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deste meio indirecto, longe de fazer-me alguma força, antes me induz a rejeita-lo, porque na responsabilidade dos Ministros vejo uma das mais bellas garantias do systema representativo; e em vez por tanto de pertender circumscreve-la, eu desejaria, se fosse possivel, enleá-la com os actos de todos os elementos governativos: consagro tanto respeito, e veneração ás opiniões do meu amigo, como ás suas virtudes, e profundos conhecimentos, mas não posso deixar de considerar este objecto de um modo muito diverso d'aquelle, por que elle o considerou. Eu confesso ingenuamente que não vejo em semelhante methodo nenhuma das vantagens, que alguns Srs. tem pertendido inculcar, antes me parece uma ficção impropria de ter togar n'uma constituição bem meditada; porque ou a lista dos candidatos é limitada em numero, ou offerece grande numero de pessoas: no primeiro caso o Rei póde ser muitas vezes obrigado a escolher um individuo determinado pela incapacidade ou notavel differença de merito nos outros propostos, como a experiencia nos tem muitas vezes mostrado nas eleições por listas triplices, e quintuplas: no segundo caso a eleição torna-se evidentemente inutil, visto como o Rei póde escolher n'um grande numero. Ora um meio, que tão facilmente se dobra aos manejos da intriga, não merece que delle se confie objecto tão importante como a composição d'um corpo co-legislativo. (Apoiado).
Ninguem ignora que este methodo de organisar a segunda camara, combinando a eleição com a nomeação real, tem sido modernamente ensaiado, mas já em algumas partes começa a cair em descredito, revelando seus graves inconvenientes, principalmente no Brasil, onde elle ultimamente vai sendo stigmatisado por aquelles mesmos Deputados, que com mais enthusiasmo o defenderam. O exemplo da Hespanha, com que se tem pertendido demonstrar a sua conveniencia, está longe de me convencer, especialmente quando se me falla n'uma constituição, que apenas conta poucos dias de existencia, e dias tão fecundos em horrores, e calamidades! Talvez que eu o adoptasse se fosse hespanhol, convencendo-me que elle convinha ao estado e circumstancias do meu paiz, mas porque os nossos visinhos adoptaram este methodo, não entendo eu que d'ahi se siga que nós tambem o devemos adoptar, pois não vejo a necessidade, nem a conveniencia, que resulta de que estas duas nações, que até agora tiveram sempre instituições politicas diversas, agora que a liberdade d'aquelle povo está dependente da sorte das armas se identifiquem a ponto de a imitarmos até no modo de organisarmos a nossa segunda camara, antes eu creio que em igualdade de circumstancias devemos conservar o mais nobre titulo da nossa gloria, qual é o de havermos mantido não só a nossa independencia, mas tambem de nunca nos deixarmos arrastar pela sua influencia. Nós conservámos os nossos privilegios, a nossa tal ou qual representação, isto e, as nossas Côrtes até ao reinado de D. João V, exclusivamente, sem que mesmo desde então até 1820, ellas fossem abolidas; e a Hespanha consentiu submissa que Carlos V. anniquilasse as regalias de Castella, dando nova fórma ás Côrtes, que Filippe II. invadisse os privilegios do Aragão; que Filippe V. os destruisse inteiramente, assim como os de Valença; e finalmente que os Catalães soffressem um pouco mais tarde a mesma sorte. Na época desgraçada, em que estivemos sujeitos á Hespanha, conservámos a nossa constituição; e quando se nos quiz privar della, soubemos resgatar a coroa, e com ella firmar de novo a nossa independencia, e nacionalidade. Se os legisladores das necessidades não modellassem a Constituição de 22 pela de 1812, e olhassem mais attentamente para os nossos verdadeiros interesses e posição, talvez que a nossa se conservasse ainda depois da destruição da de Hespanha (apoiado, apoiado). Tem-se argumentado com o exemplo da Belgica a favor da organisação do senado por eleição directa: mas confesso que tambem me não seduz nem convence, porque comparando Portugal com aquella nação, (se por ventura os viajantes não são todos mentirosos) encontro uma notavel differença: em quanto nós temos extensões immensas incultas, a Belgica não offerece um palmo de terra despresado; a sua industria está no maior grau de actividade, em quanto a nossa se acha n'um desgraçado abandono, ou antes não existe. Lá reina a paz, a concordia, a união; entre nós as divisões, os resentimentos, e ainda ha poucos dias a guerra civil, e finalmente como poderiamos nós escrever na nossa constituição que só quem pagar quinhentos ou seissentos mil réis de impostos directos, e tiver quarenta annos, possa ser eleito senador, como se acha estabelecido na constituição Belga, porque a tanto ou mais corresponde aquelle censo no seu valor relativo? Eu penso que nem mesmo quando os portuguezes estivessem sinceramente reunidos debaixo d'uma unica bandeira, poderiamos apurar vinte senadores com estas circumstancias, accrescentando-lhes de mais a capacidade necessaria para desempenharem com honra aquella dignidade.
Ficando assim evidentes os inconvenientes da eleição directa ou indirecta, eu sou forçado a adoptar o meio proposto pela commissão, a nomeação do Rei, desejando porém que essa faculdade seja circumscripta nos limites de certas, e determinadas cathegorias, a fim de que a camara seja composta unicamente de todas as grandes e verdadeiras illustrações do paiz. E não é como um privilegio que eu desejo que o Rei nomeie os senadores, é como uma necessidade, como uma- garantia da liberdade para o paiz, que poderá fazer responsavel o Ministro, que abusar deste direito. Nem eu receio que a liberdade fique arriscada por este meio, nem que elle seja pouco liberal; a experiencia prova o contrario na Inglaterra e na França, e eu não creio que os hespanhoes de hoje sejam mais liberaes que os francezes de ha seis annos que, reformando a sua carta, não duvidaram conservar esta prerogativa da corôa (apoiado, apoiado).
Votando pois pela nomeação real, eu voto tambem pela parte do artigo, que a declara vitalicia, porque tenho como absurdo que o Rei podesse fazer uma nomeação de senadores, sempre que se renovasse a Camara dos Deputados, e não vejo em Portugal elementos, nem possibilidade para uma camara hereditaria, na qual todavia encontro o único e verdadeiro modo de tornar independente este corpo respeitavel.
O Sr. Rodrigo de Menezes: - Sr. Presidente, o artigo, em questão consta de três pontos; e como todos tres são objecto da presente discussão emittirei cobre elles a minha opinião. A divisibilidade do Poder legislativo, etc. A divisibilidade do Poder legislativo, e a unidade do Poder executivo são dous axiomas, de que hoje ninguem duvida. Assim dizia um constituinte em França Lally-Tollendal; e se aquella assembléa como taes os não julgou, porque votou por uma só camara, vingada está esta verdade pela subsequente retratacção dos francezes, que não passaram muitos annos que não adoptassem uma segunda Camara, e uma segunda Camara como eu desejo ver neste paiz: vingada está esta verdade porque quasi todos os estados novos ou regenerados da Europa no seculo 19 tem adoptado na refórma de suas respectivas constituições este principio conciliador da harmonia dos poderes. Sr. Presidente, tal vez que alguem me julgue fóra da ordem, e que lhe pareça que eu ainda me esforço por sustentar a necessidade de duas Camaras, cuja existencia o Congresso já sanccionou com tanta sabedoria: não é assim, Sr. Presidente, quando eu vejo que ainda nesta Camara ha nobres oradores, que sustentam com a sua costumada habilidade e força de raciocinio a existencia de duas Camaras ambas da mesma origem, ambas da mesma duração e por conseguinte ambas a mesma cousa, eu não vejo no systema dos nobres Deputados essa entidade media, esse principio de conciliação, que um dia nas luctas, que possam haver entre o Poder, que legisla, e o Poder, que executa, sirva d'apoio ao mais fraco, evitando assim que um esmague o outro, e o pacto social se rompa. - Sr. Presidente, se esta opinião dos meus