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SESSÃO DE 3 DE OUTUBRO.

(Presidencia do Sr. Lourenço José Moniz Vice-Presidente).

ABRIU-SE a sessão às onze horas e tres quartas da manhã, estando presentes oitenta e seis Srs. Deputados.

Leu-se e approvou-se a acta da sessão anterior.

Leram-se na meia, e foram mandados lançar na acta as seguintes declarações de votos.

1.ª Do Sr. José Ferreira Pinto Basto - Declaro que, se estivesse presente á votação sobre a organisação das Côrtes, votava por uma só Camara.

2.ª Do Sr. Costa Cabral - Declaro que, se estivesse presente na sessão de hontem votara por uma só Camara legislativa.

3.ª Do Sr. Pereira Vera, e assignada tambem pelos Srs. Sousa Saraiva, Mont'Alverne, e Prado Pereira - Declaro que na sessão de hontem votei contra a concessão do privilegio de quarenta annos, pedido pela companhia da navegação, do Tejo e Sado por barcos movidos a vapor.

4.ª Do Sr. Paula Leite - Declaro que, se estivesse presente na sessão de hontem votava por duas Camaras; e pelo parecer da minoria da Commissão d'administração publica sobre a empresa dos vapores.

5.ª Do Sr. José Henriques Ferreira - Declaro que, se estivesse presente á sessão de hontem, votava por uma só camara legislativa.

6.ª Do Sr. Nunes de Vasconcellos assignada pelos Srs. Ferreira de Castro, e Oliveira Baptista - Declaro que, se estivesse presente á ultima parte da sessão de hontem, votava pela minoria do Congresso sobre a concessão feita á companhia dos barcos movidos por vapor.
Pediu e teve a palavra.

O Sr. Leonel: - Sr. Presidente, foram mandadas para a Commissão de legislação duas differentes especies de additamentos, ou emendas feitas ao projecto de lei da liberdade d'imprensa sobre a forma do processo, que deve seguir-se, pelo qual 01 editores fiquem responsaveis pelos jornaes; porém a Commissão tem-se achado em algumas dificuldades; motivo porque não póde ainda acabar o seu trabalho completamente, mas já concluiu, o que é relativo às garantias dos editores, no qual diz (leu). Mas a Commissão encarregou-me de apresentar esta parte, em quanto se não acaba a outra; e, visto que são duas materias differentes, não póde haver duvida em se tractarem separadamente, e até mesmo porque os artigos que ella propõe são taes que depois da discussão se pódem facilmente emendar; por consequencia eu vou ler o que diz respeito a esta parte, (Leu e mandou para a mesa um projecto sobre a responsabilidade dos editores, o qual se mandou imprimir com urgencia).

O Sr. Visconde de Fonte Arcada: - Era para pedir que esse parecer, que o Sr. Leonel mandou para a mesa sobre o projecto da liberdade de imprensa, fosse impresso hoje, para que amanha entrasse immediatamente em discussão, porque é precito, quanto antes, que haja liberdade de imprensa. Eu desejava não só que se imprimisse quanto antes, mas que quanto antes entrasse em discussão, porque, como se tem tractado já d'aquella materia, sabemos o que havemos de votar, e por isso pedia que amanhã mesmo, se fosse possivel, entrasse em discussão, preferindo-se a qualquer outro objecto, porque é necessario que tenhamos quanto antes uma liberdade de imprensa, mas que seja bem regulada.

O Sr. Barjona: - E certo que não apparecendo um objecto por extremo urgente nos devemos occupar constantemente de fazenda e de constituição, e que, depois da ultima resolução do Congresso, as discussões nestes primeiros dias devem versar exclusivamente sobre a lei fundamental; entretanto eu vou fazer uma proposta, para que certos pontos daquella mesma lei prefirão a outros, e que a organisação da segunda camara, que está destinada para ordem do dia de hoje, seja reservada para depois de se lerem tractado as attribuições do corpo legislativo em geral, e as da Camara dos Deputados em particular, que esta é a ordem natural, e de simples intuição: não se deve tractar das funcções de cada uma das fracções do corpo legislativo, sem se conhecerem as de todo; e sendo a Camara dos Deputados a verdadeira representação nacional, e não sendo a camara dos senadores mais no que um corpo destinado a modificar as attribuições da primeira, e a sustentar o equilíbrio entre ella e o governo, está claro que a sua organisação deve ser adiada para mais tarde, visto que a organisação d'um corpo ha de necessariamente ser apropriada às funcções, quer elle tem de exercer. Proponho em consequencia, se não tracte da organisação da segunda camara, sem que se discutam e votem primeiro as attribuições do corpo legislativo em geral, e as da Camara dos Deputados em particular.

O Sr. Leonel: - O Sr. Deputado propoz um adiamento, do que está dado para ordem do dia; ora agora o Sr. Deputado diz que primeiro devemos tractar em geral da organisação de ambas as Camaras, e depois passar às attribuições em particular de cada uma delias. Logo isto é um adiamento; e sem ser apoiado por cinco Srs. Deputados, não póde entrar em discussão, na forma do regimento, e se for apoiado eu pedirei a palavra sobre o adiamento.

O Sr. Vice-Presidente: - Este requerimento do illustre Deputado o Sr. Barjona involve um adiamento da materia, que estava dada para ordem do dia; por tanto é preciso que seja apoiado por cinco Srs. Deputados, para entrar em discussão. (Foi apoiado.)

Está em discussão o adiamento da materia que estava dada para ordem do dia da sessão de hoje. O Sr. Leonel tem a palavra.

O Sr. Leonel: - Sr. Presidente, as razões que apresentou o Sr. Deputado author do adiamento, parece-me que não podem convencer para se votar a favor de semelhante proposta.

Disse o Sr. Deputado que era necessario tractar primeiro das atribuições das Côrtes em geral, para depois passar á formação da segunda Camara. Isto por um lado não parece muito fora de proposito, mas por outro lado attendendo a que mesmo as attribuições das Côrtes em geral hão de ser differentes até certo ponto, da formação da segunda Camara, entendo por consequencia que sem isto não adiantamos nada, nem se precisa fazer semelhante adiamento, (apoiado) porque creio eu que se não póde de maneira nenhuma resolver quaes hão de ser as attribuições das Côrtes em geral, sem se saber primeiro como hão de ser formadas as duas Camaras. A respeito da formação da primeira Camara creio que estamos de acordo; mas a respeito das bases, e a respeito dos systemas em geral, acho que é uma cousa incompativel com o que já se decidio neste Congresso.

Quanto á organisação da primeira Camara estou persuadido que todos nós estamos de acordo, e pouco mais o menos sabemos qual ella é, e na verdade é uma cousa muito simples; por consequência devemos ir á mais importante: cê a organisação da primeira Camara é cousa muito simples, igualmente o é a segunda na parte que diz respeito a se ella ha de durar dous, tres, ou quatro annos; isso são objectos de momento. Ora agora sobre o que póde haver grande questão e se ella ha de ser electiva, temporaria, ou vitalicia; por consequencia tractar-se da organisação geral, isso não convém, nem é preciso: logo devemos ir primeiro ao que ha de levantar grandes questões; quasi todas as constituições dos outros paizes são organisadas de maneira que a segunda Camara é formada, se póde assim dizer, para juizes do Ministério, e logo por conseguinte na segunda Camara é que são julgados os Ministros deste, ou daquelle mo-

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do. Isto é uma cousa, que nós tambem devemos tractar para se saber se os Ministros devem ser julgados na primeira ou na segunda Camara, como tem sido até agora. Isto, Sr. Presidente, não é objecto de organisação geral, é objecto particular da segunda Camara; e ha outros muitos exemplos para provar a desnecessidade de destruir esta grande questão, que está dada para ordem do dia; e uma cousa, que os povos anciosos desejam saber, é qual será a organisação da segunda Camara.

Sr. Presidente, quando se tractou do adiamento deste artigo, decidio-se logo que seriam tractados estes dous objectos seguidamente; quero dizer, se haviam de haver as duas Camaras, e qual havia de ser a organisação da segunda, no caso de se vencer que a houvesse? Isto é uma questão muito, e muitissimo importante. Logo deve começar-se pelo que está dado para ordem do dia, rejeitando-se o adiamento desta materia, porque nós não devemos seguir outra mar. chá, senão a que se acha estabelecida. Voto por consequência contra o adiamento.

O Sr. Sá Nogueira: - Sr. Presidente, eu opponho-me ao adiamento por motivos differentes daquelles, que expoz o Sr. Deputado por Coimbra; a razão, que tive para o fazer é esta: a grande difficuldade, que occorreu a muitos membros deste Congresso para que a Constituição se discutisse immediatamente, foi a ausência dalguns Srs. Deputados, muitos dos quaes estavam em commissões; e a final alguns dos mesmos Srs. Deputados, que pugnavam para que a Constituição se discutisse immediatamente, concordaram em que ella te principiasse a discutir no dia 27 de Setembro, para se dar tempo áquelles Srs., que não estavam empregado sem commissões do governo, de poderem recolher a Lisboa; agora que não só áquelles, que não estavam empregados, em commissões do governo, mas tambem os que estavam empregados nessas commissões, estão a chegar a cada hora a Lisboa (alguns já tem chegado, e os outros esperam-se a todo o momento) sendo esta questão tão importante, e tendo sido a razão, que indiquei tão forte para os Srs. Deputados, que impugnaram a discussão da Constituição, parecia-me conveniente que se não tractasse delia, até que chegasse o maior numero de Deputados; isto é, que se esperasse tres, ou quatro dias, e isso tanto melhor o podemos fazer, porque temos uma ordem do dia permanente, temos o orçamento do reino, que está dado para ordem do dia.

O Sr. Barjona: - O Sr. Deputado por Lisboa não entendeu o que eu disse, confundiu a questão inteiramente, perdoe-me o illustre Deputado. Não se tracta d'adiar a discussão da Constituição, muito pelo contrario, eu desejo que nos occupemos deste assumpto incessantemente: discuta-se a Constituição hoje discuta se à Constituição nos dias seguintes sem a menor interrupção; mas, em logar de se alterar a ordem das materias estabelecida no projecto, adoptemos aquella mesma, ordem completamente. As razões ponderosas, que eu tenho para desejar isto, são as mesmas, que ha dias leve o illustre Deputado por Bragança, o Sr. Valentim, para requerer o adiamento da questão do veto, porém mais fartes ainda, são semelhantes às que então me obrigaram a apoiar o Sr. Deputado. E na verdade, a camara dos senadores tem por funcções principaes o modificar as attribuições da primeira camara, e servir de contrapeso, para assim me explicar, já ao poder executivo, já á primeira camara conforme a necessidade; e é manifesto que só depois de se tractar dos entes, que tem de ser modificados, se poderá vantajosamente tractar da entidade modificadora; só depois de se conhecerem bem o poder executivo, e a primeira camara, poderemos graduar o corpo destinado a contrabalançar-lhe a influencia. Termino rogando aos Srs. Deputados do outro lodo da casa, que não confundam adiamento dum artigo do projecto com adiamento do mesmo projecto; eu não perlando mais que alteração na ordem das materias,
que havemos de discutir, quero que se siga a ordem estabelecida no projecto, e não a que se determinou pela ordem do dia. Siga entre tanto o Congresso o que julgar melhor; porém eu vejo-me obrigado a declarar que, não se approvando a minha proposta, me hei de ver muito embaraçado para discutir, e votar nos pontos principaes da constituição.

O Sr. Midosi: - Por isso que esta questão é importante, como se disse daquelle lado da Camara, por isso mesmo é que eu apoiarei o seu adiamento; não apoio o seu adiamento indefinido, mas apoio o seu adiamento até ao momento, em que se publique a lei da liberdade d'imprensa. Não existe hoje senão um unico escriptor, que pode apresentar às suas opiniões em publico; alguem ha, que eu, sei quer escrever, e não o póde fazer em quanto se não publica a lei. É preciso que a nação, e todo o mundo saiba que o Congresso se divide em duas opiniões a respeito da segunda Camara: vitalicia, e temporaria; esta questão ha de ser tractada com toda a vastidão, e madureza; mas esta questão deve ser preparada, e discutida pela imprensa, que sempre é conveniente esclareça em todas as discussões, principalmente era materias desta natureza. Entendo devemos pois passar a discutir o capitulo 1.°, e deixar para depois a organisação da segunda camara; ora a observação, que se fez sobre a camara dos senadores erigir-se em tribunal de justiça, isso não poderá de maneira alguma prejudicar a actual discussão, porque nada têm de commum com ella. E agora, permitta-se-me dizer, já que a este assumpto só alludiu, que estou convencido que, quando essa questão vier perante o Congresso, elle não ha de approvar este tribunal de justiça, essa instituição dos tempos feudaes. Espero que as Cortes constituintes hão de reflectir maduramente antes de votar esse juizo excepcional, que está em opposição com as disposições geraes do codigo, que queremos dar a nossos constituintes. Mas deixando esta materia para tempo competente, e voltando ao adiamento da discussão, digo que quando não fossem sufficientes as razões, por que o apoio, existem aquellas de conveniência, que já apontou o illustre Deputado, que se assenta a u meu lado esquerdo, isto é, o esperar pela chegada dos Srs. Deputados, que faltam; nós já temos hoje tres no nosso seio, e os que não vieram ainda brevemente estão a chegar, pelo que seria muitissimo digno de em corpo, que tanto selem distinguido pela sua prudência, e desejos de acerto, que elles pedessem tomar parte numa discussão tão importante como esta. Por tanto o Sr. Presidente, a prudência aconselha, a necessidade pede, e o decoro do Congresso interessa, que se passe á discussão do capitulo 1.°, e depois se entre na organisação da segunda camara.

O Sr. José Estevão: - Sr. Presidente, mal diria eu que ainda neste Congresso, havia de levantar a minha vós contra um adiamento de materia constitucional........ Sr. Presidente, para se saber como ha de ser a segunda Camara, ha de se saber como ha de ser organisada; se a sabedoria do Congresso entender que convém ao paiz uma Camara vitalicia, com cathegorias, eu esforçar-me-hei, quanto poder e em mim couber, para que essa segunda Camara, não tenha voto nem iniciativa era materia de fazenda, por que não quero entregar a bolça da nação áquelles, que só recebem da nação, e por esse lado está demonstrada a razão dos Srs. Deputados, que querem se discuta já esta questão; quanto a estarem a chegar os nossos collegas, é o ser conveniente que se não vote esta questão sem elles estarem presentes, digo eu que esses nossos collegas ainda hão de chegar a tempo de votar nesta questão, ainda que nós comecemos hoje a discuti-la; em primeiro lugar, a mesa está num erro, e entende que a mesa não tem que dar a ordem do dia, porque julga que passou o requerimento do Sr. Pisarro; o requerimento do Sr. Pisarro foi rejeitado, o que passou foi a minha substituição, por consequência a mesa tem de dar ordem do dia, e nós temos forçosamente que

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discutir a lei de liberdade de imprensa, ámanhã ou além d'ámanhã, e por tanto temos de alterar esta discussão; e mesmo quando chegarem esses Srs. Deputados, ainda ella não ha de estar discutida; em consequencia, sem adiar a, questão, preenchemos todos os fins; dous ou tres dias ha de levar a lei de liberdade de imprensa, e eu mesmo pedi já a palavra para interpellar o Sr. Ministro da Fazenda, espero faze-lo e creio que isso será objecto de uma sessão ou mais.

O Sr. Gorjão ...

O Sr. Leonel: - Sr. Presidente, eu tambem ha poucos dias votei para que se demorasse algum tempo mais a discussão da Constituição, mas o Congresso resolveu o contrario .da minha opinião; e se agora o Congresso votar pelo adiamento, vota contra aquillo que ha pouco resolveu, e eu não posso de maneira nenhuma concorrer, para que a maioria do Congresso incorra no voto de contradição; e as razões, que se produzem agora para o adiamento, tinham lugar hontem, quando esta matéria foi dada para ordem do dia; por isso voto contra o adiamento, e parece-me que, em quanto nós estamos gastando assim inutilmente o tempo em questão de ordem, o podíamos empregar muito vantajosamente. (Apoiado, apoiado.)

O Sr. Barjona: - Com a maior repugnância vou fallar pela terceira vez sobre o meu requerimento: mas vejo-me obrigado a faze-lo, porque alguns Srs. Deputados do outro lado da casa, ou não ouvem hoje o que eu digo, ou estão dispostos a confundir todas as questões.

Quantas vezes me será preciso dizer que não pertendo adiamento da Constituição, mas sómente alteração na ordem das materias?

Não é menos admirAvel o modo, porque parece querer se inculcar, que não póde haver duvida a respeito das atribuições das duas Camarás! Que semelhança haverá por exemplo entre as funcções das duas Camarás legislativas de França, do tempo da Luiz 18.° com as que lhe são dadas hoje? Naquelle tempo não lhes, competia a iniciativa das leis, a Camara dos Pares discutia, às portas fechadas. Que relação haverá entre tudo isto, e a Camara dos Lords de inglaterra, que póde bem dizer-se o unico tribunal de cassação daquelle paiz, onde até podem ir por appellação todas, ou quasi todas as causas? Srs., as attribuições das Camarás legislativas são mui variáveis: as que hão de pertencer, ás portuguezas, havemos de nós ainda marcar. (Apoiado.)

Não me admira menos a proposição, que se avançou: que a organisação da segunda Camara é a amovilibilidade ou inamovibilidade de seus membros! A questão do tempo, que deve durar o emprego de Senador, é uma das muitas questões, dê que se compõe o complicado problema da organisação da segunda Camara. Não cançarei mais a attenção do Congresso; votem meus illustres adversarios como quizerem; mas não confuiidam questões He sua natureza tão claras. Esquecia-me responder á objecção, que se fez; que eu devia apresentar o meu requerimento hontem: quiz faze-lo hontem, mas não tive tempo para isso: todos sabem como as mais das vezes se dá a ordem do dia; ainda ella não está de todo proferida, já toca a campainha, e não fica tempo para se fazer reclamação alguma; além de que petições semelhantes á minha tem sido feitas não poucas vezes no proprio dia da discussão.

(Vozes: - votos, votos.)

O Sr. José Estevão: - Sr. Presidente, o Congresso quer votar...

(Vozes: falle, falle.).

O Orador: Então fallo.

(Vozes: votos votos.)

O Orador: Então, Sr. Presidente, approveito a palavra para pedir a V. Exa. consulte o Congresso, sobre se a materia está suficientemente discutida e permitta-me V. Exa. que eu approveite esta occasião, para declarar solemnemente
nesta casa, que algumas expressões, minhas, que se acham em periodicos, e que eu hontem aqui apresentei relativamente a um incidente, de modo algunt se referiram ao meu illustre amigo o Sr. Cesar de Vasconcellos, de quem sou amigo, espero continuar a sê-lo, e com cuja amisade conto.

O Sr. Vice-Presidente pôz o adiamento á votação, o qual foi rejeitado.

ORDEM DO DIA.

O Sr. Vice-Presidente: - Passa-se á ordem do dia, que é o artigo 45 do Projecto de Constituição, que diz assim:

Artigo 45.° A Camara dos Senadores é composta de membros, vitalicios, nomeados pelo Rei, e um numero fixo.

O Sr. Presidente: - Segundo-o Regimento, deve-se, começar pelo parecer da Com missão, que é o voto da maioria, mas pôde-se tomar em consideração comjunctamente o da minoria.

O Sr. Derramado: - O que se deve admittir á discussão é o projecto da maioria da commissão. como V. Exca. muito bem acaba de dizer, e só depois de rejeitado, é que se póde tractar do da minoria, por tanto não tem logar nenhum o requerimento do Sr. Deputado.

O Sr. José Estevão: - Eu estranho que o nobre Deputado, que propoz esta questão, não queira que a definição de organisação seja a que se tem dado, e não entendo como elle queira que na organisação de segunda Camara entrem as attribuições; eu entendo, quanto a mim, que esta que tão não tem nada com a outra; porém entremos na organisação geral, e o Congresso não terá duvida para satisfazer o Sr. Deputado ir pela sua opinião, quanto é definição de organisação; mas não podemos tractar hoje de outra cousa segundo a resolução já tomada.

O Sr. Leonel: - Eu peço a V. Exca. tenha a bondade de consultar o Congresso sobre se, esta questão está discutida.

O Congresso julgou a questão de ordem discutida.

O Sr. Vice-Presidente: - Entramos na materia; tem a palavra é Sr. Derramado.

O Sr.. Derramado: - Sr. Presidente, nós vamos segundo a resolução do Congresso, entrar na questão mais importante de organisação social; questão que eu assentava já resolvida e julgada definitivamente.

O Sr. Presidente: - Perdoe o Sr. Deputado, não obstante a materia ser tractada em geral, será conveniente que se leia uma e outra com o artigo de substituição, e a do projecto das maioria. - (O Sr. Secretario leu, e proseguio depois:).

O Sr. Derramado: - Vamos, torno a dizer, entrar na questão mais grave e transcendente da nossa revisão das leis fundamentaes do Estado, já que se quer ainda discutir um ponto, que ou julgava, que era hoje um dogma inconcusso do Governo Monarchico Constitucional, que havemos adoptado. Julgava eu , Sr. Presidente, que depois da lucta porfiosa e ensanguentada, que tem sustentado na Europa os três grandes interesses, que dividem os seus Estados, quero dizer a Realesa, a Aristocracia, e a Democracia, já se havia concluído o tratado de paz, em que cada um deites, cedendo das suas pertenções exaggeradas, acordavam todos vivos, socegados, e felizes á sombra tutelar dessa forma de Governo, que os associa em mutua harmonia, e dependencia reciproca como amigos, e alliados. Mas visto que se querem disputar ainda as condições desta alliança, eu entro já na matéria com toda a confiança, que póde inspirar uma boa causa. Para responder com perfeito conhecimento de causa á questão de amovibilidade, ou inamovibilidade dos Senadores, convém examinar primeiro, qual é o verdadeiro destino da sua instituição na Monarchia representativa. A Camara dos Senadores nesta forma de Governo não é sómente destinada a concorrer por suas deliberações, e pela necessidade da sua sancção para a factura das leis, a fim de que se evitem nestas os erros, que podem proceder da vio

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lencia, precipitação, ignorancia, ou parcialidade, que n'algumas circumstancias seriam inevitaveis nas resoluções d'uma só Assembléa Legislativa; mas ella é tambem uma representação especial, instituida para servir do estudo reciproco da Corôa contra o povo, e do povo contra a Corôa. «Quando se colloca (diz Benjamin Constant) um homem num grão de elevação tal como o Throno d'um Monarcha, se quizermos dispensa-lo de estar sempre com o alfange na mão é necessario que o circumdemos de outros homens, que tenham um interesse particular em o defender.» Mas se quizermos igualmente (accrescentarei eu) que estes homens formem um verdadeiro corpo intermediário, um poder sinceramente neutro preservativo, e conservador, é necessario compô-lo de forma quê, tendo já pelo facto da sua existência na sociedade uma grande influencia nos interesses materiaes della, adquira pela Constituição, que o reconhece politicamente, uma authoridade, e consideração moral capazes de satisfazer a sua ambição, elevando o sobre o resto dos cidadãos; mas prevenindo ao mesmo tempo que elle não possa jamais ver a sua felicidade num systema de leis opposto ao bem estar da generalidade do paiz, e que não possa, sobre tudo, fixar a sua existencia, e o seu poder num espirito de corpo exclusivo.

Não era assim em nenhuma parte (excepto na Inglaterra) a Aristocracia feudal. Durante seculos inteiros os Srs. da feudos tão hostis para com os Reis, como para com os povos, foram um instrumento de oppressão para uns, e um objecto de terror para outros, ate que a authoridade Real ganhou o ascendente, e os pequenos déspotas curvaram, com os seus servos, a frente humilhada debaixo do jugo do mesmo Soberano!

Na França fui ainda por muito tempo a Monarchia limitada depois da cathastrofe feudal pelos Estados geraes. Decahidos estes em desuso ficaram os parlamentos togados, que os suppriam até certo ponto, mas revestidos meramente duma authoridade moral, tambem foram bem depressa ludibriados pelo poder absoluto da Corôa.

Assim desapareceram successivamente, não só em França, mas tambem em todos os Estados da Peninsula Hispanica os corpos intermediarios; e sobre os seus despojos se elevou o poder absoluto. A authoridade Real, como observa Henrion de Pensey, ficou então tem limites, mas ficou igualmente sem apoio.

Entre tanto os progressos das luzes e da industria foram creando novas fortunas, novas ambições, e influencias novas, e tornaram incompatível por mais tempo um estado de cousas tão opposto aos direitos, como aos factos actuaes da sociedade. Mas como o povo, aborrecendo a tyranma d'um só, não devia ter saudades do jugo de muitos Srs. dos dias do feudalismo, nem tão pouco desça Monarchia dos parlamentos togados, que se alguma ver foi útil á sua cansa, muitas outras mais servia á sua própria ambição, e aos interesses do despotismo; a revolução, que sobreveio, não encontrando barreiras, chegou immediatamente ao Throno, e derrubou-o. Mas quaes foram as consequencias desta estrondosa cathastrofe? Depois de se ter batido, e dilacerado por muito tempo nas convulções da anarchia e da guerra civil, a nação franceza julgou-se feliz quando lhe foi possivel descançar debaixo do jugo militar, e da dictadura da espada dum soldado habil, e afortunado. Tal era nesta época (diz Dettust Tracy) a deposição dos francezes, que elles viram sem o menor murmurio, e até com prazer usurpar-se-lhes a Liberdade da Imprensa, e, o que e mais, a Liberdade individual.

Não aconteceu porém assim n'outras eras aos Srs. e aos communs de Inglaterra. Aqui ambas estas ordens comprimidas ao mesmo tempo, e igualmente pelo peso da força bruta dum só conquistador, sentiram igual necessidade de reunir os seus esforços para reinvindicar a sua independencia; e, ganhada esta, permanecendo unidos, mas jamais confundidos, tornaram parte no Governo do Estado separados sim, mas sem animosidade reciproca, conservando ate hoje os seus direitos e interesses específicos, e a sua Liberdade commum.

Em França, diz o Conde de Bertrand nos seus Mappas de Le Saye, a fraquesa dos Reis lhe fez lançar mão do apoio do povo contra os grandes elles se elevaram, dividindo. Em Inglaterra o excesso do poder do Monarcha associou os grandes e o povo, que enfranqueceram o poder dos Reis, unindo-se. «A ordem social nos dois paizes (accrescenta o sabio Conde) se tem sempre resentido destes principios geradores. Em França prejuisos offensivos, distincções injuriosas, privilegios onerosos dividiam as ordens do Estado. Em Inglaterra tudo tende a uni-las. A igualdade do, direitos, e dos cargos, e sobre tudo este admiravel mechanismo da sua nobresa, que por um lado se recruta constantemente nos Communs, e por outro para elles verte sem cessar, disposição salutar, que tem o segredo de poupar todas as vaidades, e de excitar todas as esperanças!»

Peço ao Congresso desculpa desta digressão, que me não parece fora do assumpto, porque entendo que devemos fizer applicação da historia instructiva das duas nações, historia que vai de accordo com a de muitas outras, e com a da nossa chara Patria.

Appliquemos, sobre tudo, á organisação da nossa Camara de Senadores o exemplo de Inglaterra, no que elle tem de especial, corregindo-o e aperfeiçoando o em relação ao modo de existir do elemento politico aristocratico nas sociedades modernas, e no nosso paiz especialmente, onde por muitas razões, que por delicadesa calo, não existe actualmente um corpo de nobresa, que possa aconselhar a creação d'uma Camara de Pares hereditaria. Mas não nos esqueçamos que a Aristocracia é um facto existente em todas as sociedades civis um pouco adiantadas, nós devemos ter conta desta facto na organisação politica, e inclui-lo nos seus quadros, aproveitando o, e grangeando-o por conta do bem commum do Estado; fazendo-o considerar de direito tomo elle existe na realidade das cousas, sem que algum, artificio perturbe o seu natural movimento das censo, e descenso em relação á massa geral elle deve ficar entregue ao seu proprio mento, e às suas proprias forças, mas não lhe neguemos a sua parte nas instituições, porque se ficar de fora dellas, ao mesmo tempo que existe na sociedade com. grande poder e influencia, ha de hostilisar as mesmas instituições offensivas do seu amor proprio; e, em vez de ser para ellas um elemento preservativo, e conservador, será um agente poderoso para a sua subversão.

Todos os grandes publicistas, que tem analisado o estado actual da civilisação, e proposto nas instituições sociaes reformas correspondentes, concordam neste ponto. - A civilisação actual rejeita dos poderes constitucionaes toda a aristocracia fixa, do raça e privilegio, mas conserva a aristocracia da riqueza, da habilidade, do talento, e dos serviços feitos á patria; quero dizer, a boa aristocracia social do mento, e da virtude, sem a qual se não póde conceber nenhum progresso, nenhum dos grandes beneficies da ordem da sociedade! .... Subsistencia, abundancia, liberdade, e segurança, conservação, e augmento das luzes, e conhecimentos uteis, todos esses prodigios das artes, que applicando os elementos naturaes á industria do homem tem centuplicado as suas forças, e o seu trabalho, ou não teriam já mais apparecido, ou desappareceriam para sempre, desde que a igualdade das condições estabelecesse a igualdade da inercia, da ignorancia, e da miseria!

Agora, Sr. Presidente, acho eu logar proprio para responder ao illustre Deputado por Aveiro, que não viu no meu, discurso sobre a trindade politica do Poder legislativo, tendo um composto de nomes, de datas, e de factos, elle avaliou o meu arrazoado com a mesma exactidão, com que interpretou a historia, e applicou as authoridades, de que

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fez uso na sua arenga vehemente sobre o Poder legislativo unitario! - Guerras nascidas, umas d'ambição dos Reis, outras d'interesses particulares, e allianças de familias, outras de proposito assentado em tractados solemnes de manter o equilibrio europeu, outras d'interesses meramente commerciaes das Nações mais poderosas, outras finalmente nascidas do fanatismo politico e religioso, em que o furor demagogico foi o maior ingrediente; todas, todas, Sr. Presidente, na resenha do escrupuloso orador, correram por conta do vampiro feroz d'aristocracia!!! Até o auctor do Genio do Christianismo, citado em dous grossos volumes, que nos apresentou aqui das suas obras, serviu ao defensor do Parlamento unicamarario para apoiar na sua authoridade todo esse diluvio de desgraças e de crimes, que o illustre Deputado fez correr por conta da aristocracia! - Ah! Sr. Presidente, se Chateaubriand podesse adivinhar que as suas paginas immortaes haviam de servir a uma causa tão alheia do espirito, em que elle as escreveu, teria largado a penna antes de dar logar a tão livres interpretações. Quem assim cita, e assim narra, devêra ser mais indulgente nas censuras dos seus adversarios. Mas deixemos este incidente, e tornemos á questão.

É nesta aristocracia, (bem differente da que se tem imaginado) é nesta aristocracia, digo, que tem uma existencia real na sociedade, que a maioria da Commissão de Constituição procurou estabelecer, a magistratura patriciana da Camara dos Senadores, guarda e defensora ao mesmo tempo dos seus proprios direitos, e interesses, e dos interesses e direitos geraes de toda a sociedade; porque uns e outros devem permanecer estremados sim, mas não oppostos, e incommunicaveis.

Pelo que levo dito já se vê, Sr. Presidente; que a Camara dos Senadores deve representar os interesses mais elevados da sociedade, as fortunas de capacidade e de riqueza já feitas e reconhecidas, que tem mais a perder do que a ganhar com as revoluções de propriedade, e de poder, e que são por conseguinte um elemento preservador da Constituição, do Estado, e da manutenção e observancia das leis protectoras das liberdades publicas, que o são ao mesmo tempo de todas as suas vantagens. - Esta Camara não será sómente util pelas qualidades, que lhe são proprias, pelo bem positivo que fizer; mas sê-lo-ha igualmente pelas qualidades, que se lhe suppõe, pela prudencia, que se lhe attribue, pelas prevenções favoraveis, que inspira, e pelo mal, que póde impedir que se faça. Mas uma grande parte destas conveniencias será perdida, se os Senadores ficarem expostos a perder os seus logares, por não concordarei) alguma vez com as pertenções violentas, e exageradas das ordens menos favorecidas, com as opiniões muitas vezes facciosas, que as preocupações vulgares, as calamidades passageiras, ou a ambição dos demagogos podem introduzir, o converter em Decretos na Camara immediatamente popular.

Para satisfazer tambem a outra dos seus destinos politicos, qual o de constituir um poder intermediario entre o Povo, e a Corôa, a Camara dos Senadores deve ser, quanto possível for, independente d'um e doutro daquelles Poderes. Mas ella não seria independente do Povo, se fosse um producto da sua eleição, e tivesse uma existência temporária; nem independente da Corôa, se não fosse inamovivel, sendo da sua nomeação. A Camara dos Senadores ha de além disto ser regularmente menos numerosa do que a Camara dos Deputados, que por seu volume e pelo deve corresponder mais visivelmente á massa dos Cidadãos, que representa; mas na mesma proporção, em que a primeira perde da sua força fysica, deve ganhar no prestigio da opinião, o que igualmente se não compadece com a idéa d'amovibilidade: - os homens dão as costas ao Sol, que se põe; e voltam-se para o Sol que nasce.

O Senado deve ser a reunião das grandes illustrações sociaes, o espelho, o esplendor de toda a Nação. Alem das suas funcções legislativas elle servirá tambem para realçar o Governo aos olhos do Povo, e para excitar a emulação em todas as ordens do Estado, porque offerece á ambição uma carreira fixa, e preciosa, no fim da qual se lhe figura uma recompensa legitima. Esta brilhante perspectiva póde tornar-se um incentivo, que leve a nobreza a sollicitar, e a servir com honra os logares inferiores d'Administração, se entre as condições da candidatara senatorial se exigir (para o futuro) a de ter obtido, duas vezes pelo menos, o suffragio do Povo, como membro dalguma Assembléa deliberante, ou administrativa. As ordens superiores da sociedade terão mais um estimulo para se darem ao estudo da politica, e da administração dos Estados. Assim os corações generosos, que são os mais sensiveis ao amor da gloria das grandes acções, e á estima dos seus concidadãos, procurarão subir ao templo da sabedoria legislativa, onde podem ainda ser tão serviçaes á pátria, por uma escala gradual d'outro genero de serviços, de que depende tambem a sua manutenção e prosperidade. Mas todas estas vantagens se desvanecem, se nós não ligarmos á sua recompensa honorifica a idéa da inamovibilidade: a estação desta recompensa deve ser considerada como o Pantheon dos vivos (como disse um nobre Barão): os illustres, que ahi derem entrada, não devem tornar mais á condição commum, se não quisermos que elle perca todo o seu valor, e o seu prestigio!

Os Senadores, que se reputarem expostos ao perigo de não serem reeleitos, serão outros tantos homens fracos, que desejarão, fazer-se o menor numero d'inimigos, a fim da obterem a reeleição, ou de viverem em paz no seu retiro. As funcções vitalicias, diz Montesquieu, tem a vantagem de poupar áquelles, que os exercem, estes intervallos d'inactividade, e de fraqueza que precedem nos funccionarios destinados a entrai na classe de simples Cidadãos, a expiração do seu poder.

A duração vitalicia dos Senadores offerece ainda outra vantagem maxima, qual a de segurar permanentemente um ramo do Poder legislativo, composto de Legisladores, experimentados na pratica dos negocios; vantagem que seria perdida com a reeleição. As eleições periodicas collocam, como já fica dito, oa candidatos na necessidade de contemporisar com os homens acreditados, e às vezes com. os agitadores e facciosos, que podem influir nas eleições. Elles terão necessidade de recorrer á intriga para sustentar os seus interesses, e ter ligações e associações no mundo, às quaes o Legislador deverá ser estranho, para conservar a sua pureza. Novos candidatos podem ter por si o esplendor do momento, e o favor do dia. «Existe um facto, (diz o Conde de La Borde) ao qual se não tem dado a merecida attenção, e vem a ser: o pouco que os interesses nacionaes tem sido representados em França, depois de mais de trinta annos, em que tem havido Soit-disant representações. Sempre a escolha dos Deputados ha sido dirigida pelas reputações do momento relativos a uma impressão passageira!

Como se estes Deputados não tivessem sido encarregados senão de manifestar uma vontade, um capricho, ou um descontentamento!... Dirigir um movimento, e não proceder ao fasimento das Leis, e a fundar, ou a manter a melhor organisação social.» As funcções senatoriaes devem necessariamente ser gratuitas, por muitas razões de politica, e economia; e é mais outro motivo, que deve levar-nos a dar-lhes consideração e importância; a fim de que possam ser cobiçadas pelas classes opulentas, e elevadas. A ambição é compatível com as qualidades grandes, e generosas, a probidade, a coragem, e o desinteresse ião estas que uma instituição de semelhante natureza deve cultivar na sua candidatura, e premiar nos seus adeptos: mas este fomento, este premio são repugnantes com a idéa d'amovibilidude dos Senadores.

Inda mais. Não póde haver Constituição actual, onde o

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Corpo Legislativo é todo electivo, e temporario: um tal poder é incompativel com estabilidade de resoluções; e então é evidente que tambem a não haverá na Constituição, que lhes serve de base. E como não haverá leis fixas, tambem não poderá haver habito social, nem cousa alguma, que defenda as instituições, que o povo tiver jurado.

É por tanto bem evidente que para satisfazer dignamente as funcções legislativas que lhe são attribuidas, a Camara dos Senadores deve ser inamovivel. Mas esta inamovibilidade se requer ainda mais, se é possivel , para que ella possa desempenhar com rectidão e dignidade as funcções judiciarias, de que deve ser investida, dada a forma de Governo que havemos, adoptado. Não ha um só publicista, que mereça a pena de ser lido, que não considere a perpetuidade dos juizes como uma condição sine qua non da sua progressiva aptidão, e da sua independencia dos outros poderes; e esta, independência é aptidão como indispensaveis garantias da rectidão das suas decisões. Ora se a independencia, que nasce da inamovibilidade se reputa necessaria em qualquer juiz, como é que poderá dispensar-se n'uma ordem de juizes, que tem a seu cargo o julgar, os Principes e grandes da terra? Esta só consideração bastava para resolver sem réplica a questão, se depois do que tenho exposto ella não estivesse já resolvida em favor da affirmativa. Eu paro aqui de cançado: longo será este combate; e eu terei ainda occasião de tornar á sua arena.

O Sr. Fernandes Thomaz: - O Sr. Deputado, que acabou de fallar, terminou o seu discurso dizendo que, se acaso se não adoptava a organisação da segunda camara, que elle propunha, elle e os seus collegas da mesma opinião estavam convencidos que se perturbaria a ordem, e a tranquilidade no paiz, bem como não duvidava asseverar que os outros Srs. Deputados, de opinião contraria á sua, estariam igualmente persuadilos de boa fé que o mesmo aconteceria, se acaso se não adoptassem os seus principios. Se eu, Sr. Presidente, receasse que isto acontecesse, eu já cedia da palavra, e meditaria sobre o meio de se poderem reunir todas as vontades sem nos expormos a tão tristes consequencias; mas estou felizmente convencido de que, seja qual for a decisão do Congresso sobre, esta importante questão, a paz e a ardera seva mantida fora desta sala, e dentro della continuará a. reinar a melhor harmonia entre nus, e regularidade nas nossas discussões (apoiado), e que cada um poderá expender as suas opiniões livremente; porque eu entendo que cada um de nós póde mostrar que estima muito o throno sem poder ser taxado de absolutista, e amar deveras a liberdade sem nota de republicano. Eu entro já na materia são duas, Sr. Presidente, as questões, que por agora se apresentam em discussão: 1.ºª se a Segunda camara deve ser elextiva, ou de nomeação regia;
Na nação não há senão representados e representantes, e todos os interesses que há a representar são nacionaes, e nem podem ser outros. Como pois admitir um corpo de representantes, que nada representam, ou que representam interesses, para que não tem dos seus representados? E necessaria a vontade dos eleitores; e chamar representantes da nação, a quem não é eleito pela mesma nação, nem para isso tem nomes, que qualquer tinha. Se acaso houvesse entre nós uma classe grande com interesses diversos, que fosse necessario representar por conveniencia publica, ainda bem; mas ao caso em que estamos, representação nacional que não saia da urna e, repito, um absurdo. (Apoiado, apoiado.)

Sr. Presidente, se o Rei é um representante da nação, se é por conseguinte, um delegado della, se todo o seu poder lhe vem da mesma nação, se elle deve, como é minha opinião, participar do poder legislativo, como póde elle delegar um poder soberano n'outro corpo, quando elle mesmo é um delegado? E impossivel pois a nomeação regia da segunda camara. Não basta, Sr. Presidente, escrever sobre o papel - Queremos uma camara do Pares ou Senadores com attribuições de uma origem, que o Sr. Deputado lhe quer dar. É necessario que as instituições, que se crearem se liguem aos factos sociaes; e ninguem dirá, que estes estes estejam de acordo com a opinião do illustre Deputado. Não basta dizer - apoiemos a monarchia com poderes monarchicos: A monarchia, Sr. Presidente, é forte e poderosa, porque representa os interesses geraes; e todo e qualquer poder, com que se queira apoiar fóra d'esses interesses, longe de a fortalecer, enfraquece-a. Não era por ventura argumento de muitos Srs. Deputados, para se formar uma segunda camara, que o throno ficaria fraco diante de uma camara só, cujo poder era grande e muito, para recear por ser sustentado pelo voto nacional, pela eleição? Então se se quer uma Segunda camara, que possa com igual força oppôr-se às injustas pertenções da primeira, porque se lhe não ha de dar a mesma origem, para ter uma igual força, e não ir busça-la ao throno, que se reputa já fraco, e incapaz de luctar com a primeira camara? (Apoiado.) Não terá uma procurração do povo mais força do que um diploma real? Sr. Presidente, uma camara de nomeação regia não só será lida em menos, conta pelo, throno, porque é uma dependência sua, como será menos respeitada pela primeira camara, forte da sua posição, e do apoio nacional. O seu poder será de segunda ordem, e nunca poderá preencher os fins da representação nacional. Entre a faculdade hereditacia, morta, é a eleição cheia de vida e de força, escolher servilismo da eleição real, é fechar os olhos á historia do senado de Napoleão, e desconhecer inteiramente todos os elementos sociaes de força, e de duração. Representação nacional e nomeação do Rei são cousas contradictorias; e se a segunda camara não representa os interesses geraes do paiz, então nada representa, porque nada ha fora da nação.

A segunda camara por tanto deve ser electiva. -(Apoiado, apoiado.)

Passando agora a tractar da segunda questão, não póde ser duvidosa a sua solução, porque ella está effectivamente resolvida pela primeira: se ella é electiva deve ser temporaria. A eleição exprime uma opinião, que pode variar segundo o tempo, e as circumstancias. Não póde pois ser o eleito inamovivel, porque poderia tornar-se em opposição com os eleitores, e assim destruido o principio salutar das eleições.

Sr. Presidente, uma camara vitalicia póde ser um mal gravissimo para a nação, porque não ha para onde appellar della, se uma vez se lhe declarar hostil. Tanto se pugnou aqui pelo direito de dissolução, para que se podesse obviar o mal de uma primeira camara facciosa; e hoje quer-se estabelecer uma Segunda, que será composta de homens, e por isso sujeita ás mesmas paixões, se não possa remediar o mal que ella fizer! Attendão bem os Srs. deputados que uma camara dos interesses nacionaes offendidos, por isso que elle governa pelos seus ministros, que são responsaveis; e póde sanar os males pela demissão, e substituição delles, elles sempre a sua pessoa.

Em uma xcamara vitalicia os males são irremediaveis pelos meios ordinarios; porque nem o Rei tem o poder de a dis-

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solver, nem os povos o de lhe cassarem procurações, que lhe não deram; só restam os meios extraordinarios, e deixa-se aberta a porta das revoluções. E pergunto eu, deixaremos na Constituição o germen dellas? Não será melhor evitar desde logo semelhante desgraça? (Apoiado, apoiado.) O Sr. Derramado disse que, para ir coherente com as suas procurações, deveria uniformar o systema da segunda camara com as dos outros paizes civilisados da Europa; mas nisso tanta razão tem S. Sa. como eu, porque ha effectivamente exemplos de uma, e de outra opinião. O Sr. Deputado disse que a segunda camara devia ser um poder neutro entre o povo e o Rei, independente d'um e d'outro. Mas eu perguntarei ao Sr. Deputado se a 2.ª camara, que elle propõe, é na realidade um poder independente? Eu, peio menos, Sr. Presidente, não posso conceber um poder independente da corôa nomeado a seu bel-prazer. Que o Sr. Deputado trouxesse este argumento para uma camara hereditaria, e aonde ha elementos para ella, então conceberia eu a aristocracia independente do throno e da democracia, e então colheria o seu argumento; mas entre nós aonde, repito, não existe aristocracia (e póde dizer-se que, faltando ella, tambem não ha democracia) não sei que o seu argumento prove alguma cousa. Sr. Presidente, hoje que o povo está na plenitude dos seus direitos, e que nós estamos constituindo o lei fundamental do estado, sem termos felizmente nenhum dos entraves, e estorvos, que existem noutros paizes, façamos por chegar áquelle ponto, a que todas as nações desejam checar por seus grandes, e diarios esforços. Que está fazendo hoje a Inglaterra senão trabalhando no melhoramento da sua segunda camara? E se a França votou em 1830 uma camara vitalicia, foi porque ella não estava na posição, em que tios estamos hoje, foi porque não tinha opção senão entre a camara hereditaria, e a camara vitalicia, e talvez escolhesse esta, não por ser a mais perfeita, mas por ser aquella, que tem menos elementos de duração, e que é mais fraca. Repito, Sr. Presidente, que já que hoje podemos constituir uma segunda camara, como ella realmente deve ser, não vamos escolher exemplos áquelles paizes, que nisso estão atrazados e que evidentemente estão trabalhando para chegarem um dia ao ponto, que nós podemos hoje tocar sem difficuldade. Seja a segunda Camara electiva, porque de outro modo não póde ser representante do seu paiz, seja ella temporaria, porque de outro modo não preenche as condições da eleição; e é esta a minha opinião.

O Sr. João Victorino: - Sr. Presidente, vai-se tractar da questão da organisação da Segunda Camara, questão, cuja importancia nem um só desoradores, que me tem precedido, se esqueceu de commemorar no exordio de seus discursos. Ápresentam-se-nos para textos de nossa discussão dous projectos, a saber, o da maioria da Commissão, e o da minoria, marcado o primeiro com o numero 14, e o da minoria com o 14 A. Seria necessario decidirmos por qual da dous deveria começar a discussão; eu pediria que se começasse pelo projecto numero 14 A, que é o voto da minoria, e a favor do qual tenho, me parece, observado no Congresso muito maior numero de sympathias. Pelo que a mim respeita, por elle é que estou determinado a votar. E com effeito o projecto da maioria N.º 14 estabelece o seguinte no artigo 45» - A Camara dos Senadores é composta de membros vitalicios, nomeados pelo Rei, e sem numero fixo -» O da minoria porém marcado, N.º 14 A diz no artigo 1.º» - A Camara dos Senadores tambem será electiva, e temporaria; o numero de seus membros será igual ao de ametade dos membros da Camara dos Deputados.» Eu sigo pois a opinião de que a segunda Camara deve ser electiva puramente pelo povo; deve ser temporaria; com tudo os eleitos devem ser propostos ao Rei em listas, ou duplas, ou triplices; e sobre estos listas é que elle deve escolher, e designar os cidadãos, em quem tenha maior confiança, e mais capazes de sustentarem os interesses do povo, e os do Rei, - Eis-aqui as minhas idéas, eis a minha persuasão, eis a minha vontade. O que desenvolverei, o mais breve que me seja possivel, nos seguintes raciocinios. Começo, Sr. Presidente, por fazer uma reflexão, e é que haverá factos, haverá exemplos e na verdade os ha, de Nações, cujas instituições organicas nos apresentam a sua segunda Camara legislativa vitalicia, e mesmo hereditaria. Ha outras em que ella é só vitalicia, e não hereditaria; outras em que às duas qualidades de vitalicia, e hereditaria, se junta ainda a de ser eleição puramente, real; outras de nomeação real sobre eleição popular; outras de eleição popular, e vitalicias, outras de eleição popular, e, temporarias. Ha mesmo exemplos de corpos legislativos formados sobre listas de eleição primitivamente popular e destas listas nacionaes certas corporações apurarem e de ignarem os membros, que hão de formar os mesmos corpos como na constituição de 1799 o senado conservador escolhia exemplos da historia, mas o tribunado, e corpo legislativo. Destas, e de muitas outras combinações eu podia dar exemplos buscados na antiga, e na moderna historia; sem duvida o podia fazer, e pelo decurso destas discussões terei muitas occasiões, e talvez as approveitarei para os dar. Porém, Sr. Presidente, se eu muitas vezes me sirvo nos meus discursos de precedentes historicos, se muitas vezes tambem recito pedaços extrahidos sempre dos primeiros homens dos séculos antigos, (e nisto confesso que sou às vezes enfadonho) nunca, nunca o faço para contrariar os principios politicos, as verdades da razão, e da equidade natural, que constituem o direito; publico, mas só para confirmar, para esclarecer, ou para limitar, e restringir a interpretação vaga, e desvairada dos mesmos principios. Este é o meu norte quando emprego estas, antes amplificações, do que provas. Por isso, quando se me quer provar que uma segunda Camara vitalicia, e de pura nomeação real he a melhor, porque por ella se governam algumas nações, eu não me embaraço com estes argumentos; e se a razão me mostra, se as doutrinas do mais apurado direito publico me puxam para outra parte, eu então digo comigo mesmo que nada ha que se não possa provar com os institutos dos povos; que é insipiencia julgar que tudo quanto apparece nas leis, e costumes das nações é justo, em fim satisfaz-se a minha consciencia com repetir aquelle bello pedaço de Cicero, de que rogo ao Congresso a benevolencia de me permittir que reproduza aqui a sua integra - «Illud stultissimum est existimar e omnia justa esse, que scita sunt in populorum institutis, et legibus. Si populorum jussis, si principum decretis, si sententiis judicum jura constituierentur; jus esset latrocinari, jus adulterare, jus falsa testamenta supponere, si hocc omnia suffragiis, aut scitis multitudinis probarentur - Cic. de Legib.

São pois os principios, os que vou-a desenvolver. Porém, Sr., Presidente, que principio ha hoje em todas as escolas dos modernos publicistas mais constante, e invariavelmente adoptado do que a definição de lei? Eu tenho lido, e poderia- aqui apresentar muitas, porém a do artigo 104 da Constituição é a que devemos seguir por ser a da Constituição, e por ser a mais phylosophica. Diz este artigo «Lei é a vontade dos cidadãos declarada pela unanimidade dos totós dos seus representantes juntos em Cortes, precedendo discussão publica.» Eis-aqui o que é lei. Logo é da sua essência ser feita pela representação nacional; mas uma segunda Camara forma uma parte do poder, que ha de fazer a lei, logo esta segunda Camara deve representar a Nação; e por ventura uma Camara de eleição regia póde dizer-se representante da Nação? Ella representa o Rei, que a elegeu e nada mais. Sr. Presidente, se não votasse nesta questão, como tenciono votar, ia eu metter debaixo dos pés aquelle mesmo principio, que o artigo 104 da Constituição me manda seguir, e respeitar. Eu me teria contradito, eu teria atraiçoado a Constituição, e os seus principios quando votei por duas Ca-

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maras, entre tanto esta Constituição é a que a Nação quer, e a que nos mandou seguir, e a Constituição verdadeiramente nacional, feita em Portugal, feita por portuguezes, adorada por elles, e que deve ser o nosso codigo; (Apoiado, apoiado) fui educado com ella, jurei-a espontaneamente, foi para aqui mandado para a defender.(Apoiado) Sendo isto assim se nós para fazer a lei formos dar existencia a um elemento, que a Constituição não reconhece, nós não guardamos este principio Constitucional. A soberania da Nação é estabelecida, ninguem a disputa, logo quem ha de fazer a lei, por que ella deve ser governada senão a mesma Nação? (Apoiado) A Nação é a unica, que tem os braços, logo a unica, que tem a força, logo a que póde fazer o que quizer, isto é, logo a que é soberana, quem pois pode dictar-lhe a maneira por que ella ha de dirigir-se senão ella mesma Mas a Nação possue, além da força que resulta doo braços, a que resulta das cabeças, por tanto além de ter só a lei, que quizer , terá tambem a melhor possivel, e se ella julgar melhor, se quizer (e já não é a primeira vez que o digo) ser governada por um Rei absoluto por um soldado, por uma dictadura, por um senado, em fim por a fórma que lhe agradar, e julgar melhor, essa lei ha de ter. Logo e indubitavel a definição do artigo 104; e se o é, a segunda Camara deve ser de eleição popular, sem isto era um absurdo, era uma contradicção, uma antinomia uma segunda Camara Mas não se infira daqui que eu não julgue necessario para o bem da mesma Nação dar a esta eleição pura, absoluta, espontanea do povo aquella modificação, que já expuz, derivada da approvação da Corôa: e note-se bem que eu digo que a escolha do Rei, feita sobre os apurados neste eleição popular, nada altera a sua primitiva origem, como ainda logo direi, quando refutar um illustre preopinante.

Sr. Presidente. Tem-se querido provar que a segunda Camara deve ser de eleição puramente real, e sem intervenção alguma da Nação com o seguinte argumento - As nossas procurações limitam a nossa liberdade neste ponto, em quanto nos mandam fazer uma Constituição segundo os principios adoptados pelas nações mais civilisadas, que gosam de governos representativos na Europa, porém nestas a segunda Camara e de nomeação real, logo a nossa o deve tambem ser. «São muitas as respostas, que se tem dado, e que se podem dar a este raciocinio, porem a que vou a dizer tirada do facto ainda não foi tocada, nem talvez achada por nenhum dos precedentes oradores; e o facto é este, a reunião de Belém com effeito propoz em 4 de Novembro de 1836» que se convocarão immediatamente Cortes ... para fazerem na Carta de 1826, e na Constituição de 1822 as alterações, que julgarem necessarias... é que sejam conformes com os principias adoptados nas de mais monarchias constitucionaes da Europa - Porém a resposta da reunião do Campo d'Ourique foi -» que se reunirão quanto antes às Cortes... para fazerem as alterações... e que sejam conformes com os principios adoptavas nas de mau monarchias constitucionaes da Europa» e ultimamente declarou S. Magestade que approvava o programma do Campo d'Ourique, isto é, os princípios adoptaveis, e não os principios adoptados. Por ventura não faz isto variar essencialmente o negocio? Adoptados, e adoptaveis dão com effeito a mesma idéa? Por tanto ainda por mais esta razão nada valo tal argumento.

Votei por duas Camaras, porque estava convencido, como me parece, que o demonstrei, que deita fórma binaria resultavam melhores leis; porque della sahiria a força de cohibir a sua multiplicidade, mal tão forte, que para o evitar eu sacrificaria os mais triunfantes principios. Votei por ellas porque teriamos então leis mais amadas, e por isso, o que é essencialissimo, mais exequiveis.

Votei por esta fórma binaria porque uma secunda Camara, composta como eu quero, dará indubitavelmente mais força á primeira. Não me importa que se diga, se uma
Camara só por si é forte bastante para destruir os governos, e a paz dos estados, fortificada ainda com o apoio da de uma Camara segunda, e popular, mais facilmente levara a effeito esta desastrosa obra Não e assim, e deve ser o contrario. Os governos tem cabido; os thronos, e os Principes tem acabado, não por força demais, mas por força de menos dos corpos legislativos. Todos os factos antigos, e modernos provam manifestamente esta verdade. Foi sempre a prepotência dos intrigantes, e dos ambiciosos sobre a fraqueza daquelles corpos, que fez delles os instrumentos servís, e automaticos de suas horriveis tramas, e sanguinaria ambição. A fraqueza é que os mette debaixo, do azorrague de uma minoria facciosa. Eis-aqui o quatro, que nos apresentam todas essas republicas gregas cahindo depois de scenas as mais turbulentas debaixo do jugo de tyrannos dominadores. Leia-se a historia de Athenas, de Syracusa, de Corintho, de Thebas, eis-aqui o que viu Roma. A fraqueza, a divisão do seu senado creou dentro delle as facções, perdeu a força, triunfaram as minorias, e appareceu Mario, Sylla, Cesar, e outros ... Feliz a republica de Carthago, de quem diz Aristoteles que em mais de 500 annos até o tempo, em que elle vivia não tinha apparecido nem uma sedição, nem um tyranno, que opprimisse a liberdade. A fraqueza, a que Cromwell reduziu o Parlamento inglez, o habilitou a fazer cortar a cabeça da Carlos I., e só com uma Convenção fraquissima, servil, e automatica, é que um Robespierre diria = A Convenção é a minha machina de fazer decretos. = Todas essas republicas da Italia pela fraqueza dos seus corpos legislativos foram vitima das discordias das familias, da ariscocracia ...

Mas, Sr. Presidente, deixemos esta longa digressão, vamos ao meu proposito mais directamente. Diz-se que como a segunda Camara deve ser composta de cathegorias, está o Rei muito, mais ao facto dellas, e deve escolher entre ellas os membros da segunda Camara. Ora eu não posso admitir que o Rei esteja mais ao facto de conhecer estas cathegorias, do quê o povo, e se o Rei e, que deve organizar dellas a segunda Camara, organise-a o povo das mesmas. O povo convive, observa, conhece infinitamente melhor, que o Governo, as circumstancias dos cidadãos; e rarissimas vezes se poderá enganar, o que será muito mais facil da parte do Governo Logo a eleição deve ser popular.

Ninguem duvida que uma segunda Camara eleita pelo Rei sem intervenção alguma do povo ha de ser um corpo todo votado aos interesses reaes. Esta parece naturalmente a índole, e a direcção, em que a mesma Camara caminhará. Quando aqui se agitou a questão de ser unitaria, ou binariamente organisado o poder legislativo, muito e muito se instou neste motivo a favor do um só corpo. Então nenhuma força me fazia tal argumento, porque dizia eu na formação da segunda Camara está o remedio, deixem haver duas, é isto muito mais util, mas formesse a segunda de maneira que o povo venha a ter nella a influencia, que deve ter e por isso esta reflexão, que então se oppunha, e lá eu a julgava despresivel, aqui se me apresenta com outro caracter. Esta 2.ª parte dos agentes do poder legislativo deve ter a confiança, e a boa fé das duas extremas, e saber da Camara primeira, e então que cousa mais natural do que participar de ambas? Mas sobre isto logo direi mais uma palavra.

Eu por ora estou inclinado a que os grandes dignitarios da Nação sejam julgados nos seus crimes, e prevaricações na Camara dos Senadores, na segunda Camara, ou como lhe quizerem chamar. Sei, e já aqui observei que alguns dos Srs. que tem orado, não se inclinam muito para esta opinião, eu por ora estou por ella, e permittam-me que lhe diga que se a longa serie de seculos, passando sobre uma instituição a póde tornar respeitavel, e sem duvida esta respeitabilissima. Antes que ella passasse a fazer parte das leis inglezas já era praticada pelos antigos povos.

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Nem eu sei das republicas da Grecia alguma, em que os Concelhos legislativos não tivessem tambem a attribuição de julgar certos casos, e em certas circumstancias. Em Creta, aonde Jupiter nasceu, e Minos fez as leis, e aonde a historia nos diz, que Licurgo foi buscar muitas para as dar á sua patria, e Zelenco para organisar os Locreos, havia este juiso. Quem ignora que elle existia em Roma? Mas dos germanos nos certifica Tacito (de moribus Germanorum) o mesmo» Licet, apud conciliam accusare quemque, et discrimen capitis intendere.» Porém se a Camara dos Senadores deve julgar os Ministros da Corôa, como e inconsequente que estes formem á sua vontade a seu arbitrio livre um corpo, em que e possivel virem a ser julgados? Ha uma liberdade infinitamente maior qual a de recusar os jurados, pois lá recuso os que me são hostis, ou suspeitos, e em numero limitado, e aqui escolho todos os meus amigos para me julgarem.

Eu quizera, Sr. Presidente, dar á minha Nação uma Constituido permanente, em que todas as peças desta grande machina já mais se desarmonisassem estou certo que quanto os seus ligamos constitucionaes forem mais amados, e as suas instituições mais a vontade publica, menos inimigos, menos opponentes hão de encontrar, ora se a nossa segunda Camara tiver o voto, tiver o assentimento nacional não fica ella escorada naquella base mas solida, mais inabalavel, a approvação publica? Certamente.

Uma Camara de eleição exclusiva da Corôa, se ella é composta de homens corrompidos, ambiciosos, e immoraes, então é um ajuntamento de aduladores do Poder, festejando, e lambendo sempre a mão, que lhe deita em cima os thesouros, e as honras. Temos este objecto Senado de Roma tão bem pintado naquelles bellos versos dó Catão de Metastazio

Il Senato
Non é piu quel di pria, di schiavi é fato
Un vilissimo grege...

Se porém é composta esta Camara de homens de bem, então ou eljes se vêm obrigados a ser ingratos ao seu bem-feitor, todas as vezes que tenham de oppor-se, e abandonar os interesses, e as pertenções menos justas do Ministerio, ou são forçados a tornar-se inertes, e nullos quando não os querendo offender por gratidão, e não os podendo sustentar contra sua persuasão, ficam numa inactividade reprehensivel, e isto é talvez peor ainda, e de certo menos generoso.

Mas na Inglaterra ha uma Camara de Pares, que tem todas as qualidades, em que nós estamos achando defeitos, e esta tem feito a fortuna da Nação ingleza. Reflexão de grandissima força, em que a minha sinceridade e boa fé, sem poder desapegar-se dos princípios, que julga certos, não acha com effeito nada attendivel, que possa oppor! Talvez aquelle grande povo fosse mais feliz, ou ao menos não o fosse menos, se a sua Camara aristocrática fosse de outra formação. Já lá se tem violentamente desenvolvido a vontade contra aquella organisação, lá apparece um homem, de quem Lord Wellington dizia, que tinha mais poder na Grã-Bretanha do que o Rei, Mr. O Connel, que a testa de uma immensa força ao opinião tem lançado os hombros á obra da reforma da Camara dos Pares: e quer e forceja, sem fazer, diz elle, brecha nas antigas instituições tão caras e arragadas no coração destes nobres insulares, metter na formação desta Camara a escolha, e a influencia popular, seguindo com tudo uma vereda opposta áquella por que eu estou pugnando, systema que tenho meditado, qual darei ainda, se se proporcionar occasião em alguma destas sessões Systema, que conservando ao Rei nação a faculdade de nomear Pares vitalicios, e hereditarios até o numero de 800, estabelece, que destes escolha o povo 150, que serão os que tenham assento no Parlamento.

Tenho apresentado as idéas, e reflexões, que me induziram á persuasão de que a Camara dos Senadores deve ser primitivamente eleita pelo povo; porém assim como na eleição dos Deputados a Corôa nenhuma influencia deve exercer, seguir-se-ha que della seja tambem excluida na formação da dos mesmos Senadores? De nenhuma sorte. E indispensavel a acção do Rei. Nós queremos, tem-se dito, um Monarchia representativo, logo queremos um Monarcha. Principio certo, e conclusão evidente. Nenhuma duvida ha que os interesses do povo nos devam merecer a primeira attenção, porém os do Throno não devem merece la menor, se e que queremos que haja Throno. Tem o povo a sua Camara de Deputados, que elle elege perfeitamente á sua vontade, se o fizer tambem, e com a mesma liberdade a respeito da segunda Camara, póde dizer-se sem duvida alguma que e só nominal a idéa desta, e que verdadeiramente nada mais ha que uma, partida em duas sessões, e a deliberar em salas diversas. Logo o Rei deve influir na formação della.

Sr. Presidente, a segunda Camara deve ser, acha-se com razão e experiencia escripto nos livros dos Publicistas, medianeira, ou moderadora entre as forças dos extremos, do povo e do Rei, e isto faz a belleza deste corpo intermedio; pois se isto assim é, torna-se indispensavel, que ella gose da boa fé daquelles, de quem deve regular as attribuições, e os interesses, e como poderá melhor obter esta prestante qualidade, do que concorrendo elles ambos para a sua existencia?

O Povo, disse eu, está talvez nas circumstancias de conhecer melhor o mento dos cidadãos, entre quem vive, os seus teres, em fim as suas cathegorias, porém não se me negue que o Governo póde estar mais ao alcanse deste conhecimento em certas outras classes de cidadãos, que por qualquer motivo podem achar-se em menos contacto com o povo, esta é a historia, ou acertada ou desacertada das sociedades, ou bem, ou mal fundada. Logo, porque se não ha de aproveitar para levar á Camara dos Senadores as maio eminentes capacidades do Estado o contingente de conhecimentos, que para este importantíssimo fim pode prestar tambem o Governo?

Eu mostrei já em outra occasião que a existencia de uma segunda Camara era necessaria para as leis, que tem de regular os povos, serem, o mais perfeitas possivel á natural imperfeição dos homens, e tambem serem as menos numerosas, e strictamente só as indispensaveis para a recta administração dos cidadãos. E porem necessario, para se tirar della esta grande vantagem, que não subscreva tem exame, e debate algum, as que lhe mandar a Camara dos Deputados, sem isto era quasi inutil esta instituição. Porém para haver este debate, esta analise, e rixa salutar, é tambem necessario que exista certa emulação entre os dous corpos co-legislativos, e é um requisito essencial, que elles não sejam sem mistura alguma, devidos a uma só origem, e daqui resulta a necessidade que na sua composição entrem quanto seja possivel elementos heterogeneos, e por isso que ella não seja só da nomeação do povo.

Os Governos tem, como um dos seus primeiros deveres, de recompensar os serviços feitos ao Estado e pôde, quando os varões, que os tem prestado vierem nas listas da eleição popular, preferir na sua escolha os mais benemeritos por este motivo.
E eu confesso que se em contrario, e em favor da eleição popular não interviessem razões mais ponderosas, e superiores, votaria que o fazimento da Camara dos Senadores fosse de nomeação exclusiva da corôa, só e do por este motivo, para o Governo poder, elevando os cidadãos e este eminente lugar, compensar os serviços feitos á nação.

Tudo, Sr. Presidente, tudo pugna a favor da intervenção da corôa na formação desta segunda Camara, e quanto mais o entendimento ajudado pela experiencia profunda, e

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analysa a construcção das monarchias constitucionaes, mais se firma nesta persuasão.

Mas tem dito um illustre Orador desta casa a segunda Camara deve representar a nação, porque nada mais ha a representar, e nada ha tão absurdo como dizer-se, que póde haver representação, que não saia da uma eleitoral; logo o Rei não deve ter influencia alguma na formação desta segunda Camara, porque o Rei, que não é a nação, não deve ser representado em alguma das Camaras.

Ora, Sr. Presidente, eu eu não entendi o illustre membro, a que me estou referindo, ou a sua raciocinação nada fere o systema, que estou sustentando. Ella pecca no facto, e pecca na consequencia. Pecca do facto em quanto faz dependente da uma eleitoral toda a representação. Se isto assim fosse nunca tinham gosado representação nacional os povos, que a estabeleceram com voto publico; e então essa Gram-Bretanha, aonde não ha uma eleitoral para a eleição dos membros da Camara dos Communs, como todo o mundo sabe, aonde o voto é patente, e não secreto tem estado sempre sem ser representada. Pecca na consequencia, porque, se na formação da segunda Camara, eu quero intervenha essencialmente a uma eleitoral, com tudo mil conveniências requerem que para o bem do estado intervenha tambem outra potencia, o elemento monarchico: e assim ella, devendo com effeito ser representante do povo, não repugna que reuna a qualidade de ser da escolha do Rei, só a raciocinação feriria a minha opinião, se eu negasse á Camara dos Senadores a eleição da urna, o que é contrario ao que defendo.

Diz se tambem: os interesses do povo, e os do Rei devem ser identicos, e não divergentes, logo para os sustentar basta ser a segunda Camara sómente popular. Porém, Sr. Presidente, mesmo que a segunda Camara nenhuma outra utilidade tivesse, senão a de firmar estes interesses, tal argumento bem pouca força tinha e se commutava pela forma seguinte; se os interesses da nação e da corôa são os mesmos, bem a nossa segunda Camara une-se a elles, tem, por assim dizer, um interesse só, que fica mais consolidado, e a ella então não fica mal o ser tambem approvada pelo Rei: mas se desgraçadamente, o que oxalá nunca tivesse lugar, estes interesses divergem, então é supremamente util, ou antes absolutamente necessario que esta Camara tenha a confiança, e a boa fé de ambos e é só então que lançando-se na parte, aonde ha mais justiça, mais razão, mais utilidade commum, póde sem tumulto, sem odio, sem violencia restituir o equilibrio, a fortuna, e a tranquillidade publica. (Apoiado.)

Estas, e muitas mais razões poderia eu apontar, mas está, julgo eu, a materia esgotada pelo que tem dito os preclaros Oradores, que tem faltado Logo o meu pensamento e systema, é que haja uma segunda Camara, a qual deve ser de eleição primitivamente popular, porém deste eleitos se devem fazer listas dúplices, ou tríplices, que sejam propostas ao liei para escolher, para designar dellas aquelles cidadãos, que forem mais de sua confiança, e com estes ser formada a Camara dos Senadores.

Eu terminaria aqui o meu discurso, mas quero ainda lançar algumas palavras sobre outro objecto, ellas serão breves, porque mesmo elle vira ainda outra vez a discussão, porém como sobre elle tambem já tem fallado alguns Oradores, com o mesmo direito roço indulgencia para mim.

Será por ventura livre ao povo, quando eleger os Senadores, divagar o achar aberta uma carreira, e tão livre como aquella, que percorre quando faz a eleição dos Deputados? Eu digo que não é indispensavel que o povo, que póde eleger estes, aonde os achar á sua satisfação, seja constrangido a buscar aquelles sómente, aonde a lei lhe determinar. A theoria das cathegorias, é aqui indispensavel porém a difficuldade será sem duvida marcar estas; e isto deve occupar ainda devidamente a prudencia, e a sabedoria do Congresso. A qualificação da propriedade deve ser infallivelmente uma, pois que os membros da segunda Camara, não recebendo subsidios do thesouro, tem de sustentar a dignidade, e a independencia de suas cadeiras sómente com os fundos de sua fortuna. Os altos empregos civis, e ecclesiasticos reclamam tambem para si uma cathegoria. Esta se lhe consignava nas nossas antigas Côrtes, nas de Hespanha, nas de França, e ainda hoje a conservam no Parlamento francez, e no Parlamento inglez, e neste a presença do chanceller, de um bispo, e de um outro par, já constitue uma sessão regular. A nobreza hereditária, a nobreza chamada dos Pergaminhos, deve na minha opinião ser contemplada quando, além da cathegoria da propriedade a que já pertence, reunir a do merito. Estes pergaminhos, Srs., são ainda a expressão dos grandes serviços feitos á pátria pelos vossos illustres Avós. Lembremo-nos dos prodigios, praticados nos seculos passados, da grandeza portugueza em todo o genero de virtudes, e de gloria, e então estranhemos que os nossos Monarchas assignalassem á gratidão, e ao respeito publico os heroes lusitanos, que tanto sublimaram a nação portugueza. Tire se á sociedade a consideração publica, de que as virtudes dos grandes cidadãos devem ser rodeadas sempre, e sempre perpetuadas, e acabou instantaneamente o primeiro agente, o principal estimulo das grandes acções. São hoje obsoletas, são hoje stigmatisadas com o despreso e odio que ellas, e seus propagadores merecem, essas doutrinas de 1791, essa igualdade, com que os mais perversos de todos os perversos queriam nivel lar tudo, menos a si mesmos, pois que a vara do seu igualismo obrava, e tinha só acção nas cabeças, que estavam acima, e não abaixo das suas. A cathegoria dos talentos, e das virtudes seja a primeira contemplada a esta convenho muito voluntariamente cedam todas as outras.

Quero estas cathegorias, para se fazer uma representação verdadeiramente nacional, e pela maneira seguinte desenvolvo este pensamento. Sr. Presidente, tenho por vezes, e nunca deixarei de o fazer, expressado o meu sentir a respeito da representação nacional, torno agora a faze-lo, e desejo que sejam nisto muito explicitas as notas dos Srs. Tachigraphos. As nações são compostas de muitos cidadãos reunidos debaixo de um só governo, e de uma só lei, mas não debaixo de um só interesse, e opinião. Esta verdade e o facto mais conhecido, que ha na sociedade. Cada nação tem seu imperio; de maneira que nenhuma definição mais exacta das nações, depois de constituidas, do que aquella, que eu já aqui reproduzi, deduzida dos estatutos da Universidade de Coimbra. Logo que é representação nacional? Nenhuma outra cousa senão o resumo de todos os interesses sociaes do corpo politico, a que ella pertence. Por ventura quando um destes corpos se acha repartido em differentes fracções de opiniões politicas diversas, o que é infinitamente ordinario nos governos livres, e constitue, o que se chamam partidos, ou (acções, porventura, digo, um corpo representante, que resuma só um deites, pode dizer-se que represente a nação toda ? Por fónni alguma. Eu nunca considerei que uma nação esteja regular, e perfeitamente representada, em quanto não vir sentados no sagrado recinto dos Congressos nacionaes a recopillação, a miniatura, deixem-me assim explicar, de todas as classes, de todos os partidos, de todos os interesses, de todas as persuasões, de todas as vontades, que constituem uma nação. Só quando os componentes elementares, e constitutivos das massas populares, virem os seus princípios politicos, seus interesses individuaes, e de corporação protegidos na representação, só quando lá os virem deffendidos á sua satisfação, só então, digo, estão contentes. Só quando observarem que a sua causa é debellada sem medo, e em plena liberdade na arena Parlamentar, só então deixarão de lembrar-se de o fazer com as baionetas, e á poma da espada nos campos da batalha. É este o grande segredo, este o salutar antidoto nos governos livres contra as guerras civis, tão passiveis, tão provaveis, mesmo

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pela maior liberdade, de que alli gasam os cidadãos. É esta a pedra angular, que sustenta estes edificios; sem este principio nada havia senão tumulto, e principios politicos tem digestão, sem ordem, e sem proveito, desconfiança eterna entre os cidadãos, pymptomas contínuos de descontentamento, em fim aquelle estado de confusão politica..... Quem dixere cahos.

Mas que tem estas idéas com as cathegorias, ou qualificações, que devem revestir os elegiveis para a Camara dos Senadores? Tem uma intima relação, porque coarctando-se aos eleitores a faculdade de divagar sem restricção alguma, forçando-os a levar às suas listas só homens com estas determinadas qualificações, e não sendo possivel acha-los todos no seu partido, não lhes resta remedio senão ir tira-los em todas as cores politicas, e assim levar á Camara Senatoria, a representação de todos Os interesses sociaes do corpo politico, a que pertencem. Digo ultimamente, e nenhum outro - exemplo apontarei, posto que seria possivel achar muitos, que sé as opiniões de Wigs, e Tories, que, desde o Parlamento de 1620 para 1621 dividem a população, e as bandeiras políticas na Inglaterra, não se achassem proporcionalmente representadas no Parlamento, talvez já uma revolução teria devorado as liberdades com que tanto, e tão desculpável mente se ensoberbecem os altivos habitantes da poderosa Albião.

Concluo pois tornando a declarar que a minha votação é por uma Camara de Senadores, ou como se lhe queira chamar, de duração temporaria composta de membros eleitos pela nação, dos quaes se formem listas dúplices, ou tríplices, e nestas possa a corôa escolher, e designar aquelles, de que a mesma Camara deva ser constituida. (Apoiado por muitas vezes.)

O Sr. M. A. de Vasconcellos (leu o artigo em discussão). Esta é a integra do artigo, que temos em discussão: vejamos agora quaes são os principaes fundamentos, em que os illustres oradores tem baseado seus discursos para defenderem a doutrina deste artigo. Um delles é este, para representar todos os interesses; vejamos Sr. Presidente, se se consegue este fim: pondo-se em pratica a doutrina do artigo, como se ha de conseguir o fim de representar todos os interesses, se se confia a sua nomeação a uma pessoa só, e a uma pessoa, que tem interesses tão activos, e muitas vezes tão distinctos dos do resto da nação? Parece-me que uma Camara organisada por este modo não pode representar senão os interesses da Corôa, não só porque a ella deve a origem da sua formação, mas porque as suas dependências futuras a ligam tambem às prerogativas da Corôa. Qual será o pai, Sr. Presidente, que tendo sido elevado á alta cathegoria de senador, e de senador vitalicio não queira deixar este cargo em legado ao seu filho? Persuado-me que muito poucos hão de ser tão despidos de vaidade, que não queiram dotar por esta maneira o seu filho. Mas qual há de ser o meio de elles deixarem esse legado ao filho? Está bem claro, Sr. Presidente, que não póde ser outro senão servindo o poder, servindo-o da maneira, que mais agradar ao poder para captar a sua benevolencia, e conseguir a nomeação futura do seu filho. Eu não sei como nós, se quizessemos estabelecer um laço de dependencia indestructivel entre a consciencia do senador, e a vontade do rei, como o poderiamos fazer melhor; e por isso não me demoro mais em responder a este argumento. Recorre-se a outro fundamento, que é o de crear um segundo corpo colegislativo vitalicio, e nomeado pelo rei para servir de medianeiro entre a Corôa, e a primeira Camara. Este argumento tem o mesmo vicio. Sr. Presidente, como ha de este corpo nomeado pelo rei, e na sua dependencia futura ser medianeiro nas dissensões, que se levantarem do rei para com os Deputados, ou destes para com o Rei? Isto parece impossivel. Sr. Presidente, aqui não pôde haver mediação; aqui ha de haver justamente uma transigencia, uma amalgama da segunda Camara com a vontade do Corôa, e então temos nós uma tyrannia legislativa; e quando isto succede é bem sabido de pós todos o remedio unico, que segundo Loke se conhece sobre a terra, remedio, a que eu nunca desejarei levar meus concidadãos.

Disse-se que é precisa uma segunda Camara nomeada pela maneira, que está no projecto para fortalecer a Corôa; mas fortalece-la? Contra quem? Eu não sei contra quem a Corôa precise ser fortalecida. Uma nação, que possue a intima convicção, pela necessidade das circumstancias em que se acha collocada, de que deve conservar o governo monarchico representativo, está claro que é porque lhe convém, e então é preciso dotar a Corôa de certas attribuições conforme é necessario para o bom desempenho das suas funcções. Pergunto eu, se a Corôa desempenhar essas funcções precisa da mais alguma fortaleza? Esse edifício precisa de um espeque para o sustentar? E, se o precisasse, qual seria o espeque, o gigante que o sustentasse contra a vontade da nação, contra a torrente de suas necessidades sociaes, se fossem contrarias á existência de uma Corôa? Só um exercito estrangeiro mais fone que a mesma nação; porque donde se havia de tirar força para sustentar uma forma de governo contrario aos interesses de uma nação? Não a conheço só! Só se considerarmos os povos no estado de ignorancia, em que estavam antigamente, tyrannisados por meia duzia de janisaros armados; mas hoje não é o mesmo; então para que é preciso fortalecer a Corôa? Eitá claro que não é senão para quando a primeira Camara fosse injusta, e facciosa; e então a Corôa tinha outras prerogativas para a inutilisar, e sobre tudo tinha a opinião publica, que a havia defender; e eu não sei como cem, mesmo duzentos mil homens, que se mettessem n'uma casa podiam estar a guerrear uma nação inteira contra a existencia das prerogativas de uma Corôa, que essa nação adorava, e que estava sustentando. Então que queremos nós fortalecer? Só vamos fortalecer ambições desregradas da Corôa, e essas não quero eu fortalecer; tomara eu que ellas nunca nascessem. Diz-se que é para conservar a monarchia. Ora, Sr. Presidente, avançar este argumento é fazer parecer que todos os que pugnaram contra esta doutrina querem destruir a monarchia ; mas parece-me tambem que não se póde dizer em que consiste a essência da monarchia; porque se fosse absolutamente necessario para existir uma monarchia, que ella tivesse certas, e certas attribuições como tem neste, ou naquelle paiz, então em nenhum outro paiz podia subsistir; mas nós vemo-las tão variadas... N'um paiz tem mais attribuições, n'outro menos; n'um são mais extensivas, noutro menos; e entretanto existe monarchia. Eu entendo, Sr. Presidente, que mais facilmente se póde dizer que fica substituído o presidente de uma republica por um monarchia; logo que se lhe dá a qualidade hereditaria, do que por se não dar a um monarchia ojus deformar uma segunda Camara, elle deixe de o ser; porque não póde sustentar-se a priori, que neste ou naquelle paiz se destros a monarchia por falta desta ou d'aquella attribuição: num paiz precisa o monarchia de mais attribniçòes para se sustentar contra causas de destruição da monarchia, noutros de menos; mas haverá paiz no mundo, em que se precise de menos força para sustentar a monarchia do que em Portugal, onde essa forma de governo está arraigada no coração dos portuguezes, porque está arraigada nos seus habitos, e no seu reconhecimento para com seus monarchas; porque em paiz nenhum do mundo a monarchia tem feito mais bens á humanidade do que em Portugal? Eu não conheço um povo mais reconhecido do que os portuguezes. Então como tememos que se destrua em Portugal a monarchia se lhe não dermos esta prerogativa, que não póde ser senão funesta? Isto é uma illusão; nós dizemos ao Rei que póde tudo, que é impeccavel, que é irresponsavel; mas tomamos conta aos Ministros. Ora combine-se isto com o poder real como tinham nos paizes despoticos: não póde ser; e se nós não podemos, porque assim o exige o bem publico,

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dar aos reis um poder real despotico nos outros casos, como lh'o havemos dar neste? Mas diz-se que se póde fazer responsavel o Ministerio se por caso fizer uma nomeação contraria aos interesses da nação; então onde está aqui a prerogativa? É illusoria. Eu quero que o portuguez seja adornado de perolas verdadeiras, e aquellas que forem precisas para fazer a felicidade publica; mas orna-lo de perolas falsas para n'um dia lhe serem prejudiciaes, se tiver Ministros que abusem, isto não é defender os direitos e prerogativas da Corôa. Que seria, Sr. Presidente, uma Segunda Camara constituida de maneira que se tornasse n'um instrumento passivo do poder? Não a posso comparar a outra cousa mais justamente, que ao escudo de Sceva: a Corôa com um tal escudo apararia as lançadas, que se lhe arremeçassem, e por de traz delle fulminaria a nação com a grande lança do veto absoluto, se lhe fosse concedido; e que havia de acontecer? O que aconteceu a Sceva. Este guerreiro foi valentissimo, aparou no seu escudo em um só combate trezentas e tantas lançadas;mas de resto cahio.

Eu não ei de quem o segundo corpo co-legislativo recebe um mandato, que o authorise a legislar para a nação; póde elle legislar para o paço; isso é verdade: póde dar regulamentos pára o paço, porque de lá recebeu o seu mandato; mas para a nação não póde.

Ora será esta a maneira de representar as summidades sociaes? Não será a maneira unica, que a nossa razão, e experiencia tem descoberto, a uma eleitoral? Não é a ella que vão, ou tem direito a hir votar todas as summidades sociaes? Não é alli que tem direito à serem votadas todas as summidades sociaes? Pois nós havemos dizer que vamos estabelecer uma representação para as summidades sociaes, e vamos, restringir o catalogo dessas summidades a umas certas classes que, quanto a mim, não as abrangem todas? E depois d'ellas restrictas assim vamos dar o jus a um só homem para eleger d'entre essas summidades quem mais lhe convier? Fallemos claro, então como estão representadas as summidades sociaes? Isto é uma perfeita illusão feita á nação; uma falsa representarão nacional, e um veneno que produzirá o seu effeito contra a mesma Corôa, que se diz querer sustentar por este; artigo.

O Sr. Vice-Presidente: - Deram tres horas, passa-se ao expediente.

O Sr. José Estevão: - Sr. Presidente, faz-me V. Exca. favor de me dizer quantos Srs. estão inscriptos sobre a materia?

O Sr. Vice-Presidente: - Está só o Sr. Deputado.

O Sr. José Estevão: - Eu cedo da palavra, visto que ninguem mais está inscripto.

Passou-se á correspondencia, e o Sr. secretario mencionou a seguinte:

1.º Um officio do Ministerio da fazenda, em que se participa serem remettidos ao Congresso para a Com missão de fazenda tres relações de bens nacionaes, que ainda se acham por vender, é que a Commissão interina da junta do credito publico enviou á primeira repartição do Ministerio da fazenda com a representação, constante da copia, que acompanha as mesmas relações. - Foi mandada para a Com missão de fazenda.

2.° Um officio do Ministerio da marinha e ultramar, em que se pedem às Cortes providencias sobre o decreto de 31 de Dezembro pagado, a fim de se removerem as duvidas, que se possam suscitar, e já se tem suscitado sobre os direitos de mercê:, e ao mesmo tempo remette a nota d'aquellas classes, que parecem estar nas circunstancias de não selem obrigadas áquelle pagamento, e finalmente remettendo tambem tres pereceres do conselheiro procurador geral da fazenda sobre varios casos, em que o Ministerio tem duvidas. - Foi mandado á Commissão de legislação.

3.° Um officio do Sr. Visconde de Beire, accusando a recepção d'outro, em que se lhe communicava a suspensão da sua licença, e declarando que com a brevidade, que lhe fossa possivel, cumpriria as determinações das Côrtes. - O Congresso ficou inteirado.

4.° Uma representação da Camara municipal de Villa Pouca d'Aguiar, e mais cidadãos, que pedem ao Congresso não restabeleça os foros e os vizinhos, fazendo uma exposição dos inconvenientes, que d'ahi resultariam. - Foi á Commissão de fazenda.

5.º Uma representação assignada por varios cidadãos, em que requerem que o Congresso guarde e conserve os principios essenciaes da Constituição de 1822. - Mandou-se imprimir.

6.° Uma representação da junta de parochia da freguezia da Lagiosa, concelho de Tondella, e districto administrativo de Vizeu, em que se dá por contente com a actual annexação ao dito concelho de Tondella, e por isso previne o Congresso contra a tentativa, que alguem possa fazer para a desannexar d'alli, e reuni-la ao concelho de Vizeu; pois lhe consta que um agente de Vizeu tem andado n'aquella freguezia a solicitar assignaturas. - Foi á Commissão d'estatistica.

7.º Uma representação da junta de parochia da freguesia de Cambra de Lafões, em que com seus principaes habitantes se queixa da violencia e gravissimos prejuizos da sua desannexação do concelho de Vouzella, para ser reunida ao concelho da Villa d'Oliveira de Frades, ultimamente resolvida pelo Congresso. - Foi á Commissão de estatistica.

8.º Uma representação da Junta de parochia da freguezia de S. Vicente, em que se queixa de ser ultimamente desligada do concelho de Vouzela, para ser reunida ao novo concelho creado em Villa d'Oliveira de Frades. - Foi á Commissão de estatistica.

9.º Uma representação do junta de parochia da freguezia de Campea de Lafões, em que se queima da sua nova reunião ao novo concelho de Oliveira do Frades, e desannexação do seu antigo concelho de Vouzella. - Foi á Commissão de estatistica.

10.° Uma representação da Camara municipal de Fermedo, remettendo um requerimento dos povos da freguezia de St. André de Gião, que pedem ser annexados ao dito concelho de Fermedo, e separados do da Villa da Feira. - Foi á Commissão de estatistica.

11.º Outra representação da Camara municipal de Fermedo, remettendo um requerimento dos povos da freguezia de Fajões, que podem ser annexados ao dito concelho de Fermedo, e desannexados do de Oliveira d'Azemeis. - Foi á Commissão de estatistica.

Leu-se a redacção da lei, que concede uma pensão ao almirante conde do Cabo de S. Vicente; e, estando conforme com o vencido, mandou-se tirar o authografo. Leram-se mais doze authografos de leis, que foram assignados, pela mesa.

O Sr. Almeida Garrett por parte da Commissão de instrucção publica apresentou um parecer da mesma Commissão sobre um requerimento dos estudantes da eschola medico-cirurgica, em que a Commissão é de parecer que por uma vez sómente deixem de pagar as matriculas estabelecidas pelo decreto de 29 de Dezembro de 1836.

(N. B. Não damos ente parecer na sua integra, por não ter apparecido na secretaria).

Entrou em discussão este parecer, e teve a palavra.

O Sr. Barjona: - Direi sobre este requerimento, O que já disse quando se tractou do requerimento dos estudantes da universidade de Coimbra o verão passado.

Estou persuadido de que o decreto da instrucção superior augmentou as matriculas d'alguns cursos muito mais do que devia ser; mas entendo, e entendi sempre que a respectiva reforma não póde dizer-se convenientemente sem te examinar o decreto no seu todo pelo menos, em os pontos principaes. Foi este um dos muitos motivos, que tive para reque-

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rer ao soberano Congresso que determinasse que a Commissão d'instrucção publica fosse encarregada de examinar em o mesmo decreto a parte relativa às sciencias físicas e mathematicas, porque examinado isto já se via que matriculas e quanto deviam ser diminuídas; todavia o meu requerimento não foi desgraçadamente attendido como eu devia esperar. E verdade que as Cortes mandaram que a representação dos estudantes da escola medico-cirurgica fosse remettida á Comniissào com urgência, para que ella desse o seu parecer sobre ella ; mas eu, que não costumo dar em cousa alguma o meu voto sem conhecimento de causa, abstive-me d'entrar em tal objecto, e não assignei o parecer.

O Sr. Fernandes Thomaz: - Eu já, disse tambem que não podia pertencer mais á Commissão de instrucção publica, e pelas mesmas razões, em que se fundou e Sr. Deputado, que acabou de fallar.

Quanto á materia em discussão, vejo agora que, a Commissão já modificou a sua opinião, apresentando-a debaixo de outro ponto de vista; isto é, de não prejudicar o effeito da lei absolutamente; a minha duvida era que se não deviam reprovar os principios estabelecidos n'aquelles decretos, publicados no tempo da dictadura, sem que elles fossem revistos. A Commissão entendeu que se não devia alterar o principio, sem fazer uma lei para dispensar os estudantes por uma vez sómente de pagarem duas moedas; pergunto, Sr. Presidente, valerá a pena de fazer uma lei para dispensar os estudantes de pagarem duas moedas, ficando de as pagar para o anno? E effectivamente não se destroe o principio da lei, por quanto a Com missão é de parecer que se não altere senão por esta vez. Ora se nós alterarmos a lei para estes individuos agora, se amanhã os da escola polite-chnica nos pedirem diminuição das taxas das matriculas, devemos conceder-lha igualmente, para obrarmos com justiça; e depois se vierem os da escola medico-cirurgica do Porto, havemos por coherencia diminuir-lhas tambem. Assim é minha opinião que senão deve alterar aos bocados uma lei da dictadura, que foi approvada pelo Congresso, que é vigente, e tem tanta força como as mais leis; porém o Congresso decidirá como entender.

Devo porém accrescentar que o exemplo da dispensa dada aos estudantes da universidade não colhe, porque a reforma foi posta em execução no meio do anno, e então os estudantes não tiravam nesse anno todos os beneficios d'essa reforma; então justo era até certo ponto que não pagassem por uma cousa, de que não tiravam toda a utilidade, que deviam. Mas o caso agora, é differente: os estudantes sabiam bem que, se quizessem matricular-se, haviam de pagar essa propina da lei; nada pois os desculpa, nem elles podem ficar satisfeitos com isto, porque elles pedem a revogação da lei nessa parte, e a Commissão só propõe a dispensa della este anno, digo, por esta vez somente. O Congresso porém decidirá como quizer, e dirá se vale a pena por duas moedas, que poupam os estudantes, fazer uma lei, e leva-la á sancção, e publica-la, etc., etc. Eu entendo que não, e que nem devemos gastar o precioso tempo, que podemos destinar para objectos graves, e de interesse geral em discussões, e approvação de medidas parciaes, e que dizem respeito a pequeno numero de pessoas. Voto contra o parecer da Commissão.

O Sr. Almeida Garrett: - O Congresso dispensou os estudantes de universidade de Coimbra de pagar estas fortes matriculas estabelecidas pela lei da dictadura: outro tinto se deve fazer aos mais estudantes. Nisto se funda o parecer da Commissão, que é de eterna justiça, e que não póde ser contestada senão pelos interesses dos privilégios universitários, e seus habituaes preconceitos. Eu sou filho da universidade de Coimbra, e filho agradecido; mas não desejo que se dêm privilegios exclusivos a ninguem, nem á alma mater, que me creou. Dispensados os seus aluirmos devem no ser todos os outros. E o que a Commissão fez, salvando com tudo o principio para quando de futuro se reverem as leis da dictadura. Nas presentes circumstancias é necessario, para ser justo, estabelecer a igualdade. Objecta-se que hão vale a pena de se fazer uma lei, leva-la á sancção, etc. e passar por, tudo isto por causa de duas moedas. E como sabem os Srs. Deputados se às pessoas, de que se tracta, se lhes não fará grande favor em os dispensar de pagar essas duas moedas? A grandeza ou pequenhez do favor é em relação dos haveres de quem paga; e como tem os Srs. Deputados na sua mão os haveres dos pais destes estudantes? Como os podem avaliar? Eu voto pelo parecer, que tive a honra de lavrar.

O Sr. Sá Nogueira: - Sr. Presidente, eu assignei o parecer com declaração, não por entender que as matriculas se não deviam diminuir alguma cousa aos estudantes da escola medico-cirurgica de Lisboa, mas porque entendi que as razoes, em que a Commissão devia fundar o seu parecer, não eram, como ella fez, aquellas que a Commissão apresentou, quando propoz que se dispensasse na lei a favor dos estudantes de Coimbra; a Commissão diz que, por se ter feito esta concessão a favor dos de Coimbra, igual se devia fazer em favor dos estudantes de Lisboa; isto em these é verdade, em hypothese não o é; por, isso assiguei com dcclaraçán; entre tanto entendo que as matriculas da escola medica de Lisboa devem ser diminuídas, porque são muito fortes, e porque o alvará que organisou aquella escola (de 25 de Junho de 1825) declara que. estabelece um. curso de cirurgia, e declara mais que os individuos, que obtiverem carta na escola, podem curar de medicina, aonde não exiuirem médicos formados em Coimbra, ou aonde estes não existirem em numero sufficiente para o curativo dos doentes. Por aquelle alvará se vê que as prerogativas d'aquelles estudantes são menos que as dos de Coimbra, e por consequencia tambem as despezas dos seus estudos devem ser menores. Este é o meu voto.

O Sr. Leonel: - Sr. Presidente, seja como for, a verdade é que se fez uma alteração a respeito dos estudantes de Coimbra, fossem quaes fossem os motivos, o facto é que os outros estudantes não tiram proveito disso; é preciso advertir que estes estudantes em geral são sempre tirados das familias mais mal accomodadas aos dons da fortuna, isto é sabido pela maior parte delles; hão de ir para terras pequenas, aonde pouco vem a ganhar; por isso já dantes a matricula era de graça, e quando se tractar desta materia a proposito, eu hei de aqui estabelecer, e pedir que continue a mesma regra. Porém agora não se tracta disto, a Commissão diz que não se deve derogar nada do decreto respectivo, é escusado tomarmos a este respeito decisão nenhuma, porque é escusado que se diga agora que não havemos derogar nada, porque se for necessario ha de se derogar; agora não ha outra cousa a votar senão no favor, que a Commissão concede aos estudantes; ha mais uma outra razão para se conceder este favor; estes homens serviram ha poucos dias nas linhas, e nisso fizeram o que fez muita outra gente, e nisso não fizeram mais que quasi a população inteira da capital , mas em quanto os outros receberam soldo, elles não receberam nada, e então nós, concedendo-lhe agora esta dispensa, damos-lhe aquillo, que elles teriam, se recebessem soldo; mas é preciso advertir que, concedendo-se-lhes agora seja o que for, é preciso prorognr o praso das matriculas, porque elle já acabou , e os estudantes não tem culpa disso, e se elle se não prorogasse, então a resolução seria inutil, e por isso faço eu este additamento. «Proponho que se prorogue o praso para estas matriculas por três dias depois da publicação da lei.»

Ora agora não só porque a hora está a dar, mas mesmo porque é conveniente que este negocio se resolva já depreda, eu pediria que se concluísse este negocio, para que pela mesma deputação, que está encarregada de levar outras leis á sancção, fosse tambem esta, para se publicar com a maior brevidade possivel; por consequencia approvo a primeira

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parto do parecer, em que se concede a dispensa de matriculas este anno, e proponho que, depois da publicação da lei, se conceda três dias de prorogaçào para o praso das matriculas.

Vozes: - Votos, votos.

O Sr. José Estevão: - Eu quero só dar nma explicação para nos podermos regular sobre a decisão desta negocio; é preciso comparar o que pagam os estudantes pela legislação novissima com aquillo, que pagavam pela legislação antiga; antigamente pagavam no 1.º anno seis mil réis, hoje pagam de cada anno dezenove mil e duzentos réis; as propinas para os secretarios eram mui pequenas, e hoje foram elevadas; por esta occasião digo que me parece extremamente pernicioso ao andamento das sciencias em Portugal, parece extremamente contrario aos princípios constitucionaes; parece extremamente contrario á igual divisão de tributos, depois de estabelecermos aqui que acarta de cirurgião, de medico, e de advogado ha de pagar seis mil réis, se consinta este excessivo augmento de matriculas tanto aqui como na universidade; digo mais que não hei de perder occasião de reduzir essas matriculas, e digo mais que tenho alguem na Commissão d'administração publica, que combina comigo a este respeito.

O Sr. Pinna Cabral; - Sr. Presidente, na minha curta intelligencia parece-me que se tem dito sobre esta matéria mais que o suficiente, por isso peço á V. Exca. que consulte o Congresso sobre se está, ou não sufficientemente discutida.

Consultado o Congresso julgou que a matéria estava discutida.

Posto á votação o parecer da Commissão foi approvado; bem como o additamento do Sr. Leonel.

O Sr. Pinna Cabral: - Requeiro que o Governo, pela repartição competente, faça apresentar a este Congresso uma relação nominal de todos os coronéis pertencentes ao quadro effectivo do exercito, mais antigos que o coronel de artilheria João Pedro Soares Luna. Faço este requerimento porque
tendo lido a ultima promoção, que se fez de coroneis para o posto de brigadeiro, admiro-me de não ver nella comprehendido um official tão distincto como o benemerito coronel Luna, cujos serviços em favor da liberdade da sua patria tem sido em todas as épocas tão singulares, e remarcaveis; conheço pessoalmente uma grande parte dos serviços deste honrado, e bravo militar, porque tive a honra de ser por elle commandado, durante alguns annos, na qualidade de voluntario academico; e consta-me tambem que agora mesmo nesta desgraçada época da rebellião, que acaba do ser debellada, elle prestara serviços muito importantes na cidade do Porto, e que muito contribuiram para ajudar a vingar a, causa da revolução de Setembro; concluo dizendo, que por ora não me animo a censurar a conducta do Governo a este respeito; mas desejava ter alguns dados para poder formar o meu juizo, e vir no conhecimento se o Governo foi justo, ou injusto.

O Sr. Vice-Presidente: - A deputação, que ha de levar á sancção de S. M. os authografos, que hoje foram lidos, será composta dos Srs. Ferreira de Castro - Franziai - Maia e Silva - Barjona - e Nunes de Vasconcellos.

A hora deu; a ordem do dia para amanhã é a mesma de hoje. Está levantada a sassão. Eram quatro horas da tarde.

Na sessão de 2 Outubro (impressa a pag. 79 do tomo 5.°) escapou a inserção do seguinte, que deve lêr-se a pag. 86 entre as linhas 17 e 18.

O Sr. Presidente: - Advirto aos Srs., que occupam as galerias, que, na conformidade do respectivo artigo do regimento, devem ser mudos expectadores das discussões; e que, como taes, toda a acclamação, eu rumor, indicio de approvação, ou desapprovação lhes é rigorosamente prohibido; por conseguinte se alguem ousar contravir a estas disposições, eu immediatamente farei evacuar as galerias. (Apoiado geral.)

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