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SESSÃO DE 12 DE MAIO

(Presidencia do Sr. José Alexandre de Campos.)

ABRIU-SE a sessão ás onze horas e meia da manha, estando presentes cento e quatro Srs. Deputados.

Leu-se a acta da sessão antecedente, que foi approvada.

Mencionou-se a seguinte correspondencia.

1.º Um officio do Ministerio do Reino a accusar recebida a indicação do Sr. Deputado Rodrigo Joaquim de Menezes, approvada pelo Congresso, em que se, exigia, uma relação nominal de todos os individuos, que tem recebido indemnisações com declaração das quantias recebidas; e a participar que por aquelle Ministerio se officiara ao da Fazenda, para directamente satisfazer á mencionada requisição, por ser este objecto da sua competencia.

O Congresso ficou inteirado.

2.° Outro cilicio do mesmo Ministerio a transmittir alguns papeis ainda relativos á divisão territorial.

Mandou-se á Commissão d'Estatistica.

3.º. Um officio do Ministerio dos negocioos Ecclesiasticos e de Justiça, a participar que remettera ao Ministério do Reino, por ser da sua competencia, o requerimento de Mathias da Costa Pereira, estudante matriculado na Universidade de Coimbra, a pedir ser contemplado com a prestação concedida por lei aos estudantes pobres, e perseguidos por motivos politicos.

O Congresso ficou inteirado.

4.° Outro officio do mesmo Ministerio a enviar uma representação do Juiz de Paz da freguezia de Sines, a expor, os prejuizos, que resultam aos órfãos do seu juizo com a extincção do respectivo Concelho, pela falta de officiaes de diligencias, que alli sirvam de pregoeiros nas vendas e arrendamentos pertencentes aos processos, orfanologicos.

Mandou-se á Commissão de Legislação.

5.º Um officio do Ministerio da Guerra a pedir que o Congresso decida quaes são precisamente os casos, em que o Governo deve conceder o beneficio da carta de lei de 20 de Fevereiro de 1835.

Mandou-se á Commissão de Guerra.

6.° Uma representação da Camara Municipal da villa de Valença do Minho a reclamar contra algumas disposições da pauta das alfandegas, especialmente á cerca do augmento de direitos sobre a introducção do gado vaccum.

Mandou-se á Commissão de Fazenda.

7.° Outra dita da abbadeça e mais religiosas do extincto convento de Santa
Apolonia, recolhidas no convento de Santa Anna desta cidade - a supplicarem remedio prompto e efficaz, para serem soccorridas com as prestações, que lhes são devidas, a fim de não morrerem de fume.

Mandou-se á Commissão de Fazenda.

O Sr. Vice Presidente: - O Congresso tinha decidido na sessão passada, que logo depois de lida a correspondencia, se entraria na ordem do dia; entre lauto ha um parecer da Commissão d'Estatistica, que me parece se poderá ler já, assim como creio que será conveniente dar a palavra a -alguns Srs. Deputados que a pediram sobre objectos urgentes. (Apoiado.)

(Os Srs. Gorjão e Costa Cabral pediram a palavra.)

O Congresso manifestou convir nesta ordem; pelo que foi lido o seguinte

PARECER.

A Commissão d'Estatistica, tendo em consideração o requerimento de alguns dos habitantes do extincto concelho da Villa da Figueira, incorporada em o concelho de Aviz, pertencente ao 14.° districto administrativo (Portalegre) que pede regressar á cathegoria de concelho formado da sua unica freguezia, como era, allegando a muita antiguidade desta cathegoria, e a distancia, em que se acham da capital d'Aviz, a que foram annexados pela nova organisação; observa a Commissão que a população desta freguezia não chega a cem fogos, e que por consequencia não está nas circunstancias de ser attendida a sua pertenção. Casa da Commissão, em 21 de Março de 1837. - Marina Miguel Franzini; Macario de Castro; Joaquim Pompilio da Motta; Antonio Joaquim Duarte Campos; José Maria de Andrade; José Victorino Freire Cardoso; José Ignacio Pereira Derramado.

O Sr. Costa Cabral: - Ha dias ouvi fazer uma accusação muito forte contra o actual poder judicial, por não cumprir seus deveres, conservando pretos por mais de dous annos sem fazer progredir os respectivos processos. Este procedimento pareceu-me atroz, duvidei e elle; entretanto é verdadeiro. O commandante do corpo, que substituiu abrigada da marinha forneceu-me uma prova disso: o soldado n.° 120 da mesma extincta brigada, por nome José Maria, acha-se preso á ordem de um dos juizes de policia coreccional desde Julho de 1833, sem que até ao presente se lhe tenha formado processo, nem declarado o motivo da sua prisão. Por ora não entro na analise delle facto, mas se é verdadeiro, como parece, é atroz; nada ha que possa justificar um juiz, que tem um homem preso de tres a quatro annos sem lhe formar processo. Faço por tanto este requerimento. - Leu-o, e ficou para segunda leitura na Sessão seguinte.

O Sr. Gorjão: - Sr. Presidente; pelo que vou expor a este Congresso conhecerá se é, ou não de urgencia o objecto da minha moção. - Não foi sem motivo bem justificado que eu na sessão de 5 do corrente interpellei a Commissão de Estatistica para com urgência apresentar o seu parecer sobre as freguezias desannexadas do concelho de Abrantes, porque eu fiz então ver o estado, a que tinha chegado o desgosto e o perigo de comprometimento da tranquillidade, e segurança daquelles póvos não foi tambem sem urgente necessidade que eu na sessão de nove pedi que se me permittisse usar da palavra, que pedira antes para quando estivesse presente o Sr. Ministro do reino, e que, sendo-me depois ella negada, eu roguei a sua Exca. me ouvisse no corredor immediato, pois era urgente o negocio, que tinha a propor. - Eu previa bem os resultados de qualquer demora, e desgraçadamente apezar de sua Exca. me dar então uma nota que logo remetti em carta minha ao administrador geral de Santarem, esses resultados, que eu temia, se verificaram em parte: Sr. Presidente, eu tenho nesta carta uma triste prova. Aquelles povos, que ha tanto tempo tinham requerido ao Soberano Congresso sua justiça, e para elle appellado dos males causados pelo decreto da nova organisação estatistica receberam com o maior enthusiasmo a noticia de que o Congresso lhes havia deferido: este enthusiasmo não se póde igualar nem descrever - as acclamações, as bençãos ao soberano Congresso, onde elles diziam haver a balança de justiça no meio dos pais da patria, resoavam entre os repiques de sinos, e luz das luminarias, entre os foguetes, entre os bailes de homens, mulheres, e creanças, em fim foi uma occasião de festa e prazer, como se diz talvez não apparecer outra, entre os bons, innocentes, e honrados aldeões; mas Sr. Presidente, o que foi o dia seguinte, que scena de horror, de desolação e lagrimas! - Oh vicissitude dos acontecimentos humanos! Antes de esboçar este quadro melancolico, e revoltante, eu devo fazer algumas reflexões, que muito influem na escolha do colorido do mesmo quadro. - Foi na sessão de 5que se decidiu aquella questão, foi em uma sexta feira; e na segunda seguinte se recebeu em Abrantes, Constancia, Thomar, e em a maior parte das terras do reino os periódicos das quintas, sextas, e sabbados, assim aconteceu alem das noticias particulares por ruim mandadas, e pelo meu nobre collega o Sr. Raivoso; o correio não falhou, os ad

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ministradores geraes, e os administradores dos concelhos das pertenções certamente tiveram noticias desta resolução, porém não obstante isso uma força composta d'uns 200 a 300 homens das guardas nacionaes de Constancia, e Thomar, e alguns lanceiros marcharam, segundo se affirma, debaixo da direcção da influencia da authoridade administrativa do concelho onde mais confiança, empenho e rancor tem apparecido contra os póvos, que não queriam unir-se-lhes passou esta força a invadir a freguesia da Aldeia do Matto, cujos habitantes se tinham sempre tranquillisado pelas recommendações minhas, do Sr. Raivoso, e muito particularmente pelas dos illustres membros daquella Camara municipal de Abrantes. Esta mesma Camara, honra lhe seja, deu logo todas as providencias, para que os póvos soubessem da sua feliz sorte, mas sabia e providente recommendou logo toda a moderação, e que em algum caso occorre se não praticasse resistencia de desordem alguma - em 3
divisões militarmente distribuidas se fez o ataque daquelle freguesia, e os povos que podiam anniquilar seus invasores em um sitio, que tanto praticamente conheciam, e que pelos eus dilatos espessos matos, e elevados outeiros lhes prestava tantos recursos: que fizeram, Sr. Presidente, que fizeram estes honrados, e leaes habitantes? Eu o digo em virtude dos concelhos da Camara municipal: deixaram suas moradas, e como se fossem acommetidos por Vandalos, ou novos Remedios, se refugiaram nos mattos! - tudo foi abandonado, nem os oppressores, nem por verem tal comportamento se abstiveram de procedimentos hostis, e estando só mulheres e creanças, os invasores empregaram suas balas nas gallinhas, e animaes, com mais segurança certamente do que ofariam contra homens robustos, e montanhezes corajosos, que dantemão se haviam preparado para a defeza, se esta lhes não tiveste sido dissuadida antes. - Um casal de uma triste viuva, que fugiu, foi invadido, assolado, e dizem depredado, e a final incendiado!!! Um pinhal teve a mesma sorte, além de tantas Violencias praticadas! E com tal victoria se retiraram ufanos os immortaes vencedores. - Sr. Presidente, illustre Congresso, eis aqui como se nos inspira amor às leis, ou a um governo, que tem proclamado a sua marcha pela justiça, e moderação; isto era bem de esperar quando se mandam povos que estão em antipathia decidida de debelar uns aos outros; que é isto senão atiçar a guerra civil; promover que as leis de propriedade, e inviolabilidade de direitos do cidadão sejam calcados aos pés? Que não hajam de facto garantias algumas ao cidadão? E pergunto a final se com isto se consegue o fim? Se é á espada, á lança, e a tiro que se obriga um povo a pagar decima, a comparecer em eleições, e a receber editaes das anthoridades? - Sr. Presidente, o meu coração está muito aditado, eu sinto uma com moção, que me não deixa progredir, nem será necessario mais... Não necessito ler a carta, nem posso; eu vou fazer o meu requerimento para que o governo faça sustar, e não deixe repetir taes procedimentos, e que se informe escrupulosamente sobre taes acontecimentos para castigo do despotismo, e da invasão da liberdade e segurança dos portuguezes - Eu advogo a causa dos povos do concelho, a que pertenço; muito me condoo da sua sorte; mas com a sua causa advogo a de toda a nação, e de toda a humanidade. (Apoiado, apoiado.)

O Sr. José Estevão: - Como parte deste negocio é comunicado por cartas, e como é certo que não é só o Sr. Deputado, que póde receber cartas de Thomar, tenho eu uma na minha mão, tambem dalli recebida, que sobre os excessos e horrores com mettidos pela tropa, diz isto: - Todo o povo fugio á aproximação da tropa mas tenho a consolação de que nem algumas mulheres, que ficaram, foram levemente desattendidas, nem houve o menor roubo.

Depois continua acarta, fallando ainda deste negocio, e assim os exprime: - E bom que daqui, por diante não mande a estas diligencias Guardas Nacionaes, porque os povos ficam assim em rixas uns com os outros, e muitos mais insinuem a um Sr. Deputado que não ande altanando esta gente, promettendo-lhe mundos, e fundos guando elle fôr ministro do reino, o que annuncia que está para breve.

O Sr. Derramando: - Esta questão não deve progredir.-

O illustre Deputado concluiu apresentando um requerimento; este ha de amanha- ler segunda - leitura; então se tractará da sua materia. Rogo portanto a V. Exca. queira pôr um termo a esta discussão, porque póde ter muitos inconvenientes, sobretudo no momento actual. (Apoiado.)

O Sr. Cesar de Vasconcellos: - Eu seria da opinião do illustre Deputado, que acaba de fallar, se o Sr. Deputado auctor do requerimento se tivesse limitado a apresenta-lo, e não tivesse feito algumas reflexões ácerca da materia delle.

Por tanto eu sómente direi alguma cousa para fazer desapparecer qualquer máo conceito, que em consequencia daquellas reflexões se houvesse de formar, dos cidadãos da Guarda Nacional de Thomar, que foram empregados naquella diligencia. Póde bem ser que dons ou tres homens, que se achassem na expedição, mas sem pertencerem a nenhum dos contingentes de Guardas Nacionaes, fizessem todos esses disparates, e desordens, de que fallou o Sr. Deputado secretario entretanto o que posso asseverar, é que da Guarda de Thomar foram 120 homens, que se portaram com a maior regularidade e disciplina que é possivel encontrar-se em corpos de semelhante natureza. Não nego os factos relatados pelo illustre Deputado, porque foram guardas, pequenas de diversas povoações, e não sei o que fizeram; mas o que assevero ao Congresso, torno a repeti-lo, é que os de Thomar se portaram dignamente, devendo-se aquella força talvez o não haver maiores desordens; e eu sei que até muito sentiram ser empregados em semelhante commissão, e por isso diligenciaram quanto lhes foi possivel fazer menos odioso o resultado de operação. - Pedi a palavra para, fazer esta declaração, que devo não só á verdade, mas tambem á consideração, que tenho pelos honrados cidadãos, que compõe a Guarda Nacional de Thomar.

O Sr. Vice-Presidente: - O requerimento do Sr. Gorjão ha dizer segunda leitura na sessão seguinte, então se poderá discutir, mas não agora: esta é a ordem do Congresso, que só elle póde alterar. Vou por tanto propor se se deve discutir hoje, ou se deve ficar reservado para a sessão de amanhã, segundo a disposição estabelecida.

Resolveu-se pela ultima alternativa.

O Sr. Raivoso: - Não tenho a contradizer nenhuma das cousas, que se tem dito........(Rumor) Se não posso fallar......(Vozes: - Falle, falle.) Os factos ponderados pelo Sr. Gorjão são verdades; e tambem o são o que acaba de dizer o Sr. Cesar. A Guarda Nacional de Thomar não só se portou bem, mas é ao major da mesma Guarda, a quem se deve o não terem havido maiores irregularidades: o caso felizmente não tem transcendencia, porque acabou o motivo, visto que a esta hora já se lá sabe que aquellas freguesias pertencem ao termo d'Abrantes o que augmentou a quisilia daquelles povos não é culpa nossa. - Pedi a palavra para fazer saber ao Congresso, que quando pedi a discussão do parecer da Commissão d'Estatistica, já eu tinha razões para saber que se preparava uma crusada, e queria evitar desordens nas freguezias visinhas, como todos nós desejamos: a minha proposta não tinha outro fim senão ter mão na anarchia, e agora se vê que pedi a urgencia da decisão daquelle parecer com muita razão. Escrevi no Sabbado para Abrantes, dizendo o que se tinha passado aqui, e não sei a razão, porque se não attendeu às minhas cartas, que costumam sempre conservar a verdade. Em fim o resultado mostra que eu não enganei o Soberano Congresso, quando mostrei algum receio na demora da sua decisão.

O Sr. Vice-Presidente: - O requerimento ha de entrar

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ámanhã em discussão, e por isso não póde continuar a tractar-se agora d'elle.

O Sr. Gorjão Henriques: - Peço ao Congresso me, permitta que em duas palavras eu dê uma, explicação: é da minha honra; e o não conceder-se-me seria para mim bem desgostante: eu o farei com toda a moderação.

O Sr. Vice-Presidente: - Segundo a ordem do Congresso, as explicações devera ter logar no fim da discussão, a do requerimento deve ser, ámanhã.........entretanto eu proporei ao Congresso.

Assim o fez S. Exca. e se resolveu que o Sr. Gorjão désse hoje mesmo a sua explicação; teve então a palavra para esse fim, e disse.

0 Sr. Gorjão Henriques: - Insisti por dar agora mesmo uma explicação, e certamente se o Congresso me não permittisse, como tão generosamente acaba de o fazer, eu não sei em que circumstancias se constituiria a minha pessoa,
negando-se-me o que imperiosamente demanda a minha honra como homem é como Deputado. Eu não attribui culpabilidade alguma designadamente á guarda nacional de Thomar, de cuja probidade muito, me convenço; eu mesmo a não attribui a alguém de todos os outros corpos, que fizeram parte da expedição; narrei o facto, e disse que a força se compunha tambem de individuos da guarda nacional, de Thomar: - a informação justificará, ou culpará: - com isto respondo ao illustre Deputado o Sr. Cesar de Vasconcellos, e o Congresso todo é testemunha.(Apoiado, apoiado.) Agora com bastante emoção, se bem que muito prudentemente, não posso deixar de dizer, que me acho um tanto magoado de que o illustre Sr. Deputado por Aveiro lêsse bem, escusadamente uma parte da sua carta, vinda segundo entende de Thomar (o que eu não fiz á que tenho diante), em que alludindo a mim, como deixaram ver as maneiras do illustre Deputado nesta occasião, e o contexto da sua carta, se me attribue que eu quizera captar a benevolencia daquelles povos, e que lhes fizera promessas para quando fosse Ministro, ou não sei que. - Sr. Presidente, de quem, quer que fôsse a correspondencia do illustre Deputado, eu já declaro que é um vil, mentiroso, se suas expressões com effeito me tem por abjecto, e que elle não será capaz, nem pessoa alguma do mundo de mostrar uma só phrase minha escripta, nem apontar um só individuo, a quem eu dissesse, ou escrevesse cousa parecida com isso. - Sr. Presidente, eu declaro á face de toda a nação que a qualidade, que me adquiriu os votos de meus concidadãos, foi certamente sobre todas a da minha independencia. - Sei contentar-me com o pouco, que tenho; e não é a meu ver o fastigio, ou o exterior, duma situação eminente, quem adquire bom nome ao homem: eu já respondi aos meus amigos, e aos meus inimigos que só, quero o bem da minha pátria, que não sirvo homens, nem miro ou beijo os rastos do poder, que não mendigo condecorações, e muito menos interesses, e devorismo: - outro tanto não farão os meus detractores. - Os meus constituintes bem me conhecem, e como poderia, eu debil Deputado, mas que tenho manifestado bem as minhas opiniões a respeito do actual exercicio do poder, e da mesma revolução de Setembro, que a não lisongeio, e colloco só no logar detido: como poderia eu, digo, fazer parecer que espero ser elevado? Que incoherencia! - Que calumnia vil, e estupida !! Mas não é só Agora, eu já declarei por vezes que quaesquer que fossem os acontecimentos futuros, por mais serviços que eu tivesse a ventura de fazer ao meu paiz, e que mesmo, eu tivesse as luzes, e todas as partes necessárias para entrar na direcção dos negocios governativos, e que qualquer recompensa, ou
emprego me fosse proposto, eu mostraria fazer consistir a minha maior gloria em ser sempre credor, e não devedor por compensação, recebida: eu não tenho caracter de atraiçoar as minhas expressões com o meu comportamento posterior; sou portuguez, e fallo claro, e alto: - ninguem me verá, pedir ao poder,- e sempre advogar contra suas invasões, a causa da liberdade da minha patria, e defende-la com o meu braço em quanto elle tiver vigor. (Apoiado geral).

O Sr. Costa Cabral: - Parece-me que não havia motivo, para que o Sr. Deputado desse semelhante explicação. O Sr. José Estevão fallou n'um Deputado; e se o Sr. Gorjão tem motivos para se persuadir que aquella referencia se lhe dirigia, qualquer outro poderia dizer o mesmo .... (Rumar). Peço a V. Exca. ponha termo a esta questão, porque não ha logar nenhum para que possa continuar.

O Sr. Vice-Presidente: - A questão já está terminada por uma resolução do Congresso.

O Sr. José Estevão: - Pergunto se eu, ou outro qualquer Deputado, está privado, do direito de communicar ao Congresso, o que se lhe escreve em uma carta? Tenho visto faze-lo algumas vezes, e julguei que tambem me era permittido faze-lo...

O Sr. Vice-Presidente: - O Sr. Deputado estava no, seu direito, e tanto que; ninguém o chamou á ordem.

O Sr. José Estevão: - Vi que um Sr. Deputado estranhou que eu tivesse dito aquillo, que se tinha escripto em uma carta, (o Sr. Gorjão: - Em parte) tendo o mesmo Sr. Deputado, referido aqui muitas vezes, o que se lhe disse em cartas... (Susurro).

Vozes: ordem do dia.

O Sr. Barão da Ribeira de Sabrosa: - Peço licença para apresentar um requerimento do povo de Aguim, freguezia de S. Pedro de Tamengos da comarca de Coimbra, sobre divisão de territorio. Este requerimento foi-me enviado por um dos mais, illustres Deputados, que em 34 tomaram assento nas Cortes, e, por isso não posso deixar da o recommendar á Commissão de Estatistica. Outro dos habitantes do concelho de Pêso da Regoa, pedindo a instituição de um banco, que possa proteger a agricultura dos vinbos do Alto-Douro: providencias, sem, as quaes aquelle ramo de cultura acabará.

O Sr. Barjona: - Tenho a honra de participar a este Congresso, por parte da Commissão d'administração publica, que hontem, quando se reunio, tomou em, consideração os projectos do Sr. Macario, de Castro, e do Sr. Rebello de Carvalho; mas assentou que não devia progredir, mais em semelhante objecto em quanto este Congresso não desse a sua decisão sobre o requerimento do Sr. Conde da Taipa ácerca da nomeação da, Commissão especial.

O Sr. Macario de Castro: - Era sobre este objecto que eu queria chamar a consideração do Congresso. Eu sabia que a Commissão tinha sobreestado nos seus trabalhos a tal respeito por causa da moção do Sr. Conde da Taipa; era a resolução desse requerimento, que eu pedia, e que fé tomasse, em consideração, que uma tal nomeação atrazaria os trabalhos, parque a Com missão de administração publica já tem tomado conhecimento destes dous projectos, e está no caso de poder dar o seu parecer. Na Commissão de legislação está um outro projecto meu, que tem tambem sido tomado em consideração pela Commissão de legislação; e por isso uma nomeação de outra Commissão não faria senão inutilisar os trabalhos, que já estão feitos; e esta indicação, feita com a maior boa fé do Sr. Conde da Taipa não faria senão paralysar esse negocio, que eu tenho querido adiantar, bem como S. Exca. mas a falta de combinação longe de fazer marchar no caminho, que elle desejava, tende a retardar esse negocio. Peço a V. Exca. que consulte, o Congresso sobre a nomeação daquella Commissão, para que, quando o Congresso resolva pela negativa, as Commissões possam trabalhar nos projectos. Ainda pediria mais ao Congresso, que me deixasse ler duas linhas de uma carta dum administrador geral da provincia da Beira Alta sobre o meu projecto (leu). E um administrador geral, que me diz isto; que com aquelle projecto se responsabilisa, que o seu districto ha de entrar em ordem dentro em 3 mezes.

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O Sr. Rebello de Carvalho: - Sr. Presidente, prece-me que o melhor meio de resolver esta questão era V. Exca. mandar ler o requerimento, que está na mesa se for rejeitado termina a questão.

Leu-se.

O Sr. Vice-Presidente: - Este requerimento teve primeira leitura, segue-se a segunda mas se o Congresso quer está em discussão.

O Sr. Lopes Monteiro: -- Esse requerimento não deve entrar em discussão, porque não está presente o seu author: seria uma delicadeza esperar que elle estivesse presente; eu queria impugna-lo, porque me não parece conveniente, que se crie uma nova Commissão para tractar objectos já affectos a outras Commissões creadas e que já tem sobre elles trabalhado.

Vozes: - Está o requerimento dado para hoje se discutir seu author devia estar presente.

O Orador: - Sei isso muito bem; mas o author do requerimento pode estar legitimamente impedido a minha lembrança parecia-me ser conforme ao regimento Interno, e á civilidade.

O Sr. Rebello de Cavalho: - Eu pedia a palavra sobre a materia do requerimento, e não posso deixar de impugna-lo, concordando nesse objecto com a opinião do Sr. Macario de Castro. São dous os projectos, de que tracta o requerimento; um sobre a organisação de uma força de segurança publica em cada districto administrativo do Reino, o outro sobre a dispensa da ratificação de pronuncia noa crimes de maior gravidade. Emquanto ao primeiro, está na Commissão de administração publica para dar o seu parecer, e existe na mesma Commissão um projecto meu sobre o igual assumpto. Qualquer que seja a Commissão encarregada de dar o seu parecer sobre aquelle projecto deve tomar em consideração tambem o meu; mas não posso deixar de votar contra a nomeação de uma Commissão especial, não só porque a Commissão de administração publica já tem tomado conhecimento daquelle negocio, e eu confio muito dos membros que a compõe, mas porque o meu projecto versa uma resolução, que participa mais de administração do que de outro qualquer ramo visto que tenho a crear uma força de guarda municipal em cada districto, em razão de não poder crear-se em cada concelho. Por concequencia quanto a essa parte opponho-me á nomeação de uma Commissão especial.

Agora em quanto ao outro projecto sobre a dispensa da ratificação de pronuncia nos crimes de maior gravidade tambem me opponho á nomeação de uma Commissão especial, porque aquelle projecto foi á Commissão de legislação, e acho que ella é a mais competente para dar o seu parecer sobre elle. Voto por tanto contra o requerimento.

O Sr. Midosi: - Abundo nas opiniões dos dous illustres preopinantes que me precederam e accrescentarei que se se nomeasse uma Commissão especial importava isso nada menos que uma censura á Commissão de administração que em consciencia entendo que não merce sénão elogios, e os nossos agradecimentos pelo zelo que tem mostrado. Ella está sobrecarregada de trabalhos que não tem podido apresentar, apezar de numas reuniões que eu tenho até sido testemunha ocular, porque algumas dellas hão tido logar nas visinhanças da casa em que habito e algumas d'essa reuniões durarma até á uma hora da madrugada. Não póde pois nem deve ser censurada á Commissão e menos ainda convirá nomear-se uma Commissão espacial para tractar disso, além do que cumpre observar, que os membros da commissão de administração publica são os que reunem mais somma de conhecimentos necessarios e especiaes, e por isso tem a responsabilidade do melhor desmpenho a seu favor. Rejeito por tanto o requerimento.

O Sr. M. A de Vasconcellos: - Pela minha parte, que me toca, como membro da Commmissão de administração publica agradeço muito aos illustres Deputados, que não me precederam, o bom conceito, que fazem de todos os membros d'essa Commissão, mas não posso deixar de approvar o requerimento, que pede a nomeação de uma Commissão especial: Pela minha parte para que eu me julgue incapaz para trabalhar em qualquer materia, basta que haja um único individuo nesta casa, que não goste de que eu trabalhe nella, e então declaro que é a primeira razão que tenho para trabalhar em semelhante projecto.
Por outro lado a Commissão de administração publica está sobrecarregada de muito trabalho está incumbida do orçamento mais extenso, mais complicado, e talvez mais importante de toda a administração publica, a Commissão tem trabalhado em muitas sessões, e em verdade muito pouco tem adiantado, em proporção de muito que lhe resta a fazer tem outros trabalhos encarregado á sua gerencia e todos superiores ás minhas forças, ás dos outros não sei mas ás minhas de certo; por tanto apoio o requerimento, e julgo que há de ser de proveito, não só para a brevidade do negocio, mas para a boa decisão delle, que se nomeie uma Commissão especial, porque a Commissão de administração publica já teve desgraça de ser arguida de morosidade sem culpa nenhuma, e até tendo feito saber a alguns Srs. Deputados, interessados no andamento d'esses projectos, o estado em que estavam, tendo convencionado com o Sr. Deputado tractar d'esse negocio no primeiro dia de sessão; não obstante tudo isto foi arguida asperamente. Eu, Sr. Presidente declaro que neste negocio não torno mais a soffrer arguições, e peço ao Congresso, que approve o requerimento porque assim será o n3egocio mais bem decidido, ficando desde já certo que, se se não approvar o requerimento pedirei ao Congresso a graça da minha exoneração da Commisssão de administração publica.

O Sr. Macario de Castro: - Se se tractasse aqui de sobrecarregar a Commissão de administração publica de trabalhos novos, podia o Sr. Deputado Membro d'ella vir pedir ao Congresso, que a Commissão não podia sobrecarregar-se de maiores trabalhos mas ainda ahi se podia dizer que todas as Commissões estão sobrecarregadas de trabalho e que essa Commissão nova há de tirar Membros das outras Commissões e por consequencia não diminue o encargo d'esses Membros, mas aqui não se tracta de3 um trabalho novo, mas de um trabalho que já está começado e que como o Sr. Deputado acaba de dizer, já estava para ser decidido na primeira sessão da Commissão tinha tomado conhecimento d'elle para dar a sua opinião sobre os dous projectos em questão; por consequencia não póde ser admittido o requerimento pelo Congresso, que deseja, como eu desejo toda a promptidão da decisão, que se não obtera remettendo-o a uma nova Commissão que há de tomar conhecimento agora do projecto quando a Commissão de Administração publica já o tomou: Ora quanto á censura da minha parte não creio que fizesse censura á Commissão sómente na sessão de quarta feira pedi á Commissão que se encarregasse d'aquelle objecto, primeiro que tudo; e pedi isto com tanta mais razão, que sabia que a Commissão estava sobrecarregada de trabalhos, e então não podia escandalisar nenhum dos seus Membros: vim pedir-lhe que desse preferencia áquelle projecto é o motivo por que fiz este pedido era pela carta que tinha recebido, e que acabei de ler. Por consequencia julgo que não é possivel admittir o requerimento do Sr. Deputado; e mesmo em quanto ao que disse o Sr. Deputado, que não desejava trabalhar em negocio, em que um único Mnebro d'este Congresso fosse de opinião divergente, elle vê ao contrario que os dous authores dos projectos desejam muito, e tem mostrado muita vontade que a Commissão de Administração publica tome conhecimento d'elles. Por tanto peço que o requerimento do Sr. Conde da Taipa seja rejeitado, e que as duas Commis-

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sões, a quem estão affectos os projectos de lei, apresentem o seu parecer, o mais breve possivel.

Vozes: - Votos, votos.

Julgada a materia assaz discutida foi rejeitado o requerimento do Sr. Conde da Taipa.

O Sr. Rebello de Carvalho: - Como o Sr. Deputado, Membro da Commissão d'Administração publica disse, que se fez uma censura á Commissão, por não ter apresentado o seu parecer sobre os projectos, pela minha parte direi, que não fiz censura alguma á Commissão, e uma prova d'isso é que, tendo o meu projecto sido apresentado ha dous mezes, hontem foi a primeira vez, que levantei a voz para pedir que a Commissão desse o seu parecer sobre elle; por tanto não fiz censura alguma.

O Sr. José Caetano de Campos: - Por parte da Commissão de redacção vou a ler a redacção dos seguintes projectos de lei (leu.) Este projecto de lei tem por fim converter em inscripções de 4 por cento mil contos de réis da quantia, que á Fazenda Nacional deve á companhia dos vinhos do Porto; mas antes de ler a sua redacção parece-me necessario dar um pequeno esclarecimento. A companhia dos vinhos do Porto dirigiu ao Congresso um requerimento, em que dizia, que ella era credora ao Estado de 1206 contos, entrando nesta somma 500 contos com vencimento de juro de 5 por cento, e 769 sem vencimento de juros; e pedia que se lhe desse em pagamento inscripções de 4 por cento pelo seu valor ao par da quantia de 1000 contos, sendo 400 contos por conta dos 500 que vencem o juro de 5 por cento, e 600 contos por conta da divida, que não vence juro. A Commissão de Fazenda, dando o seu parecer sobre este requerimento, julgou que devia aproveitar a proposta da companhia dos vinhos do Douro e nesse sentido redigiu o seguinte projecto de lei, que foi Aprovado -(Leu)

Neste projecto porém esqueceu mencionar, que devem entrar nesta operação 400 contos da divida, que vence juros; e por isso a Commissão de redacção, julgando que esta é uma das condições essenciaes da proposta da companhia dos vinhos do Douro, fez della expressa menção na sua redacção. - Leu e mandou para a mesa.

O Sr. Vice Presidente: - A Commissão de redacção apresenta os seguintes projectos de lei.

As Cortes Geraes Extraordinarias e Constituintes da Nação Portugueza Decretam o seguinte:

Artigo 1.º É dispensado do acto de representação José Maria Baldy , estudante da faculdade de mathematica da Universidade de Coimbra.

Art. 2.° Ficam derogadas, para este caso sómente, as leis em contrario.

Palacio das Côrtes, em 12 de Maio de 1837. - Paulo Midosi, José CaetaNO de Campos, Antonio Dias d'Oliveira.

O Congresso approvou a redacção sem discussão.

As Côrtes Geraes Extraordinarias e Constituintes da Nação Portugueza Decretam provisoriamente o seguinte:

Artigo 1.º São dispensados de pagar as matriculas e compendios os estudantes militares, que actualmente frequentam as aulas da Universidade de Coimbra, do collegio das artes, e dos estabelecimentos de Instrucção superior do reino, e os quaes andavam matriculados em qualquer dellas, antes do usurpador se acclamar rei, e fizeram parte do Exercito Libertador, ou não poderam fazer parte do mesmo Exercito por serem presos, ou por qualquer modo perseguidos por sua adhesão á Causa da Patria.

Art. 2.° O beneficio desta lei não comprehende as matriculas, que tiverem de pagar por annos anteriores ao de 1828 aquelles estudantes; que passarem á classe de ordinarios nas faculdades, em que esta passagem é permittida.

Art. 3.º Fica derogada a Legislação em contrario.

Palacio das Cortes, em 12 de Maio de 1837. - José Caetano de Campos, Antonio Dias d'Oliveira, Paulo Midosi.

O Congresso approvou a redacção sem discussão.

As Cortes geraes extraordinarias e constituintes da Nação Portugueza decretão o seguinte:

Artigo I. Fica o Governo authorisado para converter em Inscripções de 4 por cento, por seu valor ao par, a quantia de quatrocentos contos de reis da divida já liquidada, por que a companhia dos vinhos do Porto é credora a fazenda nacional, com o vencimento de juro de 5 por cento.

Art. 2. Fica igualmente authorisado o Governo para, capitalisar, passando Inscripções de 4 por cento pelo seu valor ao par, a quantia de seiscentos contos de reis, do que se liquidar, que a fazenda nacional é devedora á mesma companhia dos vinhos do Porto. Esta capitalização só terá logar depois de verificada a conversão, de que tracta o artigo 1, ou conjunctamente com ella.

Art. 3. É derogada por este effeito sómente qualquer legislação em contrario.

Palacio das Côrtes, em 13 de Maio de 1837. - Antonio Dias d'Oliveira, José Caetano de Campos; Paulo Midosi.

O Sr. Barjona: - Peço a V. Exca. que tenha a bondade de deixar essa redacção sobre a mesa, a fim de que os membros do Congresso a possam vêr. Eu entendo-a muito bem, estou persuadido de que ella exprime perfeitamente o pensamento da -Commissão de fazenda; mas excede de tal forma ao projecto desta Commissão em precisão e clareza, que esloii receando que muitos dos meus collegas á primeira vista julguem, que a differença não é só de redacção. Quando se abriu a discussão deste projecto estava eu na intenção de ponderar a necessidade de o fazer mais explicito: porém tive precisam de sahir da sala, e, apezar de ma demorar poucos instantes, aconteceu que ao entrar acabava o projecto de ser approvado. Agora estou satisfeito, porque a Commissão de redacção fez o que eu desejava propôr. Entretanto se eu estou já em circumstancias de votar sobre este objecto, porque lhe dei uma particular attenção, não acontecerá provavelmente o mesmo a muitos dos meus illustres collegas; e sendo o objecto de grandissima importancia deve esta ultima redacção ficar sobre a mesa até á sessão seguinte, de cuja demora nenhum mal resultará.

O Sr. Barão da Ribeira de Sabrosa: - Eu não tracto ainda de approvar, nem desapprovar as idéas do Sr. Barjona, tracto sómente de perguntar, quando só julga uma materia finalmente decidi-la neste Congresso?

Aqui decidiu-te que o Governo fosse athorisado permmittir aquella capitalisação e a Commissão de redacção, que poderia muito bem ter apresentado o projecto de lei, tal qual foi resolvido no Congresso, porque, permitta-me a Commissão, ella não tem direito de pôr um veto as decisões do Congresso, fez alguma alteração, que podemos agora sanccionar, ou reservar, terminando assim este negocio.

O Sr. Silva Sanches: - Não sei porque fatalidade tendo eu pedido a palavra, ha tanto tempo, S. Exca. a tem dado a todos os Srs. primeiro, que a mim. - A idéa, que eu tinha a apresentar, já foi exposta pelo Sr. Deputado Barjona. Eu tambem queria requerer que essa redacção ficasse sobre a mesa, porque ha differença entre duas redacções; e porque, sendo esse projecto objecto de finanças, foi posto á discussão entre pareceres de Commissões. Eu não vinha preparado para encontrar esse projecto; e o que me aconteceu a mim provavelmente acontece a muitos dos meus collegas. Esta é mais uma razão para nos ser preciso tempo, a fim de comparar a redacção apresentada com a materia vencida, e podermos agora dar um voto com conhecimento de causa; e não deve assim permittir o Congresso que objectos de tal natureza se confundam com pareceres de commissões.

O Sr. Dias d'Oliveira: - Peço a V. Exca. que mande vir as actas, em que eu dei para ordem do dia este projecto:

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o Sr. Deputado dirige-me uma censura muito forte como presidente da Camara; eu dei esse projecto para ordem do dia com o outro, numero 20, e até por mais de uma vez foi dado para ordem do dia; o resto de sessão foram pareceres de Commissões. Se não houve discussão sobre o projecto, a culpa não foi minha, fui lido muito intelligivelmente, declarei-o em discussão, e por não haver quem pedisse a palavra e que o puz á votação, e foi approvado. - Agora se me fosse licito daria uma explicação a respeito da redacção: a Commissão entendeu que era do seu dever exprimir o sentido, do que se venceu: o que se venceu foi o projecto da Com missão de fazenda, cujo relatório não só era muito explicito...... mas de mais os requerimentos da companhia dos vinhos, sobre os quaes elle tinha sido lançado; a Commissão entendeu que devia exprimir essas ideas, para que na execução da lei se soubesse, o que tinha sido vencido; entretanto, eu como membro da Commissão desejava que o Congresso permittisse, que ficasse sobre a mesa, porque se ha de achar, que a Commissão involveu o espirito da votação, deu-lhe claresa, mas que o não alterou em cousa alguma.

O Sr. Vice-Presidente: - Como a Commissão de redacção apresenta uma redacção, que á primeira vista parece alterar, o que se venceu, é do meu dever propor ao Congresso sequer tractar desde já deste negocio, ou que fique para amanhã.

O Sr. Barão da Ribeira de Sabrosa: - Peço a palavra cobre esse incidente.

O Sr. Vice-Presidente: - Então deixarei progredir a discussão.

O Sr. Leonel: - Quer V. Exca. ter a bondade de mandar ler o projecto da Commissão de fazenda, e a nova redacção? (Satisfeito continuou.)

O Orador: não deixo de achar conveniente, que esta redacção fique em cima da mesa até amanhã, para se poder examinar. - Peço á Commissão de redacção, que não presuma, que eu ponho em duvida a sua boa fé; mas em fim são dous projectos, differentes os motivos, em que um se fundava, vem agora um outro, está agora tudo como confundido, e póde parecer que se decide uma questão sem conhecimento de causa: ora eu sou tanto mais imparcial neste negocio que votei contra o projecto da Commissão de fazenda, e entendo que a nova redacção está exacta, mas póde parecer a alguem que não, e para tirar esta duvida é que me parece, que deve ficar para amanhã.

O Sr, B. da Ribeira de Sabrosa: - Eu repito ainda a pergunta que fiz: por quantas instancias deve passar uma decisão deste Congresso? Depois de approvada uma materia, a que tribunal fica sujeita? No dia em que se leu este parecer, ninguém se levantou para o combater; agora pertende-se, por um voto especial, annulla uma votação unanime. Isto é cousa singular. Á companhia do Porto é um credor do estado, como os outros; e sá a companhia é que ha de ficar por pagar? O estado contrahio esta divida durante o sitio do Porto; a muitos credores desta natureza já se pagou: então porque não ha de pagar-se a milhares de pessoas, que a companhia representa? Oxalá que ella podesse augmentar seus fundos, e
commercio, dahi viria um grande bem á nação.

O Sr. Presidente: - Vejo-me obrigado a repetir o que disse. Eu estou em circumstancias de votar, porque prestei a este objecto uma attenção especial; mas não acontecerá provavelmente o mesmo a todos os membros do Congresso, que pensarão talvez que a ultima redacção alterou a substancia do projecto dado pela Commissão de fazenda: a materia é muito importante, fique por tanto sobre a mesa até á sessão seguinte, para o poder examinar suficientemente.

O Sr. J. C. de Campos: - Um illustre Deputado acaba de perguntnr se a Commissão de redacção quer impor um veto ao Congresso, ou se das suas deliberações póde haver appellação. Eu direi ao Sr. Deputado que não ha veto nem appellação; a
Commissão entendeu que era do seu dever apresentar este negocio com toda a clareza; e já disse as razões, por que a Commissão rejeitou o projecto offerecido pela Commissão de fazenda. Se o projecto da Commisão, de fazenda fosse adoptado, como se acha, vinha o Governo a ficar com um arbitrio, que poderia ser muito prejudicial á fazenda nacional, porque podia comprehender na conversão dos mil contos toda a divida sem vencimento de juros, e deste modo, em logar de entrarem quatro centos contos da divida, que vence juros, entravam sómente duzentos e trinta cinco contos.

Eu convido todos os Srs., que fazem parte da Commissão de fazenda, para que digam se nesta, redacção ha alguma; cousa contra o seu parecer. O Congresso póde rejeitar o projecto de lei apresentado pela Commissão, mas nunca póde ser injusto com ella suspeitando as suas intenções. Agora a Commissão é a primeira, que pede ao Congresso, que se não vote hoje sobre a materia; é necessario que fique mesmo para amanhã, para a Commissão de redacção justificar as suas intenções, e mostrar os motivos, que teve para apresentar esta redacção.

O Sr. Dias d'Oliveira: - Eu já disse o que tinha a dizer sobre a materia. - A Commissão não alterou nada não fez senão tornar a redacção mais explicita; eu já pela primeira vez disse, que pedia tambem que este negocio não se decidisse senão amanhã: a decencia do Congresso pede isso, e á Commissão para se lhe fazer justiça tambem é preciso que assim se faça; assim todo o mundo ha de conhecer que o Congresso procedeu com justiça, assim como a Commissão; mas se hoje se votar poderá alguem entrar em duvida.

O Sr. Silva Sanches: - Sr. Presidente, já algum dos Srs. Deputados, que tomou parte nesta discussão, se oppoz a que não passasse o projecto? Pertendeu algum já mais, que se não pagasse á companhia? Quiz alguem impor ceio às resoluções, do Congresso? Classificou alguem de clandestina a resolução do Congresso? (Vozes não.) Pois se não, é muitissimo injusta, e muito pouco fundada foi a censura, que se lançou sobre a Commissão, que já se defendeu, e sobre os Deputados, que tem tomado parte nesta discussão: eu pela minha parte repito-a como infundada, e despropositada. Agora darei uma satisfação ao meu nobre amigo o Sr. Dias de Oliveira; não tive tenção de lhe fazer censura, não julgava mesmo, ter fundamento para lha fazer, ainda que o negocio tivesse sido, como eu estava persuadido que fará. Eu pedi (e foi o fim por que eu mais instei pela palavra) que quando este projecto tivesse sido apresentado como eu supponho, entre pareceres de Commissões, mais pareceres de tal natureza se não discutissem nos dias destinados para simples pareceres de Commissões; e isto era antes uma cautela contra o que podia acontecer, do que censura sobre o que tinha acontecido. Agora a mesma Commissão propõe, que a approvação da sua redacção fique para amanhã; e até, o julga necessario para se lhe fazer justiça. E ficará a companhia prejudicada com esta demora? Por certo que não: por tanto espero que o Congresso assim o decida.

O Sr. Costa Cabral: - Sr. Presidente, eu fui prevenido pelo Sr. Silva Sanches, mas entre tanto accrescentarei que depois da Commissão ter declarado que é da soa honra que este negocio fique para amanhã, não póde ser decidido hoje, e peço a V. Exca. consulte o Congresso se este incidente está discutido.

O Sr. Presidente propoz se a materia estava discutida e assim se julgou.

Propoz se havia de ficar em cima da mesa esta lei para ser decidida na sessão seguinte, e assim se venceu.

O Sr. Silva Sanches: - Algumas discussões tem sido mais longas, em consequencia, de muitas vezes acontecer estarem tres, quatro, cinco, e mais oradores faltando a favor da mesma opinião, ou sustentando a mesma doutrina. Este ia-

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conveniente não aconteceria, se pelo contrario se tivesse seguido, o que se segue em todos os parlamentos, fallar um a favor, outro contra. Assim mais facilmente se esgotaria a materia, porque em fallando todos os oradores por um lado, e outros tantos pelo outro; escusada seria a continuação de mais discussão. Por tanto já se vê que é muitissimo conveniente adoptarmos esta pratica seguida em outros parlamentos: eu creio que já a Commissão propoz alguma cousa a este respeito; mas ou a propozesse, ou não, eu faço este requerimento = Requeiro que na discussão do orçamento, e Constituição se dê alternadamente a palavra pró, e contra, devendo para esse fim os oradores, que se inscreverem, declarar o sentido, em que pertendem fallar. = E pedirei mais que o requerimento seja declarado urgente.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado pede a urgencia, os Srs. que a approvam queiram levantar-se. (Foi approvado.)

O Sr. José Estevão: - O requerimento creio que se restringe ás discussões do orçamento, e Constituição, e eu julgo que se deve fazer extensivo a todas as materias, que aqui se tractarem, e a todas as questões, que tiverem certa importancia, e então neste sentido faço o meu additamento, que até escuso de mandar para a mesa.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado faz extensivo este requerimento a qualquer outra materia, que possa apresentar difficuldade.

O Sr. Leonel: - Sr. Presidente, eu approvo o requerimento; effectivamente parece inutil fallarem tres, ou quatro oradores n'um sentido, sem alguem lhes responder, o que se evita adoptando-se a pratica de outros parlamentos, que é isso o que o Sr. Deputado propõe; mas é preciso prevenir que ás vezes apparecem Deputados, que dizem; eu não quero fallar nem pró, nem contra, quero fazer observações; isto é uma terceira hypothese, que é preciso prevenir agora, para evitar questões na occasião. Sr. Presidente, parece-me que é do decoro das Commissões, qualquer que ella seja, encarregada de apresentar pareceres, que sejam ouvidas de uma maneira mais especial, pelo orgão de seu relator; por ora não temos nada no regimento: cada Commissão deve ter o direito de apresentar os motivos, pelos quaes offereceu o seu parecer, ou uma parte desse parecer, o orgão para isso é o relator; advirtam que eu não peço isto por ser relator de uma Commissão, peço-o porque me parece util, e tambem: util para mim; mas não é só para mim; se no fim de cada oração o relator quizer offerecer algumas observações, deve ter essa faculdade; mas, Sr. Presidente, não fallarei mais sobre a materia, não insistirei mais nisso; peço que se considere se é decoroso para uma Commissão qualquer, depois de impugnado o seu parecer, não ter quem o defenda; se o que se propõe é fundado na pratica, tambem isto o é.

O Sr. José Estendo: - Agora é que eu começo a fallar, até aqui não tinha dito nem não, nem sim, porque nos parlamentos falla-se em pé, e eu até agora tenho estado sentado. Agora sim, começo a fallar na materia. Eu não contesto que se ouçam de uma maneira especial os relatores das Commissões, mas o que eu não quero é o abuso desse direito, nem tambem que se lhes conceda que fechem a discussão. Eu por alguma leitura, que tenho tido das discussões dos parlamentos estrangeiros, não vi que lá se praticasse semelhante cousa a discussão fecha-se indistinctamente, ou o ultimo orador falle a favor, ou contra; por consequencia não é tal esse o costume de os relatores fecharem as discussões: não vou inteiramente contra a idéa do direito especial, por exemplo, o de se interromperem as discussões, para os relatores explicarem alguns factos, que forem desfigurados, ou ratificarem alguma opinião, que fôr mal percebida; mas opponho-me a que tenham o direito de fechar todas as discussões, e desde já declaro tambem que me hei de oppor ao abuso de qualquer direito especial, que se lhe conceda, hei de clamar contra elle, chamando á ordem os relatores das Comissões.

O Sr. João Victorino: - Como vá estabelecer-se uma nova ordem de discussão, é necessario que nós nos expliquemos, e que vamos prevenir os casos, que podem acontecer: é esta a principal cautela, que deve haver nas leis. Ora, Sr. Presidente, pergunto eu, para me esclarecer, se hão de fallar só sobre cada proposição dous Deputados, um a favor, e outro contra, ainda que muitos tenham a palavra?

Vozes: - Não.

O Orador: - Pois bem; d'ahi estou satisfeito; tenho entendido, vamos a outro caso: pedem a favor doze, e contra seis, vão fallando alternadamente, e acabam os seis contra: pergunto nega-se a palavra aos outros seis, que restam contra?

Vozes: - Não.

O Orador: - Bem, estou satisfeito; eu tambem entendia isto, mas quiz esclarecer-me, para não ter ao depois questões; porque estou certo que as ha de haver; se tal methodo se adoptar.

Ora, Sr. Presidente, uma cousa queria eu notar, e por esta occasião julgo será opportuno menciona-la. Ha aqui por costume, mas costume muito reprehensivel no meu curto entender, e peço desculpa por me assim explicar, o que vou a dizer. Tem varios Srs. pedido a palavra; mas no meio da discussão pede um Sr. a palavra sobre a ordem, concede-se-lhe; começa a fallar ao largo na materia, e por fim acaba pedindo votos, é apoiado por outros Srs. que são da mesma opinião, e empenhados em que a materia se decida por elles, e ella se decide; ficando os Deputados mais modestos sem fallarem, e ás vezes com grande prejuizo das materias. Tres vezes pedi já hoje a palavra, e tres vezes deixei de fallar por este motivo. Ora isto parece-me tão digno de censura, como de emenda.

O Sr. Leonel: - Sr. Presidente, quanto ao receio, que pareceu ter um Sr. Deputado, de que o modo proposto prohibisse que alguem fallasse, creio que não é fundado; porque consumidos os oradores; que devem fallar pró, e contra, continuam os mais até que a materia se julgue discutida, e este direito, apezar de nós algumas vezes não gostemos delle, é direito, que se não póde tirar ás Côrtes, direito cuja utilidade é reconhecida. Agora pelo que toca ao que eu pedi: eu, Sr. Presidente, não pedi de maneira nenhuma uma cousa, que podesse dar occasião a abuso; o que eu pedi, e bem claro, é que os relatores das Commissões no fim de cada discussão tivessem direito, de ser ouvidos, porque uma Commissão composta de uns poucos de membros tem direito a ser ouvida mais vezes, porque são sete, que faliam pelo orgão daquelle; além disso outra razão, qual é o officio do relator; se os relatores não tem a faculdade de apresentar as razões, por que apresentaram esta, ou aquelle projecto, é nullo o officio de relator: se é para ler um papel, manda lêr-se pelo continuo; disse um Sr. Deputado, que apresentou exemplos de outros parlamentos, de que veio esse direito? Perdoe-me o Sr. Deputado, em França os relatores fallam tres vezes, e fallam depois da materia discutida; isto é mais alguma cousa do que eu pedia, e como este requerimento foi tirado do regimento da camara dos deputados de França, é bem fundada a razão de se poderem ir buscar outros exemplos para ser adoptaveis.

O Sr. Presidente: - E um novo additamento, tenha a bondade de o mandar para a mesa.

O Sr. M. A. de Vasconcellos: - Sr. Presidente, o methodo proposto, á primeira vista parece ter grande proveito; na verdade é o modo de tornarmos as discussões mais methodicas, e até mais luminosas; mas tambem tem grandes inconvenientes, porque se póde dar o caso de que fallem a favor de uma materia seis oradores, e doze contra; está claro que, em quanto os seis fallam duas vezes, fallam os doze uma vez: vem por tanto a fallar os doze uma segunda vez, sem ter quem lhes responda, o que póde fazer mal ás questões, porque póde fazer tal impressão nas consciencias

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dos Srs. Deputados, que eu por mim estou determinado a votar contra a proposta; mas fiz estas observações, para o Congresso meditar no mal, que póde fazer ás questões, se ella fôr approvada.

O Sr. L. J. Moniz: - O illustre Deputado, que acaba de fallar, já me preveniu em parte; além daquelles inconvenientes ha muitos outros. Nos outros parlamentos tem-se, conhecido vantagens, e desvantagens; um segue em modo, outro outro: isto mostra que a cousa não é tão simples como alguns Srs. entenderam; por isso eu peço que qualquer resolução, que se tome, não passe logo a ser artigo do regimento, que a sujeitemos á experiencia, e segundo a pratica decidamos á vista das vantagens, que resultarem da applicação, que fizermos desta regra.

O Sr. José Estevão: - Agora, pelo que tenho ouvido, já eu sei qual é o direito especial, que se quer dar aos relatores das Commissões; é o de fecharem as discussões; a isso opponho-me eu, e por muitas razões, que por brevidade não pro luzo. É notavel com tudo que semelhante uso se não conheça em paiz algum, que eu saiba. Em Inglaterra, e França, quando uma commissão apresenta o seu trabalho, apresenta logo um relatorio, que é a historia das suas discussões particulares, e o resumo dos motivos das suas opiniões; mas não vi que alli, nem em outro qualquer parlamento, os relatores das commissões tenham direito de fechar as discussões. Parece-me por tanto que o Congresso não deve sanccionar este direito excepcional; mas não se entenda que eu por ser desta opinião quero suffocar as discussões, porque não é, nem nunca será o meu pensamento.

O Sr. Barão da Ribeira de Sabrosa: - Eu não tracto de combater, nem de approvar a medida, porque a reputo indifferente; mas lembrarei que em França, os discursos são escriptos, e cada um dos Deputados por esta fórma falla como fallaria n'uma academia; mas entre nós não sei que isso seja possivel, porque nós somos palreiros ardentes. Eu fui muitas vezes á camara dos deputados em França para distrahir-me, e aconteceu-me muitos dias o sair eu do lá mais enfastiado, do que o estava quando eu entrava; porque ouvia ler um discurso tão comprido, e tão mal lido algumas vezes, que enjoava. Por este modo perde a discussão todo o interesse, porque não se responde a proposito.

Entre nós porém, não sendo os discursos escriptos, não parece tão necessaria esta regra, porque trará o inconveniente, que disse o Sr. Leonel, porque muitas vezas os Srs. Deputados não quererão fallar nem pró, nem contra, como me acontece agora a mim nesta questão. Em França improvisam muitos Deputados, como são os Srs. Dupin, Barret, Mauguin, Guisot, etc., etc., todos os mais trazem o trabalho feito e escripto de casa, e assim quasi não ha discussão, porque os discursos não se correspondem: entre nós, attento o nosso uso, parece-me que offerecerá embaraços na pratica o systema proposto. Nós todos queremos replicar, e logo.

Vozes: - Votos, votos.

O Sr. Presidente: - Pergunto ao Congresso, se a materia está sufficientemente discutida?

O Congresso decidiu que sim.

O Sr. Leonel: - Sobre a ordem, direi que acho muito conveniente retirar o additamento, que eu fazia tenção de propôr; mas permitia-se-me, por esta occasião, dizer ao Sr. Deputado, que combateu o que eu disse, e que poz em duvida que em França o relator falla depois da discussão, que se S. Sa. não está bem informado, veja o diário das Camaras, e achará então que é exacto o que eu disse.

O Sr. Presidente pôz á votação o requerimento do Sr. Silva Sanches, que foi rejeitado.

O Sr. Presidente: - Passa-se á outra parte da ordem do dia, que é a discussão do artigo 1.º do titulo 1.º do projecto de Constituição, que diz assim: da Nação portugueza, seu Territorio, Religião, Governo, e Dynastia.

Art. 1.º A nação portuguesa é a associação de todos os cidadãos portuguezes: o seu territorio compõe-se:

§. 1.º Na Europa, das antigas provincias de Traz-os-Montes, Minho, Beira, Estremadura, Alem-Tejo, reino do Algarve, e das ilhas adjacentes, Madeira, Porto Santo, e Açores.

§. 2.º Na Africa oriental, de Bissau, e Cacheu; na costa de Mina, do forte de S. João Baptista da Ajuda, Angola, Benguella, e suas dependências, Cabinda e Molembo, das ilhas de Cabo Verde, e das de S.Thomé e Principe; na costa oriental, Moçambique, Rios de Sena, Soffalla, Inhambane, Quelimane, e as ilhas de Cabo Delgado.

§. 3.º Na Asia, de Salsele, Bardez, Gôa, Damão, Diu, e dos estabelecimentos de Macau, e das ilhas de Solor, e Timor.

O Sr. Vasconcellos Pereira: - Parece-me, Sr. Presidente, que este artigo não está redigido com aquella dignidade, com que o deve estar; nem neste, nem em qualquer outro artigo do projecto da Constituição se declara que a nação é livre, e independente; mas deve declarar-se que a nação portugueza não é tributaria, nem dependente de outra qualquer nação; e por isso eu offereço esta substituição (Leu-a).

O Sr. Midosi: - Sr. Presidente, quando a discussão sobre a generalidade do projecto se apresentou perante o Congresso tive occasião de fazer algumas observações, e disse eu então que não concordava com a redacção d'alguns dos artigos, e divergia de opinião em outros, posto que em pequenos pontos. Comecei logo pelo primeiro, porque achei alli alguma inconveniencia em so declarar na Asia, e na Africa diversas terras, que deixaram de ser nossas, porque as abandonamos, ou por desleixo as perdemos; então pedi á Commissão que estabelecesse, e exprimisse isto em termos mais geraes, no que ella não teve difficuldade em concordar. Trago por tanto hoje uma subtituição no sentido, em que então fallei; e passarei (dando V. Exca. licença) a ler o que o projecto diz, comparando-o com a minha substituição. (Leu). Mando-a por tanto para a mesa: eu consultei sobre esta materia os meus nobres amigos os Srs. Visconde de Sá da Bandeira, e Sá Nogueira, e elles combinaram em que isto era mais claro, e até mais conveniente, porque apresentava maior simplicidade. Essa opinião me fez decidir a apresentar a substituição, porque em uma lei desta natureza, em uma lei, que deve ser a fundamental da monarchia, assento que quanto maior clareza, e simplicidade houver, tanto melhor será.

O Sr. João Victorino: - Sr. Presidente, nós começamos a discussão da Constituição, e começamos logo pela definição. Eu, Sr. Presidente, não repararia que se eliminasse deste projecto esta definição; ha muitas Constituições, que prescindem d'ella; porém depois de se inserir, e logo na frente da Constituição esta definição, é necessario que seja muito exacta, e digna da obra, que vamos a emprender. Em primeiro lugar seja-me permittido dar algumas idéas preliminares para se entender melhor, o que tenho a reprehender na mesma definição. É por isso necessario advertir que nós temos differentes definições da mesma cousa, segundo a sciencia, em que d'ella se tracta; assim o ouro, considerado fisicamente, é um metal grandemente pesado, amarello, o mais ductil, etc., definido chimicamente é um corpo insoluvel para a maior parte dos agumes chimicos etc., tomado porém em economia politica é a moeda mais valiosa, o agente principal das trocas, dos productos, de todas as especies de industria, etc. etc. Assim tambem a palavra terra tem uma accepção tomada astronomicamente, outra na sciencia chimica, outra na agricultura, outra na economia politica. Que differença não tem a palavra = affinidade = na filosofia ou no direito canonico? Seria não acabar estar a procurar exemplos disto. A palavra nação passa pelas mesmas reflexões. Ella tem mui differentes accepções tomada estatistica, ou considerada geograficamente; assim como na relação di

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ser um corpo politico, quando já está constituido, ou quando vai a constituir-se. Neste ultimo caso contemplo eu a nossa definição. Sr. Presidente, quando eu fallei na generalidade deste projecto, parece-me que profundei um pouco esta definição. Eu então fiz a diligencia por assentar alguns principios, que então eu disse me serviriam para a discussão em especial de alguns dos artigos da Constituição. Agora estamos em um destes. A noção essencial a esta definição é a do fim, por que os homens se reuniram em associações politicas; ora os essenciaes de uma cousa devem constituir a boa definição de um objecto. Mas qual foi o motivo essencial da reunião dos homens para constituirem as nações, senão o promoverem, e segurarem os seus communs interesses? Logo é indispensavel que isto se declare, aliás temos dado uma definição geografica, da nação. Nem obsta que esta idéa não venha expressa em muitas Constituições; isso não torna as minhas observações menos exactas, e menos fundadas em rigorosos principios de direito publico. Isso não obsta; porque nos melhores publicistas apparece esta mesma idéa designada, como eu aqui a proponho. Tambem me parece justa a junção da palavra = politica = derivada da lingua grega, e muito expressiva ao presente caso, accrescendo que esta palavra se acha expressa na definição de nação de muitas Constituições. Por tanto eu offereço esta emenda, que mando para a mesa - nação portugueza é a associação politica de todos os portuguezes para os seus communs interesses - parece-me que tem logar este additamanto; é por ora o que tenho a dizer.

O Sr. Lopes de Moraes: - Sr. Presidente, eu votei pelo parecer da Commissão de Constituição na generalidade, e nessa occasião disse que teria alguma cousa a accrescentar na especialidade; offerece-se o projecto de Constituição á discussão na especialidade; e eu, examinando-o, primeiramente noto a falta de titulo ou nome nesta lei.

A Commissão provavelmente resolveu-se por evitar questão, a deixar isso para o fim da lei, o designa-la por algum nome, que aliás lhe podia ter dado antes da discussão, que deveria começar por elle: Logo depois desta falta vejo no titulo 1.º (leu) O objecto deste tit. é a Nação portugueza, seu territorio, governo, religião, e dynastia: eu supponho que tambem está em discussão o objecto do mesmo tit.: assim deve ser; se eu escrevesse uma Constituição, a primeira cousa que escreveria, ou que designaria segundo a ordem natural, era sem duvida o territorio, que considero em geral como o logar da scena: eu supponho que isto é tambem uma scena; e por consequencia a ordem natural era indicar-se primeiramente o logar da scena: não se affastou muito disto a Commissão, designando o territorio, (como que escusaria a definição escolastica, por onde começa. Mas parece que ou por falta de tempo, ou em fim por qualquer outra cousa não fez assim no resto do tit.: a ordem natural era designar as figuras, que hão de representar na scena; cidadãos e Rei. Com tudo eu de modo algum a censuro por isso nem de modo algum quero offender seu melindre; ella trabalhou á pressa, e eu, ainda que tambem com ella, mandarei uma substituição para a mêsa; mas explicarei agora as bases, em que me fundo; o primeiro tit. tem por objecto (leu.) Aqui omittiria definir a Nação, por ser uma idéa abstracta definida na jurisprudencia politica, aonde cabem taes definições: aqui, designado o territorio, passarei aos cidadãos; mas estamos no caso d'uma realesa Constitucional; então depois dos cidadãos o Rei é uma entidade sui generis, que deve figurar na scena e pedia a ordem indicar esta segunda pessoa, não como chefe de poder executivo o que pertence á organisação dos poderes politicos, aonde se marcam suas attribuições, mas como uma figura, que ha de representar na scena politica descrita nesta lei, cujo primeiro tit. deveriam ser estas disposições preliminares em 3 capitulos, como está na minha substituição aos primeiros titulos do projecto. Ahi n'um só tit. = Disposições preliminares = comprehendo territorio, e cidadãos; Rei, dynastia, e successão, familia Real e sua dotação; tudo em tres pequenos capitulos do mesmo tit.; porque o territorio é o logar da scena politica; os cidadãos, e o Rei são as figuras que nella representam; e este porque é hereditario suppõe uma dynastia, e esta uma familia real, d'onde é extrahido o Rei ou a Rainha. Eis-aqui a ordem natural, pela qual deveria começar o projecto, ordem que eu indico na minha substituição, que vou ler e mandar para a mêsa: (leu) e mandou a substituição seguinte. = Segue-se a substituição.

O Sr. Silva Sanches: - Tem-se impugnado a epigraphe do tit. 1.º, o artigo, e § 1.º, e seguintes; e eu principio respondendo a cada uma destas objecções por sua ordem. Impugnou-se a epigraphe, dizendo-se, que della se deviam eliminar as palavras de - Nação Portugueza: - e fundou-se esta eliminação na desnecessidade da definição de Nação. Eu nem poderei, nem quererei mesmo demonstrar, que a definição de sociedade portugueza seja uma cousa absolutamente indispensavel n'uma Constituição; mas achava-se na Constituição de 22, e na Carta de 26, e nenhum inconveniente ha em conserva-la como introducção.

Disse-se que a descripção do territorio portuguez devia reservar-se para lei regulamentar, ou que já estava nas leis; e que por isso tambem cumpria fazer-se a proposta omissão na epigrafe, e a eliminação do artigo, e §§. Mas se por um lado convém apresentar todas as cousas connexas em um só artigo, e o mais resumida, e claramente possivel, é util por outro lado não multiplicar as leis sem necessidade alguma; e conservando o artigo e §§ evita-se o fazimento de mais uma lei, e fica o territorio portuguez descripto conjunctamente, em resumo, e com tal clareza, que todos podem facilmente conhecer todas as suas partes.

Já se vê pois que a razão allegada não é forte; e que por isso será melhor conservar-se a epigraphe do tit., e os §§ como a Commissão propoz. Agora impugnou-se a definição primeiramente como defeituosa, e defeituosa de uma maneira grave, por se não declarar a Nação livre e independente. Mas eu não sei na realidade, se uma tal objecção é de natureza que mereça fazer emendar a definição. Pois, Sr. Presidente, uma Nação, que está fazendo a sua Constituição, livre e independentemente por meio de seus representantes, não mostra a sua maior independencia e liberdade?! (Apoiado.) Necessitaria por ventura demonstra-lo por meio de palavras?! (Apoiado.) Necessitariamos nós mesmo dizer no seculo 19, e no anno de 1837, dizer n'um dos artigos da nossa Constituição, a Nação portugueza é livre e independente?!! (Apoiado.) Não mostravamos nós com essa declaração, que receavamos ainda hoje, que houvesse algum cidadão, que duvidasse da independencia e liberdade da Nação portugueza para se constituir?! (Apoiado, apoiado.) Em consequencia uma semelhante alteração na definição mais demonstraria mesquinhez, ou duvida sobre um ponto incontestavel da falta digna de supprir-se; e é por consequencia desnecessario accrescentar-se. Tambem se impugnou como contendo uma palavra de mais, como contendo uma palavra, que deve eliminar-se, a de Cidadãos. É uma das cousas; em que eu não ponho difficuldade nenhuma, se os membros da Commissão quizerem convir nisso: eu pela minha parte nenhuma duvida tenho em convir. (Apoiado, apoiado.) Porém sendo todos os portuguezes cidadãos, é certo, que se nenhum inconveniente ha em tirar essa palavra, tambem nenhum se segue da sua conservação. Impugnou-se finalmente, ou fez-se um additamento á definição; e neste additamento vem declarado o fim da associação de todos os portuguezes, dizendo-se, que elles se associam para o fim de sua utilidade e interesse publico. Ora isso é uma cousa tão entendida, tão geralmente reconhecida, que me parece tambem não trazer comsigo vantagem, ou idéa alguma da mais; e por tanto julgo não haverá necessidade de tornar-se o artigo mais extenso, accrescentando-lhe palavras, que si-

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gnificam aquillo, que todos subentendem. Entendo por tudo isto, que póde conservar-se a definição da Nação portugueza, como a apresenta a Commissão. Por esta occasião saberai responder a um illustre Deputado, de quem me prezo ser amigo, que o melindre da Commissão nunca será offendido por qualquer objecção, que se apresente contra o seu projecto, ou contra os seus argumentos. Quanto ao mais que se tem dito sobre o tit., como ha uma substituição a todo elle, a essa substituição sómente será discutida, se por ventura não for approvado o tit., reservo-me para responder a cada uma das suas partes, se entrar em discussão pela rejeição do tit. proposto pela Commissão.

O Sr. Leonel: - Sr. Presidente, a epigraphe deste titulo, não é senão exactamente a epigraphe do titulo 2.º da Constituição de 1822; (vozes é verdade) creio que isso está demonstrado; quanto a banir-se do artigo 1.º, a definição do que é a nação portugueza, se quizerem tira-lo, eu não me opponho a isso de maneira nenhuma, não me parecia assim conveniente ser eu o auctor dessa idéa; e sobre isso nada mais tenho a dizer; diz-se que deve ser accrescentada a definição de qual é o fim da associação portugueza: isso Sr. Presidente, é claro, que o fim, para que todos os homens se associam, é naturalmente a prosperidade publica, e é necessario advertir, que a Constituição não é um tractado de direito publico. Quanto a tirar-se ou eliminar-se a palavra cidadãos diz o artigo (leu) creio que houve alguma razão, para aqui se pôr de todos os cidadãos portuguezes, e foi para não ver isto em dous logares; a Constituição de 22 diz isto em dous logares; diz no artigo 20 (leu) e diz no artigo 21 (leu): ora se quizerem tirar do artigo 1.º do projecto a palavra cidadãos hão de pôr esta mesma palavra em outro logar; ao mesmo tempo que conservando-se a definição como está, escusamos tractar esta materia em dous logares differentes na Constituição, e eis-aqui a razão porque eu entendo que deve conservar-se a definição, e que deve dizer: todo os cidadãos portuguezes; e ainda ha uma outra razão, n'um certo sentido póde-se dizer que ha entre nós portuguezes, que não são cidadãos: um homem que nasceu em Portugal, que foi por algum tempo cidadão portuguez, mas que depois, ou porque não quizesse adherir á Constituição, ou por qualquer outra causa, perdeu os direitos de cidadão portuguez, assim mesmo é portuguez, chama-se portuguez, mas não é cidadão. Ha ainda outra razão. - Em Portugal não temos escravos, mas ha escravos nos estabelecimentos d'Asia e d'Africa: esses homens tendo nascido em territorio portuguez, em certo modo são portuguezes, mas não pertencem á associação chamada - nação portugueza. - Por estes motivos entendo que, a querer-se conservar esta disposição, deve dizer-se nella que - a nação portugueza é a associação dos cidadãos portuguezes: para não dizermos isto em duas partes, e porque ha homens que são portuguezes, mas não cidadãos portuguezes.

Pelo que toca á designação do territorio, façam as Côrtes o que quizerem, porque esta declaração nem dá nem tira; não ficámos com mais nem menos: entretanto a Commissão teve uma razão para incluir no projecto enumeração; porque se assim não procedesse graves censuras se lhe poderiam fazer por isso; poderia pôr-se em duvida a sua boa fé, mas ella está provada.

Pelo que pertence ao artigo 1.º e seus §§. disse outro Sr. Deputado que era preciso declarar que - a nação portugueza é livre. - Nós somos livres, porque nos governámos a nós mesmo, e tanto que estamos fazendo a nossa Constituição; ninguem põe em duvida a liberdade da nação portugueza: havemos de ser livres se nos soubermos governar, e fizermos respeitar, aliàs, por mais que se diga, não o seremos. - Não podia de maneira nenhuma escapar á Commissão, o declarar que o principio de todos os poderes é a soberania nacional; não o declarou neste logar, mas sim no capitulo 4.º artigo 16.º onde se lê que = a soberania reside essencialmente na nação, etc. = Sem isto não podia ficar o projecto, e cá está. - Declarar que a nação portugueza é livre e independente, parece-me a maior inutilidade porque ninguem o põe em duvida; mas se é preciso, responderei o mesmo que respondeu Buonaparte em caso semelhante. Celebrando um tractado com os plenipotenciarios do governo Austriaco, (no tempo da republica franceza) assentaram estes que faziam a Buonaparte um cumprimento agradavel, inserindo-lhe um artigo que dizia - S. Magestade reconhece a republica franceza: Buonaparte disse-lhes, - tirai lá isso que a republica franceza ninguem ha que não a reconheça. - Pela mesma razão, não me parece necessario pôr na Constituição que a nação é livre e independente.

O Sr. Fernandes Thomaz: - Sr. Presidente, algum dos Srs. Deputados tem notado este artigo demasiado longo; outros tem julgado que elle ainda não está sufficientemente redigido, e opinam que deve ser melhor e mais extensamente especificada a sua doutrina. Eu porém, Sr. Presidente, desejava que elle se eliminasse com todos os seus §§: darei a razão. - Convém que na Constituição, ou lei fundamental do estado, se não deixe de inserir cousa alguma, que fôr necessaria ou essencial; que não escape um só principio Constitucional; mas com o mesmo escrupulo, com que desejo nada falte para que a Constituição fique perfeita neste sentido, com o mesmo escrupulo eu pugnarei sempre para que se lhe supprimam todos os artigos, que não forem indispensaveis, todos os artigos puramente didacticos, todos os artigos regulamentares; e nestes casos está o artigo 1.º com todos os seus §§. - Pergunto; deixaremos de ser nação portugueza, se acaso na Constituição do estado se não disser em que ella consiste? Se não definimos o que ella é, e como a entendemos deixará ella de ser independente, e nós livres? Pergunto tambem, se perderemos as possessões, que aqui estão marcadas, se acaso as não declararmos na Constituição? Creio que não. - O artigo, e seus §§ são por tanto méras definições escusadas. A Constituição é uma lei, e como tal todos os seus artigos devem ser legislativos: quero dizer, devem dar direitos, e impôr obrigações: cada um delles deve ser um preceito Constitucional.

Pergunto se o artigo 1.º do projecto, e os seus §§ estarão neste caso, e se se deverão inscrever na primeira lei do estado, artigos que não são legislativos, artigos que não pódem ser transgredidos?!.. Sr. Presidente, cortemos tudo o que fôr juramento doutrinal, e que não fôr essencial: façamos por abbreviar. A beleza do codigo Constitucional consiste em que tenha todo o necessario, mas só o necessario: seja elle bem claro, mas ao mesmo tempo bem conciso. Ainda se não ponderou inconveniente algum da eliminação deste artigo e seus §§. nem de certo se provará; e é um defeito, e uma inutilidade, porque a Constituição começa já, se acaso os deixarem ir. Elles nada tem de Constitucional como tenho provado, e por tanto voto contra a sua conservação, bem como contra a conservação de todos os mais artigos, que estiverem nas mesmas circumstancias.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado apresenta uma emenda, que consiste na eliminação do artigo 1.º e seus primeiros tres §§. Tenha a bondade de a mandar para a mesa.

O Sr. Rodrigo de Menezes: - Sr. Presidente, duas cousas ha a considerar não só nesta, mas em toda qualquer Constituição: factos que se declaram, e principios que se estatuem. Bem andou a meu vêr a Commissão quando apresentou resumida neste capitulo esta doutrina de factos, em que depois hão de assentar direitos. Os factos aqui declarados são certas regras, que fez o povo portuguez, o qual mandando nos aqui para o constituirmos nos disse: - não toqueis nisto, que estas são já as bases, com que queremos constituir a nação portugueza; ella não principia hoje a existir, existe já por si. - Apresentou pois a Commissão uma declaração do que era a nação portugueza; apresentou um quadro do territorio, em que está lançada a nação, para quem

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deve ser a Constituição que vamos fazer; e da mesma sórte declarou qual é a religião do paiz. Estou certo que a Commissão não olhou esta ultima especie, como principio: não ha legislador algum que tenha direito de dizer aos povos, - segui esta ou aquella religião, abraçai esta ou aquella crença: - o legislador que o fizesse seria um tyranno; a crença é dos póvos, e nós não fazemos mais que declara-la: da mesma sórte a dynastia não é cousa, que venhamos estatuir, é um facto que declarámos, quando dizemos que é a da Serenissima Casa de Bragança; a Rainha de Portugal é a Senhora D. Maria Segunda; o Governo portuguez é um Governo monarchico - representativo. - Por consequencia, em tudo isto torno a dizer, que minto bem andou a Commissão, no meu entender, apresentando-nos esta serie de factos. Voto por conseguinte por todo este capitulo, em quanto o considero contendo só doutrina de factos.

O Sr. Vice-Presidente: - O que diz respeito á dynastia está no artigo 2.º, e não se tracta ainda.

O Sr. R. de Menezes: - Lembro a V. Exca. que a epigraphe deste capitulo diz assim. = Da nação portugueza, seu territorio, religião, governo e dynastia. = Ora, se isto não está em discussão, então não está nada.

O Sr. Barão da Ribeira de Sabrosa: - Sr. Presidente, como este é propriamente o primeiro dia da discussão sobre este parecer, julguei que o decoro da Commissão, e o meu decoro individual exigia de mim que defendesse um trabalho, em que tomei parte. E então principiarei justificando a Commissão, e depois responderei áquelles dos nobres oradores, que tem combatido algumas idéas, ou algumas palavras do artigo e §§, que estão em discussão. Primeiramente direi que concordei com os meus nobres amigos na Commissão ácerca do titulo deste capitulo; porque entendi que deviamos fazer a enumeração do nosso territorio, que deviamos declarar a religião, que professavamos, qual era o nosso governo, e qual a dynastia imperante. E porque o entendeu assim a Commissão e o entendi eu? Porque a Commissão não tinha determinações positivas do Congresso para seguir este ou outro systema; a Commissão achou-se a este respeito nas mesmas circumstancias de um pintor: tinha ante si muitos modelos, mas cada um d'elles tinha um toque, um verniz particular; tinha differentes modelos de constituições, e declarações de direitos; entretanto não podia, nem devia abraçar todos, nem cada um d'elles em especial: fez o que entendeu poder fazer; copiou de todos. Restringiu-se a uma só cousa sobre elles, tendo em vista copiar da Constituição de 22, tudo aquillo, que a Commissão entendeu que convinha á conservação do estado, á independencia e liberdade da nação; mas que entre tanto não era tambem diametralmente opposto á opinião dos membros da Commissão. Eis-aqui justificado o titulo em questão.

Quanto ás expressões do artigo 1.º, a Commissão lembrou-se que este artigo, e §§ que se lhe seguem, tinham sido (com muito pouca differença) adoptados pelo Congresso das Necessidades. A Commissão, e eu particularmente reconhecemos que nesse Congresso se reuniram homens abalizados, e que esses homens admittiram esta exposição, e esta definição; e então a Commissão entendeu que, não tendo motivo para as rejeitar, devia conserva-las no projecto. Diz-se, que a enumeração das provincias do Continente, e possessões ultramarinas não era propria. Não sei se o é ou não: entretanto em muitissimas constituições vem a definição minuciosa das partes, de que se compõe o estado, e então a Commissão decidiu-se por este modo. O Congresso póde adoptar outro, todos poderão conseguir o seu fim, mas este não pareceu o peor. Disse-se tambem, que póde haver chegar um momento, em que haja precisão de ceder ou alienar parte do territorio, e que neste caso a enumeração d'elle na Constituição não seria conveniente. Mas nessa hypothese a lei é o tractado, que ha de ser approvado pelas Côrtes, e então a enumeração não é nociva, quando mesmo a desgraça quizesse que ainda uma vez fizessemos cessão de territorio: e até algum portuguez julgaria que tinhamos alienado qualquer parte d'elle, só porque tinhamos deixado de o descrever na Constituição. Sr. Presidente, isto não é tão indifferente como se quer dizer: eu tenho visto soberanos da Europa chamarem-se reis de Jerusalem, não tendo um palmo de terra na Palestina, e os Reis de Inglaterra chamarem-se por muito tempo Reis da Corsega; entre tanto chamavam a isto plumas da Corôa, davam-lhe bastante importancia, e houve muita difficuldade em acabar com essas vãs denominações. Creio que foi no tractado de Amiens, em que pela primeira vez deixou de usar d'aquelle titulo. Então não sei que mal possa vir de fazermos a enumeração do que é nosso.

Disse um Sr. Deputado que lamentava não ver aqui a declaração positiva, e explicita de que nós eramos uma nação livre. O Sr. Presidente, acaso mostrará que somos um povo livre o aggregado de duas ou tres palavras em uma pagina de papel, ou o nosso procedimento? Livres, disseram nossos pais, que o eram na igreja de Almacave (na patria do Sr. Macario de Castro): livres disseram os portuguezes que o eram em Coimbra quando levantaram a Rei o mestre d'Aviz: livres disseram os portuguezes que o eram, quando foram a Villa Viçosa offerecer a Corôa ao Duque de Bragança: livres, finalmente, mostramos nós que o somos, quando estamos preparando uma lei fundamental da monarchia. Não me parece pois, necessario transcrever aqui semelhante declaração.

Outro Sr. Deputado entendeu que seria mais conveniente eliminar alguns §§ deste artigo. A Commissão porém entendeu que nestes primeiros §§ da Constituição deviamos dizer qual é o nosso territorio, religião, governo e dynastia. Para todos os Srs. Deputados (e mesmo para mim, condicionalmente fallando) não tem isto maior importancia; mas nem todos os individuos, que compõe a nação, tem a filosofia necessaria para avaliar que isto é, ou deixa de ser indifferente; e nós assim não fazemos mais do que contestar um facto, quando dizemos o que ahi se acha a respeito da nação portugueza, que sem duvida nenhuma é catholica e apostolica romana.

Por todas estas razões voto pelo parecer da Commissão de Constituição na parte, que está em discussão.

O Sr. Costa Cabral: - Se continuarmos com esta discussão pela maneira, por que vai progredindo, estou persuadido que não teremos a Constituição discutida dentro de tres annos. (Apoiado.) Eu pediria aos Srs. Deputados que se reservassem para fazer uma grande discussão em pontos essenciaes, mas os de que se tracta não são certamente dessa ordem. Por mais que os Srs. Deputados andem, sempre hão de apparecer definições, que tem de dar materia a ser combatida, porque nisto não se póde dar perfectibilidade. Agora quanto ao mais, Sr. Presidente, a questão versa unicamente em conservar, ou eliminar o artigo 1.º É este um objecto, que quanto a mim não exige uma longa discussão; pedia então aos Srs. Deputados, que fallassem unicamente sobre este ponto, conservar-se ou eliminar-se o artigo: se nos restringirmos quanto fôr possivel a este ponto, será a questão decidida com brevidade.

O Sr. Vice-Presidente: - O que está em discussão é o artigo primeiro, e o §. 1.º, 2.º, e 3.º: mas como o titulo principia pela inscripção (leu), não ha duvida que os Srs. Deputados podem fallar n'esta inscripção; por tanto não estava fóra da ordem o Sr. Deputado quando fallou nisto; entretanto como estes objectos são do artigo 4.º convido os Srs. Deputados a reservarem-se para quando se tractar delle.

O Sr. Alberto Carlos: - Eu estou convencido, que devemos adoptar as idéas do Sr. Costa Cabral, e Barjona, mas isso tem um termo prudencial; cada um fará o que poder. Eu verei se me limito ao artigo primeiro.

Quando eu fallei na generalidade do projecto disse que

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um projecto de Constituição não deve ter nada, que não seja de absoluta necessidade, e que não seja preceptivo; debaixo destas idéas a minha opinião é, que se supprima a definição de nação portugueza, porque julgo que não é preciso dizer-se, que nós somos nação: eis-aqui a minha opinião; por consequencia eu adopto nessa parte o principio da substituição do Sr. Lopes de Moraes; a nação portugueza é composta deste e daquelle territorio, e a definição do territorio é, a que vem nos §§ seguintes. Agora primeiro que tudo julgo que te deve attender á proposta do Sr. Lopes de Moraes, se este projecto deve ter um titulo, se se lhe ha de, chamar igualmente Constituição, ou Carta Constitucional, etc. Isso pouco vale, entretanto quando a gente abre qualquer folheto gosta de ver o que é: a illustre Commissão não terá duvida em adoptar isso. Ora então a minha opinião é, que se supprima a definição de nação, e se comece - a nação portugueza compoem-se do territorio adiante. Agora a declaração do territorio tambem é minha opinião, que não seja tão especificada como está, e que só no primeiro artigo sem §§ 58 abranja tudo pouco mais ou menos como indicou o Sr. Lopes de Moraes; isso na redacção definitiva poderá esclarecer-se melhor.

Disse o illustre Barão da Ribeira de Sabrosa que a Com» missão adoptou, o que achou na Constituição de 22; eu estou persuadido, que é muito louvavel isso, e tambem que isto appareceu na Constituição de 82, porque assim estava decretado na Constituição Hespanhola no capitulo 1.º artigo 10.°, e até lendo a discussão do Congresso das Necessidades nesse dia vi que lá se deu esta razão para conservar esta disposição, porque na Constituição Hespanhola assim estava; mas eu estou persuadido que não se deve conservar boje, porque não vejo grande utilidade, antes algum inconveniente. No capitulo 8.º titulo 6.º diz-se (leu.) Admitte-se por este- mesmo projecto a possibilidade de trocar alguma porção de territorio portuguez; se nós inserirmos aqui a divisão de todas as porções de territorio portuguez fazemos disto em ponto constitucional, (porque estou persuadido e que nada, que não seja constitucional, deve entrar aqui.) Ora se é um ponto constitucional quando se trocar algum territorio, tende essa legislação a alterar uma parte da Constituição, o isso é que é muito inconveniente, porquê subsistem os princípios, que eu no outro dia emitti; estou persuadido que devemos procurar quanto for possivel que a Constituição seja o menos mudavel que possa ser; e como daqui não nos resulta vantagem da especificação, e pelo contrario póde vir o inconveniente da mudança, era eu de opinião que não se conservasse isto, porque convenho em que não será grande defeito o haver, ou não haver; mas parece-me que de certo não é util, e tem o inconveniente de fazer a redacção muito carregada, que isto já é um inconveniente; por tanto voto que se comece logo dizendo, a nação portugueza compoem-se d'este territorio etc.

O Sr. Vice-Presidente: - O Sr. Deputado propõe um additamento, queira manda-lo para a mesa.

O Sr. Lopes de Moraes: - Já tenho dito muitas vezes que não sei discutir senão discorrendo, e não sei discorrer senão por principios: a primeira cousa, que eu vejo aqui é o parecer da Commissão encarregada de fazer as modificações na Constituição etc. Esta lei, ou constituição ha de ter o nome de modificações da constituição f Não; logo é a primeira cousa, que devemos pôr-lhe e augmentar-lhe. Não sei discorrer senão de principios, repito; de que se tracta? E da mesma Constituição; e por onde começa ella? Por esta epigrafe, E ha de ser esta a denominação desta lei politica? Creio que não; logo discuta-se qual ha de ser. Segue-se Tit. 1.º - da Nação Portugueza, seu territorio etc.: discuta-se tambem o objecto d'este titulo: isto é proceder de principios. A primeira cousa, que se offerece á minha consideração é um titulo, ou nome da lei. Ora pois a isto pergunto eu, será este titulo, ou nome designado como aqui está, ou outro? Agora passando ao 1.° titulo, conviria designar o seu objecto como eu o designo, disposição preliminar? Isso só tem uma differença, e é de ser mais geral e conforme; mas por aqui e que começa, ou deve começar a discussão; mas como V. Exca. poz á discussão o artigo 1.º tambem, é por isso que eu baixei a dizer alguma cousa sobre o artigo 1.°, de que elimino a definição de Nação, com a palavra do objecto do titulo. Uma definição descola não deve occupar o logar duma disposição da lei. O que é Portugal? São os Cidadãos e o Rei, é para esses que se legisla; eis-aqui porque substitui esta emenda, mas não alterei a materia do que é essencial senão em pouco; dou-lhe uma nova disposição, e ordem; porque desejo que a ordem appareça em tudo quanto aqui se fizer. E parece-me qna o melhor meio era perguntar aos Srs. da Commissão se querem redigir nessa forma o projecto; se a Commissão convier nisso, podemos ir discutindo os artigos e sua materia na ordem, em que estão, e depois se redigirá melhor; porque eu tomara que se não gastasse meia hora por dia só, quando possa escusar-se; e se eu concorro com isso para gastar algum tempo, retiro já a emenda para se não gastar mais tempo.

O Sr. Fernandes Costa: - Sr. Presidente, maravilho-me que chegasse o momento tão desejado de se começar a discussão, em especial, do projecto de Constituição apresentado pela illustre Commissão, a quem o incumbira esta Concreto; mas não posso deixar de sentir um pezar por ver que logo neste começo se pertende chamar a discussão sobre indevidos pontos, e não precisamente sobre o artigo primeiro.

O primeiro ponto indevido, sobre que o illustre preopinante quer chamar a discussão, é sobre o nome que se deve dar ao Codigo fundamental, que vamos fazer. - Mas para que é isso? - Este Codigo, quer se denomine Constituição ou Carta Constitucional, ou Lei fundamental, ou, Pacto social, ou em fim na boa língua de nossos bons maiores - Lei da Terra - no meu entender importa o mesmo, por que a idéa exprimida é uma e a mesma; e a essência das cousas não muda com a differença dos nomes. - De mais: - deixemos nascer a creança, e depois a baptisaremos. - O outro ponto, sobre que se tentou a discussão é indevidamente sobre a epigraphe do titulo primeiro apresentada neses termos - Da Nação Portugueza, seu Territorio, Religião, Governo, e Dynastia. - Sr. Presidente, eu entendo que começar a discussão sobre esta inscripção do titulo primeiro do projecto de Constituição, é o mais completo desvio de methodo, e de ordem; porque é certamente da ultima evidencia que os objectos, que se houvessem de comprehender nos artigos deste primeiro titulo, são os que hão de determinar a inscripção precisa do mesmo titulo, e não inversamente. Ora, quem ha ahi que assegure, que aberta a discussão sobre aquelles artigos, nem um só haja de ser supprimido, ou absolutamente, ou para ser còllocado mais convenientemente, ou nem um só haja de accrescentar-se? Logo se tal mudança é possivel, se só pela"discussão, e depois de acabada, se podem fixar os artigos do titulo 1.°, e são estes só os que hão de subordinar a inscripção, é obstruso que se queira abrir a discussão sobre a epigraphe. Creio que já é de mais esta demora sobre semelhantes pontos: eu entro na doutrina do art. 1.º que diz assim. - A nação portugueza é a associação de todos os cidadãos portuguezes : o seu territorio compoem-se: etc. etc., continua especificando em tres §§, as nossas possessões em Europa, Africa, e Asia. As reflexões, que eu tinha a fazer sobre este 1.º artigo, pendem em grande parte das idéas, que eu formo duma constituição em geral: por isso seja-me licito mui rapidamente expô-las, pois ellas de mais a mais tem applicação a muitos outros artigos, se não a todos. Que é uma constituição? Em meu entender é a expressão authentica, é a declaração cathegorica das condições e normas, porque um povo quer ser go-

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vernado, e debaixo das quaes delega o poder que todo radicalmente está n'elle, mas que não pôde, nem deve exercer. Tem-se aqui dito mais d'uma vez, que não ha povo sobre a terra desde o mais feliz por ser livre, até o mais desgraçado por escravo, que não tenha uma constituição. Eu não nego a idéa, porque não póde haver um povo, que não tenha um modo de existir, e é isto o que ella importa; mas confesso que é idéa bem esteril, e que nada serve fará caracterisar o acto solemne, no qual o povo declara o modo e condição da associação que escolhe, para que os seus direitos imprescriptiveis de liberdade individual, de propriedade e de segurança pessoal lhe sejam seguramente protegidos: sim, protegidos, porque não é parte alguma social, que cria estes direitos, elles são inherantes ao homem, que já ao sahir das mãos da natureza os traz comsigo, e é só a defensão destes que toda a constituição deve tender. Já se vê que u ma constituição só deve conter um limitado numero de disposições, ou artigos, que sejam outros tantos principios fundamentaes, fecundos em consequencias, e que leva seguramente aquelle grande fim. A simplicidade é essencial qualidade de semelhante edificio, que só com ella se alinha, bem. Tudo quanto é vivactivo, ou regulamentar é estranho em uma constituição, e muitos inconvenientes traz comsigo. O primeiro é sobrecarregando-a dó detalhes, que só aos codigos particulares compete, prejudicar a precisa claresa, que poucas vezes se compadece com uma multiplicidade de detalhes. O segundo é tornar quasi impossivel, ou ao menos mui difficil que os cidadãos aprendão e saibam de cór um livro volumoso, que todos era mister soubessem como cartilha de nossos mandamentos politicos. O terceiro finalmente é a necessidade, que frequentes vezes occorre de fazer alteração em uma disposição regulamentar; e estando esta consignada em artigo da constituição para se poder alterar, ou se hão de guardar, e seguir as demoradas formalidades, que a mesma constituição prescreve, e no caso de ser urgente essa alteração resultarem tão grave prejuiso ao bem publico por essa demora, ou terem de se postergar aquellas formalidades, e infringir assim a constituição. Em qualquer destes casos a constituição perde os seus mais essenciaes caracteres de permanencia, de estabilidade, e de respeito. Tocar em um artigo dá azo a tocar em outro, e o alterar um ou dous é facil quando os artigos são numerosos; e um só, que se altere, os outros não estão seguros. Nunca teve tanta razão o eloquente, como sopbista e rancoroso, inimigo de toda a idéa liberal, o Conde de Maestre, como quando disse, que em uma constituição, quanto mais se escreve, tanto mais fraca ella fica.- Agora applicando estas, idéas ao artigo em discussão, já se vê que eu devo rejeitar a primeira parte delle, que é claramente didáctica, pois comprehende a definição da Nação Portugueza. O legislador não dá definições, senão quando é indispensavel para desviar confusão, e fixar a sua mente, mas aqui não se verifica essa necessidade. A segunda parte do artigo, em que se consignam especificadamente as differentes possessões do territorio portuguez, parece me ser objecto regulamentar, e eu abundo nas razões, que neste sentido já foram apresentadas. As nossas possessões fóra do continente Europeu podem dum momento para outro diminuir, separando-se da Monarchia Portugueza, e agora mesmo não são mui satisfatorias as, noticias, que temos das mais longinquas. As desgraças da Metropole, ou antes a inepcia e os erros das administrações tem desde longos tempos preparado a perda d'algumas, se não de todas estas reliquias da gloria Portugueza, e as circumstancias actuaes não são das mais favoraveis para obstar a essa perda, ou pelo menos para lhe arredar o triste momento. Parece-me pois que esta segunda parte do artigo só deve consignar, que o territorio portuguez é composto de Portugal, e Algarves, ilhas adjacentes, e dominios na Asia e Africa, e que uma lei regulamentar deve determinar a conveniente divisão territorial. Porém eu não entendo que esta, doutrina deva constituir o primeiro artigo d'esta a nossa constituição. Primeiro que todas as doutrinas está a da soberania Nacional, base segura de todo o direito publico constitucional, direito que nossos maiores muitas vezes exerceram, roas que a tyrannia ainda mais vezes suffocou, e qaiz fazer esquecer. Deixando os factos mais antigos, os mais modernos de 24 de Agosto de 1820, e os recentissimos de 9 e 10 de Setembro de 1836 são o protesto mais forte e solemne contra taes pertenções da tyrannia; e o acto popular que abriu nova era constitucional, restabelecendo em todo o vigor um direito bem quebrantada e esquecido em despeito da dignidade dos povos, está-nos fortemente apontando o dever não só de o consignar na constituição, mas de lhe dar o primeiro logar, consignando-o, nas primeiras linhas. Assim eu acho que o 1.° artigo desta constituição deve conter o principio vital, que sancciona este direito, e que para aqui se deve transferir o artigo 16 do titulo 4.º deste projecto, onde o mesmo principio é consignado. Posto isto, eu, redigiria deste modo os dous primeiros artigos, que substituo ao artigo 1.º do projecto:

Artigo 1. A nação portugueza é em quem reside essencialmente a soberania, emanando só d'ella todos os poderes políticos; estes não podem ser exercidos senão delegadamente pelo Rei, e pelos seus representantes em Côrtes.

Art. 2. O territorio portuguez compõe-se de Portugal, Algarves, Ilhas adjacentes, e dominios em Africa e Asia: uma lei regulamentar determinará a divisão territorial.

Mando para a mesa. esta substituirão.

O Sr. João Victorino: - Eu queria mostrar, e para isso pedi a palavra antes de ver a inclinação do Congresso, que esta definição de Nação devia ser lançada na Constituição pela fórma, e com a emenda, que eu havia proposto, porque vi que alguns Srs. da Commissão se obstinavam a querer sustenta-la como se acha no projecto. Porém observando que a Assembléa dá indicios dê querer que seja eliminada eu muito voluntariamente convenho, pois que a definição de Nação não é cousa essencial a uma Constituição. Eu o que julgava mui pouco airoso é que ella passasse como está concebida. Tem-se dito - mas nós não vimos aqui ensinar direito publico: convenho; mas tambem não vimos desensina-lo. O que tira as duvidas todas é riscar a definição. Bem entendido, que eu digo que se elimine, por julgar mais decente que ella tenha antes esta sorte, do que apparecer como está. Se nós com effeito a queremos, lançar fora por ser supérflua, sómente por isso, então muitas cousas supérfluas acho no projecto, que tambem se deverão pôr fora. Por exemplo, no artigo 6.° se diz que são Cidadãos, Portuguezes os expostos, cujos pais se ignoram, nascidos em Portugal. Ora que cousa mais superflua do que dizer, que são Portuguezes, os engeitados, de pais ignorados, nascidos em Portugal? Que cousa mais supérflua do que estabelecer na Constituição, que qualquer Portuguez poda conservar-se em Portugal? Isto parece alguma cousa mais que superfluo; entretanto lá vem tambem no artigo 11, §. 6.

Eu, Sr. Presidente, quero que tudo quanto vá na Constituição seja rigorosamente exacto em cima da mais verdadeiros e sólidos principios do direito publico: isto sim; e tambem será bom que nós simplifiquemos, quanto nos seja possivel, os seus artigos, porém tudo tem seu meio termo: eu tambem não posso approvar ú que diz um illustre Deputado por Coimbra, que não admitte senão artigos preceptivos na Constituição; e permitia-me que lhe diga, que isso é singularisar-se. Os principios, que desenvolvi no meu discurso sobre a generalidade deste projecto, mostram qual é rigorosamente a natureza de uma Constituição. Então eu fiz ver, que ainda que uma associação politica para a sua essencia tenha tres necessidades, que se chamam poderes, sem qualquer dos quaes não póde existir, a saber: necessidade, de fazer leis, poder legislativo; necessidade de con-

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frentar com ellas as acções da cidadãos, e tirar um resultado poder judicial; e necessidade de fazer executar este resultado, poder executivo; ainda que isto assim seja, com tudo fazer uma Constituição tão é nem legislar, nem julgar, nem executar, porém estabelecer os modos, e regras como se hão de pôr em execução estas ires cousas. Debaixo destas idéas, que são rigidamente certas, muito bem diz o nobre membro, e por isso uma Constituição nada mais poderia ter do que artigos preceptivos; porém como as Constituições tem por fim a garantia dos cidadãos, em todas ellas costumam vir expressos, em maior ou menor latitude estes mesmos direitos. Eis a pratica geral, e querer affastar-se della seria construir uma Constituição singular.

O Sr. Vasconcellos Pereira: - Eu levanto-me para apoiar a minha substituirão. Diz-se, que basta estarmos aqui constituindo-nos para mostrarmos que somos livres, e independentes; mas nós não estamos legislando só para agora, estamos tambem legislando para o futuro, e por isso enttendo que é preciso declarar, que a Nação é, e ha de ser livre, e independente, podíamos estar constituindo-nos, e sermos tributarios a outra Nação; o Rei de Napoles ainda hoje é tributario ao Papa, creio eu; o que abunda não faz mal.

O Sr. Derramado: - Eu levanto-me, como membro da Commissão, para apoiar as razões, por as quasi se adoptou a doutrina do primeiro artigo, e para accrescentar, que concordo em todas as emendas de redacção tendentes a tornar mais clara a sua doutrina. Quanto a censura, que um Sr. Deputado fez á Commissão pela falta de titulo nesta projecto, respondo com o que disse um outro Sr. Deputado; está claro, que o projecto depois de discutido e sanccionado não ha de ficar com e titulo de «Parecer de Commissão.» Então esta apresentará a redacção do titulo, e o Congresso decidirá 68 ha de ser o de - Constituição Politica da Monarchia - ou de - Carta Constitucional. - Agora em quanto á defnição filosophica tambem me não opporei, posto que a não julgo necessaria. Quanto á eliminação de todo este artigo, proposta por alguns Srs. Deputados, não posso duvidar da exactidão da doutrina, em que a fundam; todavia devo dizer que a Com missão foi muito escrupulosa em conservar no seu projecto tudo aquillo, que estava na Constituição de 22, e Carta de 26, uma vez que não fosse offensivo dos interesses, ou dos direitos dos Portuguezes; eis aqui a razão, por que a Commissão julgou dever transcrever de ambos os Codigos esta descripção do territorio português, que não faz mal, posto abunde; e apezar de que os filosophios quizessem vêr aqui o que é sómente constitucional; com tudo a Constituição é feita para toda a Nação Portugueza, e ella não é toda composta de filosophos; todavia se a maioria do Congresso assim o julgar, eu de bom grado com os meus collegas authores do projecto não teremos duvida em annuir. - Agora quanto á definição de Nação, eu já â havia proposto na Commissão nos termos, em que a offereceu um dos illustres preopinantes, e nesta parte não concordo com um dos meus illustres collegas, e tambem não terei duvida em que se accrescente, o que disse o Sr. Deputado por Vizeu.

Pelo que respeita á redacção proposta por outro Sr. tendente a resumir a descripção geografica, parece-me que, além do inconveniente de se referir a uma lei variavel, e não conhecida por todas os Portuguezes, tem ainda o de supprimir nomes historicos associados às proezas de nossos maiores, e que tão outros tantos monumentos da gloria nacional.

Resta-ma agora responder á moção, que fez um illustre Deputado, a quem muito respeito, e sobre a qual elle acaba de insistir, pertendendo accrescentar ao artigo, que a Nação é livre, e independente. Eu não posso consentir que se ponha se quer em duvida, que a Nação é livre, e independente; e este additamento parece-me bem escusado desde que, ha sete seculos, se proclamou na igreja d'Almacave. Desde esse tempo a Nação Portuguesa é livre e independente, e ha de continuar a se-lo pelos esforços de seus filhos, que = Não sabem recusar o pátrio Marte. = Não gosto de estar a repetir, o que já se tem dito, e melhor do que eu o poderia dizer, por isso nada accrescentarei, mas ousarei ainda pedir aos illustres Deputados, que sobre seus cousas que parecem um pouco indifferentes, se não cansem com munas emendas, e substituições, e que procuremos, quanto for possivel, fazer progredir uma discussão, por cujo resultado anhela toda a Nação Portuguesa (Apoiados).

O Sr. Vice-Presidente: - Os Srs., que julgam que a materia está sufficientemente discutida, queiram levantar-se.

O Congresso julgou a materia discutida, e teve a palavra sobre a ordem o Sr. Costa Cabral.

O Sr. Costa Cabral: - Por aquillo, que eu percebi, todos os papeis que foram mandados para a mesa são substituições no artigo 1.º, que se achou em discussão; as substituições, pela forma do regimento, artigo 82, hão de ser questionadas e decididas depois de rejeitada a questão principal! peço a V. Exca. ponha á votação o projecto, que se achou em discussão, e depois terá logar tudo o mais.

O Sr. Alberto Carlos: - Parece- me que, á vista da confusão que ainda, ha, deve pôr-se á votação o principio geral se deve ou não haver definição de nação, se se ha de fazer a classificação geral do territorio.

O Sr. Silva Sanches: - Sr. Presidente, a observância do regimento é que eu peço, e pedirei sempre para mim e para todos; o que manda o regimento é que se discuta a materia principal, e depois se vote sobre essa materia; havendo emendas manda que estas se ponham primeiro que a questão principal, mas tem sido pratica propor a questão, salvas as emendas. Os additamentos, e as substituições são sempre discutidos, e votados depois. Peço por isso a observancia do que se tem praticado. Ponha-se á, votação pois o artigo, e sobre elle se vote, porque não sei realmente com que fundamento, e com que razão, se esteja fazendo disto uma questão para se levar tempo, quando a questão é simples, e ata isto o que se seguio ainda hontem por decisão depois de uma longa discussão. Peço pois, ou repito que a ordem se siga.

O Sr. Presidente: - A questão, que se tem agitado é se se ha de discutir o titulo de constituição (Vozes, no fim): segunda sobre a epigrafe deste titulo, 3.°.... não sei se o Congresso quer tractar desta maioria antes dó se votar.

O Sr. Lopes de Moraes: - Agora, Sr. Presidente, como V. Exca. saltando o titulo e seu objecto, passou a pôr em discussão o 1.° artigo, eu voto pela eliminação da definição de nação; approvo o resto, em quanto á materia, e requeiro que volte á Commissão para redigir melhor todos esses primeiros titulos, cuja redacção me não agrada; assim como a de quasi todo o projecto.

O Sr. Fernandes Thomaz: - Sr. Presidente, as emendas costumam pôr-se á votação, primeiro que os artigos, a que são feitas. Peço a V. Exca. ponha á votação primeiro a minha emenda , e se ella íor reprovada, como infelizmente me parece, então, se votará sobre o artigo. A minha emenda já eu vejo que não tetá boa sorte, e se insisto para que sobre ella se vote, é para ir com o regimento á risca.

O Sr. Lopes de Moraes: - Primeiro o §. 2.º e depois successivamente, e assim se concilia tudo.

O Sr. Barão da R. de Sabrosa: - O que é a ordem, é pôr á votação o artigo, salvas as emendas.

Postos á votação o artigo, e os §§. foram successivamente approvados, salvas as emendas.

O Sr. Presidente: - As emendas quanto á definição estão prejudicadas.

O Sr. Santos Cruz: - Salvaram-se as emendas, e por tanto não estão prejudicadas isto e simples, queira po-las á votação.

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O Sr. Prestante: - Não estão prejudicadas senão as que dizem respeito á suppressão, mas não as que dizem respeito a idéas novas: taes são estas, (leu.) Entrou em discussão uma, emenda, do Sr. Vasconcellos Pereira para se declarar no 1.º artigo que a nação portugueza é livre e independente.

O Sr. Leonel: - Não póde haver duvida sobre a materia da emenda: sobre que póde haver duvida é se é preciso pôr essa palavra no artigo.

O Sr. Presidente: - Eu não proponho se a nação é, livre e independente, isso não depende de votação, mas se devem estas palavras ser consignadas no artigo e depois ser remettido á Commissão pata o redigir conforme o vencido.

Posta a emenda á votação foi rejeitada, e igualmente foi rejeitada uma emenda do Sr. João Victorino.

Poz-se á votação uma emenda do Sr. Alberto Carlos, e sobre ella pediu a palavra o Sr. Santos Cruz.

O Sr. Santos Cruz: - Srs. esse artigo é exactamente o que se consignou no meu projecto esse artigo tende a estabelecer uma melhor redacção da Commissão, e expurga-lo dessa descripção didactica, e minuciosidades geographicas: porque são transitorias, não são constitucionaes: o artigo é pois uma, emenda - por tanto não está prejudicada; peço que se ponha á votação.

Posta á votação só a segunda parte, por estar a primeira prejudicada, foi rejeitada.

Leu-se a emenda do Sr. Midosi, e sobre ella teve a palavra o Sr. Moniz.

O Sr. Moniz: - Parece me que seria melhor supprimir a distincção das partes do mundo, por que existe duvida sobre se as Ilhas da Madeira e Porto Santo pertencem á Europa, ou á Africa: essa questão geografica depende de outras considerações: não é para aqui, e então melhor é evitar duvidas, supprimindo essa distincção.

O Sr. Barão da R. de Sabrosa: - Não tractamos de estabelecer a divisão geografica, todos sabemos que á essa duvida; porém o que é certo é, que hoje se considera como pertencente á Europa, em materias d'administração.

O Sr. Vasconcellos Pereira: - Póde dizer-se em geral: as possessões de Africa e Asia , mas que actualmente possui-mos, para não haver duvida.

O Sr. Derramado: - Para tirar alguma duvida, ou o escrupulo do illustre Deputado, peço-lhe que repare no artigo 2.º, que diz = A nação não renuncia qualquer direito, que tenha ou possa ter a qualquer porção de territorio, etc.; com esta declaração creio que deverá ficar tranquilizado.

O Sr. Midosi: - Como auctor da substituição digo que agora não é occacião d'ella se discutir: se os Srs. Deputados a não podem approvar, tem o recurso de a rejeitar.
Posta á votação a emenda foi rejeitaria.
Ficaram por tanto o 1.° artigo e os §§ approvados.

O Sr. Vice-Presidente: - Entra em discussão o artigo 2.°, que diz assim:

Art. 2.° A nação não renuncia o direito, que tenha a qualquer porção de territorio não comprehendida no artigo antecedente.

Foi arprovado sem discussão, salva a redacção.

Art. 3.º A religião da nação portuguesa é a catholica apostolica romana. Permitte-se com tudo aos estrangeiros o exercicio particular de seus respectivos cultos.

O Sr. Lopes de Moraes: - Entendo que este artigo carece de discussão, porque se tracta de liberdade, e não deve ir assim de afogadilho: peço a palavra.

O Sr. Costa Cabral: - Se ha quem queira fallar deve conceder-se a palavra.

O Sr. Presidente: - Eu não sei que alguem pedisse a palavra: eu já o declarei em discussão, e novamente o faço.

O Sr. Maia e Silva: - Sr. Presidente, no tempo, em que nossos inimigos politicos nos alcunham de immoraes, e de irreligiosos, não me parecem perdidas algumas palavras, que aqui forem ditas em favor de moralidade e de religião, em referencia ao artigo consignado pela Commissão: eu entendo que a religião é necessária ao homem, á sociedade, é ao Governo. Ao homem, porque modifica suas paixões, porque modera seus excessos, e o segue desde o berço ao tumulo.

A sociedade, porque dá nexo às suas ligações, estreita a sua communhão, dirige-a ao bem geral; e, segundo a frase de Montesquieu, parecendo ter só por alvoos bens da outra vida, faz ainda nesta a nossa ventura.

Ao Governo, porque dá vigor ás suas leis. Isto entenderam sempre os grandes conquistadores, e entre estes um, que o foi quasi da Europa inteira, o qual julgou necessario o restabelecimento do culto catholico ao socego do catado da França.

Isto quanto á religião em geral: quanto á do nosso paiz, deve ella ser a religião catholica, que está ligada aos nossos habitos, aos nossos usos, e a quatorze seculos de antiguidade.

Quanto á tolerancia para com os outros cultos, essa é justissima, porque é só comparando que se conhece a differença é só assim que avultará seu brilho - a pureza de suas doutrinas - a santidade de suas maximas - e a sublimidade de suas pompas.

O Sr. Rodrigo de Menezes: - Sr. Presidente, eu pouco tenho a accrescentar. Eu considero que a religião em si é ou um complexo de dogmas, ou um aggregado de ritos, é de qualquer destes modos a considero como um dos direitos do cidadão, e um direito anterior a qualquer organisação social; e qualquer que ella seja, elle está inteiramente fora della. Todo o homem tem direito (querendo) de adorar uma divindade: sobre isto nada tem que estabelecer os legisladores; torno a dizer, aqui não se constituo o direito, não se faz mais que declarar um facto, e este é que todos os portuguezes são catholicos romanos. A Commissão não fez mais senão apresensar este facto, nem ella podia, nem devia fazer mais. Da declaração deste facto existente póde nascer um principio; deixemos porém a discussão dos principios para quando convier, e limitemo-nos por agora á do facto.

O Sr. Lopes de Moraes: - Eu no meu entendimento julgo que a questão não é tão simples, como se quer fazer, não quanto é religião catholica, que escusa elogios: ella por si se elogia , porque é divina; mas conceder direito aos estrangeiros do exercício de seus cultos, entendo que se deve tambem aos nacionaes esse direito, porque todo o homem é religiosa, mas livre em adorar a Deos como entender, e a todos e deve conca ler quando elles não offendam a religião do Estado. Não é aqui que se deve tractar de religião; e só se tracta, porque ella é uma necessidade do homem, mas o homem não tem necessidade de adoptar este ou aquelle Deos os homens em toda a parte adoram alguma cousa; e se a religião é para os homens, uma necessidade natural tem direito a dar um culto; seja a quem for, e como for: regulemo-lhe esse direito; porém quanto é nossa religião, não faço questão; ella está constituida nos evangelhos e concilios: está nos nossos costumes, é de nossos pais, minha, e de nós todos: basta declara-lo; mas quanto á tolerancia eu reservara este art. para quando se tractasse dos direitos e garantias individuaes; quanto á 1.ª parte não deve haver discussão, porque sómente é a declaração de um facto; quanto á 2.ª no logar devido questionaremos.

O Sr. Rodrigo de Menezes: - Neste artigo ha duas cousas distinctas: na primeira declara-se um facto; e pela secunda já se estatue de alguma sorte um principio: parecia-me por isso que a discussão parasse no 1.° periodo, que diz assim (leu.) Reservo-me porém para faltar, depois na segunda parte do artigo.

O Sr. Gomes da Motta: - Eu pedi a palavra para declarar que não era precizo dizer-se nada na primeira parte deste artigo a respeito da nossa religião, porque estou persuadido que não ha nenhum Sr. Deputado, que duvide de

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que a nossa religião é a catholica apostolica romana e parece por tanto escusado haver discussão sobre este assumpto em que todos, todos estamos conformes. (Apoiado, apoiado.)

O Sr. Furtado de Mello: - Pedi a palavra para mandar para a mêsa a seguinte substituição ao artigo em discussão.

Artigo 3.° A religião dos portuguezes é a catholica, apostolica, romana. Permitte-se com tudo a cada um o exercicio particular do seu respectivo culto.

A liberdade religiosa é o mais augusto principio, que se póde estabelecer numa Constituição, que tem por fim garantir os direitos dos cidadãos, pois podendo acontecer que alguma rias nossas provincias Ultramarinas queira adoptar outra religião, ou outro culto, não me parece judicioso, que por semelhante motivo se levantem novas cruzadas, e se leve a guerra aos irmãos do Ultramar, de que talvez resultaria a perda daquelles bellos dominios.

O Sr. Ferreira de Castro: - Quando esta materia foi tractada na generalidade, disse eu que, reservando-me a fallar da religião do Estado na especialidade, talvez dissesse alguma cousa no sentido de maior tolerancia. Este artigo contém um facto, e um principio, como acabou de dizer o Sr. Rodrigo de Menezes: e sobre a 1.ª parte assento eu que este Congresso não tem nada a determinar, e só a declarar; e por isso me parecia que este artigo poderia ser omisso aqui, mas não a proporei. Na 2.ª parte porém constitue-se já um principio, mas se a religião é um facto para os nacionaes, cumprindo-nos apenas a declaração desse lacto, como é que ella o não ha de ser lambem para os estrangeiros? E como poderemos nos privar os estrangeiros de usar diquclle culto, que entenderem? Requeiro por tanto a eliminação da 2.ª parte do art.; e neste sentido mandarei para a mêsa um requerimento.

O Sr. Costa Cabral: - Não é para fazer questão sobre qual e a religião da nação portuguesa, que eu pedi a palavra, porque todos estão conformes neste principio, que a religião da nação é a catholica apostolica romana. Eu sou conforme a este respeito com o parecer da Commissão, e com a redacção, que ella apresenta na primeira parte do artigo; mas não sou conforme com a segunda pane delle. Se a presente questão não fosse aqui suscitada, eu não faltaria nella, mas como o foi direi o que eu entendo a tal respeito. Entendo que são cidadãos portuguezes, não só os que habitam em Portugal, mas os que habitam nas possessões ultramarinas, mas se nestas ha portuguezes que tem uma differente religião, e um differente culto, como poderemos nós estabelecer que a religião de todos os portuguezes será a catholica apostolica romana? Acaso pertendemos nós levar a intolerancia a ponto de obrigarmos os nossos irmãos do ultramar a seguir uma religião, que elles não reconhecem? Temos nós direito para faze-lo assim? Diga se portanto que a religião da nação portugueza é a catholica, apostolica romana, mas sejam permittidos a cada um os seus cultos particulares, se por alguns se tiverem decidido, e em todo o caso não vamos nós estabelecer neste art. um principio, que applicado aos nossos irmãos do ultramar, que tiverem differente culto do nosso, os obrigasse a seguir por força uma religião, que elles não conhecem (vozes, lá tem o seu culto publico) tanto melhor, uma razão de mais para não os irmos embaraçar; em fim esta materia não carecia de grandes demonstrações. Se for necessaria uma emenda neste sentido, eu a enviarei para a mesa.

O Sr. Rodriqo de Menezes: - Eu pedi que o artigo não entrasse em discussão, senão em quanto elle constitue a declaração de um facto. Srs., a França (paiz que ninguem pode duvidar que vai muito adiante de nós em materias taes.) ainda não julgou poder prescindir d'uma tal declaração. Eu proporia por isso, que nos limitassemos a declarar que a nação portuguesa é catholica romana, e que esta parte do artigo, que regula oculto particular dos estrangeiros, fosse mudado para onde se tracta dos direitos do cidadão.

O Sr. Alberto Carlos - Eu queria dizer aquillo mesmo. O artigo 11.° do § 4.° diz assim (leu) Parece-me pois que a ultima parte do artigo deve ficar adiada para quando chegarmos a este logar, e lá tractaremos então desta materia.

O Sr. Leonel: - O artigo, que agora se discute no projecto, é copiado lateralmente do artigo 25 da Constituição de 1822, que diz assim (leu.) Eu, Sr. Presidente, não sei como se possa fallar bem na questão de ordem , para que eu tinha pedido a palavra, sem entrar na questão da materia. Se fallando sobre o additamento, é permittido fazer alguma reflexão a respeito da materia, eu o farei, alias eu peço desde já a V. Exca. me dê a palavra para fallar sobre a questão da materia.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado pediu a palavra para fallar sobre a ordem; e para fallar sobre a materia ha outros Srs. Deputados, que pediram a palavra primeiro.

(Algumas vozes disseram «cedemos, falle o Sr. Leonel»)

O Sr. Leonel: - Sr. Premente, é agora occasião de repetir aqui, o que eu já disse outra vez. Os legisladores das Necessidade!, acharam-se em circumstancias de serem mais avaros a respeito das garantias individuaes, do que nós o podemos ser agora. Sobre religião havia na Constituição de 1822 o artigo, que eu agora acabei de ler, e d'elle se segue que a Constituição não permittia a nenhum portuguez o exercer outra religião, que não fosse a catholica apostolica romana. Mas o que disse o Sr. Costa Cabral é uma verdade: se em Portugal todos os portugueses são catholicos, tambem é verdade que em alguma parte das possessões ultramarinas ha portugnezes, que não só não são catholicos, mas nem mesmo são baptisados. Eu approvo o que propoz o Sr. Ferreira de Castro, isto e, que se elimine a segunda parte do artigo, porque em quanto a primeira é um facto reconhecido. Ora, reconhecendo-se este facto., e parando nós aqui, não se dará occasião para se fazer perseguição. Direi porém que a Carta de 1826 conservou um artigo semelhante a este, mas conservou-o em outro logar diz elle(leu). Elle póde agora passar para a Consumição, porque a sua materia contém uma verdade, e foi por isso que a Commissão o exarou no projecto. Eu não me envergonho de confessar que isto é copiado da Carta, e creio que ninguem levará a mal o ter-se tirado para aqui esta copia. Digo por tanto, que desta forma fica reconhecido o lacto da religião catholica apostolica romana. E pelo que pertence aos estrangeiros, que precisão temos nós de di^er aqui que elles podem exercer o seu culto particular, quando elles tem este direito pelos tractados? Em segundo logar é necessaiio saber-se outra cousa, e é, que o exercicio particular de uma religião qualquer, â muito tempo que se exerce entre nós, sem ninguem se importar com isso: e para o provar eu contarei agora, que indo uma vez a certa hospedaria, que havia no Caes do Sodré, visitar um amigo, aconteceu reparar eu, e ouvir que no andar de cima se rezava, e dizia muitas vezes = Amen = então perguntei o que é isto? Respondeu-se-me, são judeos que lá moram, e que estão rezando o mais que elles diziam não entendia eu, mas entendi a palavra = Amen = por que já a entendia havia muito tempo. Concluo por tanto declarando, que a Commissão apresentou aqui este artigo, por que iodos sabem que ella estava em circumstancias de não se poder alargar muito, mas apresentando aqui o seu trabalho, fez o que devia, o Congresso porém póde eliminar se quizer, e eu agora mesmo voto por essa eliminação, e talvez que em outras muitas occasiões tambem o faça

O Sr. Presidente: - A hora deu; mas como ha muitos, Srs. Deputados, que tem a palavra, é necessario que cedam d'ella, ou que fique a materia adiada.

(Os Srs. Deputadas, que tinham a palavra disseram: cedemos.)

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O Sr. Presidente: - Como cedem da palavra proponho então se a materia esta sufficientemente discutida.

O Congresso decidiu que sim.

Posta á votação a primeira parte do artigo ate às palavras apostolica romana foi approvada unanimemente.

Indo a votar-se na segunda parte pediu a palavra o Sr. Galvão Palma.

O Sr. Galeão Palma: - O objecto, que está em discussão, póde ser comtemplado theologica, ou politicamente. Deixamos aos concilios, às escolas, e lyceus academicos encara-lo debaixo do primeiro ponto de vista. Uma assembléa legislativa, e constituinte não deve, nem mesmo póde fazer-se cargo do que só é attribuição da polemica sagrada. O que eu simplesmente posso accrescentar e que a opinião, que alguem emittiu, não e paradóxa, não rompe os vinculos religiosos, que nos incumbe estreitar, pois a mudança, que pertende fazer no artigo em questão, não entende com o dogma, nem com amoral da religião, que professamos. A tolerancia é a sua mais nobre divisa, e tão demonstrada, que em referencia a ella até os appellidados - espiritos fortes - lhe tecem o bem merecido elogio. Com tudo será da nossa politica dar uma nova redacção a este artigo, alterando a formula, que em todos os tempos, e mm explicitamente os patriarchas da liberdade, os nossos primeiros constituintes consignaram nas bases da Constituição, que então, como agora, juramos? Parece-me que não. Lembremo-nos, Srs., da ignorancia, e fanatismo dos povos, e principalmente os que habitam em as provincias, e bem assim a poderosa influencia, que sobre elles tem alguns Ministros do culto. Estes combinados com o grande outrora exercito auxiliar da cúria, a quem o decreto de 30 de Maio de 34 desarmou, que ideas inspirarão ao povo rude, senão que com essa mudança queremos derrotar a religião, e que a Camara e organisada de blasfemos, e ímpios, e perdendo por esse facto o credito, única arma que nos sustenta, temos perdido se não a publica confiança, pelo menos a de grossas massas? E será difficultoso inspirar ao povo estas idéas? Uma nação que via, não ha longos tempos, sem horror abrazar em nome de Deos da paz tantos infelizes, que ainda ha pouco pensava que a religião mandava maltratar, roubar, e assassinar os amadores do systema representativo, não acreditara agora que esta alteração viola a religião, que herdaram ae seus maiores Mesmo ha dias, na capital da minha província, foi descoberto o centro de um club revolucionário, cujo plano era assassinar grande numero de distinctos cidadãos, que às cívicas reúnem edificantes qualidades moraes, só com o fundamento de professarem um systema, que elles appelidam - anti-christão - qualificando de hereges, e seis-maticos, os que o adoptam, e seus defensores mais ruinosos á igreja que os Lutheros, e Calvinos. Respeitemos pois os usos, e praticas, que a veneranda antiguidade tem consagrado entre nós Srs., eu vos peço mui submissamente; não toquemos nesta sagrada taboa. O maior dos prejuízos é querer arrancar todos A quentão, que se ventilou na Russia, com que dedos se devia fazer o signal da cruz, motivou uma acalorada com moção política São bem sabidas as consequencias do decantado Interim de Carlos V: que fataes foram as disputas na illuminada França sobre a virgula, que estava em cima das proposições de Miguel Bay, condemnadas por Pio V.? Lembraivos, Srs., que todos podem conhecer os homens, mas ninguem melhor que o discreto pastor ecclesiastico, que o ministro da penitencia, pois seu tribunal chega aonde não alcançam os das outras authoridades, e o processo, que nelle se faz, não é tão sujeito ao perjurio de testemunhas.

O Sr. Almeida Garrett: - Sr. Presidente, esta materia estava discutida, e ia pôr-se á votação, um Sr. Deputado, que acaba de fallar, pediu a palavra sobre não sei que ordem, e a titulo de ordem restaurou a questão de materia, o que se não póde admittir depois de julgada ella sufficientemente discutida pelo Congresso.

Agora é forçoso seguir o começado. Entendo justa a eliminação absoluta desta parte do artigo, mas por uma razão, que ainda se não deu. Esta Constituição e a Constituição para Portugal, é a declaração dos direitos dos portuguezes, e consagrada a declaração de seus direitos e a primeira parte do artigo, mas a segunda parte e relativa aos estrangeiros. Não póde ser aqui, nem em parte nenhuma da Constituição o seu logar. É incoherente e quasi indecente que a enumeração dos direitos dos naturaes e cidadãos destes reinos seja interrompida pela declaração de uma faculdade, que não é nem póde ser constitucional, concedida a pessoas inteiramente estranhas, que politicamente nada tem comnosco, nem com este nosso pacto de familia. Voto pela eliminação da segunda parte do artigo.

O Sr. Barão do Bomfim: - Eu tinha pedido a palavra sobre a ordem, e quando a pedi foi porque vi que estava fallando um Sr. Deputado, que tinha tambem pedido a palavra sobre a ordem, e estava então no seu direito, assim como eu no meu quando a pedi; e ainda que o Sr. Deputado entrasse na discussão da materia, não era o meu fim, cortar-lhe a palavra, mas sim enunciar doutrina differente sobre o modo desta votação, agora sobre este objecto nada mais direi porque fui prevenido pelo Sr. Garrett.

O Sr. Galvão Palma: - O que eu disse ha pouco, é o que hei de dizer sempre em toda a occasião.

Posta á votação a segunda parte do artigo, o Congresso resolveu que se eliminasse.

O Sr. Vice-Presidente -O artigo está votado, a hora já deu, esta levantada a sessão.

Eram quatro horas e meia da tarde.

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