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SESSÃO DE 28 DE SETEMBRO.

(Presidencia do Sr. Macario de Castro).

Abriu-se a sessão às onze horas e meia da manhã, estando presentes oitenta e um Srs. Deputados.

Leu-se e approvou-se a acta da sessão anterior.

ORDEM DO DIA.

O Sr. Presidente: - Continua a discussão sobre a organisacão das Côrtes: tem a palavra o Sr. Fernandes Thomaz.

O Sr. Fernandes Thomaz: - Sr. Presidente, para me convencerem a votar por uma só Camara, seria necessario que se me provasse primeiro, ou que uma segunda Camara era incompativel com as liberdades publicas; ou segundo, que pelo menos ella seria um estorvo ao bom andamento do systema representativo, e uma verdadeira imperfeição. Mas, Sr. Presidente, nenhum dos Srs. Deputados, que tem advogado a unidade do corpo legislativo, demonstrou ainda quer uma, quer outra das proposições, que acabei de enunciar; e então não posso mudar da minha opinião -duas Camaras = Tem-se dito muita cousa contra ellas, mas não se tem passado de argumentações sem força, e de asserções gratuitas; razões convincentes, nem uma só ainda se deu, como é fácil demonstrar.

Porém , Sr. Presidente , antes disso eu desejava fazer a reflexão seguinte: que se tem trazido para demonstrar que a formação de duas Camaras é incompativel com a liberdade do paiz? O exemplo de Inglaterra; e para provar que o systema de uma só Camara repugna com as idéas de sua politica, e publica estabilidade, tem-se igualmente trazido o mesmo exemplo! Ora, Sr. Presidente, parece-me que elle não póde servir na questão actual, nem pró nem contra; porque não tem as circumstancias d'aquelle paiz paridade alguma com as nossas. Os exemplos de Inglaterra não podem servir para a França; ou para outros paizes, que estão abaixo da França, mas inferiores ao nosso, quanto mais para nós! A historia do governo constitucional d'Inglaterra, e das suas revoluções politicas é mui singular. Em todas ellas o povo sempre tem lucrado mais ou menos, em quanto que nps ontros paizesquas,i em todas as épocas, os sacrifícios de muitos tem sido para proveito de poucos. Em Inglaterra os nobres ligaram-se com o povo para obstar ao despotismo dos Reis: nos outros paizes os Reis ligaram-se com os povos para de debelirem o poder dos aristocratas. Vejam-se ao mesmo tempo os barões inglezes a extorquirem a Magna Carta a João Sem Terra, e Filippe Augusto de França unido ao povo a esmagar em Bovines o poderio dos srs. feudaes.

Ahi está a Dinamarca que já hontem se citou, onde o povo ajoelhou aos pés do Throno para se libertar do despotismo dos grandes; ahi ha exemplos na Suecia, no reino visinho a nós, e da nossa proprio historia; basta citar que um dos Reis mais populares, que tivemos, não obstante ser um dos mais despoticos, foi o nosso D. João II, só porque andou sempre em continuas hostilidades com os srs. de terras. Eis-aqui como a Inglaterra, e a sua aristocracia não póde servir de exemplo para nós, porque sabe fora da marcha uniforme das outras nações, e particularmente da nossa. Se a aristocracia inglesa tem feito -""rviços á liberdade, a aristocracia das outras nações tem feito o contrario e por isso não se traga como exemplo: Se eu argumento por outro lado contra o estabelecimento de uma camara aristocratica; e de privilegio , como a ingleza, tambem se não traga essa exemplo, porque nós não temos já essa aristocracia forte, e soberba. A organisação constitucional d'Inglaterra é só propria d'aquelle paiz. Nós não queremos uma segunda Camara de privilegio e aristocratica, mas na minha opinião só a devemos querer de origem popular, como a primeira (apoiado).

Disse um Sr. Deputado, que a formação d'uma segunda Camara seria incompativel com as liberdades publicas; e, sé o provasse, decidida estava a questão; mas o Sr. Deputado quando o quiz demonstrar, recorreu á exclamação seguinte: e querem uma Camara composta das notabilidades sociaes?" E que garantias dá ella ao povo? Querem uma Camara de desembargadores? Deos nos livre, que são inimigos do povo. Querem que ella se componha dos militares das ultimas patentes? Nada, que são inimigos do povo. Querem lá vêr os grandes proprietarios, os homens de subidos talentos, e distincto saber? Por modo algum, são outros tantos inimigos do povo!!" Eis-aqui, Srs., como se tem argumentado! Dize-lo, nada mais facil; mas prova-lo não o julgo eu possivel. Oh, Sr. Presidente, pois quaes são aquelles, que melhores garantias podem dar a bem do povo, a bem da ordem, e da segurança da liberdade? Não são esses, que dedicaram de longos annos seus serviços na gerencia dos negocios publicos, na profissão das armas, nas suas longas meditações, e estudos a prol do seu paiz, não são esses bem qualificados representantes delle? Ha de dizer-se: tu que és tenente general, tu que és grande proprietario, tu que és magistrado, vós todos embora tenhais ganho vossos empregos á custa de trabalhos, vigilias, e estudo, e sacrificado vossa fazenda, e vidas para merecerdes a estima de vossos concidadãos, e o nome de servidores leaes de vosso paiz vós todos retirai-vos, que não podeis constituir um segundo corpo legislativo; vós sois inimigos do povo!!.. Que tristes reflexões se podem fazer sobre tal asserção, Sr. Presidente! Que desgraçadas consequencias se não podem deduzir della! Aonde é que se podem achar maiores garantias para o bem-ser do paiz em dous corpos co-legislativos, aonde se encontrem num desses as notabilidades sociaes delle ou em um só, cuja maioria póde ser composta de homens não conhecidos, sem serviços, sem aptidão para os negocios, e que começando por terem illudido o povo, se sirvam do alto logar de representantes delle, para involverem a sua patria, por sua louca ambição, em milhares de desgraças? Qual é aquelle, que mais facil é de corromper, qual é aquelle, que se deve julgar mais ambicioso? O que chegou aonde podia chegar, da aquelle, que ainda vê de muito longe o termo de sua ambição? (Apoiado.) Sr. Presidente, não me tem escapado nesta discussão uma circumstancia muito notavel, e é que aquelles de nossos collegas, que se esforçam por defender uma camara só, depois de julgarem ter provado que a creação d'uma segunda seria um mal terrivel para a liberdade do paiz, começam a provar depois a inutilidade dessa mesma segunda camara, como uma excrescencia constitucional! Ora, Sr. Presidente, parece que, depois de se julgar bem provada a primeira proposição, a que vem a segunda? Provado o mais, e o tudo neste caso, quero dizer, a incompatibilidade da segunda camara com a liberdade do povo, para que provar depois o menos, e o nada? Disse-se hontem que a multiplicidade dos corpos legislativos era um mal para a boa marcha dos negocios do estado; mas se por multiplicidade se entendem duas camaras, (porque ninguem, assento eu, quer mais) então declaro mui positivamente o contrario. Ellas são necessarias para a boa marcha das cousas: Uma camara só a legislar está mais sujeita á doença dos corpos legislativos "o abuso de fazer leis" D'ordinario sempre se abusa das faculdades, que se não, quer seja a um individuo, quer a uma collecção delles. Isso é da natureza humana. A multiplicidade de leis quando desnecessarias, é uma praga para a sociedade. Este mal sempre se obvia mais havendo duas camaras, do que uma só; porque a primeira camara evitará de certo fazer mais leis do que convém, e as circumstancias publicas imperiosamente exigem, com o justo receio de não serem approvadas

SESS. EXTRAOR. DE 1837. VOL. III 5