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SESSÃO DE 7 DE OUTUBRO.

(Presidencia do Sr. Macario de Castro).

ABRIU-SE a Sessão ás onze horas e meia da manhã, estando presentes 65 Srs. Deputados.

Leu-se, e approvou-se a acta da Sessão anterior.

O Sr. Secretario Rebello de Carvalho: - Aqui sobre a mesa existem alguns pareceres, que talvez devessem ser impressos, e por isso podiam agora lêr-se.

O Sr. Vasconcellos Pereira: - Sr. Presidente, eu creio que é costume, quando uma Commissão pede para que qualquer parecer seja impresso, mandar-se logo imprimir, e que não precisa ter segunda leitura.

O Sr. Rebello de Carvalho: - O costume é dar-se-lhe destino quando é lido na mesa, e por isso como estes pareceres ficaram para hoje se dar conta delles ao Congresso, elle decidirá se quer que se mandem imprimir.

O Sr. Presidente: - Para se decidir este negocio vão ler-se na mesa os pareceres, os quaes serão mandados para a imprensa.

O Sr. Rebello de Carvalho: - O parecer está, sobre a mesa, assim como o orçamento da Repartição do ministerio da fazenda. Tambem está sobre a mesa outro parecer da Commissão de fazenda sobre os direitos, que devem pagar os navios estrangeiros, e julgo que se devem mandar imprimir.

O Sr. Barão da Ribeira de Sabrosa: - Sr. Presidente, julgo que o parecer da Commissão de guerra ácerca dos cirurgiões do exercito está já sobre a mesa, e tem sido reclamado pelo ministerio da guerra por varias vezes; peço a V. Exa. queira pô-lo em discussão, logo que fôr possivel.

O Sr. Derramado: - Eu pedia que esse parecer da Commissão de fazenda do Ultramar sobre a regularidade de commercio, debaixo dos principies de reciprocidade, se mandasse imprimir primeiro do que os outros, e que deve ser tomado em consideração por este Congresso em primeiro lugar. (Apoiado.)

O Congresso resolveu que se mandassem imprimir

1.º Um parecer da Commissão de Marinha sobre a proposta do Governo, para que os Officiaes graduados da Armada quando passarem a effectivos; tomem na respectiva escala o logar, que lhes compete, segundo a sua antiguidade, contada da data da sua graduação.

2.° Um parecer da Commissão de fazenda sobre o projecto de lei apresentado pelo Sr. L. J. Moniz ácerca da regularidade de commercio debaixo dos principios de reciprocidade, reservando todavia para a nossa bandeira algumas vantagens.

3.º O parecer da mesma Commissão de fazenda sobre o orçamento daquella Repartição.

O Sr. Presidente: - Eu hontem fui encarregado pelo Congresso para nomear um membro para a Commissão, que ha de propor medidas de segurança publica, mas julgo dever participar ao Congresso que a Commissão sendo composta de tres membros, dous dos quaes se acham já nomeados pelo Congresso, eu não posso achar um terceiro, que reuna conhecimentos especiaes em legislação, e administração, conhecimentos estes, que são absolutamente necessarios naquella Commissão; e como não é possivel em um só Sr. Deputado reunir estes conhecimentos, eu proporei ao Congresso que seja nomeada uma Commissão de cinco membros. Os membros, que compozerem esta Commissão, devem ter conhecimentos especiaes não só de legislação, como tambem de administração, e sem conhecimento destes dous objectos não póde dar solução a Commissão do que lhe é encarregado. (Apoiado.) Assim eu vou propor ao Congresso que a Commissão seja de cinco membros.

O Congresso resolveu affirmativamente.

O Sr. Presidente: - Em consequencia da delegação, que me fez o Congresso nomeio aos Srs. Derramado, Rebello de Carvalho, e Correia Telles para membros desta Commissão.

O Sr. Derramado: - Sr. Presidente, ninguem melhor que V. Exca. sabe os muitos trabalhos, de que estou incumbido; com tudo estou prompto para executar qualquer outro, de que o Congresso me julgar capaz, até onde abrangerem, o meu tempo, e as minhas forças; mas não sei como possa cumprir os deveres desta nova com missão.

O Sr. Leonel: - Sr. Presidente, peço a V. Exca. que tenha a bondade quando chegar a hora competente de propor á approvação do Congresso um requerimento, que eu fiz, parece-me que no dia 22 do mez passado.

O Sr. Presidente: - Na hora da correspondencia a primeira cousa é o parecer da Commissão dado para ordem do dia d'hoje pelo Congresso, e logo depois ha de entrar era discussão o parecer sobre os cirurgiões do exercito, que é reclamado pelo ministerio dos negocios da guerra.

O Sr. Leonel: - Mas eu julgo que esta materia do meu requerimento é muito simples, limito-me só a pedir informações para se poder decidir um negocio de alguma importancia, e de muita gravidade; pelo menos eu creio que está em relação com aquelles, em que o Congresso não costuma negar as informações, que qualquer dos membros deste Congresso peça, e eu entendia que era conveniente não demorar este negocio.

O Sr. Derramado: - Sr. Presidente, eu não pertendo alterar a ordem dos objectos, que V. Exa. tem dado para ordem do dia; mas peço a V. Exa. que tambem tenha em vista a tabella dos preços, que hão de pagar os passageiros, ou fazendas, que forem transportados nos barcos movidos por vapor, para ter se se póde expedir este negocio. Resta sómente approvar a tabella, porque o Congresso já approvou todo o resto das condições da empreza.

O Sr. Presidente: - Se houver tempo tractar-se-ha esse objecto na hora da correspondencia.

ORDEM DO DIA.

O Sr. Presidente: - Continua a discussão sobre a organisação da segunda camara.

O Sr. Maia e Silva tem a palavra.

O Sr. Maia e Silva: - Sr. Presidente, eu voto por uma segunda camara electiva, e temporaria.

Nascido entre o povo, habituado a viver com o povo, da ha do povo, e seu representante, eu forcejarei sempre por velar em seus interesses: e entendo que elles serão melhor mantidos quando á tribuna senatoria for elevado um cidadão da sua escolha, e limitada a duração de seu encargo.

Sr. Presidente, o equilibrio, que sustenta a ordem social, depende do conflicto, que existe entre governantes, e governados; e assim como eu não desejo que seja diminuido o poder daquelles, tambem não quero que o direito destes fique postergado.

Mais me confirmam em minha opinião os argumentos, que muitos illustres oradores tem produzido contra, e dos quaes nenhum me convence, nem persuade.

A tres se reduzem em geral estes argumentos: primeiro, os de authoridade de escriptores celebres: segundo, da independencia, que elles affirmam ser impossivel na camara temporaria: terceiro, da impossibilidade de serem gratuitas as suas funcções.

Quanto aos argumentos da authoridade, citou-se aqui já um, que eu creio não ter cabimento algum. Fallo do visconde de Chaleaubriand lembrado por um Sr. Deputado, que muito me lisongea com a sua distincta amisade, e cujos talentos, probidade, erudição, e arte eu muito admiro e invejo; mas, Sr. Presidente, que em materias filosofisicas, metafisicas, ou mesmo ideologicas, se site o auctor do genio do Christianisrno, nisso convenho eu; que em poezia e

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bellas artes haja o testemunho do illustre auctor do poema dos Martyres, nisso tambem convenho. Que em vôos de espirito e pintura do coração humano venha por modelo o auctor de Arala, e René, estou de acordo, mas quando se tucta de governos representativos, da formação do segundo corjo legislativo, a opinião deste cerebre escriptor é nulla, porque elle não é affeiçoado a esta fórma de governo, porque molha sempre os seus pinceis em melancolia, e amargura quando fórma o quadro das instituições liberaes, e porque elle, assim como Buffon, (ainda que differentes em sentimentos religiosos) anhelam por uma monarchia pura; tanto a este, como a outro escriptor notavel por seu liberalismo, e que aqui se apontou homem, eu poderia oppôr o pensar de grandes publicistas, que a par de Fritot se decidiram por uma segunda camara, como eu quero, e cujos nomes fôra longo enumerar.

Impossibilidade de independencia, é o segundo argumento.

Sr. Presidente, além da primeira cansa, nada ha independente. A mesma natureza bruta é sujeita á indagação, e as investigações do homem. E o homem mesmo, esse que remata a grande pyramide da vida, e que na frase de Vyres, porque tem uma mão, e o dom da palavra, governa e dirige o universo, o homem, digo, é a prova desta verdade, dores o accomettem no berço, e dores o acompanham do tumulo. Se pois nada ha independente sobre a terra, como quereria sê-lo a segunda camara? E sendo ella necessariamente dependente, qual será mais util á liberdade, que o seja do poder, que tem em si os elementos necessarios para ir pouco a pouco escravisando os povos, ou destes, que podem negar-lhe o seu suffragio pela aberração de seus deveres? Não será mais proveitoso que a consciencia, esse grito jnterno, que raras vezes illude o homem, quando elle desacatar sua missão, lho diga mortal, detem-te! aliás o teu castigo esta na urna. E que pelo contrario, quando elle for um meloso propagnador dos interesses do seu paiz, quando se mostrar o amigo do bem, da ordem, e da liberdade legal, que esse mesmo brado intimo lhe grite, digno admirador dos Catões, e dos Brutos, ávante! Imitador insigne de Penn, de Francklin, e de O'Connell, avante. Avante, illustres seguidores de Fernandes Thomaz, e Borjes Canteiro, não esmoreçais ao aspecto de mil obstaculos, que entorpecem a vossa, marcha! O vosso premio está alli: vosso nome não sahirá da urna o povo é simples, o povo é pobre, não dá titulos, não dá fitas, craxás, nem ouro; mas seus suffragios abençoarão vossa memoria. Sr. Presidente, sem este estimulo não ha uma representação nacional verdadeira.

Impossibilidade de exercer gratuitamente as suas funcçòes é o terceiro argumento.

Oh lá, Sr. Presidente! Pois já se acabou o civismo entre nós! Já lá vai o patriotismo, esse amor das nossas cousas, de que tanto se ufanavam nossos avós? Por ventura não ha nações, umas poucas de vezes mais populosas que a nossa, onde até nem tem estipendio os Deputados? Desemparam elles as suas cadeiras, ou advogam com menos zelo a causa da liberdade? Por certo que não. E se isto acontece entre aquelles, que representam a maioria das classes pobres, porque não acontecera tambem entre aquelles, que representam a maioria das classes ricas. A alta nobreza, que goza o prestigio, e a opinião dos povos baseada nos relevantes serviços de seus antepassados, por isso que dahi dimanam os seus direitos adquiridos para o futuro, será possivel que se recuse a este sacrificio? Oh, Sr. Presidente, melhor idéa faço eu della. Argumentou-se comparativamente com o estado florescente da França, que tem a segunda camara vitalicia. Pois entre nós tem a hereditaria, que conta a seu favor ainda maior numero de opiniões, succedeu o contrario Lá, diz-se, a receita excede á despeza; e cá a receita está como nós observamos.

Também se quiz que a vida do senador fosse aqui previamente discutida. Oh, Sr. Presidente, discutir aqui a moralidade do cidadão! Sr Presidente, estou cançado, não posso ir mais longe.
Votei por uma segunda camara, porque me persuado que só assim poderia ter o meu paiz um governo representativo e permanente. Voto por ella electiva; porque me persuado que os meus constituintes quererão ver no tribunal senatorio os cidadãos da sua escolha: voto em fim por ella temporaria, porque entendo que esses mesmos constituintes apreciarão o direito de lhes retirarem os seus suffragios, não desempenhando aquelles a dignidade da sua alta missão.

O Sr. Valenttim dos Santos: - A tolerancia, que caracterizaa a sabedoria deste Congresso, a benignidade, com que tão distinctos oradores ouvem os ensaios mal alinhavados dos menos lidos, que tantas vezes tenho experimentado, me animam a emittir as razões, em que fundamento minha opinião ácerca da organisação da segunda Camara serei o mais breve possivel, e evitarei repetir os fortes argumentos, que oradores mais habeis produziram em favor da opinião, que sigo, e que até agora não foram refutados: limitar-me-hei a responder ao que se tem allegado em favor da Camara vitalicia, e da de nomeação regia.

O meu illustre amigo o Sr. Barão da Ribeira de Sabrosa, que tractou esta materia com a força de engenho, de que é dotado, avançou um principio, que a ser verdadeiro não tinha resposta, e eu e todo o Congresso não duvidariamos de ver se o reconhecessemos e é = que a nação quer a segunda Camara vitalicia, e nomeada pelo Rei. = Mas perdoe-me o illustre Barão, se me não conformo, e se acho temeraria a asserção.

A nação está cançada de revoluções, mas os males, que soffre, e que a dilaceram, não lhe consentem quitacão, ella ou ha de morrer, ou sahir do sensivel estado, em que se acha ha muitos annos. Sem justiça, e sem lei, sem segurança, e sem moral. Tem corrido varias fórmas de Governo, e em todas se tem achado mal, a nação quer o seu bem, já desconfia de tudo; porque todos a tem enganado: aborrece ou não gosta de nenhum dos systemas, que a tem regido, porque em nenhum achou vantagens, e ella julga os pelo resultado, e por isso e muito arriscado o dizer-se que quer a Carta. O povo não vê, apalpa, não entende nem lhe importam os meios, julga delles pelo resultado: sendo isto verdade sequer a Carta elle a quer sem razão sufficiente, o que é absurdo, a maior parte da natação não póde ter vontade sobre o que lido entende, e a poluira chegou a poucos, e por consequencia não se póde acreditar a asserção do illustre Deputado. A nação padece, nós somos os medicos, ella quer melhoras, e deixa-nos a escolha do remedio.

Mas a parte pensante da nação e a que o illustre Deputado tinha: eu podia responder, que quem pensa quer o bem, e que a prova, que nesse caso se póde allegar da inclinação da vontade publica, e a demonstração de que esse systema e o mesmo, e isto não julgo eu possivel, nem Sr. Deputado algum tentou ao menos provar.

Mas Srs., aonde esta a revolução de Setembro, que os illustres Deputados tem dito nacional, e que se não póde negar que foi abraçada por todos, e feita pela massa geral do povo de Lisboa?

Qual é a razão por que se abraçou a Constituição de 22 tão differente neste ponto? Alterou ella, destruio o pacto social sem razão sufficiente? Para que abraçaram quem disso se convenceu? Admittiremos uma interpretação mental: seria para destruir o Ministerio que esmagava a nação? Mais nada?

Uma voz: - E verdade.

O Orador. - Bem ainda convenho que uma facção rodeava o Throno, e que á sombra da Carta dilacerava a infeliz nação, convenho que esse Ministerio nunca podia ser destruido, porque as vezes que cahio foi só para apparecer

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mais forte, e para mostrar que era indispensavel que não podiamos sahir de suas mãos sem uma revolução, e que era por isso necessaria.

Uma vez: - E' verdade.

O Orador: - Pois bem; e queremos nós abraçar o mesmo pacto, (porque as outras differenças são accidentaes de data etc.) que nos prendia a uma facção, que a consagrou, que ha de trazer outra vez essa, ou outra, e que não nos poderemos desembaraçar della senão por outra revolução? Imaginem o que se segue, vejam que preparam isso, de que tanto tremem, que tornam necessaria outra revolução mais terrivel.

Não dissemos nós que a ultima tentativa que se fez contra a ordem de cousas estabelecidas, foi combatida pela nação? Que todos os portuguezes lhe resistiram, e fizeram a guerra? Se nós dissemos que a nação lhe resistio (e é verdade) eu não duvido affirmar que a maior parte dos que se empenharam nesta lucta não querem a segunda Camara vitalicia; se esse fosse o desejo, a convenção que em Aljubarrota se offereceu devia ser aceita, porque a mudança havendo secunda. Camara vitalicia, e de nomeação regia é só no nome, e não vale a que se fez, e o sangue, que depois disto se verteu.

Ainda que não houvessem outras razões bastaria esta contradicção manifesta para eu não annuir a tal organisação.

Disse o mesmo Sr. Deputado que as imitações é que tem governado Portugal, e que devemos por imitação ter a segunda Camara á maneira de França, e Inglaterra.

E' verdade que Portugal se tem governado por imitações, e direi a razão; é porque os portuguezes em logar de estudar o seu paiz para o governar bem, (o que requer mais do que ler, o que requer meditação,, e sobre o que pouco ou nada se tem escripto) tem-se contentado com estudar os dos outros, a ler o muito que se tem escripto, e pensado sobre elles, com isto se julgaram habilitados para tudo; em vez de estudar os nossos costumes, as nossas necessidades, as nossas producções, e ver as circumstancias que nos são particulares, estudou-se o modo de subir ao poder antes de saber desempenhar o logar, a que não tinha outro titulo senão ambição, e chegado alli na maior tristeza do mundo mostrou sua capacidade, e o que sabia pôlo em pratica; aqui pega a imitação, que nos trouxe as prefeituras para se orçar um partido, que influisse no povo, que trouxe as contadorias que nos assolaram, que tirou a policia dos magistrados que tinham prestigio e saber, para a dar a quem nem tem respeito, nem intelligencia (na generalidade), que entregou os pobres orfãos á ignorancia dos juizes de paz, que nos perdeu tudo o que tem bafejado. E ainda a imitação é invocada, ainda teremos segunda Camara á moda estrangeira? Mudemos, e vamos certos que para pêor não podemos ir; eu antes quero o despotismo de um, do que o de muitos, o da Carta, ou do tempo da Carta, que era o mesmo que hoje, porque por ora estamos na mesma, e se querem ficar, deixemos nomes, não fallemos em Constituição nova, em uma discussão de mezes para no fim haver quatro mudanças accidentaes; a nação não se revolucionou por homens.

Tem-se dito = os governos, que, não tem a segunda Camara vitalicia, não são duraveis. = Será isto outra cousa mais do que um sofisma, um qui pro quo? Quer-se dar nisto a entender que na sua natureza tem sua destruição pelo (facto de que muitos tem desapparecido? Não sabemos nós a razão, por que a Constituição de 1822 cahio? Porque cahio a da Hespanha? Não foram necessarias cem mil baionetas para as destruir? Não tem sido este o modo porque tem cahido todas? Este argumento, se não fosse trazido pela boa fé, eu o reputaria uma ameaça, e eu responderia que tem mudado muito as circumstancias; que o Congresso de Verona já não existe, e que os gabinetes não tem hoje a força, que tinham, porque nem França, nem Inglaterra podem admittir a policia das baionetas a interferir; este principio destruidor foi banido pela revolução de França, e pela revolução de Inglaterra; o povo não da sangue, e dinheiro para aggredir a liberdade, o throno de França tem interesse neste principio, e os povos deixaram essa estrada com arrependimento, e nojo; e se é necessario lembrar o que se pasmou entre nós, o que se tem dito, e o quanto se tem desapprovado nossa revolução por esses gabinetes, se é certo o que os Srs. Deputados tem aqui dito, elles não tem interferi-lo, porque não podem sem vergonha, e mesmo porque o povo inglez, e o francez estão no nosso campo.

Srs., é necessario não ler a historia com prestigio, ver indo como é, e então acharemos uma lucta, que tem occupado o nosso seculo entre a olygarchia, e o povo; este triunfante no campo, e illudido até pela boa fé de seus representantes.

Os governos liberaes todos tem custado sangue aos povos, e a lucta continua, o socego é uma capitulação, e quem a infringe é sempre o poder. O povo nunca pode evadir o throno, nem invade senão com revolução; o throno pelo contrario retira-se diante do povo, promette em quanto está no campo, e logo que se estabeleça a ordem começa a minar, a illudir, a usurpar, e a corromper. O pacto social não póde ser calculado para revoluções, que é só quando o povo e terrivel, o para taes casos de que servem essas armas, que se querem dar ao throno? Ellas não valem senão no estado de ordem, e tranquillidade, e então é sempre o poder o invasor; logo essas armas não são defensivas, porque não resistem a revoluções; mas são offensivas porque se dão a quem aggride quando ellas tem logar; repito-o mesmo para que me respondam essas armas não servem pira defender o throno quando ha revolução, e são usadas para usurpar, e illudir os direitos do povo, que está na ordem; esta é que é a historia, este é que é o uso, o mais é imaginação. Os argumentos em contrario partem dum principio falso. Suppõe o povo sempre de má fé, e o throno sempre fiel ao pacto; eu vejo o contrario, e appello para a historia.

O Governo é para o povo que tem direito de mudar, cuja vontade é soberana, e cujas necessidades mudam: devemos deixar lhe os movimentos livres, e não recear, por que elle quer sempre a ordem, e o bem. Se o prendemos, originamos a reacção que tanto pertendemos evitar.

Para que admittio o Congresso duas camaras, senão para que a prudencia da segunda temperasse o calor da primeira? Para que a riqueza fosse alli especialmente representada? E não se verifica tudo por eleição popular? Não é a aristocracia do merecimento, da virtude, do talento, e da riqueza que alli sé quer ver? Ha mais certeza na escolha do Rei, do que na do povo? Quem não quer que o povo eleja, quer sujeitar-se ao capricho, que vai cahir no feudalismo mais atroz. Nos argumentos dos adversarios de minha opinião vejo que elles pertendem um supposto falso, e é que a riqueza, não virá á segunda Camara; para isso quero eu cathegoria de propriedade. Suppõe que isto é guerra feita ás summidades, quando tal não ha; o povo ha de lá ir escolher, se achar quem tenha as propriedades, que nós, e elle julgamos necessarias. Eu creio que todos conviriamos em querer o merecimento eleito, mas os Srs. Deputados confiam menos no povo, do que no rei, que não está tanto ao facto de avaluar os homens, que póde regular-se por capricho, por más informações, e até por partido; esta é toda a differença que ha entre nós, é a discordancia dos meios para chegar ao mesmo fim.

Supponhamos porém que a segunda Camara é de nomeação regia que falta para estarmos com os mesmos males, e até com os mesmos homens da Carta? Nada mais do que a vontade do throno, que póde sem questão chamar para o Ministerio a mesma gente, e para a segunda Camara a mesma. Quererá o throno fazer isso? Creio que não; mas eu devo tudo acautelar, porque este pacto é para muitos reis.

Terminarei breve, mas quero antes notar as idéas contra-

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dictorias, em que se tem cabido, sem querer tirar argumentos por não sei mais extenso.

A vontade da nação sufficientemente manifestada é = a lei. = Tem-se dito, e pertendido que a segunda Camara seja nomeada pelo Rei; tem-se concordado que a segunda Camara tem interesses, e por isso vontade differente da primeira, e que ella entra na factura da lei. Não ha duvida; mas como póde então dizer-se que a lei é a vontade da nação, quando uma classe, uma pessoa de differente vontade, e interesses, e que não é procuradora do povo entra com o ultimo contingente para a factura das leis?

A segunda Camara e o juiz, que vem trazer o auxilio ao Rei, e a primeira Camara ao povo, conforme quem tiver razão; o que ha de decidir as duvidas que entre o poder do povo, e o do Rei se suscitarem, como póde esse juiz ser nomeado pelo Rei, a quem elle mesmo ha de julgar?

Crearemos nós uma aristocracia que não temos? Dar-lhe-hemos a fortuna, e dote, que necessita, e depois sugeitar-nos-hemos a ella!

Seria nosso sangue perdido: por este resultado virá o nome da liberdade dar a oligarchia, o que perdeu ha muitos seculos, uma superioridade sobre o Rei, e sobre o povo?

Srs., nossos mares tem a origem nessas summidades, ellas é que tem illudido o throno, ellas é que tem vendido os empregos, ellas é que tem postergado a justiça, ellas é que tem disputado a reforma, e emancipação dos povos; o Governo assim seria feudal; eu não posso votar por tal opinião, sem me destruirem as razões, que levo ponderadas; e é necessario que me respondam com argumentos, e não queiram convencer-me com palavras enigmaticas, com historia cortada á faca. A historia, que eu cito, é a da verdade, os argumentos os da logica, e eu espero que se responda sem ladear, sem sofismar.

O Sr. Ferreira de Castro: - Sr. Presidente, occupa-nos presentemente a questão, de como deve ser organisada a segunda Camara: eu estudei por muito tempo esta questão, e por muito tempo hesitei como é que me havia de dirigir em assumpto de tanta importancia; mas afinal entendi que os principios mais seguros por que me devia guiar, eram aquelles, que tenho no meu mandato, e que tambem tem todos os meus collegas nos seus com mui poucas excepções, e tão poucas que não poderão constituir a opinião nacional; digo isto porque sei que algumas procurações ha, aonde se não consignam os principios, ou a clausula de fazer uma Constituição em harmonia com aquellas das monarchias representativas da Europa. Por estes mesmos principios, Sr. Presidente, eu me guiei na organisação do corpo legislativo, votando por duas Camaras, quando esta materia se tractou na sua generalidade; e dizendo o meu mandato, filho de uma convenção, que a nação reconheceu em Novembro do anno passado, que eu faria uma Constituição das duas de 22 e 26, que assegurasse as prerogativas da Corôa, e estivesse em harmonia com as Constituições das monarchias representativas da Europa, foi o estudo destas Constituições, que me deu os principios para eu organisar assim o corpo legislativo, como a segunda Camara; mas como deverá ser organisada esta? Conforme aos meus principios?

Permitta-me o Congresso que antes de eu me determinar, lance um certo golpe de vista sobre o modo, porque essa segunda Camara tem sido organisada em toda a parte, aonde ha Governo representativo, e ahi acharemos uma lição importante, de que devemos tirar proveito, sem sonharmos em fazer innovações, com que mal póde um paiz, que na civilisação europêa, deve ir atraz, e não adiante, para não correr o risco de perder tudo.

Tres classes de Governos representativos são até hoje conhecidos, assim no novo, como no velho mundo; o primeiro, aquelles, nos quaes, conservada a antiga divisão do povo por ordens, o corpo legislativo, a que se dá o nome = d'Estados = é composto de tres Camaras, como foram as nossas antigas Côrtes, as Côrtes antigas de Hespanha, e, se se quizer, tambem esses detestados estados de D. Miguel; de quatro Camaras, como ainda acontece em um estado bem novo na Europa; é a Suecia. A segunda classe é a daquelles Governos, aonde os antigos = Estados = se refundiram, por assim dizer, em um corpo representativo unico, como aconteceu em Hespanha no tempo das Côrtes de 1812 e 1820; e em Portugal na mesma época. A terceira classe em fim é a daquelles Governos, aonde o corpo representativo se compõem de duas Camaras. Segundo o systema já adoptado para a organisação do nosso corpo representativo, é claro que eu me deverei occupar só destes ultimos, os quaes dividirei, e distinguirei de modo a dar-nos luz, e esclarecimentos sobre a questão. Governos ha desta natureza, aonde a lei politica do estado consagra uma aristocracia, e então o principio predominante é o hereditario; assim acontece em Inglaterra, Hungria, Baviera, Wsertemberg, Bade, Hesse Darmestadt &c. &c. Em os quaes o principio de herança é consagrado em favor dos membros da primeira Camara: disse que era este o principio predominante, por que em alguns desses estados tambem uma porção de seus membros, que já mais excede o terço, é nomeada pelo Rei. Outros ha, em que a lei politica consagra, não uma aristocracia, mas uma nobreza titular, e ahi o principio predominante é o vitalicio, ou temporario. Apenas se encontram duas excepções a esta regra; a França, que apenas tem uma nobreza simplesmente titular, linha pela Carta de 14 uma Camara hereditaria; e no sentido inverso, a Polonia com essa verdadeira aristocracia, os membros do Senado, pela Constituição de 1816, eram vitalicios. A esta segunda classe pertencem a França, a Hollanda, a Belgica, a Suecia, a Hespanha, e o Brazil ainda que no novo mundo. Ha uma terceira classe, que é a dos Governos democraticos moderados, como os d'America do Norte, das Provincias do Sul da Prata, a Colombia, o Chili &c. &c., aonde o principio predominante é o temporario; ahi não há nem aristocracia, nem
mesmo nobreza titular; a escolha é popular, pura em alguns delles, e em outros mixta com intervenção do Presidente ou Director. Mas não é ahi aonde eu irei modelar essa segunda Camara, porque nós temos uma monarchia representativa; nem tão pouco a irei procurar á primeira classe, porque nós não temos uma aristocracia. Em Inglaterra, e nos mais estados, que já enumerei na primeira classe, um Lord, um Notavel, um Palaterio, é um verdadeiro aristocrata; ahi elle possue grossas riquezas, grandes prerogativas, e privilégios, direitos feudaes, e tal ha, aonde os nobres são isentos ainda hoje d'impostos, e exercem jurisdicção senhorial, em primeira instancia, sobre seus vassallos; tal é a Hungria. Sem riquezas, e recordações historicas não ha aristocracia. E poderemos nós tê-la em Portugal? Alguns Srs. Deputados tem faltado d'aristocracia neste paiz; mas aonde está ella? A nossa nobreza actual não é rica, não tem prerogativas, nem privilegios alguns, e menos feudos; tambem, sem offender os nossos nobres, não apresenta esta classe essas recordações historicas, que com menos razão Napoleão negava á França. Este General, opposto ao pariato
hereditario, dizia (ainda que sem o sentimento da liberdade.) " Aonde quereis vós que eu encontre os elementos d'aristocracia, que exige o pariato? As antigas fortunas são inimigas; muitas das novas são vergonhosas. (Outro tanto poderiamos nós dizer das nossas........) Sem tradições, sem feitos historicos, e grandes fortunas, sobre que poderia ser fundado o meu pariato? O pariato inglez é uma outra cousa. Elle é superior ao povo, mas elle não é contra o povo: foram os nobres inglezes, que deram a liberdade á Inglaterra; a magna Carta vem delles. Elles tem engradecido com a Constituição, e estão identificados com ella. Assim dizia Buonaparte a respeito da França; e com quanta mais razão o não direi eu de Portugal? Por consequencia, Sr.. Presidente, não é a esses paizes, que eu irei to-

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mar o modelo da nossa Camara, mas sim aquelles da segunda classe; á França, á Hollanda, á Hespanha, ao Brasil, e tambem tomarei alguns principios nessa theocratica Constituição Belga.

Mas que vejo eu ahi? Nas constituições da França e Hollanda vejo o principio vitalicio, o Par ou Senador nomeado pelo Rei, dentre certas condições de cathegoria; vejo na Bélgica o principio temporario, sem outra condição que não seja a da idade, e censo; em Hespanha vejo o principio mixto, assim como o vejo no Brasil, com uma duração vitalicia. E' pois de todos estes elementos, que eu quizera que fosse formada a segunda camara, sendo minha opinião (talvez unica neste Congresso) que esta camara fosse vitalicia, de escolha do Rei sobre listas triplices formadas nos collegios eleitoraes, d'um numero limitado em relação ao da primeira camara, mas de modo que já mais exceda ametade destes, e segundo certas condições de censo, e alta illustração. Uma camara composta destes elementos seria nacional, e ao mesmo tempo independente, e forte; teria uma camara, que satisfizesse todas as condições desejaveis, e que no nosso estado poderia satisfazer aos importantes interesses, que é chamada a representar. Esta camara, disse eu, que seria nacional, porque ia buscar a sua origem aos collegios eleitoraes, porque sendo essa camara um braço do corpo legislativo, que é uma delegação do povo, por este deve ella ser escolhida. Disse que seria forte e independente, por isso que era vitalicia, pois que a incerteza e a instabilidade tiram a força, não só a corpos de semelhante natureza, mas até ao ultimo empregado, que, mal seguro da conservação do seu emprego, o serve como de emprestimo. Ella seria forte e independente, porque sendo composta das primeiras summidades do paiz, do alto proprietario, do alto commerciante, do alto artista, do alto magistrado, que tem tudo a conservar, e pouco ou nada a ambicionar, não olhariam para o Throno como a fonte das graças. Uma camara assim formada teria força bastante para se oppôr ás exorbitações da Corôa, e á torrente popular, da qual nada tinha a ganhar, sem com tudo ser menoscabada a dignidade da Corôa, que lá fica com o direito de escolha sobre os propostos pelo povo. Pelo contrario uma camara temporaria não offerece essas vantagens; dependente do povo para a sua eleição, dependente da Corôa para a sua escolha, seus membros dominados pelo constante sentimento da sua reeleição não desempenhariam seus rigorosos deveres, nem para com a Corôa, nem para com o povo: esta é a marcha do coração humano. Sendo temporaria, ou o Rei tinha direito para a dissolver, como a primeira, (suppondo que se não denegará á Corôa esse direito) ou não tinha; na primeira hypothesa redobram os máus effeitos da instabilidade; a segunda importa uma anomalia constitucional, que não póde senão tirar muita força a essa constituição, porque não vejo nessa camara differente natureza da primeira, para não ser dissolvida; não vejo n'ella interesses diversos, que tenha a representar; entendo que são duas camaras com a mesma natureza e origem, servindo uma como de secção á outra, só com a differença de alguma cathegoria.

Fez-se uma reflexão, Sr. Presidente, que tem muita applicação para reforçar os differentes argumentos contra uma camara temporaria: fallo da multiplicidade de eleições. Este povo tem mostrado a maior repugnancia em concorrer a toda a casta de eleições; elle despreza a escolha das primeiras authoridades do seu municipio, daquellas com as quaes estão em mais contacto e dependencia. Como é que se fazem as camaras municipaes, os administradores de concelho, os juizes de paz? Os factos fallam, são duas duzias de homens do dia. Os Srs. Deputados poderão dizer outro tanto, porque o devem ter presenciado assim como eu. Em Dezembro passado o estado maior da guarda nacional de uma terra notavel foi feito por vinte e tantos homens; não foi n'uma nldeia, ou em algum pequeno concelho, foi na villa de Guimarães. Desprezada assim a uma eleitoral, não devemos nós tirar lição para não exarcerbarmos as antipathias do povo, e não fazer cahir em odio principio tão respeitavel? Não devemos nós em logar de ampliar antes restringir o systema de eleições; e, seja-me permittido dize-lo, retrogradar nesta parte? Não nos envergonhemos disso. O Brasil, que não póde ser suspeito, que vai no caminho do progresso, acaba de reformar a sua lei do eleições para os juizes ordinarios; hoje são juizes de eleição da corôa. Pois então, Sr. Presidente, tiremos proveito da experiencia que os outros paizes tem feito. Mas de que qualidade não é uma eleição de uma camara? Já sabemos por experiencia o que é a de uma primeira camara, porém a da camara dos Senadores será muito differente, é um campo onde se combaterão todas as pertenções, todas as ambições, todas as affeições, e todos os odios; eu considero a operação desta eleição como uma verdadeira revolução no paiz, que deve deixar tantos estragos como uma guerra civil, (Apoiado.) E então deve ella ser renovada periodicamente? Mais uma razão de desconveniencia contra a camara temporaria. - Outra razão, aliás attendivel, tem sido tocada por alguns Srs. Deputados, é a indemnidade. Esta camara, assim constituida, como querem alguns Srs. Deputados, apezar de se exigir um censo, deverá ser paga, porque paga o é tambem em paizes mais ricos que o nosso, e onde militam esses principios adoptados pelos mesmos Srs. Deputados: assim acontece nos Estados-Unidos, no Hayti, na Suecia, na Hollanda, e no Brasil; e esta camara não offerece ella tanto apanagio, tantos encantos, nem prerogativas, para que qualquer Senador queira fazer de seu bolço a despeza de tanta honra. E estará, o nosso thesouro nas circumstancias de fazer essa despeza da mais de 100 ou 150 contos?

Mas, Sr. Presidente, dizem os meus adversarios: e a Belgica, e a Hespanha? Sim, ambos esses paizes tem uma camara temporaria; mas quanto á primeira é necessario conhecer bem a natureza da revolução, que teve logar nesse paiz em 1830, para conhecer a natureza da Constituição, filha dessa revolução, e qual poderá ser a sua duração. O nobre Deputado, o Sr. Barão da Ribeira de Sabrosa, tocou hontem esta materia, mas talvez elle não esteja em posição para conhecer o fundo até que ponto é exacto o que avançou. Eu achava-me em Bruxellas, quando ahi rebentou,, a revolução de 25 d'Agosto, e já ahi estava desde os fins do anno de 29, vi como essa revolução foi principiada, e dirigida, e posso avançar que foi o clero catholico daquelle paiz quem a preparou no coração do povo, e concluio sobre os baluartes daquella linda cidade. (Vozes: E' verdade, é verdade). Havia naquelle paiz um homem, Mr. De Poter, cidadão illustrado, e patriota, que era olhado o pai do povo, nenhum bourgeots deixava de ter o seu retrato; era qual outro Lafayette em França. Este homem pelos seus escriptos contra a Casa d'Orange, e separação da Bélgica da Hollanda, no que ía d'acordo com as vistas daquelle clero, foi preso, creio que pelos principios do anno 30, ou, fins de 29, e sendo conduzido ao Palais de Justice para rectificação de pronuncia, foi levado em triumfo pelo povo, o qual lhe tirou os cavallos da sege, mal que sahiu as portas da prisão du Petit Carme; a pronuncia foi rectificada, e o illustre preso conduzido á dita prisão com o mesmo apparato, e os mesmos respeitos do povo. De Pater continuou a escrever, já de mãos dadas com o clero; e sendo por isso accusado por seus amigos politicos, que não viam (nem podiam ver) principios sinceros de liberdade em semelhante classe, respondeu que tiraria della o proveito possivel, vista a sua grande influencia sobre o paiz, e que a final os apartaria, quando a revolução estivesse formada. Esta correspondencia é apanhada pelo governo; e conhecendo este, quanto o clero era influente, (porque, em verdade, é esse o clero mais instruido, mais decente, e mais rico, que se conhece) fez imprimir essa

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correspondencia, e a fez espalhar por milhares d'exemplares. A impressão desta obra correspondeu aos desejos do governo. De Poter, o idolo do povo Belga, porque havia trahido os poderes daquelle paiz, principia a ser odiado, sua situação é olhada com indifferença; e sendo mais tarde, e pouco antes da revolução d'Agosto, levado ao Tribunal para ser julgado, ahi appareceu como qualquer outro preso; ninguem o acompanhou, a audiencia estava deserta; alli me achei eu bem á vontade, quando da outra vez nem na praça se podia estar; é condemnado a exterminio para fóra das fronteiras, foi cumprir sua sentença, e o povo olhou tudo isto com indifferença. Eis aqui uma historia suscinta da revolução daquelle paiz, e da qual se póde muito bem conhecer qual é a influencia do clero sobra elle. A questão foi toda religião, porque o Rei Guilherme 1.° era protestante; o clero venceu, e asna grande influencia, que chega até ás ante-camaras do Rei actual, dirigiu a obra da Constituição, porque os legisladores constituintes foram obra sua.

Ora, Sr, Presidente, um paiz, aonde o clero catholico manda tudo, aonde a Constituição do Estado é obra sua, poderá ter liberdade, poderá elle conservar essa Constituição excessivamente liberal? Será ella obra de convicção, ou de manejo politico para outros fins? Eu entendo que aquella Constituição Belga não é fim, porém meio de revolução; (apoiado) e que aquelle paiz tem ainda de passar por cima della para outra fórma de governo mais conforme com os principios theocraticos, e para esse fim nada mais proprio que uma Constituição democratica daquella natureza.

A Hespanha.... A Hespanha, Sr. Presidente, estou intimamente convencido que a sua constituição não póde prender, nem germinar naquelle paiz; ella está em desharmonia com os seus costumes, com os seus habitos, com os prejuizos da alta nobreza, e muito além de sua civilisação; e quando a um povo se quer dar mais que suas luzes podem comportar, o resultado é perder tudo, e retrogradar; em politica os grandes passos, os saltos arriscam o corpo social. Naquelle paiz não ha uma aristocracia propriamente dita, mas ha uma nobreza muito superior áquella de França, e doutros paizes da Europa, não aristocratas; alli ha certas considerações, e certos nomes, que muito influem na politica. Muitos destes homens, aos quaes me quero referir, antes que apparecesse esta constituição, eram avessos ao estatuto, e hoje são seus seguidores; e desgraçadamente talvez nas mãos d'alguns esteja o destino daquella nação.

Depois da tomada d'Hernani, e Irum, e subsequentes feitos militares em favor das armas da Rainha Christina, entendeu-se que D. Carlos não poderia resistir por mais de tres, ou quatro mezes; assim o pensou muita gente, mas D. Carlos renasceu, D. Carlos appareceu em mais força; e um exercito de vinte batalhões christinos não appareceu senão muito tarde sobre os muros de Huesca. Não ha muitos dias que uma forte divisão carlista estava ás portas de Madrid; outra christina comwandada por um illustre general se aproximou daquella capital, e se não fôra a imponente resistencia, que apresentou Madrid.... Em fim, este negocio está tão ligado com a nossa politica, Sr. Presidente, que não podemos exprimir convenientemente todo o nosso pensamento; o Congresso poderá apreciar toda a sua força. Mas bem se póde comprehender que áquella constituição acha grande resistencia no paiz, ella não satisfaz todas as condições sociaes, e as forças, que hoje combatem o inimigo commum de todas as idéas liberaes, que dividem aquelle paiz, não estão d'acordo em principios; eu receio muito pela sorte da constituição d'Hespanha, para ahi ir procurar um modelo.

Muitos tem sido os argumentos, que se tem produzido em favor d'uma camara temporaria, e de eleição pura do povo, e muitos são os que se tem offerecido para os combater; eu já tenho sido longo, uns tem sido victoriosamente combatidos, outros tem sido tão bem produzidos, que eu só roubaria tempo ao Congresso se quizesse repeti-los. A materia está, no meu entender, sufficientemente esclarecida, eu tenho motivado o meu voto em materia de tanta importancia, e então terminarei com mandar para a mesa uma substituição, ou emenda ao parecer da Commissão, em conformidade dos principios, que já emitti sobre a organisação da segunda camara.

Leu então a seguinte

SUBSTITUIÇÃO.

Que a segunda camara seja vitalicia, d'escolha do rei, sobre listas triplices formadas nos collegios eleitoraes, em numero proporcionado aquelle da primeira camara (mas sempre de modo que não exceda a sua metade), segundo certas condições de censo, e alta illustração.

O Sr. L. J. Moniz: - Não foi a esperança de convencer, pela força de meus argumentos os que seguem uma opinião differente, mas o desejo de dar conta da minha em uma questão de tão alta importancia, e ao mesmo tempo tão espinhosa, que me induziu a pedir a palavra. Nestas materias, Sr. Presidente, depois de longos debates, a maior parte das vezes cada um fica no fim como estava no principio: nem isto é para admirar, porque nellas os elementos, que entram em nossas opiniões são tantos, tão variaveis, e tão fugitivos aos outros; e alguns, e por ventura os que mais poder tem em nossas determinações, tão incapazes de serem reduzidos ao rigor das fórmas logicas, e transmittidos com exactidão pela linguagem, que nunca podem chegar aos que differem de nós na mesma força, que tem para comnosco.

Vozes: - E' verdade, é verdade.

O Orador: - Por mais que se diga, não é só a razão, que entra na politica - entra o coração tambem, e ale a imaginação. Que legislador poderá considerar um povo abstrahindo de suas affeições, de seus usos, costumes, de suas tradições, e até dos innumeraveis prestigios, que os acompanham? Um povo do entendimento somente, seria um povo de uma só faculdade, uma chimera, um sonho. E como ha de da sua parte aquelle, que passou longos annos debaixo da influencia de todas essas cousas. quando chamado a legislar, subtrair suas opiniões inteiramente ao dominio dellas? Já eu em outra occasião declarei neste Congresso, que tendo de ha muito fixado minhas idéas a respeito da nossa organisação politica, havia um ponto a respeito dos modos, do qual ainda me não tinha podido decidir: este ponto é o de que actualmente tractamos. Tenho-o considerado por todas as suas faces, tenho pesado com a maior attenção todas as circumstancias, que o revestem, e confesso que ainda não tenho podido soltar-me de todas as difficuldades. Estas não vem da theoria: não ha cousa mais facil do que tomar alguns principios, que se tem por incontroversos, segui-los em todas as suas consequencias, e formar systemas de governo sobre um pedaço de papel: assim tudo corre que é um gosto, como a agua por um plano suavemente inclinado. Eu invejo a sorte daquelles Srs., que fortes com o fulcro de um principio, que tomam por inabalavel, collocam a sua alavanca, e mais felizes do que Archimedes movem o mundo! Eu tambem não desconheço o grande principio da soberania nacional; isto é, da vontade da maioria de uma nação, como eu já disse na discussão geral do projecto que a entendia: mas esta soberania tão facil de conceber em nossos gabinetes, tão fertil ahi em resultados, que nada custam, quão differente se mostra lá pelos nossos campos, e pelas nossas aldeias! Que embaraços não encontramos no seu exercicio, desde a eleição de uma junta de parochia até á dos representantes do corpo legislativo? Eu reconheci esse dogma, porque elle não repugna á minha razão, e porque o acho consagrado em o nosso direito publico, desde as Côrtes de

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Lamego até ás da Carta, e ás da Constituição, que actualmente nos rege. Mas o que nunca pude reconhecer, o que nunca vi reconhecido nesse nosso direito publico, quer na theoria, quer na pratica, foi que nada houvesse de legitimo, ou de razoavel senão o que se derivasse do mesmo dogma, como uma emanação directa, e immediata. Sempre me pareceu que a nação tinha direito a manifestar a sua vontade por qualquer modo, que entendesse, e que tão soberana era aquella, que adoptava uma organisação em parte directa, e immediatamente formada, em parte não; como a que preferisse, se tanto lhe fosse possivel, uma, cujas partes fossem outros Mulos corolarios, para assim dizer, que directamente procedessem do principio fundamental do mandato: e bem fóra de toda a duvida ficava este meu pensar a respeito de qualquer nação, que tivesse defendido com constancia por seculos, e até muitas vezes com as armas na mão essa representação mais, ou menos directa: ora sendo isto incontestavel, como então hão de merecer o anathema de herejes da communhão liberal, os que no seu modo de vêr seguem estes principios, porque elles estão ligados a exemplos de grande felicidade, e porque entendem que por elles se póde ir com mais segurança em o nosso caso ao fim da felicidade do maior numero, que deve ser o alvo de todo o governo? Eu ainda vou mais longe, e atrevo-me a provar, se se quizer, que até hoje ainda não existe um só governo, que em toda a sua organisação seja uma applicação directa, e immediata dos principios da soberania nacional, e sua delegação. O que para mim não padece duvida, nem para com pessoa alguma, é que o melhor governo seja aquelle, que fizer a maior felicidade do maior numero de uma nação; e que o segredo de conservar os governos consiste em fazer que o maior numero possivel, tenha um forte, e duravel interesse em o sustentar: mas este interesse nem sempre anda d'acordo com as fórmas concebidas segundo todo o rigor da doutrina do mandato, como bem o provam os mesmos governos mais liberaes como o de Inglaterra, e França, e até os da Suissa, e da America do Norte. Já em outra occasião eu disse que o mesmo throno em sua prerogativa de hereditario constituia uma grande excepção. Isto posto já os meus adversarios não poderão esperar de mim, que eu colloque minhas forças para o combate parallelas ás suas: isto é, que eu em tudo siga a mesma theoria, que elles seguem: com estas reflexões preliminares, que julguei indispensaveis para poder ser entendido, e para alcançar justiça ás minhas opiniões, passo a entrar na questão, a expor até onde minha opinião está formada, e que obstaculos encontra a minha decisão a respeito da outra parte della, com o fim de excitar esclarecimentos por meio da discussão, que me possam decidir. Qual deverá ser a duração da segunda Camara? Será hereditaria? Será vitalicia? Será temporaria? Será de nomeação regia somente, ou de nomeação popular, ou de uma modificada pela outra? Se nós tivessemos entre nós os mesmos dados em riquezas, instrucção, influencia propria, e tradicional, que tem a nobreza britannica; se o principio hereditario estivesse cá, como lá, ligado com todas as instituições do paiz, com todas as suas fortunas, e com toda a sua prosperidade, eu não votaria pela sua abolição, porque essa, no meu entender, traria comsigo a subversão geral de todas as instituições daquelle paiz. (Apoiado, apoiado.) Uma cousa é o principio hereditario introduzido de novo aonde elle não tem raizes profundas, e multiplicadas nas instituições, e tradições immemoriaes do paiz, ou restaurado depois de destruido por uma revolução com tantas outras cousas, com que estava combinado, e outra cousa é pertender anniquila-lo, aonde elle se acha identificado por seculos com todas as fortunas, com todas as instituições, em uma palavra, com tudo quanto ha de util, de respeitavel, e de santo em um paiz; e onde até, como por milagre, tem perdido muitos dos máos effeitos, que á primeira vista se deviam esperar de sua natureza, e pela influencia talvez do intimo sentimento da honra, do brio, e da emulação, com o andar do tempo se tem conseguido o que a natureza parecia negar; isto é, que grandes virtudes, e grandes talentos como que se perpetuam de gerações em gerações. Mas teremos nós os mesmos dados era Portugal? Nomes historicos certamente não nos faltam, e taes que nos não fazem inveja os de nação alguma: mas poderemos nós viver sómente da historia? Somente do passado? Parece-me que não. Vejamos. O Sr. D. Pedro, querendo talvez transigir com a Europa, e com a alta nobreza, e evitar grandes resistencias, creou uma camara de pares exclusivamente dessa nobreza, dos arcebispos, e bispos, e revestiu-a de tudo o que podia tirar a fidalguia portugueza do estado de abatimento, e desvio da administração dos negocios publicos, em que ella havia tanto tempo jazia; dedicada quasi toda ás funcções da côrte, ou ao serviço das armas, ou entregue ao gozo das suas rendas, e dos prazeres, que dellas lhe vinham, elevou-a não só ao summo privilegio de direito perpetuo ao poder legislativa, mas ao de julgar os grandes funccionarios publicos, e até os membros da real familia. Exclusão funesta! Erro fatal, que foi talvez a causa de todas as nossas desgraças! (Apoiado, apoiado.) E sem o qual póde ser que até D. Miguel nunca tivesse vindo a Portugal. A alta nobreza, com algumas, e muito honrosas excepções, ingrata á generosidade, com que o Sr. D. Pedro lhe havia restaurado, e até realçado seus fóros; ingrata tambem á generosidade, com que a nação havia consentido em partilha tão desigual para ella (apoiado, apoiado); em paga de tanta generosidade não correspondeu á sua alta missão, a de fazer a felicidade do throno, e da nação com a sua propria. Soffreu de muito máo grado que a nação participasse do direito incontestavel, que lhe pertencia de fazer as leis, que a todos haviam de governar. Oppoz-se a tudo obstinada, e acintosamente; preparou por isto em grande parte a usurpação, e a final bandeou-se com o usurpador. (Apoiado, apoiado.) São verdades de tristissima recordação estas, que com muita magoa repito, sem querer offender a ninguem, mas só porque me são necessarias para fundamentar a minha opinião.

Continuo. - Quiz-se applicar o remedio a tão grande calamidade, mandou-se ao Rio de Janeiro propôr o expediente de unir com a alta nobreza a nobreza de Provincia, então talvez até mais independente, mais instruida, e mais unida com os povos, e uma parte das pessoas geralmente respeitadas por seus talentos, virtudes, e serviços; não sei porque fatalidade esta proporá encontrou demoras; e quando, se quiz applicar o remedio já era tarde, e consummou-se a obra nefanda da usurpação, e das calamidades, que ella arrastou a todo o reino. ( Apoiado, apoiado.) Depois da restauração o Senhor D. Pedro instruido pela experiencia poz em pratica o mesmo remedio unindo aos antigos Pares fieis, e que tinham gloriosamente combatido pela liberdade e pelo Throno da Rainha, outros novos tirados das pessoas mais notaveis do paiz: a escolha então ainda foi feita com bastante attenção ás condições mais indispensaveis para os membros de uma segunda Camara; e esta aristocracia do merecimento pessoal, posta a par da antiga aristocracia, podia pouco a pouco ir refundindo os idéas e sentimentos das differentes classes da nação umas nas outras, e produzir mui felizes resultados, se todos se dedicassem ao bem do seu paiz, e o frenesi dos partidos, e dos interesses proprios se não apoderasse de tanta gente dentro e fóra das Camaras - (Apoiado, apoiado.) - Falecido o Senhor D. Pedro, as novas nomeações muito se apartaram dos sãos principios; e se algumas recahíram em pessoas muito dignas, outras foram feitos em um espirito todo contrario ao que pedia a natureza daquella instituição, e eu posso como testemunha presencial affirmar que poucas cousas excitaram maior desapprovação. - O Corpo da alta nobreza ainda pela maior parte se conserva dissidente a respeito

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de instituições liberaes; e a recente guerra civil, com mágoa, sim Sr. Presidente, com profunda mágoa o digo, não veio augmentar as nossas felicidades a respeito da outra parte da nobreza; a porção della, que resta é mui limitada em numero, se bem que mui distincta em qualidades.

Que se ha de pois fazer? Crear um novo corpo de nobreza hereditaria? Isso é impossivel onde estão as fortunas? Onde os nomes historicos? Onde as mais qualidades indispensaveis para esse numeroio pariato hereditario de nova fabrica? Que pezo não seria uma nobreza tal a par da antiga para este pequeno reino? "Tanta grandeza não cabe em o nossa pequenhez!" Que rivalidades! Que discordias! Que mil outros inconvenientes não viriam de semelhante creação! No exemplo do Brasil, todos tem diante dos olhos os effeios bem recentes d'um corpo de nobreza creado á pressa, e tambem no de França no tempo de Napoleão: - alguns nobres creados de tempo em tempo ainda o podem ser sem maior inconveniente; mas um corpo de nobreza inteiro é cousa impossivel para nós. - Estamos pois em nossas actuaes circumstancias na impossibilidade de crear uma Camara de Pares, ou Senadores hereditarios, ainda quando o quizessemos fazer. - Seria desnecessario certamente para nós o ter provado esta impossibilidade, que a todos é patente, não o sendo igualmente para a Europa. - Pareceu-me pois que convinha, que deste recinto sahisse a demonstração da falsidade, com que nos accusam de que nós não queremos uma Camara de Pares, por odio gratuito á nobreza. - Bastava que a Nação assentasse que lhe não convinha para ter todo o direito de não crear essa instituição, e não estar obrigada a dar satisfações a ninguem. - com que injustiça não é accusada a sua moderação, quando ella prova que lhe é impossivel, e ao mesmo tempo respeita essa instituição, onde ella existe? (Apoiado, apoiado.) Resta-nos todavia uma parte da nobreza com o direito hereditario em seus bens, honras, e titulos, e que por seus eminentes serviços e fidelidade merece á Nação, e ao Throno não ser desattendida, e ainda que não esteja em moda nem se quer por motivos de conciliação nacional fallar em nobres por mais benemeritos que sejam, (a mim que tão poucas relações tenho com nobres, e que graças a Deos de nenhum dependo!) sempre me parece que fortuna será, que possamos sem sacrificios dos direitos de outros, e quanto possivel seja, em conformidade com os sentimentos desta nobreza, poder colloca-los convenientemente no quadro de nossas instituições. - Porque, Sr. Presidente, perder tanto do que se possuia, ainda que não fosse pelos melhores titulos, mas certamente por aquelles, que até então erão considerados legitimos, sem receber reparação alguma, é cousa, que muito custa á natureza humana, e que não faz amigos dos lesados; commutar porém o perdido em vantagens em que os outros nada, ou muito pouco sacrifiquem, é pelo menos de boa politica.

Como pois em tal situação havemos de constituir a segunda Camara já votada em a nossa antiga Monarchia hereditaria? Para responder a esta questão é necessario trazer á lembrança a necessidade do caracter de estabilidade, conservação, e independencia, que no meu entender já estabeleci quando fallei sobre a segunda Camara em geral, em uma Monarchia hereditaria. - Seja-me licito tambem tocar em outras circumstancias, as quaes, ainda que pertençam a outras partes do projecto, julgo connexas com a questão, de que tracto. - Para que a segunda Camara corresponda a este caracter, é indispensavel que seja tirada das pessoas mais notaveis da sociedade, e para que a escolha não falhe, convém que as qualidades sejam marcadas por lei. - Importa muito que a idade seja mais avançada, para se poder ter adquirido a necessaria madureza, e experiencia, a natureza da talentos, mas o estudo, a observação, e a expenencia só o tempo os dá; e a grande porção dessas que se quer para uma segunda Camara, não se adquire em poucos annos.- A propriedade, e com preferencia a territorial, entendo ser indispensavel em um grande numero dos Senadores, pelo menos, porque de todas as especies de bens, nenhuns concorrem mais para a estabilidade, e conservação do que os que tem raizes na terra. - E como no meu entender as funcções dos Senadores devem ser gratuitas, vem esta condição a ser indispensavel para a sua independencia. - E' para que o Senado mantenha este mesmo caracter, e sobre tudo o elemento da independencia, que eu desejo que elle seja vitalicio parece-me que esta transição é mais gradual, e mais propria para contentar uma parte da Nação, sem prejudicar a outra. Um Senador eleito a certos periodos pelo Rei, ou pelo Povo, ou por ambos, não está em regra geral nas disposições da natureza humana, que tenha a mesma independencia de opinião que aquelle que uma vez eleito não depende mais de quem o elegeu para a conservação do seu cargo, é muito pouco segundo as qualidades que deve ter para outras cousas. O Senador dependente da uma popular está muito mais exposto a contemplar com as exigencias de quem o elege, e a ser influido pelo desejo de agradar a uma multidão muitas vezes apaixonada, e a ser arrastado pela força e fluctuação de seus caprichos, que nem sempre tem por fundamento a justiça. - E se é eleito pela vontade real, esta tem tanto mais occasiões de tentar sua probidade, e sua constancia, quanto mais vezes fôr eleito. - Dir-se-me-ha que estes inconvenientes são communs ás eleições de origem popular da primeira Camara: - Convenho, e é por isso que eu procuro um correctivo na segunda. - A renovação tem suas vantagens para aquietar os ciumes naturaes da liberdade, mas ella tambem tem seus inconvenientes. - Um corpo frequentemente renovado, e em um paiz pouco abundante em homens versados nos negocios do Estado, perde muito do conhecimento e experiencia necessaria para a madureza e acerto nas deliberações; e daquella unidade de plano, que tanto concorre para a estabilidade. - Tambem a continuada mudança de figuras, onde os da primeira ordem em merecimento não abundam demasiado, não contribue muito para a confiança e respeito. - Eu não conheço até hoje uma só segunda Camara, recommendada pela sua duração. Senado, Camara de Pares, ou o quer que se chame, que não seja revestida de algumas funcções de uma ordem mais elevada, e nova razão para a sua maior independencia. - Tem-se já faltado contra a porção de Poder Judicial, que se da a segunda Camara, ou ao Senado, e creio que o fundamento dos Srs., que a impugnam, vem da theoria da divisão dos Poderes do Estado, theoria que eu como todos os mais não levo além da utilidade reconhecida pela experiencia, e a experiencia neste caso me parece ensinar-nos que nenhum Tribunal tem administrado justiça com mais rectidão e imparcialidade, do que a Camara dos Pares em Inglaterra, e contra o Senado da Federação Americana, e os Senados dos Estados, que gosam de taes prerogativas, nada me consta sem pois desde já decidir esta questão, entendo que, resolvendo-se dar ao Senado Poder Judicial, será mais uma razão, e muito poderosa para a sua independencia, bem como o e para todos os Juizes de ordem superior; e esta lhe ha de vir mais, como naquelles, de seu caracter vitalicio, do que do temporario, e, nas nossas circumstancias, de origem popular. - A segunda Camara tem tambem de considerar em grande, não só os grande interesses territonaes, os grandes interesses do commercio. e da industria, das sciencias e das artes, e mais que tudo os das relações entre-nacionaes; para isto será mais proprio um corpo premanente, escolhido por quem esteja mais no caso de conhecer das qualidades dos homens mais aptos para estas funcções, do que o é a massa dos Povos em geral, e principalmente lá pelos campos e aldeias.

Eu já disse que a tendencia das Assembléas de origem, paramente popular é para enfraquecer o Poder Executivo,

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e despojado até da mesma força, que lhe foi dada para sua defeza, e bem de todos; tendencia esta, que exercem muitas vezes em reacção contra a outra tendencia a accumular mais força; mas tambem muitas vezes porque as massas menos instruidas não entendem as relações dos differentes poderes a muitos respeitos complicados, e difficeis de comprehender até a intelligencias mais cultivada e experimentada: isto não é um sonho, é uma verdade reconhecida até nas democracias; e por tanto não é contra a razão que o corpo, que não tiver a mesma origem, e que além disso tiver mais independencia, esteja mais no caso de cohibir os abusos daquella tendencia; e tambem não é contrario ao bom senso que aquelle corpo, que estiver no caso de menos depender dos favores reaes, e for dotado ao mesmo tempo das outras qualidades, será o mais proprio para obstar com suas opiniões ao exercicio, quando demasiado forte, do Poder Executivo; e parece-me que os proprietarios possuidores d'uma fortuna independente, que no meti entender devem constituir a maioria da segunda Camara, não porém sem as outras qualidades, estão mais neste caso, do que os que o não forem. - Tem-se achado grande força na objecção, de que o Senador vitalicio terá a ambição de fazer nomear Senador a seu filho, e que isto envenenará seu comportamento; mas esse filho não poderá ser eleito senão com os requesitos da lei, que não hão de ser poucos, nem pequenos, e isto já diminuirá muito a razão tirada desta circumstancia; além de que o mesmo acontecerá com o Juiz, cujo filho quizer o pai adiantar na sua carreira, etc. Tambem os Eleitores temporarios podem depender do Senador para muita cousa, para o seu proprio adiantamento, e para o dos seus, e o Senador do voto dos Eleitores; eis aqui um fluxo, e refluxo de ambições, uma origem fecunda de cabalas e de intrigas, e uma fonte parenne de corrupção para as aguas, que mais puras se deveriam conservar; isto é, as eleições populares; e já que nos é impossivel evita-las na eleição da primeira Camara, não será prudente diminui-las, ou contrabança-las na segunda?

Quanto a leis preventivas para este fim, eu tenho a desgraça de ter um scepticismo quasi invencivel a este respeito, scepticismo filho da experiencia, que me leva a não crer na efficacia de taes leis; e parece-me que nem o artigo 99.° da Constituição de 22 me curará da minha incredulidade. Quanto á segunda parte; nas circumstancias actuaes do nosso paiz, ha uma razão, que me parece de muita força, a favor da nomeação real, e é que a eleição popular pode pôr em scena um partido inimigo das instituições liberaes, ainda poderoso em numero em toda a parte, e em riquezas e influencia nos povos em muitas partes do reino; se este partido ora dormente, mas não morto, se levantar póde achar caminho para ambas as Camaras pela urna eleitoral, mas pela nomeação real não, porque nenhum interesse tem a Corôa em elevar o seu mais implacavel inimigo, ainda quando nós não estivessemos bem certos, de que o bem sómente dos portuguezes é motivo bastante para o não fazer. Nem se illudam os Srs. Deputados com o lethargo apparente desse partido; em elle se persuadindo que morreram todas as esperanças de mais a seu mudo triumphar, elle mudará de tactica, e virá a campo com differentes armas. O pudor em um ou em poucos individuos tem, principalmente quando não instigados pelo interesse, mais influencia do que em uma multidão; por isto me parece que o chefe do poder executivo, ou os ministros hão de ter mais vergonha de nomear individuos deste partido, do que as massas populares onde elles são influentes, e onde tanta sente delles muito depende em todos os negocios da vida. Tem-se feito uma objecção tirada da theoria do mandato, que condiste em dizer-se que o Rei mesmo é um delegado da nação, e não póde delegar: respondo que o delegado, pode delegar, se recebeu para isso poderes; e quando a Constituição estabelece que o Rei tenha esse poder, elle é tão legitimo como outro qualquer; e não o tem o Rei a respeito de outros funccionarios de eleição popular ao menos em parte? E não lhe dá a nação poderes para eleger os funccionarios publicos, umas vezes directamente, e outras para que os eleitos pelo Rei elejam outros? Não lhe dá a nação o direito de dissolver as Camaras Municipaes de eleição popular; e não lhe ha de dar o de dissolver as Camaras legislativas? A differença está na quantidade, e não na qualidade da força deste argumento. Tem-se dito tambem que, se a eleição for má, sendo por vida, teremos de carregar com um máo representante, e talvez com um tyranno, ou um traidor por uma vida inteira; e com o apparato de duas palavras estrondosas, julga-se ter empregado um argumento sem replica. Eu, para lhe responder, digo sómente que traidores, e tyrannos nego, porque não levo no meu systema politico a inviolabilidade até esse ponto: os traidores, e os tyrannos em caso nenhum estão acima das leis. Quanto a máos representantes, é possivel, e de certo ha de acontecer alguma vez; mas no systema temporario e electivo, só nos livramos delles no periodo regular; e este, na minha idéa, da idade, que deve ter o Senador, poucas vezes irá além d'uma reeleição; e eis ahi o mal só diminuindo por metade; para nos livrarmos desse máo representante, o que a razão dictaria, seria cassar-lhe a procuração; mas isso é que é impraticavel, primeiro, porque seria preciso saber a vontade da maioria; e como esta não é uma vontade individual, mas um aggregado de muitas, e mui variaveis vontades, uma tal opperação conduziria a, um conflicto de agitações terriveis, e muito perigosas; não haveria pois remedio senão entre os dous males escolher o menor; o mesmo se póde dizer a respeito do mal, que ha devir do caracter vitalicio do Senador; mas este inconveniente, cuja probabilidade tanto diminue com todos os mais requisitos, e qualidades, que tenho exposto, é compensado com tantas e do importantes, vantagens, que tenho apresentado, que ellas me fazem decidir pela qualidade vitalicia da nossa segunda Camara. Eu bem quizera evitar os inconvenientes da eleição real pura, por um lado, ou os da eleição popular por outro: mas, onde achar o meio seguro de o conseguir, em corpos intermedios como na eleição do Senado do Congresso Federativo dos Estados-Unidos? Nós não os temos. As nossas juntas da districto não são assaz numerosas, e suas qualificações são todas destinadas a um fim mui differente: confia-la-hemos á nobreza, como na Escocia? Não; porque isso repugna ao principio adoptado, e é enexequivel entre nós actualmente, incumbi-la-hemos a uma differente ordem de eleitores, com o senso mais culto, e com outras qualidades especiaes? No caso de se adoptar a eleição inicial do povo, talvez este fosse o melhor methodo; mas elle não nos livra inteiramente das influencias sinistras, e mais concentradas, que assim podia ter o partido inimigo das instituições liberaes; nem mesmo dando á corôa a escolha cobre a lista inicial de tres, porque podiam facilmente ser, todos os tres do mesmo partido, como está acontecendo com as eleições dos administradores dos concelhos; e o Senado não se póde dissolver com tão pequenos inconvenientes como as Camaras Municipaes; nem as listas triplices dos Senadores se podem recambiar para o povo com tanta facilidade, como as dos funccionarios electivos. A eleição indirecta já experimentada para os Deputados, além dos inconvenientes proprios, não seria isenta deste ultimo. Finalmente conviria que a corôa enviasse suas listas aos collegios eleitoraes; como quer o Sr. Silvestre Pinheiro, e em parte o celebre Mr. O'connell ? Neste methodo haveria a vantagem de começar a eleição, em quem tem mais conhecimentos dos homens eminentes do estado, e a de não poder ter o risco de ser homem do partido inimigo, mas satisfaria ella aos povos sem as condições da classificação dos cidadãos, que estabelece o Sr. Silvestre Pinheiro? Será ella sufficiente para conciliar a vontade real com a vontade popular; ou sem essa classificação, ainda concorrerá mais para

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dar lugar a cabalas, e agitações violentas, e será ella practicavel sem uma diuturnidade de annos, e talvez, de seculos? Eu desejo, quanto posso, combinar os elementos das duas vontades com o elemento do conhecimento indispensavel para conseguir a melhor escolha; mas, por tudo o que tenho exposto, é manifesto que ainda não tenho podido chegar a uma decisão, quanto a eleição ou nomeação da segunda Camara, na qual descance com plena confiança. O problema na verdade e mui arduo, qualquer dos modos de o resolver é involvido em muitas e graves difficuldades; e entre nós novo a sem experiencia, e novo e algum desses modos em toda a parte.

Quasi que me esquecia responder a uma objecção, que se fez, dizendo que a camara vitalicia, te provar mal, não se poderá reformar senão com uma revolução, eu não tenho isso por uma cousa infallivel. E se o poder, de que entram de posse os corpos superiores do estado por vida, não é facil de abolir, o poder, de que o povo uma vez se apodera com paixão, nos ensina a historia antiga e contemporanea que o não larga, sem violencias e furores, que não são menos para temer. A revolução franceza e a de Cromwel são lições ainda bem recentes, e quasi sempre com o risco addicional de ir do frenesi demagogico dar ao despotismo militar. Por outro lado a cambra dos Pares em França foi reformada sem revolução, porque a revolução de 1830 não foi por causa dessa reforma, mas por causa dos decretos do Rei contra a liberdade, que muito a precederam. Eu espero que no direito de petição já fóra da infancia, na liberdade d'imprensa mais bem regulada, na opinião publica mais bem formada, na omnipotencia parlamentar com todos os meios legaes, de que ella pode lançar mão, havemos de ter meios seguros para reformar sem recorrer aos da torça e violencia. Parece me tambem que a camara vitalicia ganhará maior numero de vontades nas classes superiores, e nas classes medias dos cidadãos, aquietando grandes receios, e os cidadãos, que nestas, e fóra dellas tem tambem concebido seus temores, em sentido opposto, sendo a camara dos Deputados dotada privativamente das prerogativas da iniciativa sobre impostos, e sobre o recrutamento, do direito de fiscalização annual das rendas publicas, e armada pela faculdade de negar os subsidios, do instrumento mais poderoso para obrigar o Governo a convocar as Côrtes annualmente, e a não se separarem sem discutir o orçamento, e decretar as contribuições, armada tambem do poder de accusar os ministros, vendo, digo, a primeira camara popular por excellencia assim armada nada terão que temer, e na segunda terão uma barreira contra a actividade, e exigencias algumas vezes demasiado fortes da primeira. E' necessario olharmos para o todo, para podermos avaliar ao justo qualquer das partes. Não é por se suppôr o povo sempre furioso, como é moda attribuir-se áquelles, que procedem segundo o conhecimento da natureza humana, e sua mais geral tendencia; nem por se imaginar as classes eminentes da sociedade combinadas em conspiração permanente pura devorar as outras; e o poder real como necessariamente inimigo de todas, isto é, inimigo da mesma nação, que o acclamou voluntariamente para seu bem, e que por elle combateu, porque o considera como um baluarte desse mesmo bem, que se contrabalanção os poderes, mas porque desça mutua acção resulta a maior felicidade.

Tambem estou persuadido, que uma segunda camara vitalicia formada segundo os melhorei, principios, isto é, áquelles, de que tem resultado maiores bens ás nações, e escudada com todas as garantias de uma boa constituição monarchica, nos alcançará maiores svmpathias pela Europa experimentada na carreira da liberdade nesta persuisão vivo; e como ella não é o resultado de força, que de nós queira extorquir o sacrificio de nossos direitos, mas de um sentimento espontaneo, que nos inspira o sincero desejo de ganhar a boa vontade dos outros membros da grande familia europêa, e de com elles viver em paz e boa intelligencia, não ha razão para della nos envergonharmos, nem para ostentar-mos de corajosos no desprezo deste sentimento.

Um Sr. Deputado disse que nós já nada tinhamos a temer; que a Santa Aliança estava morta, que as baionetas já nada podiam no unindo contra as instituições da liberdade! Ora com effeito, está o Sr. Deputado certo de que nem uma só innovação em materia de estabelecimento de governo póde dar cuidado a parte alguma da Europa? E, quando o dê, que ella nada já pó lê contra a outra? O Ceo o ouça! Mas confesso que outras são as minhas impressões. O que eu vejo é que está empenhada uma lucta termal entre os que contendem por conservar as antigas, e os que querem novas vantagens; ou, se se quer, entre o privilegio, e o direito; e como o temor de perder, o que se tem, faz obrar sempre com muita torça, não posso ter por insignificante e impotente a resistencia da parte dos primeiros, e de seus adherentes, que tantos e tão poderosos ainda são; e pareceu-me que, em a nossa posição, nós estavamos mais para seguir do que para dar o impulso á Europa, ou para nos pôrmos adiante de todos na carreira. Tudo isto será porque eu não sou tão denodado como os meus illustres collegas, principalmente um delles, sem duvida, porque, pobre de mim, infelizmente ainda mui apegado aos interpões deste mundo, distante do sanctuario, a que o illustre Deputado pertence por seu ministerio, arredado da eternidade, que de perto o espera, me falta essa nobre coragem, que o faz tractar com desprezo neste extremo da vida, o que nos outros, se attribue á ignorancia e inexperiencia - Eu, Sr. Presidenta, confesso que não estou par: mais revoluções, que não sou daquelles, que tenho por elles um respeito sagrado, quer sejam na ordem publica, quer na politica, o que lhe o tendo e um horror sem limites. Estimo muito ver que dou bravos militares já expressaram aqui este mesmo sentimento, e nem tão pouco estou disposto a concorrer para sacrifica; o bem da geração presente ao das futuras. Confesso que sou mais egoista, e que estou prompto a ir de companhia na conta, mas não a fazer tudo, por quem nada faz por mim... A posteridade! Sr. Presidente!... É tão esteril para mim!... De lá para cá nada vem!... (Riso.) Esta pobre paiz tambem já não esta para mais revoluções aquelle, que lha prolongar, só por uma hora mais que seja, é o seu maior inimigo. Votando pois por esta instituição, e outras, como no meu entender as julgo mais capazes de lhe ganhar a paz interna e externa, nada tenho se que me accusar. Aos de fóra direi - eis-aqui o nosso pacto em que vos offende elle Em que vos dá receios bem fundados? Não encerra elle todos os elementos, que entre nós temos de segurança de pessoas, e de propriedade? Não estão nelle salvos os direitos de consciencia? Não está nelle consignado o principio da tolerancia, dessa filha mais mimosa da caridade? Não estão respeitados os direitos do Throno elevado por nossos maiores, e defendido até hoje por sua e nossa liberdade? Não estão respeitados os direitos dos outros povos, e de sem governos? Pertendemos nós dictar a lei a alguem, ou disputar-lhe o direito de se constituir como melhor entender? Pois então que mais se quer de nós? Será aquillo que não podemos? Nós a ninguem offendemos, se pois alguem quer a força achar-nos culpa, nossa coragem, ajudada pelo arbitro Supremo da justiça das nações, e pelo protector dos opprimidos, nos defenderá.

E aos nossos direi: - aqui está o pendão da nossa lei fundamental ella é obra humana, ha de ter defeitos, mas o tempo, e a nossa prudencia os emendará; longe de nós todos os meios violentos, unamo-nos em roda delle, porque sem união não ha força, e sem força não ha estabilidade, e sem estabilidade não ha liberdade União pois, é Povo Portuguez União, Povo religioso, não é voz de um misero mortal, mas do Oraculo da sabedoria eterna, que ha tan-

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tos seculos pronnunciou a terrivel sentença, de que nas divisões intestinas dos estados está infallivelmente á sua ruina. "Omne regnum in se ipsum divisum desolobitur " (Muito bem, muito bem.)

O Sr. Sampaio Araujo: - Eu entendo, como muitos Srs. Deputados, que esta materia é sem duvida a mais espinhosa, que nós temos a resolver. Diversas opiniões tem apparecido sobre a fórma de organisar a camara alta, e appareceu uma, com a qual eu me conformo, porque me não conformo com a opinião da maioria da commissão, nem com o da minoria. Eu principiarei pois, Sr. Presidente, por emittir a minha opinião a respeito da formação desta segunda camara, e depois mostrarei com argumentos as razões, porque entendo que ella deve ser assim formada, apartando-me quanto ser possa da historia, porque me parece que nas circumstancias, em que nós presentemente estamos, pouca applicação póde ter. Eu sou de opinião que esta camara alta, ou pariato, seja composta de membros tirados das summidades, que compõe a maioria da nação, e a fórma de as levar a essa camara alta, que seja por um censo, e depois a eleição começar na uma por listas triplices, e depois o Rei escolher um. Eu já disse que não recorreria muito á historia, não só pela razão que já dei, mas tambem porque todas as nações tem o seu modo de ser, proprio do seu estado politico, Portugal tambem tem o seu, do qual cumpre derivar a fórma de suas instituições. Esta questão é a meu ver, não só questão de direito, mas tambem de facto. Sr Presidente, o meu modo de raciocinar sobre esta materia é uma consequencia do que disse, quando se tractou da questão sobre o numero de camaras, que devia haver. Srs., ha summidades em uma nação, facto que ellas apresentam, e que se não póde destruir. ha summidades na propriedade, e estas summidades não se podem destruir. Á tentativa de igualar a todos em propriedade tem sido ensaiada por todas as nações da antiguidade começou em Moyses, e acabou com os Gregos, e Romanos.

Entre os Hebreos havia o jubileo da quinquagesima, em cujo dia a propriedade alienada voltava á primeira familia, as dividas ficavam perdoadas, e o captivo ficava livre. Mas este systema não produto a desejada igualdade, nem podia, visto que, não sendo prohibidas as alienações, essa igualdade não era forçada senão dous dias em cada seculo.

Estas leis foram copiadas para Esparta, aonde Licurgo fez uma divisão tão igual que um dia, quando passava com seus amigos, disse: não parece uma partilha feita entre irmãos? Mas não passaram muitos annos que a propriedade não tornasse a apresentar grandes summidades, e até classes medias. O mesmo aconteceo entre os Romanos; e hoje é frase dos economistas que é um paradoxo querer igualar todos em propriedade, e que, ainda quando possivel, não deveria fazer-se, porque seria destruir toda a industria. As summidades dos empregos, essas hão de sempre subsistir, porque entre nós existe um tribunal supremo de justiça, presidentes de relações, etc., e eis aqui uma summidade, que não pode destruir-se. Tambem se não póde destruir, a que existe entre a nossa nobreza, fallo da nobreza de nascimento verdadeira, e não da falsificada. Sr. Presidente, se é licito comparar as cousas grandes com as cousas pequenas, como fez Ovidio, lembro que os porfuragenetas sómente pelo facto de terem o nascimento na purpura são demandados das mais remotas regiões para em paizes estrangeiros subirem as escudes do solio. Semelhantemente muitas pessoas, tem feito sua fortuna sómente pela qualidade de seu nascimento. Este outro facto, que existe nas sociedades, é que não póde destruir-se, porque esta enraizado nos costumes digo pois que existindo estas summidades é necessario que tenham uma representação, e são estas as razões, porque eu votei por duas camaras, porque a não ter assim formada a segunda eu votaria por uma só. Agora responderei a um argumento produzido pelo Sr. Deputado por Aveiro, que disse havia tendencia da classe summa para absorver a classe media. Que existe esta tendencia eu o sei, mas o que eu sei tambem e que todos querem subir, e ninguem descer, d'onde infiro que o espirito absorvente existe na classe media, e não na summa, e então o argumento é contra o Sr. Deputado elle confessa que existe uma especie de conflicto entre a classe media, e a summa mas Sr. Presidente, para que esse conflicto se decida não no campo, nem por meio das armas, mas na arena parlamentar, é necessario que essa classe seja representada. Mas se a segunda camara for escolhida da mesma maneira que a primeira, eu entendo que então, não é uma segunda camara, será uma secção da primeira, porque teria a mesma tendencia, e então, em logar de servir de modificador, seria uma força conspirante com a primeira, e quando nós pensavamos que iriamos remediar um inconveniente, cairiamos em um erro maior, como diz Horacio - In vittum dueit culpae fuga, si caret certe.

Outro argumento, porque eu, e muitos Srs. Deputados votamos pela segunda camara, é para que esta exerça a funcção de revisão da trabalhos da primeira, e eu mostro que este principio de revisão não póde existir, uma vez que a camara alta não tenha outro modo de formação. Os objectos moraes, assim como os fisicos, tem diversas faces, por onde podem ser examinados, mas com esta differença que os fisicos tem em si mesmos suas propriedades, e as dos moraes existem em nós, isto é nos nossos interesses, e nas nossas paixões; e é por isso que Plutarco dizia que nós observamos os objectos ao travéz de prismas de diversas côres, e que segundo elles nos são representados. Estas cores pois na ordem moral nascem dos nossos interesses, e estes da nossa posição social; e por conseguinte é necessario que esta posição seja diversa nos membros da camara alta, a fim de que possam considerar diversamente os negocios, que lhes forem transmittidos da camara dos Deputados, e assim desempenhar a funcção de revisão.

O outro argumento, que geralmente reinou neste Congresso para se formar a segunda camara, era para servir de retardador do movimento da camara dos Deputados, na qual existe sempre grande tendencia para fazer innovações, e grande numero de leis, o que de cerro é um mal. Sr. Presidente, tudo que tem movimento, e toda a machina, que tem movimento tem sempre um retardador a esse movimento, e a machina, que não o tem esta muito sujeita a arrebentar a cada momento, apropria vida animal tem retardador, que é o somno, e por consequencia o movimento da camara do povo precisa de ter um retardador, e este retardador é a camara alta, é necessario que tenha differentes interesses, como já disse, e maior idade, ao menos de quarenta annos, porque só assim poderá a segunda camara contrabalançar o andamento da primeira.

Agora direi eu a maneira, porque se elegerão esses membros, que hão de compôr este segundo corpo quererei que haja um censo elevado de fortuna, e de idade, e depois deter principio na uma eleitoral em listas triplices o governo escolher, e em numero fixo um de cada terno. Aqui apparece o principio da urna, que é a base de todo o systema representativo. Desnecessario será demorar me em enumerar as grandes vantagens deste systema, e só direi que não posso concordar em que seja de eleição pura da corôa, porque, tendo a segunda camara de exercer a representação nacional em concorrencia com acamara do povo, tem de deliberar sobre os interesses do povo, e deve pertencer a sua primitiva origem ao mesmo povo, porque só a este, por meio de seus representantes, compete fazer as leis; deve pois ler sua primitiva origem no povo. Mas não quero só no povo, porque rendo esta segunda camara um elemento de transação, pela mesma transação é o povo, e a corôa, quem deve concorrer na sua formação, por conseguinte não sou de parecer, que os membros da camara alta sejam exclusivamente eleitos pela corôa, nem pelo povo. Não pela primeira fórma,

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a fim de evitar que os candidatos se tornem nimiamente servis, a favor do poder, e adversos ao povo; e não pela segunda, para que tambem não procurem popularidade demaziada, e venham a tornar-se formidaveis á sociedade, defeitos, que não acontecerão, se elles tiverem o seu principio na urna, e o seu fim na escolha do Rei, porque não terão senão de ser justos, isto é, justos para com o povo, e rectos para com o Rei: então existirá o equilibrio. Alguns argumentos, que tem sido produzidos em contrario já tem sido sobejamente respondidos por outros Srs. Deputados, e por ISPO, e tambem em attenção a economizar tempo, deixo de fazer algumas reflexões mais a tal respeito, e concluo, declarando que voto contra a maioria, e minoria da Commissão, visto que reprovo os methodos de eleição pura, e exclusiva, e apoio a eleição mixta da coroa, e do povo: em quanto á duração voto que seja vitalicia.

O Sr. Judice Samora: - Sr, Presidente, estamos chegados ao ponto mais escabroso da nossa organisação politica, e sendo esta o fim principal para que fomos aqui mandados, é forçoso que emne expresse por tal forma, que sacuda por uma vez o peso de responsabilidade que me impõe a minha posição politica e faça ver a meus constituintes que a emissão de meus sentimentos neste recinto não trahio de maneira alguma a generosa confiança, que em mim depositaram.

Testemunha dos tempos é sem duvida a historia das nações, e quem melhor nos ensina a governar os povos; mas ella é tambem uma fonte de tal fórma variada, que não ha governo algum concebivel que alli não encontre um formidavel apoio; não me servirei por tanto na presente questão dos argumentos historicos, mas guiado apenas pela arma do raciocinio mostrarei que a segunda Camara deve ser electiva, e temporaria, e não de nomeação regia, e vitalicia.

Sr. Presidente, fez-se em Setembro do anno passado uma revolução tão necessaria, e tão generosamente abraçada pela nação, que nem uma gota de sangue custou nos cidadãos portuguezes; e qual foi o fim principal desta revolução? Foi sem duvida lançar por terra uma segunda Camara, que, favoneando exclusivamente o throno, secundava por tal maneira as atttibuições do poder, que por maiores que fossem os esforços dos patriotas desenvolvidos tanto dentro com fora da primeira Camara nunca foi possivel desviar as administrações da senda terrivel, pela qual nos iam conduzindo ao maior dos abysmos; ora sendo este o fim primeiro a que se dirigio a revolução , e tendo-se a nação livrado d'uma semelhante Camara, seria conveniente rodear hoje o throno d'um poder se não igual, ao menos semelhante áquelle de que o despojamos? (Apoiado, apoiado.) Sr. Presidente, se tal votássemos, eu diria que tinhamos perfeitamente invalidado a revolução, e destruido os esforços, que a nação tem feito para conservar intactos os principios da Constituição de 1822,que tão geralmente reúne as sympathias dos portuguezes. (Apoiado.)

Sr. Presidente, é principio consignado em todas as constituições conhecidas, seguido pelos illustres membros que defendem uma opinião contraria á minha, e até estabelecido no artigo 50 do projecto em discussão, que á Camara dos Senadores pertencem attribuições judiciarias. Pelo que toca ao projecto vejo eu que em primeiro logar se lhe concede o direito de conhecer dos delictos comettidos pelos membros da familia real, e depois a obrigação de conhecer dos crimes perpetrados pelo Ministerio, e até o direito de avaliar a sua responsabilidade. E não seria um principio absurdo, que fossemos dar ao imperante a faculdade de escolher os juizes, que hão de sentenciar seus proprios filhos, e seus mais proximos parentes? Não seria por outro lado um acto de immoralidade conceder ao Ministerio o direito de nomear os julgadores, que o hão de sentenciar, e que devem decidir se elle obrou em opposição ás leis, e aos interesses nacionaes?

Mas diz-se que, sendo a segunda Camara vitalicia ficará ella depois da sua nomeação perfeitamente independente do poder real, e em consequencia livre para poder apresentar as suas decisões revestidas de imparcialidade, e justiça. Este argumento no meu entender não tem força alguma. E por ventura o pariato e unico alvo de todas as ambições humanas? E não é certo que, quanto mais o homem se adianta na estrada da elevação, mais sevo deslumbrado pela influencia da grandeza? Serão acaso os Senadores tão estranhos aos estimulos naturaes, que não exijam para seus descendentes a mesma posição, de que elles gosam na sociedade? E não é do Governo, não é do throno que exclusivamente depende essa concessão? Aonde existe pois a independencia da taes Senadores? Sr. Presidente, é tal o horror, que eu tenho a uma semelhante Camara, que se fosse arrastado ao extremo de optar entre uma Camara vitalicia, e uma hereditária, eu não teria duvida em escolher a segunda, uma vez que ella fosse acompanhada de algum preservativo, como, v. g., da condição imposta aos candidatos de serem formados em alguma das universidades da Europa, (apoiado, apoiado.)

Uma Camara assim constituida, posto que hereditaria, seria sem duvida mais independente do que uma Camara vitalicia, por isso que, para ser Senador, não havia necessidade da nomeação do throno, a não ser nos primeiros, que gozassem déssa qualidade. Conseguintemente por mais plausiveis que pareçam os argumentos, com que se tem defendido a opinião contraria , eu não posso encontrar numa segunda Camara organisada pelo methodo proposto no projecto mais que uma forja terrivel, aonde se batem os ferros, com que continuamente se algemam os pulsos da nação (apoiado.)

Além dos motivos, que tenho apresentado, e que são obvios a todas as luzes ha ainda alguns outros, que passo a expor. Se acontecer que passe uma Camara de nomeação regia, eu julgo até impraticavel que a Camara dos Deputados seja o fructo da livre vontade dos povos, pois que o Governo dispensador absoluto das suas nomeações apresentará na segunda Camara os influentes da opinião publica, que espalhados pelo paiz no intervallo de seus trabalhos parlamentares afrontarão por tal forma a uma eleitoral, que o seu fructo será mais um ajuntamento cego em promover os interesses do poder, do que uma Camara destinada a constituir a felicidade do povo.

Nem pareça estranho um semelhante argumento. O que vimos nós em Portugal no tempo da Carta? O mesmo que acabo de annunciar, pois que as provincias se viam no intervallo das sessões innundadas de Pares, e daspirantes ao pariato, que illudindo os povos com fingidas caricias, com sinistros promettimentos, e até com predições impossiveis secundaram sempre o Governo com uma maioria tal, que nunca foi possivel desvia-lo de seus ambiciosos fins.

Por outro lado não ha publicista nenhum, por mais absurdas que sejam suas opiniões, que fallando dum Governo representativo não assente em que o poder legislativo se acha fora das attribuições do imperante: este mesmo é o sentir dos illustres Deputados que defendem a opinião contraria; e então se o throno não goza do direito de legislar , como é que elle poda conferir esse direito? Eu, Sr. Presidente, por mais que tenha meditado não me tem sido possivel resolver este argumento, e tenho para mim, que elle gosa d'uma força indestructivel. Por todas as razões que tenho produzido tenho de minha intima convicção, que a segunda Camara deve ser electiva.

Tem-se argumentado por varios modos contra esta opinião, e um dos argumentos de que mais se tem servido os Srs. Deputados que a impugnam consiste em que devemos seguir o theor de nossas procurações, nas quaes se determina que modifiquemos a Constituição de 1822, tirando principios desta, e da Carta de 1826; e estabelecendo-se na Carta uma Camara de nomeação regia, temos obrigação de consignar este principio na Constituição que fizermos; mas Sr. Presidente, este argumento, por mais que se queira fazer valer.

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eu não lhe acho força alguma. O que é que fez é povo em Setembro do anno passado? Proclamou a Constituição de 22 com as modificações, que as Cortes lhe fizessem; e d'onde é que veio essa tão preconisada clausula das nossas procurações? Veio do programma do Governo. E póde por ventura o Governo decidir da opinião publica quando esta se tem demonstrado tão solemnemente como por meio duma revolução? Mas diz-se, não foi sómente a opinião do Governo quem produzio esse programma, foi tambem um convenio feito nos princípios de Novembro do anno passado. E quem fez esse convenio? Póde por ventura a nação inteira adherir ao que fez a capital, quando mesmo as forças da capital não concorreram na sua totalidade para semelhante facto, mas antes pelo contrario se diz publica, e distinctamente em toda a parte, que foi um punhado de homens quem fez semelhante convenção? Sr. Presidente, este argumento tirado das nossas procurações é de todos o mais futil; mas eu não pude deixar de lhe responder da maneira que me pareceu, visto que d'elle se quiz fazer um tão grande alarde neste Congresso.

No resto dos argumentos, de que se valem os nobres Deputados, que seguem a opinião contraria, escolherei para lhe responder mais um, a que igualmente se tem pertendido dar muito peso. Disse um illustre Deputado, que os que seguem nesta materia a opinião contraria á sua laboram em manifesta contradicção, pois que assentando em que o poder judicial deve ser independente, e attribuindo á Camara dos Senadores attribuições judiciarias lha negam ao mesmo tempo a inamovibilidade, que concedem aos juizes. Eu Sr. Presidente, não acho vigor algum neste argumento, mas é forçoso responder-lhe, porque ainda na discussão se não alludio a elle. O que se pratica com os juizes quando comettem qualquer delicto? São suspensos, são condemnados, e até enforcados, se tanto é necessario para satisfazer a vindicta publica; e o que succede aos Senadores quando se arredam dos seus deverei na qualidade de legisladores? Nada. Logo o seu castigo não póde ser outro senão o que lhe dá a urna, despresando-os quando seus delicio? o exijam; logo não prevalece o argumento, queda qualidade attribuida aos juizes quiz; deduzir a immovibilidade da membros da segunda Camara. Por todas estas razões voto, porque a segunda Camara seja electiva, e temporaria.

O Sr. J. J. Pinto: - Sr. Presidente, eu pouco teria a dizer senão tivesse de motivar o meu voto sobre uma materia tão ponderosa, e muito principalmente porque, faltando outro dia ácerca da opinião das duas camaras, disse que votava pelo parecer da Commissão como o apresentara a maioria da mesma: eu cederia da palavra se não tivesse de fazer uma modificação a este respeito, e se não dependesse o meu voto ácerca da duração da segunda camara, da forma, que se der á sua eleição; entretanto principiarei por um artigo, que ha muito temos votado, por este artigo, que é o artigo 4.°, que diz assim (leu): eu não só por convicção, mas como Deputado, acho-me obrigado strictamente a defender este artigo, e declaro desde já que não votarei um outro artigo, que me pareça tender directa, ou indirectamente á destruição deste principio. Sr. Presidente, essa é a razão, por que votei já duas camaras; poucos Srs. duvidaram que devia haver um corpo intermediario, que podesse moderar os excessos do throno, que tende para o despotismo, e ao mesmo tempo a tendencia do povo para a anarchia: este corpo intermediario, ainda que não reduzido a systema, nos governos absolutos mesmo existia, e os monarchas, que não são despotas ( porque o despotismo nivela tudo quanto fica abaixo de despota) conheceram tão bem a necessidade d'uma jerarchia tendente a este fim, ou d'uma aristocracia, se assim se lhe quizer chamar, que modelaram a duração destes corpos segundo a fórma das mesmas monarchias, segundo ellas era hereditaria, ou electiva; daqui vieram as primogenituras, e outras instituições, as quaes se por ventura prejudicam alguns interesses sociaes, não deixavam de satisfazer ao seu fim; fim, a que muito melhor serve este corpo médio da nobreza reduzido a systema nos governos representativo?, na qualidade de segunda camara, porém que deixará obter este fim senão tiver a força, e a permanencia necessaria, e só a pode ter se for pelo menos vitalícia, concorrendo para a sua formação o rei, e o povo, e composta de classes, que tenham a independencia possivel, e que só pode dar, pelo menos com probabilidade, o estado de sociedade em honra, e riqueza.

Duas camaras, Sr. Presidente, de nomeação pura do povo, importa o mesmo que illudir a primeira votação; se votámos duas camaras, foi para serem anomalas, foi para terem a mesma origem, e por consequencia os mesmos effeitos? Ah! Sr. Presidente, isto seria ridículo, seria pueril; nem se tema que nas classes, que apresenta a Commissão, não appareçam homens benemeritos, e dignos de occupar este honroso, e interessante emprego, como receiou um illustre Deputado, porque eu penso que o que os ha de fazer chegar aos empregos mais salientes da sociedade ha de ser o merito, e a virtude, do contrario de pouco nos serviriam a constituição, ou as leis no meio d'uma tão geral, como nociva immoralidade publica. Eu tambem quero como outro illustre Deputado a segunda camara para tornar o povo mais forte, e por isso voto por ella como acabo do indicar, porque eu entendo que o povo é mais forte quando é mais unido, e é mais unido quando estão satisfeitos os differentes interesses sociaes; mas a camara, que lha nífarece o illtistre Deputado divide-o, enfraquece-o, e acabará por o tornar escravo; ella forma uma constituição exclusiva, e isto basta para a tornar odiosa, e outro germen da divisão, e por consequencia da sua destruição. Outro illustre Deputado deduziu um argumento, que a muitos pareceu forte, da inercia, e possibilidade do povo portuguez na ultima revolta, e d'aqui concluiu que o povo não secundara as vistas dos revoltosos: logo queria a Constituição de 22, e só ella, mas assim, Sr. Presidente, tambem o povo portuguez saudou os acontecimentos de Setembro, e com mais actividade se decidiu ella pelo usurpador, cujos actos hoje reconhece por tyrannicos, e illegitimos: eu com tudo interpreto doutra maneira a inercia do povo a este respeito; entendo que os portuguezes estão desconfiados de todos os partidos, de nenhum tem recebido vantagens reaes; e se esta inercia não for da terrível presagio (o que a providencia não permitta), é pelo menos um indicio de que está disposto a lançar-se nos braço; do primeiro, que vier, com tanto que delle tenha a esperar segurança, e tranquillidade. Não posso tambem concordar com outro Sr. que disse havia nas nossas procurações uma excrescencia, em que se davam mais poderes, que os que a revolução de Setembro proclamou, o que é o mesmo que dizer, que os nossos diplomas não continham a vontade de nossos constituintes, ou só ella; mas, se assim é, aonde estão os nossos poderes, Sr. Presidente, e com que direito nos arrogamos o de constituir a nação?

Concluo por tanto dizendo que voto pelo parecer da Commissão, com a unica differença de ficar permanente o artigo transitorio, isto é, que o povo, e o rei tenham parte na formação da segunda camara, quer esta intervenção tenha a sua origem no rei, como quer um illustre escriptor portuguez, quer no povo para o rei escolher.

O Sr. Ignacio Pissarro: - Sr. Presidente, de certo a posição dos Srs. Deputados, que defendem uma só camara legislativa, é mais vantajosa que a da que, como eu, querem, e votaram por duas; porque nada mais facil do que fazer guerra de postos, atacando só, e pelos lados debeis as forças inimigas.

Eu porém, tenho razões, que, tendo-me forçado a votar por duas camaras, me persuado serem as que implicitamente devem marcar a maneira de sua organisação.

A universalidade do suffragio, disse eu, não podia ser ca-

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são a expressão da vontade da maioria numerica das massas, e que essa expressão nunca pode representar mais que a vontade dos individuos isoladamente calculados, ou de pequenas classes unidas em interesses, ou de uma facção mesmo dominante, que pelas artes do suborno decida da eleição.

D'ahi tirei eu a necessidade da representação das minorias numericas, mas cujos interesses, e illustração constituem maioria moral, real, e intellecttual. Se estes são os meus principios, fundamentados já por mim nesta Camara, é claro que eu devo determinar o modo de fazer valer estes direitos, e explicar a forma, por que entendo ficam representados. Na maior parte do paiz não se contam por votantes, nem duas terças partes dos cidadãos apurados para votarem, vindo a ser só a maioria numerica da outra terça parte, quem decide a corte das eleições populares; e nem assim pelo nosso actual direito constitucional vemos garantido esse direito; os cargos municipaes tem sido nomeados por eleição popular; mas não vemos nós todos os dias no diario do Governo demissões constantes de provedores, ou administradoras, e camaras municipaes? Temos nós pois que nos casos, em que essa expressão da vontade na maioria for de encontro com o governo, o governo, que dissolver uma camara, por exemplo, ataca um direito da soberania, o que é um absurdo. Ora de mais confundem-se de ordinario os interesses locaes com os geraes; se acaso nós quizermns dar á universalidade do suffragio toda a latitude, que lhe querem dar os defensores dessa doutrina, eu não terei duvida em concordar com elles para uma cousa só, que é quanto aos interesses locaes para o governo municipal; mas quanto aos interesses geraes do paiz não posso concordar em semelhante idéa, porque não é possivel colher em ultimo resultado a vontade integral senão pela integração da somma da expressão de todas as vontades representadas convenientemente, a qual nem assim é unanime. Nós pois que devemos tomar associedades taes como estão, e que devemos de mais a mais tomar o paiz de modo, por que se acha, como é que havemos de fazer? Satisfazer a todos; e perguntar-se-me-ha e pelas suas idéas satisfaz-se a todos? Eu persuado-me que sim: não me persuado que as minhas idéas sejam cinicas, porque isto de doutrinas sociaes são como alchimia, e astrologia judiciaria; procura-se achar a ventura social, e não se tem encontrado: o povo mais feliz é o menos desgraçado.

Ha de mais a mais um argumento, a que se não respondeu. Um Sr. Deputado hontem comparou a camara dos senadores com o sepulcro, e o poder judiciario com a vida; que a camsra dos senadores era inviolsvel, e o poder judicial responssvel. Sr. Presidente, estas expressões são vagas; digo que o são, porque tambem a theoria da responsabilidade é um dos dogmas, que ainda senão póde perfeitamente sem definir qual é a sua natureza - se acaso nós queremos entender que a responsabilidade do juiz é individual, segue-se por ventura que o senador seja irresponsavel? O Sr. Deputado deduziu este principio de uma constituição, ou constituições existentes, para as que ainda hão de existir, e por consequencia estabeleceu a theoria da irresponsabilidade do individuo, pelo que estava estabelecido para aquillo, que se havia de estabelecer. E por ventura o senador que prevaricar, o senador, que no exercicio das suas funcções offender o paiz, ficará abaixo da responsabilidade? De certo que sim; além da responsabilidade moral da constituição tem demais a mais a acção das leis; porque se é pela emissão das suas idéas, nunca a emissão de uma idéa foi um crime: este principio foi consignado por Mr. de Chateaubriand, e reconhecido por todos os homens politicos; por consequencia só a expressão da vontade do Senador está na razão directa da expressão da vontade do juiz, e do Deputado, e de qualquer outro, porque tambem é responsavel.

Se o juiz, se o magistrado, digo, se o senador, e o deputado são inviolaveis pela emissão de suas opiniões, não o são nunca pelos seus actos: se elles forem contra a lei, e offenderem a sociedade, são responsaveis moral, e fisicamente. Leia o Sr. Deputado nas constituições de todos os povos, e verá que o Deputado, e o Par são sempre responsaveis para com a sociedade, que póde usar do direito de o accusar, aliás não haveria nas constituições definida uma fórma de processo especial para uns, e outros. Por consequencia digo que o argumento colhe, e colhe a favor dos principios vitalicios; entretanto por isso não se segue que minhas idéas sejam absolutamente, e unicamente para ahi.

A aristocracia, como todas as palavras, tem um sentido odioso, que os povos tem muitas vezes ouvido dar; mas que ainda não admittiram, como o genuino; pois elles sabem o que quer dizer: Governo dos optimos? Neste sentido quem stigmatizará tal palavra? Quem quererá dizer que não quer a ingerencia dos optimos nos negocios publicos? Quem mesmo sustentará, que não é dos optimos? Ou não deseja ser desse numero?

A Constituição de um povo é uma quantidade, que depende em seu valor da relação de suas leis, com seus costumes, e antes do definida preexiste nesses costumes, nas tradições, e na natureza do povo, ou da Nação. Ora se nós temos em Portugal, e sempre tivemos, e sempre havemos de ter uma classe formada das diversas especies de aristocracia, iremos nós excluir esse elemento preexistente do quadro politico, e havemos de fechar-lhe as portas do sanctuario das leis? Não de certo. Esta clnsse independente do Rei, independente do povo, é a natural intermedia entre ambos; e se nós lhe queremos dar a sua devida parte á Soberania, havemos abrir-lhe, as portas da segunda Camara, que é a sua casa; eu quero pois, que a segunda Camara seja composta dos optimos, eleita por elles, isto é, que seja a expressão da sua vontade; entendo tambem que esses optimos só o Rei os póde definir, porque no cume da sociedade só elle pelas vias da lei pode dizer quem são as summidades sociaes, essas minorias venerandas, que são o sustentaculo das leis, da ordem, e da liberdade, que só dellas podem dimanar. Mr. O'Connell em Inglaterra, e o Sr. Silvestre Pinheiro em França, tem professado esta doutrina, que é de certo a melhor, porque reconhecendo direitos preexistentes, tem as garantias dos principios, que em nada ficam offendidos, antes mantidos. Demais, sendo diversa na origem, teremos a monarchia, a aristocracia, e democracia competentes, e iguaes na feitura das leis. Quanto á sua duração, é materia, de que faço menor questão: os argumentos pró, e contra não me convencem cabalmente; sendo inclinado á de duração temporaria, (se o numero dos Senadores for tão crescido, que não possam todos tomar parte na feitura das leis) para que os direitos dão diversas classes do paiz, que tem diverso modo de pensar, possam entrar naquella Camara, o que de certo não acontecerá quando as armas tem dado ao partido ora dominante duas successivas victorias, que tem eliminado da scena politica notabilidades notaveis, que tem direitos preexistentes, e que, não tendo meio de os fazer respeitar legalmente, reagirão com a força da torrente comprimida. Em fim qualquer que seja a organisação, se ella contemplar todos os interesses, teremos em resultado a felicidade do paiz: esses os meus votos. Se a minha falta de talentos, e de elocução fizerem que seja mal entendido, ou não prevaleça minha opinião, eu firme em minhas intenções tenho dado o meu contingente, e fico satisfeito. A divergencia de meus illustres collegas ácerca da organisação da segunda Camara é uma prova, que querendo todos os mesmos fins, acham melhores os diversos meios, que apresentam, sendo de crer que por mutua conciliação se venha a um resultado, que combine as idéas, e opiniões de todos, de cuja combinação resultará a ventura Nacional.

As minhas idéas nisto são todas de conciliação; se acaso ellas não foram bem expressas, se acaso eu não tenho a erudição necessaria para fazer discursos brilhantes, tenho a

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convicção intima de que minhas idéas não podem offender ninguem, ao contrario são simplesmente para poder conciliar todas as diversas phases, que a sociedade apresenta, e, para que nós possamos em resultado apresentar ao paiz uma Constituição, que seja na realidade sua, e que tenha o cunho da estabilidade, e o principio da ordem, sem o que nunca, poderá haver progresso.

O Sr. Presidente: - Deram tres horas, passa-se á correspondencia; porém, antes della se ler, tem a palavra o Sr. Gorjão Henriques; para dar conta da Deputação, que foi a Sua Magestade.

O Sr. Gorjão Henriques: - Como Presidente da Deputação encarregada de apresentar a Sua Magestade o authografo da lei, pela qual é derogada a lei de 15 de Julho do presente anno prorogada pela de 14 de Agosto e 13 de Setembro, tenho a honra, de participar a este Soberano Congresso que foi recebida por Sua Magestade El-Rei D. Fernando, não só com á sua affabilidade tão reconhecida, mas com demonstrações, e expressões do mais vivo interesse, e mais pleno contentamento.

O Sr. Galvão Palma: - Pergunto quaes foram as expressões de Sua Magestade para o Congresso saber.......

O Sr. Gorjão Henriques: - Que elle tinha muita satisfação em apresentar a Sua Magestade a Rainha aquella lei, pela, qual a familia portugueza tornava á sua união, e da sua parte poria em pratica todos os meios, que a esse fim conduzissem. Foram estas as palavras, pouco mais ou menos. O Sr. Secretario Rebello de Carvalho mencionou a seguinte correspondencia:

1.º Um officio do ministerio do Reino, enviando o authografo da lei das Cortes ácerca da regularidade, que devem observar as camaras municipaes no lançamento das contribuições sobre os generos de consumo; e outro sobre divisão de territorio com as cartas de lei respectivas passadas em virtude da sancção de Sua Magestade a Rainha. - Mandaram-se para o archivo.

2.º Uma representação dos directores da empresa do Diario do Governo a pedir se lhe mande satisfazer a importancia dos Diarios dos tres trimestres do corrente anno, constante das contas juntas, e regulados pelos preços, das assignaturas do Governo.

Sobre esta representação pedio a palavra

O Sr. João Victorino: - Desejava saber a quem a empresa pede isto se é aos Deputados, ou ao Governo.....

O Sr. Secretario: - É uma representação dirigida ao Presidente do Congresso, em que pede providencias para lhe ser satisfeita a importancia d'esse credito.

O Orador: - Quem lh'o encomendou é que deve pagar: mostrem elles se algum Deputado lhe pedio alguma assignatura. Pelo que me diz respeito contem as regras que já estão com as minhas fallas, e estou prompto para paga-las.

O Sr. Midosi: - A representação, que acaba de ser lida veio às Côrtes, porque a Commissão administrativa não tomou conhecimento do negocio. O Diario do Governo tem vindo todos os dias, e foi distribuido até hoje regularmente aos Srs. Deputados. Eu não entro na questão se havia ou não direito de o exigir, e sendo propriedade particular: não entro nisso, mas o facto é que tem vindo, e tem por vezes sido requisitado; e então quem tem direito a exigir o pagamento do genero, é quem o vende: - isto não entra em duvida. No emtanto é minha opinião que, antes de tomar o Congresso conhecimento desta materia, vá primeiro á Commissão administrativa.

O Sr. Alberto Carlos: - Lembra-me que aqui se fallou sobre este objecto, e resolveu-se que a Commissão administrativa se entendeste lá com o agente do Diario, para que elle viesse aqui todos os dias; e isso lá foi arranjado de maneira que o Diario veio, dando-se em paga o Diario das Côrtes: - é isto o que me lembra aconteceu; mas a Commissão administrativa poderá melhor esclarecer.

O Sr. Galeão Palma: - Quando esta questão veio aqui a primeira vez, eu fallei com o Sr. Midosi sobre ella, e, combinamos que viessem para aqui os exemplares correspondentes ao numero dos Srs. Deputados, de Diarios do Governo: é isto o que se passou. Agora com quanto á pertenção dos officiaes de secretaria, digo que ella, pertence ao Governo, a quem elles se devem dirigir, e, não ao Congresso. (Apoiado, apoiado.)

O Sr. Midosi: - Em resposta ao Sr. Galvão Palma devo dizer que se concordou em que se daria aos proprietarios do Diario do Governo as sessões das Côrtes, mas estas não se lhes deram senão no começo, e por espaço, de dias, depois nada se lhes tem dado, e por conseguinte faltou-se ao contracto.

O Sr. Pereira Brandão: - Eu requeiro a V. Exca., que consulte o Congresso, se se devem pedir esclarecimentos ao Governo a este respeito.

O Congresso resolveu que fosse remettida ao Governo esta representação.

O Sr. Secretario Rebello de Carvalho continuou a dar conta do expediente.

3.º Uma representação da Camara Municipal de Peniche a pedir que não seja levada a effeito, ao menos, naquelle Concelho, o projecto de lei que iguala na mesma contribuição os generos ou objectos produzidos dentro dos Concelhos, e os que para consumo são importados de Concelhos diversos, ficando subsistindo as disposições do Codigo Administrativo sobre este objecto.

Foi remettida á Commissão d'Administração Publica.

Depois da correspondencia teve a palavra

O Sr. Nunes de Vasconcellos: - Eu peço a V. Exa. que mande entrar já em discussão o Parecer sobre o Sr. Deputado Substituto por Coimbra.

O sr. Secretario Rebello de Carvalho leu é seguinte

PARECER.

A Commissão de Poderes foi enviada uma carta do Sr. José Antonio Rodrigues Trovão, Deputado Substituto eleito pela divisão eleitoral de Coimbra, e avisado pela Secretaria das Cortes para vir apresentar o seu diploma. O dito Sr. pede a sua escusa, porque os seus interesses gravemente lesados no tempo de sua emigração, e ainda mais por um acontecimento recente, lhe não permittem abandonar a sua casa no momento actual. A Commissão é de parecer que este motivo não é conforme com o indicado na Constituição, artigo 84; é por isso não póde conceder-se ao Sr. José Antonio Rodrigues Trovão a escusa por elle pedida. Casa da Commissão, em 2 de Outubro de 1837. - José Liberato, Freire de Carvalho; Ignacio Pissarro de Moraes Sarmento; Basilio Cabral; Leonel Tavares Cabral; conde de Fonte Arcada.

O Sr. Nunes de Vasconcellos: - Quando um Sr. Deputado declara de uma maneira tão forte, que não, quer vir tomar assento neste Congresso, parece-me que não ha outro remedio, senão chamar o seu immediato, a exemplo do que o Congresso practicou com o Sr. Baldy. (Apoiado.) Se isto se não fizer assim, ficaremos sem proprietario, e sem substituto. (Apoiado, apoiado.) De mais, Sr. Presidente, nós temos que tractar ainda de muitos outros objectos, para os quaes, não se póde dispensar o pensamento de um Sr. Deputado; porque nos sabemos todos que um pensamento só basta às vezes para decidir quaesquer questões. Sou por tanto de voto que se chame o immediato.

O Sr. Galvão Palma: - A missão, que me deram meus constituintes, foi não só para fazer leis, mas para promover a execução das vigentes: eu pois trahiria a confiança, que em mim depositaram, se não tornasse effectivas as que ainda não estão derogadas. O artigo 84, com o qual combina o artigo 35 do Regimento, só manda chamar os Sub-

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stitutos quando se impossibilita o Deputado: como pois o Sr. Trovão não justifica esta impossibilidade, os pretextos de commodidades pessoaes obstam a que venham tomar assento, segue-se que não deve ser dispensado, e consequentemente póde ser chamado. Se eu votei para que o Senhor Baldy não fosse dispensado, apezar do documento que apresentou ao Facultativo, como poderei agora votar em sentido opposto? Eu convenho que mal pode preencher bem suas funcções, o que as executa com violencia; mas como a lei o não escusa, eu não posso faze-lo. - Sanccione-se uma nova lei, que deixe ao arbítrio do Cidadão o condescender com a vontade dos eleitores, e então eu sobscreverei; mas em quanto ella não baixar, propugnarei que só a molestia permanente o escuse. Torno a dizer, eu subscreverei, mas com uma condição, que se ha de addiccionar á lei um novo artigo, e vem a ser: = O que se escusar, sem motivo preponderante, seja privado de qualquer emprego, que tenha na sociedade e até dos direitos politicos.

Senhores, eu não sei como se possa qualificar de Constitucional, quem se escusa de servir a patria do cargo mais eminente della, e em que lhe póde prestar os mais importantes serviços.

O Sr. Pereira Brandão: - Sobre isto não se póde questionar. O Sr. Deputado diz na sua carta que se arruina se vier ser Deputado; e o Congresso por certo não ha de querer que se arruine um homem para vir ser Deputado: parece-me por tanto que se pode dar a materia por discutida.

O Sr. Presidente consultou o Congresso, é decidio este que não estava sufficientemente discutida a materia, em consequencia do que teve a palavra.

O Sr. Barjona: - O objecto é de sua natureza bem simples. Não sei que haja lei, pela qual se possa obrigar a vir a esta Camara um Deputado eleito; mas sei que nós não o podemos dispensar, quando elle não estiver nas circumstancias, que a lei requer. ( Apoiados.) Eu conheço o Sr. Deputado, de que se tracta, e até votei nelle: mas não se pode attender á razão, que dá, de que se arruinará se vier aqui; quantos estarão dentro desta sala, a quem a deputação tenha feito grande differença nos seus interesses? Muitos certamente. (Apoiado, apoiado.) O Sr. Baldy apresentou certidão de doença; e este Sr. a razão qual apresenta é, que soffrerá prejuizo em a sua casa; mas seu não supponho que elle fique perdido por isso; por conseguinte é meu parecer, que elle deve vir. Em summa, o Sr. Deputado farão que entender; e nós façamos exactamente, o que nos prescreve a lei desta casa.

O Sr. Fernandes Thomaz..

Para o Sr. Deputado ser escuso de vir ao Congresso, era necessario que elle estive-se nos termos; que diz a Constituição, e que são os seguintes (leu.) Sr. Presidente, se os inthesses particulares do Sr. Deputado (que conheço, e de quem sou amigo) o privam de vir aqui, então eu tambem declaro, que me irei embora ámanhã, porque os meus interesses particulares me privam igualmente d'aqui estar: e pergunto eu: se todos nós não estamos no mesmo caso, especialmente os Deputados, das Provindas? Estamos de certo. Então, e como o Sr. Deputado não allega doença, eu sou da opinião do parecer da Commissão.

O Sr. Leonel: - Já um sr. Deputado disse que não se tracta do que se ha de fazer, se o sr. Deputado cá não vier: tracta-se só de saber, se o Sr. Deputado ha de ser obrigado a vir cá contra á sua vontade. A Commissão de poderes foi perguntada só, entre a comparação dos motivos allegados pelo Sr. Deputado, é a lei: eu conheço o Sr. Deputado, e sei que é verdade o que elle allega, mas a lei diz assim (leu): á vista disto entendeu a Commissão que os motivos apresentados pelo Sr. Deputado não eram comprehendidos na Constituição, e é isto o que ella diz.

O Sr. Barão da Ribeira de Sabrosa: - A disposição da Constituição não póde aproveitar ao Sr. Deputado, porque elle não allega motivos de doença. Se o Sr. Deputado, que vive na universidade, quizesse mandar uma certidão de doença, eu, respeitando muito a classe, não posso deixar de dizer, que havia de achar quem lha passasse, e então seria melhor que o Sr. Deputado apresentasse este motivo justificado pela lei para se escusar; mas comquanto elle o não faz assim, sou de opinião que se lhe dê a escusa, que reclama, e se chame o outro substituto. Nós nem devemos, nem podemos obrigar ninguem a ser legislador.

O Sr. Leonel: - Eu quero simplesmente dizer que já depois que a Commissão fez esse parecer, lhe foi mandada uma carta de outro Sr. Deputado dizendo nella que tinha recebido aviso para vir para o Congresso; mas que não podia vir, e que se o Congresso o julgasse podia chamar o seu substituto: Mas, eu, e os meus collegas somos de opinião de não dar parecer sobre esta carta; porque sobre a mesa já está um parecer, que tracta de todos os casos em geral; e que abrange tambem este: e então o verdadeiro, e o mais regular é discutir-se este parecer.

O Sr. Visconde de Fonte Arcada: - Sr. Presidente, eu queria dizer, o que disse o Sr. Leonel; a Constituição não podia dar outro parecer senão esse, porque a Commissão não póde dispensar Deputados, senão estando no caso da Constituição: o Congresso agora póde resolver o que quizer.

O Sr. Nunes de Vasconcellos: - Sr. Presidente, torno a repetir, eu não quero dizer que se obrigasse o Sr. que não quer vir, a que venha, mas sim a que se lhe dê a sua escusa, chamando o substituto, visto que elle diz que não quer cá vir: entendo pois que o parecer não tem logar.

O Sr. Alberto Castos: - Quando eu pedi a leitura da carta, foi para que o Congresso visse que o Sr. Deputado eleito não pede escusa, mas elle mesmo a dá a si proprio; e todos esses motivos, que allega, não são para o Congresso por elles o escuse, mas para que veja, e o publico as justas razões, porque elle não póde acceitar o mandato, e com isto respondo ao nobre Deputado, que estranhou a leitura da carta, leitura, que era indispensvel para se votar com conhecimento de causa, excepto se o Sr. Deputado quer jurar nas palavras da Commissão! Na Carta pois declara o Sr. Deputado eleito os fortes motivos, porque não póde vir e eu posso assegurar ao Congresso que todos são verdadeiros, e talvez para mais do que ahi se pinta!, porque em fim elle acha-se só dirigindo o seu negocio, é viuvo, e só tem tres meninas de menor idade, e agora já neste anno ardeo-lhe a Imprensa com todo o edificio em valor da mais de 4:000$000 réis: e actualmente está occupado de a reparar, trazendo para isso muitos operarios, que certo não pode abandonar. Eu bem sei que estes motivos não são os apontados na Constituição para a escusa; mas permitta-me a Commissão e os Srs. Deputados notar-hes que o caso não é o que se tem tractado de dar ou negar a escusa; se o fosse, o parecer certamente está legal, é eu hei de votar por elle neste sentido; mas o caso é totalmente diverso: a saber o que se ha de fazer quando o Deputado declara que não acceita, porque não póde! Isto é que a Commissão devia resolver; porque o que esta resolve não tem applicação á especie. Segundo entendo o que a Commissão devia dizer, era; que visto não poder acceitar, se chamasse outro; porque em fim isto não está resolvido na Constituição, mas está nos principios: que ninguem póde ser preso para ser Deputado, ao menos assim o entendo, é julgo que o contrario seria absurdo em si, e nos seus effeitos. Disse-se que os precedentes desta camara eram contra, ou que os não havia; mas permitta-me o illustre relactor da Commissão que lhe lembre o caso dos Deputados pela Madeira; Mósinho, Jervis, e Pestana, que apenas declararam que, não acceitavam, mandou-se lavrar na acta que o Congresso ficava inteirado, e se chamassem os substitutos, e não há differença

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alguma, senão que elles não quizeram acceitar por escrúpulos, ou caprichos; e o Deputado, de que se tracta, não quer porque não póde avista dos motivos sinceros, que apresenta , mas todos concordam em não acceitar; e os motivos dos primeiros de certo não merecem prémio com preferencia aos do actual.

Pela minha parte declaro que sinto profundamente a perda do Deputado, que se escusa; porque o seu caracter, probidade e intelligencia é tal como acaba de testemunhar o Sr. relator da Commissão, que o conhece, e eu com especialidade: servi com elle na camara municipal de Coimbra perto de dous annos, e nunca lhe observei quebra alguma no seu caracter. Em Coimbra assaz conhecido é elle, e os motivos, porque não acceita; mas elle expo-los para que o Congresso, e a nação o julgasse com conhecimento de causa; e assim approve-se embora esse parecer, mas desse outro sobre o caso, porque o que se leu não é adequado.

O Sr. Barjona: - Eu entendo que não ha outra cousa a fazer, senão approvar o parecer da Com missão: acarta vem concebida de tal maneira que não nos deixa alternativa.

O Sr. Leonel: - A Constituição diz: nenhum Deputado sem motivo permanente justificado perante as Cortes pode ser dispensado; a falta de fortuna não teve a Constituição era vista: o Sr. Deputado á esse o motivo, que allega, não pode á vista da Constituição ser legalmente dispensado; quanto ao que se apontou respeito ao Sr. Constancio não milita, porque elle estava em um paiz estrangeiro, o que não vem para ocaso presente: voto pelo parecer da Commissão.

O Congresso julgou a matéria discutida.

Posto o parecer á votação foi approvado.

O Sr. Presidente: - Deu a hora; a ordem do dia para a sessão seguinte é a continuação da discussão da constituição; está levantada a sessão.

Eram quatro horas da tarde.

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