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SESSÃO DE 30 DE SETEMBRO

(Presidencia do Sr. Macario de Castro).

ABRIU-SE a sessão ás onze horas e meia da manhã, estando presentes oitenta e tres Deputados.

Leu-se e approvou-se a acta da sessão antecedente.

ORDEM DO DIA.

O Sr. Presidente: - Continua a discussão sobre a organisação das Côrtes; tem a palavra o Sr. Midosi.

O Sr. Midosi: - Depois de uma a tão longa discussão, que parece ter cansado tanto a attenção da Camara, como a do publico, é difficil a posição do orador, a quem cabe a palavra, quando os mais abalisados talentos da Camara tem tractado esta materia. Ainda quando possuisse grande cabedal de conhecimentos, que me faltam por certo, e eu o confesso, mal poderia, sem repetir algum dos argumentos produzidos, encetar hoje a discussão. Fatigada a Camara com tres sessões desta discussão, eu farei, por ser o mais laconico possivel, nem procurarei enfastiar meus illustres collegas com longos discursos sobre assumpto tractado e discutido ha mais de meio seculo pelos publicistas mais abalisados da Europa, porque julgo ser do meu dever não abusar, da condescendencia da Camara: Guardaria sem duvida o silencio, depois que fallei na generalidade deste projecto de constituição, se hoje, na especialidade das duas Camaras os illustres Deputados, que são unitarios na organisação politica, não tivessem empregado toda a sua eloquencia em procurar convencer-nos da utilidade de constituirmos, o poder, legislativo em uma só Camara. Creio, Sr. Presidente, que a unica differença, que existe neste Congresso entre os Srs. que advogam ume só Camara, como mais conveniente, e os que julgam que as duas Camaras são indispensaveis, considerado o nosso estado actual, consiste em que os primeiros ajuizam dos homens, e das cousas pelo que elles, e ellas devem ser, e nós ajuizamos de uns, e de outras pelo que ellas são: e assim cada um seguindo o modo de encarar o mal politico; prescreve o remedio que tem por mais efficaz. Quizera convencer-me da possibilidade de uma só Camara, de sua duração no estado actual da politica Europea, do proveito que d'ahi resultaria á minha patria, mas não posso, ou abra os livros, ou estude a experiencia primeira mestra da vida. Desde Montesquieu Blaclestone, e tantos outros até Constante Guizot, Sismondi, e os mais publicistas destes ultimos annos, entre os quaes logar, mui destincto, occupa o nosso illustre compatriota o Sr. Silvestre Pinheiro, não, encontro doutrina politic, que deixe de abonar, e defender, a existencia, de uma segunda Camara, considerando-a como propria a manter o equilibrio entre o Governo, e o povo, como contra-peso, sem o que o equilibrio cessaria na discussão de qualquer lei, e o fiel da balança se inclinaria para um ou para outro lado, e desde logo faria apparecer a tyrannia do poder supremo, ou a ochlocracia, que é a tyrannia, do povo, tyrannia a mais nociva, e que posto eu a não tema com o povo portuguez, que no meio de repetidas revoluções tem sempre mostrado o seu bom senso, generosidade, e moderação; nem por isso devo deixar de aconselhar os meios, para que ella se afaste de nossa terra.

Não me farei cargo de responder aos argumentos que apresentaram os illustres deffensores da unidade duma Camara, porque estão-na sua maioria refutados, e então notarei apenas alguns mais salientes, de que creio se não occuparam os oradores, que me precederam. Disse-se do lado esquerdo da Camara, sustentando a sua unidade, que era preciso constituir o poder legislativo do modo o mais proveitoso para o paiz. Se proveitoso significa na nossa lingua utilidade, e duração é do nosso rigoroso dever aproveitar os elementos que temos, e não tractar de crear elementos novos, e duvidosos, que podem na experiencia trazer em vez de proveito a ruina do paiz. O mais proveitoso é sempre o que tem menores inconvenientes, e difficuldades, e por certo ninguem dirá que o caminho trilhado é mais difficil para o viandante, do que as escabrosas montanhas, e os precipicios. Vamos pois Srs., pelo trilho conhecido; e deixemos á prudencia do futuro o abrir nova senda; que póde ser boa, optima até, mas que as nossas circumstancias nos aconselham a não fazermos a experiencia.

O mesmo illustre orador, que deseja constituir o poder legislativo do modo o mais proveitoso para o paiz, ponderou que os habitos liberaes não estão ainda sufficientemente arraigados no nosso Portugal. Isto importa o, mesmo, Sr. Presidente, que dizer que a patria está na infancia da liberdade; e então, se isso se reconhece, como se quererá dar ao nosso Portugal, na sua infancia, um alimento politico tão forte, que em vez de alimenta-lo e leva-lo á virilidade pode causar-lhe a morte? A maior ou menor latitude em instituições politicas e organicas; que se deve conceder a qualquer povo, deve estar sempre em relação com o estado de sua illustração, e de suas forças moraes. Querer transpor de salto o espaço immenso, que ha entre um povo, que não está ainda preparado para as grandes mudanças politicas, e outro que passou por ellas, e aprendeo da pesada experiencia, é querer arriscar-se a cahir no vacuo, que divide esse povo inexperto, e novo na carreira da liberdade do outro, que pelas lições do infortunio se tornou cauteloso.

Ouvi na discussão de hontem sustentar que um só corpo legislativo póde estabelecer dentro em si; sem carencia de outra Camara, uma Commissão, que corrija o que a Camara faz, e substitua à Camara alta. Não serei eu quem vai agora responder a este argumento, mas sim o illustre, B. Constant, que nestas materias vale mais que o Literato Chateaubriand, cuja authoridade foi hontem invocada neste Congresso para sustentar doutrina constitucional, apezar de ter sido um dos signatarios do tractado de Verona! Todos os freios, (diz elle) que uma assembléa unitaria haja de impôr a si propria, todas as precauções contra a urgencia em suas discussões a necessidade dos dous terços de votos ou da unanimidade, todos esses freios são meras illusões. Uma só Camara põe sempre face a face uma maioria contra uma minoria, com a differença em desfavor da minoria; que o regulamento, quando por ella é invocado, é obra da maioria, que tem sempre na sua mão a certeza e o meio de poder desfazer a sua propria obra. A divisão do poder legislativo em duas secções separadas estabelece ao contrario dous corpos, que tem interesse em defender as suas respectivas opiniões. Ha então maioria contra maioria. Aquella do corpo mais numeroso, não sendo outra cousa senão uma maioria de convenção quero dizer; uma maioria ficticia, se se comparar com a nação inteira, não ousa pôr em duvida a legalidade da maioria menos numerosa, que lhe é opposta. Daqui pois se póde ver quanto nocivo, e inutil seria esse corpo ou Commissão nomeada no seio de uma só Camara, e cujo veto póde ser desfeito pela maioria da mesma Camara. O correctivo não póde pois ser outro senão o da formação de outro corpo co-legislador e independente, que possa impedir ou servir de barreira contra as usurpações do throno, quando este queira invadir os direitos do povo, assim como contra a demagogia, quando esta queira attentar contra as prerogativas da corôa.

Mas notou-se do lado direito da Camara que, formados dous corpos co-legisladores, estabelece-se desde logo uma rivalidade continua entre as duas Camaras. É desta rivalidade, é desta opposição de opiniões, que nasce a força, a utilidade, e a belleza do systema da divisão do corpo legislativo. Por este methodo é que se mantem o equilibrio, e então apparecem as decisões do poder legislativo revesti-

SESS. EXTRAOR. DE 1837. VOL. III. 14