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SESSÃO DE 9 DE OCTUBRO.

(Presidencia do Sr. Macario de Castro.)

Abriu-se a sessão às onze horas e meia da manhã, estando presentes oitenta e cinco Srs. Deputados.

Leu-se e approvou-se a acta da sessão antecedente.

ORDEM DO DIA.

O Sr. Presidente: - Passa-se á ordem do dia; continua a discussão da organisação da segunda camara; o Sr. Branquinho tem a palavra.

O Sr. Branquinha Feio: - Sr. Presidente, levanto-me para tomar parte nesta interessante e difficil materia, não para illustrar, e menos convencer com minhas razões os nobres Deputados, que generosamente combatem no lado opposto, mas para emittir minha opinião franca e leal, filha de convicção intima, a fim de que o povo, a quem tenho a honra de representar, conheça qual minha crença política na organisação da camara senatoria. Está em discussão o artigo do projecto; que diz assim (leu). Este artigo é tal como o que se achava na Carta Constitucional, e só com a differença de haver a illustre Comissão mudado a palavra = pares = para senadores = e supprimindo a outra = hereditaria: já se vê por isso que a maioria da Commissão quer que o Congresso approve uma camara de senadores, vitalícia, de nomeação para do Rei, e sem numero fixo! A esta camara assim projectada me opponho eu, e conformo-me antes com o voto da minoria da Commissão, que a quer de eleição para do povo, temporaria, e limitada a certo, e determinado numero de representantes.

Se nós no projecto de Constituição estatuímos já que a soberania reside em a nação, donde dimanam todos os poderes políticos; se o mais sublime é da confecção das leis, porque tende a regular por um certo, e determinado modo as acções dos associados; se o sublime de um governo representativo consiste na independencia destes poderes políticos, e sua igual divisão, segue-se, como natural consequencia, que não convém, não é regular dotar a pessoa, ou pessoas, em quem se acha depositado algum dos outros poderes, com uma parte tão essencial daquelle: mas nós tambem já approvamos que a lei ha de ser feita pelos representantes da nação, e estes só se dizem taes, quando o povo lhe delega seus poderes, por isso é obvio que todos aquelles, que tiverem uma parte activa na factura das leis, devem ser especialmente incumbidos, delegados para tal fim, por quem tem o direito de o fazer; mas os senadores hão de concorrer para a factura das leis, logo é necessario que sejam delegados para isso, mas o meio para o serem é a eleição, por isso essa camara deve ser electiva: assim julgo eu ter respondido a um nobre Deputado, que julgou achar no artigo 4.º do projecto materia já vencida, e clara para mostrar que devia essa camara ser nomeada pelo Rei, por se dizer que o Governo de Portugal era a monarchia representativa, sem se lembrar que o artigo 16 era mais explicito e terminante, e sem que se possa inferir que o Rei seja tudo em comparação da nação, antes se deve inferir o contrario. Que essa camara deve ser limitada a determinado numero é obvio, por quanto, se os Deputados são eleitos em razão da população, não vejo razão para que os senadores, que, ou representam essas cathegorias marcadas no projecto, ou determinada propriedade, ou outras circunstancias o não devam ser: tambem é minha firme convicção que deve ser temporaria; e nem podia deixar de se-lo, logo que se vença a eleição; e nem vejo meio algum, para que o povo deixe de retirar sua confiança aos seus representantes, quando seus actos, sua conducta na camara não harmonisarem com os interesses publicos, mas tenderem antes ao contrario, senão a eleição, logo é preciso que se reproduza essa operação.

Porém diz um Sr. Deputado: nós decretamos a camara senatoria, como um corpo intermedio, que sirva de equilíbrio entre o povo e a corôa, por isso deve ser independente, e só o poderá ser quando for nomeado pelo Rei, e vitalício. Parece-me, Sr. Presidente, que a consequencia não é logica, por quanto se a camara dos senadores foi decretada com esse fim, se ella tem que interpor um juizo nas questões, que por ventura se levantarem entre o povo, e a corôa , é elle então considerado como juiz, e por isso não é regular, não é jurídico que esse juiz seja nomeado só á vontade duma das partes; julgo então que a conclusão, que o Sr. Deputado devera tirar era, que esse juiz fosse nomeado pelas partes divergentes. Diz-se: o povo tem uma grande tendencia para a oligarchia, convém por isso crear um corpo, que mantenha esse povo em seus deveres, no justo limite da conveniencia publica; mas não será sufficiente que esse corpo seja composto de anciãos, aonde as paixões não tem tanta força, aonde se observam os negocios com mais madura circunspecção? Mas porque seja necessario esse corpo circumspecto, deve logo inferir-se, seja nomeado pelo Rei?

Não, Sr. Presidente, porque se o povo tende para a oligarchia, o poder não tende menos para o absolutismo, e entendo por isso que não convém crear esse corpo homogene com o poder, o que era presumível s fosse nomeado pelo Rei, porque elle havia de escolher pessoas, de cujos sentimentos estivesse inteirado, e que fossem satellites do mesmo planeta. Este mesmo Sr. Deputado opinou para que acamara senatoria fosse proposta pela dos Deputados, e da escolha da coroa, ou vice versa; como o Sr. Deputado não explicou seu systema, delle por em quanto não formo cabal idéa; mas parece-me que jamais se poderia adoptar semelhante systema; pois que tendo para mim que o delegado não pode delegar.

Tem-se por vezes repetido nesta sala, e com enfase, que é necessario zelar os interesses da corôa! Confesso, Sr. Presidente, que não entendo tal doutrina; porque minha razão não póde conceber como a corôa deva ter outros interesses, que não sejam os dos subditos, os da nação em geral. Alguns nobres Deputados tem-se inclinado á opinião da maioria da Commissão, em razão do poço portuguez haver mostrado pouca affeição às eleições, em haver abandonado a urna! Parece-me porém que não tem tanta razão como querem inculcar, porque o povo é verdade que mostra seu enfado por tantas, e tão repetidas eleições, mas está em nossa mão limitar esse meio ao que é mais essencial, ao que é mais util: cortemos por uma vez essas enfadonhas eleições de juntas de parochia, de juizes eleitos, de administradores de concelhos etc. etc., e reservemos a uma para o essencial: se é verdade, o que os Srs. Deputados atfirmam, convém então que nem a Camara dos Deputados seja eleita; façam tudo hereditario, que é em meu entender, o que causa menos incommodo. Qual é, Sr. Presidente, o correctivo, que os nossos combatentes nos apresentam para a sua camara vitalícia, quando se tornar facciosa? Não o vejo: nova razão para a não adoptar: a passar a camara vitalícia via até grandes difficuldades para a coroa, quando esses senadores abandonassem esses interesses da mesma coroa; porque não lhe vejo recurso, alem da nomeação de novos senadores, mas podem haver circumstancias, em que fosse necessario nomear tantos, que não houvesse local, em que coubessem. Diz-se mais: queremos uma camara vitalícia, por ser mais estavel; mas aonde existe a camara da carta, que, alem de ser vitalícia, era hereditaria? Apenas existe em desejos de alguns portugnezes.

Acho mal fundados os receios de alguns Srs., que temem que as notabilidades úteis não venham ao seio da representação nacional, por quanto basta recordar-nos do que se tem passado em nossos dias, e veremos que o povo, a quem

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chamam atrasado, e estupido, reelegeu sempre aquelles dos portuguezes, que neste recinto pugnaram pelos interesses publicos, pelas economias; fallo da antiga opposição: e não vemos tambem que o povo honrou com sua confiança aquelles dos nobres pares antigos, que pugnavam na extincta camara dos pares pelos mesmos princípios? Não são elles hoje Deputados? Sr. Presidente, não quero tomar mais tempo ao Congresso, voto para que a camara senatoria seja de eleição pura do povo; quero tirar a possibilidade ao poder de arranjar uma camara como a dos antigos pares (salvas as honrosas excepções), que sistematicamente votavam pelas decantadas reformas, que os homens viajantes da Europa civilisada nos trouxeram, e que nos levaram á desgraça, em que estamos; desses homens, que suplicaram os dinheiros conseguidos para a extincção do papel moeda em pagamentos de pomposos ordenados aos seus confrades, e que devoraram as preciosidades dos convenios; de uma camara, que já em 1826 se oppoz a medidas de vital interesse approvadas em camara dos Srs. Deputados, (que tendiam a anniquilar a facção liberticida commandada em Tras os Montes pelo Marquez de Chaves) como era a organisação das guardas nacionaes, e batalhão academico: quero-a temporaria, por quanto, ensinando-nos a triste experiencia que os homens mudam todos os dias de caracter, e á maneira que os seus interesses particulares os chamam ao caminho da infamia, convém que o povo es exclua da representação nacional, quando elles se constituírem em tal estado, e chame outros, que zelem melhor o seu bem. Não vimos nós, Sr. Presidente, no seio da representação nacional uma notabilidade protestar fidelidade, constituição ou morte, e fugir nessa mesma noite para Villa Franca?!! Tenho concluído.

O Sr. João Victorino: - Sr. Presidente, eu votei por duas Camaras, e dei os motivos, que tive de votar assim; votarei agora por uma segunda Camara sendo electiva, e agora tenho a discutir se deverá ser vitalícia, ou temporaria: tenho razões para seguir que deve ser temporaria: está formada a minha opinião: hei de votar por uma Camara temporaria (Apoiado); mas voto só por um motivo, e nisto para que os Srs. Tachigraphos sejam bem explícitos nesta nota. Nenhuma suggestão, nenhuma força reconheço, que me possa determinar externos os meus sentimentos: voto só minha, unica persuasão. Ignoro o que seja medo, quando estou sentado na minha cadeira: longe de mim votar por ameaças, são para mim perfeitamente indifferentes. (Apoiado, apoiado). Sou fraco, não sou homem d'armas; posso deixar nesta cadeira a minha cabeça; por mim nenhuma resistencia opporei, mas sou mandado por muitos milhares de cidadãos, que me vingarão. (Apoiado, apoiado). Voto como disse; e unicamente porque estou persuadido que aquella doutrina é a mais util ao meu paiz. (Apoiado.) Voto por ella pelas razões seguintes. (Aqui fez uma pausa, e depois disse) Sr. Presidente, como o bem da minha Patria é o meu unico norte, julgo que lhe póde ser mais util o poupar-lhe alguns quartos de hora, que consumiria meu desordenado discurso: cedo da palavra.

O Sr. Fernandes Thomáz: - Sr. Presidente, eu quando pela primeira vez tive a honra de faltar nesta questão manifestei qual era a minha opinião, e produzi os argumentos, que me pareceram fonda-la; agora, posto que eu confesso que ainda não vi nem levemente destruídos esses argumentos, e os outros produzidos pelos meus illustres collegas da minha opinião, por aquelles dos Srs. Deputados, que defendem o parecer da maioria da Commissão, nem por isso os repetirei, Sr. Presidente, mas unicamente me limitarei a mostrar a insufficiencia, e nenhum peso das razões, que tem sido allegadas por esses Senhores, que defendem o parecer da maioria da Constituição.

Vamos ao primeiro, e mais forte argumento "Se a segunda camara não for de nomeação regia, e vitalícia não será estavel, não será duradouro o systema constitucional; por conveniencia e utilidade publica é preciso pois que ella assim seja constituída." Eis-aqui a primeira asserção, que ainda se não provou. Appello para todos os Srs. Deputados se já ouviram a demonstração della.....Outro tanto podemos nós dizer da camara electiva, e temporaria, e eis-ahi asserção por asserção, e igual direito de argumentação, mas a questão indecisa! Eu declaro que, se acaso vi-se provada a primeira dellas, eu me retractaria de tudo quanto tenho avançado, e votaria pela camara vitalícia.

Eu bem claro disse, quando se tractou do projecto de constituição em geral, que eu queria um systema estavel, e de dura: que queria menos liberdade, mas segura, mas praticavel, mas estavel, e rejeitava mais liberdade menos segura, liberdade só theocratica, e inexequível. Se tal é o caso presente, eu desdigo-me; mas peço aos Srs. Deputados de contrario sentir que me provem, que me convençam. Entremos porém na analise, e conheceremos que o mais estavel é uma camara temporaria, e electiva. E na verdade, Sr. Presidente, qual dará maiores garantias de estabilidade, uma camara que tem raízes na nação, que se identifica com os interesses geraes, ou uma camara de camarilha, e sujeita ao capricho do Monarcha, e ao patronato de um Ministro? Qual será, mais estavel, aquella que abre a porta a todos os cidadãos nas circumstancias de entrarem nella, ou aquella que cheia dos dilectos e encolhidos do poder fecha a mesma porta a todas as nobres ambições de tão altas funcções? Qual será a que reunirá maior numero de interesses, e que só funda num principio da exclusão, ou aquella que abre a uma a todos os interesses? Não será esta a mais estavel? Não tem sempre maior numero de inimigos um systema exclusivo? Que se me responda. Demais. Sr. Presidente, quer-se dar o caracter de estavel ao que termina com a vida? Estabilidade e permanencia poderão jamais ligar-se á passageira existencia humana?! Numa camara hereditaria entendo eu que ha essa permanencia, porque ha o interesse não de uma vida só, mas de uma geração inteira; mas numa camara vitalicia!... Mas vamos aos mais argumentos. "Se a segunda camara não for vitalícia, e de nomeação real, ella não representará interesses diversos, será apenas uma secção de primeira, e então inutil."

Sr. Presidente, ou esses interesses diversos existem, ou não; se existem, elles hão de ser igualmente representados, quer seja o Rei que escolha, quer o povo, porque ambos os vão buscar á cothegoria, que os encerra; ou é a grande propriedade, a madureza dos annos, a pratica dos negocios, que convém representar; e então tanto o Rei como o povo ahi ha de ir buscar os Senadores, e é diversa da primeira a composição da segunda; e nada disto existe, e nada se deve representar, ou a simples nomeação real cria interesses que não existiam ainda, e a representação então é fictícia, inconveniente, e absurda. (Apoiado.) Sr. Presidente, eu quero duas camaras, porque entendo que na primeira, onde entra a especialidade de todas as classes sociaes, onde entram idades mais novas, e cheias de fogo, onde se assentam os menos experientes dos negocios, se representa o movimento, e o progresso. Na segunda camara, onde mora a madureza dos annos, a pratica dos negocios, a amisade á grande propriedade, e por isso mais ligação ao paiz, representa-se o elemento da conservação. Só destas duas instancias oppostas, mas não inteiramente contrarias, é que sabe como resultante aquella conveniente e pausada marcha, que convém á sociedade. Só essa marcha vagarosa é que é profícua, porque as sociedades humanas caminham a par da natureza " sem dar saltos." Todo o progresso, que muito se sente, é intempestivo, é, ipso facto, revolucionario. O verdadeiro progresso é apenas sensível. Que o diga a emancipaçaão dos catholicos, que o diga a reforma parlamentar na Inglaterra. Se 50 annos de opposição não achassem na camara dos Lords,

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eu pergunto, se viriam a cabo essas grandes medidas sem uma revolução violenta? Ora, Sr. Presidente, para se instituir a segunda camara; que preencha estes fins, será um embaraço a sua eleição popular, e a sua duração? Não o concebo. Um Sr. Deputado por Bragança asseverou que lhe parecia que a maioria da nação queria uma camara vitalícia; e outro Sr. Deputado, respondendo, disse que isso era duvidoso. Eu, pelo contrario, com toda a segurança posso avançar que a nação não quer, senão uma camara temporaria. (Apoiado.) Sr. Presidente, para que foi a revolução de Setembro? Principalmente, para a emenda da segunda camara. Que quiz a nação? Ser verdadeiramente representada; abjurou dos privilegios de representação, e monopolio de legisladores. (Apoiado.) Sr. Presidente, ou tem sido um sonho tudo o que se tem passado de Setembro para cá, ou é força confessar esta verdade. Mas continuemos em outros argumentos, os argumentos de imitação, e ahi vem a Inglaterra com toda a sua aristocracia forte e poderosa, mas pergunta-se: e nós temos cá essa aristocracia? Respondem todos: não. Então com que havemos de imitar? Fujamos de imitar a Belgica, dizia um Sr. Deputado, porque lá as eleições são dominadas por um poderoso clero, por uma immensa aristocracia moral. Pergunta-se igualmente: temos cá esse clero poderoso, essa aristocracia formidavel? Responde-se: não. Então, a que vem a paridade? Então de que temos a fugir? Sr. Presidente, eu entendo que toda a grande sciência do publicista, e do homem de estado consiste na applicação. Ler um livro de direito publico, sabe-lo de cor, nada mais facil; applicar os princípios á hypothese, eis o difficil. Deixemo-nos pois de imitar, porque está feito, deixemo-nos de fazer, só porque está escripto. Esqueçamos por agora os outros paizes, lembremo-nos só do nosso. Sejamos politicos, mas Portuguezes. Se Portugal tem hoje classe privilegiada para representar prove-se, e contemos com ella; se não a tem, então representemos o que devemos representar, e deixemo-nos de representações por imitação. (Apoiado.) Até servio um á falta de outros o argumento dos subsidios! Disse-se: se fazemos uma camara temporaria é preciso subsidia-la! Como se tira tal consequencia é que eu não sei! Pois o caracter de vitalícia dá-lhe dinheiro? A simples nomeação do Rei torna rico quem o não é? Se nós damos a grande propriedade como o sine que non da cadeira senatoria, empobrece o Senador, porque é eleito do povo ? Ainda quando fosse preciso dar-lhe subsídios seria isso argumento para formar uma camara vitalícia? Eu deixo este argumento á consideração de todo o homem sensato. Agora vamos aos argumentos de terror, e de medo, que as nações poderosas nos não acabem a liberdade.

Sr. Presidente, é ver muito pouco ao longe quem não descobre que desde 1830 para cá as cousas mudaram na Europa, e que outro futuro separa a liberdade: que hoje não está Carlos X. era França, nem o Duque d'Angouleme para capitanear os exercitos da fé; o estado actual da França, se ainda parece um tanto ameaçador, é precario, por que está ligado a uma vida; é duração dum homem emprehendedor, forte, e caprichoso do seu governo; se ainda se não realisou a verdadeira monarchia de Julho, o celebre programa do Hotel-de-Vil]e, ninguem pense que elle continuará ad oeternum completa deceçpção. O systema político, que se liga á existencia de um indivíduo, e não é a expressão da vontade geral, e necessidade sociaes é ephemero, porque acaba com o homem que o sustenta. Hoje já não ha Barks, e Pitts, que preguem cruzadas contra a liberdade, nem um John Bull tão facil de convencer, que lhe abra os cordões da bolça. Chamo o testemunho de todos os Srs. que estiveram em Inglaterra, quando se soube dos acontecimentos de Julho: que digam como elles alli seriam recebidos, com geraes expressões d'applauso, e interesse. Desde a guerra de Napoleão pezam 700 milhões de divida sobre a nação inglesa; e as dividas dos estados não são talvez das mais pequenas garantias da liberdade. Sr. Presidente, aventurarei mais um reflexão, que agora me lembra, e é a differença, que acho na formação da segunda Camara pela maioria da Commissão. Ella quer para o futuro a nomeação, simples do Rei, e para agora á eleição do povo. De duas uma; ou agora desconfia da Corôa, ou para o futuro se teme do povo. Eu, Sr. Presidente, nem receio agora o Throno, de temo nunca, da influencia do povo na eleição da segunda Camara.

Terminarei, Sr. Presidente, declarando que muito me maravilho hoje em 1837, o em Portugal a querer se estabelecer uma representação de privilegio, e dar-se um direito excepcional a favor de poucos, em perfeita quebra de todos os principios de liberdade, alguma já vencidos por este Congresso. (Apoiado, apoiado).

O Sr. Lopes de Moraes: - Sr. Presidente, os governos começaram com as nações, e estas começaram por governar-se antes que houvesse política, e sciencia; de governo. Inspirações instinctivas, movidas pela necessidade, dictaram as primeiras formas do governo, diversas conforme os valiados modos de existencia da associação, mas sempre destinadas ao bem geral da mesma associação nacional composta sempre de governantes, e governados. Os governantes bem que instituidos para o bem geral da associação, que os investio do poder para esse fim, pela natureza mesmo do poder, que tende sempre para augmentar, e pelo interesse proprio, sempre seductor, e sempre movel, o mais constante das acções humanas, não tardariam a abusar dessa poder em proveito proprio, ora illudindo, ora oppiimindo os governados: estes ora illudidos, ora opprimidos seriam por isso mesmo advertidos da illusão, e constrangidos mais tarde, ou mais cedo, a reagir contra a oppressão, tomando a liberdade, como os governantes tinham tomado o despotismo; porque, nem uma, nem o outro jámais se dão, mas sim se tomam. Desta maneira mostra a razão que nações, governos, e revoluções, tudo data quasi da mesma epoca, sempre co-existiram, talvez jamais deixem de co-existir: até hoje a historia, e observação de todos os tempos, e logares confirma, o que a razão a este respeito não deixa de mostrar, a quem tem a força, e a paciencia de pensar.

Esta lucta sempre mais, ou menos repetido, é que talvez jamais deixará de repetir se entre governamos, e governados, a todos fez necessario observar, e reflectir sobre os factos governativos, e revolucionarios, considerados nas suas causas, e nos seus effeitos, mais bem, ou mais mal apreciados. Daqui se foram formando duas políticas, a primeira dos governantes, isto é, a sciencia de illudir, e opprimir como ainda é: a segunda dos governados, isto é, a sciencia de prevenir a illusão, e de reprimir a oppressão; a primeira é do despotismo político; a segunda da liberdade política.

Ambas estas sciencias oppostas estabeleceram suas maximas, e principios geraes, porque sem isso não ha sciencia; mas esses princípios, em vez de serem expressões resumidas das relações constantes, e geraes dos factos observados, imparcialmente examinados, e meditados, foram pelo contrario na maior parte expressões mais, ou menos equivocas de interesses oppostos, que não podiam conciliar se na applicacação desses princípios: uns queriam uma obediencia cega, outros uma liberdade sem limite. Uma epoca chegou depois de seculos da lucta, que ainda dura, em que pouco e pouco a razão, e a justiça foi tomando o logar da força e do arbítrio, e em que o livre exame foi succedendo às crenças impostas pela illusão, e sustentadas pela força; e então todas os factos, todos os princípios seja da physica, seja da moral, foram, e estão sendo chamados a exame perante o tribunal da razão. Este espirito de observação e exame, tem do reformado, ampliado, e aperfeiçoado as sciencias, e as artes, defendendo-as comsigo nas massas sociaes, aonde tem multiplicado todas as capacidades individuaes scientificas, e

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industriaes, não podia por isso deixar, nem deixou de penetrar nos factos, e nos princípios da sciencia, e da arte de governar, porque a capacidade político será sempre o remate das outras capacidades. Em consequencia disto, que tudo constitue a civilisação moderna, uma política de razão, e ordem, a política Constitucional se foi formando, e vai progredindo com a civilisação; mas já hoje possue um cabedal de maximas, e princípios geraes, que não são a expressão de interesses oppostos, mas princípios conciliadores dos interesses de todos, ou expressões resumidas das relações naturaes, e constantes dos factos governativos considerados na sua tendencia a conseguir o maior bem, e evitar o mal da associação nacional.

Eu, Sr. Presidente, bem que livre, como a nação, de que sou representante, serei com tudo sempre escravo desses princípios, em quanto não for certo da sua falsidade; porque supponho que numa tal escravidão consiste, e della depende a liberdade nacional, se aliás fizermos delles uma justa applicação á nossa situação. Na quentão ha poucos dias decidida pelas duas Camaras fui eu um dos muitos, que votaram por ellas, e o principio em que me fundei, foi a separação, e justa distribuição dos poderes políticos, a mais ainda uma divisão adequada do poder legislativo, que tanto como os outros tende sempre a exorbitar-se.

A reciproca moderação, e repressão dos poderes uns pelos outros, é o principio gerador, e conservador da liberdade política, que existir, não póde com excesso de poder, seja onde for; mas o poder legislativo, que modera e reprime os outros por meio das leis, que nos governos livres são o principio fundamental da authoridade, por isso mesmo não póde elle ser moderado, ou reprimido, senão pela sua justa, e adequada divisão, estabelecida nas instituições. Se assim não for, pergunto eu; quem ha de modera-lo, e reprimi-lo, se exorbitar? A lei do justo; a razão universal, residente num só corpo electivo? A experiencia, e a observação tem mostrado constantemente que a garantia moral, fundada na sabedoria, e virtudes do legislador, é tão precaria n'um corpo, como num indivíduo, e por isso não é garantia; a garantia aliás mal pode conceber-se no garantido; do que deve ser separada. A unica garantia moral é a opinião publica, aonde ella está formada, e é sensata e fixa: mas essa não basta sem a garantia política estabelecida nas instituições, afundada numa natural, e razoavel divisão dos interesses legislativos. Só assim podem ser moderados, a reprimidos os interesses uns pelos outros; e por este modo só o seu conflictos, que sempre o ha de haver, se tornará regular de confuso, que aliás seria. Portanto, ainda que fosse possível representar numa só Camara todos os interesses nacionaes, a sua confusão bem depressa se tornaria uma anarchia de facções, de que uma viria a dominar as outras, e a ser denunciada por ser chefe, e assim da anarchia se viria ao despotismo de muitos, e logo ao de um só, por ser mais regular, e até mais supportavel. Esta é a marcha, que a razão mestra, e a observação, e a historia dos factos revolucionarios confirma a cada passo: a política Constitucional é o resultado da observação desses factos, e dos factos governativos, (Iluminados pela razão, e por ella reduzidos a um systema de princípios, e regras, aliás sem isso nada pode ser com sciencia, e arte; porque não passaria de uma historia inutil, e até penosa. Foram, Sr. Presidente, taes princípios, que applicados á questão das duas Camaras, decidiram o meu voto, ha muito formado sobre elles; e que de bom grado eu reformaria, se algum os destruísse por falsos, ou inapplicaveis. Porém como nem aquella discussão, nem a presente, ambas aliás ricas em figuras de Rhetorica, e exemplos, viessem ás vias apertadas da analyse para toca-las, eu partirei da sua applicação, já feita na decisão tomada, para a sua applicação na questão presente, intimamente connexa com aquella decisão.

Nós Sr. Presidente, decidimos que houvessem duas Camaras; e senão fora demonstrado que ellas são indispensaveis no estado actual da civilisação europêa, atraz da qual nós vamos, e no estado presente do progresso da política Constitucional, sempre nós seriamos obrigados de algum modo a proceder conformes a essa decisão, para escaparmos á censusa de irreflectidos, pouco atilados, e inconsequentes. Eu muito desejo escapar a essa censura, e suppondo igual desejo em todos os meus collegas; reputo a todos mais do que eu atilados, para livrar-se de cahir nella.

Quem votou por duas Camaras, Sr. Presidente, ou ha de convir em que ellas sejam differentes, seja em quanto á sua origem , e formação, seja em quanto á sua duração, volume e composição, seja em quanto mesmo às suas attribuições, ou aliás não entendeu bem o que votou; devia votar por uma só, se não quizer passar aos olhos da razão por irreflectido, ou arrependido. Notem os meus collegas as minhas palavras, e mais ainda as idéas, que exprimem; mas estejam certos que de todos faço o mais alto conceito, quaesquer que sejam suas opiniões, e que por isso não posso acreditar que elles votassem por uma segunda Camara identica com a primeira, porque isso era não só pueril, mas insensato: seria mais absurdo que fazer dous Reis para uma Monarchia, porque esses podiam ser substitutos um do outro, ainda que seria impraticavel que governassem ambos ao mesmo tempo, exemplos ha disso; mas as Camaras não se podem substituir, por ser de sua essencia que trabalhem ambas ao mesmo tempo; e desta maneira vinha a ser essa, não só uma toda inutil, mas embaraçante, e só um estorvo ao movimento político, sem servir de regulador, fim principal da segunda Camara. Em consequencia a decisão tomada já, de que haja duas Camaras, importa a sua differença, e resolve em parte a presente questão, a qual se reduz a saber qual será, ou deverá ser a sua differença. A Commissão propõe uma; comecemos a examina-la.

A Commissão, depois de ter decretado no art. 39 uma primeira Camara electiva, e temporaria; e por isso composta d'um numero determinado de Membros, o que todo são qualidades inherentes á eleição, que nem póde ser indeterminada, nem perpetua contra a jurisprudencia do mandato, porque seria admittir procuração irrevogavel; a Commissão seria pueril, e pouco reflectida, se no art. 45 decretasse uma segunda Camara electiva, e em tudo como a primeira, porque isso seria repetir a mesma, ou fazer della duas secções; o que sempre lhe tiraria a força, longe de reforça-la, como ahi já se disse: a força augmenta-se pela concentração, e diminui-se pela divisão. Uma tal combinação pois nem se conforma com a opinião directa dos que votaram uma Camara, nem por mais forca de razão, com a dos que votaram por duas, se bem entenderam o que votaram.

A Commissão porém foi assaz sensata para propor uma segunda Camara differente, de nomeação Regia, vitalícia, e sem numero fixo de Membros. Segundo a discussão me tem deixado entender, a maioria de seus Membros guiou-se pelos exemplos; meio o mais conferente para instruir os homens, e as nações: elles me escusam repeti-los, porque assaz os tem repetido, tanto os Membros da Commissão, como os mais Oradores. Discorrendo pela Inglaterra. França, e Belgica até á Hespanha, e achando em toda a parte essas segundas Camaras, ora hereditarias, ora vitalícias, ora temporarias, com razão seguiram o antigo conselho = inter utrumque in medio tutissimus ibis = o meio foi sempre o caminho mais seguro, que a experiencia tem mostrado; os extremos são viciosos, e de ordinario sempre se tocam : é este meio, que me agrada, tenha embora seus inconvenientes, porque em toda a parte os ha, ou mais ou menos; mas é este o exemplo de uma nação, que imitámos nas sciencias e artes, e a quem os ensaios políticos tem custado tanto sangue.

A segunda Camara vitalicia, diz-se, é um privilegio, que

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unindo-se com outro muito maior, a perpetuidade da Corôa, com suas prerogativas, tende a tornar-se oppressivo sem o correctivo da renovação. Convindo ainda, que fosse um privilegio, eu o reputo necessario para corrigir o da Corôa, que antes reprimirá, que reforçará: em todo o tempo o conflicto foi mais constante, e mais forte entre os privilegios, que entre estes, e a lei commum, surgida desse conflicto.

A Liberdade Constitucional tem nascido em toda a parte da lucta entre os privilegios, cujo regimen a precedeu por uma ordem natural: e de que ainda se conserva o maior na perpetuidade da Corôa, e suas prerogativas nas realezas Constitucionaes. Esta circumstancia faz necessario conservar-se, e mesmo crear uma potencia limitrofe, que ha de reprimir mais, que reforçar esse privilegio, ainda mesmo que ella fosse outro igual: a Corôa é hereditaria, e por isso é preciso pôr-lhe ao pé um poder vitalicio, e independente, que por isso mesmo será seu rival, e não tardará em ser. inimigo, por ser limitrofe: o poder da Coroa é constante, é mais constancia de resistencia achará ella n'um corpo fixo, do que num corpo fluctuante, de cujas fluctuacções sempre saberá aproveitar-se para abrir alguma brecha nos direitos do povo. A observação mostrou sempre que os Reis, mais se unem aos povos contra os grandes, do que a estes contra os povos. O conflicto mais se deu sempre nos grandes entre si, e cem os Reis, do que entre os povos, que com isso sempre folgaram; e nem de outro modo talvez poderiam conseguir a Liberdade. Os privilegios são Liberdades aparcelladas: o despotismo é a Liberdade de um só individuo, familia, ou corpo; e bem se vê que a multiplicidade dos privilegios é, como foi, um progresso para a Liberdade nacional, que não é mais que uma extensão desses privilegios a toda a sociedade ou a sua conversão em lei commum.

Porém, Sr. Presidente, nas realezas Constitucionaes se conserva ainda o maior dos privilegios na perpetuidade da Corôa, e suas prerogativas: para corrigi-lo não basta um direito politico commum e fluctuante, exercido por uma Camara electiva, e temporaria, é preciso um direito mais estavel e permanente, como o é ode Corôa; é necessario que a resistencia seja constante como a potencia; portanto ainda que a Camara vitalicia fosse um privilegio, e um mal, eu o tornaria como remedio necessario contra outro mal ainda maior.

Porém, Sr. Presidente, aqui não ha privilegio, isto é, prerogativa ou Liberdade particular de pessoa, ou de familia: na ordem politica fica aberta a porta a todo o Cidadão para a candidatura, a legislador vitalicio, como ella o está na ordem social, para os grãos superiores da escala das sociedades modernas: a sociedade nacional, considerada na sua totalidade, é uma carreira composta de todas as outras; e como nellas ha na sua composição gráos superiores, seja de riqueza, sabedoria, ou virtudes, ou de tudo ao mesmo tempo, ou a maior parte do que dá consideração social, inclusive esse prestigio de nascimento, o que tudo é poder; aquelles que occupam esses gráos tem mais interesse em conservar, e defender, do que em adquirir; daqui a permanencia, e a estabilidade de interesses, que ordinariamente são os mesmos toda a vida, porque para traz não tende o espirito; para diante não tem para onde avançar. Pelo contrario nos gráos medios, e mais ainda nos inferiores a tendencia é para subir, e para isso se fluctua continuamente, a fim de deslocar os que estão acima; por conseguinte em todos esses grãos da escala social, os interesses são moveis; ha mais interesse em adquirir, do que em conservar, e defender; de maneira que na ultima classe da sociedade nenhum interesse ha em defender, e conservar, porque não ha que: todo o interesse está em adquirir, e progredir; assim como nas classes superiores todo o interesse está em conservar, porque tudo ha a perder, e nada a ganhar: nas classes medias, tanto interesse ha em conservar, e defender, como em adquirir; mas este ultimo interesse é movel, e progressivo; assim todos os interesses sociaes, bem que por extremo variados podem reduzir-se a estaveis, e permanentes, variaveis; e fluctuantes; daqui a necessidade de dous corpos collegislativos differentes, que representem estas duas ordens de interesses, e que tenham um caracter correspondente ao dos mesmos interesses. Mas, pôr a ordem politica em harmonia com a ordem natural da sociedade, não é privilegio, é Liberdade. A Liberdade politica não igualisa os homens, senão em quanto aos direitos civis, porque são inauferiveis, e inalienaveis; pelo contrario, em quanto aos direitos politicos, bem longe de igualar, a Liberdade politica faz sobresair as desigualdades naturaes, e sociaes, convertendo-as em gráos correspondentes de capacidade politica: o puro despotismo só é quem iguala os homens em politica, reduzindo tudo a escravos.

Sr. Presidente, por mais que se diga, e que se faça, a composição material das sociedades modernas, não se muda com palavras: e a politica constitucional não deve ser, e nem é racionavelmente, mais que uma copia dessa composição. E que vemos nós nessa composição? 1.º Uma numerosa quantidade de individuos dependentes do seu trabalho diario, ou da benificencia dos outros para a sua subsistencia diaria, pobres, e estes sem capacidade politica. 2.º Um numero ainda consideravel, cuja subsistencia, ainda que um pouco mais segura, com tudo não chega, pouco abastados; estes exercem nalguns governos livres, da censo baixo, e infimos empregos publicos, e os primeiros graus do direito eleitoral; e este o primeiro grau tambem de capacidade politica. 3.º Outros ainda numerosos, que tem uma subsistencia segura, abastados; estes vão subindo na capacidade politica como sobem na social, qualquer que seja o seu modo de subsistencia honesta e independente. 4.° Ricos, menos numerosos, os quaes tem segura a sua subsistencia, e de sua familia. 5.° Opulentos, ainda menos numerosos, e que tem segura a riqueza da sua familia. Esta mesma graduação successiva regula ordinariamente as capacidades, sejam intellectuaes e moraes, sejam industriaes; numa palavra, as capacidades sociaes que dão as capacidades politicas. Desta maneira o corpo social tem o seu grosso nos abastados, e ricos, que constituem a classe media, e que como classe possue todas as capacidades, inclusive a politica ou governativa, mas cujos interesses são moveis e fluctuantes, por serem progressivos: deve por tanto esta classe representar esses interesses uma Camara electiva e temporaria, e por isso fluctuante e progressiva como elles: ella é propria a fazer, como faz o essencial das funcçòes governativas; porque nem tem a vileza da miseria, nem o orgulho insupportavel da opulencia; mas sempre terá o caracter do progresso agitado para subir aos graus superiores da escola social; os extremos deste corpo são as classes Infimas, matriz de toda a associação, que não tem capacidade politica, ou apenas principiam, e tendem a passar á classe media, e ai classes superiores, cujos interesses são, guardar e conservar, porque para cima não tem posição, e para traz, é contra o progresso, inatto ao espirito humano, para onde só se baixa por excepção. Daqui se vê que os interesses das classes superiores nas realezas constitucionaes, são estaveis e permanentes; para uma não ha senão um logar na escola social, a Corôa, sempre occupada; para baixo não ha tendencia, e ha sempre movimento progressivo contrario da classe media, tambem impellida pelas classes inferiores neste mecanismo se vê que a Camara electiva, resultado de uma acção progressiva, não póde representar senão os interesses moveis e fluctuantes; cada eleitor elegerá, e votará naquelle, cujos interesses tiverem o mesmo caracter, quaes os seus; e como a maior somma delles e das classes medias e inferiores, os interesses estaveis das classes superiores, que aliás: devem ter conhecimentos geraes, sobre o complexo dos interesses communs a todas as classes e localidade,

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ficam fóra da representação, e o Poder Legislativo incompleto.

E com effeito, o que é o Poder Legislativo nos Governos Representativos? A representação de todos os interesses nacionaes, cujo completo seja mister regular por leis. Então aonde se dá o conflicto em nossas realezas constitucionaes? Entre a classe media, clames superiores, e Corôa. Eis aqui porque são necessarios nestas realezas dous corpos colegislativos differentes, e a Corôa. Mas que differença deve ter a segunda Camara da primeira? A mesma que os interesses que representa. Permanencia, estabilidade, e generalidade: eis aqui o caracter desses interesses, o mesmo caracter dei e ter esse corpo. E como se organisará elle com esse caracter. Compondo-o de homens que tenham tudo a perder, e nada a ganhar. E quem são esses homens? Aquelles, que occupam os mais altos graus na escola da sociedade, os quaes terão por isso todo o interesse na conservação da ordem social, que os elevou ahi. E como se hão de achar esses homens? Por uma lei fixa, que lhes marque as qualidades cathegoricas. E quem ha de escolher entre os que possuem essas qualidades? Isso depende da natureza do Governo nas republicas devem ser electivos, e por isso temporarios, porque uma condição importa a outra. Nas realezas constitucionaes ha hoje hereditarios, vitalicios, e temporários, as duas condições importam a nomeação regia, immediata, ou mediata, a ultima importa a eleição. A minoria da Commissão reconhece tanto estes principios que, propondo uma segunda Camara temporaria, a propoz puramente electiva, mas reconhece que a permanencia e estabilidade deve ser o seu caracter, pois que convem nas cathegorias, e lhe marca dobrada duração.

Eu, Sr. Presidente, voto pela segunda Camara vitalicia, porque alem das razões já dadas de estabilidade e permanencia, para o que concorre essa condição, ella concorre tambem para a independencia, e para adquirir ou aperfeiçoar a capacidade governativa pelo exercicio funccional é por isso que tinhamos, conservamos, e estendemos essa qualidade em muitos empregos civis e ecclesiasticos, e armas, e letras, e em todos aquelles, em que convém reunir a independência a capacidade, assim adquirida , ou aperfeiçoada. Disse-se ahi, que ninguém aprendia para governar. Nos agora só estabelecemos essas escola1- nos Corpos Legislativos ahi aprenderemos. Porem agora já que somos novatos sirva-nos de mostra a França mais velha que a Belgica, e a Hespanha, em materia de liberdade, a França veio da Camara hereditaria a vitalicia, nós devemos evita-la, já que vamos atraz delle nas sciencias, e nas artes; e eu ouso avançar que se assim o fizermos, essa Hespanha, e essa Belgica, nos ha de vir a imitar breve. Nos governos mixtos, como são as realezas constitucionaes, a perpetuidade da Corôa fez necessarios empregados vitalicios em todos os ramos do Poder politico, ao mesmo tempo que outros são temporários, e nisto condiste u mi grande parte da mistura uns são nomeados, outros electivos, outros electivos nomeados. Nas republicas todos devem ser a temporarios, porque todos são electivos, e nos governos despoticos tudo é temporario de facto, porque não ha direitos politicos, eis aqui como os extremos se tocam. Sigamos pois um meio, porque só por ahi vamos seguros.

Se pois me decido pela Camara vitalicia, é forçoso, segundo os principios já expostos, que nella intervenha a nomeação regia, seja mediata, seja immediatamente, escolhendo a Corôa entre um multiplo qualquer de eleitos, ou os eleitores n'um multiplo proposto pela Corôa de todas essas combinações me lembrei, até por ser isso conforme a instituição dos arbitrios, e haver quem diga que a segunda Camara é um arbitro entre a Corôa, e a Camara dos Deputados. Porém advertindo que nenhuma das Camaras se compromette na outra, e que as contestações talvez sejam mais frequentes entre a segunda, e a Corôa, o que em
todo o caso nenhuma fará mais do que de conciliadora, modificando as pertenções uma da outra, ou da Corôa, voltei por isso á uma nomeação regia, por me parecer a escolha da lei constituiva, marcando discretamente as cathegorias, aliás bem verificadas pelo senso, o que póde dar mais nacionalidade á Camara, do que a eleição, que a Corôa sempre tem poder de corromper em consequencia disto voto tambem que seja de nomeação, mas não me opponho a qualquer combinação de mistura de nomeação, e eleição. Advirto com tudo aquelles, que querem essa Camara electiva, e temporaria, que não se illudam, a eleição repetida ha de fazer não só a Camara vitalicia, attenção o pequeno numero de capacidades, e até de ambições nesse caso, mas por mal de peccados ha de faze-la miguelista por tudo pois voto pelo artigo 45, menos no que toca ao numero indeterminado dos membros da Camara, porque fará a Corôa Senhora das maiorias. A Camara dos Deputados tem numero determinado de membros, e as maiorias são muitas vezes da Corôa, contra os interesses dos constituintes, sem o direito de muda-los, se não finda a legislatura, por isso tambem eu queria uma latitude de numero para a Corôa, já que o não póde ter de tempo, e nesse sentido proponho que o numero dos membros nem seja menos d'um terço, nem mais de metade do dos Deputados, mas nisso mesmo não insistirei mais por não mortificar a Camara por mais tempo.

O Sr. Midosi: - Chegámos á questão mais grave de todas, a da organisação da camara alta, objecto, sobre o qual mais divergente, do que sobre nenhum outro, vejo o Congresso. A questão tanto pelo lado temporario, como pelo lado vitalicio offerece argumentos tanto em pró, e em contra, mas os em pró, a favor da temporaria, confesso que nestes ultimos dias tem em meu fraco entendimento feito tal impressão que, quando eu a esperava desvanecida pelos argumentos dos que defendem acamara vitalicia, me levam hoje, a votar pela camara temporaria, como unica, que póde trazer ao paiz socego, e satisfazer aos desejos da nação, que nos confiou o seu mandato.

O legislador, Srs., tem um dever restricto, outro lato. O restricto é desempenhar litteralmente os poderes da sua procuração; o lato é na orbita desses deveres examinar o que melhor pode convir aos seus constituintes, a seus interesses, e ao seu bem estar Nossa procuração, com quanto se sofisme, obriga-nos a conservar a origem popular em tudo quanto de nos depender, não somos nos quem fez essa declaração, foram os que obrigaram o povo a reagir. Nós fomos os medianeiros entre o povo, e o throno, não ha duvida, e por quanto o fomos, não devemos esquecer os interesses de quem argui nos mandou.

Quer-se a camara dos senadores vitalicia, e alguém ao ouvir o calor, com que se sustenta esta opinião, supporia, que os que a desejam temporaria a votariam por um anno. Não, Srs., o praso, que se deve fixar depois, creio eu, e não me constituo o interprete de opiniões alheias, ha de sem duvida tranquillisar todos os escrupulos dos Srs., que tanto temem esse estado temporario, e mostra-lhes que por fim disputa-se sómente sobre palavras, porque o cargo de senador na idade madura, que deve ter para ser investido nessa dignidade, torna-se vitalico com pequena differença pela mortalidade a que está sujeita a natureza humana, e então ou se declare o cargo vitalicio, ou se lhe marque certo numero de annos que para a maioria dos senadores forçosamente será o da probabilidade de sua existencia, o cargo tornar-se-ha por este facto vitalicio.

Mas isto não satisfiz a alguns de meus illustres collegas; quer-se que tudo dimane da corôa. Eu confesso que á corôa desejo dar todas as prerogativas, que em uma monarchia lhe competem, e como por tantas vezes o tenho manifestado, e sustentado neste Congresso mas tantas e tão pesadas da experiencia, não por parte da corôa, mas por parte

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daquelles, que dizendo-se sem defensores por um falso zelo, que serve de capa a ambição pessoal, querem mais do que ella quer, ou deseja, me obrigam a proceder cauteloso, e a não entregar a minha patria á mercê dos que a tem por mais de uma vez sacrificado. Não temo, Sr. Presidente, nem nunca temi as usurpações da corôa sobre os direitos do povo, temo sim os que se embuçam no manto real, e que escondidos por traz do tbrono, procuram gosar da impecabilidade, que demos á corôa! (Apoiado.) Quantas concessões não teriamos nos foto antes do attentado da rebellião, promovida, e sustentada por aquelles, que deveriam ser os primeiros a proclamar a ordem, e a obediencia às leis? Quantos pactos, em quantas transacções de boa fé teriamos nós entrado antes desta malfadada epoca? E hoje, Srs., posso eu, como representante da nação, que em mim confia, faze-las. Não, Srs., seria faltar ao meu dever, seria tomar um peso de responsabilidade superior ao meu mandato. E quem de tudo isto será o culpado? Ahi vos entrego, Srs., a pergunta para a par della se exarar a resposta.

Disse-se do lado direito da Camara que não devemos imitar a Hespanha, e deste lado ouvi a outro Sr. Deputado, que defende a camara vitalicia, que a nação visinha nos fornece exemplos, que não detemos desprezar. Ao ultimo dos Srs. Deputados direi, que para aproveitarmos esses bons exemplos, devemos votar pela camara temporaria, e ao primeiro ponderarei, que não quero, nem desejo imitar servilmente as outras nações naquillo, que não poderia convir ao bem da minha patria, mas não me seja imitar a nação visinha, e irmã, no ponto da organisação constitucional, de que se trata, mormente vendo na lista dos nomes, que approvaram em Hespanha a camara temporaria os de Ferrer, Ologaga, e o do illustre Arguelles, Deputado, que eu tive a honra de conhecer na emigração, e cujos talentos, moderação, abnegação, e patriotismo dão mate a qualquer assembléa legislativa. Appello para o testemunho de todos aquelles, que tenham tido a fortuna de haver conhecido este distincto litterato, este patriota desinteressado, e virtuoso, elles que digam se uma authoridade como a do digno Deputado Arguelles, merece, ou não toda a consideração?

Alguns argumentos produziram os Srs., que pugnam pela camara vitalicia, que me parecem ser de mui pequena força. Disse um illustre amigo meu, que a camara vitalicia deve servir de escudo ao povo contra a corôa, e a esta contra aquelle. E aonde está esse escudo, se a corôa nomeia quem lhe apraz, e por numero indeterminado? Sendo vitalicio o cargo de senador, fica esse o dependente da corôa, cujos interesses defendera exclusivamente, pondo-se em guerra com o povo, cem que possa ser despojado do cargo, que a corôa lhe não tirará por certo Recente prova tivemos do que se pode esperar da camara vitalicia, no que obrou acamara hereditária durante a usurpação. Que escudo foi esse na epoca referida (Interrupção - vozes, - e a camara dos Deputados?) O orador continuando: - Ninguem chamou a essa camara escudo do throno. Tenham a bondade os Srs. Deputados, em vez de interromper, pedir a palavra, e combater com argumentos, e não com interrupções. Prosigo - No nosso estado actual de divergencia de opiniões, bastar-me-ia para contrariar a camara vitalicia o perigo, que podem dar-se de trazer ao senado uma maioria de senadores, que professassem principios, absolutos.

O mesmo illustre Deputado, que sustentou esta doutrina, citou B Constant, que recommenda um poder conservador composto de modo, que tenha em si todas as qualidades de duração. A par da citação deveria o digno preopinante reclamar a camara hereditaria que é a que Constant defende, tendo por viciosa a vitalicia (Apoiado, apoiado). Isso entendo eu, mas não entende por que se defende a vitalicia, que pouco maior duração tem do que a temporaria, e nenhuma das vantagens, que esta offerece, como mostrarei.

Mas diz-se, que a camara vitalicia comvém melhor, porque seus membros podem dedicar-se ao estudo, obter o premio de suas fadigas, e dar assim entrada no pantheon dos vivos, donde munca mais devem sair. Ora, Sr. Presidente, por ventura na camara temporaria as senadores não terão maior incentivo para se darem ao estudo. Não procurarão elles merecer o suffragio da corôa, e do povo, para aquella os escolher, e este os nomear? Pela reeleição, pela preferencia do povo, pelo desinteresse, e abnegação a bem do paiz, é que essas summidades sociaes entrarão no pantheon dos vivos, e nelle tomarão o logar, que lhes está destinado, segundo quer o illustre fundador desse templo d'immortalidade, que me permittirá dizer-lhe, que é da natureza humana não aspirar á celebridade nos cargos vitalicios, em quanto nos temporarios poucos são insensiveis á approvação publica, e á honra de merecer a reeleição de um cargo, que por esse facto se conhece haver sido desempenhado a contento dos eleitores.

Do outro lado da Camara ouvi que independentes serão os senadores sendo o cargo vitalicio, e dependentes sendo temporario, porque a intrigas se ha de recorrer, e aos meios de seducção para com os eleitores. Não ha duvida, Sr. Presidente, independentes do povo, dependentes da corôa, sendo o cargo vitalicio (Apoiado). Dependentes da opinião publica sómente, sendo elle temporario, que será essa a unica condição da confiança dos constituintes. Mas á intriga se ha de recorrer, ouvi expressar esse receio, e confesso não me fez peso algum. As intrigas populares são pouco temiveis, porque tem muitos julgadores. Não necessito expor a proposição contraria desta doutrina, porque a julgo ao alcance de todos.

Uma hyperbole soou tambem neste Congresso, a respeito da camara electiva, que já custa a sustentar vencendo subsidio, quanto mais duas. Pois, Sr. Presidente, não teremos em o nosso Portugal senadores, que se contentem com o honroso do alto cargo, sem exigir estipendio? Triste do estado da nossa nação, se acaso não é possivel achar na classe alta quem se dê por sobejamente pago com a honra de exercer um dos mais importantes cargos da monarchia sem um subsidio. Agora pelo que pertence á despeza feita pela Camara dos Deputados, sustento que nunca houve em Portugal uma, que menos despeza fizesse, e ainda admittindo que essa despeza fosse grave, o que se deveria considerar seria sua utilidade, e não o mesquinho gasto, que nada pesa na balança do bem geral.

Cheguei, Sr. Presidente, ao cavallo de batalha dos Srs., que impugnam a camara temporaria, a inamobilidade dos senadores porque são juizes. Poder inamovivel só conheço, pela lei fundamental, o poder judiciario, se o senado for inamovivel, teremos dous poderes desta natureza, e o que é mais, teremos um enxerto feudal, porque os réos e colherão os seguintes, como os antigos barões os escolhiam. Se isto passar no Congresso, o que não espero, hei de pedir a eliminação do § 11 do artigo 74, em que a corôa póde perdoar, e minorar as penas, e exigirei que não se faça lei de responsabilidade para os ministros! Em verdade não haveria absurdo maior, que votar se o artigo 50 na parte, em que os senadores são tribunal de justiça, para conhecer dos delictos dos membros da familia real, e dos ministros quando uns, e outros se tornam de facto irresponsaveis pelo artigo 74, que citei (Apoiado.)

O meu illustre, e antigo amigo, que tem assento nas cadeiras superiores ao logar, que tenho a honra de occupar nesta Assembléa, sustentou que em Hespanha a organisação do seu senado serviu para os eleitores escolherem a aristocracia, e accrescentou que embora se afadigassem em Portugal, que aristocratas viriam tambem ao senado. Muito folgo, Sr. Presidente, que assim seja, porque eu respeito tanto a aristocracia, quinto temo o aristocracismo, isto é, o vicio da classe, que é o que a tem desacreditado entre nós. Eu desejo, e quero a nobreza representada tanto no

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senado, como na camara electiva, pelo que ella vale, e pode fazer, e então, como esses são meus sinceros desejos, tranquilliso-me que pela camara temporaria ella não fique excluida do alto logar, que ella deve occupar, ao passo que evito o risco de a ver figurar na camara vitalicia, com exclusão das outras classe.

Tsmbem deste lado da Camara se disse, e sustentou que a segunda camara deve ter interesses differentes, e que sendo independente melhor tractará dos interesses do povo. Os interesses da segunda camara, Sr. Presidente, não podem ser outros, que os interesses da primeira camara, isto é o bem do povo, e a estabilidade da corôa, só a sua independencia do povo, é que poderá fazer com que melhor haja de advogar os seus interesses. Ou o corpo senatorio não deve representar nada, ou ha de representar os interesses, e a vontade da nação (Apoiado, apoiado).

Aqui observei de passo que se sustentou; que, para formar leis, e para fazer o bem do povo, era indispensavel que o senado tivesse duração. Confesso, Sr. Presidente, que não entendi a força do argumento, que, se o entendera, insistiria que a Camara dos Deputados fosse tambem vitalicia, se essa é a condição indispensavel para bem legislar.

Citou-se a França como exemplo, e a sua camara vitalicia, porém não se voltou a outra pagina da sua historia, que nos informou do acontecido, quando o venerando Lafayette fez o convenio da camara hereditaria para a camara vitalicia. Andam impressos os seus discursos, em que por mais duma vez elle alludio a essa transação, e em que expressou o seu arrependimento, por não ter annuido ás propostas de Mr. Lafitte, e ás de seus amigos politicos. A França com a sua camara vitalicia ficou de peor condição, do que com a camara hereditaria, e hoje creio que ninguem o nega. Todavia citou-se a França, mas nada se disse da Inglaterra, onde estamos vendo a nação a braços com a Camara alta. Quem esquece o que ella tem feito com a lei dos municipaes para a Irlanda, com a reforma do clero Irlandes, e tantas outras? Esta opposição continua, suggerio a Mr. O'Connell a luminosa idea de reorganisar a Camara alta, que elle propõe seja de numero certo, e pares propostos pelo fiel em cathegonas designadas, e escolhidas pelo povo. Eis aqui, como se prova que em todas as partes, em todos os governos representativos está reconhecida, a necessidade de não tornar a camara alta dependente da corôa sómente.

Alguns outros argumentos, que já foram refutados, poderia reproduzir, mas abstenho-me disso, que não desejo cançar a attenção da camara, para offerecer aos meus illustres collegas, que preferem a camara vitalicia, uma reflexão, que merece ser meditada. A camara temporaria tem a vantajem de estar em harmonia com a camara electiva, e apresenta o correctivo de poder ser dissolvida, quando assim convenha ao bem publico, a camara vitalicia não tem, como já ponderei, remedio algum depois de eleita, senão o soffrimento, ou uma revolução, mas dado o caso, que uma e outra apresentassem iguaes vantagens, submetto a meus illustres collegas, que deffendem a vitalicia, as seguintes ponderosas reflexões estamos no seio das divergencias politicas, e na epoca, em que alto fallam as paixões. Sobre taes influencias eleito o senado, quem viria ao Congresso? Summidades d'uma só côr politica, que lá está a opinião publica para affastar as outras, com quanto nenhuma parte tivessem tomado nos males, que tem aflligido a nossa patria. E então o Congresso, este Congresso Nacional, poderá querer marcar a linha divisoria, desejará acaso cortar pela raiz as esperanças daqueles, que não tomaram parte activa na rebelião, e que sendo notabilidades desejam um meio de reconciliação? (Apoiado, apoiado) Quererá por ventura, que para com aquelles, a quem declarou o locus poenitentioe:, se lhe fechem as portas deste Congresso? (Apoiado) Onde estaria aqui a politica, onde a razão de consciencia? Quereremos acaso, que exibia eternamente a desunião da familia portugueza, dividida já por tantos infortunios? (Apoiado). Seremos nós, nós legisladores os que deveremos fomentar, e atéar o fogo da discordia? Não Srs., o Congresso de 1837 tal não póde desejar que em contradicção estaria elle com todos os seus actos. Se pois este Congresso tal não póde querer, não se tome um arbitrio, que forçosamente ha de ter esse resultado. Pense-o maduramente o Congresso, veja se quer que continue a existir um partido, que pelas medidas que adoptar, e pela desigualdade, e systema de exclusão, com que for tractado, esteja sempre alerta, e vá engrossar, as fileiras dos machinadores e descontentes (apoiado) Estas ponderosas razões, que concebi meditando na materia fizeram-me muito peso, entrego-as á consideração de meus collegas, que muito desejarei me convençam que laboro em trilho errado, no em tanto, em quanto não fôr convencido do contrario, em quanto melhore, razões, das que a que offereço, não são produzidas, voto, no interesse do povo, no interesse da corôa, e no interesse da aristocracia pela camara temporaria. (Apoiado, apoiado)

O Sr. Rebello de Carvalho: - Sr. Presidente, depois de tudo o que tem dito os illustres oradores, que não precederam, eu não usaria da palavra, se não estivesse intimamente convencido, que é esta uma questão vital, de que depende a consolidação, ou não consolidação da liberdade entre nós, segundo o systema da monarchia representativa, que felizmente nos rege; e nesta persuasão, sendo tantas, e tão variadas as opiniões que se tem emittido, todas nascidas sem duvida da profunda convicção dos seus authores, julgo do meu dever não ficar em silencio, mas apresentar tambem o meu modo de pensar sobre este ponto importante da nossa organisação politica, menos com o fim de illustrar o Congresso, ou arrastar a minha opinião os illustres Deputados, que pensam de differente maneira, do que com o fim de fazer conhecer a meus constituintes quaes são as minhas idéas, e os motivos, e fundamentos do meu voto.

Alguns Srs. Deputados, que tem tomado parte nesta discussão, tem começado os seus discursos por fazer uma protestação de fé da convicção dos seus principios, e da pureza das suas intenções sobre esta questão. Eu faço a devida justiça, a todos os illustres Deputados, e pela parte que me toca tambem direi ao Congresso que tenho meditado muito sobre este objecto, e que o voto, que passo a exprimir, nasce de uma consciencia plenamente formada, porque eu entendo, como já disse que, dependendo da solução desta questão a realidade ou a ficção do Governo constitucional entre nós, um remorso eterno me atormentaria, se eu pronunciam de leve o meu voto, não tendo este por fundamento um serio exame, e meditação sobre tudo, o que podia fornecer-me o meu limitado entendimento.

Isto posto, eu entro na materia, e para que o Congresso não esteja por um só momento em duvida ácerca da minha opinião, para que os illustres Deputados, que não concordarem com ella, possam ir preparando as armas, que contra mim quizerem usar, eu desde já desperto a sua attenção declarando que voto por uma Camara temporaria de nomeação do Rei sobre proposta triplice dos collegios eleitoraes, sendo igualmente de opinião que devem marcar-se cathegorias, nas quaes entrem os elegiveis.

Sr. Presidente, são diversos os argumentos, que se tem empregado para mostrar a conveniencia de uma Camara vitalicia de nomeação do Rei, sendo igualmente certo que os illustres Deputados, que defendem o principio vitalicio, divergem pelo que toca á origem daquella Camara, querendo uns que seja de nomeação pura, e simples do Rei, outros, que seja de nomeação do Rei, mas sobre proposta de eleição popular. Um daquelles argumentos tem sido derivado da organisação da maioria dos governos constitucionaes hoje conhecidos, outro da natureza dos interesses, que a Camara dos Senadores tem de representar, outro da natureza das

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funcções, outro do equilibrio, que ella deve sustentar entre a Corôa, e o povo, e outro finalmente da natureza da letra das nossas procurações. Estes são os principaes argumentos, que tenho ouvido durante a discussão, havendo outros, que, por serem de menor peso, não me faço cargo especial de referir, tendo talvez durante o meu discurso de fazer menção delles.

Principiando pelo primeiro argumento, isto é, aquelle que é tirado da organisação constitucional dos outros paizes direi que a organização politica de um paiz deve ser posta em harmonia com os seus habitos, costumes, civilisação, população, riqueza, e outras muitas circumstancias, que convém tomar em consideração, e jamais se póde argumentar de uns paizes para os outros, quanto nelles se encontram elementos diversos. Os illustres Deputados, que tem argumentado com a organisação dos outros paizes, não provaram como lhes cumpria que naquelles se dão os mesmos elementos que no nosso, e se eu quisesse agora cançar a attenção do Congresso mostraria analyticamente, por meio de uma comparação dos factos que esses elementos são differentes, já porque aquelles paizes estão mais amestrados, no systema de governo representativo, já porque estão superiores em riqueza, civilisação, e noutras particularidades, que devem fazer variar a organisação social.

Mas eu quero conceder aos illustres Deputados que nos paizes por elles citados se dão os mesmos elementos que no nosso. Por ventura poderão elles affirmar que se esses paizes tractassem hoje de se constituir de novo, como nós estamos fazendo, e adoptassem uma segunda Camara legislativa, lhe dariam a mesma organisação que nelles actualmente tem? Duvidará alguem que é muito difficil destruir interesses de corpos, e classes poderosas, e que estas offerecem sempre uma tenaz resistencia a invasão das suas prerogativas, por mais injustamente que sejam adquiridas? Sr. Presidente, ha certas reformas, que dificilmente se conseguem pelos meios legaes, e ordinarios, e que só são operadas por meio das resoluções, porém os povos nunca recorrem a estas, quando são soffrivelmente governados, porque sabem mui bem que, supposto dellas lhes possam vir bens, tambem lhes podem vir males.

Tem se argumentado com o exemplo da Inglaterra, onde ha uma Camara de Pares vitalicia, e mesma hereditaria, porém nenhum dos illustres Deputados que fez aquella citação disse que naquella Camara tem assento dezeseis Pares representantes da Escocia, os quaes são eleitos, pelas pessoas para isso qualificadas, durando as suas funcções o tempo da legislatura. Ninguem tem taxado de viciosa, e de prejudicial aos interesses da Escocia a fórma da organisação do seu pareato, ninguem tem dito que os Pares escocezes electivos, e temporarios são menos independentes do que os Pares inglezes vitalicios, e de nomeação do Rei, ninguem os tem stigmatisado de menos zelosos dos interesses dos seus constituintes; mas antes quando no parlamento se tracta de uma medida util, e reclamada pelas necessidades do paiz, não são os Pares escocezes os ultimos a sustenta-la, concorrendo por fim com o seu voto para a sua adopção.

Um illustre Deputado, que eu muito respeito, e com cujas opiniões quasi sempre simpatiso, referindo se a Belgica, e a Hespanha, onde ha uma segunda Camara temporaria, disse que no primeiro daquelles paizes a sua revolução foi feita pelo clero, e que uma Constituição organisada por influencia do clero catholico não podia ser perfeita, que no segundo o systema por elle ultimamente adoptado não estava em harmonia com os seus habitos, usos, e outras particularidades, que lhe são proprias. Em quanto a Belgica, eu não sei se a Constituição e boa ou mais porém o que é verdade, e ninguem poderá negar, é que aquelle paiz gosa de perfeita tranquillidade, e socego, que nelle se desenvolvem, e prosperam cada vez mais as fontes da riqueza nacional, e que os fundos da divida publica, que são sempre um thermometro seguro para avaliar a prosperidade de um paiz, e o credito do seu governo, estão acima do par: ora se isto são effeitos de uma Constituição má, não sei quaes são os que resultariam de uma Constituição boa. Pelo que pertence a Hespanha, o systema por este paiz adoptado ainda não está ensaiado, e como a mesma authoridade, com que o illustre Deputado diz que elle lhe não convém, com essa mesma authoridade posso eu dizer, que elle lhe convém.
Esperemos, pelo tempo, e pelos factos, que são os unicos, que podem fornecer argumentos em politica. Muito mais pudera dizer sobre esta materia, porque ella na verdade é vastissima, porém com o que fica expendido julgo-me authorisado a concluir, que o argumento que se deduz da organisação dos outros paizes para mostrar a conveniencia de uma Camara vitalicia entre nós não tem força, não só porque naquelles paizes não se dão os mesmos elementos, como tambem porque se elles tractassem hoje de se constituir de novo, e adoptassem uma segunda Camara, talvez lhe dessem uma organização differente da que actualmente tem.

Outro argumento, que se tem produzido em favor de uma Camara vitalicia e derivado da necessidade da representação de todos os interesses. Dizem os illustres Deputados, que o empregam, que numa sociedade bem regulada devem ser representados todos os interesses, mas que, sendo os interesses das summidades differentes dos das outras classes, torna-se necessaria uma segunda Camara para os advogar, e assegurar, e como esta o não poderá conseguir, se não fôr esta vez, faz-se por isso indispensavel que seja vitalicia.

E este certamente o ponto, que offerece o mais vasto campo para a arma do argumento, porque elle póde ser tractado segundo o medo, por que cada um considera os differentes interesses, que existem na sociedade, e então a logica, a metafisica, as razões solidas, os sofismas, tudo póde ser posto em acção.

N'uma monarchia representativa, eu não sei que se possa fazer separação entre os interesses do povo, da nobreza (se a ha), e da Corôa. A nação deseja tornar-se prospera, e feliz, e por conseguinte, que todas as pessoas que a compõe o sejam, se nella ha a classe da nobreza, pelo mesmo facto de que as tolera deseja que os seus interesses, e prerogativas sejam mantidas, e que ella se torne respeitavel, sem com tudo usurpar direitos, que lhe não pertencem, se nella ha uma monarchia como na garantia de ordem, e estabilidade, o que lhe convém é que o seu throno se consolide, e torne forte. Da reunião destes interesses, e dos do povo, e da necessidade de proteger uns e outros, resulta que elles não podem separar-se sem transtorno da ordem. E então como se pertende que os interesses das classes mais elevadas para representar os quaes erradamente se quer que fosse instituida uma segunda Camara, não serão respeitados senão sendo os seus membros vitalicios.

Na verdade eu não posso comprehender semelhante necessidade, e se ella existisse tambem os Deputados, que pelas mesmas razões representam mais particularmente os interesses do povo, deveriam ser vitalicios.

Os males resultantes de uma Camara vitalicia podem ser taes, que não tenham remedio, porque por mais bem intencionado que seja o monarcha, por mais patriotas, e amantes do paiz que sejam seus conselheiros, a escolha póde recahir em pessoas, que não reunam as qualidades necessarias, e depois de nomeadas, como se podem evitar os males, que vierem dessa nomeação, sendo os seus membros vitalicios. Talvez fosse necessario recorrer a uma revolução, e ponderem os illustres. Deputados se será conveniente lançar mão deste meio violento, e extraordinario, quanto nós pela organisação de uma Camara electiva, e temporaria podemos evitar o emprego deste recurso extremo.

Diz-se que a Camara, não vendo vitalicia, não será independente da Corôa, porem eu não posso conceber como ella dependa menos da Corôa, de quem recebeu a sua origem, do que do povo, que não contribuio para a nomeação dos

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seus membros. Este argumento é a meu ver contra producente.

Tambem se argumentou com a natureza das funcções, que tem de exercer a Camara dos Senadores, como por exemplo, julgar as pessoas da familia real, circumstancia esta que a deve tornar immovivel, e por isso vitalicio. Este argumento já foi exuberantemente refutado por alguns illustres Deputados, que fallaram entes de mim, e por isso julgo desnecessario repetir, o que está dito.

Argumentou-se igualmente com a letra das nessas procurações; mas que dizem estas? Que façamos uma Constituição, que fique em harmonia com as outras constituições da Europa. Porém adoptando nós, como adoptamos, uma segunda Camara, que naturalmente será dotada das mesmas attribuições, que competem às camaras dos outros paizes, não desempenhamos nós fielmente a letra, e o espirito das nossas procurações? A questão da sua organisação, se ha de ser vitalicia, se temporaria, é secundaria, e deve ser resolvida segundo os interesses, e circumstancias particulares do nosso paiz.

Sr. Presidente, se eu tivesse a certeza de que a nomeação dos Senadores recahia em pessoas dotadas das qualidades necessarias, então talvez eu votaria (ainda que com o sacrificio dos meus principios sobre representação para que fossem vitalicios; porém não tendo eu essa certeza, antes pelo contrario, receando com bons fundamentos que aquella nomeação não seja inteiramente acertada, não posso votar pela nomeação de Senadores vitalicios, porque della poderiam resultar males irremediaveis, o que não acontecerá sendo aquelles temporarios.

Resta tractar da origem donde deve derivar-se a Camara dos Senadores, isto é, se ha de ser de nomeação do Rei, se de eleição popular. Parece fóra de toda a duvida que deve ser de eleição popular, porque se ella é destinada a representar os interesses de certas classes, (e para isso sirvo-me dos argumentos dos illustres Deputados, que seguem uma opinião differente da minha) como é que póde dar-se essa representação sendo nomeada pelo Rei puro, e simplesmente, o não por essas mesmas classes?

O parecer da Commissão propõe que a Camara da Senadores seja composta de membros vitalicios, nomeados pelo Rei, e sem numero fixo, e num dos artigos transitorios diz, que na sua origem será composta de cincoenta membros nomeados sobre outras tantas listas triplices, ficando pertencendo ao Rei a livre nomeação, passados seis annos. Ora eu não sei, porque razão ha de convir nas actuaes circumstancias o methodo proposto pela Commissão, e são passados seis annos. Maravilha-me tambem que a illustre Commissão quizesse legislar não só para agora, mas tambem para daqui a seis annos, quando é certo que as circumstancias podem ser muito diversas das de hoje, e como taes reclamarem uma organização differente.

Concluindo por tanto o meu discurso voto por uma Camara temporaria, de nomeação do Rei sobre proposta triplice do povo, sendo igualmente de opinião que devem estabelecer-se cathegorias para os elegiveis. Votando assim, defendo tambem uma das principaes condições da liberdade.

O Sr. Leonel: - Sr. Presidente, para mim não é necessario que nenhum dos meus collegas, d'opinião differente da minha, faça protestações de fé a respeito dos seus sentimentos; eu vejo por ambos os lados homens, que todos nós conhecemos, como igualmente amigos da liberdade do seu paiz, e da revolução de Setembro; homens, que tem servido esta causa (apoiado, apoiado), e que continuarão a servir, apezar de uma questão de tal gravidade terem opinião differente; mas isso não póde ser motivo, para que se tenha a mais leve suspeita a seu respeito; por isso estou persuadido que mesmo seja qual for a opinião, porque eu vote, não farão de mim conceito differente daquelle, que eu faço dos outros. Sr. Presidente, a razão por que votei por duas Camaras, não foi nem porque eu julgas necessario um corpo intermedio entre o Throno, e o povo, nem porque julgasse necessario no nosso paiz transigir com a aristocracia: diz-se que é conveniente haver um corpo intermedio entre o Throno, e o povo: estou persuadido que não é possivel achar tal intermedio, porque ou os membros da segunda Camara hão de ser da nomeação do Rei, e então o seu interesse é o do Throno; ou hão de ser da nomeação popular, e então tambem o seu primeiro interesse é o da Nação: uma segunda Camara de nomeação do Rei, e vitalicia, não póde ser intermedio, por isso mesmo que ella propenderia mais para a opinião da Corôa, e não teria tambem nenhuma independencia; mais independencia haveria certamente em uma hereditaria: e efectivamente na Inglaterra vê-se que os Pares mais antigos são mais independentes do Throno, e do governo, de que aquelles, cuja nomeação é mais recente; estes que assim mesmo já gozam do privilegio, mas era quem a nomeação recente produz menos independencia, isto na mesma Inglaterra, aonde a Camara é hereditaria; e sendo assim poderemos nós argumentar que haverá independencia em uma Camara vitalicia simplesmente, quando a não ha na hereditaria? Por isso não voto por uma Camara vitalicia.

Agora quanto ao outro argumento, que é preciso transigir com a aristocracia, custa-me muito fazer algumas observações a este respeito, mas faço-as forçado pela necessidade: em Portugal, Sr. Presidente, não ha aristocracia, com quem seja necessario transigir: se em Portugal houvesse aristocracia de tal força, que fosse necessario transigir tem ella, então declaro que votaria por uma Camara hereditaria; mas é facto que não existe essa aristocracia tão poderosa, com quem seja necessario transigir. Uma grande parte dos fidalgos portuguezes, em consequencia da terem sido do partido do usurpador, perderam toda a influencia, toda a importancia, quando esse partido foi vencido; alguns dos fidalgos portuguezes, longe de seguirem o usurpador, seguiram o partido da liberdade, combateram por ella, e fizeram importantes serviços; mas é preciso reconhecer que esses são em tão pequeno numero, que não formam hoje um corpo forte, com quem seja necessario transigir, e tambem, por consequencia, essa aristocracia não póde dar força legitima ao Throno; e, Sr. Presidente, é necessario não dar de maneira nenhuma ao Throno a faculdade de nomear membros vitalicios para uma segunda Camara; nós sabemos muito bom que um dos primeiros golpes, que se deu na Carta, foi a nomeação que se fez de uma formada de Pares; logo que se vio essa nomeação tão insufficiente, todos os homens de juizo viram que a Carta não podia durar muito; lá está, Sr. Presidente, o Sr. Conde de Lumiares, a quem no dia seguinte a essa nomeação, eu disse que não dava 35 réis pelo seu pareato; (riso) elle ficou pasmado, mas eu disse-lhe que não era só por aquelle, mas tambem não dava 35 réis por nenhum dos outros pareatos de Camaras hereditarias compostas de homens, como os que o governo acabava de nomear, que não podiam ser duradoras; isto foi em 1836, e dahi a muitissimo pouco tempo acabou a Camara dos Pares; eis-aqui mais uma razão para não dar ao Throno a faculdade de nomear membros da segunda Camara.

Agora, Sr. Presidente, quanto aos argumentos, ou aos exemplos das outras nações, para prover a necessidade de se compor em Portugal uma Camara composta de membros vitalicios de nomeação do Rei, o facto é este: que não existe na Europa senão uma Camara, assim formada na Inglaterra, bem se sabe que é hereditaria: na Belgica electiva, e temporaria: na Hespanha é electiva, e temporaria: é escusado agora fallar no Brasil, porque isso nada vem para o caso; por isso os exemplos são mais a favor da minha opinião, que a favor da opinião contraria.

Ora poder-se-ha dizer que a formação d'uma segunda

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Camara electiva, não serve senão para tirar a importancia á primeira Camara tambem electiva; mas, Sr. Presidente, queremos nós duas Camaras iguaes? Iguaes em numero? Iguaes em faculdades? Como devemos pois recear que a segunda Camara, sendo electiva, tire a importancia á primeira? Não tenham semelhante receio: por isso não sendo possivel em Portugal a formação de uma segunda Camara vitalicia, e de nomeação do Rei; não havendo inconveniente na formação desta Camara temporaria, e electiva; sendo a unica cousa mais razoavel; voto pois pela segunda Camara temporaria, e d'eleição.

Já aqui se faltou na combinação dos dons methodos: não me parece, Sr. Presidente que seja por ora occasião de tractar desta materia, creio que o que está em discussão simplesmente, é se a segunda Camara ha de ser nomeação do Rei, e vitalicia, ou se ha de ser electiva, e temporaria; a outra questão a seu tempo se tractará.

Mas, Sr. Presidente, é precisa fazer alguma observação em resposta á opinião, que aqui appareceo, como que meio de conciliar os extremos, e de evitar os inconvenientes: um Sr. Deputado propôz para esse fim que a Corôa, quando quizesse nomear membros para a segunda Camara, viesse perguntar á Camara dos Deputados, se achava naquellas pessoas as qualidades necessarias; eu, Sr. Presidente, desejo que semelhante cousa nunca aconteça; não haveria cousa mais inconveniente que vir às Cortes fazer uma semelhante pergunta: ou os Deputados a approvavam por cortesia, e então poderia a Coroa nomear homens incapazes, ou os Deputados a não approvavam, e então seria preciso entrar na discussão da vida desses individuos; em fim é escusado narrar os inconvenientes, que d'ahi resultariam: em consequencia creio que não ha outro caminho, senão o da segunda Camara electiva, e temporaria, e é por isso que voto neste sentido; não apresento por agora mais argumentos, porque me parece que não escusados, e porque desejo ser breve, para ser tambem se encaminhamos este negocio á sua conclusão, sem pertender que deixem de fallar todos aquelles qne quizerem fallar; com tudo é conveniente que nos vamos restringindo para acabar esta questão; por isso, Sr. Presidente, termino dizendo que voto por uma segunda Camara electiva e temporaria, sem entrar por ora em todas as questões, que depois podem ter logar, mesmo a respeito de cathegorias, porque tudo isso não é para agora.

O Sr. Nunes de Vasconcellos: - Sr. Presidente, começo por declarar o meu voto contra o parecer da maioria da Commissão, e adopto o da minoria. Sr. Presidente, a Commissão estabelece dous principios; primeiro, nomeação de Senadores por decreto real, e o segundo que é a duração, Senadores vitalicios: parece-me que estes dous principios se acham em opposição com os factos da nação proclamar dos em Setembro de 1836.

Quando eu votei por duas Camaras, votei por isso mesmo que me persuadi que era nenhum dos outros meios apontados por alguns illustres oradores se poderia achar o verdadeiro equilibrio entre os differentes elementos legislativos; já não é desconhecido que o governo representativo, composto de duas Camaras, no mesmo tempo com um chefe do poder executivo, é de todos os governos o que offerece maiores garantias aos direitos dos cidadãos, e maior estabilidade nas leis fundamentaes do estado. Na Inglaterra Sr. Presidente, por espaço quasi de um seculo, houve apenas duas alterações na Constituição do estado; uma no tempo de Guilherme 3.°, em que se publicou um acto do parlamento, determinando que cada legislatura não durasse mais que tres annos, e outra, no tempo de Jorge 1.°, pela qual se determinava que cada legislatura durasse sete annos. Estas são as unicas lições proveitosas, que eu pude tirar da historia para sustentar a minha opinião. Sr. Presidente, se eu bem entendo a natureza do systema representativo, parece-me que elle se funda nestes dous principios: a lei é a expressão da vontade geral expressada pela maioria da representação nacional: deve haver uma perfeita igualdade entre todos os membros do corpo social, esta perfeita igualdade é a unica base da liberdade politica e civil; parece-me que estes dous principios é que são a chave do verdadeiro systema representativo.

Ora, uma vez que os verdadeiros principios constitticionaes se acham em opposição com o parecer da Commissão, não pode de maneira, alguma resultar que a lei é a vontade geral da nação. Se a lei tem de ser feita pelos representantes da mesma nação podem ter este honroso titulo, tanto os nomeados pelo povo, como os eleitos pelos principes? Certamente ninguem o dirá. Digo eu mais que não se pode de maneira nenhuma conseguir o effeito da tolerancia nacional, quando essa segunda Camara se constituir da maneira que propõe a Commissão. Por outra parte, Sr. Presidente, vai-se correr o risco do desacerto na escolha dos Senadores, risco tanto mais provavel quanto é certo que o rei no centro do seu palacio não conhecerá todos os homens capazes de exercer as altas funcções senatorias, por isso mesmo que os candidatos lhe seriam designados por ministros interessados em transtornar as leis, e sujeita-las a seus caprichos; por consequencia a nomeação regia ataca na sua origem o principio da soberania popular, e bastaria esta única consideração para destruir quaesquer argumentos em favor della, por isso mesmo que os illustres adversarios desta opinião não podem atenua-la com suas razões, que atacam o principio de igualdade do cidadão, o qual não deve modificar-se no modo de escolher os representantes da nação. E como seria possivel chamar representante da nação, tanto a quem fosse nomeado pelo rei, como a quem fosse eleito pelo povo? Parece me incompativel esta idéa combinada com a outra de procuradores da nação; por isso que não pode haver procurador que não seja nomeado pelos seus constituintes. E quem seriam os constituintes dos membros da segunda Camara na hypothese de nomeação regia? O rei não pode sê-lo porque figura como chefe do poder executivo, e tem na formação das leis a parte, que a Constituição lhe marcar. O povo tambem não pode ser, porque os não nomeará. Não podendo ser outrem, seguir-se-ha o absurdo de haverem procuradores sem constituintes, commissarios sem commitentes.

Antigamente quando se celebravam os Concilios, os Reis nomeavam os seus delegados para os representarem em objectos peculiares do seu paiz; e dizia-se que havia duas especies de representantes juntos aos mesmos Concilios, uma formada dos vigarios do Papa. Arcebispos, Bispos, e mais cathegorias ecclesiasticas, os quaes todos tomavam assento no Concilio; e a outra composta dos delegados dos Reis, que eram as pessoas, que elles para esse fim nomeavam. Ora a mesma differença acho eu que existiria entre os representantes do povo, que por elle fossem eleitos, e aquelles que fossem nomeados pelo Rei. E como poderá dizer-se eleito do povo, quem do povo não recebeu investidura? Não se poderá receber muitas vezes o diploma de Senador, só com a condição de maquinar contra os interesses do povo? Em outra discussão tive a occasião de dizer que se facilitasse a entrada na segunda Camara a todas as classes importantes da sociedade; mas não quiz com isto tirar às outras a honra de votarem nos seus representantes, nem entendi que cidadão algum fosse excluido de tão importante voto, porque as diversas medidas que sahem de ambos os corpos legislativos, afectam mais ou meros a toda a classe de cidadãos; e por isso me parecia que, uma vez habilitados pela lei, tivessem igualmente parte na composição da segunda Camara; então deduzi da igualdade proporcional dos interesses de todos os individuos a igualdade dos seus direitos; e francamente o digo, se tivesse pensado que havia de passar o parecer da maioria da Commissão (sobre esta questão) eu teria antes votado por uma só Camara.

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Quanto á duração vitalicia dos Senadores, julgo que tambem se não compadece com os bons principios do systema representativo confesso que neste ponto estive um pouco perplexo, e até communiquei a alguns collegas o meu pensamento, chegando quasi a persuadir-me de opinião diversa da que sustento, mas hoje não me envergonho de cantar a palinodia, depois que ouvi apresentar argumentos, que me parecem não tem resposta. Tem-se dado grande peso ao projecto da minoria da Commissão, quando se demonstrou que os Senadores deviam tambem sair da uma eleitoral... Nomeia-se um homem para promover em tudo o bem geral da Nação, mas nunca pude entender que esta idéa importasse a de eterna duração. E que recurso resta ao povo para emendar o seu erro, quando o mandatario abusou da sua confiança? Uma revolução, mas a revolução é a ultima razão da povos, é um mito violento, e eu não quero fazer voltar os povos ao exercicio deste meio, senão quando estiverem esgotados os da ordem, e os da legalidade. O seu verdadeiro recurso deve estar na urna, que, ao mesmo tempo que purifica os escolhidos do povo, galardões com seus suffragios o varão illustre, que sustentou seus foros.
Nos governos despoticos não se apreciam as grandes qualidades, porque o povo não tem pertenções, porque é um ente passivo em tudo quanto respeita ao seu bem, ou mal, porque é um triste instrumento dos caprichos, e da vontade dos principes, e (o que é ainda peior) daquelles, que em nome delles governam, mas, se fosse compativel com essa especie de governo o exercicio do principio electivo, ver-se-ia que o povo conseguiria em breve o gôzo da paz, da ordem, e da liberdade (Apoiado.)

Se a utilidade publica demanda que os membros da primeira camara legislativa sejam electivos e temporarios, não posso achar razão, que me convença de que os da segunda não devem tambem ter estas duas qualidades. Tem-se querido provar que duas camaras heterogeneas são mais proprias para manter o equilibrio dos poderes politicos mas de dous corpos heterogeneos não vejo que possam resultar senão effeitos heterogeneos. Eu simplesmente admittirei uma pequena differença a respeito dos membros da segunda camara, mas ha de ser analogo á sua collocação social, e às vantagens dos seus fins, entretanto não acho que seja agora occasião opportuna de desenvolver este principio, por isso me reservo para quando se tractar de taes especies. Os illustres adversarios da opinião, que sustento, recorrem a varios argumentos para provar os seus principios um delles é a necessidade da independencia da segunda camara, e por isso (dizem elles) os seus membros não devem depender do povo. Sr. Presidente, lembra-me a este respeito a vantajosa situação do rico a respeito do pobre aquelle está independente deste para lhe fazer todo o bem, ou mal, que poder. Quer-se pois esta independencia (Apoiado). Por tanto esta independencia do povo e a causa da sua ruina eu quero sim que os representantes da nação estejam independentes do povo em quanto legislam, mas tambem os quero independentes do Rei para se não expor á corrupção, visto que o cofre das graças é inexhaurivel. A dependencia futura da representação nacional de todos os cidadãos activos da mesma nação é sempre necessaria, e honrosa. Dizem: a urna não será sempre impeccavel, nem se portará sempre como a virgem honesta, que deixe de ter um lapso, mas se a uma se engana, se pecca, tambem pode arrepender-se, e desenganar-se; senão se arrepender, nem se desenganar, nasce caso a si o impute. Quero antes que uma nação seja escrava; porque o quer ser, do que por lhe prepararmos á escravidão (Apoiado)

Disse-se tambem que, sendo os juizes immoviveis, tambem os senadores o deviam ser, por terem mais altas funcções que exercitar. Este argumento de analogia não me parece concludente os juizes são responsaveis, e podem até ser suspeitos pelo governo, e os senadores podem sê-lo?

Nós decretando a inviolabilidade das opiniões dos Deputados tambem a havemos de attribuir aos senadores. Então onde está aqui a analogia entre os juizes, e os membros da segunda camara. Além de que deste raciocinio poderia tirar-se alguma consequencia, em que não quereriam concordar os sectarios desta opinião. Destruida a inamovibilidade dos juizes voltariamos ao principio electivo, a que alguns oradores parecem ter tanto horror. Outro illustre Deputado disse que o Rei, nomeando os senadores, não fazia mais do que exercer as funcções de eleitor Sr. Presidente, eleitor importa a idéa de eleição, para ser eleitor e necessario ser antes eleito, mas não sendo o Rei eleito, como poderá elle reputar-se eleitor para escolher em nome da nação os seus representantes. Disse-se mais que os senadores, tendo de voltar á classe de particulares, ficariam deshonrados! Creio que cada um de nós, quando volta ao meio de seus constituintes, fica com esta ignominia, unicamente no caso de não ter preenchido a alta missão, de que elles o encarregaram, mas eu assento que os senadores tem ainda a urna, onde podem receber o premio, de que forem credores aos seus concidadãos. (Apoiado)

Recorreu-se ultimamente aos exemplos de varias nações. Eu não estou por esses exemplos, senão quanto as instituições das nações, com que se argumenta, são conformes com o bem geral da sociedade nunca recorri á historia na falta de argumentos de razões se os exemplos historicos authorisam, então direi com um illustre Deputado que adoptemos as leis do Alcorão, da Cochinchina, e as do feudalismo do Norte. Não são estes por tanto os argumentos, que me podem fazer abraçar uma opinião, porque no caso especial, em que nos achamos, a historia não serve para nos illustrar, nem devemos tentar muitas experiencias. A Constituição de 22 cahio por dimasiado democratica, a carta de 26 por demasiado aristocratica, e tanto assim que estou persuadido que se a carta estabelecesse o principio contrario aquelle, que (no ponto em discussão) contém o parecer da maioria da Commissão, estou persuadido, de, que aquella lei ainda hoje nos regeria tomemos pois um meio termo entre um e outro daquelles codigos, acho este meio termo no projecto da minoria da Commissão, pelo qual hei de votar (Apoiado).

O Sr. Almeida Garrett: - Tres são as diversas posições em que póse collocar-se o homem publico, o homem chamado a pronunciar sobre questões da gravidade e importancia de que hoje tractamos.

A primeira e a mais facil é seguramente a daquelle que nem por si a toma, que levado da torrente das opiniões, e cuidando dirigir as turbas, qual e não é senão empurrado por ellas, imaginando-se forte só porque se põe de lado da força, vai em o poder que reina, está pela potencia que impera. Esta posição é, como disse, a mais facil, e para certos olhos (inda bem que não para os meus!) a mais brilhante os applausos estão em roda della, as recompensas lhe chovem em cima, e coroado ha de ser de certo quem a occupa, que seja das folhas de carvalho do republico tribuno, ou das perolas feudaes do barão aristocratico, a differença está na forma, a Corôa é a mesma, vale e significa poder, ganhou-se e deu-se pelo mesmo modo.

Quasi tão facil é a segunda posição, (facto de tomar, entendo) apparentemente mais nobre, nem sempre mais desinteressada, mas sem duvida mais lisongeira para o amor proprio de quem a escolheo por sua, é a daquelles que apparentando (Deos sabe ás vezes com que animo) integridades de Catão, pareçam pleitear justiça com os Deuses, praz-lhes a causa vencida só porque o é, defendem quanto está debaixo, porque será justa ou injusta, é sua sempre a causa dos que se dizem opprimidos. Não é tão independente como talvez parece esta posição, nem lha faltam vantagens. Nella se formam muitas vezes reputações que aliás fòra possivel adquirir tambem lhe sobejam applausos, e lá es-

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tá mais longe sim, mas não mais incerta, a perspectiva da recompensa, a querida esperançado galardão!

A historia de todas as revoluções nos apresenta sempre, e pelo mesmo modo forte e numerosamente occupadas estas duas posições. Ambas são as da ambição, para ellas vai, para ellas forçosamente ha de ir a maxima parte dos homens.

Terceira posição ha - difficil, desgraçada e ardua, de poucos seguida, de poucos entendida, calumniada dos muitos, pode-se quasi dizer que desprezada de todos. Raros a occupam, raros têm deixado de morrer nella, sós como entraram, abandonados e malquistes. Na peleja nem um voto os anima os applausos da victoria não os têm, que não ha victoria para elles, na desgraça não tem sympathias, porque não dão esperanças, na boa fortuna... onde ha boa fortuna para os justos e inteiros? Está-se-me a formar nos labios, que o não posso reter, o nome dos virtuosos Girondinos, não poupados nem do posthumo sarcasmo de um historiador nosso contemporaneo, desse Erasmo politico que fez o panegyrico da corrupção de Mirabeau! Historiador republicano, estadista monarchico! .... O que não diriam estas sós palavras a um povo, que as soubesse entender! Mas os povos têm o entendimento difficil, e a memoria curta hão-de-se ir educando a sua custa.

Esta sim, esta ultima, de que fallo, é a posição do homem inteiro, e independente deveras, de hontem que descreveu Horacio, e a quem

Non civium ardor prava jubentium,
Non vultus instantis tyranni
Mente quatit sólida.

E sólida com effeito, e duramente arraigada em suas condicções é mister que esteja a alma do homem, que tal posição escolheo, onde nada o conforta, e tudo o desampara. Detectado de inimigos, aos seus proprios mal acceito não lhe resta senão o testemunho de sua consciencia que muito é todavia, que é tudo para almas assim temperadas. E a voz de Deos, é a voz intima e inspirada, que soa mais alto do que soariam os babeis de todas as vozes dos homens reunidas, quando bate no coração do homem honrado, e lhe diz: fizeste bem.

Por esta posição optei, conhecendo lhe bem os inconvenientes. E os carceres, os exilios, os degredos, as vexações de toda a especie, as calumnias de toda a parte, que ha desesete annos me tem custado, não poderam ainda senão rebitar os pregos da cruz, com que me abracei voluntario, e em que antes desejo morrer escarnecido e vituperado, do que merecer triumphos, do que ver decretada minha apotheose por quaesquer dominadores da terra.

Collocado nesta posição não hei de nunca ser o homem de ninguem (bem sei), mas hei de sê-lo de mim mesmo e da minha consciencia. Bem sei que para mim não ha, não póde haver, nem o favor dos palacios, nem a aura dos comicios. Abnegação que (devo em lealdade dize-lo) para outros seria grande, mas é insignificante de minha parte o unico estado e profissão que tenho e prezo, nem de uns nem de outros depende, e a ambição, que ainda pode algum tanto comigo, não são estes que a satisfazem. O pobre homem de letras tem ao menos esta vantagem. Acceito pois com resignação todas as condições da posição isolada que escolhi, renuncio ate ao direito de me queixar, que minha só é a culpa do que eu só, e por minhas mãos, e bem sabendo o que fazia, me preparei.

Com este espirito e tenções entro no exame da questão; que hoje tractamos, e que tão facit é em sua these, quanto difficil e complicada a têm feito na hypothese. não os principios, senão as circumstancias, que aqui vêm forçosamente meter paixões, interesses, odios, e sympathias pessoaes, que tão estranhos deveram ser-lhe. Desejo restitui-la á sua primitiva simplicidade, e vou pôr peito em consegui-lo.

Portugal tem adoptado o principio da unidade legislativa, principio fóra do qual não ha salvação. A unidade legislativa não significa, por mais strictos que a interpretemos, senão que as leis sómente serão feitas pelos procuradores da nação. Este principio está em todas as Constituições, assim como estava na Constituição de 1822, mas tambem está na Constituição de 1822, e nas de todo o mundo, que a lei, depois de votada pelos Representantes da nação, seja revista por um corpo mediador e conservador, o qual primeiramente examine e reconsidere a lei antes della ser apresentada á sancção do chefe do Estado.

Este corpo desvairadamente appellidado por diversas Constituições, já Camara de Pares, já Senado, já segunda Camara, já estamento de Proceres, é em todas o mesmo na Constituição de 1822 chama-se-lhe conselho d'Estado, rebuçada com este nome improprio a idéa, que então se imaginou impopular, de uma segunda Camara. As suas funcções porém, e bases de regimento claramente descobrem a realidade do que é. A elle se mandam apresentar as leis depois de votadas pelos deputados e se impõe ao Rei a obrigação de ouvir e consultar, antes de dar ou negar sua approvação á lei. Lá estava pois, com outro nome, na mesma Constituição que ora modificámos, esta vuceta indispensavel do corpo representativo. Quando votámos por segunda Camara, não fizemos por tanto mais do que ratificar e approvar o que já era direito escripto. E só ampliámos e liberalizámos uma instituição defeituosa, e organisada a medo, como aquella era.

Pela Constituição de 1822 o corpo revisor e examinador das leis deliberava às portas fechadas, no segredo, e a occultas da opinião, na presença do liei sómente e de seus Ministros, sujeito a esta unica influencia, o corpo revisor da Constituição de 1837 ha de deliberar a portas abertas, na presença da nação, e longe da influencia immediata e unica e exclusiva dos Ministros e do poder. Votamos pois o que não podiamos deixar de votar, e se o contrario fizesse-mos, teriamos sido infieis a nossa missão Com a mira nestas fnncções, que é chamado a exercer, é que devemos por tanto escolher o modo de constituir e organisar este corpo revisor e examinador das leis.

Chegados, como somos, a este ponto, verdadeiramente entendo que a questão de principios está acabada todas as que se seguem são de methodo e de forma. O que nos resta é puramente uma escolha. E de mim confessarei ingenuamente que entre todos os methodos ate agora propostos em nenhum tenho tão plena confiança, que de repente, e sem escrúpulo me atreva a acceitar qualquer delles. Todos são ou novos, ou mal ensaiados, e dos que têm por si a experiencia, fazem-nos ou repugnantes ou impossiveis as nossas circumstancias.

Para escolher (e de escolher se tracta agora) é mister examinar um por um os diversos pontos da escolha, que não vamos atordoados e loucamente rejeitar o melhor, e tomar o que menos presta. Farei portanto breve resenha de todos, exporei imparcialmente os prós e os contras de cada um, e finalmente direi aquelle a que mais me inclino, porque menos inconvenientes me parece ter e mais vantagens reunir.

Não acho que valha a pena de tanto debate , como tenho visto dar-lhe, a questão de se a Camara encarregada de rever as leis, depois de notadas pela verdadeira representação nacional, e antes de as apresentar á sancção Real, deve ou não ser composta, deve ou não ser considerada como composta de Representantes da nação, no sentido restricto, e directamente ou indirectamente por ella escolhida. O que sobre tudo devemos querer é que ella funccione bem, e preencha o fim para que e estabelecida. Corpos do Estado tenho eu visto declarar Representantes da nação, e não os reconhecer ella por taes; e merecerem outros sua confiança plena, e por ella de facto serem havidos como esses, com quanto o não diga a lei escripta do paiz.

SESS. EXTRAOR. DE 1837. VOL. III. 45

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A questão não é de grande monta; mas logo a examinarei.

São bem sabidos os tres modo; simples de formar um corpo como este de que tractamos: hereditario, electivo, de nomeação Regia. Combinações que destes se têm feito, augmentam mais dono de proposição do Rei e eleição do povo, de proposição do povo e escolha Real.

A eleição directa ou indirecta póde ainda accrescentar uma variedade a estas classes e generos.

De todos elles é sem duvida o hereditario o mais antigo, e o que mais natural fica ao systema Representativo monarchico, porque alheio ás intrigas eleitoraes, assim como livre da dependencia ministerial, existe por direito proprio, não depende de ninguem, e nenhum corpo collectivo póde mais do que este dar voto recto e imparcial entre os dous contendores, a vontade nacional que legisla, a força nacional que executa. Nada tem a ganhar de uns, nada tem que perder com outros. Esta será a melhor Camara conservadora, a mais Constitucional, a mais livro, todos os outros methodos ficam por conseguinte inferiores a este. Mas se tal é a these, como com effeito é, eu portuguez, Deputado portuguez, obrigado a applica-la á hypothese portugueza, devo comtudo dizer que todas as forças da minha these desapparecem diante dos factos, porque em Portugal não ha, nem vontade, nem sufficientes elementos para formar uma Camara destas. Os poucos, que havia, suicidaram-se em 1828, quando essas sombras da antiga grandeza do Reino, essa descendencia degenerada de nossas familias historicas deixou cair dos hombros rachiticos a capa de arminhos, e cobriu a roupeta de escravo que mais lhe apinha. Foi a sua mortalha, nella morreu e jaz enterrada. Nobilissimas excepções houve para gloria de quem as fez, mas de nenhum proveito á sua classe. A Camara hereditaria tinha deixado de existir. Restaurada a Carta, quizeram restaura-la tambem; mas que sucçedeu? Fez-se uma apparencia disso, uma comedia em que representaram de Pares hereditarios gentes que nenhuma herança tinham que addir nenhuma que logar. Eram hereditarios sem ter que herdar ou testar!...... (Apoiado, apoiado.)

Assim ficou desacreditado este methodo, reputado impossivel, e quasi se póde affiançar que o é. Não tractemos por tanto mais delle. Fallemos do terceiro, pelo qual a Camara é composta de Membros escolhidos pelo Rei.

Este methodo de formar a segunda Camara tem por base uma ficção do direito publico, geralmente recebida em todos os paizes livres, de que o Rei é o grande eleitor nacional. Esta é uma ficção sem duvida; mas bella e sublime, e igual a muitos outras ficções, em que todo o nosso direito se funda; é uma ficção igual á que admitte a delegação popular em toda a serie de membros de uma familia para continuação das dynastias; é uma ficção igual á que admitte a delegação da Soberania popular dada aos corpos legislativos directamente, aos corpos julgadores indirectamente, que tão integrante parte da Soberania é o julgar como o legislar; e pela minha parte declaro que tenho mais amor e affêrro ao meu ávo de Soberania, que me dá o direito de julgar, do que tenho á outra fracçãosinha, que me póde caber na repartição termilionesimal da magestade legislativa!

Repito, Srs., que esta é uma ficção tão admittida e tão indispensavel como qualquer das outras muitas que tambem o são: é uma ficção já filha de outra grande ficção, a que admitte a delegação da soberania que não é delegavel, assim como não é renunciavel; que admitte a repartição da soberania que não é repartivel. E por estas asserções citarei um testemunho não suspeito, espero eu, o de J. J. Rousseau, que bem terminantemente protesta, e demonstra que a soberania nem é alienavel nem delegavel. Os fundamentos com que estabelece a primeira impossibilidade, são os mesmos que dá para a segunda.........

Sim, é uma ficção a delegação da soberania popular, mas, repito, ficção bella e sublime, ficção magnifica e salvadora, que todos os povos livres adoptaram, e sem a qual cae por terra todo o systema representativo. E foram esses barbaros do norte, esses nossos avoengos do apodados de barbaros e ignorantes, contra cujas idéas politicas tanto se tem aqui vociferado, foram, sim, esses barbaros os que vieram regenerar a liberdade da Europa com este dogma, e torna-lo possivel, e pratico para as grandes nações; porque a soberania como ella se exercia em Roma, em Sparta, em Athenas, em todas as antigas republicas não podia ser exercida pelos nossos povos, que não toleram, nem podem tolerar que os habitantes de uma capital, queiram, sós dar leis, e ter como vassallos seus os povos das provincias.... Bom é que ninguem se esqueça deste principio; e nós os Deputados das provincias temos obrigação de o recordar....... (Apoiado,
apoiado.) E quem tornou possivel a soberania do povo? Quem? A ficção dos povos do norte, a ficção do feudalismo! Eu admitto esta ficção, adoro a quasi com o respeito d'um mysterio; mas não posso deixar de confessar que é uma ficção. E todavia é mister, é forçoso, é indispensavel admitti-la. E admittida ella, e admittido como parte integrante della, que o Rei é o grande eleitor nacional, nenhum inconveniente ha, quanto a direito, que o Rei nomeie os membros da camara revisora.

Nem se diga que esta idea de considerar o Chefe do estado como o grande eleitor nacional, é, segundo já por aqui me parece que ouvi murmurar, uma invenção dos homens dos privilegios, uma chicana do partido retrogrado. Bem tarde que os defensores desses principios queiram reconhecer semelhante qualidade no Chefe do estado! Não são os ultramontanos politicos, não são os que derivam todo o poder real do direito divino em linha recta, os que jamais consentirão em principios, não só diametralmente oppostos aos seus, mas completamente destruidores delles.

O Rei absoluto, o Monarcha de privilegio, o Soberano de direito divino pega no diadema com a mão, com que brandio a espada, e cingindo-o de sua propria authoridade, diz como Napoleão quando de sobre o altar mór do Domo de Milão, tomou por suas mãos a corôa de ferro dos Lombardos, e a poz na cabeça: = Iddio me l'ha datta, guai a chi la tocca! =

O Rei constitucional, o Chefe do estado representativo, o Soberano da monarchia livre recebe a corôa da mão do povo; é a lei que lh'a dá, a constituição que lh'a segura, e a sublime ficção do governo representativo que lh'a continuou em sua dynastia pela inauferivel e perpetua delegação popular.

Não é por tanto ao primeiro, senão ao segundo, que a theoria é applicavel, prescripta e anathematisada pelos absolutistas, vejamos bem, os liberaes, que nos principios daquelles vamos cahir, se a recusarmos.

Mas a camara ou senado revisor, assim formado pela unica eleição da Corôa, tem graves inconvenientes. Convenho, e de tão boa fé o reconheço, que pausadamente os quero ponderar. Derivada da authoridade real, forçoso é que ella propenda mais para os interesses de quem o elegeu do que para os do povo, de quem só indirectamente trouxe sua origem. Tão grave é este inconveniente que, se a questão não tivesse mais lado nenhum por onde ser considerada, bastava elle só para a concluir, e fazer, sem mais exame, rejeitar o methodo por absurdo. Mas não acharemos nós em qualquer outro methodo iguaes ou maiores inconvenientes? A par deste não estarão tambem algumas vantagens que o contrapesem?

Excluido o systema hereditario, excluido este tambem, resta o electivo: e no methodo electivo popular não ha, pelo lado opposto, o mesmo inconveniente que n'est'outro encontramos? Ha de certo; e ninguem deixa de o reconhecer. Mas não antecipemos, e fiquem essas ponderações reser-

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vadas, a bem da ordem, para quando viermos ao exame do methodo electivo.

Tão pouco repetirei agora a enumeração das vantagens da escolha real, que tão larga e sabiamente tem sido feita por tantos distinctos oradores.

Só direi que, restricta a cathegorias, limitada por qualificações prudentes e avisadas, a escolha real é mais a escolha da lei do que a do Principe, e que o diploma dos Senadores assim feitos mai. seriam passados em virtude da Constituição, do que por graça e mercê do Rei. E como eu não concebo a escolha real senão por este modo e com estes limites, e como estou persuadido que, se a nossa antiga camara dos Pares houvera sido formada com estas restricções, outra teria ella sido, e não houverá degenerado em uma instituição obnoxia e desacreditada; não acho na objecção de que eu proprio me encarreguei, peso sufficiente para rejeitar, só por ella, o methodo de que se tracta.

Outro porém ha mais forte e muito mais grave inconveniente, que ainda não foi ponderado nesta discussão, e que tão importante é, que por elle sómente sou obrigado a rejeitar, como rejeito o methodo proposto pela maioria da Commissão.

Não são os olhos vendados das paixões, e cujo raio todo se refracta pelo medio dos partidos, os que podem ver naquella proposto methodo o terrivel inconveniente que a primeira vista claramente lhe hão de achar os que, a nenhuma facção pertencendo, extremos em nenhum partido, naturalmente e sem preconceitos o considerarem.

Graças a Deos, que neste caso me vejo, e lh'o acho!

Nas circumstancias, em que estamos, retalhados de facções: vaga e desvairada a opinião publica, incerto o conceito dos homens, varia, e a todos os momentos fluctuante a disposição dos animos, quem ousará, quem tendo amor á sua terra, que preze a liberdade, que deseje a estabilidade das instituições, quem ousará, digo, entregar ao mero arbitrio de seis ministros a escolha dos Senadores, que não de representar a prudencia e reflexão nacional? Quem se attevera a collocar nas mãos destes, seis eleitores privilegiados os destinos e as esperanças da nação? Quando todos seis fossem tão virtuosos e patriotas como seis homens de Plutarcho, quando nestes seis portentos de sabedoria, e integridade se refundissem os sete sabios da Grecia, como haviam elles, nos tempos calamitosos em que vivemos, evadir-se a influencia omnipotente de qualquer facção que domine? Constituida deste modo, a camara necessariamente ha de ser vitalicia (condição sem a qual acabaria toda a sua independencia), e então a obra de uma facção, a obra do partido viria a ser imposta ao povo como uma cousa nacional, perpetua, e agoniada de falsas vestiduras, que a opinião posterior, mais ou menos recta, mas seguramente contraria, lhe havia de rasgar depois, ou porque outra facção viesse a predominar, ou porque; restituida a seu natural equilibrio, (o que Deos traga cedo!) a opinião nacional venha a prevalecer sobre todas as opiniões exclusivas e apaixonadas dos partidos.

Seguir-se-ha porém da rejeição deste methodo, estreme senão extremo, que forçosamente vamos adoptar o seu opposto? Não será livre fugir do polo que gela, senão para o equador que arde? Parece-me que tão imprudente é evitar um grande mal, como evita-lo a custa d'outro, que não é somenos. Ora se, receosos da perigosa subserviencia dos ministros a um partido reinante, formos entregar-nos todos, e sem escrupulo nem reserva, a sorte da urna, não arriscamos nós tudo igualmente? A vertiginosa influencia dos partidos não chegará até alli? Descobrio-se já algum isolador, que ponha a urna fóra do contacto de sua electricidade abrasadora? O que póde chegar até aos degraos do Throno, o que tem força para desabrochar as pastas dos ministros, e tirar dellas ema carta regia de nomeação de Par, ou Procer, ou Senador, ou o que mais queiram chamar-lhe, não irá com dobrada força, porque sem nenhum obstaculo, cahir em todo o seu peso sobre a urna eleitoral? A urna eleitoral, que a experiencia tem mostrado sempre, e a experiencia nossa portugueza mais que nenhuma; que em tempos de commoção e effervescencia de partidos e abandonada pela nação, cuja salva-guarda deve ser, e entregue ao sabor e capricho das facções, cujo instrumento se torna! Esta não é asserção gratuita minha, mas infeliz e fatal verdade que nenhum de nós póde recusar, porque todos nós a temos allegado, todos a temos offerecido como argumento em cada um dos muitos dias que ha dez mezes bradamos nesta casa, contra os erros e desvios das administrações passadas. Não se tem aqui dito que durante dous annos fomos dominados por uma facção? Que debaixo desse dominio se arruinou a fazenda publica, se deslocou o paiz, se desorgarnisou o estado, se corrompeu a moral do cidadão, se confundiram todas as idéas do justo e do injusto? Pois foi pela urna, foi pela sujeição della a um partido; que nos vieram todas essas calamidades.

Nem posso imaginar que sejamos todos tão cegos que reputemos absolutamente impossivel o volver de cousas semelhantes. Quanto a mim tenho a infelicidade de ver proximos e inevitaveis futuros muito peiores. Oxalá que lhe engane!

E voltando a considerar a impossibilidade de obter, por via da eleição sómente, uma camara que preencha aos fins de revisora e conservadora, que a esta queremos dar, repetirei o que já aqui foi ponderado. Se a camara dos Deputados é a verdadeira representante do movimento e da vontade nacional, como será possivel que, pelo mesmo methodo e elementos com que essa é formada, se forme aquel'outra, que representa a reflexão, a prudencia e a consideração nacional? Se os actos da camara primeira, e propriamente popular, precisarem, segundo a miudo precisam; de moderação; se entre a acção da vontade que legisla, e da força que executa, isto é, se entre o povo e a Corôa for mister usar de conciliação, que pode esperar-se, como mediadora, de uma camara que, ou absolutamente seja de origem popular, ou absolutamente de origem real!

Notando ao mesmo tempo os defeitos de um e de outro systema, considerados estremes, dou n'isto mesmo irrefragavel documento da imparcialidade com que tracto a questão. Nem considero prevalecer-me, da vantagem, que nesta discussão podia ter sobre todos os meus illustres adversarios, quando combatesse o methodo electivo, apresentando o que ninguem como eu aqui póde apresentar, a infeliz experiencia de sete annos durante os quaes foi ensaiado este methodo em um paiz que habitei dous annos, e que por obrigação estudei. Eu podéra mostrar como, por via delle, e sendo mero instgrumento nas suas mãos, uma facção invade e predomina tudo, tornando nominal a acção do povo, fantastica a acção real, e concentra os poderes do estado todos em uma oligarchia, mais perigosa para a liberdade do que todas as aristocracias Wandalas, Suevas e Godas, com que ainda hoje nos querem metter medo, e que já não existem fóra das chronicas, nem tem outros castellos e torres senão a do Tombo.

A nação mais ciosa de sua urna, mais escrupulosa e apegada a seus direitos eleitoraes, os Estados-Unidos da America do Norte, que tanta latitude elejam, em uma constituição toda republicana, ao principio do voto popular, ainda assim não quizeram o seu senado eleito pelo mesmo modo, formado dos mesmos elementos da sua camara de representantes.

A eleição indirecta, e a presidencia do senado dada a um dos membros do executivo, juntamente com a acção moderadora do supremo tribunal de justiça, remedeiam quanto é possivel, a falta da facção da Corôa, que alli não póde haver. Mas deu-se remedio, mas pozeram-se restricções mas não se deixou ao meio do estado, desequilibrado e a tôa, um corpo absorvent de todas as preponderancias sociaes, solto e absoluto, como em um pequeno paiz do

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Norte da Europa erradamente se fez, como hoje, mais erradamente ainda, se pertende impor a Portugal contra sua vontade e tendencias todas, contra suas sympathias e habitos.

De tudo isto devo concluir, quando menos, que os inconvenientes de nomeação regia são iguaes aos da nomeação popular. E as razões que tenho para votar contra um dos methodos são as mesmas que me fazem rejeitar o outro.

Que resta porém fazer? O methodo hereditario é impossivel; o de nomeação regia insufficiente; o electivo pecca nos mesmos defeitos. Resta aproveitar as conveniencias destes dous ultimos, convertei em utilidade os seus proprios defeitos, contrabalançando-os de um com os de nutro; e já que somos forçados a fazer experiencias, intenta-las ao menos com algum reflexo de luz que nos venha da pratica, e com alguma razoavel esperança de proveito.

Esta lembrança não é minha, nem como a tal lhe quero e me revejo nella: vem de cabeças mais profundas e pensadoras, vem de longas, reflectidas e pesadas experiencias de publicistas conhecidos, varões parlamentares, homens que encaneceram na tribuna e no foro popular, e cujo testemunho e authoridade deve ter peso para legisladores aprendizes como nós aqui somos todos, nem de confessa-lo devemos envergonhar-nos.

Entre as duas opiniões que agitavam a Europa dos que defendiam o systema electivo, e dos que sustentavam o da escolha real, appareceu em Inglaterra O'Connel, o demagogo O'Connel, o tribuno da Irlanda, e disse: = "Tambem eu sou filho da urna, e advogado da urna, tudo quanto sou, por ella o sou, mas não me quero fiar só na uma para obter um Senado, um corpo mediador que esteja entre a Corôa e o povo: tão pouco confiarei a só vontade real a escolha de homens que hão de julgar entre ella e a vontade nacional. Mas não quero excluir nem uma nem outra cousa, porque só da combinação de ambas póde nascer o methodo que menos inconvenientes offerece." = E então começou a prevalecer na opinião de muita gente sensata o methodo mixto por elle proposto, e que de seu nome é chamado o methodo O'Ceonel.

Tal é o espirito do seculo, a moderação que distingue e caracterisa a época em que vivemos, que esta idéa conciliadora e de paz nasceu no cerebro do maior demagogo da Europa, do homem que ainda soube melhor, desde que ha mundo, agitar as mossas populares. Este homem, a quem não fallecem talentos, antes em grande abundancia lhos repartiu a natureza, a quem não falta lição, antes a tem profunda e vasta, a quem sobejam virtudes no meio de seus defeitos; e que ama sinceramente do coração a gloria do seu paiz, e a liberdade da sua terra: este homem, digo, propoz um methodo de transacção, e disse: - não neguemos essa ficção eleitoral, sem a qual a monarchia representativa fóra um absurdo ridiculo; conservemo-la fim, mas ponhamos-lhe a modificação do voto popular. - E a sua opinião foi seguida em Inglaterra de todos os reformistas, dos herdeiros das doutrinas de Sydney, dos mais violentos radicaes. Por este methodo póde a Corôa, dentro das cathegorias marcadas pela lei, encolher um quanto sufficiente de Pares, sobre o qual possa livremente exercer-se a facção electiva do povo.

Eu tenho a persuasão intima, que no estado actual da sociedade na Europa, onde quer que houver monarchia representativa, ha de vir este systema a prevalecer; porque elle é ao mesmo tempo o mais popular e o mais monarchico.

Já em Hespanha o arremedaram, mas os que alli inverteram e descoraram o pensamento do grande homem, os que no Brasil o tinham feito antes, fizeram um verdadeiro contrasenso, porque sobre a eleição popular livre, vaga, e indeterminada fazem cahir a acção restrictiva da Corôa. Este methodo imitado e Invertido é conciliador, não ha duvida; de transacção inquestionavelmente, tracta de combinar opiniões diversas, e de dar a cada uma o seu quinhão na composição, para ver se se acaba a peleja; mas tem grandissimos inconvenientes, e sem duvida muito mais graves do que o methodo inicial.

Mas entrando n'esta questão com a franqueza e lealdade com que, graças a Deos, me prezo de entrar em todas, não me atrevo a expor todos os deffeitos que acho no methodo hespanhol e brasileiro, porque podem as Côrtes optar por elle, e não o desejo desacreditar! Atrevo-me porém a dizer sem receio que os inconvenientes já achados nelle ainda não foram achados no outro.

Note-se particularmente, que logo que na Constituição se estabeleçam para os membros da segunda Camara cathegorias differentes das que se requerem para os da primeira (e contra isso ainda não ouvi disputar ninguem), quero dizer, que haja differença na qualificação de idade, de censo etc. é indispensavelmente necessario um processo estatistico feito pelas provincias antes de se proceder a eleição. - Inquestionavelmente: que, se se contentarem de dizer n'uma lei que podem ser Senadores os que tiverem taes circumstancias, sem mandar formar mappas estatisticos das pessoas que estão nesses casos da lei, as eleições hão de sahir absurdas, e em grande parte nullas. Na Belgica, unico povo europeu, que adoptou o methodo electivo absoluto para a formação da segunda camara, procede-se todos os annos a um como cadastro dos elegiveis para o senado , porque todos os annos ha alterações e mutações, e por consequencia é preciso todos os annos rectificar as listas. Isto é necessario absolutamente, ainda que a differença seja só de idade e propriedade.

Ora feita esta lista, que não é votada por ninguem, em que não entra a acção do poder da Corôa, nem da opinião popular, nem as paixões de partido nenhum, é ella, e pelo facto, a verdadeira primeira eleição do Senado. Sobre esta eleição inicial ou candidatura, deve (segundo o meu methodo) recair a acção da Corôa escolhendo por cada provincia, das pessoas que nella tem propriedade, ou as outras circumstancias da lei, um numero suficientemente lato, para que sobre elle possa dar-se a acção da eleição popular. A conveniencia, ou antes a maior excellencia deste methodo sobre qualquer outro, é que o homem uma vez escolhido pela Corôa acabou toda a sua dependencia della, e nunca mais teve precisão de se fazer acceito ao poder: d'ahi por diante todo será do povo, de cujo favor só lhe ha de vir a futura dignidade. Demais, a camara assim composta póde ser dissolvida nas mesmas epocas que a outra; póde acabar a sua duração ordinaria ao mesmo tempo que a outra, sem necessidade de recorrer de novo a acção da Corôa para nova eleição.

Por este modo a acção do poder real não vinha a ser senão um verdadeiro julgar de preferencia entre aquellas cathegorias que a lei estabelecêra, deixando quasi precipua, e muito mais ampla que pelo outro systema, a liberdade do povo que escolhe.

Pelo contrario, o methodo seguido pelos nossos visinhas hespanhoes, e já dantes adoptado pelos nossos irmãos brasileiros, methodo em que muito pouco confio, e para o qual vejo com pesar propender muito a grande maioria do Congresso, (não pelos principios delle, que são bons e conciliadores; mas pela instabilidade de sua fórma que não promette duração) tende inevitavelmente a exercitar mais que muito as animosidades de partido, as rivalidades pessoaes. Os que sendo eleitos não forem escolhidos ficarão inimigos perpetuos do preferido, na sempre cara persuasão de que, me recendo mais, foram desprezados por quem se não valia; ficarão além disso inimigos do principio que os excluiu: e por cada Senador que se assentar na Camara para defender as instituições, ficarão dous de fóra para as desacreditar. Estou muito inclinado a crer que este methodo ha de produzir

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grandes é terriveis facções dentro do estado, facções pessoaes, irreconciliaveis, que hão de apellar para a revolução como todas apellam. Vejo nelle um perigo de segurança, uma garantia, não de estabilidade; Dias de incerteza para as instituições que o adoptarem. Não me estendo mais neste ponto, porque não quero que me fique sobre a consciencia a responsabilidade de ter concorrido para a sua rejeição, se for rejeitado. E tanto escrupulo tenho disto, quanto nenhum é o medo ou receio que me acanha nunca em sustentar opinião de cuja bondade eu esteja seguro, por mais que desagradem a outros. Ainda agora disse, e repito, que se achasse em Portugal os elementos para uma Camara hereditaria, era essa a que havia de propor, embora me apoidas sem da quantas alcunhas impopulares possa haver. Quem se abalança ao mais, não hesitaria, no menos. Mas uma convicção forte e profunda me faz preferir a todos, para a minha patria, o systema da escolha real sanccionada pela nomeação popular. Com a mão no coração declaro que em todos os methodos propostos vejo grandes inconvenientes, é em nenhum vejo garantias que indubitavelmente resalvem esses inconvenientes. Opto por este, porque tem menos que os outros, não que seja isento de defeitos. Que as garantias que alguns oradores tem querido achar na stricta salvação dos principios summos, era preciso provar primeiro, que esses não inquestionavelmente os verdadeiros. E em que livro, em que documentos está a demonstração dos principios, que nos dão como infalliveis? Muitos annos o mundo jazeu debaixo do jugo de principios então ditos infalliveis, hoje reconhecidos absurdos; muitos tem de jazer debaixo d'outros que depois se mostrem que taes. De outro principio social não sei ao certo senão que o homem tem direito a ser livre, porque tem direito a ser feliz. Mas qual é o modo de ser mais livre, e mais feliz, nem ainda se assentou, nem o viu ainda ninguem tão claro.

O argumento, em que mais se fundam os propugnadores desses pertendidos principios infalliveis, e que lhes pareceu irresistivel, é o que na realidade é o mais fraco de todos: a omnipotencia da classe media, e sua illimitada expansão que ha de absorver as outras todas. Mas, Srs., a classe media não existe sem as extremas; e no instante em que as absorver, deixou ella de ser o que era. Formosa, e feliz utopia! Assim fôra realizavel! Que nivelada a posição de todos os membros da sociedade, desapparecessem as classes, e os homens ficassem todos uns diante do homem, assim como o são diante de Deos!

Longe porém, e quam longe de ser essa a tendencia actual da classe media; é bem differente e bem outra. Não é a sua a dilatação de um fluido que tende a nivelar-se; mas a expansão de um gaz que tende somente a subir. A sua mira, o seu empenho, os seus esforços, todos são para usurpar o logar das antigas classes privilegiadas. Ai do povo se ella o chegar a conseguir, porque sua tyrahnia ha de ser como aquellas foram! Mas ai d'ella tambem se lá chegar que por seus proprios excessos ha de cair como aquellas cahiram!

Esta é sem duvida a tendencia da classe media por toda a Europa, tendencia bem sabida é reconhecida. E esta lhe querem accelerar, dobrar-lhe a velocidade! E faz-se isto em nome do povo, e para bem do povo! Incutir-lhe ainda maior força de movimento! O povo ha de ganhar com isto? O que? Será para utilidade sua, dessa mesma classe media,..... que ella, e o povo ambos hão de ser victimas da ascensão perigosa! Santo Deos! Aonde chegamos de loucura, e desvario em nossas theorias! Onde nos não levara ainda o fanatismo dogmatico, se assim vamos desprezando sempre os factos, e a analyse que illustra, para só nos fiarmos na synthese que deslumbra e entrevece! Fraca resposta tem o que eu digo, porque digo só a verdadeira, e sincera. Mas bem sei que, ou não me hão de entender, ou fingir que me não entendem; e abusando do natural sentido de minhas palavras singelas, farão dellas o que eu não disse, para me responder com o que lhes não quadra.

Bem o sei eu; bem sei que se hão de dizer mais liberaes, e populares..... e que os hão de crer, porque o povo ainda não aprendeu, não se desenganou ainda, não conhece o abuso de palavras com que em seu nome, e a titulo de sua, se advoga uma causa, que não é delle. Mas um dia virá, e praza a Deos que não seja tão cedo como eu o cuido, que elle ha de palpar, e sentir duramente a pesada realidade do que hoje lhe figuram tão appetecivel.

Pois que! O que é que tanto se zela hoje, por que se pugna com tanto fervor? Será pelos interesses do povo, ou pelos da classe media? Será ainda pelos dessa classe, ou pelos exclusivos interesses das summidades della?

Não responderei eu, respondam os factos, as leis que o digam, as instituições de quasi todos os paizes que o mostrem. Falla-se do bem do maior numero; mas ao menor numero é que se prove. E os povos da Europa libertos apenas da senhoriagem feudal, ahi tem já outra prompta para os dominar é avexar. E que importa ao povo que trabalha e sua e chora, que o seu trabalho seja devorado pelo duque ou pelo banqueiro; que o seu suor seja bebido pelo marquez ou pelo grande fabricante; que as suas lagrimas sejam escarnecidas pelo barão do alto do seu castello, ou pelo rebatedor de cima da sua burra?

Fábula para néscios é o sonhado nivelamento das classes; e quanto mais livre for um estado, tanto menos possivel será ella de realizar. Na monarchia só o despotismo pôde, a força de miseria, aproximar-se d'isso; que a tyrannia é como a morte; e ahi sim, que se igualam as condições todas: ou tambem na tão gabada e tão infeliz liberdade das republicas, onde, exercidos pelos escravos os misteres duros e ignobeis da sociedade, não vem a ser como entre nós, condemnados a elles uma porção consideravel, talvez o maior numero dos cidadãos. Alli para os servos a fadiga, para os cidadãos o gozo. Concebe-se um tanto a igualdade deste modo.......

Mas que igualdade, e que philantropos os que a podem desejar? Que liberalismo o que a proclame? Igualdade, que tem por base e condição forçosa, a servidão hereditaria de muitos homens!

O fio desta reflexão leva longe: nem sei onde terminaria se o fôra seguindo; mas basta, daqui mesmo do principio, lançar os olhos pelo correr do que ahi se apresenta em perspectiva para se avaliar quanto será.

Eu paro aqui, e contento-me de considerar por agora que, para ser absolutamente impossivel que a classe media venha jamais a absorver as classes populares, basta reflectir que o maior numero dos habitantes de um paiz ha de sempre ser condemnado pelas exigencias da sociedade aos lavores affadigosos e materiaes que embrutecem e abatem; que o gozo desse trabalho ha de sempre ser para o menor numero, e que onde não houver escravos, aquelle infeliz maior numero ha de ser de cidadãos.

Eis-aqui, faça o que fizer, o inevitavel fado do povo! E eis-aqui a realidade dos fantasmas? com que o illudem!

Sejamos verdadeiros, digamos o que é, e cumpre que seja, façamos com que a classe media recrute quanto mais poder das fileiras do infeliz povo para suas privilegiada? cohortes: facilitemos quanto é possivel a passagem; mas não mintamos, não vamos embair de falas esperanças os desgraçados que podem ter a miseria de nos acreditar: e já que comemos os regalados fructos nós, não demos de acinte e negaça aos outros o desesperado supplicio de Tantalo.

Estas, repito com a mão no peito, e seguro do que digo, estas é que são verdades, pura e lealmente ditas pela mais humilde boca certamente, mas pela mais sincera que ainda fallou portuguez e portuguezes. São duras de ouvir, certo, e mais ousadas de dizer ainda, porque a maior parte, dos que aqui estamos pertencemos a classe media, porque a ma-

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xima parte dos que tomamos interesse em cousas politicas d'ella somos, e amarga-nos fazer reflexões d'estas. Iamos nosso caminho com os olhos nas summi9dades sociaes que desejamos occupar, e sem olhar para traz para o povo que nos segue, que nós instigamos, que nos ajuda, e com quem somos liberaes de promessas que não podemos, que não havemos, que ninguem póde nem ha de cumprir-lhe... Paremos em quanto é tempo, paremos que ainda é tempo. Não sejamos lisongeiros de nossa classe, divisando-a para a perder de vaidade e orgulho. Agora que ella triumfa e vence, agora que nella está o poder e a força, agora é que é nobre e generoso, e leal, e de amigos fallar-lhe a verdade. A coragem com que nossos avós a disseram aos reis quando os reis tudo podiam, tenhamo-la nós agora para a dizer aos povos quando os povos são omnipotentes. Não imitemos as verginhas dos palacios, nem as baixezas dos cortezãos; que nos não chamem aulicos populares e bobos das turbas, que lisongeam os para merecer, e divertimos para ganhar.

Assim, Srs., já que pela exclusão forçosa, insanavel impedimento, e inhabilidade do maior numero, a camara dos Deputados, a verdadeira camara dos representantes (segundo em mais de uma Constituição eszcripta se lhes chama) é patrimonio da classe media pela necessaria, inevitavel e proficua organisação da urna, não vamos tambem entregar á mesma classe o monopolio da segunda camara. Seria attribuir-nos a gerencia toda dos negocios publicos, declararmo-nos absolutos a nós mesmos, e fazer de nossa feliz e bem quista classe, uma aristocracia odiosa, e mais impopular do que nenhuma que ainda houvesse.

O que hoje é a classe media para o povo, foi ao principio a aristocracia, uma classe proyectora, um abrigo, um escudo contra o poder. Foi-lhe mister luctar com os Reis: e o povo a ajudou: venceu, e não tardou a abusar da victoria; de protectora e alliada tornou-se senhora, usurpou tudo, invadiu tudo, abusou de tudo. E o ciume dos Reis primeiro, a inveja e o odio dos povos depois, fez justiça ao usurpador. Cahiu, como nós havemos de cahir, apedrejada da indignação popular, senão reflectirmos e nos não moderarmos a tempo. E mais facil, e mais prompto, e mais tristemente havemos de cahir. Que a nossa oligarchia efemera é estatua de pés de barro: aquella tinha alicerces de ferro e sangue que iam até ás entranhas do paiz. E cahiu! E o fanatismo religioso, e os preconceitos antigos, e a memoria dos serviços passados, e o lustre das antigas prosapias, e a gloria e a vaidade nacional, e a historia cheia de seus nomes, e tudo rodeava de prestigios, e de força, e de authoridade a antiga aristocracia historica. E cahiu, e ella ahi juz por terra! E quanto veio o dia grande e amargo, quando o povo se ergueu, e lhe pediu contas de sua usurpaçao, ella invocou todos esses prestigios, fallou na religião, appelou para historia. E nada lhe valeu!

Nós, se com os nossos abusos trouxermos esse dia, se fizermos a loucura de tornar obnoxia ao povo a nossa classe, que elle ainda ama, que invocaremos nós no dia em que nos pedirem contas? Fallaremos na historia? Mas nós ainda a não temos. Apellaremos para a gratidão dos serviços prestados? Mas quaes fazemos nós, quaes que a nosso prol não fossem?.......

Vozes: - Oh! Oh!

O Orador com mais energia. Não podemos, digo, appellar para a gratidão dos povos, porque ainda não fizemos nada a favor dos povos. Disse e repito-o: o povo trabalha e produz, a classe madia adquire. Dir-me-hão que a classe media fornece os officiaes aos exercitos, os juizes aos tribunaes, os legisladores ao senado, os litteratos ás academias. E' isto que dizem?.......

Vozes: - Sim, sim.

O Orador: - Assim é: e grande serviço temos feito em verdade!! Por cada official que a classe media dá ao exerciro, quantos soldados dá o povo? Marchemos contra o inimigo que está sobre nossas fronteiras. Ahi vão batalhões a poz de btatalhões. De que massa sahiram?

Trava a peleja, a fuzilaria adelgaça as fileiras, a metralha varre os quadrados. Quantos morreram de espada na mão, quantos com a espingarda ao hombro? Salde-se a conta, e vejamos de que lado está a obrigação ou o serviço.

Damos juizes aos tribunaes, mas quem lhes paga? Nós ou o povo? Damos legisladores ao senado. Mas se a rebellião ataca o senado, as baionetas do povo é que o defendem. E o senado decreta mais tributos, e o povo paga. Que do nosso mais rigorosamente se póde dizer que de nenhum paiz, ser o povo quem paga os tributos; porque reduzido quasi o erario a viver dos indirectos, sobre o povo vão elles pesar quasi todos.

Damos lhes livros e doutores. Mas essa não é producção exclusiva da nossa classe: os sabios sahem de todas, e não pertencem a nenhuma. Assim elles fossem menos e melhores!

Disse pois, repito, e nem me pejo nem me temo de o repisar: o povo devia alguma cousa á antiga aristocracia, e cuidava dever-lhe muito mais: a nós nada nos deve e nada reputa dever-nos. O povo sabe que se ha mister baionetas. Já lh'as vamos pedir; se é preciso dinheiro que lá lh'o vamos buscar; e que por fins de contas os tributos de dinheiro e de sangue sobre elle vão cair. E se a questão actual é mera questão de algarismos, se nada mais do que numero queremos considerar, se calculam de quantidade, e a qualidade se despresa; eu desde já appello (que tambem o sei fazer........) para o povo, d'uma decisão que dando á classe media a posse exclusiva do estado, constitue uma classe absoluta e suprema, em perigo e para ruina da liberdade do povo, cujo nome se invoca para esta usurpação.

Filho desta classe, filho que muito me honro de minha boa e nobre mãi, para mim não quero nem para ella a perigosa e fatal investidura com que a pertendem elevar acima de seus interesses. Para longe essa purpura de vaidade com que a cegam, repassada, como a tunica da fabula, no sangue do centauro para abrazar o infeliz que a vestir.

Em nome do povo, e da liberdade regeito um e outro dos methodos propostos pela maioria, e pela minoria da Commissão. Voto pelo methodo mixto como o produz, mas não duvidarei adoptar qualquer outro que combine a eleição popular com a intervenção da coroa. (Depois apoiados de alguns membros do Congresso.)

O Sr. Presidente: - Passa-se á correspondencia.

O Sr. José Estevão: - Sr. Presidente, eu pedi a V. Exca. a palavra para uma explicação.

O Sr. Presidente: - Na conformidade das decisões do Congresso, e em conformidade com o regimento (segundo eu o entendo) não posso dar a palavra para a materia, e por tanto o Sr. Derramado não póde agora ter a palavra.

O Sr. José Estevão: - Sr. Presidente, eu entendo que da explicação, que eu preciso dar, está dependente a honra do Congresso, e a honra do Sr. Deputado que acabou de fallar; em consequencia peço a V. Exca. que me conceda, e me dê a palavra para isto.

Vozes: - falle, falle.

O Sr. Presidente: - O mais que posso fazer, é consultar o Congresso sobre se quer conceder a palavra ao Sr. Deputado para uma explicação.

O Congresso decidiu affirmativamente.

O Sr. Almeida Garrett: - Como naturalmente sou eu aquelle, de quem se exige a explicação, desde já peço a palavra, e poupo ao Congresso nova votação.

O Sr. José Estevão: - Sr. Presidente, eu quero provocar uma explicação da parte do nobre Deputado, que ultimamente fallou na materia, e desta explicação está dependente a honra do Congresso, e do proprio Sr. Deputado. Esta

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Sr. Deputado no seu longo discurso, escapou-lhe uma expressão, que é preciso que seja rectificada; o Sr. Deputado, depois de dividir o Congresso em tres estados, disse que havia um que estava de cima, e que dominava não sei o que: quero eu que me explique o que entende este nobre Deputado por aquella expressão, quem está debaixo, e quem está de cima.

O Sr. Barão da Ribeira de Sabrosa: - Confesso que dei toda a attenção ao ultimo orador, e não percebi bem, não entendi bem aonde estava a offensa; por isso eu pedria ao illustre Deputado se quizesse explicar d'uma maneira mais clara, porque eu confesso, por maior attenção que lhe dei, não pude conceber aonde estava a offensa, que alguns Srs. Deputados quizeram observar: e não tenho nada nesta questão, o Congresso julgará como entender.

O Sr. Almeida Garrett: - Se a tachigrafia (apesar de adiantada como está entre nós) tivesse com tudo feito maiores progressos, eu pediria ao tachigrafo, encarregado de transcrever o meu discurso que recitasse as suas notas ao Sr. Deputado, porque essa seria certamente a explicação mais completa que lhe podia dar. Infelizmente não creio que os Srs. tachigrafos portuguezes, nem tachigrafos nenhuns do mundo tenham levado a sua nobre arte a ponto de poderem immediatamente ler os caracteres tachigtaficos tão repentinamente, como veriam os ordinarios. Não tenho por tanto remedio, senão recorrer a minha memoria, que espero me sirva de melhor tachigrafo, para ver se possa repetir exactamente aquillo, que disse.

Eu comecei o meu discurso, dizendo que havia tres posições na vida publica "A primeira e a mais facil é seguramente a d'aquelle, que nem por si a toma, que levado da torrente das opiniões, e cuidando dirigir as turbas, quando não é senão empurrado para ellas, imaginando ser forte, só porque se põe do lado da força, vai com o poder que reina, esta pela potencia que impera. Esta posição é, como disse, a mais facil, e para certos olhos (inda bem que não para os meus!) a mais brilhante: os applausos estão em roda d'ella, as recompensas lhe chovem em cima; e coroado ha de ser de certo, quem a occupa, que seja das folhas de Carvalho do republico tribuno, ou das perolas feudaes do barão aristocratico: a differença está na fórma, a corôa é a mesma, vale e significa poder, ganhou-se e deu-se pelo mesmo modo.

"Quasi tão facil é a segunda posição (facil de tomar, entendo), apparentemente mais nobre, nem sempre mais desinteressada, mas sem duvida mais lisongeira para o amor proprio de quem a escolheu por sua é a d'aquelles que apparentando (Deus sabe ás vezes com que animo) integridades de Catão, parecem pleitear de justiça com os Deuses, praz-lhes a causa vencida, só porque vencida, defendem quanto esta debaixo, só porque o está; é justa ou injusta é sua sempre a causa dos que se dizem opprimidos. Não é tão independente, como talvez parece esta posição, nem lhe faltam vantagens. Nella se formam muitas vezes reputações, que alias fóra impossivel adquirir; tambem lhe sobejam applausos; e lá está, mais longe sim, mas não mais incerta a perspectiva da recompensa, a querida esperança do galardão!

"A historia de todas as revoluções nos apresenta sempre, e pelo mesmo modo, forte e numerosamente occupadas estas duas posições. Ambas são a da ambição; para ellas vai, para ellas forçosamente ha de ir a maxima parte dos homens.

"Terceira posição é difficil, desgraçada e ardua, de poucos seguida, de poucos entendida, calumniada dos muitos, pode-se quasi dizer que despresada de todos. Raros a occupam, raros tem deixado de morrer nella, sós como entraram, abandonados e malquistes. Na peleja nem um voto os anima: os applausos da victoria não os tem, que não ha victoria para elles; na desgraça não tem sympathias para que não dão esperanças; na boa fortuna....... Onde ha boa fortuna para os justos e inteiros? Está-se-me a formar nos labios, que o não posso reter, o nome dos virtuosos girondinos, não poupados do posthuno sarcasmo d'um historiador nosso contemporaneo, désse Erasmo politico, que fez o panegyrico da corrupção de Mirabeau! Historiador republicano, estadista monarchico!............ O que não diriam estas sós palavras a um povo, que as soubesse attender! Mas os povos tem o entendimento difficil, e a memoria curta: hão de se ir educando á sua custa.

"Esta sim, esta ultima, de que fallo, é a posição do homem, inteiro, e independente deveras"

Aonde esta pois-aqui a censura? Peço ao Sr. Deputado, que reflicta, mais antes de implorar tão energicamente contra o que confessa não ter ouvido. Ainda lhe peço mais que espere que o meu discurso saia das mãos dos tachigrafos antes de eu o rever, e verá se estas foram as minhas expressões. Depois desta não sei que mais explicações possa dar, mas estou prompto a dar todas, e de todo o genero, que qualquer Sr. Deputado exigir.

O Sr. José Estevão: - Sr. Presidente, o meu fim era a propria honra do illustre Deputado mais de que a do Congresso, porque a do Congresso perdia menos que a do nosso illustre collega; agora o nosso illustre collega está com a sua honra completamente illibada; o Congresso deve-se dar por satisfeito com a sua explicação, e eu aproveito esta occasião para com elle estreitar mais os laços d'amizade; entretanto posso asseverar que algumas das expressões do nosso collega excitaram-me muito, e ainda mais excitaram alguns dos nossos collegas, cujas caos se não excitam com muita facilidade.

O Sr. Barão da Ribeira de Sabrosa: - Sr. Presidente, eu não tenho muitos cabellos brancos, porque sou calvo (riso), e por isso não me excitaram as expressões do nobre Deputado, mas como o illustre Deputado por Aveiro disse que d'alguma maneira o Sr. Deputado Garrett tinha, não direi injuriado, mas offendido o Congresso, então pedia a V. Exca. consultasse o Congresso sobre se assim o entendia: o Sr. Deputado diz que a honra do Congresso estava dependente da explicação do Sr. Deputado Garrett, eu peço por isso a V. Exca. que consulte o Congresso se elle assim o entendeu (rumor).

O Sr. José Estevão.................

O Sr. Leonel: - Parece-me que não é conveniente deixar continuar esta discussão.

O Sr. Barão da Ribeira de Sabrosa: - Sr. Presidente, eu reclamo a palavra, e creio que o Congresso não deixara de consentir que eu responda a quem me argue tem motivo.

O Sr. Leonel: - Parece-me que não ha logar a continuar nesta discussão.... é uma cousa que não sei definir, em fim parece me que é conveniente que se passe a outra materia, e não continuar em uma cousa, que não posso bem saber o que é, porque não estava presente quando se encetou este incidente; entretanto mais alguma palavra parece-me que não convira; e então peço a V. Exca. faça terminar este incidente.

O Sr. Presidente: - Não posso sem alguem o propor.

O Sr. Leonel: - Peço a V. Exca. que pergunte ao Congresso, se quer continuar com a discussão nos termos, em que ella estava collocada, quando eu pedi a palavra.

O Sr. Presidente: - Não sei se o Sr. Deputado propõe que eu consulte o Congresso se a materia está discutida?

O Sr. Leonel: - Sim senhor, proponho.

O Sr. Presidente: - Propoz se a materia estava discutida.

O Congresso assim a julgou.

O Sr. Presidente: - Passa-se a correspondencia.

O Sr. Secretario Rebello de Carvalho mencionou o seguinte:

1.º Um officio do ministerio do reino, acompanhando

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outro do ministerio da guerra com a copia do officio do commandante da oitava divisão militar ácerca da representação, que lhe fizeram os povos de S. Romão? Alportel, o Farrobo a fim de serem desannexados do concelho de Faro, e continuarem a pertencer ao concelho de Loulé.

Foi remettido á Commissão d'estatistica.

2.° Outro officio do mesmo ministerio, accusando a recepção do que se expediu pela secretaria das Côrtes, em que se participava a reeleição dos Srs. Presidente, e Vice-Presidente.

O Congresso ficou inteirado.

3.° Um officio do ministerio da guerra, enviando varios requerimentos, e mais papeis connexos pertencentes ao major reformado Antonio Julio Pereira d'Eça, que pede lhe sejam liquidados, da mesma maneira, que o foram aos capitães do exercito Aureliano José de Moraes, e Francisco Zacharias Ferreira d'Araujo, os soldos, que lhe foram suspensos desde 1824 até 1834, em que foi reformado no posto de major.

Foram remettidos á Commissão de guerra.

4.° Outro officio do mesmo ministerio, enviando a copia do relatorio do uso, que o brigadeiro graduado Celestino, commandante da oitava divisão militar, fez em todo o mez de Setembro ultimo das faculdades extraordinarias concedidas ao Governo, prorogadas em virtude da carta de lei de 12 de Junho proximo passado.

Foi para a secretaria.

5.° Um requerimento das damas, açafatas, e mais antigas creadas das differentes repartições do paço, a pedir se recommende ao Governo lhes pague tudo o que se lhes deve.

Sobre este requerimento pediu a palavra

O Sr. João Victorino: - Parece-me que este requerimento deve ir ao Governo com recommendação, a fim de que elle soccorra essa classe desgraçada, porque para isso não precisa de medida legislativa.

O Sr. Barjona: - Entre tanto vá á Commissão de fazenda.

O Sr. João Victorino: - Embora vá á Commissão de fazenda, com tanto que ella lhe dê attenção.

O Sr. L. J. Moniz: - Sr. Presidente, nós hoje temos tanta gente infeliz, que quando se tracta de infelizes eu não sei por onde hei de principiar, nem por onde acabar; mas na verdade estas senhoras estão collocadas em um estado o mais deploravel, e o mais digno de compaixão: é preciso accrescentar a esta consideração a de que ellas viram muito mais bellos dias, e para aquelles, que viram dias mais beijos, não ver agora senão dias lugubres, causa muito maiores penas; por isso peço para unir a minha voz em favor do requerimento, que apresentou o meu respeitavel collega, o Sr. Deputado por Vizeu; cujo exemplo em tudo, mas principalmente em actos filhos de seu coração benefico, muito me honro seguir.

O Sr. Barão da Ribeira de Sabroza: - Eu queria sómente dizer que o Sr. Ministro da fazenda se tem occupado disto com toda a seriedade, e com todo o interesse, e espero que S. Exa. fará o que me disse ha pouco, isto é, que logo que podesse pagar alguma cousa a essas senhoras, o faria.

Pondo-se á votação se o requerimento havia de ir ao Governo, assim se decidiu.

O Sr. Presidente: - A hora deu: a ordem do dia para ámanhã é a continuação da discussão da constituição. Está levantada a sessão.

Eram quatro horas da tarde.

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