecidos no decreto de 14 de Julho de 1832.

O Sr. Dias d'Oliveira: - A Commissão de redacção tratando de dar a ultima redacção a este projecto de lei, fez algumas transposições nos artigos; mas conservou o vencido com exactidão. O artigo 1.º que tinha sido apresentado pela Commissão dos vinhos, é ultima redacção, e que foi approvado n'uma das sessões passadas, dizia: (leu) aqui neste artigo consignavam se duas idéas, primeira o pagamento dos direitos de consumo na entrada de vinhos, agoas-ardentes, e licores espirituosos, que viessem, para o Porto, e que entrassem pelas barreiras; segunda uma excepção a este direito sobre a geropiga, ficando esta pagando um cruzado por almude: a Commissão de redacção esprimiu estas idéas no artigo 1.º, e § 1.°, que dizem assim (leu); estabeleceu em § separado, porque assim entendeu ser melhor, e reuniu tudo que dizia respeito a direitos de consumo, para nexo da lei, e para mais facil intelligencia dessa na sua execução; porque uma das condicções essenciaes na redacção das leis, é a boa deducção d'ellas, a reunião das suas differentes disposições debaixo d'artigos, ou capitulos, que as com pretendam todas, sem mistura, nem interpolação dos objectos. Assim a Commissão reuniu todo, o que diz respeito ao consumo, depois tudo o que diz respeito á exportação, etc.; e por isso fez transposições, sem com tudo deixar da ligar-se religiosamente ao que estava vencido. Por isso ella trouxe para aqui a mesma parte do artigo 4.º do projecto da Commissão dos vinhos, que foi approvado, e que dizia assim (leu); e exprimiu esta idéa no § 2.º, que diz assim (leu); aqui vem o reparo do Sr. J. Victorino: as expressões de que se tinha servido a Commissão dos vinhos, são estas - que só poderiam ser recebidos os direitos de consumo em dinheiro corrente, na fórma das leis existentes - esta expressão era ambigua, devia suscitar muitas duvidas na execução, não fazia se não, pôr em dificuldades os executores da lei, e foi para as remover, que a Commissão entendeu, que devia explicitamente fallar nos escritos do thesouro admissiveis nas alfandegas, até porque elles não foram excluidos pelos vencimentos que houve, e constam das actas. O que se venceu, foi, 1.º a substituição do Sr. Pinto Soares, que dizia, que se pagaria em dinheiro de contado; e 2.º mandou-se que se tivesse em vista a emenda do Sr. Vasconcellos que dizia - em dinheiro corrente na fórma das leis existentes - e foi desta expressão, que se serviu a Commissão dos vinhos no seu projecto ultimamente approvado, salva a melhor redacção. Ora de tudo isto não se colhe de forma alguma a exclusão dos titulos, até porque o Sr. Pinto Soares só quiz excluir a idéa destes direitos de consumo serem pagos nas letras a prazos, como estabelecia o decreto de 2 de Novembro; mas não quiz dizer, que senão admittissem os titulos admissiveis, nem foi essa a mente do Congresso, nem houve votação, que taes titulos rejeitaste. A Commissão entendeu pois, que devia consignar bem esplicitamente essa idéa, e usar da expressão de que usou para tirar as duvidas na execução: o seu fim foi a clareza; mas se o Congresso quizer resolver, que o pagamento seja precisamente feito em moeda metal, com exclusão de quaesquer papeis equivalentes, como os titulos mandados receber como dinheiro corrente, o que a Commissão entende, é, que isto se deve precisar bem, para livrar os executores da lei de chicanas, e difficuldades. Em fim ella só teve aqui em vista a clareza, e com tanta mais razão, quanto ella mesma entrou em duvida sobre o que se queria dizer pela expressão, dinheiro corrente na fórma das leis existentes, que vem no projecto; quero dizer, se uma tal expressão excluia, ou não os escritos admissiveis, e que a lei manda recebei como dinheiro corrente. Devo toda via advertir, que os direitos de consumo, que por esta lei se hão de pagar na cidade do Porto, não chegam certamente a quarenta contos, o que é menos de ametade dos rendimentos da alfandega n'um mez, e então teria conveniente receber esses escritos; porque se amortisarão, e mesmo não fazem mal quando continuassem a ter vóga por muito tempo, o que Deos nos livre; porque nós estamos fartos de antecipações, e é preciso que acabemos com ellas; mas que se continuassem, só se receberia n'um anno menos de ametade do rendimento da

Página 155

(155)

alfandega n'um mez; porque o seu rendimento orça-se em um mil e duzentos contos; e cem, a que montará o direito de consumo, não vem a ser a metade do rendimento d'um mez, a Commissão pois, consignou por estes motivos esta idéa no primeiro artigo, e não havendo duvida peço que se ponha á votação.

O Sr. Leonel: - Eu pedi a palavra para lembrar ao Congresso, que eu puz em duvida aqui, se os escriptos admissiveis nas alfandegas deviam ou não ser admittidos no pagamento dos direitos: a mim parecia-me que não; mas nessa occasião disse-se tanto para mostrar que elles o deviam ser, que eu julguei dever-me calar, e não insistir. Hoje porém estou intimamente convencido de que esses escriptos se devem admittir no pagamento.

O Sr. João Victorino: - Eu tambem devo lembrar, que, quando se tratou desta materia, eu fui de opinião que esses direitos se pagassem em metal, com vistas de favorecer assim o thesouro. Entretanto direi, que a redacção não póde estar melhor, porque é assim que se entende uma lei; mas eu quereria que o Congresso agora decidisse, se devia admittir-se só o dinheiro em metal no pagamento dos direitos, ou tambem os papeis de credito.

O Sr. César de Vasconcellos: - Pelo que pertence á redacção estou satisfeito: - mas pediria a V. Exa. que tivesse a bondade de mandar ler a primeira parte do art. 1.º (leu-se). Muito bem: eu estou convencido de que os vinhos, e agoas-ardentes que derem entrada na cidade do Porto para consumo deverão pagar sómente os direitos; que estabelece o decreto de 14 de Julho de 1832; mas vejo que alguns Srs. Deputados estão em duvida, se além dos direitos nelle estabelecidos deverão pagar mais alguma cousa. Convém por tanto que a lei vá muito clara para não haver duvidas na sua applicação, e tirar os escrupulos com que estão alguns dos meus illustres collegas.

O Sr. B. da R. de Sabrosa: - O decreto mal fadado de 14 de Julho de 1852 aboliu todas as anteriores, leis que havia a respeito de pagamento de direitos. Eu estou persuadido que este negocio de direitos está perdido, e que com elle lá vai Portugal á véla. Em quanto porém á observação do Sr. João Victorino digo, que não ha duvida nenhuma, que quando se tratou disto, foi sua opinião que o pagamento devia ser em dinheiro metalico; porém logo este negocio se decediu, e a mente do Congresso foi, que podiam esses direitos ser pagos em escriptos do thesouro; porque esses escriptos são admittidos como dinheiro corrente: - eis-aqui a razão porque a Commissão consignou alli esta idéa, segundo o pensamento do Congresso.

O Sr. Alves do Rio: - Pelo que pertence á duvida proposta pelo Sr. Cezar de Vasconcellos, seria bom para que ella se desvanecesse, que se declarasse quanto um a quantia expressa, e que se não referisse ahi decreto algum para não ser preciso ter presentes dois decretos, podendo este dizer tudo. Agora quanto ao mais, tenho pena que não esteja presente o Sr. Ministro da fazenda para me dizer, que quantidade de titulos admissiveis nas alfandegas como dinheiro se tem emittido? Se os que são admittidos em Lisboa, o são tambem no Porto? Se o producto dos direitos, que lá se pagam, é dividido por differentes repartições, como o é aqui. Eu não sei nada a este respeito; e por isso tenho pena, que S. Exa. não esteja presente para me informar a este respeito: - se algum Sr. Deputado me póde informar, eu o estimarei para votar com conhecimento de causa.

O Sr. Alberto Carlos: - Depois das reflexões que já se fizeram, eu não tenho rada a accrescentar; e só observarei, que aquella expressão que diz = para consumo = se deveria mudar para outra, a fim de fitar mais claro; e parecia-me, que se poderia dizer assim: - Os vinhos que entrarem para consumo -

O Sr. Dias d'Oliveira: - Eu vou ver se posso satisfazer aos esclarecimentos que pretendem os Srs. Deputados: Pelo que pertence á duvida apresentada pelo Sr. Cezar de Vasconcellos direi, que a Commissão achou, que nesta lei se tinham estabelecido differentes theses: - a 1.ª era, que os vinhos do Porto para consumo deviam pagar os direitos estabelecidos no decreto de 14 de Julho de 1832: - e esta expressão já consignada no projecto pela Commissão dos vinhos, e na substituição do Sr. Pinto Soares, que se venceo tambem, e foi pela Commissão de redacção, como explicita, e vencida. A outra these foi a que passou para o artigo 2.°; e é esta a these, que lembra o Sr. Alberto Carlos. O decreto de 14 de Julho marcou os direitos que deviam pagar as agoas-ardentes, vinhos, e mais bebidas espirituosas, que entrassem na cidade do Porto para consumo; e esta legislação não foi revogada nem mesmo pelo regulamento, que fez parte do decreto de 2 de Novembro. Nós agora não estamos a fazer uma legislação nova; estamos sómente a fazer algumas declarações a respeito dessa antiga legislação, e alterámos unicamente o decreto de 2 de Novembro sobre os direitos que devem pagar os vinhos, e agoas-ardentes, que sahirem para exportação. Julgo por tanto que a redacção nesta parte, está como se venceu, e tão clara quanto é possivel. Em quanto porém aos escriptos admissiveis nas alfandegas, eu certamente não posso dar informações exactas ácerca disto; porque não sou o Ministro da fazenda, nem tenho parte alguma no Governo: não quero dizer com isto que sou inimigo dos actuaes ministros; nem que estou deposto a nau os ajudar: sou amigo pessoal de todos elles; e quando se tratar do bem da minha patria, estou prompto a ajudar até os meus inimigos; mas não tenho parte nenhuma nos negocios do Governo, mas como cousa de facto pareceo-me dever declara-lo, porque se não pense o contrario, como parece. Direi pois, que segundo me informam, que os escriptos admissiveis nas alfandegas estão no Porto a noventa e tantos por cento, quer dizer, quasi ao par: isto prova que não ha grande affluencia destes; mas estes escriptos são passados de differentes fórmas: - uns são para serem admittidos sómente em metade dos direitos; outros são passados expressamente para certas alfandegas, e a prasos fixos; e outros são passados para serem recebidos como dinheiro, indistinctamente em todas as alfandegas do reino, e pela totalidade dos direitos que alli se tiverem de pagar. Mas isto não tem nada com a redacção desta lei; porque o chefe da respectiva repartição é, que deve conhecer se elles são, ou não são admissiveis na sua repartição, e assim os admitte, ou não. Agora direi, que esta parte do rendimento dos direitos no Porto entrava na companhia dos vinhos antigamente, e d'ahi não sei se ia ou não todo para o thesouro; mas depois que ella foi extincta, os direitos tem sido cobrados directamente para o Governo; que destes dispõe, porque se consideram como rendas do estado. Creio por tanto que este artigo não poder deixar de passar como está.

O Sr. Barjona: - Eu desejava muito que se adoptasse a idéa do Sr. Alves do Rio; e por isso quereria que em logar de se dizer - pagarão os direitos do decreto de 14 de Julho - se inserisse na lei apropria integra do decreto. Agora, em quanto a dinheiro de contado, ou escritos admissiveis, eu desejava o que pedio o Sr. Alves do Rio; mas á vista do que acaba de dizer o Sr. Dias d'Oliveira, cedo desta pertenção. Entre tanto, dinheiro de contado em linguagem financeira restricta é metal cunhado, e efectivamente os escriptos recebidos nas alfandegas não estão ao par, nem se recebem nas estações competentes se não em certo tempo. Dizem d'aqui do meu lado, que as notas do banco tambem são effectivamente dinheiro de contado: é verdade que as notando banco tambem devem ser consideradas como dinheiro de contado, apesar de que os cambistas ordinariamente as não recebem se não com um vintem ou mais de rebate.

O Sr. Barão da Ribeira de Sabrosa: - Em quanto á questão de dinheiro de contado, deixo á parte juridica do Congresso decedi-la; porque, para os lavradores do Douro

SESS. EXTRAOR. DE 1837. VOL. II. 18 B

Página 156

(156)

isso é quasi totalmente indifferente: os escriptos chamados das alfandegas são recebidos como dinheiro de contado, como. são as notas do banco; porém os escriptos da thesouro flutuam mais pelos motivos que V. Exa. sabe; em quanto a receberem-se nos direitos de consumo, isso creio eu que está decidido; em quanto a imprimir-se toda a lei de 14 de Julho não póde haver duvida nenhuma; direi porém que ainda não vi sahir deste Congresso lei nenhuma som essas remissões; e não sei então como lembram esses embaraços a respeito desta lei, quando todas as leis que sahem d'este Congresso tem as mesmas remissões. Imprima-se, ou não se imprima a lei, é indifferente; mas é totalmente inutil. Agora, Sr. Presidente, terminarei, quanto a mim, esta discussão, dizendo que no dia 27 quebraram no Porto quatro casas da vinhos, quatro negociantes respeitaveis, e muito se receava que este infortunio alcançasse outras, e quanto mais demorarmos esta lei, mais hão de quebrar, e os prejuizos que d'ahi se segue ao paiz são reconhecidos.

O Sr. Leonel: - Sr. Presidente, é preciso advertir que esta lei refere-se a dous decretos, um da primeira dictadura, a outro da segunda. O decreto da primeira dictadura é de 14 de Julho de 1832, que nem foi revogado, nem é intenção desta lei altera-lo em cousa nenhuma; por consequencia não ha inconveniente nenhum em nos referirmos a elle. Quanto ao decreto da segunda dictadura se se quizesse fazer remissão sobre esse, a isso me opporei eu; mas pelo projecto apresentado pela Commissão de redacção, não se faz remissão nenhuma ao decreto de Novembro do anno passado, e só ao decreto de trinta e dous; e nisso não ha inconveniente nenhum: agora pelo que respeita aos escriptos do thesouro, se os não quizermos admittir, infallivelmente iremos quebrar a fé publica, o que será muitissimo prejudicial...

O Sr. M. A. de Vasconcellos: - Quando se tratou d'esta questão, Sr. Presidente, viu-se que havia dous meios de fazer pagamento nas alfandegas; um de prompto, e outro de caução, ou para melhor me explicar, por promessa de pagar. O que se poz á votação foi se se faria o pagamento por promessa, ou se se faria de prompto; houve algumas dificuldades, e por fim eu propuz uma emenda para que em logar de se dizer em dinheiro de contado, se dissesse em moeda corrente, conforme as leis: pareceu-me que assim se tiravam todas as duvidas; porque ha lei que manda admittir nas alfandegas os titulos do thesouro, como moeda corrente; assim se evitavam duvidas, e se conseguia o pagamento de prompto, que era o fim que pertendiamos ganhar.

O Sr. Pinto Soares: - Sr. Presidente, eu approvo a redacção do artigo que acaba de ser lido, e acho que como o apresenta a Commissão está mais claro, e não póde offerecer duvida nenhuma. Os direitos de consumo devem ser pagos ou em dinheiro corrente, ou em escriptos do thesouro, que são dinheiro corrente, á vista da lei que os manda receber como tal; e seria uma grande injustiça, e traria comsigo o inconveniente que muito bem notou o Sr. Leonel, se acaso se dissesse que estes títulos não podiam ser recebidos em similhantes pagamentos; isto importaria o mesmo que um quebranto da fé publica. Quanto á duvida que suscitou o Sr. Alves do Rio, de querer saber que applicação se dava aos direitos de consumo dos vinhos na cidade do Porto, devo dizer, que antes da promulgação do decreto de 14 de Julho de 1832 tinham diversas applicações esses direitos, eram diversas as verbas que as recebiam, e destinadas para diversas repartições, a quem a Camara do Alto Douro, então exactora, os entregava. O decreto de 14 de Julho, que reduziu todas essas verbas ao direito de seiscentos réis por almude de agua-ardente, trezentos réis para o vinho maduro, e cento e cincoenta réis para o vinho verde, determinou que esses direitos seriam recebidos pelo recebedor geral da provincia, e que esse recebedor pagaria áquellas corporações, que antes recebiam parte d'esses direitos, uma quota equivalente ao que d'antes recebiam; isto está claramente consignado no decreto de 14 de Julho, que diz assim: (leu) por consequencia parece-me que isto não póde obstar a que só approve o artigo, e eu voto inteiramente pela fórma porque elle está redigido por o achar assim mais claro.

O Sr. Vice-Presidente propoz se a redacção do artigo estava ou não conforme com o que se venceu.

Decidiu-se que sim.

Leu-se o § seguinte.

§. 1.º As jeropigas porém pagaram de direito de consumo quatrocentos réis por almude.

Foi approvado sem discussão.

§. 2.º Os direitas de consumo poderão ser pagos em dinheiro de contado, ou em escriptos do thesouro admissiveis nas alfandegas.

Foi approvado sem discussão.

Entrou em discussão o artigo 2.°, e os §§. 1.° e 2.º

Artigo 2.º Os vinhos, aguas-ardentes, jeropigas de producção nacional, que forem destinados para exportação pela barra do Douro, não pagarão direito algum por entrada nas sobreditas barreiras do Porto e Villa Nova da Gaia.

§. 1.º A disposição deste artigo é extensiva ás aguas-ardentes, e jeropinas de producção nacional, que forem destinadas ao concerto e adubo dos mesmos vinhos, e bem assim ás aguas-ardentes, que sahirem das referidas barreiras para o interior do Reino.

§. 2.º Os direitos dos vinhos, aguas-ardentes, e jeropigas de producção nacional, que foram recebidos em virtude do disposto no decreto, e regulamento
de 2 de Novembro proximo passado, serão restituidos por encontro em pagamento de direitos na alfandega dá cidadã do Porto nas mesmas especies em que se receberam; mas no caso de existirem ainda no cofre da referida alfandega os escriptos, que se tiverem dado em pagamento destes direitos, serão restituidos esses mesmos escriptos.

O Sr. Dias d'Oliveira: - O artigo 2.º diz (leu). Aqui vinha a materia relativa á isenção de pagamento de direitos, áquelles vinhos, agoas-ardentes, e mais licores espirituosos de producção nacional, que entrassem nas barreiras do Porto para exportação, que não deviam pagar direitos: o artigo 2.º do projecto apresentado pela Commissão, e que foi vencido, dizia assim (leu): este artigo consignava a regra geral da isenção de direitos por entrada nas barreiras do Porto: - 1.º para os vinhos, agoas-ardentes, e jeropigas nacionaes, destinadas a exportação pela barra do Porto: - 2.º para as jeropigas, e agoas-ardentes, que alli entrassem para concerto, e adubo dos vinhos: - e 3.º para as agoas-ardentes nacionaes entradas para transito para o interior do paiz; o era a isto que tendia a emenda do Sr. Cezar de Vasconcellos: a Commissão de redacção apresentou esta mesma doutrina no artigo 2.º, e no paragrafo 1.º (leu); esta foi a these geral, que abrangia o artigo 2.º da Commissão dos vinhos no paragrafo 1.º (leu), primeira hipothese da emenda do Sr. Cezar de Vasconcellos; segunda (leu). A Commissão pois não fez aqui senão uma redacção, que lhe pareceu mais intelligivel; e parecendo-lhe que vinha para aqui a materia da segunda parte do artigo 1.º da Commissão dos vinhos, entendeu que para bem da ordem, e clareza convinha colloca-la n'um paragrafo debaixo deste menmo artigo. E o paragrafo 2.° O artigo da Commissão dizia assim (leu); o paragrafo 2.º diz (leu); não ha por tanto aqui senão differença de redacção, e collocação, que parece maio clara, e melhor por isso mesmo.

Vozes: - Votos, votos.

Posto á votação o artigo, foi approvado, e igualmente os dous paragrafos.
Art. 3.º Fica permittida pela barra do Porto a exportação dos vinhos de segunda qualidade, para os differentes portos da America, Africa, e Asia, pagando um por cento ad valorem de direitos de sahida, como esta determinado no artigo 1.º do decreto de 20 d'Abril de 1832; se esta ex-

Página 157

(157)

portação se fizer em navio portuguez, ou daquella nação para onde o vinho for destinado, com tanto que essa nação adoiitta nos seus portos os navios, e producções portuguezas no pé de perfeita reciprocidade, e igualdade sendo porém a exportação destes vinhos para os sobreditos portos feita em outro qualquer navio estrangeiro, pagará cada pipa seis mil réis por direitos de sahida

O Sr. Dias d'Oliveira: - Este artigo 3.º é o artigo 5.º do projecto da Commissão dos vinhos, o artigo 5.º dizia assim (leu); a Commissão não fez senão dar-lhe uma outra redacção: este artigo contém a permissão da exportação dos vinhos de segunda qualidade pela barra do Douro, para os portos da America, Asia, e Africa, e que fique o seu direito sómente em um por cento ad valorem, que até aqui era o pagamento de doze mil réis por pipa, a Commissão não fez senão uma emenda de redacção, que lhe pareceu tornar mais explicita a sua disposição, ou doutrina.

O Sr. Vice-Presidente poz o artigo á votação, e foi approvado.

Art. 4. Os exportadores dos vinhos mencionados no artigo antecedente, serão obrigados a apresentar certidão de terem sido os mesmos vinhos descarregados no porto do seu destino, passada pela primeira authoridade da alfandega respectiva, e legalisada pela authoridade consular portugueza alli residente, e na sua falta pela authoridade consular da côrte parente, e na falta destas pela authoridade consular da nação mais intimamente ligada com Portugal.

§ 1.º Concede-se para a apresentação da referida certidão o praso de doze mezes, quando a exportação tiver sido feita para a America do Norte, de dezoito mezes para a America do Sul, e de vinte e quatro para a Asia, ou Africa, contados estes prasos da data do despacho da alfandega da cidade do Porto.

§ 2.º Os exportadores, que dentro destes prasos não apresentarem a certidão determinada neste artigo, pagarão O tresdobro dos direitos, que deveriam ter pago, se tivessem despachado os seus vinhos, e os navios para os portos da Europa para se tornar effectiva esta responsabilidade, os exportadores darão uma hypotheca, ou prestarão fiança idonea.

§ 5.º Quando por effeito de sinistro maior fôr impossivel apresentar a certidão de descarga exigida neste artigo, será esta falta supprida por documentos authenticos, que justifiquem o sinistro pelo modo mais indubitavel.

O Sr. Dias de Oliveira: - Este artigo 4.º contém a materia do artigo 6.º da Commissão de vinhos, a Commissão de redacção não fez senão desfazer dous paragrafos para lhe dar mais claresa: este artigo estabelecia, que os exportadores de vinhos de segunda qualidade deviam apresentar um certificado de que tinham levado aos portos do seu destino os vinhos exportados debaixo desse titulo de segunda qualidade, e as solemnidades de que essas certidões deviam ser revestidas, e então a Commissão entendeu, que devia pôr neste artigo 4.º a idéa da necessidade desta certidão, e a forma porque essa certidão se devia passar, no § 1.º consignou o praso estabelecido no artigo para a apresentação desta mesma certidão, e diz assim (leu): aqui está exactamente toda a doutrina do artigo 6.º, agora a Commissão entendeu, que devia debaixo deste mesmo artigo comprehender em §§ a materia dos artigos 7.º e 8.º da Commissão dos vinhos, porque tem por objecto estes artigos, o primeiro a penalidade contra aquelles que não apresentarem a certidão exigida dentro do praso que se lhe marcou; e o 2.º declara o modo de supprir essa certidão, quando lhe obstasse algum inconveniente de sinistro maior. Ora a Commissão dos vinhos tinha explicado a primeira idéa desta fórma no artigo 7.º (leu), e nos pozémos isto mesmo no § 2.º deste artigo, que diz assim (leu); não ha aqui senão emenda de redacção, cousa nenhuma mais, a emenda mais consideravel é nesta ultima parte do § 2.º que corresponde á ultima parte do artigo 2.º da Commissão de vinhos, que diz assim (leu). A Commissão entendeu que não devia dizer aqui, que o Governo havia de definir as fianças e estas hypothecas por meio de um regulamento primeiramente porque se tinha estabelecido que a doutrina do artigo 3.º, relativa á fiscalisação e regulamento que o Governo havia de fazer, passasse para o hm da lei (a Commissão cá o tem no fim da lei), e em segundo togar a Commissão entendeu, que não era frase muito propria, e nem mesmo muito constitucional, dizer se que o Governo ficava authorisado para fazer um regulamento em que definisse as fianças e hypothecas. A Commissão entendeu, que uma lei deve estabelecer os pontos fixos, as bases, sobre as quaes o Governo depois fará o regulamento que julgar preciso (apoiado); e então o Governo está no seu direito fazendo os regulamentos necessarios: se o caso e só de regulamentos, independentemente de se dizer isto na lei, e se o caso não e só regulamentar, então não é constitucional authorisar-se para tal, porque é delegar-lhe a faculdade de legislar. Assim a expressão o Governo fica authorisado, parece sempre menos propria, e pouco constitucional. - A Commissão por tanto estabeleceu a fiança, ou hypotheca, como se tinha vencido, por garantia da penalidade, que e o que pertence a lei, e o modo, o tempo, e as circumstancias, de que essas fianças devem ser revestidas, como cousa regulamentar lá está nas attribuições do Governo pela Constituição, sem se lhe fazer uma authorisação especial. Nisto pois não ha senão uma emenda de redacção.

Agora em quanto á materia do artigo 8.º do projecto da Commissão, que dizia (leu), incluiu-se no § 3.º do artigo 4.º, que diz (leu). A differença só é na redacção.

Posto o artigo, e os §§ á votação foram approvados.

Art. 5.º Fica tambem permittida pela barra do Douro a exportação dos vinhos, e agoas-ardentes de produção nacional, que forem despachados para o porto de Lisboa, sem pagamento dos direitos de sahida estabelecidos pela legislação actual na exportação destes generos para os outros portos da Europa.

§ 1.º Os vinhos, e agoas-ardentes despachados para Lisboa darão entrada na alfândega das sete casas, e para esse effeito 05 respectivos exportadores prestarão a fiança exigida no artigo 3.º do decreto de 16 de Janeiro do corrente anno, e ficarão sujeitos ás penas nelle estabelecidas.

§. 2.º Os vinhos, e agoas-ardentes, que assim derem entrada na alfandega das sete casas para consumo de Lisboa, pagarão na mesma alfandega os competentes direitos de consumo, não pagarão porem estes direitos aquelles vinhos, e agoas-ardentes, que derem entrada sómente para transito, e sahirem para o interior do pau.

§ 3.º Os vinhos, e agoas-ardentes mencionados neste artigo, que tendo dado entrada na alfandega das sete casas, forem com tudo destinados para reexportação pela barra de Lisboa, sómente pagarão os direitos impostos pelas leis aos vinhos e agoas-ardentes directamente exportados pela barra do Douro, e ficarão sujeitos as mesmas condições dos que são directamente exportados pela barra do Douro.

O Sr. Dias de Oliveira: - O artigo 10.º dizia assim (leu-o) mandou-se-lhe accrescentar a idéa da fiança, lembrada pelo Sr. Ministro da fazenda, que vinha a ser, que o vinho que se exportasse do Porto para Lisboa, devia prestar fianças nos termos do decreto de 17 de Janeiro, ficando os transgressores sujeitos ás penas estabelecidas nesse mesmo decreto. Ora, nisto envolviam-se proposições que a Commissão consignou no art. 5.º, e nos seguintes §§. - A primeira these é, que o unico porto da Europa, por onde é permittida a exportação dos vinhos do Douro, sem prévio pagamento por sahida de 12$ réis em pipa, é o porto de Lisboa. A segunda these é, que este vinho exportado do Porto para Lisboa, tem de dar entrada nas sete casas. Terceira these e o que der entrada para consumo de Lisboa, paga aqui

Página 158

(158)

os direitos de consumo: - o que porém der entrada por transito para o interior do paiz, não paga aqui direitos de consumo. A outra porém é para aquelles que fôrem reexportados pela barra de Lisboa, que pagarão como se sahissem directamente do Porto. Entendeu portanto a Commissão que devia consignar estas idéas no art. 5.º, e nos §§. que se seguem, para Gear desta fórma (leu). E realmente a primeira these deste artigo é uma excepção, que se fez a respeito do porto de Lisboa. (Continuou a ler.) Este portuguez parecerá talvez um pouco pesado, porque são repetições; mas o estilo das leis não póde ser florido; o seu caracter é o da clareza: e para que as leis sejam claras se evitarem as duvidas; não ha remedio senão repetir cousas, expressões, etc. etc. (Appoiado geralmente.)

O Sr. Prado Pereira: - Não sei se por aquelle art. estará bem explicito o caso dos vinhos do Porto, que forem reexportados para Inglaterra pela barra de Lisboa; porque eu vejo, que esta lei só estabelece direito, para os vinhos que forem exportados para a Asia, Africa, e America; mas estes não são os mesmos para os que se exportarem para Inglaterra; porque aquelles devem pagar 1 por cento ad valorem, e estes 12$ réis por pipa: por isso desejo que na lei fique bem consignada esta differença de direitos, que me parece não se acha explicita.

O Sr. Dias d'Oliveira: - Parece me que a leitura deste artigo satisfará ao Sr. Deputado (leu). Para Lisboa podem vir vinhos do Porto de primeira, ou de segunda qualidade, e estes hão de pagar direitos: - mas o artigo diz mais (leu). Agora perdoe o Sr. Deputado que eu lhe diga primeiramente, que o que se tem em vista é, que este vinho que for trasido aqui para exportação, não paga direitos de consumo; mas todo quanto sahir daqui pela barra fica sujeito ao mesmo, que o está sendo o que sahe pela barra do Porto. Conseguintemente a expressão = pela presente lei = abrange todas as hypotheses possiveis.

O Sr. Prado Pereira: - Estou satisfeito com o que acaba de dizer o Sr. Dias d'Oliveira.

O Sr. M. A. de Vasconcellos: - Eu acho que de alguma maneira procede a dúvida proposta pelo Sr. Deputado. Esta lei estabeleceu direitos para os vinhos, que sahem pela barra do Porto para a America, Asia, e Africa, mas neste artigo diz-se, que os que forem reexportados pelo porto de Lisboa, ficam sujeitos ao pagamento dos direitos, que estão estabelecidos nesta lei; mas os direitos que estão estabelecidos nesta lei, são os que devem pagar os vinhos, que forem para a America, Asia, Africa; e por conseguinte parece-me que se devia dizer antes = pagaram os direitos respectivos. = Nas leis, Sr. Presidente, é preciso toda a claresa. (Apoiado.)

O Sr. Dias d'Oliceira: - Pela minha parte não tenho dúvida nenhuma em que se diga = os direitos impostos pelas leis; = apesar de achar exacta a expressão que aqui está escripta: - creio que assim se satisfaz a todo o escrupulo.

O Sr. M. A. de Vasconcellos: - Em resposta ao Sr. Deputado eu só direi, que é verdade que esta lei deixa subsistentes os direitos de exportação, que outra lei tinha posto; com tudo parece-me que esta lei não é a que os poem. É por isso que eu digo, que nas leis não se perde a claresa.

O Sr. Barão da Ribeira de Sabrosa: - Nem a Commissão nem o Congresso pertendeu nunca, que os vinhos do Porto que viessem a Lisboa, e que fossem daqui para Inglaterra, deixassem de pagar os 12$000 réis por pipa. Ninguem apresentou pertenção alguma em sentido contrario a isto; porque é o que querem os Deputados do Porto, e o Congresso: não quero dizer com isto que senão explique bem a idéa do S. Manoel Antonio de Vasconcellos; mas quero que se fique sabendo, que o meu paiz fica pagando ainda doze, em quanto os outros pagam um.

O Sr. Barjona: - Parece-me que esta questão não deve progredir; porque o Sr. Deputado que pedio os esclarecimentos, fê-lo só tendo em vista que a redacção fôsse concebida com toda a claresa, e não para mover questão. (Apoiado geralmente.)

O Sr. Vice-Presidente: - Proponho o artigo á votação com a declaração em que consente a Commissão.

Foi approvado.

O Sr. Dias d'Oliveira: - Ainda ha o artigo 6.º, 7.º, 8.º, e 9.º; lerei o artigo 6.º (leu.) Esta é a materia do artigo 3.º que se mandou passar para o fim da lei, de maneira que abranja todas as suas disposições. O artigo 3.º do parecer da Commissão, tinha duas partes: - uma era relativa aos vinhos que entrassem no Porto para exportação; e a outra era relativa áquelles vinhos, que já se achavam armazenados com o mesmo fim. O artigo 3.º dizia assim (leu): - mas a Commissão de redacção entendeu que ficava extensiva esta desposição a toda a lei, dizendo-se assim: artigo 6.º - Os vinhos, agoas-ardentes, e geropigas, comprehendidas nesta lei, e que não pagam por entrada direito de consumo, sómente poderão ser depositados em armazens prévia, e exclusivamente manifestados para tal uso, e ficarão sujeitos aos regulamentos fiscaes, que o governo estabelecer.

§. Unico. A disposição deste artigo é applicavel aos mesmos vinhos, agoas-ardentes, e jeropigas actualmente armazenados dentro das barreiras do Porto, e Villa-Nova de Gaia.

Foi approvado o artigo, é o §.

Art. 7.º Os contraventores dos regulamentos fiscaes, que o governo estabelecer, e em cujos armazens se verificar por meio de varejos, existir maior, ou menor porção de vinhos, agoas-ardentes, ou geropigas do que tiver sido manifestado, não sendo essa diminuição procedente da exportação ou consumo, com prévio pagamento de direitos, ou de rasoavel desfalque na rasão de 5 por cento ao anno nos vinhos, e de 6 por cento nas agoas-ardentes, serão reputados contrabandistas, e punidos na conformidade das leis relativas ao contrabando, soffrerão a penna do perdimento dos vinhos, agoas-ardentes e geropigas, extraviadas, e além disso uma multa igual ao quintuplo da importancia dos direitos extraviados, a qual multa será paga em 24, horas, sob as penas de fieis depositarios.

O Sr. Dias d'Oliveira: - Esta é a materia do artigo 13.º da Commissão, e apenas ha aqui uma pequena mudança de redacção; porque elle dizia assim (leu). Nesta ultima parte estabelecem-se duas pennas, uma é o perdimento do vinho; e a outra uma multa correspondente ao quintuplo dos direitos extraviados A materia de todo este artigo tinha sido vencida; e conseguintemente a Commissão entendeu que só tinha a dar-lhe uma redacção que a tornasse claro.

O Sr. Leonel: - Diz o artigo assim (leu). Mas, quaes são os vinhos, agoas-ardentes, e geropigas que se hão de perder? Eu bem sei que a Commissão não fez senão dar melhor linguagem, nem outra cousa podia fazer; mas o que eu quero, é que se declare, quaes hão os vinhos, as agoas-ardentes, e jeropigas que se perdem ; porque, pelo que aqui se diz, não se entende bera; e eu desejava que isto ficasse bem claro.

O Sr. Barão da Ribeira de Sabroza: - Sr. Presidente, toda a sciencia, ou arte tem termos particulares, segundo os quaes é entendida. O additamento é do Sr. Ministro da Fazenda, que todos sabem é filho do Porto, e que conhece, e entende bem os usos daquella praça, e commercio, e os termos conhecidos naquelle ramo. Sr. Presidente, um negociante deve ter no seu armazem tantas pipas de vinho que manifestou; mas elle não mostra consumo legal senão de uma parte delle; logo extraviou o resto, e é obrigado a dar conta do destino que lhe deu. Para obviar porém aos inconvenientes que daqui podem resultar, dá-se uma certa quantidade, que é a parte que diminue o vinho de um anno para anno, e dado este desfalque, é evidente a falta, a differença, ou extravio que póde ter havido por defraudar os direitos.

Página 159

(159)

O Sr. Leonel: - O que se venceu foi mandado á Commissão, e esta diz agora que uma das penas do extravia será o perdimento dos vinhos, aguas-ardentes, e jeropigas extraviadas. Mas qual é o que se perde? O extraviado não póde ser, porque já não existe; e se a este a Commissão se quizesse referir, havia de dizer um valor igual, etc. (leu). Se se quizer assim, entende-se; e se a intenção do Congresso foi estabelecer um perdimento equivalente ao valor dos vinhos, aguas-ardentes, ou jeropigas extraviadas, muito bem. Com esta declaração, não ha inconveniente, mas da maneira que está a redacção ha-os. No que acabo de dizer, em nada me dirijo á ultima Commissão.

O Sr. Dias d'Oliveira: - Quando a Commissão se occupou em dar a ultima redacção a este artigo, viu bem que havia nelle uma falha; falha que não proveio decerto do additamento do Sr. Ministro da fazenda, porque nesse additamento especificava-se, como pena do extravio, o perdimento equivalente ao genero extraviado. Ora este additamento tinha sido mandado para a mesa, mas não se tinha votado, e sómente remeiliilo á Commissão dos vinhos, para o tornar na consideração que merecesse, e dar-lhe a conveniente redacção: a Commissão cumpriu esta incumbencia, veio aqui o artigo, e foi approvada a sua doutrina, e materia; por tanto, a Commissão de redacção não tinha senão a concertar essas idéas vencidas, boas ou más, exactas ou inexactas, dando-lhe a ultima redacção, e collocação. Com tudo parece-me, que se tirará toda a duvida, se na ultima parte do artigo se disser - soffrerão a pena do perdimento do equivalente ao vinho (agua-ardente, ou jeropigas) extraviado, e uma multa igual ao quintuplo da respectivos direitos. (Apoiados.)

O Sr. Leonel: - Uma unica observação, com a qual não quero dar occasião a questão. O artigo diz bem, que a multa será igual ao quintuplo do genero extraviado; mas pergunto, deve ser paga dentro de vinte e quatro horas? O hei depositario, senão paga neste periodo, vai para a cadêa. E aqui haverá necessidade de processo, ou bastará que juiz diga, não pagou nas vinte e quatro horas, vai para a cadéa? Se isto assim se entender, basta... (Interrupção)
Aqui está um Sr. Deputado, que diz que não. Ora eu lembro que esta duvida pode dar jogar a questões na pratica, que seria bom prevenir. Para mandar prender o depositario não é preciso mata nada senão fazer constar, que não apresentou o deposito dentro de vinte e quatro horas... (Sussurro.) Então te precisa processo, para que dizem que é a pena dos depositarias? Não é tal.

O Sr. Dias d'Oliveira: - O reparo do Sr. Deputado fica plenamente satisfeito, advertindo que pelo varejo que só dá nos armazens deste genero se se verifica o extravio, como coepa de delicio, digamo-lo assim; e verificado que seja, o auctor delle ha de passar por um processo, e nelle soffrer uma condemnação por uma sentença, e só depois desta sentença é que a execução começa; mas se ha de ser nos termos ordinarios, que é fazer penhoras, apregoar os bens, arremata-los etc., mette-se o homem na cadêa como depositario; mas de resto, antes do processo, e sentença condemnatoria, não póde a contrabandista soffrer pena alguma, porque essa é a regra geral, que de fórma nenhuma aqui se altera: em duas palavras, á vista do artigo não se colhe senão, que se a execução ha de ser feita nos termos ordinarios, faz-se como se procede com os depositarios, que é pagarem em vinte e quatro horas, e senão cadêa.

O Sr. Leonel: - Eu tambem assim o entendo: entretanto deixo á consideração do Sr. Dias d'Oliveira julgar se será necessario exprimir isso mesmo com mais clareza, porque me parece que é conveniente; com tudo não insistirei, se assim o não julgar a Commissão.

O Sr. Vice-Presidente: - A declaração em que a Commissão convém...

O Sr. Dias d'Oliveira: - É a seguinte (leu).

Foi approvado o artigo com a idéa, que apresentou o Sr. Leonel, que é a perda do equivalente aos ninhos, aguas-ardentes, e jeropigas extraviadas.

Artigo 8.º Fica revogado o artigo 2.º da portaria de 13 de Agosto de 1834, expedida por immediata resolução de consulta de 12 do mesmo mez; e só se concede o beneficio da sua disposição, depois da, publicação desta lei, áquellas embarcações, cujas quilhas estivessem, postas nos competentes estaleiros até ao dia 17 do mez d'Abril do corrente anno, que forem julgadas devidamente construidas e proprias para a navegação, e cujos donos abrirem termo de carga nas alfandegas no prazo de seis mezes.

O Sr. Dias d'Oliveira: - Este artigo 8.º é materia do 9.º do parecer da Commissão dos vinhos, que diz assim, (leu); ao qual se mandou accrescentar, conforme a idéa do Sr. João d'Oliveira, que as embarcações fossem decididamente destinadas para a navegação. A doutrina deste artigo é a revogação do artigo 2.º da portaria, e a fixação do praso, desde o qual se não ha de conceder o beneficio da sua disposição, que se venceu fôsse o dia 17 d'Abril; e então creio que está em toda a clareza (leu). Concluirei advertindo que usamos da palavra - proprias - que nos pareceu exprimir melhor a idéa do Sr. João d'Oliveira, do que a simples frase de devidamente destinados para a navegação. Por estas considerações se redigiu o artigo assim (leu-o).

O1 Sr. M. A. de Vasconcellos: - Eu não estava presente, quando neste Congresso se approvou a doutrina do artigo de que se trata, porque antes dessa approvação teria alguma cousa a dizer, para que a portaria, que o artigo revoga, fôsse dada de nenhum effeito, e não revogada: como esta é a ultima occasião em que posso fallar neste objecto, acho que o devo fazer, e as razões em que me fundo são estas.

Não considero que haja direitos a cumprir, quando aquillo em que elles se fundam, é um titulo falso. Aquella portaria não era uma lei, mas um diploma passado por dous, empregados do thesouro; não obstante ser passada na época da primeira dictadura, não a posso considerar com força de lei; porque essa mesma, dictadura tinha, por um decreto, estabelecido o formulario das leis: e não vindo por similhante fórma, entendo eu que a mesma portaria não deve ser revogada, mas dada de nenhum effeito, e pedir-se a responsabilidade do seu cumprimento ás authoridades, que deixaram de cobrar os respectivos direitos a favor da fazenda; pertendo tambem que os donos dos navios nada lucrem, porque o titulo da dispensa de um tributo que não pagaram, é falso. Por tanto seria de voto que senão revogasse, mas sim (como disse) se désse de nenhum, effeito a portaria; e que se tratasse de fazer repôr os direitos, que ella individamente deu logar que se extraviassem. Vi-me obrigado a fazer esta declaração para que os meus constituintes saibam, qual é o meu modo de pensar a este respeito.

O Sr. Vice-Presidente: - Parece-me que isso não póde entrar em discussão.

O Sr. M. A. de Vasconcellos: - Eu quiz sómente aproveitar a occasião para declarar, como penso sobre a materia, visto que tenho de votar.

O Sr. Vice-Presidente: - O Sr. Deputado fez a sua declaração da maneira porque pensava ácerca do artigo, e para isso estava no seu direito; mas o que não póde: é impugnar a doutrina do artigo, porque esta discussão, é só relativa á redacção, e a materia está vencida.

O Sr. M. A. de Vasconcellos: - Nem eu queria, que essa materia voltasse á discussão; quiz sómente desencarregar-me, dizendo qual seria o meu voto.

O Sr. Vice-Presidente: - Creio que o Congresso não quer fazer questão disso.

O Sr. Dias d'Oliveira: - A Commissão consultou a portaria de que se falla, e convém mesmo nas idéas do Sr. Deputado, até certo ponto; mas julgou que agora não havia outra cousa a fazer, senão usar desta, ou d'aquella ex-

Página 160

(160)

pressão para maior clareza do artigo; porque a sua doutrina está vencida. Entretanto o reparo do Sr. Deputado póde ficar satisfeito, adoptando a redacção que vou dizer, se nella concordar- o Congresso; até talvez exprima melhor que a Assembléa não fez uma lei retroactiva, como a alguém pareceria: a redacção de que fallei é esta (leu-a). (Apoiado, apoiado). Esta expressão, que não deixa de ser exacta segundo as idéas que apresentou o Sr. Vasconcellos (e que fo-lam tambem as que vogaram no Congresso, quando se adoptou para prazo o dia 17 dAbril) parece-me que satisfará o Sr. Deputado, e ao mesmo tempo apartará do Congresso a possibilidade de dizer-se, que delle saiu uma disposição com éffeito retroactiva; (apoiado) o que muito convém á aua decência.

O Sr. Vice-Presidente: - Queira redigir a emenda para se ler. (O que foi feito.)

O Sr. Barjona: - Creio que não póde haver maior decencia; porque apenas se revoga uma parte da portaria, e o resto fica subsistindo.

O Sr. Vice-Presidente: - Como a Commissão propõe uma nova redacção...

O Sr. Dias d'Oliveira: - Eu a leio, e V. Exca. póde logo pôla á votação (leu-a).

Posto o artigo á votação, com a emenda feita á redacção pelo Sr. Dias d'Oliveira, foi approvado.

Art. 9.º Fica expressamente derrogado o artigo 3.º do regulamento, que faz parte do decreto de 2 de Novembro de 1836, e toda a mais legislação contraria ás disposições da presente lei.

O Sr. Dias d'Oliveira: - Este artigo 9.° comprehende as disposições do 10.º do parecer da Commissão, que- diz assim (leu): e tambem comprehende a materia do ultimo artigo do mesmo parecer (leu-o). Esta revogação do artigo 3.° do regulamento do decreto de 2 de Novembro de 1886, é uma parte da emenda do Sr. Cezar, que é preciso consignar-se expressamente na lei; porque as agoas-ardentes pagavam certo direito na sua entrada, que agora não pagam; e por tanto é claro, que na sua saída nada ha que restituir-lhe, como se mandava no artigo 3° do regulamento. A Commissão julgou que devia consignar esta idéa no fim da lei; porque era aqui que se tratava das revogações.

Posto o artigo á votação foi approvado.

O Sr. Vice-Presidente: - Como está acabada a discussão deste incidente, convido o Sr. Presidente a tomar a cadeira. (Assim o fez S. Exca.)

O Sr. M. A. de Vasconcellos: - A palavra, antes da ordem do dia, para uma explicação.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra.

O Sr. M. A. de Vasconcellos: - No decurso da longa discussão desta lei, cobre os vinhos do Douro, por varias vezes se apresentou esta idéa de que, pagando cada pipa de vinho do Douro doze mil réis de direitos d'exportação, era obvia a injustiça que se fazia áquelle districto.

O Sr. Barão da Ribeira de Sabrosa: - A palavra.

O Orador: - Ora eu vejo que os vinhos do Douro pagam mais direitos na sua saída, do que todas as outras pro-dncçõus portuguezas; mas de fórma alguma tomo isto no rigor d'uma injustiça; e vou dar a razão. Os vinhos do Douro são, póde dizer-se que exclusivamente consumidos na Inglaterra...

O Sr. Macario de Castro: - Se isto está em discussão, peço a palavra.

O Sr. M. A. de Vasconcellos: - Estou fazendo uma declaração. O Governo inglez entendeu, que para conservar o equilibrio do seu consumo incerto, precisava carregar tal genero com grandes direitos; o vinho do Douro paga n'aquelle paiz, creio que trinta libras por pipa de importação, e nós recebemos tres por exportação; parece bem claro, que se nós diminuirmos estas tres libras nos direitos, os inglezes hão de augmenta-las aos que recebem por este vinho. Por tanto isto não é uma injustiça, nem como tal se deve imputar neste Congresso, para que não caia sobre nós o odioso de que fizemos uma injustiça: é uma desigualdade, sim; mas é uma desigualdade filha da natureza especial d'aquelle vinho, e das circunstancias especiaes do paíz em que elle se produz.

O Sr. Sá Nogueira: - Eu pedia a V. Exca. que não desse a palavra a ninguem, senão sobre a ordem do dia, que é o parecer da Commissão de constituição.

O Sr. Bardo da Ribeira de Sabroza: - Sobre a ordem. O nobre Deputado disse, que o vinho do Douro se consumia todo em Inglaterra; permitia-me que lhe diga, no Douro recolhem-se 80 mil pipas; para Inglaterra vão 30 mil, de que um terço não é vinho do Douro, e por isso elle se desacredita: quanto ao mais, confirmo o que o Sr. Deputado disse, e desejo que se exare bem no Diario das Côrtes, o que o Sr. Deputado avançou, isto é, que o vinho do Douro paga ainda 11 vezes mais que o outro vinho; não desejo mais nada.

O Sr. Presidente: - Passa-se á ordem do dia, que é a continuação do projecto de Constituição; tem a palavra o Sr. Barão do Bomfim.

O Sr. Barão do Bomfim: - Sr. Presidente, vou fallar n'uma materia, que é decerto aquella que merece mais consideração, não só a este Congresso, mas á nação inteira; mas depois da maneira porque tem sido defendida, e impugnada por muitos dos talentos, que constituem o principal ornamento deste soberano Congresso, mal o posso eu fazer, e muito desvantajosamente faltarei sobre qualquer dos pontos della: talvez esta consideração devesse ter feito, que eu prescindisse da palavra; porque qualquer cousa que eu disser, difficilmente poderá ser nova, ou adiantar esta importante discussão; entretanto o meu dever, tratando-se de uma questão de tanta ponderação, é dar uma idéa generica do meu modo de pensar, e apresentar o desenvolvimento de alguns factos, que minha peculiar situação, em diversas crises, em que principalmente soffreu a liberdade da Pátria, me pôz roais em circumstancias de aclarar.

Direi pois, que tendo visto analysar com a maior miudesa, e de certo com o maior desejo de acertar, as diversas Constituições que hoje imperam na Europa, vi igualmente, que nenhuma dessas Constituições agradou a alguns dos Srs. Deputados, porque todas ellas tinham das Camaras, &c. Não me demorarei agora em refferir, e impugnar todos os seus argumentos; mas direi, que vi, que senão deram á Commissão, a quem se incumbio um projecto de Constituição, bases algumas particulares; quando direito assistia a todas os Srs. Deputados para pedirem a palavra, e inculcarem-lhe aquellas que entendessem mais convenientes ás necessidades do paiz, e ás circumstancias extraordinarias em que nos achamos. É verdade, Sr. Presidente, que me parece; que bem pouco precisa a illustre Commissão do meu tenue apoio, para sustentar os principios, e doutrinas que nos apresenta. Sobejos talentos, e grande cabedal de conhecimentos, tem ella para desfazer quaesquer duvidas que se lhe opponham, e não estejam em harmonia com as instituições, que todos reconhecem vogarem mais na Europa, e já aqui disse alguem, a quem a defesa desta materia pertencia mais particularmente do que a mim, que não se tendo dado, como já disse, bases á Commissão, e vendo ella no seu mandato particular, que era da vontade da nação, que se fizesse uma Constituição em harmonia com as mais liberaes que existiam na Europa, outra cousa ella não tinha feito do que não perder de vista esses desejos de seus constituintes. Entretanto é preciso que eu declare, e o declare por um modo que soe altamente, que eu não sou daquelles, que dizem, que por se achar nas procurações que recebemos, que se escolherá da Constituição de 22, ou da Carta Constitucional, se segue que os Deputados têem um rigoroso dever de escolherem d'uma ou outra dessas Constituições. Digo sim, que

Página 161

(161)

onde quer que achar boas idéas, que possam constituir a felicidade do paiz, lá as posso ir buscar; o que é mui expresso na generalidade desse mandato. Como pois se achava recommendada muito especialmente uma Constituição em harmonia com as outras da Europa; uma Constituição, que fizesse a felicidade do paiz: parece-me que não lhe restava outra alternativa, senão ir buscar uma ou outra dessas Constituições, e aproveitar-lhe o que menos inconveniente lhe parecesse. Os srs. da Com missão sobejamente tem apresentado argumentos, com que provaram que nu seu projecto se acha estabelecida a completa divisão da poderes politicos, o seu equilibrio, as garantias dos cidadãos, em fim todos os principios que caracterisão as Constituições mais liberaes, de que temos conhecimento, e que suas intenções foram as mais rectas. - Esta discussão não e de certo para vermos se a redacção de cada artigo esta constituida do melhor modo que ser podia, e só para ver se a materia principal, aquella que em fim deve formar as bases ou elementos da felicidade publica, está alli consignada. Seria ocioso, e talvez vaidade criminosa, reproduzir os argumentos, que já tem sido apresentados por mais abalisados talentos. Consequentemente limitar-me-hei aos tres principios, aqui mais constantemente defendidos, ou impugnados; e direi tambem alguma cousa sobre elles. - Permuta-se-me uma expressão que já foi empregada por outros Srs. Deputados. - Que se viajou pela Europa, foi-se menino até a America, e acharam-se em diversos tempos Constituições, umas vezes com uma, e outras com duas Camaras, sendo certo que mais de uma vez umas, e outras têem caindo por diversos modos. Se estivermos pois pela opinião daquelles Srs. que querem uma só Camara, vem outros com argumentos quasi tão ponderosos, como os delles, e dizem que duas é melhor. - É preciso por unto investigar os factos, e suas consequencias; e por essa occasião, sendo eu inimigo das generalidades, me servirei com tudo d'algumas que empregarei do modo que julgar menos offensivo para alguns Srs. Deputados, que as apresentaram. A Carta de 26 não agrada a alguns Srs. Deputados, porque em fim nella não estavam consignados (segundo elles) os principios que estão na de 22, visto que na de 22 ha uma só Camara, e na de 26 duas; e que cahindo esta, porque em si não continha os necessarios elementos para, nas actuaes circumstancias, fazer a felicidade da nação, forçoso será que caia a do projecto. O que é uma verdade, é, que tambem cahio a de 1822 que tinha uma só, e que não evitaria o perigo por estabelecer que não haja duas, sendo igualmente certo que tendo-se á Commissão dado uma base essencial, note se bem, a de combinar com o que entendesse haver na Europa de mais liberal e melhor, ella póde ter entendido melhor, e sobejos argumentos trouxe para o provar, combinando os principios recebidos noa paizes mais adiantados, que não nos devia apresentar uma só Camara, nem tambem uma Camara hereditaria, na fórma dessa Carta de 26, de que o projecto é essencialmente differente. Quando chegar a occasião de tratar da sua especialidade, haverá lugar para fallar sobre isto; entretanto note-se já de passagem, que a segunda Camara que nos apresenta, não é hereditaria. Note-se mesmo, que na minoria da opinião da illustre Commissão (e na da maioria, artigos transitorios) apparece até o principio electivo: torno a dizer, é para a occasião competente, quando tivermos estudado miudamente esta transcendente questão, e ouvido as rasões que, com todo o conhecimento de causa, se apresentarão na discussão particular deste ponto, que temos de nos pronunciar sobre o que convirá mais. Pareceu com tudo a muitos dos oradores, que mais impugnaram este ponto essencial, que uma Camara, sendo vitalicia, talvez seria mais perigosa do que aquella que fosse hereditaria; mas já que isto senão provou, seja-me licito nega-lo simplesmente, e accrescentar que me é repugnante a idéa de legisladores natos, e que, quando não sejam eleitos os Senadores, preferirei, que ao menos escolhidos pelo governo, de classes, e d'estre aquelles cujos principios, ou serviços tenham já offerecido garantias, de que vantajosamente para a sociedade poderão ser incumbidos de tão importante cargo. Até aqui se disse entre outras cousas, para conservar a opinião que acabo de refutar, que na Camara vitalicia procurarão os Senadores fazer a vontade ao Rei, para escolher seus filhos: mas não está decidido como essa Camara ha de ser constituida, e se se vencer que ella seja electiva, (o que não destróe a generalidade do projecto) recommendo a esses Srs., que se lembrem, que será precizo primeiro fazer a vontade ao povo, para poder entrar na lista dos Senadores.

Não é com tudo esta razão, a principal, pela qual me decido a approvar a generalidade do projecto, será outra, e uma outra que talvez aqui já tenha sitio locada, (do que com tudo me não lembro) mas de certo a assembléa está muito presente n'ella. - De uma camara só, quando ella erra (e d'isso temos já exemplos) não ha remedio contra, mas decisões. - Bem me custa a mim referi-lo; mas é forçoso, e direi com o poeta latino: Infandum Regina jubes renovare dolorem. Nós o vimos aqui quando se tratou d'uma materia da maior transcendencia, isto é, quando se nos pedio um voto de confiança, pois que em fim o dinheiro é o sangue do povo: deu-se um credito; e a quem? ao ministerio? Não, deu-se ao Sr. ministro da fazenda, e sem as explicações honrosas para os outros Srs. ministros, que aqui se deram, nem elles podiam com decencia conservar seus logares; mas ellas foram pronunciadas d'um tal modo, que não teriam, razão para os deixar. Entre tanto tinha-se consignado esse principio; era uma decisão da Camara, passou em todos os documentos publicos; por consequencia aqui mesmo já eu vi, quanto é fácil decidir mal, quando se apresentam argumentos fortes; sancionando-se até uma cousa de que não havia exemplo. Não digo isto porque eu votasse d'esse modo, eu votei a favor do ministerio; mas alguns Srs. com tão boas intenções como as minhas, e que depois deram taes explicações que não deixaram nada a desejar, assim mesmo votaram d'aquella maneira; o que não succederia se durante o tempo que mediasse da pronunciação de uma tal decisão sobre materia de tanta importancia, houvesse o espaço necessario, para que a imprensa, e os talentos fóra do Congresso podessem exprimir a sua opinião. Em fim a opinião publica está como de atalaia ao bem estar da patria, e com os olhos sobre o que nós fazemos: convém por tanto dar-lhe logar a advertir-nos, e estabelecer modo de aproveitar, é pois esta a mais forte razão para que eu não possa deixar d'assentar, que e indispensavel que haja a segunda Camara.

Outros pontos da maior transcendencia, e que não podem deixar d'occupar todas as nossas attenções, porque em fim d'elles póde vir, por assim dizer, a morte da sociedade, ou a felicidade d'ella, são o veto, e a dissolução do Poder legislativo. Idéas luminosas tem apparecido aqui, e permitta-se-me, usando de toda a minha franqueza, que tribute a um Sr. Deputado por Coimbra os meus maiores louvores, pelo principio luminoso que apresentou para servir de correctivo á dissolução da Camara, e vem a ser, a dissolução do ministerio ao mesmo tempo. É verdade que me dirão, que póde apparecer um ministerio irmão d'aquelle, que se disse salvo; e que muito traço seria o partido que tivesse só 6 homens, entre tanto direi eu, que um corpo que tinha muitos chefes, quando tratou de conspirar contra a nação, elles se destruiriam uns aos outros, porque provavelmente teriam differentes interesses, particulares, além de que acho impossivel que um principio máo, um principio destruidor, entre na cabeça de um homem d'estado, sem que seja nascido da sua ambição pessoal, e que esse principio seja concebido de maneira tal, que possa ser transmittido com igual força aos que se lhe seguirem; accrescendo que os homens, seus talentos, e inclinações, são mui desiguaes. Em quanto ao outro ponto o que eu digo é, que se ha de conceder o

SESS. EXTRAOR. DE 1837. VOL. II. 19

Página 162

(162)

veto a alguem, ou não: se não se conceder, e algum dos poderes politicos exorbitar, resultaria a falta de equilibrio, e graves consequencias. Será ocioso estar a repetir todos os argumentos, que se fizeram para mostrar que alternativamente cada poder politico do estado quer hostilisar os outros, e então direi só, que quando isso acontecer, se não houver em algum poder a faculdade de modera-los, ha de haver uma revolução necessariamente. - É pois indispensavel que o veto exista em alguem, para obstar a que algum poder exorbite: n'estes termos, com essa idéa luminosa (ao menos para mim) de que já fallei, com a liberdade da imprensa, com a recusa do pagamento dos tributos, que só devem ser satisfeitos depois de votadas pelo corpo legislativo, e com tudo o mais que a razão nos poder dictar, creio que pozemos todos os correctivos, para a segurança da liberdade nacional.

Ora é verdade que nos podem dizer, mas a Commissão incumbio-se de fazer um projecto de Constituição, que fizesse a felicidade publica; e entendemos, que não deve entrar no projecto esse principio (o veto), e nós o achamos alli. Eu entendo, que era obrigação da Commissão ir buscar iodas os pontos cardeaes, que entendesse serem convenientes, e dizer francamente a sua opinião. Quando esta não fôsse a melhor, mal podia ella ser condemnada, quando lembre que um viajante decorrendo pela Europa, como alguns Srs. Deputados ouviram, disse, que em França uma revolução tratara de fazer restabelecer todos os direitos, que o Povo queria assumir, e que em fim despedaçado o throno, a revolução se malográra, e os princípios geralmente estabelecidos nas Constituições da Europa, haviam continuado a prevalecer e sã em Trança despedaçado o antigo throno, como levo dito, houve tanta consideração para com o novo Monarcha, mal póde a Commissão ser increpada, procurando essa attribuição para a Augusta Filha do Grande Pedro, que abraçou immediatamente a revolução, e só trata de fazer a felicidade dos Povos; e tanto mais que os illustres membros da Commissão com energicas razões mostraram, (sem que eu as visse destruidas) que este principio é essencial para a conservação do Governo Representativo, e que elle existe em maior ou menor gráo, em toda a Europa, e ate nos Estados-Unidos. - Não acabarei Srs. sem lembrar, que tendo nós consignados no projecto todos os salutares principios, para chegar-mos á Liberdade Constitucional, julgo que por ora mais devemos arrecear-nos das intrigas, e maquinações dos poderosos, mesmo fóra do paiz, do que da falta d'alguma formula, que notêmos no projecto; e em logar competente me reservo para fazer as mais observações que julgar convenientes a respeito da segunda Camara, do veto, etc.

Agora, responderei a um illustre Deputado por Santarem, que lançou sobre o Exercito grave censura, (estou persuadido que sem querer fazer-lhe offensa) dizendo que a Constituição de 22 teria existido, se o Exercito a não derribasse: isto é o que eu não posso deixar passar, ainda que já um illustre Deputado disse alguma cousa a este respeito, pois que eu com mais especialidade poderei explicar o facto que em 23 teve logar em Traz-os-Montes. É verdade que um general se revoltou alli naquella época contra a Constituição; mas é tambem um facto, que as desgraças da Patria, e as vicissitudes que já tinham havido, pozeram os espiritos em tal estado, que na provincia de traz-os-Montes não só foi seguido da tropa que alli se achava, mas tambem de grande parte do Povo houve com tudo honrosas excepções, em alguem de sua propria familia, que occupava alto posto, e que já mais deixou de lembrar-se serem mais fortes os vinculos que o ligam á Nação, do que áquella familia. Dessa mesma provincia era o bravo batalhão 5.º de caçadores, seja-me licito o nobre orgulho de referir, que commandado por meu honrado irmão o general Antonio Valdez, em Amarante destruio aquellas tropas e povos desmoralisados, e eis o que fez então este distincto corpo do Exercito. O nosso Povo (é preciso confessa-lo), ao menos uma grande parte delle, quando ha alguem que tem feito qrandes serviços, tomam-lhe tal veneração, e respeito, que muitas vezes se põe em circumstancias de se arrepender. Assim succedeu em Traz-os-Montes com o general que alli se levantou, a quem os serviços de seu pai attrahiram a predilecção daquelles Povos. Estou perfeitamente ao facto do tudo isto, porque me coube nesse tempo a honra de commandar, depois dos acontecimentos de Santa Barbara, a divisão ligeira, composta de mais de duas mil bayonetas, que com o resto das tropas que alli foram, formavam um todo de mais de doze mil homens; e este o que se póde chamar o Exercito desse tempo: e que fez essa divisão? Esse Exercito? Expulsou os rebeldes a mais de trinta legoas da fronteira de Hespanha, quasi até ás avançadas do Exercito Francez, que entrava naquelle paiz para destruir a liberdade: isto é o que fez então o Exercito, sempre mal recompensado. Bem quizera eu não tomar o tempo ao Congresso com objectos incidentes, mas não posso deixar passar mais esta occasião, sem referir que mesmo actualmente o Exercito está soffrendo graves faltas e privações, e sustentando com a maior virtude e devoção a liberdade da Patria. Repetidas vezes tenho recebido diversas communicações, e anonimos, queixando-se de que é tal a falta de pagamentos, que ha officiaes fazendo o serviço, sem mesmo já terem os necessarios uniformes: eu tenho prevenido os Srs. Ministros a esta respeito, e espero que hão da fazer o que poderem; mas fallo sobre isto aqui para que todos saibam, que nos não esquecemos desses honrados, e benemeritos Cidadãos. Abstendo-me agora de dizer tudo o mais que a justiça de meus camaradas de mim reclama, continuarei a expôr o que aconteceu depois de expulsos os rebeldes de Traz-os-Montes. Um Ministerio imbecil, apesar d'avisado, deixa fugir D. Miguel, e que fez o Exercito? Fez o que devia fazer, não sahiu do seu dever; obedeceu ao Governo justo que a Nação tinha votado. - Eu tive a honra de declarar áquella Divisão, que vinha prender D. Miguel, e desarmar as tropas que o seguiam; marchámos, e nem um só soldado recusou prestar aquelle importante serviço a Patria, não desertou um homem. E o que succedeu depois disto? Alguns officiaes mal intencionados quizeram introduzir o pomo da discordia, e proclamar os inauferiveis. - Foram presos á face dessas tropas, foi conservado o laço, e pude fazer obedecer-me, e porque eu era mais conhecido desses bravos, com quem combatêra longos annos, do que o honrado general. Pego, a cuja pericia devo pagar o devido tributo, consegui que elle continuaste a commandar-nos, e se lhe conservasse a devida obediencia Mas, Sr Presidente, a Constituição foi conservada, e até quando? Até que constou que o Congresso se havia dissolvido, que fizera, é verdade, um honroso protesto, mas que não havia nomeado outro Governo, e que o Rei tinha ido para Villa-Franca, e dalli proclamado á Nação; promettendo a conservação do Governo Representativo, com modificações que já então se reputavam indispensaveis para ter mão na intriga externa, e interna. E que havia o Exercito então fazer? Continuar a sustentar um Congresso que não existia, não era possivel. Sr. Presidente, foi ainda nessa occacião de angustia, que um illustre official do Exercito redigiu essa proclamação a que alludi, honra eterna caiba ao author della, anathema aos perfidos conselheiros, que estorvaram que o infeliz Monarcha salvasse a Nação; e a quem como homens de Estado, cumpria fazer manter aquellas salutares promessas, e não ao Exercito a quem sómente pertence obedecer.

Ora, Sr. Presidente, lamentou o Sr Deputado que não tivessemos então uma gnarda nacional dotada dos sentimentos, que a actual guarda nacional de Lisboa, tem por mais duma vez apresentado, mas Sr. Presidente, aqui ha uma idéa que é perciso rectificar. A guarda nacional não tem mais nobres sentimentos do que a tropa de linha; a tropa

Página 163

(163)

mostrou que os seus sentimentos são irmãos dos dessa mesma guarda nacional; isto se viu bem claro por occasião dos acontecimentos de 4 e 5 de Novembro, quando o exercito não esperou saber o comportamento que tivera a guarda nacional em Lisboa, para elle seguir o que lhe cumpria em Elvas, e toda a parte. Declaro á face do Congresso, que rejeito qual quer odioso que se queira lançar sobre mim, e sobre o exercito, quando se inculque indirectamente que aguarda nacional, por exemplo ou por medo, o obrigue afazer o seu dever. O que quer dizer o Sr. Deputado, quando refere que o exercito derribou a Constituição em 1823, e que ella não teria cabido se houvesse guarda nacional?

Quererá dizer que a guarda nacional seria inimiga do exercito, e que o medo della obrigaria o exercito a cumprir o seu dever? Não são admissiveis taes idéas. Desejo não desacatar a alguem, mas perciso mais que tudo acatar a verdade, e desenvolver este ponto que envolve as mais serias considerações. Procurarei faze-lo com imparcialidade; mas - Tros tyrius ve mihi descrimine nullo agetur. - Direi pois para provar, que nem a mais leve offensa eu pertendo dirigir contra a guarda nacional; que nella ha as maiores virtudes, que é composta de meus filhos, de meus irmãos, de meus parentes, de meus intimos amigos, e em fim d'aquelles que tem a peito o bem estar da nação, e que depois disto não é possivel dar-se a idéa de eu a querer offender; antes direi, que o fim da guarda nacional é ajudar o exercito, sujeitando-se ás leis desde que está como força armada; mas a guarda nacional contém em suas fileiras muitos cidadãos de distinctas classes, e de differentes profissões, e jerarchias, cujos habitos mal se compadecem com o rigor da subordinação, e dureza da vida militar. Mas apezar disso reconheço, que em suas fileiras existem benemeritos, que nobremente verteram seu sangue pelo bem estar do paiz; e que á vista disto, nem indirectamente lhe póde ser applicavel o que um illustre general nosso disse, a respeito de ameaças desta especie, que lhe foram feitas, e ás tropas do seu commando, n'outro Hemispherio; inculcando-se-lhe que obrára por medo de forças totalmente diversas da nossa guarda nacional, em sentimentos, organisação, e outras circunstancias; o que, mutatis mutandis, o obrigou a exclamar: Medo! A tropas aguerridas, e disciplinadas, a quem nada mais facil fôra, que n'um momento desmantelar um montão de castas heterogeneas, virgens ao ferro e ao fogo! Nestes termos direi eu, que a palavra medo de certo não se encontra no diccionario do uso dos exercitos; e por tanto peço muito ao Congresso que nunca mais se apresente aqui uma idéa tal. Suppôr alguem que o exercito precisa coacção para fazer o seu dever, e conservar a liberdade á sua patria!! Sempre o exercito accusado!.. Em 1823 porque derribou a liberdade!... Sendo certo que foi elle, quem por mais tempo a sustentou.

Em 1835 porque tomou a iniciativa para a salvar. Mas já aqui se disse, que nesta ultima occasião não empregou a sua força, e que foi tambem aguarda nacional, porque uniu os seus votos com os de grande numero de officiaes, para obstar a medidas insólitas, que produziriam a maior confusão; sendo certo que por pertencerem ao exercito não deixam de ser cidadãos, e que tem o direito de petição, de que usaram.

Tambem um Sr. Deputado, que se senta do outro lado da Camara, fazendo a recordação muito honrosa dos acontecimentos da ultima guerra, lembrou a impropriedade de abandonar a liberdade, porque haviamos combatido (a Carta); e quem mais do que eu, permitia-se me que assim o diga, se isso fôsse um motivo attendivel, devia hesitar em annuir á revolução de 9 de Setembro? Mas não hesitei; porque considerava a revolução, como para salvar as nossas garantias e liberdades, e não parece que eu deveria ser um d'aquelles que mais escrupulo tivesse em me pronunciar? Não tive nenhum, nem o podia ter; porque o que se proclamou foi a liberdade. O mesmo dador da Carta foi o primeiro, que reconheceu a necessidade de que ella fosse reformada, e as liberdades publicas conservadas; e se aquelle magnanimo Principe existisse, elle seria o primeiro que faria sustentar os seus principios. Eu tive a honra de viver a seu lado. Sei que taes eram as suas patrioticas idéas; e que eram seus desejos firmar a justa liberdade do paiz, e a estabelecer a felicidade da nação. Disse o Sr. Deputado, que o exercito esteve nas ilhas dos Açores, no Porto, em Almoster etc. combatendo sempre pela Carta; e perguntou, porque motivo não proclamou elle a Constituição de 1822? Porque, é essencialmente obediente; porque tinha á sua frente o grande Homem que a fazia marchar no sentido em que a déra; e porque desse modo contávamos que todos obteriam a devida justiça, e todos os dias a veriamos melhorada. Mas elle já não existe! E nem eu sei o que sinto ao referi-lo: e se depois de tão lamentável perda se fez. da Carta um sobrescripto, de certo nem eu, nem o exercito fomos nisso os culpados. Nem se inculque esquecimento da Constituição de 1882, pois que é bem sabido que depois das divergencia porque passamos em 1823 ; porque não foi cumprida essa proclamação a que alludi; porque senão tratou de sarar as feridas que a pátria soffria; qual foi o resultado? O receio de conspirações. Presumir-se uma conspiração só porque appareceu um signal, uma legenda, que ainda que estava debaixo das vistas de todos, não lembrava a ninguem; isto é, appareceu em diversos logares o laço constitucional, com a vulgar legenda - In hoc signo vinces - e pouco faltou para produzir uma explosão, apezar das perseguições da Intendencia da policia. Veio a Parta, e foi judicioso para a fortalecer, apresentar-se as cores de azul e branco, como simbolo da liberdade aos seus defensores, e bom foi, porque com elle se fez tudo. Sr. Presidente, não devo continuar mais sobre a materia; nos artigos em especial deste projecto me reservo para fazer algumas observações; agora era geral sómente digo, que o projecto está em harmonia com o que tem feito a felicidade de todos os paizes mais cultos da Europa: parece-me além d'isso que ha uma circunstancia, que deve fazer calar todas as outras; e vem a ser, a lei da necessidade; e o paiz tein necessidade de tranquilidade e repouso. Esta Constituição, ou este projecto, levou tres mezes, e além disto tenho visto muitas vezes approvar um projecto na generalidade, e depois ser rejeitado cada um dos artigos; porque em fim, quando se trata da generalidade é só allucidação da matéria principal, e bases geraes, que devemos ter em vista; por quanto nós não vimos aqui combater com o amor de vencer só nossas opiniões; vimos um para fazer a felicidade publica, do melhor modo que nos seja possivel. Como este é o principal dever que nos dirige, eu que considero, que a necessidade de nação é ter uma Constituição; (de certo com isto não digo, que não temos por ora uma) mas conheço que uma grande parte dos interesses da sociedade se acham incertos, e em terrivel vacilação, é preciso quanto antes firma-los; e por isso approvo o projecto na sua generalidade.

O Sr. Silva Sanches: - Eu pedi a palavra, Sr. Presidente, para responder com especialidade a um illustre Deputado por Santarém. No emtanto alguma resposta já lhe foi dada; porque no progresso da discussão, membros da Commissão, e outros, que o não são. lhe responderam. Por isso julgo inutil usar agora d'ella. Cedo-a por tanto; mas requeiro a V. Exca. ma reserve, porque póde apparecer algum motivo, que ainda me obrigue a entrar de novo na discussão.

O Sr. Costa Cabral: - Eu tinha pedido a palavra pela terceira vez, para ractificar factos que tinham sido apresentados na discussão por um Sr. Deputado; mas o Sr. relator da Commissão já respondeu a esses factos complectamente, era para o que eu tinha pedido a palavra, e por tanto cedo d'ella.

SESS. EXTBAOR. DE 1837. VOL. II. 19 B

Página 164

(164)

O Sr. Borralho: - Theorias luminosas, erudicção brilhante, e discursos cheios de saber profundo, tem apparecido neste Congresso durante a discussão do projecto em questão; mas tanta luz ainda não foi bastante para bem alumiar o objecto, de modo que elle se apresente claro, e sem nuvens aos meus olhos: esses lusidos discursos, essas figuras variadas de rhetorica, com seus aparatosos ornatos, no meu espirito nada tem podido, e confesso que as minhas duvidas moram ainda comigo.

Não obstante, eu devo votar nesta questão; sou responsavel pelo meu voto aos meus constituintes; por tanto aproveito esta occasião solemne para o declarar franca, clara, e explicitamente; e tambem a aproveito para manifestar os motivos que me fervem no espirito, e que darão a razão da minha conducta.

Sr. Presidente, eu vi nascer os dias 9 e 10 de Setembro, vi o que então se fez, observei o que se prometteu, e tambem o que se jurou; derribou-se a Carta Constitucional, porque não satisfaria aos desejos, e ás necessidades da Nação; e proclamou-se a Constituição de 1822; porque nessa Constituição via a Nação o complemento de seus desejos, e sua taboa de salvação; mas a Nação com todo o juizo de que é capaz, viu tambem que essa Constituição necessitava correcções, e então proclamou-a com a clausula de se lhe fazerem modificações; ora, modificações não são a destruição da Constituição: na Carta haviam duas camaras; na Constituição, a representação nacional era unica na Carta havia o veto, na Constituição não havia esse veto: na Carta havia a eligibilidade de Ministros, na Constituição era desconhecida essa doutrina: pela Carta tinha o poder executivo a faculdade de dissolver quantas vezes quizesse a Camara dos Deputados; pela Constituição essa arma terrivel estava affastada das mãos do poder: ora lançada abaixo a Carta, e proclamada em seu logar a Constituição de 22, que principios se proclamaram? Proclamou-se, jurou-se por ventura a Carta derribada, com modificações, ou a Constituição tom modificações? E o que é o projecto da Commissão, senão a Carta com modificações? Voto pois contra o projecto, porque elle não satisfaz o voto nacional... Mas dizem os Srs. Deputados, os dias 4 e 5 de Novembro! Oh Sr. Presidente, os dias 4 e 5 de Novembro!! Esses dias deverão ser riscados das paginas da nossa historia, esses dias deverão ser apagados da nossa memoria, esses dias... foram criminosos, e se o não foram para que fim então a amnistia?

Toda via vejamos o convenio de Belem: que se diz nesse convenio incutido aos collegios eleitoraes, para servir de norma ás nossas procurações? Diz-se, que as Côrtes extrahirão da Constituição de 22, e da Carta o que acharem de melhor para bem fazerem na Constituição, e que deverá ser posta em harmonia com os principios adoptaveis pelos governos representativos da Europa, mas que mais se disse? Declarou-se nesse convenio, que as estipulações nelle exaradas em nada alteraram o juramento anterior: o juramento anterior foi á Constituição de 1822 com as modificações, que as Côrtes lhe fizessem; logo o convenio mesmo reconhece a santidade do juramento prestado, é d'elle que a nação não foi absolvida, e é elle que deve subsistir.

Mas se ás razões expostas, alguma cousa se póde accrescentar, seja-me licito juntar uma mais que faz muita impressão no meu espirito, e vem a ser: é reconhecido, e nisso convém o projecto, que a soberania reside em a Nação; que a nação não delega a soberania, mas sómente o seu exercicio no Rei, e nas Côrtes: ora pergunto eu, quem deu ao Congresso a faculdade de repartir com outrem esta delegação para o fim de fazer as leis? Quem deu ao Congresso a faculdade de crear um poder que approve, ou rejeite as leis feitas pelos representantes da Nação? Esse segundo ramo legislativo poderá porventura dizer-se delegado da Nação, que o não elegeu, nem conferiu a outrem poderes para isso?... Diz o projecto: Esse segundo ramo legislativo é nomeado pelo Rei: não admitto a legalidade de tal nomeação; porque o Rei é tambem delegado da Nação; e menos a admitto, por que tendo-a negado ao Congresso, com mais razão a nego ao Rei, porque este é delegado sómente no executivo; não póde fazer as leis, muito menos nomear quem as faça, por que os delegados não pódem delegar. Concluo contra o projecto, porque não posso admittir que seja retalhada a soberania nacional; quero-a indivisivel, e inalienavel, este o meu voto.

O Sr. Furtado de Mello: - Eu tinha pedido a palavra para combater o projecto; mas os Srs., que me tem precedido, opinando conforme minhas idéas, preveniram-me de modo, que nada me resta a dizer; com tudo sempre quero manifestar a minha opinião a este respeito. Eu rejeito o projecto em discussão, porque elle envolve materia, que destroe artigos essenciaes da Constituição de 1822. Agora só passarei a tocar certas expressões, que de uma maneira pouco agradavel foram dirigidas pelos Srs., que sustentam o projecto , contra aquelles, que tem a honra de o combater.

Disse o Sr. Derramado, que aquelles, que impugnam o projecto, formam gigantes para os combater. Sr. Presidente, que maiores gigantes podem haver do que aquelles, que apresenta o projecto de Constituição? Véto absoluto, direito de dissolução, camara privilegiada, elegibilidade de ministros, artigos transitorios!... São estes os gigantes, são estes os monstros, que eu me proponho combater. o alvo é grande, e sendo eu artilheiro, e com bastante practica, não hei de errar o tiro. O véto absoluto é o mais funesto golpe dirigido á liberdade; e tambem é o mais funesto presente feito ao throno, porque o põe em guerra com a Nação.

Tem-se dito, que esse véto existe ha cento e tantos annos na Inglaterra, e que não tem feito mal a ninguem: ora se isto é cousa, que não faz bem, nem mal, se é uma inutilidade, póde deixar de existir; e neste caso não sei para que se fazem tantos empenhos pela sua existencia mas é preciso notar, que na Inglaterra não se tem distinguido o poder constituinte do poder legislativo; e por isso o Rei deve estar armado do veto, e do direito de dissolução, para evitar, que o parlamento britanico, illimitado em attribuições, possa invadir a sua prerogativa.

Em Portugal não é preciso dar ao Rei essas armas; porque temos por principio constitucional, que a legislatura ordinária não terá o exercicio do poder constituinte, salvo se por uma convenção expressa fôr authorisada para alterar algum artigo constitucional, e demais sendo bem estabelecido na Constituição o equilibrio dos differentes poderes politicos, nenhum destes deve sair da sua orbita, nenhum deve invadir a prerogativa do outro mas suppondo que algum possa exorbitar, não é o véto real, nem a cessação dos impostos, nem a insurreição, que podem remediar esta infracção de Constituição, taes remedios são peiores que o mal: o unico meio consiste em reclamar a delegação evtraordinaria do poder constituinte, que é o unico tribunal, que póde tomar conhecimento de similhantes attentados; e neste caso só o poder invadido tem direito ao véto; isto é, a fazer a reclamação contra o poder invasor: de outra maneira seria um absurdo, pois se, por exemplo, o véto fôsse um privilegio exclusivo do poder executivo, este muitas vezes poderia ser juiz, e parte ao mesmo tempo, e assim destruido estava o equilibrio dos poderes.

Pelo que toca á legislação, se acaso se quer estabelecer o véto real, e o véto de uma segunda camara, para que as discussões não marchem com precipitação, e se dê largo tempo á reflexão; então n'uma só Camara se encontram bastantes vétos: apresenta-se, por exemplo, um projecto de lei ao Congresso; á segunda leitura póde ser rejeitado, e ahi está um ceio não sendo rejeitado vai á commissão respectiva, e ahi póde encontrar segundo veto: quero que tambem vá a uma commissão especial composta da terça parte dos Deputados, escolhidos á sorte, e ahi póde ter terceiro

Página 165

(165)

véto: voltará finalmente ao Congresso, e aqui poderá encontrar o quarto veto, e tantos velos quantos são os Deputados. Por consequencia tenho mostrado, que é mutil o veto Seal, e o ceio de uma segunda camara, pois que o poder legislativo unitario tem em si mesmo o veto natural, que é o unico de que póde resultar vantagem ao publico: e sup-pondo mesmo que possa acontecer, que em uma sessão da legislatura ordinaria passe alguma lei, que na execução encontre algum inconveniente, é mais judicioso deixar ao corpo legislativo o arbitrio de a reformar nas sessões seguintes (porque só póde destruir a mão, que cria), do que collocar na machina legislativa rodas estranhas, que lhe transtornem o seu regular movimento.

Alguns Srs. tem dito, que uma segunda camara é a melhor garantia dos direitos do povo. (Apoiado) Sr. Presidente, uma segunda camara a melhor garantia dos direitos do povo! (O Sr. Conde da Taipa: - Apoiado.) Uma secunda camara, principalmente privilegiada, como a do projecto, nunca poderá sustentar os direitos do povo: uma segunda camara vitalicia, segundo a opinião de Benjamin Constant, (a quem o Sr. Conde da Taipa tantas vezes invoca para provar o que lhe convém...) é mil vezes peior que a hereditaria, é mais sujeita á venalidade: o senador vitalicio se abaixará a fazer mil, e vergonhosas bajulações ao poder, que o agraciou, não só para mostrar sua gratidão, e fazer jus a adquirir fitas, titulos, fantasticas honras, com que os homens geralmente se enchem de vaidade, mas principalmente para que o filho seja contemplado para o mesmo logar. Ora de similhante classe privilegiada nunca poderá resultar senão mal ao povo, ou antes, a destruição dos seus direitos, embora se queira provar o contrario citando famosos publicista. A historia é um arsenal, aonde se encontram armas de todas as qualidades, e aonde cada um póde tomar a que mais lhe convenha, cada um procura o publicista, que lhe falla mais ao coração; gosta mais d'aquelle, cujas idéas se coadunam mais com as suas e assim como em apoio do projecto em discussão se tem invocado Clermont-Tonnerre, Benjamin de Constant, Chateaubriand, e quantos Chateaubriands ha por esse mundo, seja-me tambem permittido chamar em apoio das minhas idéas o grande Pethion, o immortal Syéys, o illustre Bonnin, e o venerando Jeremias Beatham. Jeremias Bentham não ha muito tempo, que sendo consultado pelos hespanhoes sobre a formação de uma camara privilegiada, lhes respondeu com muita franqueza, e energia (nem se dirá, que era levado pelo fogo da mocidade, pois era um ancião já proximo ao fim de seus dias...), que de maneira nenhuma estabelecessem uma camara privilegiada, «esse monstro (disse este grande homem) e o cavallo de Troia, traz em seu bojo a ruina, e a morte da liberdade; é terrivel, é insaciavel: não o deixeis entrar nos vossos muros.» Eu sigo esta mesma opinião; pelo meu posto não ha de entrar o cavallo de Troia... eu defenderei o meu posto em quanto existir (Apoiado.)

Não posso deixar de tocar certas expressões dirigidas tambem aos poucos Deputádos, que tem tido a coragem, e honra de combater, e rebater o projecto de Constituição. Disse o Sr. Garret, querendo dar valor á sua opinião, que a experiencia da emigração lhe linha ensinado a conhecer o que era bom, e o que era máo; e que eram hypocritas os defensores da Constituição de 22. Quanto á primeira parte responderei a S. S., que se a emigração, e os trabalhos ensinam alguma cousa, talvez: o seu argumento proceda mais a meu favor, e de alguns dos illustres Deputados, que aqui se assentam, pois nos tocou a sorte de fazermos os maiores sacrificios pela liberdade... mas chamar hypocrita a quem rejeita cousas, de que resulta prejuizo ao povo!... não entendo... e que similhante palavra seja proferida pelo Sr. Garrett! (sinto muito que não esteja presente) pelo Sr. Garrett, que teve a methafisica idéa de chamar ao véto absoluto, espirito santo! (Riso.) Na sua opinião é o véto absoluto uma cousa, que não faz mal, uma cousa muito santa!... (Riso.) Este argumento é na verdade irrisorio: o mais rude cidadão portuguez sabe perfeitamente, que não foi por obra do espirito santo, que o Miguel do Patrocinio passou tão facilmente do véto absoluto a rei absoluto...

Disse o Sr. Leonel, e o Sr. Ferreira de Castro, e não sei se mais alguem, que eram retrogrados os que queriam a Constituição de 1822. Sr. Presidente, quaes serão mais retrogrados Os que sustentam os principios da Constituição de 22, a verdadeira soberania nacional, e a independencia dos poderes, ou aquelles que sustentam o projecto em discussão, que admitte o velo absoluto, o direito de dissolução, e os fanhosos artigos transitorios, cuja doutrina importa nada menos que decretar, que a nação portuguesa d'aqui a seis annos ha de estar mais estupida, mais ignorante dos seus direitos, e por isso incapaz de os exercer?!... A nação portuguesa, que tem feito rápido progresso no sistema constitucional, e que marcha a longos passos na estrada da civilisação... Senão é retrogrado quem avança tal absurdo, ao menos quer que a nação o seja.

O Sr. Leonel: - A palavra para uma explicação.

O Orador: - Disse o Sr. Conde da Taipa, que era preciso, que fizessemos uma Constituição, que agradasse a todos (apoiado); e que durasse, para não tornarmos a emigrar. Relativamente ao receio de emigrar só direi a S. E., que o
medo, ou a fraqueza nunca salvou ninguem da morte... (Apoiado.) Quanto a fazer uma constituição, que agrade a todos, é impossivel; porque as opiniões variam muito mas para que uma Constituição dure muito tempo, talvez S. E. julgue ser preciso, que ella admitta duas camaras, véto absoluto, e tudo isso que elle quer, etc., etc. (O Sr. Conde da Taipa: - Apoiado) Apoiado? Este argumento é muito fraco, e nada colhe, pois se acaso S. E. quer inculcar, que a Constituição de 22 caiu por ter uma só camara, então a Carta de 26 devia durar eternamente, porque tinha duas camaras, e véto absoluto: porém apezar de tudo duas vezes caiu...

O meu illustre amigo o Sr. Raivoso, comparando a doutrina da Cousíituição de 22 com a do projecto em discussão, concluiu approvando este, por isso que alli estavam os poderes bem equilibrados, e que desejava, que o seu equilibrio fosse tal, que póstos em uma balança não pezasse um mais que o outro. Permitta-me S. S., que eu lhe diga, que foi algum tanto incoherente comsigo mesmo: não é possivel estarem bem equilibrados os poderes n'um projecto, que admitte o véto absoluto... Concedido esse veto, não digo só ao executivo, ao qual tem andado sempre inherente, mas a qualquer dos poderes, a balança irá muito abaixo do lado aonde elle estiver collocado; e acabou todo o equilibrio.

O meu illustre collega o Sr. José Alexandre de Campos, cujos talentos muito respeito, opinando a favor de duas camaras disse, que era mais difficil subornar, ou comprar duas do que uma: mas S. S. ha de permittir-me, que lhe observe, que essa segunda camara, principalmente sendo de nomeação real, (seja me licita a expressão) é traste de casa... estará sempre ligada ao poder, que a criou por consequencia não ha difficuldade nenhuma, nem precisão de a comprar.

Disse outro illustre Deputado, meu antigo amigo, que se a sua propriedade não o ligasse ao seu paiz, daria um vôo mais aito, e fana uma Constituição, que agradasse a certas cabeças, ou a cabeças esquentadas...

O Sr Macario de Castro: - Não disse tal.

O Orador: - (Foi isto pouco mais ou menos) Sr. Presidente, acho este argumento destituido de fundamento; pois importa o mesmo, que dizer, que o cidadão não deve ter principios fixos, que o seu modo de pensar deve andar inherente á sua propriedade, e sujeito aos vaivens da fortuna: n'uma palavra, que se hoje a fortuna lhe fôr mais adversa, deve por isso ser mais amigo da liberdade, e igualdade; se

SESS. EXTRAOR. DE 1837. VOL. II. 19 BB

Página 166

(166)

ámanhã fôr grande proprietario, deve ser mais amigo rios seus interesses, retrogrado, e consequentemente respeitador do déspota, que usurpar os seus direitos... A este respeito só direi, que ao bom cidadão é precisa mais gloria, que riqueza; que assim como os ornamentos do guerreiro são as suas armas, e não a sua bagage, assim tambem os melhores dotes, do cidadão pacifico são os seus talentos, e virtudes. (Apoiado).

Disse o meu illustre collega, o Sr. marquez de Loulé, opinando sobre a formação da camara dos deputados, que se devia augmentar o censo além de quatrocentos mil réis, para a elegibilidade. (O Sr. Marquez de Loulé: - Apoiado) Sr. Presidente, se este argumento prevalecesse, e se tambem viessemos a ter uma segunda camara de nomeação real, então teriamos duas camaras privilegiadas, uma de aristocracia de nobreza: em tal caso o melhor será estabelecer uma camara vitalicia, e outra hereditaria... e assim talvez S. E. fique mais satisfeito... Ora elevar o censo acima de quatrocentos mil réis, (não fallo por meu respeito, pois não tenho ambição alguma de aqui voltar, e talvez por aquelle motivo não deixasse de ser eleito) é querer privar o Congresso de grandes talentos, que ordinariamente andam a par da pequena fortuna; é querer privar muitos homens virtuosos, e sabios de poderem cooperar para a felicidade dos póvos na representação nacional, prerogativa a que tem direito todo o cidadão livre: pois só a sciencia, e não a riqueza, é o elemento preciso para fazer boas leis.

Disse o Sr. Alberto Carlos, que se acaso os seus constituintes soubessem, que elle era d'opinião, que houvesse uma só camara, de certo não o mandariam a este Congresso. Sr, Presidente, este argumento tambem é muito leve; eu tambem posso dizer, que se os meus constituintes não soubessem qual era o meu modo de pensar, não depositariam em mim a sua confiança; e na verdade elles me honraram com os seus suffragios, porque sabiam, que eu era capaz de sustentar os principios da Constituição proclamada, que admitte uma só camara do contrato eu não seria aqui mandado, e o mesmo aconteceria a todos os que antes das eleições manifestassem opiniões oppostas a estes principios... Quando no meu circulo eleitoral appareceram diversas listas de candidatos, a primeira cousa de que se tratou, foi indagar se elles eram amantes da Constituição de 22, e se tinham probidade, e independencia de caracter; e logo que estas qualidades concorriam n'um candidato, dizia-se: este sim, este deve ser Deputado. Isto foi o que se passou pelo meu circulo, e por muitos outros de que tenho noticia por tanto aquelle argumento nada colhe. Demais, Sr. Presidente, aqui não deve prevalecer a opinião de uma aldeia, de uma cidade, ou de uma villa; aqui combatem-se as opiniões para que a final prevaleça uma só opinião, uma só decisão a beneficio geral da nação (apoiado); pois não foi só para beneficiar uma cidade, villa, em aldeia, que fomos mandados fazer modificações na Constituirão de 22; foi, eu o repito, para beneficio geral da nação portugueza.

O Sr. Deputado Gorjão, que se assenta daquelle lado, n'uma das sessões passadas patenteou muitas saudades da Carta; chorou saudades da Carta... Saudades tenho eu imensas dos meus irmãos d'armas, que morreram no campo da batalha pela liberdade... Se o Sr. Deputado tivesse tido o desgosto de os ver morrer a seu lado, devia com mais razão ter mais saudades desses bravos, do que dessa Carta porque tanto chora, não tenho talvez feito por ella sacrificio algum... Esses homens, a quem são dirigidas essas expressões saudosas, que lhe agradeçam a lembrança... e direi finalmente a S.S., que cartas, cartões, papelões não valem nada (riso, e apoiado), o que vale minto são os principios de liberdade, e igualdade (apoiado): e aquelle papel aonde elles estiveram mais bem definidos, mais bem declarados, e garantidos, ahi está a minha carta. (Apoiado.)

Ainda que tenho abusado da indulgencia do Congresso, sendo bastante extenso, sempre direi mais alguma cousa. Quando o meu illustre amigo, o Sr. Santos Cruz, no seu elequente discurso disse, que a Constituição de 22 tinha caido pelo ferro, ou pelas espadas, eu entendi, e creio que alguem mais assim o entendeu, que elle quiz attribuir a sua quéda ao colossal exercito do duque d'Angouleme, e particularmente á infame facção de Villa Franca, aonde se desembainharam ferrugentas espadas (que talvez anteriormente pouco, ou nada tivessem servido a patria), só para assassinar a nascente liberdade!.. Persuado-me, que o illustre Deputado não quiz tocar no exercito portuguez Este brioso exercito nem teme, nem é digno d'imputações vagas, e tambem não precisa d'elogios de ninguem: os seus elogios, a sua gloria, estão assignalados, estão eternisados nos Açores, no Mindello, no Porto, e em todos os campos de batalha desde Ponto Ferreira até á Asseiceira (apoiado): por tanto a bua gloria é superior a todo o elogio.

Concluo rejeitando o projecto em discussão, porque contém o véto absoluto encapotado, o direito de dissolução, a camara privilegiada, os celebres artigos transitorios, e a elegibilidade dos ministros; cuja elegibilidade tambem, segundo a doutrina de tantas vezes citado Benjamin Constant, deve ser na razão de um ministro para cem deputados; de sorte que sendo o Congresso portuguez composto de cento e tantos Deputados, só poderia haver um ministro-deputado: mas para evitar rivalidades entre os ministros, o melhor é que nenhum seja deputado... N'uma palavra, rejeito o projecto, para que volte á Commissão; porque assim como está concebido, destroe a Constituição de 22, em vez de a modificar. Firme nos meus principios, serei embora vencido; mas não convencido, e seja-me finalmente permittido firmar a minha opinião, repetindo estes versos latinos:

Justum et tenacem propositi virum,

Si fractus illabatur orbis

Impavidum ferient ruinae.

O Sr. Midosi: - Longe de mim o querer coarctar, ou reprimir esta discussão, ou obstar a que os Srs. Deputados que tem a palavra, deixem de fallar sobre ella. Esta discussão tem sido conduzia por maneira tal, que honra o Congresso, não só pela moderação com que se tem expressado os Srs. Deputados; mas pelos bons desejos, e rectas intenções, que todos tem manifestado em seus discursos: todavia é preciso que esta discussão tenha tambem um termo. Cada um de nós tem já formado uma idéa geral da materia em discussão, tanto os que combatem, como aquelles que defendem o projecto - Parece-me pois occasião opportuna de
apresentar um requerimento, para V. Exa. propor no Congresso que hoje se vote sobre a generalidade do projecto, ficando para amanha todas, e quaesquer explicações sobre que alguns dos Srs. Deputados tenham pedido a palavra. - A este effeito requeiro tambem que hoje se necessario fôr, se prorogue para se poder votar.

(O Sr. Deputado enviou o requerimento á mesa.)

O Sr. Santos Cruz: - Sr. Presidente, que incoherencia será a nossa, se tendo declarado que este é o trabalho mais importante que temos a fazer, formos votar precipitadamente sobre a generalidade do projecto. A generalidade não é cousa indifferente; porque marca o desenho, marca a ordem, marca a relação dos objectos que comprehende; pois muitos artigos ha, que não podem votar-se se não em relação a outros. Por exemplo, se se vencer que haja duas Camaras, já o veto ha de ter outra votação, porque, nesta hypothese já o throno está defendido pela segunda Camara: - so

Página 167

(167)

se vencer que haja eligibilidade de certos funccionarios publicos, é claro que então mais difficil será votar por essa segunda Camara; por que não temos uma regra para conhecer os elementos, de que ella se deve compor. Por consequencia, attendendo aos pontos de relação do projecto, a generalidade é tudo; porque é a base d'onde se ha de partir para fazermos uma obra, cujas partes não tenham contradicção entre si.

É por tanto necessario continuar esta discussão em geral; e dar-se indifinidamente a palavra, em quanto houver um Orador, um só, quê queira fallar. (Apoiado, apoiado.) - Uma Constituição é, ou deve ser, uma base eterna da duração dos imperios quando se lançar esta base, tudo é pouco; porque em tão bella causa, a palavra não se conta, o tempo não passa. Querer limitar-se o tempo da sua analyse, seria isso o mesmo que querer pôr limites á intelligencia humana: não ha poder para isso, nem na urna, nem na lei; porque esta especie está no intelecto, está na relação ideiologica, e intima das cousas; que nenhuma urna póde distruir, nem um regimento aniquilar. Se depois de discutido, e digo mesmo de votado um projecto por nós, se apresentar outro projecto, se se disser, eis-aqui o projecto que fiz a felicidade da Nação: a esta expressão homens d'um espirito, e d'uma consciencia, não o adoptarieis? Que não fôsse o optimo, basta que seja bom, ou que tenha o bom, para eu querer que se examine. Por conseguinte, eu desejo ouvir até a ultima intelligencia, e não só deste Congresso; e, se fôsse possivel, eu desejava, como representante da Nação, estar collocado no fóco de uma parabola acustica, onde ouvisse as opiniões de todos os portuguezes, e de toda a Europa. - Voto pois contra a moção; porque é uma surpresa aos membros do Congresso, e continue a discussão. - Ha mais. Eu apresentei um projecto de Constituição, que póde ficar prejudicado por uma votação geral. E porque razão não ha de elle ser discutido na generalidade, assim como foi o da Commissão? É necessario pois que ambos entrem em discussão geral, até pelos principios de ideiologia: discutam-se ambos, e successivamente, e ainda um terceiro, um quarto projecto, se apparecerem. Esta prática existe em todas as Assembleas: em quanto se apresentam substituições, ou emendas a qualquer projecto em discussão, são sempre tomadas em consideração, e só se opta, e vota no fim, nem póde ser de outro modo. E por isso que me opponho á moção; e requeiro que o meu projecto entre em discussão; porque a generalidade de que se trata, é muito importante. - O Congresso resolva como entender; mas meditemos, Srs.: não se perde tempo, quando se consome em questões de tanta transcendencia; ouçâmos, ouçamos todas as opiniões, aproveitemos todas as intelligencias. Não tenhamos pressa; porque nós temos Constituição: não é de uma Constituição; mas de uma Constituição boa, que temos pressa; e a actual não é má: precizamos que a que adoptamos para o futuro seja o mais meditada para ter duração.

O Sr. Silva Sanches: - As palavras surpresa e precipitadamente, de que se servio o illustre Deputado por Santarém, é que fizeram com que eu pretendesse responder-lhe. - O Sr. Presidente, póde por ventura reputar-se precipitada, a votação, a que precederam oito dias de discussão?!

(Vozes: - Foram dez.)

O Orador: - Ou dez! - Póde reputar-se precipitada a votação sobre um objecto, em que tantos Srs. Deputados tem tomado a palavra, e tem, mais que em nenhuma outra, usado do seu plenissimo direito, e liberdade d'exporem no Congresso todas as suas opiniões?...

(O Sr. Santos Crua: - Nem todos.)

O Orador: - Eu tenho direito a não ser interrompido.

O Sr. Presidente: - Póde combater o Sr. Deputado que falla, mas quando lhe tocar a palavra. Continue.

O Sr. Silva Sanches: - Já que o illustre Deputado, que me interrompe», diz que nem todos tem fallado, diga tambem qual foi aquelle, a quem se recuzou a palavra. Quantos estão inscriptos para faltar? Creio que só o Sr. Rebello de Carvalho, por que mesmo outros Srs. que tem pedido a palavra, já faltaram as duas vezes, que o regimento permitte. E será uma votação destas, que se póde julgar precipitada, ou por surpresa?! A mim não me importa, que hoje se vote, ou que se vote ámanhã sobre o projecto na generalidade; o que digo, o que repito, é que as palavras precipitação e surpreza, nunca foram tão mal applicadas.
(Apoiado, apoiado.) - Entender que pela approvação do projecto na sua generalidade, é elle approvado na especialidade, é tambem cousa nova para mim. (Apoiado.) Que se entende por approvar o projecto em geral? Que esse projecto nos ha de servir de texto para a discussão especial. Mas hão de tratar se todas as questões; ha de tornar a ventilar-se a das duas Camaras, e lá tem o Sr. Deputado occasião de as combater, e apresentar o seu Senado conservador, - o mais original que tem apparecido!

O illustre Deputado, que em uma das precedentes sessões occupou tanto tempo em fallar contra a oligarchia, apresenta no seu projecto um Senado o mais oligarchico, que ainda existio!! (Apoiado, apoiado) Senado que em uma bella-manhã poderia tirar o Throno á Rainha, e a liberdade á Nação!!! (Apoiado, apoiado.) E para que não pareça improviso, passo a ler os §§. 1.º e 7.º do artigo 94 do projecto do Sr. Deputado, a que me refiro.

O Sr. Presidente: - Estou persuadido que isso é um pouco fóra da questão.

(Vozes: - Não é: leia.)

O Orador: - Eis-aqui o §. 1.° = Chamar as forças provisorias, as de reserva (Guardas Nacionaes): as extraordinarias em fim (ou a nação em massa), nas urgencias da patria; nomear nesse caso os poderes dictatorios, e tomar as mais medidas extraordinarias, e de salvação publica. = O §. 7.º = Addiar, suspender, e cassar um ou mais fóros, e garantias de um ou mais logares e classes no caso de desordem parcial, motim territorial, ou revolta geral aberta contra a Constituição, e nos mais de perigo imminente da pátria: e então, conforme o grão e extenção de revolta, suspender o habeas corpus, desaforar terras e classes, declarar o assedio, e a lei marcial = (*)

Pela leitura destes dous §§ parece-me que está plenissimamente provada, a minha asserção, e que nunca houve corpo mais oligarchico; porque vinte e quatro homens (que de tantos o Sr. Deputado compõe o seu Senado) querendo declarar suspensas todas as garantias, podem fazelo, quando lhes approuver; e o que é mais, podem de uma vez acabar com a Constituição, derribar o Throno da Rainha, e destruir os cidadãos; porque lhes é dado declarar Dictador algum d'entre elles, ou a quem queiram!!! E será este o projecto liberal, o projecto, que se apresenta com preferencia ao trabalho da Com missão? E isto por quem? Por um illustre Deputado, que tanto, e com tanta razão, fallou contra a oligarchia! Ora se ao que tenho exposto não póde responder-se; parece-me, que tal projecto não deverá merecer a preferencia ao da Commissão.

O illustre Deputado veio aqui pedir-me, que dissesse, qual era a clausula geral do exercício do poder do seu Senado. Esta clausula é, que = todos os seus actos moderadores serão por consulta prévia ás assembléas premárias, e então ficarão permanentes; ou terão recurso para ellas, e então serão provisorios. = Mas nos cazos de urgencia, da-lhe o direito de tomar essas medidas - sem consulta prévia - e só com a differença de ficarem provisorias. Mas feito o mal, de que serve depois o recurso? (Apoiado.) Não está já nomeado o Dictador, não estão suspensas as garantias? Não

(*) Em quanto o Orador ha estes dous §§. o Sr. Santos Cruz se dirigio ao pé delle, e lhe disse alguma cousa em voz baixa, a que elle respondeu: Logo tocarei esse ponto.

Página 168

(168)

póde por isso antes da interposição do recurso ser destruida a liberdade? E como, ou para que se ha de recorrer ás assembléas primárias, depois de suspenso tudo quanto existia? Serão depois disso ellas admittidas a deliberar, ou poderiam faze-lo?

Eis-aqui pois como, apesar da restricção da clausula, não se póde obstar a que vinte e quatro homens, da tarde para a manhã, ou da manhã para a tarde, possam transtornar tudo, e fazer desapparecer as garantias. - Eis-aqui porque eu não posso deixar de rejeitar com o mais profundo horror um projecto, em que se apresenta uma oligarchia de nova espécie. O Sr. Deputado pede, que elle se discuta. Tem rasão; mas a respeito delle deve seguir-se tudo que manda o regimento, e segundo o regimento, as substituições só depois de votada a materia principal podem ser discutidas. Ora o projecto do illustre Deputado é sem a menor duvida uma substituição. Só por tanto póde ser discutido depois de se votar sobre o da Commissão, e no caso delle ser regeitado. A observancia do regimento é que eu reclamo; e estou certo de que V. Exa., e o Congresso o observará.

Tenho por consequencia demonstrado, que as palavras de precipitação e surpresa jamais se empregaram com mais impropriedade; e que o projecto do Sr. Deputado, longe de ser mais liberal, é o mais monstruoso e anticonstitucional, que hoje podia conceber-se. A isto é, que me tinha proposto; e por isso concluo, repetindo, que me é indifferente votar-se hoje, ámanhã, ou outro dia sobre a generalidade do projecto em discussão.

O Sr. Midosi: - Quando eu fiz o meu requerimento, julguei que tinha fallado portuguez, e que me tinha explicado em alto, e bom som; disse então que desejava que todos os Srs., que estão inscriptos, fossem ouvidos. Tendo eu feito este requerimento em similhantes termos; o emprego da palavra - surpresa - dirigida a um Deputado que não está em tão bom terreno como o Sr. Deputado, é na verdade, para não dizer mais, mui pouco cavalheiro. Saiba o Sr. Deputado, que eu fui dos primeiros, que pedi, se discutisse o projecto na sua generalidade, e que é esta a primeira vez que peço, se decida, se a materia está discutida. Chamar surpresa ao querer pôr termo a uma discussão sobre a generalidade de uma matéria, que nos tem levado dez sessões, é de certo faltar á justiça. - O Sr. Deputado empregou uma palavra, que é da lógica das sensasões, nunca empregarei eu taes armas, nem quero, nem desejo fallar ou lisongear as massas; não vim aqui adquirir popularidade á custa do bem estar da nação, vim cumprir com o mandato do povo. Não ha pois surpresa, nem precipitação: todos sabem que o Congresso não quer senão acertar; eu tenho sido o primeiro que o tenho dito uma e muitas vezes. O Sr. Deputado dirigio pois muito mal as suas seitas, e dá-se aqui o caso de sagitta versus sagittantem; porque para esse lado as faço voltar com toda a prestesa, e mais fôrça do que ellas trasiam. Agora quanto ao projecto em discussão, que mal ha, ou se póde seguir de que se vote na generalidade? Por acaso o Sr. Deputado quando se tratar da especialidade, não póde apresentar o seu contra-projecto? não tem o livre arbítrio de fazer as substituições, e emendas, que quizer? não estamos nós aqui para as discutir leal e francamente? Quem lho tolhe?... Repito pois, dê-se a palavra a todos os Srs. que estão inscriptos, e vote-se o projecto na generalidade.

O Sr. Leonel: - Eu peço simplesmente que senão entenda de maneira nenhuma, que approvar um projecto na generalidade involve a approvação da especialidade; e a prova disso sou eu mesmo, porquesou um dos membros da minoria da Commissão, que me não conformo com a maioria numa questão essencial, e não obstante hei de approvar o projecto na generalidade, e assim não anprovo a opinião da maioria. e hei de mesmo votar nalgumas cousas contra o que approvei na Commissão, e que a reflexão me fez conhecer não ser o melhor.

Quanto a surpresa, já se disse o que havia a dizer, dez dias é, creio, o que basta para evitar surpresas, porque devemos discutir tudo em mais ou menos tempo, segundo a gravidade das matérias, mas não devemos ficar aqui eternamente; porque tambem temos de dar conta á nação do muito tempo, que gastar-mos com a discussão de qualquer matéria sem precisão. Mas n'uma palavra, não querem que se vote hoje? Pois não se vote; tique para ámanhã, já que o querem. (Uma voz, para que?) Não sei para que; mas se o querem assim, seja.

O Sr. Santos Cruz: - Sr. Presidente, quando eu fallei em surpresa, entendia que pelo menos ella se fazia áquelles que não fatiaram ainda, porque senão tinha sabido a sua opinião: se lhe deram outra interpretação, ella não existia na minha opinião. Disse-se que o meu projecto não era Constitucional, que estabelecia a oligarchia... (não ouvi). Mas se a este corpo senão concede esses poderes extraordinários, aquem ficam? Ao throno. Onde ha mais garantias? Na nomeação popular, ou no throno? Eu quero que, flagrante uma revolta, haja quem possa usar dos meios extraordinarios, estando as Côrtes ausentes; e quem colloca essa faculdade n'uma delegação do povo não faz mal.

O Sr. Costa Cabral: - Será muito para lamentar que tendo esta discussão progredido com tanto sangue frio, hoje appareçam expressões que possam dar motivo a alguns Deputados se julgarem offendidos. Eu sou juiz, e habituado por isso a dar a cada um o que é seu, hei de na presente questão cortar direito: eu reconheço que o Sr. Deputado Santos Cruz empregou expressões que não são muito parlamentares; mas o Sr. Deputado, que o combateu tambem não as empregou mais parlamentares! Não me posso conformar com o Sr. Cruz em quanto diz, que o requerimento que fez o Sr. Midosi seja tendente a conseguir uma decisão precipitada e com surpreza; assim como tambem sou de parecer que taes palavras são pouco parlamentares, e principalmente applicadas á presente questão que dura á muitos dias; mas não posso admittir igualmente que o Sr. Deputado, que combateu o Sr. Santos Cruz, fosse muito parlamentar em quanto disse, que elle não vinha aqui para fallar ás massas: perdõe-me o Sr. Deputado, (a quem muito respeito) esta expressão póde tambem de alguma maneira dirigir-se aos Deputados, que teem impugnado o parecer, Sr. Presidente: os que tem impugnado o parecer, indo assim mais conforme com a causa popular, não o tem feito para fallar ás massas, mas sim porque esses são os seus principios, e por que assim julgam fazer melhor a felicidade da sua patria: (apoiado, apoiado) não entro em mais explicações para não continuar-mos em uma questão que seria pouco agradavel. Sobre a questão de ordem, eu sou um dos que tenho impugnado o projecto, e não posso ser suspeito n'essa parte: eu tambem julgo que tudo que hoje se possa dizer ha de ser uma repetição; mas tambem não posso querer que sejam privados de fallar, os que estiverem nos termos do regimento; e então lembrava-me de propor um meio que conciliaria tudo, porque me parece que todos estão conformes no principal, e que apenas se discorda em uma pequena cousa. A maior parte dos Srs. Deputados sustentam o parecer, e tem por isto acontecido que faliam cinco, e seis sustentando o parecer da Commissão, em quanto só falla um para o impugnar: isto é que eu julgo desnecessario; e então seria conveniente convidar os Srs. que tem a palavra a dizerem se querem fallar pró ou contra, e fallarem alternadamente; no estado em que está a discussão, creio que seria o meio de abbrevia-la: lembro isto a V. Exa. para o propôr ao Congresso, e seguir-se no decurso da presente discussão, se assim fôr julgado conveniente.

O Sr. Presidente: - O que é verdade é, que esta questão d'ordem fez que não acabasse a questão; porque não havia com palavra se não o Sr. Rebello de Carvalho, e o Sr. Salazar: o Sr. Santos Cruz tambem a pediu, mas pela tercei-

Página 169

(169)

ra vez, e então se se tivesse continuado a dar a palavra a para estes Srs., a questão teria acabado.

O Sr. Gorjão Henriques: - Sr. Presidente, são só dous Srs. que teem a palavra; elles certamente não a pediram para mera ostentação, e o fizeram sem duvida, porque pertendem produzir suas idéas e motivar seus votos; teem direito a serem ouvidos n'uma discussão, em que desde o principio se disse, que havia dar-se a palavra até ao ultimo que a pedisse; esta se tem hoje manifestado ser a vontade do Congresso, é esta a prometa que V. Exca. fez á face do mesmo Congresso (apoiado, apoiado): ganha-se muito em observar insto, ao passo que se observa a lei da igualdade: supponhamos mesmo que o Sr. Santos Cruz insiste pela sua palavra que pediu, apezar de a ter pela terceira vez? Por que lhe não ha de ser concedida, assim como foi ao Sr. José Estevão, aquem este Congresso unanimemente concedeu por proposta a V. Exca. fallar já terceira vez sobre esta materia? (apoiado, apoiado.) Até mesmo para evitar o que succedeu com a discussão das leis da dictadura, que apesar de estarem tanto tempo em discussão, muitos Srs. Deputados lamentaram depois não se ter concedido a palavra a vinte e tantos que a haviam pedido, o que deu motivo a ser por muita gente taxada de precipitação a exclusão de fallarem tantos illustres oradores, e a votação sobre materia de tanto interesse e transcendencia (apoiado). Ora bem, parece-me por consequencia, que se devem ouvir os poucos Srs. que restam a fallar. Isso será provavel que não influa muito em demora para terminar-se a discussão; e quem sabe se algum dos illustres oradores apresentarão alguma idéa nova, ou pelo menos que accrescente mais vigor á convicção estabelecida em cada um, o que é bem de esperar? (Apoiado.)

O Sr. Presidente: - O requerimento do Sr. Midosi é mal entendido: elle não propunha que se negasse a palavra; era uma prorogação da sessã até se decidir a questão.

O Sr. José Estevão: - Creio que o Congresso está conforme em que se não feche a discussão, sem terem fallado os Srs. que teem a palavra; e se o não estivesse ainda, esta-lo-ia agora lembrando-se de que o Sr. Gorjão tem ainda a palavra.

O Sr. Gorjão: - E' para uma explicação.

O Sr. Rodrigo Salazar: - Toda a questão versa sobre a economia de tempo; e eu pela minha parte jámais concorrerei para que elle se desperdice. Sou um d'aquelles, aquem está reservada a palavra para fallar sobre a matetia, mas não tenho grandes desejos disso; porque sei que ella está inteiramente esgotada. Basta-me que declare, que sou um d'aquelles, que pertencem ao pequeno numero dos espartanos. Desta sorte tenho declarado o meu voto, e me sugeito a toda e qualquer resolução do soberano Congresso.

O Sr. Silva Sanches: - Era para pedir, que se continue a dar a palavra aos Srs., que a tem; e que quando der a hora se poderá então decidir se é preciso prorogação. (Apoiado, apoiado.)

O Sr. Midosi: - Desde que eu fiz o meu requerimento, tem mediado com esta questão essa hora que eu queria aproveitar: as minhas intenções, apesar de serem explicadas vocalmente, e por escrito, tem sido postas em duvida, e as minhas palavras invertidas, não sei o porque. A unica cousa que requeiro agora, é que se me permitta retirar o meu requerimento, para terminarem todas estas duvidas.

O Sr. Deputado retirou o seu requerimento.

O Sr. Rebello de Carvalho: - Sr. Presidente, de todos os trabalhos de que se póde occupar uma assembléa legislativa, nenhum é mais importante, nem exige maior attenção da parte dos escolhidos do povo, do que aquelle pelo qual se trata de constituir ou reformar a lei fundamental do estado. Esta lei, que é, para assim dizer, a móla real da machina social, será perfeita e corresponderá ao seu fim, se, além dos principios e regras geraes de um bom Governo, nella forem attendidas as circunstancias peculiares do povo para que é destinada, o seu estado de civilisação, habitos, costumes, e em uma palavra tudo aquillo que póde exercer mais ou menos influencia na sua marcha governativa. Para ser bom legislador não basta ter conhecimentos de direito publico constitucional, é necessario tambem estar versado na politica, para poder fazer a devida applicação desses principios; não é difficil adquirir a sciencia de direito publico constitucional; porque os seus principios estão pela maior parte gravados na razão do homem, e podem ser estudados e profundados pela leitura dos livros que tratam da sciencia: não acontece porém assim a respeito da sciencia
politica; porque está dependente de conhecimentos especiaes e variados, que só se adquirem pela pratica, experiencia, e pelas mais profundas meditações. Da falta do conhecimento desta sciencia, ou da sua má applicação na organisação
dos governos é que nasceram a maior parte das revoluções, de que estão cheias as paginas da historia, tanto antiga, como moderna. Todas as vezes pois que forem despresadas estas considerações, quando um povo trata de constituir-se, a lei
fundamental que estabelecer encontro a estes principios será inevitavelmente por elles destruida, antes que os possa destruir.

O mandato que nos foi confiado, é o mais augusto, e o mais sublime de que uma nação póde revestir os seus representantes. A nação portugueza conferiu-nos o direito de organisar o seu pacto social; e assim como estes poderes são na verdade grandes e elevados, tambem é grande e elevada a responsabilidade que pesará sobre nós, senão correspondermos cabalmente por nossos actos á illimitada confiança que em nós foi depositada. Felizmente a ordem com que esta questão tem sido tratada, a ampla discussão que tem recebido, as differentes opiniões que tem sido emittidas, e o respeito com que tem sido ouvidas, deve fazer-nos conceber as mais lisongeiras esperanças, que dos nossos trabalhos sahirá um codigo politico, que depois de dezeseis annos de oscillações, porque tem passado este malfadado paiz, assegurará por uma vez a ordem; e a liberdade, resistindo a
quaesquer agitações e combates, que os tempos possam offerecer-lhe; e na verdade muito infelizes seriamos nós, se não nos tivesse aproveitado a experiencia do passado, e perdessemos este ensejo para estabelecer as bases e principios de um governo, que firme, debaixo das mais solidas garantias, os direitos e obrigações dos governantes e dos governados.

Isto posto, vejamos agora se o projecto de Constituição, que se acha em discussão, está em harmonia com estes principios, e conforme com os poderes que se acham nas nossas procurações; porque são estes os dous pontos de vista, debaixo dos quaes deve ser encarado. Eu entendo que elle se acha na sua generalidade em harmonia com os principios que estabeleci; porque alli vejo consignados os direitos imprescriptiveis dos cidadãos, e estabelecidos os poderes politicos do estado com aquella organisação e attribuições, que os principios constitucionaes, e a experiencia nos aconselham, como mais adequados aos fins dum bom Governo: julgo igualmente que se acha conforme com os poderes que nos foram dados pelas nossas procurações; porque alli vejo lançadas em
geral as disposições mais benéficas que se acham na Constituição de 1822, e na Carta Constitucional de 1826. Eu não cansarei a attenção do Congresso com a demonstração analitica do que acabo de asseverar; porque os illustres Deputados que me precederam, e que sustentaram o projecto na sua generalidade, o fizeram com tanta intelligencia e erudição, que seria uma loucura, para não dizer temeridade da minha parte, querer ainda lançar mais luz sobre a materia: e contentar-me-hei com combater uma substituição, que lhe foi offerecida, porque julgo que ainda o não foi cabalmente feito.

Um illustre Deputado pela divisão eleitoral de Thomar offereceu, como substituição ao projecto, a Carta Constitucional de 1826; porém com quanto respeito eu tribute aos seus ta-

Página 170

(170)

lentos, com quanto admire e louve a franqueza, com que emittiu as suas opiniões, permitta-me que lhe diga, que a conclusão que tirou em resultado do seu discurso, não se contém nos principios que estabeleceu. O Sr. Deputado para apoiar a sua substituição leu a fórmula do juramento que prestou, e depois a procuração que recebeu de seus constituintes; ora segundo esse juramento e procuração, que eu tambem passo a ler, elle não estava authorisado a apresentar a substituição, que offereceu (leu). Á vista da letra das nossas procurações, nem se póde tomar a Constituição de 1822 como base unica da nova lei fundamental, nem tão pouco a Carta Constitucional de 1826, mas sim as duas constituições conjunctamente; e como seria difficil discuti-las ambas, sem primeiro ordenar um trabalho que comprehendesse o que nellas havia a aproveitar, nada mais simples nem mais regular do que nomear o Congresso, como nomeou, uma Com missão encarregada de extrahir o que houvesse de bom n'aquellas Constituições, e formar do todo, e do que achasse nas outras Constituições, como praticavel entre nós, um projecto de Constituição. Se o Sr. Deputado acha que o projecto não está redigido segundo as forças das nossas procurações, porque o não combateu? Mas elle não só o não fez, mas antes concluiu o seu discurso por dizer, que se acaso a sua substituição não fosse approvada, votaria pelo projecto em virtude da semelhança que tinha com ella. Por tanto parece-me ter demonstrado que anal e erroneamente foi offerecida a Carta Constitucional de 1826, como base para a nova lei fundamentar; porque segundo os poderes que nos deram nossos constituintes, nem se póde adoptar aquella, como base, com exclusão da Constituição de 1822, nem esta com exclusão d'aquella.

Mais alguma cousa teria a dizer; porém a hora deu, .e não desejo abusar por mais tempo da paciência do Congresso. Voto pelo projecto na sua generalidade, reservando-me por occasião da discussão na sua especialidade dizer aquillo que se me offerecer ácerca de alguns de seus artigos, declarando desde já que não concordo com a organização da Camara dos Senadores tal qual está concebida no projecto, e nesta parte conformo-me mais com o voto da minoria da Commissão: sou de opinião que se conceda ao Rei o direito de dissolução; mas em quanto ao veto, confesso que apezar de ter meditado muito sobre este ponto, são tantos os argumentos que se me offereceu pró e contra, que ainda não pude fixar a minha opinião sobre tal assumpto.

O Sr. Presidente: - A hora deu, não sei se o Congresso quererá prorogar a sessão, ou não; ha para faltar sobre a materia o Sr. Salazar, e o Sr. Santos Cruz, que pediu a palavra pela terceira vez.

O Sr. M. A. de Vasconcellos: - Eu parece-me que o Congresso não ha de querer tratar um Sr. Deputado por maneira differente da que tratou já outros; porque já alguns Srs. Deputados faltaram pela terceira vez; por tanto requeiro que se dê a palavra a todos os Srs. Deputados que quizerem fallar pela terceira, quarta, ou quinta vez; e peço a V. Exa. que proponha a prorogação da sessão: eu declaro que voto contra, porque entendo que d'ahi viria suspresa á votação; e declaro que não tenho nada senão com as cousas: é suspresa para aquelle que não se deixar fallar, e se me tocar essa sorte, eu hei de lhe chamar surpresa, até por obrigação; porque devo ser verdadeiro, e dizer as cousas como ellas se passam.

O Sr. Barjona: - Eu queria sómente dizer que, visto estarem ainda dous Srs. Deputados para fatiar, sendo um delles o Sr. Santos Cruz, que é auctor duma emenda, e póde por tanto fallar terceira vez, esta discussão deve continuar ou hoje ou ámanhã.

O Sr. Barão da Ribeira de Sabrosa: - Sou da mesma opinião do Sr. Barjona; peço a V. Exca. que feche a sessão, e que ámanhã continuemos com a discussão.

O Sr. Presidente: - A ordem do dia para amanhã, é a continuação desta discussão, e se houver tempo, o parecer da Commissão de commercio n.° 20.

Está levantada a sessão: eram quatro horas da tarde.

Descarregar páginas

Página Inicial Inválida
Página Final Inválida

×