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SESSÃO DE 2 DE OUTUBRO.

(Presidencia do Sr. Macario de Castro.)

ABRIU-SE a Sessão ás onze horas e meia da manhã, estando presentes oitenta e cinco Srs. Deputados.

Leu-se e approvou-se a acta da Sessão anterior.

Pediu a palavra.

O Sr. Derramado: - Eu tinha pedido a palavra para lembrar que a votação fosse nominal, e tambem para fazer observar ao Congresso que, em material tão graves, e de tanta ponderação, e bem que esteja a Sessão completa com os Srs. Deputados, que costumam assistir ás discussões, para que a Nação saiba quaes são os votos dos Srs. Representantes em materias de tanta trascendencia eu pela minha parte tenho o mesmo desejo, que julgo terão todos os Srs. Deputados, isto é, que a Nação saiba clara e explicitamente qual e a opinião de cada um dos membros deste Congresso, e que, se nós não tivermos a fortuna d acertar com a vontade dos nossos constituintes, tenham estes ao menos documentos sufficientes, para que possam regular-se nas eleições futuras.

O Sr. José Caetano de Campos: - Eu queria dizer o mesmo, que acabou de repetir o Sr. Derramado, Esta é uma questão de muita importância, e não me parece justo que se vote sobre ella no principio da Sessão. Faltam muitos Srs. Deputados, que nunca deixaram de assistir ás Sessões do Congresso, e seguramente não faltarão a esta, em que todos sabem que se havia de votar sobre tão importante objecto. Peço portanto, Sr. Presidente, que SB demore até que cheguem todos, ou a maior parte dos Srs. Deputados, que faltam.

O Sr. Leonel: - Sr Presidente, eu era para ponderar as razões, que já se disseram. E' verdade que todos os Srs. Deputados tem obrigarão de estar aqui a hora certa, mas porque alguns faltam a fallar, e mesmo porque por honra dos Srs. Deputados seria bom que se esperasse algum tempo, e neste intervallo ha algumas cousas que se podem ir fazendo, e eu tenho aqui em meu puder uma representação de uma authoridade, de grande importancia, se V. Exca. me der licença eu a leio, e entre tanto podem vir chegando mais alguns Srs. Deputados.

O Sr Gorjão Henriques: - Sr Presidente, tendo estado doente estes ultimos dias, não pude por isso assistir ás Sessões, mas ainda quando presente estivesse, não tomaria parte na discussão, porque havendo eu votado, como outros Srs., que se não discutisse o Projecto de Constituição, em quanto as garantias estivessem suspensas, e em quanto não houvesse liberdade d'imprensa, tinha resolvido não tomar parte na votação Por tanto, ainda que a minha opinião é que o Corpo legislativo seja composto de duas Camaras, com bastante mágoa me vejo inhibido de assistir a essa votação, porque em minha consciencia entendo que assim o devo fazer, em quanto a opinião publica, que sempre desejo consultar em questões desta gravidade, não estiver livre nos meios de se manifestar.

O Sr. Barjona: - Como os Srs., que ainda tem de fallar, se não acham agora presentes, e eu desejo que nesta questão, vista a sua importancia, fallem extensamente todos os que tiverem pedido a palavra, proponho que se não feche ainda a discussão, e que, em quanto não chegam os Srs. Deputados, que hão de fallar, se encha o intervallo com as explicações, para as quaes alguns de nossos collegas se acham inscriptos.

O Sr. Leonel: - Quando se tractou da discussão sobre se se havia de entrar na discussão da Constituição, eu tambem fui de voto que não, porem não disse que não havia de tomar parte na discussão da Constituição, em quanto estivessem suspensas as garantias, nem me parece que algum dos meus collegas, que foram do mesmo voto, pronunciassem semelhante cousa.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado não fez mais do que dar uma explicação de facto.

O Sr Leonel: - Bem sei iras eu devo expor isto, para que se saiba o que se passou.

Agora, Sr. Presidente, como estão inscriptos alguns Srs. para explicações, não seria máu que V. Exca. lhes concedesse a palavra, para nos ir-mos entretendo, em quanto não chegam mais alguns Srs. Deputados para a votação.

O Sr. Presidente: - As explicações são no fim da votação.

O Sr. Derramado tem a palavra.

O Sr. Derramado: - Sr. Presidente, nós temos uma segunda parte da ordem do dia, que e o Parecer da Commissão de Administração Publica sobre a Companhia de navegação do Tejo, e Sado por barcos a vapor podia pois transferir se a segunda parte para o logar da primeira, e no entretanto podem vir chegando mais alguns Srs. Deputados, porque muitos moram longe, e alguns creio que até fóra da cidade, motivo, por que vem sempre mais tarde.

O Sr. Presidente: - Este incidente está terminado, porque dentro da sala estão já alguns Srs., que tem a palavra sobre a ordem do dia, e por isso vou dar-lha.

ORDEM DO DIA.

Sobre a organosação das Côrtes. Teve a palavra

O Sr. Santos Cruz: - Sobejo mais que outrem, sou eu, Srs., nesta Tribuna, e nesta causa, meu credo politico está no Projecto de Constituição, que eu dei a essa Mesa, meus principios, e meus sentimentos nas paginas patrióticas (creio) por toda a parte estampados. Combatendo solitário contra n'uma Europa doutrinaria no reducto dos principios, minhas armas estão por ora virgens á força do debate, a nem um dos meus argumentos tem sido abalado, e como uma numeralidade de auctores para num não vale a unidade de um principio, não vemos que combater até agora senão citações, e contemencias, eu pudera talvez retirar-me com gloria, se eu não precisasse tambem retirar me com honra, sem remorso no peito, e sem cor na face, como aqui entrei. Uma nobre missão pois aqui me traz hoje, uma missão conscienciosa, eu preciso saber se vós pertendeis votar sobre uma Camara vitalicia, porque isso e uma alteração fundamental, e solemne á Constituição do Paiz, e eu declaro que preciso de novos poderes de meus constituintes para alli entrar. Porque, se vós tendes nisso vossa consciencia aclarada, eu não, eu não ouvi a revolução, eu não ouvi á victoria senão este grito = Constituição de 20 modificada =, o meu diploma e a vontade geral de um Povo livre, e não o papel de um Ministro dictatorial, eu não posso pois alterar a Constituição de 20, e rejeitando cathegoricamente, e de todas as minhas forças essa segunda Camara anti-constitucional, eu vou dizer-vos de uma vez, e talvez a ultima, toda a minha idea politica sobre as Constituições dos Estados singular será ella, mas eu a sustentarei em principios contra toda a Europa doutrinaria, e eu alli a deixo aos publicistas, aos aquilibristas, aos realistas illustrados...

Srs., se doações agraciadoras, e não poderes legaes eu tivesse a repartir, eu consultaria o meu coração, e então só generoso confesso que poderes illimitados; isso que ninguem póde merecer, nem dar, só as notaveis excepções portuguesas, só a Augusta Filha do Libertador m'os mereceria.

Se entidades fisicas, e não direitos moraes, eu tivesse a ponderar; se o problema fosse equilibrar massas por mechanica, e não deduzir leis por direito publico, então eu consultaria a minha algebra, e só arithmetico começaria por ponderar essas massas, medir velocidades, meter tudo em equação, e achar o resultante, calcular quanto pesa o exe-

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cutivo, quanto o legislativo, quanto o judicial, e mesmo assim talvez o problema de statica contra vós pronunciasse, porque o executivo mesmo solitario se se lhe tinha um grão arrasta a balança; o caso porém não é de arrobas, é de direitos, não é de Statica, é de jurisprudencia, (odeio as methaforas do arrobador Lally); não se tracta de saber se terão massas, ou velocidades, mas se serão competentes, se serão legitimas esses poderes, que formarmos; talhar direitos por equilibrio; bello edificio seria esse, mas as pedras são de seu dono; parece-me isto obra publica antiga, que se tomava o material de cada um, aonde se achava! Vejamos pois, o que e isto de Soberania, o que é isso de representação, o que é isso de lei, e de quem é, para vermos se isso, que se faz á balança, sahirá Soberania, sahirá representação, sahirá lei, porque isso são qualidades, e não quantidades abstractas. Soberania é a communidade de todos os direitos iguaes reunidos: ora como não ha se não um todo, ella é de essencia universal. Representação é a delegação de Soberania de propriedade, e como esta é inalienavel, a representação é de essencia electiva, e amovivel.

Lei é a vontade geral, e solidaria; e, como o solidario é indivisivel, não ha lei senão a das maiorias.

Eis-aqui o principio gerador, e fonte invariavel de toda a Constituição Politica de um Estado; e como da mesma fonte não derivão dous fluidos, do mesmo principio duas consequencias, nem do mesmo germen duas plumulas, se não por enxertia, (oh que monstruosidade em Botanica!) tambem do mesmo principio não podem dimanar duas Constituições essenciaes; e, porque segunda Camara não preenche aquellas três indicações, segue-se que não é Soberana realmente, não é representativa, não é legislante, é em todas as hypotheses um monstro politico, e eu vou demonstra-lo.

Segunda Camara privilegiada, ou tirada de uma só classe, não é Soberana, porque como a Soberania, por isso que universal, não a ha senão na Nação inteira, toda a eleição, que não vem do Povo, e da uma geral, não é uma Soberania, é uma autocracia de facto, uma representação de si mesmo, ou parcial; diz-se; mas ha Soberanias em alguns Paizes, que não estão na Nação, mas nos Monarchas; isso é por uma usurpação; é uma relação de Sr. á escravo; é um estado de guerra, e não o estado natural.

Segunda Camara vitalicia não é representante, porquê delegação perpetua é alienação real; se o povo pois alienou a Soberania, tal Camara não representa nada, porque o que havia de representar está alienado, ella é original, e não cópia, (como é a representação) ou é ella mesma a Soberania em propriedade: demais, quando ha uma proposição constitucional, os Deputados vão buscar ao Povo no anno seguinte poderes constituintes; e aonde os vai buscar o Senado vitalicio? É pois esse Senado constituinte sempre, ou é elle mesmo conscitante de si? Em fim é melhor dizer, é omnipotente, é tudo, e na verdade assim é, porque desde que ha o principio vitalicio, a Soberania está alienada: e eis-aqui dous poderes legislativos desiguaes. Dado pois um absurdo, os absurdos resultam aos milhares.

Segunda Camara mesmo amovivel e eleita não é com todo rigorosamente legislativa, porque lei é a vontade geral, expressa pela maioria, ou por escrutínio: ora, quando a segunda Camara rejeita, faz a lei a sua maioria, a qual é a respeito da maioria da primeira uma minoria constante: tambem quando a segunda Camara emenda fez a lei a maioria da commissão mixta, a qual a respeito da maioria da primeira Camara é uma minoria extraordinaria; logo uma segunda Camara não é uma legislatura, é uma facção que legisla, porque está em minoria pela maior parte; os actos pois, que se fazem em duas Camarás, podem ser tudo excepto leis no rigor da palavra, porque essas só são a vontade geral pelas maiorias expressada; mas este é precisamente o programma dos doutrinarios, reduzir sophismando os poderes a pequenas minorias, o problema das leis, porque então dominam-nas, que é o seu alvo. Está pois nó Projecto da commissão, e em todas as Constituições binarias desfigurada et lei fundado o privilegio, alienada a Soberania, e alterada em fim a Constituição actual: e na verdade essa segunda Camara eleita e vitalícia é uma tyrannia anomala, e absurda, ella será peor que o Senado de Veneza, pois que ella une os tremendos poderes de, sem recurso ao Povo, julgar os Ministros e legislar; ella é constituinte ordinaria, absoluta, eterna, sem principio nem fim; sempre governante, e nunca governada, e por tanto sem garantias, porque não fez leis, que lhe venham a recair, nem tem a penitencia da urna, se mal gerir, porque o throno, que a não sabe, não a póde retirar; o Povo, que a elegeo, não á póde mais retirar; ella pois fica num elemento entre o Povo e o throno, que não se sabe o que é: como esses espíritos suspensos entre o ar, e a terra, ella fica hermeticamente fechada como a redoma de Reims; mas como o que se não faz por lei faz-se contra alei, o Povo, não os podendo tirar d'alli, se prevaricarem, quebrará a redoma, e os autocratas. Tal Camara pois é um pomo de discordia para a legislatura, o cavallo de Troia para a patria, e uma mola arriscada para aquelles, que alli se ingerirem, além de ser uma derogação extravagante, que faz a geração presente á geração futura, do direito eleitoral, porque nós elegemos, e a nossa posteridade não elegerá jamais; o que quer dizer = que perdeu a Soberania por nossa Soberana vontade. =

A isto não ha que responder; e como um tal systema está todo fóra dos principios, eu concluo que nós assim faremos um equilibrio, uma conveniencia, o que se quizer; mas uma Constituição jámais.

Não ha pois, no systema das duas Camaras, principios, mas eu não lhe admitto nem conveniencias, e quaes?.... Diz-se que servem para representação da propriedade = estabilidade do systema = para equilibrio = para petição das leis = não sei para quantas cousas mais.

Representar riquezas, Sr.?.... Ha poucas idéas tão afrontozas á humanidade; eu estava persuadido que o homem rico não era homem á parte, que no berço maternal da natureza igual germen brotou homens iguaes; os direitos são as relações das necessidades, essas são iguaes, o nexo ao pastor com a sua cabana é do mesmo tamanho, que o do grande com o seu palacio; igualmente sagrada é a propriedade d'ambos, igualmente é o de ambos a vida, e a liberdade; e são esses direitos ou necessidades, o que aqui se vem representar, e não as jóias, ou esses direitos, essas necessidades subsistem as mesmas, embora desiguaes sejam as fortunas, os genios, ou as propriedades.... as fortunas!.... Que é isto, Srs., pois a assembléa nacional é um Louvre, uma feira, aonde cada um vem representar a sua mobiia, as suas geiras, ou os seus criados?... Pois se assim é, então eu para lhe calcular os direitos, quero que me mandem aqui uma amostra das suas terras (como já fez um morgado, que queria vender uma herdade). Na verdade, Srs. isto é um materialismo bem material!.. = as capacidades (ouçam), as capacidades representaveis são só as necessidades, = as capacidades representantes são só as virtudes, e os genios patrios; = ora as necessidades tão iguaes em todos, e o genio não tem raça; mas um Newton irá raspar a lama do seu atrio, um Necker irá acarretar fardos d'alfandega? (gritou aqui um mui sensivel Deputado). Srs., se elles vão acarretar fardos por arrofo de se lhes não dar uma representação á parte, deixa-los ir, não tenho dó delles... e se Newton fosse tão bom publicista, que entendesse que tinha maiores direitos, do que os que acarretavam fardos, ella e todos os publicistas taes, deviam com effeito andar aos fardos!... Srs., um Newton é Ncwton no problema dos tres corpos da mechanica cele te, e Newton no seu gabinete, é Newto tem na republica das letras, mas na republica da uma é um cidadão, nada mais; talentos

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só o são para a nação; e para a urna os que ella buscar, os talentos patrios. Que riqueza para a sciencia, mas que pobreza para a patria era o talento de Bacon, que dizia da liberdade ingleza - dum hac vesania populos invidit &c.! Em fim talemos, e virtudes - par etat - não os admittimos = quem os ha de achar, é a urna nacional. Não sei, Srs., como podesteis crear d'um traço de penna um privilegio autocrata no meio de uma Constituição soberana, e cuja soberania já votasteis! Ou então a vossa Constituição tem mais de um principio, e eu vou como - (Le citateur) - apresentar-vos a Constituição pela mesma Constituição refutada. Vós dissesteis - todo o homem é igual diante da lei - ajuntai, excepto os ricos, que quizerem ser Pares. - Vós dissesteis - todo o cidadão é apto para todos os cargos do estado pelos seus talentos e virtudes - ajuntai, excepto os homens de classes, que tenham ou não virtudes, hão de ser por força pela uma aturados; por força digo, porque é com effeito forçar a uma reduzi-la a victimas de uma classe. Porque não terá pois a riqueza representação áparte? Para não fazer estas perguntas, é que serve o direito publico; a resposta é bem simples; é porque tudo se metteu em commum no pacto da sociedade, e desde então todos os direitos ficaram igualados.

Mas os talentos, as cicatrizes, essas mil castas de cousas brilhantes, mas não privilegiadas, ficarão excluidas da urna? (se gritou aqui com bem sentimentalismo) Eu tambem tenho dó disso, mas que lhe havemos de fazer? Hão de entrar, se o merecerem; se são talentos, se são virtudes, a uma lá irá busca-los, e então não só serão representados, mas até representantes aberta lhes está esta sala, e o suffragio geral; mas agora, o que se lhe não quer dar é uma representação necessaria, reduzida a raça, e só por virtude de estado, porque isso é forçar a urna, é produzi-los, e não escolhe-los; isso se dará necessariamente, se obrigarmos a escolher por cathegorias, e nós nos responsabilisaremos pelos erros necessarios da urna, e pelos destinos ulteriores da patria. Não, nós não votaremos tão tyranno principio, mas que não se alarmem os talentos!... se o são o dilema é facil; ou essa segunda classe tem verdadeiros genios, e a uma geral os procurará, ou não os tem; e atura-los pela classe será uma grande calamidade. A classe pois que quer ser produzida pelo estado, ou pela força da lei, desconfia de se-lo pelo merito; e é mais uma razão de a não produzirmos pela uma forçada.

Representar a propriedade á parte... isto Srs., creio que não é só garanti-la, é mais alguma cousa, é aristocratisa-la; mas garanti-la contra quem? Contra a força? Lá estão as leis; só se é garanti-la contra as leis mesmas, por uma fabrica de leis para si; porque em fim, aonde se fez lei, que mande fartar a propriedade? Explicai-me bem pois este tal pensamento de representar a propriedade... Quereis vós não só garanti-la, mas que ella mesma se concentre, que se amorgadigue se não divida (como se diz) pelos rotos? Em fim quereis evitar o movimento igualisador? Pois se ella é para isso, uma tal Camara eu a declaro abominavel; não, eu não vos virei aqui propor as leis agrarias de Roma = qui tenet teneat, possessio valet = mas dividir a felicidade publica, igualar o mais possivel os homens, é o programma da humanidade; e deve sê-lo o das leis, a que preside o dia da liberdade. Pois não é já a riqueza concentrada uma aristocracia por se, uma calamidade inevitavel, uma potencia tremenda no estado, que tarde ou cedo o ameaça, (como diz Tracy)? Não é hoje a agiotagem uma alavanca perigosa, um estado de facto na Europa? Cumpre tambem faze-la governo de direito?... Ah! Srs. o movimento regenerador é inteiramente o contrario, e uma representação de riqueza á parte é anti-humana, grosseira, egoista, perigosa, e anti-liberal. E' mesmo, Srs., um crime constitucional: ella já existe, e pesa, as de nossos vindouros, se se potencialisa pela lei uma tyrannia tal!!! se se faz constitucional a agiotagem!.. E pergunto, que tem o grande proprietario a defender contra as leis, que não o tenha um cidadão ordinario? Que tem elte da mais a conservar? Algum privilegio, algum monopolio, alguma isenção? Em fim algum bem particular contra o bem geral? só isso, porque o simples góso da propriedade, essa não me consta que as leis a ninguem possam tirar; e não sei que os ricos precisem outras leis, que as dos mois. Isto pois é algum arcano sigamos pois este pensamento, e veremos que não póde ir dar, senão á defeza dos privilegios, uma aristocracia abominavel, uma representação enorme de si, e que se fará p´rste misturada á funccionaria!!! Então, Srs., a bem da desgraçada nação, antes mil vezes a aristocracia nata!

Estabilidade do systema: uma Camara vitalicia, que começa (pela sua anomalia) por degenerar o systema em usurpador, ou em autocratico, (porque põem logo em si a soberania, ou alienada ou radical,) não sei que dê muita estabilidade ao systema; mas o que eu preciso muito é, que me expliquem o que é esse pensamento de estabilidade. Se essa estabilidade é a estação do movimento liberal, em que vamos, então eu a detesto solemnemente; é precito ver pois que estação nos querem dar; estação será boa nos corpos já constituidos, n'uma organisação formada; mas estação no principio formativo, na potencia legisladora, no órgão, que está a formar todas as peças do edificio, estação no constante, que ha de levantar a maquina?.... Sr., eu não quero estação tal. Quando as peças de em edificio estão collocadas, entendo que será bom dar-lhes estabilidade, mas quando ellas estão em terra espalhadas, quando o edificio não existe, prender a potencia, que ha de eleva-las, estacionar o guindaste!... estacionem-n'o, e tudo pára: mas talvez seja isso, Srs.! Inveja-se o movimento da vida, será a estação de nada, a estatica dos sepulcros a que se deseja dar a Portugal?... tanto importa estacionar-lhe o corpo legislativo, ou o principio formativo do estado. Agora seja tambem uma estação economica? Isto é, um alto ao movimento divisorio das riquezas, que essa tal rica Camara em seus altos destinos quer dar-nos? Não é improvável... que estatistica pois, que equilibrio é esse, que nos querem dar? Será o equilibrar o interesse parcial com o geral? Aqui se disse já isso; pois eu detesto tal equilibrio em nome da justiça, e da humanidade. O equilibrio Srs. está na igual felicidade individual, na maior possivel, e no mais dividida por todos, porque o justo é o maior bem do maior numero, detesto pois em todos os sentidos o tal pensamento de estabilidade. Nós não estamos por ora vaporosos de mais; o movimento divide as moleculas, e vitalisa, a estação gela, e concentra; é assim na physica, como na moral; mas será talvez esse o pensamento... este segundo corpo é o calháo, que se mette no fluido para o fazer cristalizar em massa estacionaria. Srs., uma segunda Camara é sempre um erro de these , mas é, de mais a mais, completo erro de hypothese em Portugal. Todos os publicistas, que tem achado que dar a fazer a uma segunda Camara, é só no estado constituido; e todos convém que ella é um mal n'um estado a constituir-se.

Estamos nós constituidos, ou a constituir-nos? Eis aqui o que se responde a todos os auctores em duas palavras. Basta de decorar = pensemos = o principio conservador entre nós é um erro de hypothese: nós não temos nada consistindo: o que se ha de pois conservar? O que não ha? Nós temos a organisar os codigos, as finanças, as leis regulamentares, as leis de responsabilidade dos empregados; em fim tudo; lembremo-nos, que tudo nos falta, lembremo-nos que os estrangeiros nos invejam, os doutrinarios nos contra revolucionam, e que se nos não organisarmos a furto, e de um jacto, ficaremos sempre em embrião nacional, que é o que os estacionistas viram, e que tem conseguido em tres epocas, que temos tido de liberdade. Agora que ponhamos um embaraço na marcha do principio organisador, um pagamento na

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legislatura; e nada se faz, nada se organisa; desacredita-se o systema, o povo desespera-se, e lança-se no despotismo, como fez já. Srs., vós chamaes as Camaras unitarias vaporosas, e os nossos povos tem as achado sempre lentas, e é esse o inconveniente, que elles na fórma representativa acham. Ora agora dar-lhe, de mais a mais, uma segunda Camara estacionante: Que leis esperais? Que bens ao povo? Lembrai-vos que a segunda Camara de 1827 não fez senão a lei do papel sellado, e a do cura de Canissos, e que isso ficou para sempre, a respeito das segundas Camaras, no povo adagio nacional. A experiencia pois do gosto do nosso povo a respeito de segundas Camaras é esta: os inglezes que recolham a sua experiencia, nós recolheremos a nossa; se o seu povo acha a legislação vaporosa, o nosso acha-a estacionaria. Eis-aqui a verdadeira experiencia, que cumpre consultar.

Equilibrio. Este pensamento é um sofisma completo, o equilibrio está já no systema; se o não estivesse a segunda camara equilibrava? O Throno é essencialmente mais forte nas monarchias, e não precisa uma camara auxiliar.

Srs., as armas do throno são o veto, e a dissolução; as do povo a reeleição, e reproposição da lei; estes elementos estão naturalmente em equilibrio, não precisam pois ser equilibrados: demais para que essa segunda camara fosse equilibrante, era pois preciso que tivesse direito de fazer face ás armas do throno, e ás do povo igualmente; ora ella não tem direito contra o veto, e dissolução, e tem o de anniquilar a reproposição, e o effeito da reeleição, logo ella não é um equilibrante, mas um desiquilibrante essencial; em fim quando mesmo tivesse direito de oppôr-se ao veto, o veto tem logar depois della votar, e então é absurdo que os seus poderes contra o throno possam servir para nada. Logo ella não vem a ser senão um parapeito para o throno, um peso ao povo, uma barreira á lei. Na theoria pois de forças ella é um desiquilibrante mesmo em abstracto; em concreto, ou na pratica, quanto será, não se póde calcular. Vejam que será pois essa segunda camara no tacto? Se é licito, Srs., sem offender homens presentes, rasgar o véo dos homens na sua generalidade, e de uma excepção d'homens não fazer uma these da especie, filosofo da humanidade eu resgarei a venda do meu seculo a todos os representantes da Patria; um diluvio d'immortalidade é a geração presente, o espirito de Pátria morreu, cada homem não leva ao forum, á cadeira, á tribuna senão o ego, mei, mihi, o espirito da sua classe: e que tenho eu de esperar hoje levantando uma classe nova ao estado? Serão estes resultados; e se os funestos interesses levantarem uma potencia nova no meio da republica, que ámanhã será preciso destruir; em fim exigir mais um estado no estado? Morta estava a velha aristocracia: para que é levantar da lama dourada das ruas, e do pó tartufo das cadeiras, e das secretarias uma nuvem impertinentemente aristocrata, que venha enxovalhar, e empecer o estado? Que levarão elles á tribuna? O espirito que tem: os ricos os seus cambios, os valentes as suas fitas, os funccionarios as suas irresponsabilidades; isto quando cumpre fazer as reformas da corrupção agiota, militar, e funccionaria!!! E' pois este o momento de produzir uma classe pertenciosa, e dependente da legislatura, e em perpetuidade? E o que sahirá, Srs., dessa camara? Para mim um abysmo; conheço os homens do meu tempo; sob o meu do cofre das graças essa camara será uma pura camarilha legislativas, uma corrupção aberta á primeira camara, um movimento d'esperança com o throno sistematizado: impunes e inamoviveis os Senadores, tem nada depender do povo, e com uma magistratura terrivel sobre os ministros, e pelos ministros tambem nomeados; uma camaradagem solemne, um do ut des, facio ut facias se estabelecerá; e que resultará? Impunidade n'uns arbitrio nos outros, e irresponsabilidade em todos; e por fim uma illusão será a reforma, um ludibrio a Patria, e um bello sonho a liberdade! Eis-aqui o equilibrio, que eu espero; Deos arrede este argouro de minha Patria!

Perfeição de leis, não creio: duas camaras tem as mesmas luzes, e de mais o mal da rivalidade; e por tanto pouca prefeitibilidade posso esperar, e o demonstro. Essa segunda camara ha de ser por força uma destas cousas a respeito da primeira; ou contradictoria, ou negativa, ou imparcial; se contradictoria, isto é, se se oppõe ás leis boas, e adopta as más, então perdemos tudo; se negativa, (isto é) oppondo-se ás más, e boas, então perdemos muito; se imparcial, isto é, se se oppõe ás más, e approva as boas, pouco ganharemos, porque as boas serão muitas, e as más poucas. Logo temos tres hypotheses a perder muito, e uma só de ganhar pouco: ora como isto de boas, e mas leis é relativo, e o bem geral é quasi sempre o mal parcial, é provável que todas as leis boas para o povo sejam más para essas classes. A opposição systematica da camara geral com a particular é pois em todo o caso a hypothese mais provavel, e a perda é certa no tal methodo de prefectibilidade. A probabilidade do antagonismo é immensa, isso é o que se está vendo em Inglaterra: ella está ha 400 annos a fazer leis parlamentarmente, e as suas municipalidades ainda são escravas, a reforma regateou-se vigorosamente tres seculos, os feudos ainda estão nos seus castellos levantados. Agora tomara eu que me provassem se essas leis feitas nos parlamentos gémeos de Inglaterra são mais perfeitas do que as que tem sabido da constituinte, da de 1822, isto é, dai camaras unicas? A razão com tudo da perfeição de leis é a unica especiosa; mas é tão precaria, que não vai a pena dos perigos, mais que possiveis, que na segunda camara ha.

Argumentos de sentimentalismo. As camaras unicas exorbitam, e ahi vem a longa procissão dos argumentos lúgubres, e ahi vem não sei por quantas vezes a esta assembléa a historia da conotação, e do longo Parlamento! Mas que tem, Srs., as primeiras camaras com camaras de revolução? Pois que ha aqui que se pareça com a convenção ? Nada; os crimes desses tempos não são da camara por ser unica, são de ser revolucionaria: esses crimes são da convenção, do directorio, dos clubs; em fim de todos os corpos da revolução; isso foi uma anomalia no mundo; pois isso era camara? Isso não tem nome, isso era a resolução inteira assentada, parlamento comités, municipalidade de Paris. Que direi eu? Um povo todo em deliberação, em desesperação, em delirio. Cada corpo era uma gota nesse Oceano, que recebia impulso, não o dava: tem pois primeiras camaras com tudo isso: que tem o estado normal de um paiz em constituição com o de um povo em desesperação constituido? Mas para que é todo este scenario? Longe, Srs., tudo isso!.. Os tempos do crime passaram para sempre, e para que é vir recorda-los em Portugal..... quando por nossos costumes, nossas constituições, e nossas opiniões os Reis são inviolaveis, e elles o foram sempre aos Portuguezes? Ah! não temais pelos thronos na ordem constitucional; quantos Parlamentos ha não podem mais proceda-los na Europa: vós visteis o Julho de França; vós vêdes os costumes do dia: que vem pois fazer as aves da morte aos jardins da Patria? Para que trazer os agouros da noite, da anarchia á aurora dos dias da liberdade?.... Não, Srs., não é boa fé (eu protesto) trazer crimes impios ao meio de uma ordem constitucional, que os veda, e onde não desejam recordar-se. Vêda-o, vêda-o até a ordem do decoro; não, não é licito ensanguentar a scena, (dizem os tragicos) nec pueros coram populo Medea trucidel!! E o que não é decente no Palco, será decoro no Parlamento? (Applausos.)

Para que vem pois aqui sempre o (parltment Street), e praça das vistorias? Mas se me trazem aqui o testamento de Cesar para commover as turbas, eu posso aqui trazer-vos, Srs., as vestes de Lucrecia violada! Ouvi, Srs., muito fez o longo parlamente; mas que fez o governo seu tyranno? Elle rasgou a magna carta, taxou os povos, abo-

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lio a camara electiva! Se esse parlamento pois foi longo, é porque tinha sido curto por 12 annos, curto demais. E ignoravam os sabios da carta ingleza que ahi não havia expressa abdicação, que o parlamento era um jury arbitrario, e o Rei um simples apanagio do parlamento Tory!!.... E a convenção?? Impia foi ella, se o crime é incommensuravel; mas que contas ha, Srs., a pedir a um povo faminto traido, e desesperado??... Ah!... Tantas paginas lúgubres para o martyrologio dos governos! E não haverá ao menos uma pagina sensivel, que se apiede sobre o maryrologio dos povos?? Eu a abro pois, Srs.: e ignorais vós que o povo Francez estava por seu conspirado governo trahido ao estrangeiro? Ignorais que de todas as partes marchavam tropas inimigas, pedidas pelo chefe dos Francezes para degelar os Francezes; que Verdeun, Lunguais, Vallenciennes estavam occupados pelos Prussianos; que o sangue do povo tinha corrido longamente em Geminasses, e Flourous! Ignorais vós o acampamento de Coblentz?... e que o povo, a liberdade, e a França, tudo estava ao ferro estrangeiro, crime sagrado pelo ministerio impio!!! Oh! A Reis, e a povos o Ceo para jamais retire taes crimes, ou desgraça de ambos de ambas as partes! Houve perdoem-se os fieis, e os povos pois, e um véo para sempre sobre essas eras cahio!

Mas porque, Srs., revelar dous factos isolados? Parecerá que o mundo tem sido de rosas fora dos dias da convenção de Cromwel, quando esses dias na historia do mundo não são mais que uma pagina cruenta n'um volume lodo ensanguentado. Então todos os argumentos se converterão contra vós em eu vos mostrando que todos os governos do mundo tem sido, ou aristocraticos, ou mixtos, d'onde, ou os crimes do Mundo os tem feito a aristocracia, ou nada, porque camaras unicas não existiam. O que era o senado em Roma? Aristocrata. O governo em Veneza? Os parlamentos de França? Aristocratas. Quem proscreveu trezentos mil Romanos? O aristocrata Seilla. Quem immolou a infeliz Stuard? A camara estrellada. Quem ensanguentou trez toucas ducaes? Os dezeseis, o senado de Veneza. Quem immolou Henrique IV? Os Luizes? Quem levantou uma pistola na convenção? Um Duque. E em Portugal quem conspirou contra os Reis? Não o digo, a historia está viva...... Não, o Povo Portuguez nunca levantou olhos, contra Monarchas, elle foi sempre leal, e livre. Mas quereis numa palavra a historia da aristocracia? Ouvi Stael; a sua authoridade não será suspeita á sua cathegoria nobilitaria.

"En effet, il est aise devoir, en suivant l'histoire du dix-huitieme siècle, que ce sont les corps aristocratiques de a France, qui ont attaqué les premieres le pouvoir Royal." (Stael, Revol. de Franc. Tom. 2.° Pag. 43 )

Mas se a segunda camara não é um principio, ella tambem não é uma capitulação, e os vossos argumentos cahiram: com quem é pois a capitulação? Quem a quer? O povo?.... O povo não, porque a revolução e a victoria o tem proscrito. A Santa Alliança? Não. O dogma, que nos compromette com a Santa Alliança, é a soberania, essa já vós a votasteis, já passamos o Robicon para ella; segunda camara não nos expia. Quem a quer? Os cartistas? não. Então quem no-la encomenda? Quem a deseja, ou quem a espera em Portugal? Ninguem; é uma pertenção aristocrata, uma esperança de prevenções, um partido fraco, uma opinião: uma capitulação com os fidalgos, podia ser; mas então era o principio hereditário: com quem é pois a capitulação? Não se diz , Srs. Deputados?!!!

Sr. Presidente, agora páro aqui; e eu não sei que emoção me diz que eu devia deixar esta tribuna "reflectindo sobre mim mesmo;" na verdade eu pasmo, de mim mesmo pasmo, da cousa que estou defendendo hoje aqui. Pois então questiona-se se existe a Constituição que jurámos? Então não houve com effeito a revolução de 9 de Setembro? Quem o sabe! Só os escriptores não recolheram esse facto, á vista da presente discussão, ninguem hoje o poderá presumir. E a contra revolução? Também não se sabe hoje para que existio! Os cartistas ou devoristas tambem me parecem assaz estupidos! Porque desconfiam?.... Porque fogem?.... Ponderam no campo a sua Carta: ella venceu hoje no parlamento; ella ahi está nesse projecto, que a venham buscar; para que fugir? E eu digo destes como primeira antiguidade dos Sytas, eos fugiendo vince; então para que foge hoje esta gente de Ruivães? Então para que avançou hontem aquella gente em Ourique? Nem uns, nem outros se sabe porque, depois do que acaba de discutir-se. Então como se explica isto? Não sei; o povo que o explique. Eu lembro-me do dito de Bougain-Ville = "Ce qui est plaisant, ce'st que nous somes en paix avec les Inglais" "O que é galante é que nós estacamos em paz com os Inglezes" = e as ballas ferviam sobre o convez do vaso francez do seu commando. Concluo - rejeito o artigo, é uma alteração na Constituição; declaro que não tenho poderes para adopta-lo; se se vencer, na sua ulterior discussão não posso entrar.

O Sr. Mont'alverne: - A materia, que ha dias tem occupado este Congresso, é sem duvida das mais graves, e de maior importancia: bastante se tem dito sobre ella, e eu assento de não cançar a Assembléa, nem abusar da sua generosidade, por isso direi sómente o meu voto, e os seus motivos, Sr. Presidente, estou persuadido que, se alguns dos meus illustres Collegas votam por duas Camaras, o fazem por prudencia, e conveincia: eu quando se discutto o projecto na sua generalidade approvei, e estava resolvido pelas mesmas razões a votar por duas Camaras, porque me persuadi de boa fé que os inimigos da revolução de Setembro ficariam tranquillos, e socegados á vista do mesmo projecto, e das moderadas decisões deste Congresso. Mas que se seguio de tudo isto? Apparecer a revolta: e poderá alguem persuadir-se de que os auctores della, e seus sectarios se satisfarão com a Constituição; que fizer este Congresso? Engana-se; elles só se satisfarão se votarmos uma Constituição, em que elles occupem os primeiros empregos, em que disponhão do resto a seu bel-prazer, e em que possam dispor dos rendimentos da Nação á sua vontade, sem tractar de economias e reformas. Por tudo isto pois estou resolvido a votar por uma só Camara, porque a julgo mais liberal, e porque estou convencido que não devo sacrificar jamais os principios ás consequencias; muito principalmente quando não espero fructo: por isso, e para não gastar mais tempo ao Congresso, concluirei votando contra o parecer da Commissão.

O Sr. M. A. de Vasconcellos: - Começarei por pedir indulgencia ao Congresso de o entreter com explicações; mas parece-me que o meu decoro de alguma maneira está comprometido em me explicar relativamente ao que disseram dous Srs. Deputados nesta questão.

Um destes Srs. Deputados, referindo-se a um facto historico, que eu tinha citado, notou-me de menos exacto nessa citação. Eu tinha dito que essa supposta lei d'equilibrio das forças moraes não produzia cousa, que proveitosa fosse á causa publica, e trouxe por exemplo o triumvirato de Cesar, Pompeo, e Crasso, em que debaixo de uma apparente união elles tinham perpetrado uma usurpação contra a liberdade de seu paiz, partilhando entre si o dominio summo. Depois um delles roubou a outro a cota, que lhe pertenceo na partilha; isto é, a parte do grande roubo, com que se se tinha acomodado por ora. - Disse o Sr. Deputado que isto não era exacto - que a usurpação do poder, e a occupação militar tinha apparecido depois de Cesar ter vindo. Ora notar assim inexactidão n'um facto historico, que um Deputado cita é pô-lo na precisão de se explicar; porque, ou se ha de convir que não entende o que lê, ou que quer illudir alguem. Eu não me escandalisaria tanto da primeira hiypothese, porque em fim reconheço que a minha capacidade

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é limitada; mas da segunda escandalisar-me-hia muito, porque nunca é minha intenção illudir ninguem com os argumentos, que apresento, mas darei algumas razões, por onde me parece que hei de concluir, que tinha entendido o que li. Quando estes tres homens fizeram esse nefando pacto para dominar o seu paiz, Roma perdeo a liberdade. Assim o diz Lueanno nestas quatro, ou cinco palavras: Tu causa malorum facta, facta tribus dominis communis, Roma. Para prova de que isto é applicavel a esse triumvirato, basta attender ao que então se praticou. Cesar occupava a provincia das Gallias, e occupava-a militarmente, porque ainda estava cercada do mesmo exercito, com que tinha acabado de a conquistar. - Pompeo governava a provincia da Italia, póde dizer-se no vigor da palavra despoticamente; e ainda mais despoticamente, porque a governava com um despotismo ainda debaixo das formulas republicanas: tanto assim que, coutra o disposto nas leis, fez cercar e interpolar de soldadesca a praça dos comicios na causa de Milão, e passar o voto, que elle quiz. Quando pertendeo que o povo romano o nomeasse superintendente dos viveres, postou destacamentos em todas as estradas, que conduziam a Roma, e desta forma compelle os seus concidadãos a nomearem-no para aquelle emprego. Parece mesmo que este homem nascera para governar o seu paiz despoticamente, por que antes de vinte e dous annos de idade já havia feito com que se lhe conferissem as honras do triunfo contra o determinado nas leis. - Crasso é verdade que não chegou a governar despoticamente a província, que lhe coubera, porque os Parthos o degolaram junto á cidade de Carras, e a dez mil homens que levava comsigo para tomar posse da provincia do Oriente.

Parece-me que tenho dado um testemunho de que entendi o que li. Agora julgo tambem do meu dever dar alguma explicação, sobre o que disse o meu illustre Collega pelos Açores, relativamente á opinião daquelles povos, no que toca á questão, de que tractamos.

Disse S. S.ª que nunca alli ouvira fallar em uma só Camara. Não duvido do facto, e até tenho dados para o asseverar, se tanto fosse preciso depois de um meu collega o haver asseverado, mas, Sr. Presidente para se conhecer a opinião verdadeira de um paiz não basta passar por elle d'escola; é necessario conhecer, não só o que se diz, mas a razão por que se diz, é preciso não escutar só a opinião literal do paiz, mas a intellectual e filosofica delle. S. Miguel foi talvez uma das terras de Portugal, aonde a Constituição de 22, no tempo, em que se proclamou e jurou, encontrou mais simpathias, simpathias que ficaram arraigadas até hoje; e não obstante as varias fórmas de governo, que vieram d'ahi por diante, aquelles povos permanecem nos seus sentimentos a favor dos principios de 22. Mas se isto é verdade, é tambem um facto que em S. Miguel vogava, a opinião de duas Camaras; mas a razão disto é porque os habitantes daquella ilha estavam persuadidos que em Portugal haviam elementos de privilegio ainda assás fortes, e com quem era forçoso transigir para evitar perturbações. Esta é a razão, por que o meu illustre collega não ouviu fallar em uma Camara só mas, apesar disto, creio que a tal respeito procedi na melhor fé possivel pela maneira, que vou declarar. Eu não estava na provincia, quando os meus compatriotas me fizeram a bonra d'eleger-me Deputado, mas depois sabendo que vogava lá a opinião referida, escrevi aos meus amigos, expendendo a minha opinião, e os seus fundamentos; instando-lhes, por muito favor que, se ella não agradava, que promovessem o fazer-se-me saber isso: mesmo que fosse por duas ou tres assignaturas, que tanto me bastava para resighar esta cadeira.

Nenhumas firmas recebi neste sentido, antes se me respondeo que estavam contentes de mim. De outra fórma me era impossivel continuar a representa-los; porque não me é tambem possivel o sacrificio de minha convicção. Se viermos para aqui votar pela opinião litteral, que vogar nas provincias, que representamos, muito embaraçados nos havemos de achar, porque (segundo os principios do meu illustre collega) eu tambem não devia votar por novos tributos, por que não vi na nossa provincia quem os quizesse: entendendo a vontade litteral dos meus constituintes eu devia rejeitar todas as imposições, que aqui se tem proposto, porque elles julgavam, que as existentes, bem administradas, haviam de chegar para as necessidades publicas: mas quando elles conhecerem que só os antigos impostos não bastam para occorrer a essas necessidades, hão de querer forçosamente tributos novos, e por isso eu votei por elles. O mesmo aconteceu ao illustre Deputado, que interpretou a vontade dos açorianos da mesma maneira relativamente a esse objecto; e perdoe-me S. S.ª, que se elle não recorresse á theoria geral du seu mandato - conseguir o melhor bem do maior numero - não podia assim entender a vontade dos açorianos. O mesmo fiz eu a respeito da organisação do corpo legislativo, interpretando a causa, porque, apesar da não fallarem, nesse sentido, haviam de querer uma só Camara.

O Sr Borralho: - Parece-me que vejo esgotada a materia, na qual ainda se falla: tudo o que agora se diz, ampla e compridamente está dito tanto na discussão do projecto na sua generalidade, como em os dias, que ultimamente tem havido na discussão em especial e, no meu entender, tenho para mim que, se mais argumentos podessem haver para combater a unidade da representação nacional, já certamente teriam apparecido. Vejo por tanto em triunfo os poderosos, e valentes argumentos do meu amigo o Sr. Manoel Antonio de Vasconcellos, e José Estevão, aos quaes, (força é dize-lo) em resposta sómente ouviram declamações, á mingua de razões, e d'argumentos.

Não obstante julgar eu o importante negocio, que nos occupa assás bem tractado, permitam-se-me ainda algumas reflexões, que com ellas pouco tempo levarei ao Congresso.

Que fórma de governo tinha a Nação portugueza ainda em dias de Setembro do anno passado? O Monarchico constitucional. Qual era o chefe reconhecido do governo d'então? A Rainha dos portuguezes a Senhora D. Maria II. Qual era a religião dominante? A Catholica Romana. E qual foi a fórma de governo, e seu chefe que a Nação adoptou depois da revolução? E qual a religião? Os mesmos. Logo contra objectos tão importantes e sagrados nem por sombra houve o menor attentado. Então quaes outros objectos, que não podessem ser alterados, reformados, ou suprimidos por as vias ordinarias, e que eram reconhecidas por a mesma Carta, cuja existencia por nociva dera logar á revolução de Setembro, revolução tão cordialmente abraçada par a Nação inteira? Certamente, certissimamente não foram os capitulos sobre garantias, porque esses, e seus artigos são mais ou menos os mesmos contidos na Constituição de 1822, outro tanto digo dos mais, que eu reputo de ordem secundaria, os quaes, se correcção ou refórma precisavam, bem dispensavam uma revolução foi, reconheça-se por uma vez, foi a entidade duas Camaras, fui a entidade veto absoluto, que a Nação destruio, porque a Nação não disse não proclamou a Carta com modificações, proclamou a Constituição de 1822, que não continha taes entidades e, se isto assim. não é, diga-se-me, contra que elementos contidos na Carta houve essa animosidade tão pronunciada, essa revolução tão espontaneamente seguida? Na verdade, uma Nação inteira, que de tão bom grado adopta um novo pacto sosial, boas, e fortistimas razões teve para se desfazer daquelle, contra o qual tentou, e levou ávaute sua revolução!

Não somos uma Nação que comece hoje, temos seculos de existencia, e já sobre muitos ramos de sciencia démos luções a povos, que bem dellas se aproveitaram! Existiremos a nosso modo, e conforme nossa indole e não á ingleza, ou á franceza; essas, e as demais nações tem caracteres, que as distinguem, seus habitos, seus costumes, sua

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religião, e seu clima exigem infinitas variações em suas leis: e não deve servir de argumento para nós a duração dos governos conhecidos; porque acolher um tal argumento, deveriamos sem hesitação adoptar o governo da China, que conta milhares d'annos de existencia.

Não sejamos cegos a tanta evidencia, olhemos para o que acaba ultimamente de passar-se em Portugal; ouçamos qual foi o grito de todas as povoações, grandes e pequenas, ao luctarem, e ao libertarem-se do jugo, que os revoltosos, e interessados com o governo da Carta lhes querião impor; diga-se com franqueza: não foi este grito a Constituição de 1822? A bandeira, em torno da qual se reuniram nossos soldados, vossos cidadãos soldados tinha outra legenda que não fosse a Constituição de 1822? Logo se em logar dessa Constituição tanto proclamada, tanto desejada, e ultimamente sellada com tanto sangue, nós, illudindo a expectação de nossos constituintes, lhes dessemos a Carta de 1826, embora com alguma modificação: mas não entendo nella os grandes principios, os ultimamente pedidos, e recommendados a nossa salva-guarda para serem incluidos no codigo reformado, o que faziamos nós? O que? Eu tremo de o dizer; arriscariamos com muita probabilidade a Nação a uma nova revolução, porque a Nação fez uma revolução para se ver livre da Carta; e incutir-lha de novo, é não cumprir o nosso mandato, é escarnecer da Nação portuguesa. E poderá ser este o nosso intento? Certamente não, não. Vêde que sem revolução póde a Nação, quando um dia lhe convenha adoptar a existencia da 2.ª Camara, passar de uma para duas, dando para isso a seus procuradores os poderes, que nós não temos; porque eu sustento que nossos poderes se limitam a reformar, e não a destruir; mas passar de duas Camaras para uma... Oh! A revolução é certa; ella virá, e seus incalculaveis riscos, e seus crimes, seus desastres, e seus horrores. Ainda é tempo de remediar, ou, antes , de prevenir tamanhos males: lembremo-nos que as revoluções são verdadeiras necessidades dos povos maltractados por seus governos; mas, em abono dos mesmos povos, seja dito que taes revoluções tem sempre origem em sentimentos generosos, o desejo do bem publico; ao mesmo tempo que as contra-revoluções tem na origem opposta os interesses pessoaes, que as manejam, e opéram. Os povos não combinam revoluções, são os erros politicos que as causa....

O Sr. Nunes de Vasconcellos: - Eu julguei que não era necessario explicar-me sobre os argumentos, de que me servi, e relativamente a um facto, sobre o qual acaba de dar explicações o meu illustre collega Deputado pelos Açóres. Por isso mesmo que me fiz cargo de responder a alguns argumentos, que me pareciam menos concludentes, fallei nos triumviratos de Cesar, Pompeo e Crasso, e nos subsequentes; mas com as minhas palavras não quiz eu dizer que S. S.ª não tinha entendido a historia: asseverei sómente que o machinismo do triumvirato não tinha comparação com o equilibrio, de que estavamos tractando; por consequencia, ainda que fosse exacto, o que produzira o illustre Deputado, podia tambem ser exacto, o que eu dizia; e appliçando isto ao triumvirato importa um principio, que por certo o Sr. Deputado não quereria estabelecer.

Em quanto ao outro facto, a que o Sr. Deputado respondeu, dizendo que por eu vir por S. Miguel, e fallar alli com algumas pessoas, que me disseram que eram de opinião de que devia haver duas Camaras, não se seguia por isso que todos os outros habitantes fossem da mesma opinião, e que eu não podia ter fallado com todos: isto é uma verdade, mas o que eu disse foi que na minha passagem por alli fallei com algumas pessoas, que me disseram ser esta a sua opinião: eis-aqui o que eu disse, referi um facto acontecido comigo, sem apontar as causas, que o fizerão nascer; porque, ha muita differença entre os factos, e a sua moralidade. Creio que tenho respondido ao Sr. Deputado, que me arguio de menos exacto.

O Sr. João Alberto: - Eu só quero dizer que votei pela existencia das duas Camaras, mas não entrei na designação de quaes devem ser as attribuições d'esta segunda Camara, o que me reservo fazer quando disso se tractar, assim como a maneira, como ella deve ser formada.

O Sr. João Victorino: - Eu, pelo que tenho ouvido a alguns Srs. Deputados durante esta discussão, tenho conhecido que elles não terão duvida em votar por duas Camaras, quando conheçam a maneira, como ellas devem ser formadas; n'este numero entro eu tambem. Parecia-me pois que isto se poderia conciliar bem, não fazendo por ora a votação, e entrar-se na discussão da maneira de formar as duas camaras, e depois disso votar cada um segundo a sua consciencia.

O Sr. Midosi: -O Congresso decidiu que devia haver votação a este respeito, por tanto não póde deixar de a haver, não tendo logar a proposta do Sr. Deputado. (Apoiado, apoiado).

O Sr. João Victorino:- Eu cedo da minha proposta.

O Sr. Alves do Rio: -Eu quero dizer duas palavras para fazer uma declaração antes da votação, e vem a ser: No pequeno discurso, que fiz sobre as duas Camaras, declarei que eu votava pelas duas Camaras; que a segunda fosse tambem de eleição popular, para dessa eleição escolher o Rei um para senador, ou fosse em listas triplices, ou quadruplas. Eu esperava que se não votasse, se havia de haver uma ou duas Camaras, senão depois de se discutir a organisação da segunda Camara, mas como as Côrtes resolveram que se votasse primeiro sobre as duas Camaras, e eu não voto pela segunda, senão na hypothese della ser electiva, não posso votar, sem saber se a segunda ha de ser de eleição popular. A não se resolver primeiro isto não posso votar , e sou forçado a sair da sala.

O Sr. Furtado de Mello: -O Congresso já está ao facto, de que eu voto por uma só Camara (Apoiado).

Não entro no desenvolvimento da materia, porque sobre isso bastante se tem dito, e a julgo sufficientemente discutida; e tambem porque, quando se discutio o projecto de Constituição na sua generalidade, já então manifestei a minha opinião sobre o seu conteudo. Mas tendo alguns Srs. Deputados, e especialmente o Sr. Conde da Taipa dito que era o maior dos absurdos o querer uma só Camara, (O Sr. Conde da Taipa: - apoiado) sou por isso forçado a dizer que apoiado pela minha convicção, e pela grande maioria da nação, nunca desistirei de sustentar os principios da Constituição proclamada, que estabelece uma só Camara, pois é esta a melhor, garantia da liberdade, e a base essencial da soberania nacional. (Vozes na galeria:-Apoiado!! Rumor) E assim como se disse que era o maior dos absurdos querer uma só Camara, não deixarei de ter o gosto de responder, que tambem póde ser o maior das absurdos, o supra summum, o non plus ultra dos absurdos, das perversidades, ou loucuras humanas sustentar duas Camaras.......

O Sr. Conde da Taipa: -Eu chamo á ordem o Sr. Deputado.

Muitos Srs. Deputados ao mesmo tempo: - Ordem ordem.

(Alguma agitação nas galerias).

O Sr. Presidente: -(Tocando a campainha). Ordem, ordem. Queira sentar-se o Sr. Deputado, que estava fallando.

O Sr. Furtado de Mello: - Estou na ordem.

O Sr. Santos Cruz: - Sr. Presidente, disse-se de um banco que era absurdo votar por uma só Camara: e então não sei que se não possa dizer de outro banco, que é absurdo o votar por duas. (Apoiado, apoiado). Não sei como responder ao sarcasmo senão com o sarcasmo o Sr. Deputado está na ordem, e na ordem estão as galerias.

O Sr. José Estevão: - Sr. Presidente, eu não estou certo no que determina o regimento quando se dão casos semelhantes a este, em que é interrompido um Sr. Deputado, que está fallando.....

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O Sr. Presidente: - Eu informo o Sr. Deputado. É fazer sentar o Sr. Deputado, que está fallando, e perguntar ao Congresso, se o orador estava, ou não na ordem.

O Sr. José Estevão: - Muito bem, Sr. Presidente, mas eu vejo que esta questão póde trazer comsigo graves cousas. (Apoiado, apoiado). E então eu queria que o Sr. Deputado explicasse as suas idéas, porque uma proposição não explicada póde ser um absurdo, ou uma injuria; mas explicada póde ser cousa nenhuma.

O Sr. Presidente: - Pergunto ao Congresso se deve continuar este incidente?

O Congresso decediu que não, e que o Sr. Furtado de Mello fosse convidado a explicar as suas expressões. Teve então a palavra, e disse

O Sr. Furtado de Mello: - O Congresso acaba de manifestar que eu estava na ordem, e consequentemente quem sahio da ordem foram os Srs. que me interromperam, e fizeram um alarme, talvez por não perceberem, ou não deixarem explicar a minha asserção. Eu disse que, sé era o maior dos absurdos querer uma só Camara, tambem podia ser o maior dos absurdos, o supra summum, o non plus ultra dos absurdos, das perversidades ou loucuras humanas, sustentar duas Camaras. Note-se que de ser a poder ser vai alguma differença: a minha asserção é generica , não pertendo atacar particularmente a pessoa alguma.

É o maior dos absurdos sustentar duas Camarás legislativas, porque sendo a soberania nacional uma, e indivisivel, o poder legislativo tambem deve ser um, e simples; e se a soberania não póde ser dividida, o poder legislativo tambem não o póde ser; pois que se se dividir este poder em dous ou em tres, tambem se divide a soberania em duas ou em tres; cousa que não está no poder dos homens, por que ninguem póde dividir o que de sua natureza é indivisivel.

De mais a segunda Camara ou ha de ser electiva, e temporaria como a primeira, é então é inútil, e superflua, ou ha de ser de nomeação real, e aristocratica, e então longe de ser a maior garantia dos direitos do povo, como a querem inculcar, (no que não se divisa muito boa fé) lhe será sempre adversa, porque os seus interesses, principios, e fins serão sempre differentes, pois ninguem ignora que a aristocracia é um verme, que destroe insensivelmente a liberdade. O Hercules da liberdade franceza, o grande Mirabeau, qunndo disse que antes queria viver em Constantinopla do que na França, se não se concedesse o veto ao rei, não foi por julgar preciso que o rei estivesse armado para se defender dos ataques do povo, cuja vontade era a unica base do throno, mas sim para prevenir o estabelecimento da aristocracia, que procurando incessantemente adquirir na Assembléa uma consistencia legal, se tornaria hostil ao monarcha, a quem desejava igualar-se, e igualmente hostil ao povo, a quem ella procurava sempre ter em abatimento, e despreso. O mesmo Mirabeau (que não é suspeito, pois era de opinião que se desse o veto ao rei) disse na tribuna que, se lhe perguntassem se queria duas Camaras, elle responderia - quero duas Camaras, se ellas são duas secções d'uma só, e não quero senão uma, se uma deve ter um veto sobre a outra. Em consequencia, Sr. Presidente, uma só Camara é a maior garantia dos direitos do povo, e a melhor base da soberania nacional.

Eu seria muito extenso se me propozesse combater os argumentos de alguns Srs. Deputados, que acho não terem fundamento algum, e por isso limitar-me-hei simplesmente a explicar um facto. Disse um illustre Deputado pelo districto da Horta, querendo fundar o seu argumento a favor das duas Camaras na opinião dos povos daquelle districto, que alli nem uma só pessoa queria uma Camara só. Permitta-me o Sr. Deputado que lhe diga que isto me parece pouco exacto, pois que, tendo aquelle districto setenta a oitenta mil almas, era impossivel que o Sr. Deputado podesse fallar com tante gente, nem mesmo com a decima, quinquagessima, ou milionessima parte daquelles povos. Eu sou dos Açores, tenho correspondencias d'alli; e alguns amigos, que me tem tosado em politica, nunca me disseram que queriam uma Camara, nem que queriam duas: só me tem dito que esperam que os Deputados da nação resolvam o que for melhor, e para beneficio geral da mesma nação: e é isto mesmo o que eu desejo.

O Sr. Cezar de Vasconcellos: - Nada mais estranho do que na occasião de estar fallando o Sr. Furtado de Mello, haver nas galerias dous individuos, que se atrevessem a dar apoiados!

O Sr. Pina Cabral: - É uma infamia! (Rumor.)

O Orador: - Sinto que isto acontecesse tanto mais, quanto que as galerias se tem sempre portado dignamente. Peço por tanto a V. Exa. não consinta que as galerias se possam ingerir nas nossas discussões, usando, se tanto for necessario, dos meios, que tem á sua disposição. (Apoiado, apoiado.)

O Sr. Nunes de Vasconcellos: - Eu esperava que o Sr. Deputado por Santarem nos desse as explicações, que prometteu, e que nos satisfizessem; mas não aconteceu assim.

O Sr. Lopes Monteiro: - Eu chamo o Sr. Deputado á ordem.

Alguns Srs. Deputados: - Ordem, ordem.

Outros: - Votos, votos.

O Sr. Presidente: - Este incidente terminou; vai votar-se sobre o artigo 2.°, que tem estado em discussão, que diz assim: as Côrtes compõe-se de duas Camaras; Camara de Senadores, e Camara de Deputados. Os Srs. que o approvam dizem approvo, e os outros Srs. dizem rejeito.

Verificada a chamada disseram approvo os Srs. Alberto Carlos; Braamcamp; Sá Nogueira; Cezar de Vasconcellos; Barjona; Duarte e Campos; Antonio Maria d'Albuquerque; Barão de Faro; Barão da Ribeira de Sabrosa; Bazilio Cabral; Barão de Noronha; Sampaio Araujo; Pereira Brandão; Conde de Lumiares; Conde da Taipa; Rebello de Carvalho; Prado Pereira; Fernandes da Costa; Gomes da Mòtta; José Maria d'Andrade; Pompilio da Motta; Freire Cardoso; João Alberto; Almeida Garret; Pina Cabral; João Joaquim Pinto; Lopes de Moraes; Teixeira de Carvalho; Tavares Ribeiro; João Victorino; Silveira de Lacerda; Judice Samora, Galvão Palma; J. Caetano de Campos; Derramado; José Liberato; Lopes Monteiro; Pereira Borges; Ferreira de Castro; Branquinho Feio; Corrêa Telles; Costa Pinto; Sotto-Maior ; Mendes de Mattos; Teixeira Rebello; Soares d'Albergaria; Ignacio Pisarro; Leonel; Maia e Silva; Moniz; Zuzarte; Macario de Castro; Vasconcellos Delgado; Perache; Franzini; Marquez de Fronteira; Vasconcellos Pereira; Marquez de Loulé; Midosi; Salema; Rodrigues de Menezes; Fernandes Thomaz; Ochôa; Visconde de Ponte Arcada; Nunes de Vasconcellos.

Disseram rejeito os Srs. Valentim dos Santos; Furtado de Mello; Santos Cruz; Manoel Antonio de Vasconcellos; Sousa Saraiva; Sousa Pinto Basto; Pinto Basto Junior; José Estevão; Mont'Alverne; Neves Carneiro; Balthasar Machado; Pereira Vera; Rodrigo Salazar; Borralho; Marreca; Oliveira Baptista.

O Sr. Presidente: - Está approvado o artigo por sessenta e cinco votos, e rejeitado por dezeseis. Agora tem a palavra o Sr. Barjona para uma explicação.

O Sr. Barjona: - Julguei ser necessario que eu désse uma explicação quando um illustre Deputado asseverou que a nação quer que haja uma só Camara legislativa.
Sr. Presidente, se o Sr. Deputado fallou com exactidão, vejo-me obrigado a pensar que a nação do Sr. Deputado é differente da minha. Antes de eu vir tomar assento nete Congresso fiz todas as investigações, que me foram possiveis a respeito dos sentimentos dos povos do meu districto; e de tudo que pude obter, a consequencia foi: que todos queriam duas Camaras: em Lisboa tenho-me informado com o maior cuidado, e por estas informações estou mui certo que uma grandissi-

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ma parte, a mais consideravel maioria da capital quer que haja duas Camaras (apoiado, apoiado): isto é cousa, que todos sabem. Sei que pelas provincias quasi toda a gente pensa da mesma sorte: em consequencia é exacta a proposição, que a nação toda com mui raras excepções quer que tenha-mos duas Camaras legislativas, (alguns Srs. Deputados, não quer, não quer.)

O Sr. Leonel: - O que acaba de ouvir-se parece-me que não é materia de explicação, (apoiado, apoiado) e parece-me tambem que todo o Congresso está d'acordo, em que não haja mais explicações a este respeito. (Apoiado, apoiado); e por isso eu peço a V. Exa. que consulte o Congresso sobre se deve continuar a dar-se a palavra para explicações.

Consultando o Sr. Presidente o Congresso, decidio este affirmativamente; e teve a palavra

O Sr. Nunes de Vasconcellos: - Eu, sem pertender abusar do fim, para que pedi a palavra, direi em resposta ao Sr. Deputado por Santarem que eu , quando fallei não disse que nenhum dos habitantes do districto, por onde fui eleito, queria uma só Camara; mas disse que todas as pessoas, com quem eu alli tinha conversado, e pessoas muito respeitaveis, me tinham dito que erão de opinião que houvesse duas Camaras. Em quanto ao mais, que o Sr. Deputado disse, responderei unicamente, dizendo que eu fui educado nos bons principios da religião christã, que esta manda perdoar; e que por isso eu tambem lhe perdo-o.

O Sr. José Estevão: - Sr. Presidente, a minha situação especial me obriga a explicar-me sobre uma occorrencia, a que o zelo, por ventura, immoderado de alguns dos nossos Collegas deu mais que a devida consideração. Eu reprovo a menor intervenção das galerias nas discussões deste Congresso: (Apoiado.) e se eu ouvisse hoje as vozes, que se proferiram seria o primeiro a elevar a minha voz contra tão pernicioso exemplo. Quando eu tive a honra de pronunciar pela primeira vez neste Congresso as minhas idéas sobre a organisação politica do paiz, pareceo-me ouvir umas vozes das galerias; calei-me, crusei os braços, e só depois de me assegurarem que eu me tinha enganado, é que continuei a fallar. (Muitas vozes: - É verdade; é verdade.) Eu sei como se conserva a dignidade do logar, que occupamos, e pareceo-me um pouco desatinado o alarde, com que a esse respeito um dos nossos Collegas se nos quiz inculcar, ou como mestre, ou como exemplo unico, e estranho que a intervenção das galerias fosse tão estranhada por um illustre Deputado, que quando falla parece que intenta de tirar ao mesmo tempo os retratos a todos os espectadores, que se acham na salla. (Apoiado.)

O Sr. Furtado de Mello: - Eu pedi a palavra só para dizer que não posso acreditar, o que disse o Sr. Nunes de Vasconcellos, relativamente aos Açores; e principalmente ao Fayal, que é a terra mais liberal, que eu conheço...

O Sr. Presidente: - Este incidente acabou, e por tanto estão tambem acabadas as explicações.

O Sr. José Estevão: - Eu acabo de receber agora uma carta dos estudantes das escólas Medico-Cirurgicas desta capital, que tem um requerimento neste Congresso, relativo a matriculas, os quaes me pedem a brevidade da sua decisão; e eu por isso peço á Commissão d'instrucção publica que queira apresentar o parecer quanto antes.

O Sr. Fernandes Thomaz: - Sr. Presidente, eu já fiz, como Secretario da Commissão, um parecer sobre esse requerimento, porém os meus Collegas não concordaram com elle, e por isso é que ainda aqui não appareceu. O meu voto é que se deve fazer uma reforma geral a este respeito para todos os estabelecimentos desta natureza , declarando que sou de opinião que os estudantes devem pagar o ensino superior, e não estar este a cargo da Nação e por isso não podia deferir ao requerimento, de que se tracta; os meus Collegas não combinaram comigo, e eu não posso dar outro parecer, porque é esta a minha opinião.

O Sr. Almeida Guarrett: - As questões interessantes, em que tem estado, empregado o Congresso, tem sido por certo a causa de se não ter tractado já desta materia; mas parece-me que não haverá inconveniente nenhum , em que a Commissão se retire por algum tempo, para apresentar hoje o seu parecer.

O Sr. Midosi: - Eu hontem fui procurado por dous estudantes, que me informaram, de que só estão matriculados meia duzia de estudantes, porque a maior parte delles não tem meios, não só para o fazer, mas alguns até lhes faltam meios, porque nas primeiras matriculas tem que desembolçar o valor dos ferros, que compram, vendo-se assim constrangidos a deixar de frequentar os estudos. Sr. Presidente, eu conheço as circumstancias, em que está o Thesouro; mas tambem sei que é de justiça que nós sejamos gratos para com estes estudantes, que acabam de prestar tão relevantes serviços, e que tão gostosos correram às armas na hora do perigo. (Apoiado, apoiado.)

O Sr.Barjona: - Eu tambem já pedi ser dispensado da Commissão d'administração publica, mas não pude obter a minha dispensa; agora torno a instar pedindo ser dispensado della.

O Sr. Leonel: - Eu não vejo que este Parecer seja tão importante, que não podesse ter já vindo aqui. O requerimento destes estudantes está cá ha muito tempo, mas deixou-se passar o tempo das matriculas, sem se apresentar o Parecer, e agora é necessario remediar tambem este mal: temos pois duas cousas agora a tractar, em vez de uma.

O Sr. Ignacio Pissarro: - Parece-me que esta questão está acabada, uma vez que se retire á commissão para dar o seu Parecer.

O Sr. Almeida Garrett: - Eu peço aos Srs. Membros da commissão que nos retiremos para irmos fazer este Parecer.

O Sr. Leonel: - Leu um Parecer da commissão dos Poderes, que mandou para a Mesa.

O Sr. Presidente: - Se o Congresso convém, póde discutir-se agora o Parecer da commissão de administração publica sobre a companhia da navegação por barcos de vapor.

O Congresso assim o resolveu.

O Sr. Secretario: - Leu o seguinte

ARECER.

Á commissão de administração publica foi enviada, para a relatar com o seu Parecer, a representação dos directores da companhia da navegação do Téjo e Sado por meio de barcos movidos por vapor, na qual os representantes expoem que, tendo a associação diminuido os preços dos passageiros na proporção das vantagens, que pediu e esperava obter do Soberano Congresso, e havendo desapparecido já muitas daquellas vantagens pelas modificações feitas á sua proposta, ella conservava, não obstante, a sua palavra, acceitando o contracto com as indicadas modificações. Mas que lhe não é possivel sujeitar-se á condição nova, proposta pelo Sr. Deputado Alberto Carlos, e approvada pelas Côrtes na Sessão de 21 do corrente mez, que obriga a companhia a ceder ao publico, findos os quinze annus do privilegio , os cáes e pontes, que houver construido á sua custa nos lugares pertencentes á fazenda nacional; e que a mesma companhia considera como offensiva dos seus direitos de propriedade. Propoem por tanto que os cáes e pontes em questão só fiquem considerados propriedade publica, depois que a companhia cessar de navegar os seus barcos, mas que, em quanto ella o fizer, mesmo depois de findo o privilegio, sejam os mesmos cáes e pontes considerados propriedade da associação, e o uso delles só concedido ao publico na fórma da condição 5.ª , não excedendo nunca este praso de tempo a quarenta annos. Declaram que, se o Soberano Congresso

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não annuir a esta proposta, retiram a que já fizeram para toda a empresa.

A commissão parece que não é admissivel a condição proposta pelos Directores em sua nova proposta.

Sala da commissão, 27 de Setembro de 1837. = Antonio Joaquim Barjona; José Caetano de Campos; Manuel Antonio de Vasconcellos.

O Sr. Valentim dos Santos: - Não sei se o que se acaba de ler é o Parecer da commissão de administração publica, sobre a ultima proposta da companhia, porque não entendo como venha materia nova, e tão entranha por parte dessa commissão, ou ao menos contraditoria, com o que se tem passado nas discussões antecedentes.

O Sr. Derramado: - Perdoe-me o Sr. Deputado o eu interrompe-lo, porque precizo dar-lhe um esclarecimento. A maioria da commissão apresenta um Parecer sobre uma representação, que fez a direcção da companhia da navegação do Tejo e Sado, por meio de vapor, a qual representação ella fez sobre uma resolução tomada por este Congresso, isto é, resolveram as Côrtes que es cáes, que a companhia edificasse á sua custa nos logares do dominio publico, se considerassem, findos os 15 annos, como propriedade Nacional. É contra esta decisão do Congresso que a companhia reclama, e diz que não póde annuir a esta decisão, e pede que o privilegio desses cáes lhe seja continuado por 40 annos, no caso de continuar a navegação dos seus barcos.

Esta representação foi remettida á commissão de administração publica para dar sobre ella o seu parecer, na commissão reuniram-se cinco Membros (conta actualmente seis); tres destes Membros deram o parecer, que acabou de ler o Sr Secretario, e dous outros destes Membros deram um voto em separado: o Sr Albergaria , Membro desta commissão, não estava presente quanto ella tractou deste objecto, e elle agora declarará se annue, ou ao Parecer da maioria, ou ao voto em separado, eis-aqui a explicação, que tinha a dar sobre a ordem, agora peço a V. Exa. que, antes de progredir esta discussão, tenha a bondade de mandar ler a resolução, que o Congresso tomou sobre a condição segunda, que me parece ser aquella, que tracta dos cáes, assim como o voto da minoria da commissão em separado.

O Sr. Valentim dos Santos: - Sr. Presidente, eu tambem desejo muito o progresso da industria; porém é necessario tambem não se conceder tudo quanto, para isso se pede sr. Presidente, a historia desta discussão é para mim bem amarga: em uma palavra, quando aqui veio o contracto não vinha desembrulhada esta nova condição, de certo ninguem, se lembrou de tal cousa, e tinha-se entendido por fim que não era preciso declarar-se isso: ora, sr. Presidente, depois de isto estar assim entendido, apparectu então esta repugnancia. Pedi eu então alguma explicação do que queria dizer essa pertenção, queria saber se com effeito a profiriedade dos caes era só o objecto material: disse-se-me que não, disse-se-me ella no fim do praso não queria nem o dinheiro, nem o uso, isto é não queria nem os 10 réis por cada pessoa, nem privar o uso desses cáes, e e nesse sentido que o Congresso votou a favor das mais pertenções da companhia, hoje porém apparece isso mais claro: - abusou-se, Sr. Presidente, da boa fé e da franqueza dos Srs. Deputudos, que votaram pelas outras pertenções!! O Sr. Visconde de Fonte-Arcada, a quem eu perguntei o que queria dizer a propriedade dos cáes, foi elle que me respondeu que importava só a propriedade material, e não importava de nenhum modo o uso desses cáes, isto é, o privar a nação do uso delles; hoje porém apparece outra idéa: pois Sr Presidente, antes de se conceder isso, quero saber o que se lhe concede: por consequencia limito me a dizer que quero saber o que se quer, antes de votar nesta materia , quero que se me desembrulhe este mysterio; quero saber, se os cáes ficam pagando 10 réis da mesma maneira, porque então voto contra: se não se paga nada, mas ninguem poderá por elles passar sem consentimento da companhia, igualmente voto contra, agora se se quer entender que isso importa só o objecto material, então não me opponho.

O Sr Derramado: - Sr. Presidente, antes de progredir mais a questão, repito o requerimento, que fiz ha pouco: isto é, que V. Exa. tenha a bondade de mandar ler o voto em separado de dous membros da Commissão , assim como a parte da acta, d'onde constam as resoluções do Congresso a este respeito. O Sr. Deputado tem muita razão em pertender explicações; eu desejo muito satisfaze-lo; é pois para isso que eu já antecipadamente tinha feito a V. Exa. o requerimento que agora de novo repeti, eu tambem interpretei o contracto do mesmo modo que o interpretou o Sr. Deputado, e já tive a sinceridade de o declarar nesta Camara, porém uma das partes contractantes não o entendeu assim, e essa parte vem agora declarar qual era a sua intelligencia; - o Congresso ha de avaliar as conveniencias, que resultam da empresa com as clausulas, a que se sujeitam os empresarios, e resolver, como julgar mais util ao bem do estado: eu desejo muito que se attenda á proposta , por que sou, Sr. Presidente, da provincia do Alémtéjo, conheço os interesses d'aquella provincia, e estou persuadido que esses interesses hão de muito augmentar, se acaso se tornar effectiva esta empresa; ora eis aqui está d'onde vem este meu empenho e diligencia, para que se approve o contracto, que já tenho demonstrado, por mais d'uma vez ser vantajoso para toda a Nação, ainda mesmo concedendo o privilegio, que podem os directores da companhia, que deixa livre o uso dos cáes actualmente edificados, ainda que sejam melhorados: - deixa igualmente livres os que de novo edificar nos sitios, onde actualmente ha embarcadouros: - e, só pede o privilegio para aquelles que nunca existirão, se não existir a companhia.

O Sr. Secretario leu a acta, e o parecer da minoria da Commissão, que é o seguinte:

Voto em separado.

Discordamos do parecer da maioria da Commissão, e parece-nos que se deve
conceder á companhia o uso dos seus cáes e pontes por espaço de annos, com as condições declaradas na sua proposta, por quanto o publico gosa desde logo as commodidades resultantes do uso gratuito, que a associação lhe faculta dos cáes e pontes ja existentes depois de melhorados á sua custa, e dos novamente construidos nos logares, que actualmente servem de embarcadouros - e nada perde na privação dos outros cáes e pontes, que vem a ser uma creação inteiramente nova, que se promette legar á Nação passados 40 annos, e da qual póde servir-se durante este periodo por um preço, quanto a nós muito inferior á sua utilidade.

Casa da Commissão 24 de Setembro de 1837 - José Ignacio Pereira Derramado; Basilio Cabral.

O Sr. Sampaio Araujo: - Sr. Presidente, eu sou forçado a fazer uma moção d'ordem filha da minha convicção, e com isto declaro que não tenho desejo de fazer censura, nenhuma á Commissão. Parece-me que não se póde tomar conhecimento deste negocio pela fórma, que elle se aposenta: este negocio veio ao Congresso, foi votado definitivamente, e tanto quanto pude alcançar dos papeis, que estão sobre a mesa, observo que a empresa se não dirizio mais ao Congresso, mas sim á Commissão em pattrular; e por isso não deve o Congresso attende-lo. Eu desejarei sempre que se salvem as conveniencias, e os usos parlamentares, os quaes não permittem retrogradar em materia decidida; por isso sou da parecer que deste negocio, pela maneira porque se apresentou, não se póde tomar conhecimento delle.

O Sr. Derramado - Sr. Presidente, como relator da Commissão vejo-me na necessidade de responder ao Sr. De

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putado parece-me que elle disse que a companhia não fez representação nenhuma ao Congresso, digo a S. Sa. que esta equivocado a companhia fez uma representação (que está sobre a mesa) depois da decisão, que o Congrego tomou a respeito da condição, de que se tracta, esta representação foi apresentada por num uma das sessões, anteriores, e depois foi pelo Congresso mandada á Commissão de administração publica para dar o seu parecer sobre a mesma. A Commissão deu este parecer, que se está discutindo, isto é, a maioria da Commissão diz que não, e se reservou o direito de dar na discussão as razões, que para isso tinha, e a parte da Commissão, que diz que sim , deu as suas no seu voto em separado. Com estes esclarecimentos estou persuadido que o Sr. Deputado ficará satisfeito.

O Sr. Sampaio Araujo: - Sr. Presidente, eu retiro a minha moção.

O Sr. Conde da Taipa: - Sr. Presidente, a duvida, que achou o Sr. Valentim, parece-me muito facil de explicar: são duas partes contractantes, é uma empresa particular t e a nação por meio de seus representantes, essa empresa particular declarou que não lhe fazia conta uma das partes do contracto, por isso que não lhe davam a propriedade dos cáes pelo tempo, em que julga póde tirar interesse ora, Sr. Presidente, eu quero dar á companhia os quarenta ao nos, attendendo ao interesse, que o publico tira desses cáes, porque lá ninguem irá desembarcar sem tirar interesse de lá ir, por não haver nenhum agora. Se acaso me dissesse eu quero esses cáes, que já estão feitos, então eu diria é preciso ter cautela com isso, e examinar isso com mais miudeza, assim como se fez para as estradas, mas não, é uma cousa que ainda não existe, uma cousa que não existe, e que ainda ninguém logrou, e que só ha de lograr se acaso uma sociedade particular se propozer a fazer essa obra, e de que o publico ha de tirar grande utilidade.

O Sr. Cezar de Vasconcellos: - ............

O Sr. Visconde de Fonte Arcada: - O Sr. Cezar pôz a questão em toda a eu a vista é o mais que te podia dizer, aquelles, que se querem convencer, estão convencidos, os que não se querem convencer, não se convencem, e por isso eu não digo nada.

Vozes: - Votos, votos.

O Sr. Barjona: - Votos não póde ser, ainda ninguem combateo o parecer, todos fallaram a favor delle; de certo leio não é decente.

O Sr. Vasconcellos Pereira: - A companhia declara que se dissolve, se lhe não for concedido o privilegio dos toes por quarenta ânuos, ora vamos a ver se os inconvenientes, que se offerecem por esse privilegio são maiores que as vantagens, porque, sendo-o, não devemos conceder o que se nos pede, mas não o sendo devemos o maior inconveniente, que os illustres Deputados tem apresentado, é o ficar privado o publico por quarenta annos do beneficio de se servir desses cáes; porem isto é um beneficio imaginario, os cáes não existem actualmente, porque ella não vai fundar os seus cáes naquelles sitios, aonde os ha actualmente, vai forma-los aonde não existem, e não existirão naturalmente se a companhia os não for mar, porque o Governo ou tem dinheiro, ou não tem para fazer esses cáes; provavelmente não o tem, mas supponhamos mesmo que o tem, não o applicaria melhor em beneficiar os que existem, e mesmo em formar outros, porque ha terreno para formar até trezentos cáes? Mas, não o tendo, e formando a companhia os cáes, os habitantes, que não quizerem economisar dez réis, poderão desembarcar nas mares baixas sem ser as fustas dos barqueiros, e os barcos não precisarão estar tres e quatro horas a espera que a maré encha para poderem carregar; ora, não fazendo a companhia os cáes, por dinheiro algum se poderá ter essa commodidade Agora vamos ver as vantagens, que resultam ao publico. Uma navegação com toda a segurança, sem risco de vida, e com toda a rapidez por um
rio, em que no inverno morre muita gente afogada por causa dos temporaes; e no verão é muito difficil a communição da margem do Sul para a do Norte por causa das nortadas, que sopram todas as tardes.

Outra vantagem, Sr. Presidente, é a facilidade da communicação com a outra margem do Tejo, esta facilidade augmenta muito o valor dos predios da outra banda, faz que muitos operarios, e empregados vão viver para alli, por serem os viveres, e as casas muito mais baratas do que em Lisboa outra grande vantagem, Sr. Presidente, é ter o Governo a certeza de poder em todo o tempo mandar um corpo de tropas para o AlemTejo, o que as vezes não é possivel por tres e quatro dias no inverno em barcos de vela por causa dos temporaes, podendo resultar desta demora, a perda duma batalha, por não chegarem a tempo as tropas, e finalmente o poder navegar com toda a facilidade, «com toda a rapidez pelos mesmos preços, com que se navega em barcos de véla, com a differença que quando está mau tempo estes não navegam, senão a poder de dinheiro, quando o vapor ha de ir pelo mesmo preço, por tanto, Sr. Presidente, não sei quem advoga mais os interesses publicos, se aquelles que concedem um privilegio de quarenta annos a uma companhia, se os que não querem que se forme essa companhia, não tendo em vista que as vantagens não tem proporção com as desvantagens. Os illustres Deputados, que tem viajado por França e Inglaterra, sabem muito bem que aquellas nações (que estão mais adiantadas do que nós) concedem previlegios de sessenta, e setenta e mais annos as companhias, que applicam capitaes para empregas, formar pontes, canaes, estradas de ferro, etc. nós mesmo aqui neste Congresso concedemos um privilegio de trinta e tantos, ou quarenta annos aos emprendedores da nova estrada para o Porto, das barreiras, e das duas pontes de Sacavem e Porto, com a differença que todos os que passarem por essa estrada hão de pagar, e os que navegarem no Tejo podem deixar de pagar, embarcando e desembarcando em todos os cáes, que presentemente se acham feitos.

Sr. Presidente, eu não sou accionista, nem tenho tenção de o ser, entretanto desejo a companhia, porque julgo que é do interesse do meu paiz o espirito de associação principia entre nós, elle está na sua infancia, se nós em logar de o animar-mos lhe pozermos estorvos acabará de todo. Diz-se que póde vir outra companhia! Quando ha de vir outra companhia, Sr. Presidente Só se vier alguma companhia estrangeira eu, apesar de desejar minto a navegação do Tejo por vapores, flectiria muito que esta navegação fosse feita por uma companhia estrangeira, podendo ser feita por uma portugueza. Aqui formou-se uma companhia de estradas para as fazer á roda de Lisboa seis ou sete legoas, não sei porque, ella dissolveu se, e ate hoje ainda não appareceu outra; diz-se isto dá grandes interesses á companhia. Quanto a mim, Sr. Presidente, segundo me consta, esta companhia é mais formada por patriotismo, do que com vistas de interesses esta companhia esta dividida por mais de trezentos accionistas: o maior, segundo me disseram, não tem mais do vinte acções; ora que póde ganhar por isto? Quero que tenha dez por cento, cento e cincoenta mil réis. Ora aqui estão os grandes interesses que podem receber os accionistas. E uma companhia formada mais por interesse publico, e por patriotismo, do que com vistas de interesse.

Voto contra o parecer da Commissão, e voto porque se conceda á companhia os quarenta annos de propriedade dos taes, que não existem, é que não existirão, se ella senão formar. Sr Presidente, os illustres Deputados, que forem causa da companhia senão formar, são responsaveis á humanidade pelas vidas de muitos individuos, que hão do perecer afogados no Tejo, e que não morreriam, estabelecendo se os vapores.

O Sr. Barjona: - Os Srs. Deputados, que impugnam as minhas idéas sobre este objecto, tem recorrido a diversos ar-

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gumentos: 1.° que, não tendo até agora apparecido outra empreza, nos arriscamos a ficar sem navegação do Tejo, e Sado, senão fizermos, á que se nos apresenta, todas as concessões, que ella requer. Eu respondo que, por não ter apparecido até ao presente outra companhia, se não segue que não appareça para o futuro uma, ou mais. Meus illustres adversarios sabem que a navegação a vapor se vai aperfeiçoando progressivamente dum modo admiravel: é portanto desperar que, em havendo mais socego, e estabilidade em Portugal, se venham offerecer muitas emprezas mais commodas para nós. A vista do nosso estado presente, estado, que muitos estrangeiros se esmeram em pintar muito peior, do que elle na realidade é, não admira que não haja quem venha cá arriscar seus cabedaes.

Um illustre Deputado recorreu a um argumento ad terrorem: os Srs. Deputados, que difficultam a execução desta empreza, disse elle, ficam responsaveis por todas as mortes, que durante o inverno tiverem legar no Tejo: Sr. Presidente, este argumento é demasiado forte! (Apoiado.) A vista delle tenho eu o direito de offerecer um projecto, para se estabelecer immediatamente uma policia armada «m todas as estradas de Portugal, custe ella o que custar, e instar porque o projecto seja approvado sem maduro exame, ameaçando a todos os que me impugnarem, que ficam responsáveis por todos os roubos, entortes, que se fizerem por falta de policia: tenho tambem direito a propor um projecto para se reformarem todos os caminhos, e a ameaçar meus adversários com a responsabilidade, em que incorrem, por todas as seges, que se tombarem, e por todas as bestas, que cahirem: devo igualmente propor um projecto, para que se estabeleçam diligencias seguras por toda a parte, e exigir a approvação do projecto com semelhantes ameaças: em fim, note-se que a navegação a vapor não é absolutamente isenta de perigos: o argumento do illustre Deputado é forte de mais.

Tendo respondido às impugnações, que se me tem feito, passo a repetir a principal razão, que tenho contra a pertenção da empreza; razão, que já tive a honra d'apresentar por duas vezes a este Congresso, e estando um, ou mais emprezarios, advirta-se isto bem , na galeria a ouvir-me. Quando se tractou do privilegio dos quinze annos para os barcos, perguntei eu em dous dias successivos a um dos emprezarios, estando outros presentes: - com que justiça se pertende quinze annos de privilegio, tendo nós navegação a vapor entre o Porto, e Lisboa, a qual é sem duvida muito mais dispendiosa, sem se lhe ter concedido privilegio algum? O emprezario respondeu: são precisos os quinze annos para nos cobrirmos das grandes despezas, que temos de fazer com os cáes, despezas, que são muito maiores do que se pensa: em consequência de tudo isto , a maioria do Congresso concedeu-lhe os quinze annos para os barcos; e concedido isto quiz-se logo um privilegio muito maior para os cáes; eu pela minha parte não posso conceder-lho. Além disto, declarou já por ventura a empreza, como hão de ser esses cães, de que materia hão de ser construídos? (Apoiado.) Não. Sr. Presidente, os negócios desta natureza devem ser tractados com mais madureza.

O Sr. Conde da Taipa: - Não tenho que dizer: isto é, um negocio particular das províncias da Estremadura, e AlemTéjo, no qual todos os Deputados destas provindas estão conformes; é preciso que elles sejam muito alheios aos negocios de seus constituintes, para que elles advoguem a favor de uma materia que devem conhecer melhor, que os Srs. das províncias do Norte. Não se tracta aqui de uma lei geral que vá fazer contribuir todos os habitantes do Reino; é particular e de interesse local, e do interesse dos nossos constituintes, mas que não entende com os interesses particulares das outras províncias, como, por exemplo, foi aquella questão sobre os vinhos do Alto Douro; é uma lei de privilegio, que ha de recair sobre os habitantes da Estremadura, e Alemtéjo. O negocio é muito simples; é um negocio como tem havido, e como continua a haver em todos os paizes civilisados: uma empresa particular, que faz uma obra publica dentro de certo numero de annos, recebendo um direito em relação ao interesse do dinheiro, que emprega naquella obra publica; agora tem-se dito 30 vezes que os cáes em questão é uma cousa, que nunca houve, e que provavelmente não ha de haver, em quanto uma associação os não fizer; essa associação diz que lhe não faz conta, se não por 40 annos; qual é a razão, porque se ha de negar? Faz isso algum mal ao publico? Não, porque não existe, e porque (note-se) é feito aonde nunca houveram cáes, nem foi nunca logradouro publico; e o homem que não quizer ir alli desembarcar, não é obrigado a lá ir. Por tanto não obriga, aquelle que lhe fizer conta vai, e pague.

Agora diz a empresa, eu não posso fazer os cáes por menos de 40 annos; e o que há-de fazer-se? Negar-se? Mas negar-se o que? O que se nega aqui? E a quem se nega? Eu acho que se nega às commodidades publicas; e cousa inteiramente provável, porque não se impede a ninguem de gozar d'aquillo que até aqui tem gosado: ora agora eu quero que se vá animando o espirito de associação entre nós; é o unico meio de se poder tirar do trabalho publico um maior resultado; ora pois, neste momento é que nós havemos de estar a regatear? Isso é bom para as grandes Nações, aonde a confiança publica está estabelecida, aonde o Governo póde contractar com os empresarios, como quizer; aonde os offerentes são muitos, e os offerecidos muito poucos; por consequencia eu digo que, para animar o espirito da associação, e em uma cousa, aonde o interesse publico não perde nada, porque é uma cousa que não existe, é preciso conceder os 40 annos. Eu vi uma das asneiras francezas, que tem havido até aqui: uma companhia ingleza foi a França e disse ao Governo: eu quero levar agua a todas as caras de Paris, e não quero que os habitantes da Paris me paguem mais do que aquiilo que pagam aos homens que lha levam em carros, isto por 40 annos; vieram logo os homens do systema estacionario, e disseram: nada, porque o dinheiro sabe, mas isso não valeo; disseram os empresarios, todos, os carros de ferro, que me forem precisos queremos que nos sejam livres de direitos; diz-lhe o Governo, não, por causa dos nossos manufactures; nào, lhe disseram os empresários, perdeis nada, porque se nós não viessemos aqui, não se faziam; mas dizei aos vossos fabricantes que porção decanos nos podem dar em tres annos? Não podem dar senão a terça parte; nós tomámos essa terça parte. De longe em longe não começaram a obra, e Paris está sendo servida em carrinhos pequenos, de lhe levar a agua, quando a podiam ter feito com grande conveniencia, e até gosar de muito melhor agua. Por consequencia voto pelo privilegio dos 40 annos, advertindo que não conheço os empresarios, a não ser o Doutor Rocha; os mais não os conheço.

O Sr. Leonel: -Direi algumas palavras para explicação. Sr. Presidente, um Sr. Deputado que impugna a pertenção da empreza taxou a empreza de demasiadamente exigente, e elle tem tanta razão para fazer isso, como um mercador, aonde o Sr. Deputado for comprar uma casaca, e regatear sobre o preço; é negocio de interesses, cada uma das partes regateia e não póde ser taxada de demasiadamente exigente; tem-se dito que o vir aqui este negocio é de alguma maneira indecoroso a isso respondo: sem preza usou do direito de petição, fez um requerimento, o Congresso mandou-o á Commissão, e esta deu o seu parecer; diz-se a empreza da primeira vez não pedio isto; as razões estão deduzidas na representação, e são porque ella entendeo que os cáes, que fazia á sua custa, erão propriedade sua; diz-se que esta pertenção dos 40 annos vem a ser a prorogação do privilegio dos 40 annos para os vapores; está decidido que para os vapores o privilegio seja de 15 annos, ninguem

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pertende mais, e a companhia tem razão quanto aos cáes, porque quer evitar que no fim dos 15 annos alguem venha atropella-la para obrigar a largar os vapores.

Agora, Sr. Presidente, quantas vezes será necessario dizer que se tracta só dos cáes, que não existem, por isso que o publico nada perde, visto que os não tem? Entretanto oppomo-nos á empreza não sei porque, porque o que ella exige é imaginario, disse um Sr. Deputado que não admira que agora não haja empreza, visto o estado do paiz, te se não admira de que as não haja, visto o estado do paiz, deve admirar que cá venha uma, e é pois preciso aproveitar o que se offerece, visto que não era provavel que viesse, diz-se quando a liberdade estiver arraigada então hão de vir muitas cousas.

Sr. Presidente, eu ouço fallar em arreigamento de liberdade desde 34, mas por oru ainda não chegou o momento, se nos pomos a esperar porque ha de vir, vamos contra o dictado Portuguez, que era filho da experiencia de nossos avós = mais tal um passaro na mã, do que dous voando: queremos deixar ir o passaro da mão para esperar pelos dous, que vão voando, e que não se sabe quando virão?...

O Deputado proprietario em qualquer provincia como ha de fazer produzir a sua quinta, e terreno, se não tiver meios de tirar d'ella seus productos? Ha de faze-la produzir para deixar apodrecer os productos? Não a primeira cousa, em que deve cuidar o Governo e em facilitar as comunicações. Agora será preciso accrescentar que eu não sou accionista desta companhia, e que não tenho nada com este negocio, mas declaro que, se messe dinheiro lá ia meter alguma cousa não sou accionista, porque não tenho dinheiro para isso. Agora, Sr. Presidente, parece-me que é escusado fazer mais observações; os Deputados da Estremadura e Alemtéjo estão unanimes em pedir esses 40 annos, e entendem que fazem um serviço a sua Provincia - por tanto não posso duvidar da bondade da medida.

Derão 3 horas - (Vozes: - votos, votos.)

O Sr. Valentim: - Eu ouço pedir votos, porém eu ligo muita importancia a esta votação, é um negocio, em que se consigna um principio de muita ponderarão, por tanto não se deve ir de salto.

O Sr. Presidente: - Ninguem requereu que se votasse.

O Sr. Visconde de Fonte Arcada: - Depois desta discussão ter durado uns poucos de dias, ainda que se pedissem votos, não sei que e podesse dizer que se queria levar o negocio de assalto. Realmente este negocio tem sido muito discutido, todos estão ao facto das conveniencias, ou inconveniencias delle, e por tanto peço que a Sessão se prorogue para tractarmos delle.

O Sr. Leonel: - Prolongar a Sessão não será conveniente, mas póde continuar a tractar-se do mesmo negocio.

O Congresso resolveu que continuasse esta discussão.
Teve a palavra.

O Sr. ª Carlos: - Appareceu aqui esta questão por effeito de uma declaração, que eu pedi num contracto nacional, porque tal reputo este, e como tal é um contracto, em que são competentes todos os Deputados, e se os Srs. pelo circulo de Lisboa assim o não entendem, escusavam de o deixar vir às Côrtes; e sirva isto de resposta á preferencia, que os mesmos Srs. se querem dar neste assumpto, porque de resto todos entendemos as commodidades, que do contracto podem resultar, assim como os inconvenientes. Quando eu fiz aquella moção estava do persuadido de que não seria contestada , que logo achei um membro da Commissão, que disse, que essa. era a sua mente e sentido. Menos podia eu duvidar quando li na proposta da Empreza que os passageiros pagariam 10 réis, pelo desembarque nos cáes, e dizendo a Commissão no seu parecer, que supprimia esta condição, a Empreza respondeu nas suas declarações, que estava pelo que a Commissão queria! Eis aqui o que diz a proposta, e parecer, e as declarações. (Leu.) Quando eu vi o fim desta declaração, entendia que a Companhia cedia da postagem dos 10 réis, e isto pelo voto da Commissão. É neste sentido que eu fiz a minha moção, e parecia-me que todas as questões já estavam decididas, e que só faltava clareza entre tanto achei que a Empreza estava noutra idéa muito diversa, se é que depois por circumstancias não pensou de outra sorte. Apesar de tudo, veio a discussão, e decidiu-se que a Empreza devia ceder dos cáes no fim dos 15 annos para o publico, e os mesmos Deputados, que nesse dia sustentaram os direitos da Empreza, disseram lato mesmo, disseram que não podia haver questão, porque o privilegio durava só por 15 annos; e houve até um jornal que, faltando da minha proposta, disse o Deputado fulano lembrou-se desta proposta, escusada, e inutil, porque a Companhia convinha nisso. Se pois isto era inutil, como agora se faz uma questão tão renhida desta circumstancia? E preciso pois que eu diga alguma cousa de particular a respeito deste negocio, para que o Congresso todo melhor se entenda. Alguem muito interessado neste negocio, em tempo em que elle não tinha sido ainda aqui discutido, faltando me sobre isto me declarou (dizendo-lhe eu que duvidava que se lhe concedessem os 20 annos) que a Empreza se daria por contente com 10 annos! Eis aqui, o que regulou o meu voto para votar pelos 10 annos. E disse-me elle mais, = mas uma das objecções da Companhia e que ella sempre se estabelece em todo o caso. etc. Daqui conclui eu que a Empreza estava decidida a estabelecer-se com privilegio, ou sem elle, e neste ultimo caso só com a differença de ficar o Governo privado de passar os passageiros, que quizesse, e de haver preços fixos, e carreiras designadas.

Debaixo deste ponto de vista nem me parem duvidoso que a Empreza queria ceder ao publico o uso dos cáes, que construisse, e muito mais, porque nunca se lhe exigiram as condicções das construcções dos cáes, e ella ficava nisso com plena liberdade de os fazer á ligeira. Hoje apresenta-se uma quentão toda nova, e um negocio todo novo que ainda não foi apresentado - é uma Empreza de construcção de cáes, e quer unir-se á Empreza da navegação a vapôr, com o imposto de 10 réis por cada passageiro por 40 annos! Foi já esta nova Empreza annunciada ao publico? Não. Ainda se não tez a concorrencia, e estou persuadido que, se se apresentasse destacada da Empreza dos vapores, haveria quem se oferecesse a construir os cáes por menos, e em todo ocaso com condições, numero, local, etc., bem marcados, porque quem observar, ainda ligeiramente, a afluencia de passageiros, que ha nas margens do Tejo, esta convencido de que o rendimento ha de ser espantoso, e por consequência, ainda que as despezas sejam muitas, tambem o ganho o ha de ser. Entre tanto o negocio de um lado está por considerar como fará a Emprega os cáes? De pedra, ou de madeira? Que estensão terão? Quantos serão? Em que logares? Não ha nada disto designado isto é um contracto entre a Nação, e uma Empreza, é preciso que se declarem as condições de uma e outra parte; assim se deve fazer, como na estrada para o Porto, onde se marcou o modo da construcção da estrada, porque assim e que as partes contractantes sabem as despezas a fazer reciprocamente, e os interesses, que tiram.

Supponhamos que se atravessam 4 taboas em 6 pinheiros ha de isto ter um privilegio por 40 annos? Por consequencia julgo que esta empreza, como se apresenta agora, é destacada da outra, porque se annuncia uma nova construção de cáes, e pede-se o privilegio por 40 annos, e então por decoro do Congresso é necessario annuncia-la de novo, ou pelo menos pedir declarações á emprega Mas diz-se, senão se conceder isto a empreza foge, e não quer contractar grande pena terei disso, porque ela uma das emprezas, que me parece de vantagem; entretanto sit modus in relus. Se ella nos

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pedir sacrificios extraordinarios, devemos vêr se elles pesam, mais na balança do interesse publico, do que as vantagens devemos pois considerar, o que damos á empreza, e o que ella nos dá. Nós fazemos o sacrificio do principio de todos, se poderem occupar em qualquer genero de industria, e isto é de alguma transcendencia, porque vai algemar por muito tempo todos os proprietarios, que disso se lembrassem: cedemo-lhes o terreno publico para ella construir caes; damos-lhe isenção de direitos para a introducção das maquinas & c., e que lucra a empreza? Segundo o que tenho ouvido dizer a quem entende, tem a certeza de ganhar, porque ella ha de fazer a navegação do Tejo sem grande risco, e como todos precisam navegar por elle, ella ha de ganhar infallivelmente e talvez as despezas, que fizer, sejam cobertas em poucos annos; e por outro lado tem a certeza de que ninguem a vá estorvar nas carreiras mais lucrosas, como a de Villa Franca, Moita, Cacilhas &. c., e então o lucro é seguro. É verdade que nós na empreza da estrada para o Porto concedemos muito, mas porque? Pelas despezas enormes, que ella era obrigada a fazer: quanto aos vapores não á assim. Aqui hoje argumentou-se com a idéa do estabelecimento de emprezas, e associações, que se deviam promover: sou eu partidario daquillo mesmo, mas sendo emprezas desta transcendencia, emprezas que vem coarctar a liberdade da todos os cidadãos, é preciso ter muita contemplação, e vêr se o estabelecimento do privilegio tem uma base tão real e fundada que compense o sacrificio, que se faz. Diz-se que não virá outra empreza: é bem possivel, mas para as carreiras mais lucrosas, talvez não tardaria muito, porque uma vez conhecido o lucro, é provavel que hajam concorrentes. Fallou-se em vantagens que o Governo teria do estabelecimento da companhia, no prompto e commodo transporte de tropas &. Ca., Tudo isto é bom, mas essas vantagens não são taes, que devam fazer esquecer o principio da liberdade, geral, por um modo tão indeterminado quanto mais, o Governo ahi tem já vaporei, que num instante fanam todos esses transportes, por unto entendo, que concedido um privilegio deqmnze annos, devemos parar aqui a empreza diz que não póde sem est'outra concessão, mas na sua mão esta não se sujeitar às condições dos passageiros por isso deport.

Eu julgo que neste negocio não houve talvez toda a cautela, que a Commissão poderia ter empregado, eu me explico sem a menor intenção de censura. Os fardos de fazendas não tem uma tabella, que apenas existe para os preços dos passageiros mas, pergunto eu, será só para o transporte de pessoas, que se quer esta navegação? Eis-aqui uma circumstancia, que se eu a visse no projecto, talvez me reduzisse mais facilmente a votar de outra maneira mas como a tabella está, a empreza tem em sua mão uma vantagem extraordinária, o passageiro, que for obrigado a levar comsigo algum fardo de fazenda, não terá remédio senão pagar por isso tudo que a companhia quizer. Diz-se aqui que o preço será conforma se convencionar. (Leu.) Isto é o que faz qualquer outro individuo, ou companhia, que não tenha privilegio nenhum, o vapor Porto (por exemplo) fiz isto mesmo, ajustando com o passageiro tanto ou quanto por lhe conduzir esta, ou aquella porção de fazendas. Por tanto, se a Commissão fosse mais exacta e circumspecta neste ponto, apresentando tambem o programma do numero dos caes, seus locaes eu talvez votasse pelos quarenta annos, vendo que a concessão era vantajosa ao publico mas, da maneira que isto se acha, não posso vetar pelo parecer da minoria. Exijam-se pois as necessarias acclarações da companhia a este respeito, e depois discorreremos.

O Sr. Barjona: - Antes que te de este contracto por approvado, espero que V. Exa. me dê a palavra para fazer-lhe, um additamento, que julgo de muita importancia.

O Sr. Franzini: - A meu ver a companhia deu logar a esta discussão, por não guiar com acerto o seu negocio, aliás teria a propriedade in perpetuum de quantos cáes fizesse sem dependencia alguma do Congresso vou prova-lo.

Ha tres hypotheses: ou a companhia levantava os cáes em terreno seu ou em terreno particular, ou em terreno do publico. Se o terreno lhe pertencesse, pergunto, se teria alguma necessidade de pedir licença ao Congresso para edificar seus cáes? Creio que não, porque se qualquer individuo possuir uma porção de praia, e ahi construir um cáes fechado, é claro que ninguem o aproveitará sem o consentimento do dono; e por tanto não precisa faculdade de authoridade nenhuma. Supponhamos agora que a companhia não possue esse terreno, mas que compra a algum particular a porção necessaria para construir um cáes pergunto, terá ella precisão de pedir explicações ao Governo para saber se tem aposse desse cáes? Parece me que não. Ora pertencendo o terreno a Camara municipal, ou a outra corporação publica, não poderá afora-lo in perpetuum, como ahi se está fazendo todos os dias? E neste caso, pergunto, não poderá a companhia fazer um cáes nesse terreno, e impôr um tributo, a quem delle se quizer servir? É indubitavel. Está por tanto provado que acompanhia poderia ter a posse perpetua de quantos cáes fizesse sem usar de authorisação alguma do Congresso. Além disto, nós estamos convencidos da immensa utilidade, que resultará de que se estabeleça quanto antes esta companhia, e tanto assim que o Congresso lhe concedeu um privilegio por vinte annos, nada accrescentaremos em beneficio do publico, negando-lhe esta concessão, porque não vejo inconveniente, em que um inidividuo ou companhia conserve in perpetuam a propriedade de obras semelhantes feitas com os seus capitães, pelo contrario, eu estou, persuadido que e util, porque se vierem a cahir nas mãos do publico ha de lhes acontecer o mesmo, que tem acontecido a outras obras deita natureza, que se destruiram por não haver quem dellas particularmente cuidasse: dou um exemplo. O coronel Doyle construio uma grande porção de boa estrada na direcção de Cintra, depois foi abandonada á receita, e ninguem mais tractou da sua conservação, estragando-se de tal modo que foi necessario reconstrui-la de novo. Eis-aqui o que resulta de todas as emprezas, que não tem proprietarios, a quem directamente interesse a sua conservação.

Se pois a companhia se contenta com uma posse de quarenta annos, em vez de a pedir perpetua, que duvida poderá haver em se lhe conceder? Diz-se que é necessario que saibamos o numero dos cáes, que pertende fazer, os seus locaes etc. Não vejo necessidade disso, pois está provado que todo o individuo póde fazer os cáes, que bom lhe parecer: que seja bom ou mau é cousa, de um particular interesse. Tambem não póde haver o inconveniente de construir cáes de tal natureza, que possam prejudicar a navegação do rio, produzindo aterros, porque, no caso de uma construção viciosa e prejudicial, lá está a authoridade competente para lhe embargar a obra. Em fim, seja-me permittido dizer que da uma questão tão simples se tem creado gigantes para a combater: faz-me isto lembrar uma anedota de um celebre escriptor francez Mr. Linguet, author dos annaes politicos, que me parece existio no fim do reinado de Luiz XV. Lembrou-se este author de escrever contra o pão, e fez uma obra do duzentas e tantas paginas para provar que tinha sido uma das descobertas mais prejudiciaes á humanidade. Isto mostra que o talento póde sustentar longas discussões ácerca dos mais simples objectos. Concluirei que a companhia não exige cousa, que possa estranhar-se, quando pede a posse dos cáes, que construir á sua custa, por quarenta annos, porque de facto lhe pertenceria in perpetuum a posse de quantos cáes fizer: logo não deve haver difficuldade da nossa, parte, e eu voto pela concessão do privilegio requerido.

O Sr. Fernandes Thomaz: -.......

O Sr. M. A. de Vasconcellos: - No decurso desta discussão, Sr. Presidente, tem-se escandecido os animos, cousa,

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que eu muito estimaria não tivesse acontecido, (Apoiado.) Tem-se dito que os Deputados das provincias da Estremadura, e do Alemtéjo estão conformes em que se conceda á companhia o que ella pede; e accrescentou-se que só por teima é que isso se lhe podia negar. Esta maneira de argumentar não só deita a perder as questões, mas até, por assim dizer, desequilibra o Congresso. Creio, que todos os meus collegas hão de estar lembrados de que eu fiz um requerimento para ser dispensado da Commissão de administração publica; a razão, que para isso apresentei foi a minha falta de conhecimentos dos negocios locaes, que dizem immediatamente respeito a Portugal; mas o Congresso por sua delicadeza não quiz conceder-me essa escusa. Passados dias apresentou-se na mesma Commissão a proposta desta, empreza, e perguntou-se-me o que sobre ella eu pensava, e não qual era a opinião dos Srs. Deputados da Estremadura, e do Alemtéjo. Torno pois a dizer que aquella maneira de argumentos deve ser desterrada de entre nós.

Entrando na materia serei muito breve, porque eu não quero talvez com o meu errado pensar entorpecer um negocio, de que resulta muito interesse para a província da Estremadura, e Alemtéjo, se bem que eu não concordo que elle seja privativo destas provincias; é um negocio nacional. Muitas vantagens se podem seguir desta empreza; mas tambem se podem seguir muitas desvantagens; não direi que estas excedam aquellas; mas é preciso examinar umas e outras. Isto é um contracto bilateral, porque tem condições onerosas para uma e outra parte. A companhia, além do exclusivo da navegação do Tejo a vapor por quinze annos, que já se lhe concedeu, quer mais o uso exclusivo dos caes por quarenta annos; quando sé findarem os quinze annos do privilegio cessam de facto e de direito todas as condições do contracto, que são onerosas para a companhia, e só fica subsistindo uma onerosa para a nação, que é a do usofructo dos cáes. Pergunto, de que tabella se ha de servir a companhia para o preço dos transportes de pessoas? Póde estabelecer-se a tabella que quizer até onde derem as circumstancias da concorrencia no transporte; mas pergunto eu, a companhia não fica já n'uma posição muito vantajosa sobre outros emprezarios, que quizerem entrar na concorrencia, por isso que a nação lhe garante o usofructo daquelles cáes por quarenta annos? Deve attender-se a isto. Eu não fallo em negocio nenhum por teima; mas avanço estas observações para mostrar a razão, porque assignei o primeiro parecer da Commissão da administração publica, e porque voto contra a pertenção. E preciso attender a que a companhia ha de dar muito interesse, e então deve-se attender a que se tracta aqui de alienar por espaço de quinze annos a melhor propriedade, que a nação tem, que é o Tejo, e por uma consequência necessária por mais quarenta annos, se elles forem concedidos. Ora Sr. Presidente, eu não posso conceber como seja necessario tanto privilegio para haverem barcos de vapor n'um leito como o do Tejo; e senos recorrermos á época, em que esta companhia se formou, nesse tempo não exigia ella nada. Eu estava aqui em Lisboa nesse tempo, e não ouvi fallar em privilégios, conversando com alguns accionistas sobre a sua formação; o que me faz concluir que não eram os privilégios uma condição sine qua non; porque se o fossem era a primeira cousa, que haviam de pedir; isto não é uma demonstração, mas uma circumstancia, que me serve para regular o meu juizo.

O Sr. Lopes Monteiro: - Sr. Presidente, é força confessar que na discussão do parecer da Commissão, sobre tudo da parte dos Srs.; que defendem o voto da minoria della, se tem estabelecido alguns preconceitos, que a um Deputado de Traz-os-Montes é preciso destruir. Não era preciso que os illustres oradores, tão versados na polemica de argumentar, nos esmagassem mais com estes argumentos, que bem se podem chamar argumentos ad odium. Não faltou quem asseverasse que esta empreza era da maior utilidade publica: eu não contesto a utilidade; e apezar de ser de Traz-os-Montes, e não ter tida eleito, nesta provincia, não sou tão indifferente aos seus interesses, que lhe negue o que é util. Eu. tambem quero a empreza, Sr. Presidente, mas não quero prejudicar o meu paiz, e é por isso que tenho, a offerecer aos Srs. da Commissão algumas, considerações. Nas primeiras condições os contractantes, que eu supponho examinariam bem as despesas, que lhe eram precisas para levarem ao fim a sua empreza, pediam só vinte annos, para a indemnisação de suas machinas, que hão de ser muito custosas, dos seus barcos e não faltaram na despeza dos caes, senão, para provarem, e conseguirem grandes privilegios, que se lhe derão, e, elles se contentaram por quinze annos, hoje só por esses cáes pedem vinte e cinco annos. Nós não sabemos como os cáes hão de ser feitos; diz o Sr. Conde da Taipa, que isto ainda não existe; é verdade, porque o contracto, ainda não foi realisado; isto porém não priva de tractarmos do modo, por que esses cáes devam ser feitos, para o que se podem estabeleceu condições a que a empresa não póde recusar-se á vista do grande, privilegio, que lhe concedemos. Eu quero acreditar que o patriotismo, tem muita parto nesta empresa, mas perdoe-me o Sr. Deputado, que disse que só a isso se devia attribuir, aqui tambem entra o interesse de pessoas, que entrão na empresa e que haviam de calcular muito bem á despeza dos cáes para pedirem desde o principio o privilegio de quarenta annos. Mas dizem os Srs. Deputados: a empresa, passados os quinze annos já concedidos, não quer senão que se lhe pague o direito por quem lá for desembarcar, e não estorva os ou tres empresarios; estorva certamente, porque não póde haver ninguem que á vista dos cáes, a que a outra companhia tem direito por quarenta annos, vá fazer com o Governo um contracto igual ao da companhia, que por isso mesmo se perpetua por quarenta annos. Todavia eu fallo a respeito dos cáes com pouco conhecimento de causa, e os Srs. Deputados destas províncias tambem não tem muito, porque ainda se não apresentou a planta desses cáes. Venha essa planta, vá o contracto á praça, e depois votarei segundo entender; por que eu tambem quero as empresas; sei que todas que se tem tentado em Portugal tem sido infelizes, e entretanto não é porque nós tenhamos sido mesquinhos. Ahi está a das estradas, em que o Congresso foi bem generoso, e que todavia creio que não vai bem. Portanto voto pelo parecer da maioria da Commissão.

O Sr. Valentim: - Sr. Presidente, eu serei breve, pouco tenho já a dizer. A primeira cousa, que direi, é que se leni dito que dos cáes velhos não se paga, que é dos que a companhia fizer de novo: isto está bem visto; por consequencia não sei para que são estas observações. Conveiu-se no contracto dos vapores, e veio, como disse o Sr. Alberto Carlos, uma segunda empreza de cães inteiramente novos; por consequência devemos saber qual é a qualidade dos cães, o modo porque hão de ser construídos etc. Nós havemos de examinar as despezas, que a companhia fará e recompensa-las bem; mas agora será preciso avaliar todas as vantagens, que daqui resultam á nação, para sabermos o que devemos conceder. Já se poz em linha de conta as batalhas, que podemos ganhar havendo celeridade nas communicações pela companhia, e pelos cães. O Srs., havemos de nós pagar todo isto? Havemos de nós dar aos empresários o bem, que resulta não só da empresa, mas das proporções? Se para comprar uma rede a avaliássemos pelo peixe, que com ella podiamos apanhar, seria um absurdo; pois havemos de dar um tributo por quarenta annos por uns cães, que não sabemos aonde, e como serão contruidos? Por quatro páos e taboas, que acabarão em pouco tempo passado o praso, que se calcular para esse tempo? Nós neste contracto, nem ao menos temos o direito de exigir cousa alguma, que dure. Em fim, Srs., eu coro quando ouço defender um absurdo tal, quando vejo confundidas as idéas de adiantamento e prosperidade com monopólio, quando vejo que se nos diz que os Deputados da Es-

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tremadura são os competentes só para isto; façam o que quizerem, mas creio que pouco terá a Estremadura que agradecer de tal resolução. Sr. Presidente, não sei porque aqui se tem fallado tantas vezes em regatear: nós não queremos regatear, mas não queremos ir como cegos fazer um contracto. De mais eu creio que no primeiro contracto não se incluía esta condição; como veio esta materia nova aqui? Por tanto digo, sendo esses cães em terreno particular, como querem inculcar os pratonos da companhia, nós não podemos negar esse direito, e sendo em ancoradouros públicos não podemos dar-lhe quarenta annos, sem ao menos saber a qualidade, como e quando hão de principiar. Creio que se o contracto tosse particular dos Srs. Deputados não admittiriam tanto preço por uma cousa, que não está definida, que não se sabe o que é; (cães isto não é bastante) é necessario saber como serão construidos.

O Sr. Ignacio Pissaro: - Tem-se discutido esta materia longamente, e parece-me que seria conveniente consultar o Congresso sobre se a materia está discutida.

O Congresso julgou a materia discutida.

Posto á votação o parecer da maioria da Com missão foi rejeitado.

O Sr. Presidente pôz então á votação o parecer da minoria da Commissão concebido nestes termos: se se deve conceder á companhia o uso dos caes e pontes inteiramente feitos de novo, pelo espaço de quarenta annos, com as condicções declaradas na proposta da mesma companhia.- Foi approvado.

Pediu e teve a palavra.

O Sr. Ministro do Reino: - É unicamente para dizer ao Congresso que telegraficamente nos foi communicado que os revoltosos de Valença se tinham submettido em vinte e seis, ou vinte e sete; e para dizer igualmente que uma insignificante revolta, que teve logar em Messejana em vinte e tres do passado, que se estendeu até Beja, mas reduzida a força militar de 7 de infantaria, e augmentada com um destacamento do mesmo corpo acabou, porque esses mesmos entraram nos seus deveres.

O Sr. Presidente: - Deu a hora; a ordem do dia para a sessão seguinte é a continuação da discussão do projecto de constituição sobre a organisação da segunda Camara. Está levantada a sessão.

Eram quatro horas da tarde.

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