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SESSÃO DE 10 DE OUTUBRO.

(Presidencia do Sr. Macario de Castro.)

ABRIU-SE a sessão ás onze horas e tres quartos da manhã, estando presentes oitenta e seis Srs. Deputados. Leu-se e approvou-se a acta da sessão antecedente.

ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Entramos na ordem do dia, que é a continuação da discussão sobre a organisação da segunda camara; o Sr. Derramado tem a palavra.

O Sr. Derramado: - Sr. Presidente, cedo da palavra para ouvir alguns Srs., que combatem o parecer, e que ainda não faltaram, reservo-me pois para fallar em outro logar.

O Sr. Conde da Taipa: - Eu queria ceder da palavra para depois de fatiarem dous ou tres Srs., porque eu desejo responder ao discurso de um Sr. Deputado, que não está presente.

O Sr. Derramado: - Eu cedo da palavra, como já disse, para ouvir os Srs., que combatem a camara vitalicia de nomeação real, que eu considero como um dos orgãos vitaes da monarchia representativa: mas reservo o uso do meu direito de fallar depois dos meus adversarios para combater os seus argumentos tendentes a destruir este orgão, que eu, e os meus amigos politicos estamos empenhados a conservar por todos os meios parlamentares ao nosso alcance: e se elle morrer ha de ao menos ser accompanhado de todas as honras funebres.

O Sr. Barão da Ribeira de Sabrosa: - Sr. Presidente, os argumentos, que tenho ouvido nesta discussão, mais me tem confirmado na minha primitiva opinião: alguns vaticinios se tem feito, mas eu estou persuadido que meu mandato não se fundarem vaticinios.

Sr. Presidente, um Sr. Deputado por Aveiro, combatendo uma cantara vitalicia, disse que em Hespanha se havia adoptado um Senado temporario, mas este illustre Deputado não se lembra que votou contra as duas camaras, quando alli foram adoptadas: em toda a sociedade o homem trabalha por ser notabilidade na sua esfera, e eu accrescento que isto é necessario para a mesma sociedade; logo é consequencia necessaria que todo o homem aspire a esta espécie de aristocracia.

Sr. Presidente, em 1820 não foi a aristocracia quem destruiu as notabilidades, foram ellas mesmas que se destruiram por terem subido aos primeiros cargos do estado.

Sr. Presidente, muito fragil foi ou tem sido o argumento que diz que esta camara seria um valhacouto de empregados publicos; e perguntarei eu, e este Congresso não se compõe de setenta empregados publicos? Esta questão de haver ou não empregados publicos nas camaras legislativas, tem sido muito ventilada, e nós só temos imitado os outros; tem-se conhecido que o excesso em numero destes individuos é prejudicial; mas alguns são necessarios, e tem-se visto a falta, que tem aqui feito um habil empregado de fazenda. Sr. Presidente, não se pode invocar a opinião geral em favor da opinião particular, porque na minha opinião dou tanto peso a uma representação de uma camara, como a uma attestação graciosa; a verdade é que de tres milhões de habitantes só appareceu por ora uma petição assignada por trinta e tantos contra um artigo do projecto, e daqui tiro eu que este consentimento tacito mostra ser a favor do parecer da maioria da Commissão.

Tambem se disse que o exercito queria a constituição de 22; Sr. Presidente, o exercito é muito patriota e amante da Rainha, tem por dever ser essencialmente obediente, por conseguinte ha de seguir fielmente aquelle systema, que as Côrtes adoptarem.

Disse-se que um Senado, nomeado pelo Rei seria dependente de quem o nomeou: Sr. Presidente, neste mesmo Congresso eu já vi que Deputados agraciados pelo Ministerio tem combatido esse mesmo Ministerio, quando a sua consciencia lhe tem pedido. Concluo, Sr. Presidente votando conforme com a minha opinião, porque nella estou firme.

O Sr. Conde da Taipa: - Eu peço licença para fazer algumas observações sobre o discurso do Sr. Deputado por Aveiro, que entrando nesta materia, impugnando o parecer da Commissão, aproveitou esta occasião para combater o discurso, que eu tinha feito anteriormente, e acabou votando-me a vida monastica, fazendo-me entrar na ordem seraphica na provincia reformada dos capuchinhos. Vendo-me pois com o escapulario, e sem vocação, fiquei bastantemente penalisado; e cheio desta idéa, indo ver as notas, que tinha tirado do seu discurso, não vi nelle cousa alguma que não involvesse uma idéa capuchinha; de maneira que annullei a profissão, e reconheci que não era eu capuchinho.

O illustre Deputado disse, e levantou a vóz exclamando que o povo inglez era escravo, e que em Inglaterra não havia liberdade; e para substanciar a sua asserção trouxe por exemplo o rigor das leis de caça em Inglaterra. Se o illustre Deputado julga que as leis de caça em Inglaterra são firmadas sobre o antigo direito feudal das coutadas, está muito enganado. As leis de caça não são senão reconhecer o direito inherente a propriedade. (Apoiado.) E n'um paiz que chega ao auge da civilisação, que é o estado contrario ao dos povos caçadores, e onde está tudo cultivado, as perdizes, e a outra caça não se sustenta senão do trigo, nabos, e dos legumes que encontra nos campos: por consequencia ninguem tem direito de matar as perdizes, que se sustentam a custa do trabalho dos outros.

Quando em França se aboliu o direito feudal na constituinte passou esta mesma lei, e disse-se isto, lembra-me muito bem das palavras da lei - cada um tem direito de destruir, e fazer destruir só nas terras que lhe pertencerem toda a especie de caça - eis-aqui o motivo da lei, mas dizer-se que em Inglaterra não ha liberdade, porque se não podem ir matar as perdizes nos campos dos outros, é o mesmo que em Portugal dizer-se que não ha liberdade, porque se não podem ir tirar gallinhas nem perus ás capoeiras de cada um. (Risadas.) O illustre Deputado illudiu-se aqui com um sentimento filantropico - é verdade; com aquelle sentimento de falsa caridade que pôr muito tempo dominou na Europa em consequencia das pregações dos frades, que vociferavam no alto dos pulpitos, contra os ricos por estarem, rodeados de luxo, e deixarem os povos na miseria, e com essas expressões chegaram a estabelecer aquelles sentimentos de caridade, em que sustentavam um numero immenso de ociosos, que tanto vexaram os povos; e esse exercito de faincantes que elles conservaram para seus fins; como se o luxo dos ricos não fosse a sustentação dos pobres por meio do trabalho, e como se fosse mais justo sustentar um pobre ocioso, do que pagar o trabalho ao pobre activo, e trabalhador. Por consequencia desenvolveu nesta doutrina uma doutrina capuchinha, e peço ao illustre Deputado, que me permitia que lhe enfie o habito, que elle me quiz enfiar. (Risadas.)

O illustre Deputado exclamou tambem que se por acaso se votasse uma segunda Camara se estabeleceria a aristocracia do caber, que é a mais terrivel de todas. Se isto assim fosse, digo que desta aristocracia do saber ha de ser elle sempre victima; porque não reconheço senão duas especies de governo; ou o governo da força intellectual, ou o governo da força bruta; este da força bruta divide-se em dous - ou povo sem disciplina, governando tumultuariamente, e então temos a anarchia, ou o rei mandando soldados a executar, e o povo a obedecer: ou então governo represen-

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tativo, que é de sua essencia ser governado pela parte intellectual do paiz. Quando se fez a revolução do terceiro estado contra a nobreza não foi um capricho, foi que o terceiro principiou a ganhar intellectualidade, e as sciencias, a medida que a nobreza, e os senhores feudaes principiaram a decair. D'aqui veio a revolução, que fez cair uma, e subir outra classe. Por consequencia, Sr. Presidente, seguindo esta doutrina o illustre Deputado contrariou a maxima do grande mestre da filosofia moderna em sciencia do governo, e legislativa - Lord Bacon, que disse sapientia est virtus: e por uma consequencia logica, como exclamou aqui um illustre Deputado, contrariando esta maxima, é preciso cair na outra = bemaventurados os pobres d'espirito, porque delles é o reino do Ceo = e como é maxima capuchinha, permitta-me o Sr. Deputado que lhe cinja o cordão, que alle me quiz cingir. (Grande risada.)

O illustre Deputado disse, para substanciar os seus argumentos, e mostrar todo o seu horror a aristocracia titular, que um nobre francez no principio da revolução tinha chamado os seus caseiros, entre os quaes principiavam a grassar idéas liberaes, que tinha feito uma mina de polvora debaixo do logar em que elles estavam e lhe deitara fogo, dizendo, morram vocês com todas as suas idéas liberaes.

Ora ainda que este caso fosse verdadeiro era um crime isolado, que não vinha nada para o caso, porque desses grandes crimes isolados nunca se pode fazer solidaria uma classe inteira: e se mal nos pozessemos a contar, o Sr. Deputado os crimes da alta aristocracia, e eu os da democracia, haviamos de gastar toda avida, e haviamos de morrer sem se poder conhecer a favor de quem estava o resto, porque podia mostrar-lhe Lefayette condemnado a morte em nome da liberdade por uma calumnia, da liberdade de qual elle foi o mais puro sustentador, podia lhe mostrar os Graccas assassinados por esse mesmo povo, cujos direitos elles queriam sustentar; e em fim muitos outros exemplos, da que agora me não recordo. Mas, Sr. Presidente, este facto, que o illustre Deputado apontou, esta contrariado por muitos authores, que escreveram sobre a revolução franceza. Foi com estas legendas, que os frades atacavam os seus inimigos, chamando-lhes padieiros livres, e imputando-lhes crimes, que nunca cometteram: foi assim que se viu pronunciar Bento Pereira do Carmo por andar arrastando um Christo pelas ruas, e elle a dar gemidos: o como isto são legendas capuchinhas, permitta-ma que abra a corôa, que elle me quiz abrir. (Riso.)

(O Orador entrando na materia desse que votava pela reformação da segunda camara como estava no parecer da Commissão, por lha parecer que dava garantias ao throno, a propriedade, assim como a democracia, e á revolução de Setembro -continuou explicando a maneira, porque a formação da segunda camara segundo o parecer da Commissão dava todas estas garantias)

Sr. Presidente, tem-se fallado muito da aristocracia; tem-se feito dessa palavra um espantalho ad terrorem; mas a idéa da aristocracia em Portugal não é hoje uma idéa substancial; a nossa antiga aristocracia não existo senão na historia, exista nas Luziadas de Camões, e nas Decadas de Barros: o que existo hoje em Portugal é essa aristocracia de tyrannos da aldêa, de salteadores; desses homens, que debaixo do pretexto de terem sido perseguidos por D. Miguel tem extorquido a cidadãos pacificos, e que nada tiveram com o governo de D. Miguel, sommas avultadas a titulo de indemnisações de sonhadas percas, entrando por suas casas da punhal na mão, comettendo roubos, e mortes, tendo a sua disposição pelo terror, que os acompanha, as eleições de todas as authoridades: é contra essa existencia da artificio diabolico que eu quero dar no paiz instituições fortes, que possam dar paz, e estabilidade ao infeliz Portugal, e que possam desvanecer na opinião dos povos essa calumnia, que se tem feito a liberdade, fazendo-a synonyma de crimes, e de maleficios. E' por esta razão, Sr. Presidente, que eu voto pela Camara vitalicia, e nomeada pelo Rei dentro de certas cathegorias, para organisar a classe dos possidentes de uma maneira estavel contra os ataques, que hoje soffre a propriedade por falta de força na organisação social.

O Sr. Alberto Carlos: - Quando Cicero na oração pro Coelio procurava inspirar aos juizes as verdadeiras maximas de liberdade, para regularem por ellas o seu julgado, dirigiu-lhes as seguintes palavras = Contra periculosissimas hominum potentias conditioni omnium cicium providisse, Judices, videamini. = Assim, Srs., entrando nesta questão importante, seja-me permittido applicar-vos a sentença do orador filosofo = Que vos vejam, ó legisladores, organisar a segunda camara já votada, de maneira que attendais á condição de todos os cidadãos contra o perigosissimo poderio dos homens: = isto é, attendamos simultaneamente a sorte de todas as classes da sociedade, quer ellas sejam o throno, a aristocracia, ou o povo; e attendamos-lhes contra o poderio dos homens, quer esses homens sejam o rei, o nobre, ou o plebeo!...

Debaixo destas vistas, e guiado por estes desejos, vou expor as minhas idéas sobre esta questão; e começarei por confessar que estou tão longe de julgar infundadas todas as que em contrario se tem apresentado, que antes tenho concebido por todas o maior respeito; e a minha consciencia, ainda depois de decidida, fica tremendo com receio de haver errado! Entre tanto como a materia deve estar esgotada, porque antes da mim tem fallado alguns vinte e cinco abalisados oradores, já eu não posso aspirar a dizer cousas novas; e serei muito feliz se no methodo de expor chegar a conseguir alguma luz, e clareza para o que já está dito; mas nisto mesmo entendo que se não perde o tempo, porque em materias de semelhante transcendencia convém olhar as questões por quantos lados possam offerecer, desfia-las, compara-las, e resumi-las, a fim de obter seguro resultado: e assim o Congresso me fará especial obsequio se tiver a paciencia de me ouvir attento, assegurando-o eu de que serei o mais breve possivel.

Em questões politicas os argumentos empregados costumam reduzir-se a dous methodos; um consiste em partir de um certo numero de axiomas, a que se attribue o caracter de evidencia, independente da observação, taes são os argumentos derivadas do contracto social, e a maior parte dos outros, que se pertendem deduzir do direito natural: outro consiste em observar os effeitos das instituições sobra a sociedade, e em comparar o bem, ou mal, que ellas produzem, para as declarar boas, ou mas, adopta-las, ou rejeita-las, conforme o bem, ou mal, de que ellas são causa. Este é o methodo chamado de utilidade, ou conveniencia, methodo desenvolvido vantajosamente por Bentham, e outros, e do qual já em algumas questões eu me tenho aqui servido, e pelo que tambem tenho sido notado; mas eu, além da convicção de que elle é o mais claro, convincente, e seguro, glorio-me nesta parte de ser discipulo de grandes mestres. Nesta questão, sem prescindir absolutamente dos argumentos à priori, empregarei o methodo da utilidade quanto seja possivel; e começarei por considerar uma questão transcendente, que servirá como de base ás consequencias necessarias para o mau assumpto, e consiste ella em saber = Se os direitos sociaes se deverão avaliar, e medir pela simples natureza do homem, e pela sua indole, sem attenção a mais nada; ou se se hão de calcular pelo maior, ou menor desenvolvimento das suas faculdades fisicas, ou intellectuaes? = Esta questão joga com a outra, que algum Sr. Deputado aqui tocou, a vem a ser = Se convirá que a sociedade seja dirigida pelo resultado das vontades dos cidadãos ou maioria numericos, ou em maioria de superioridade fisica, ou intellectual? A solução de ambas será commum, a della deduzirei sem custo o modo da organisação da seguinte camara.

Por muito lisongeira que seja a idéa de suppor todos os

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homens perfeitamente iguaes, em tudo, e por tudo, é certo que de facto o não são, nem jamais o poderão ser; porque as desigualdades fisicas, e moraes tem o seu fundamento na organisação natural, na idade, no sexo, na applicação, etc.; e por mais que a educação, e instrucção se empenhem, não é possivel dissipar estas causas: mas tambem é certo que no meio dessas mesmas desigualdades, a base onde se apoiam é commum a toda a humanidade; e em maior, ou menor grao, todos possuem necessidades primarias, instinctos, desejos, proporções cuja satisfação é indispensavel para que o homem viva, e viça satisfeito, ou feliz.

Deve tambem notar-se que esta differença, e desigualdade dos homens tem uma gradação tão subtil desde o minimo até ao maximo, que não será absolutamente possivel formar cathegorias exactas, e dizer, por exemplo, tal homem goza de um desenvolvimento moral, ou fisico como um, tal como dous, outro como tres, etc.; e se alguem tentasse faze-lo, ou iria cair n'uma horrorosa anarchia, ou n'um embaraço invencivel. Desta sorte os direitos de cada um não se podem medir pela craveira das desigualdades fisicas, ou moraes, porque ella não pode ser fixada, ou numerada: e senão contemplemos as consequencias. Supponhamos que tomavamos a força fisica por bitola, e que esta se podia de algum modo comparar por experiencias fisicas; o resultado seria que o melhor direito seria o do mais forte! Que a moral universal desapparecia! A sociedade seria uma republica de feras! E como o senso intimo da humanidade se revoltaria constantemente contra isto, o mais fraco, apezar de tudo, animado por seus desejos empenharia o combate contra o forte; e a contenda só poderia acabar pelo exterminio de um!...

Por outro lado se imos procurar nos bens da fortuna, e nas riquezas a medida dos nossos direitos, o quadro não será menos horroroso! Depressa veremos avantajado aquelle, que herdou boas heranças, ou adquiriu maiores sommas, sem merecimento algum, só por um cego capricho da fortuna; e a par delle o usurario, o egoista, o avarento, e muitas vezes o proprio usurpador do alheio, e o ladrão!.... Em quanto a virtude, e o merecimento Cearão gemendo debaixo de despotico arbitrio daquelles vicios!...

Pela escala das superioridade: intellectuaes o problema não será melhor de resolver: ponhamos em disputa qual dos homens é mais habil, qual tem mais bom senso, qual goza de maiores talentos, e procede com mais razão, e prudencia? No mesmo instante o idiota, o pirronico, o charlatão, o impostor, o orgulhoso, o vaidoso, e os insensatos, se apresentarão a frente, gritarão em todos os pontos que é tua a primazia, que ninguém ouse comparar-se-lhes; e bem pode fugir o bom senso, a prudencia, a reflexão, a modestia, o génio forte, e organisador, que sem piedade serão escarnecidos, insultados, e apupados!.... E mesmo quando entre estas cathegorias se queira procurar a gradação, o amor proprio não consentira que algum se confesse inferior! E de disputa em disputa, correr-se-ha ás armas, e virá então o direito do mais forte, e o quadro medonho, que ha pouco apresentei!...

E' certo que a historia das antigas nações, e com especialidade a sua organisação, apresenta por toda a parte os effeitos desta desigualdade; e a sua primeira direcção, e os seus privilegios não tem por certo outra origem; porque ou foi a força, ou a habilidade, que se faz admirar, e respeitar pela fraqueza, e simplicidade, e tomou sobre estas a ascendencia: mas tambem é certo que a cada pagina daquella historia se encontram desvarios, extravagancias, oppressões, e barbaridades, que ainda hoje nos arrancam gemidos sobre a sorte da infeliz humanidade!... Instigados pelo soffrimento, e auxiliados pelo divino favor da imprensa, os homens conheceram finalmente que havia outro caminho a seguir para regular os direitos da humanidade, e começaram a pugnar por elles; e os resultados destas instancias, e destes esforços no fim do ultimo seculo, e no actual tem sido tão importantes como todos conhecem!

Advertiu-se que todos os homens precisam comer, beber, cuidar da subsistencia, gozar do fructo do seu trabalho, communicar os seus sentimentos, entreter com os seus semelhantes relações de recreio, ou utilidade innocente, ter na lei a regra fixa das suas acções sem outra dependencia; gozar de repouso no seu domicilio, e outras semelhantes faculdades; e então começou a pronunciar-se o estabelecimento dos direitos individuaes, e garantias sociaes; e cada um, qualquer que fosse a sua condição, ou estado na sociedade, declarou-se igual no exercicio destes direitos, e pode, ou deve goza-los sem distincção! Assim vemos em quasi todas as constituições desde 1791 proclamada, e armada esta igualdade, não absoluta, isto é, a todos os respeitos, mas em relação aquelles direitos, que tendem mais directamente a satisfazer as necessidades da existencia, e os desejos licitos de cada individuo; e nós já mui amplamente nos occupamos desta materia, e talvez depois do arranjada não seja das peiores, que existem neste genero.

Depois do estabelecimento das garantias individuaes, é certo que ainda ficou subsistindo a superioridade fisica, ou, moral; mas com uma differença, que um cidadão só pode gozar delia para com outro cidadão quando elle consinta, e convenha; porque se o tentar fazer doutra maneira, a lei proteje o inferior; se o forte ataca o fraco, a lei pune aquelle; se o astucioso engana o simples nos seus contractos, a lei annulla-os, e assim em todos os sentidos; de sorte que se superioridades subsistem, e podem exercitar-se na sociedade, e de facto se exercitam, mas só por consentimento dos inferiores, sem chocar o seu melindre, e amor proprio; e muitas vezes, ou quasi sempre se exercitam por instancias da mesmos, que, por estarem na classe inferior, tiram proveito da superioridade dos outros; assim o trabalhador, que em forças fisicas excede o proprietario, aluga-lhe as suas forças para certos serviços; o facultativo é chamado para dirigir no tractamento das suas molestias aquelle, que não sabe; o professor é collocado á testa do ensino para instruir os outros; o magistrado é elevado ao emprego para dirigir os cidadãos conforme as leis, etc., etc.: mas, como eu disse, tudo isto conforme a vontade, e aos interesses de todos segundo as suas circumstancias.

Segundo este systema já se vê que eu estou tão longe de querer chamar ao governo, e as authoridades todas as classes da sociedade, que bem claramente eu deixo marcada a distincção. O interesse da sociedade, e o de cada um dos cidadãos, admiravelmente persuade que deve confiar-se a direcção dos outros aquelle, que não tem exercitado as suas faculdades intellectuaes, para comprehender bem as relações dos negocios; aquelle, que vive n'uma classe tão abatida, que não pode inspirar aos outros a confiança de ser bom director; aquelle, que mal assistido dos bens da fortuna precisa empregar todos os momentos da vida em trabalhar para subsistir; e finalmente aquelle, que por sua idade, ou circumstancias não pode geralmente ser respeitado, nem obedecido: mas todo aquelle, que chegar a estado de poder avaliar quem é digno da confiança publica, ainda que não tenha elle mesmo qualidades sufficientes para entrar no exercicio da authoridade, por certo que deve ser chamado a escolha daquelles empregados, que são de eleição; porque entre capacidades para escolher, e ser escolhido vai grande differença, e só resta que o eleitor a par daquelle conhecimento, esteja em circumstancias de fortuna, que lhe permittam occupar-se disto sem grave prejuizo, e com independencia.

Estabelecida assim a igualdade em relação ás garantias sociaes, e conservada só a distincção, que o interesse publico persuade a respeito do exercicio da authoridade publica é manifesto que, para tornar real a existencia daquellas garantias, e de todos os direitos sociaes, é mister fazer

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leis, que successivamente vão encaminhando os movimentos da sociedade para aquelle fim designado, e esta tarefa é encarregada aos legisladores, divididos em um , ou mais corpos, mas muitos ou poucos, o fim de todos e um, e o mesmo. Nós adoptámos os dous corpos colegislativos, e n'outra occasião se deram as razões disso, mas agora que nos occupamos de modo, e tempo da sua organisação, parece-me claro que ella se deve regular pelo fim, para que elles são creados, e faltando privativamente da segunda Camara, (porque da primeira todos estão conformes) julgo indisputável que ella tem tanta obrigarão como a outra de contribuir para fazer real a promessa das garantias sociaes, e quaesquer outros direitos individuaes, e então como isto é do interesse de toda a sociedade, parece-me mui natural que a escolha desse segundo corpo legislativo seja encarregada a todos os individuos d'ella, que estão nas circumstancias de saber, e poder, sem inconveniente, occupar-se disso, porque em fim o meu principio de conveniencia lá orada altamente, que ninguém costuma arranjar melhor as cousas, do que o proprio n'ellas interessado, logo que elle tem conhecimentos e meios sufficientes para o fazer e assim muito naturalmente se firma a proposição, que a segunda Camara, bem como a primeiro deve ser de eleição popular.

Apar desta occorre immediatamente outra consideração, e vem a ser, que attenta a impossibilidade que os homens tem de conhecer completamente os outros homens, e todas as suas tenções, e moral, que muitas vezes se encobre de traz do véo da hypocrisia, nada mais facil do que errar na escolha, e então a prudencia altamente aconselha que o negocio se disponha de forma, que seja possivel o remédio contra o engano, sem esperar pelo termo da vida, porque na verdade seria a maior imprudência arriscar sem remedio a soffrer um mal por toda a vida, quando nenhum inconveniente se descobre, para que se estabeleçam épocas mais ou menos previnas, em que tal remedio possa ter logar, e aqui volta o meu principio de manifesta conveniencia publica a persuadir que a segunda Camara não seja vitalicia! Quem discorre naturalmente neste negocio, em proporção dos outros da vida social, sem preconseitos, e sem prevenções (que às vezes se colhem insensível mente só pelo aspecto do que anteriormente se tem visto) parece-lhe que nada ha mais simples, nem mais palpavel, nem mais incontroverso, mas bem depressa se avistam gigantes, onde nem pigmêos se esperavam armados! ... Com effeito alguns dos mais transcendentes e profundos génios se tem levantado neste Congresso armados de coragem e vigor (como tem dito) contra a simplicidade daquella doutrina, mas para se conhecer se o peso dos seus golpes provem só da força dos seus braços, ou da tempera das armas que manobram, examinemos alguns dos principaes argumentos.

Não é (disse alguem) a segunda Camara destinada sómente para tornar madura , e reflectida a confecção das leia, e muito principalmente para servir de amparo, e protecção ao throno contra os insultos populares; e para isto é mister que seja nomeada pelo mesmo Throno, e vitalicia. Neste argumento ha falsas supposições, inexactas exclusões, e consequencias infundadas. Primeiramente e falsa a supposição de que os povos estejam em guerra despregada contra os Thronos, e que a sociedade esteja como formada em ondas para os combater, e invadir!!! E se isto e falso geralmente, muito mais o e a nosso respeito, porque e conhecido o amor dos Portuguezes para com os seus Monarchas em todos os tempos, que nunca houve empresa, ou sacrificio a que por elles se não sujeitassem , e tem-se verificado constantemente o que diz o nosso Camões = Porque a maior perigo, a maior afronta por nos, o Rei, o espirito, e carne é prompta. = E na verdade, se alguma vez os povos se tem enfurecido contra os Thronos, quantas vezes os
Thronos tem espezinhado os miseráveis povos? Ah! Não entremos nesta comparação odiosa, mas reconheçamos, como legisladores imparciaes que essas desenvolvimentos populares, que algumas vezes tem apparecido, não são outra cousa, senão uma reacção muito natural contra a oppressão nascida deste desejo de felicidade, que anima a todos! E os maiores excessos, póde asseverar-se, que foram provocados por indiscretas recusas e caprichos, ou perfidias insensatas ... Que? Não receio dize-lo, e para o provar basta-me abrir as ensanguentadas paginas da revolução franceza, em que um frenesi revolucionário pareceo apoderar-se de todos os espiritos, mas desde que tempo1 Depois que o infeliz Monarcha, mal advertido, e mal aconselhado, e talvez seduzido pelas classes privilegiadas, tentou todos os meios de frustrar as justas exigências dos povos, porque, note se o que se passou com a primeira assembléa dos Notaveis convocada em Fevereiro de 1787! Os emprestimos, que ainda depois desta epoca se tentaram fazer arbitrariamente! As resistencias aos Parlamentos! A reunião das ordens depois da convocação dos estados geraes em 1789! Ás mesmas deliberações da Assemblea Nacional, chegando até a mandar-lhes fechar a porta da sala das sessões! O chamamento do exercito para Versailles as ordens do Marechal de Broglie, e ainda depois! A promoção da emigração instigada pela Corte! O chamamento das potencias estrangeiras contra seus subditos! Em fim a sua fugida para Versailles, e mil particularidades todas neste sentido, que não podiam deixar de irritar o espirito Nacional, e leva-lo aos excessos, que ainda hoje assustam, só ao lêr-se ... Mas seria o povo a verdadeira causa moral de tudo isto! Não por certo, foram as indiscrições, e provocações, porque no modo está assim talhado, que um excesso provoca sempre outro; e lembrarei uma reflexão, que sobre isto faz um historiador judicioso = Diz elle, até á fugida do Rei para Varennes, no meio mesmo das maiores commoções ninguém se tinha lembrado da republica, e ella não existia senão no escripto de alguns filósofos 1 Mas o povo era absolutamente estranho a tal idéa, porem vendo fugir o Rei, e que nos dias de sua partida, e nos que se seguiram, a Assembléa Nacional providenciou optimamente a todo o expediente do executivo, e que , longe de haver falta, antes se melhorou em actividade e presteza, começaram todos a dizer que = o Rei era escusado, o muito mais sendo tão caro, como era Luiz XVI., = e que bem podia ser substituído por simples magistrados, e desde então a idea de republica ferveo em todas as cabeças, e ella veio com todos os seus desastres; mas, "segundo aQirma este historiador, a fugida imprudente do Hei, foi quem a despertou às massas! ... Neste quadro de historia da revolução franceza, escripto por uma penna imparcial, e moralisadora, é que eu queria que todos os Reis estudassem de noite e dia, porque talvez não fizessem, muitas cousas, a que só podem ser levados por illusões dos que os rodeiam, como succedeo ao infeliz Monarcha dos francezes. ... e é n'um semelhante quadro que se vê claramente que os povos se chegam a commetter excessos contra os Thronos, é por força de provocações, as indiscretas recuzas a justa; exigencias!
Por consequencia nem a historia admitte a supposição de que os povos estão animados de espirito hostil contra os Thronos (antes póde provar que os Thronos tem estado repelidas vezes cheios de espirito de oppressão, ou capricho contra os povos), nem a razão póde approvar tal sopposição, porque esta mostra que as Monarchias contidas nos seus verdadeiros direitos, são hoje na Europa um elemento essencial da ordem, e estabilidade dos povos, e elles conhecedores disto, (porque todos geralmente o conhecem) não hão de odiar uma instituição que tanta conta lhes faz! O que podem, é irritar-se contra qualquer excesso, ou imprudencia, que os Thronos commettam, mas isso tem estes na sua mão o evitar, e nada ha mais facil e mostrar-se sómente cuidadosos do bem dos povos, e attender as suas justas exigencias, e desde esse momento o povo em massa é o seu natural, e

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verdadeiro defensor, porque as outras muralhas, que se pertendem levantar sem esta base, não sustentam, o impeto, se elle chega; e para não irmos muito longe pergunte-se a Carlos X.. e aos seus ministros!...

Agora quanto aos interesses dos Reis, pelo que fica dito, já se vê que é falsa a idéa de os suppor diversos do interesse dos povos; se o Rei interessa na segurança, na paz da sua nação, no seu engrandecimento, porque dahi lhe resulta gloria, na riqueza geral, porque delia facilmente lhe provirão as rendas de que precisa, no contentamento de todos, porque dahi lhe virão louvores, e a satisfação que um tal aspecto infunde; tudo isto precisamente é o interesse de cada individuo da sociedade; e então estejam os Srs. Deputados certo!! que a segunda Camara, que pugnar pelos verdadeiros interesses do povo, tambem advoga os verdadeiros intesses do Throno; e que não é preciso faze-la da escolha privativa da Coroa, nem vitalicia, porque nisso é que póde entrar a illusão, a affeição especial do Throno, e muitas vezes, indo a Camara levada pôr estes sentimentos a querer dar preferencia a exigencias privativas da Coroa, iria, tem o pensar, minando o mais seguro baluarte, que póde e deve defende-la, que é o amor, e affeição dos povos! Um nobre Deputado que aqui nos citou um respeitavel Prelado da Igreja Gallicana, o illustre Fonelon, e as suas idéas na formação da republica de Salento, que leia nelle, que lá ha de achar tambem estas saudáveis maximas, que elle quer inspirar aos Reis; e queira a fortuna que todos as aprendam....

Um segundo argumento tenho eu visto procurar na necessidade de representar a alta propriedade, os talentos, e as summidades sociaes, concluindo-se daqui, não sei como, que para isso é necessario que a segunda Camara, onde taes representações se devem verificar, seja nomeada pelo Rei, e vitalicia! Para se conhecer toda a improcedencia desta argumentação, e mesmo os falsos suppo-los, que nella se apresentam, é mister considerar o seguinte.- Na sociedade são tantos os interesses, quantos os individuos, porque cada um tem o seu proprio; ou pelo menus são tantos, quantas as ciasses, e profissões distinctas, porque ordinariamente o que faz conta a uma desagrada á outra; desta forte, se na organisação social se quizessem representar especialmente todos os interesses em corpos distinctos, seria preciso organisar tantos, quantos os individuos, ou pelo menos tantos, quantas as diversas classes; mas como isto seria absurdo por inexequivel, é evidente que a theoria da representação dos interesses não póde ser individual, mas geral, isto é tomar os interesses do lodo da sociedade, em globo, e combinados.

Mas insta-se, dizendo: a representação que na segunda Camara se pertende é só das classes da alta propriedade dos talentos, e da nobresa, porque estas são essencialmente conservadoras, por não terem mais para onde subir; e são indispensáveis para obstar ao movimento progressivo das outras classes, que tendem sempre a nivelar-se com as superiores. Assim será; mas eu creio que ninguem duvidará de que essas mesmas classes podem entrar bellamente na segunda Camara electiva, e temporaria, assim como entram na primeira Camara, porque a uma a todas chama; e eu me honro muito de ver assentados neste Congresso tantos nobres indivíduos, que o comprovam; e então para que fazer tanta hulha com a necessidade dessa representação, se ninguém jamais tentou excluir nenhuma dessas designadas classes? Venham, e de certo virão sempre pelo chamamento da uma, porque a sua natural influencia as trará infallivelmente; mas cesse de uma vez semelhante falsa supposição de que alguém as quer excluir. Agora que ellas venham formar um corpo separado, e distincto, e só representante dos seus exclusivos interesses, isso é que me parece um estranho contra-senso, pouco digno das luzes deste século! Allega-se que essas classes são naturalmente conservadoras, e que resistirão ao movimento accelerado das classes inferiores; mas quem, Sr. Presidente, não conhece e que são os homens? Quem ignora que na mais abatida choupana mora às vezes o coração mais virtuoso, e comedido, quando pelo contrario, o que se assenta debaixo de dourados tectos, é o mais emprendedor, e ambicioso? Quem ignora que a probidade muitas vezes reside longe do talento, da riqueza, e da nobresa? Quem não sabe que estas decantadas classes são naturalmente orgulhosas, e se não aspiram a subir mais, por não ter para onde, tendem naturalmente a dominar os inferiores, e a faze-los cegos instrumentos, ou admiradores da sua vaidosa superioridade? Quantos são os que chegando aos ultimos grãos dos empregos, ou a conseguir grande reputação, ou fortuna, não exigem dos outros uma espécie de reverencia supersticiosa, que se não revestem de uma intolerância exclusiva, ou pelo menos de certo despreso para comtudo que os não lisongeia? Consulte cada um o que sente em si nas menores occorrencias, e diga se isto não é verdade? E então estes defeitos inherentes á condicção humana ainda se hão-de reforçar? Ainda se ha de organisar uma segunda Camara, onde todas estas classes se reunam com absoluta independencia de todos os outros, se reforcem, e se tornem dominantes? Será prudente que a organisação social se dirija de modo, que se augmente a força a quem sempre foi, é, e será mais forte pela nuturesa das cousas? Ou será plausivel que às classes, que já discorrem livres por toda a parte, que desconcertam todas as pertenções do povo, ainda se vá entregar á primeira fortaleza, e entrinxeira-las nella para sempre, para que do alto de seus muros possam escarnecer, e apupar as classes, que ficam amontoadas no campo?!.. Finalmente não será uma iniquidade revoltante pertender uma representação especial para os poderosos, e deixar todas as outras classes como embrulhadas num feixe?
A nobreza, os talentos, a mesma fortuna sejam respeitados, debaixo da idéa de que foram dignamente adquiridos; pela minha parte olho-os sempre dom toda a deferência e acatamento, e julgo que sempre assim devem ser olhados em quanto conspiram para o fim social, para o maior bem do maior numero; mas desde o momento em que os individuos d'essas classes que quizessem andar aos hombros dos outros homens, quizessem folgar á custa do suor dos que trabalham, quizessem finalmente ser venerados como entes de outra, especie privilegiada; desde esse momento de claro que entendo se lhes deveria fazer toda a resistencia,
tracta-los como inimigos perigosissimos, e procurar todos os meios de os enfraquecer. Chamemos a nobreza, o talento, e a fortuna a dirigir os destinos do povo: o mesmo povo interessa nisto; mas nas condições do chamamento entre 1.º a liberdade de rejeitar todos aquelles, que só costumam usar daquellas circumstancias para satisfazer as sias vontades ou dos seus apaniguados, e aqui temos a eleição; 2.º a condição de remediar em períodos mais breves qualquer engano da escolha, e aqui temos a eleição temporária (Apoiado). N'uma palavra, colloquemos as superioridades sociaes á frente dos negócios, façamos mesmo alguma distincção para a segunda camara, de modo que seja gratuita, e revestida de certo prestigio de maior gravidade, mas sempre a escolha seja nacional, e dependente da nação , porque só assim esse segundo corpo gozará da plena confiança da nação, e poderá entender-se com ella, e acalma-la, se algum dia vier essa onda que se receia: só assim elle poderá servir de firme amparo ao Throno, se de tanto elle precisar, porque de outra forma, olhado como creatura do Throno, ou como immutavel, provocaria dobradas reacções, e 50 ou 100 homens de certo não susteriam esse imaginário impeto nacional, a não ser por termos, e bons modos! (Apoiado, apoiado.)

Nesta discussão a historia, e o exemplo das nações tem sido outro arsenal, onde se tem procurado munições de todo o genero; mas vejamos o que nisto ha, que possa convir-nos, porque tenho notado que cada um pinta as cousas

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a seu modo; e pareceu-me que se referio um facto muito inexacto, e por este especial motivo direi tambem ligeiramente alguma cousa a tal respeito, e começo pelo exemplo de Inglaterra. Alguem o alterou, e só esmerou em pintar as suas excellencias; mas como alli domina principalmente o principio hereditario, e este ainda aqui não achou defensores, é claro que não póde ter applicação; e presente tenho que um nobre membro da Commissão, que em tudo costuma ser exacto e profundo, tanto assim o reconheceu, que disse que deviamos adoptar aquelle modelo para a formação da segunda camara, naquillo que nos podesse ser
applicado por tanto nem elle nos póde servir, nem nos devemos deslumbrar com a prosperidade que a Inglaterra parece gozar, e com a sua liberdade pratica, porque todos reconhecem que esta é menos devida á sua organisação legislativa, do que a especialidade do seu caracter gravar e circumspecto, dos seus costumes, e da instituição do jury, que tem raízes muito fundas em circumstancias e usanças antiquissimas daquelle povo. Tirando aos Inglezes o seu caracter, o ssu jury, e é liberdade de imprensa, que elles austentam, talvez fossam o povo menos livre da Europa, com todo? os seus arranjos, e com as tuas decantadas camaras!
E já que o nobre Conde, que me precedeu, e mais alguém, tem argumentado um illustre Deputado por Aveiro de dizer que a Inglaterra não gosava de verdadeira liberdade, ser-me-ha permittido referir o juizo, que alguem faz a este respeito: não sou eu que, humilde advogado, ma atreva a tanto, mas é Mr. Aignan, membro do instituto na sua historia do jury; eis-aqui as suas formaes palavras: -"Concluamos que na Inglaterra o poder dos costumes e dos habitos se tornou
finalmente um correctivo admiravel da insuficiencia, e da irregularidade das leis; mas que um povo, seja jurisprudencia é fundada sobre este principio = que todas as propriedades são feudos mediatos ou immediatos da Corôa; que um povo, onde o presidente da camara das Commissões só anda atras do ultimo dos Barões, e que colloca os trabalhadores absolutamente no ultimo grao da sua escala social; que um povo, que caracterisa todos os seus crimes e delictos, não como desordens publicas, mas como traição se felonnia contra a pessoa do Rei, e que repara por confiscações em seu proveito as desordens causadas contra, a ordem social; concluamos, digo, que um tal povo póde sem duvida reclamar a gloria immensa de ter aberto a estrada às nações de homens livres, mas que elle mesmo não é ainda, para fallar com propriedade, senão um povo de libertos." Á vista pois deste juizo, feito por um homem grave, e que estudou a fundo a organisação social, e o estado da Inglaterra, não se terá por extravagante o que avançou o nobre Deputado por Aveiro, nem se apontará mais para a organisação da segunda camara ingleza como para um modulo, e manancial, d'onde provém toda a prosperidade daquella nação. Passemos á historia da França, onde a semelhança dos hábitos e euccessos póde dar logar a mais exactas comparações, especialmente desde 1789 por diante. Desde aquelle Aponto até hoje podem alli considerar-se quatro grandes épocas: a primeira desde 1789 até 1799. Nestes dez annos que apresenta a França? A principio um nobre enthusiasmo nacional para quebrar os ferros, em que gemia, enthusiasmo que ia ganhando força á proporção das resistencias indiscretas, que lhe oppunhão o Throno, e as classes privilegiadas; e debaixo desta influencia fez o seu primeiro ensaio da organisação constitucional; mas bem depressa o excesso das resistencias faz subir o enthusiasmo a ponto que dsgenera n'um frenesi revolucionario; e desde 91 todas as medidas em grande são dictadas, ou pelo odio contra os privilegiados, inclusive o Throno, ou pelo medo dos estrangeiros, que ameaçavam invadir a França, ou pela intriga estrangeira, que excitava as massas aos excessos, para desacreditar a revolução, ou finalmente pela desconfiança e terror, que se tinha apoderado dos partidos reciprocamente, que os devorou a todos, e aos maiores genios da França!... Um semelhante estado de cousas é singular na historia dos povoa, e creio eu que ninguém poderá fundar nelle argumentos de justiça para imitar, ou evitar indistinctamente as organisações, que no meio delle se tentaram.

Em 1799 a França, dilacerada pelos partidos, estava inteiramente cançada de uma lucta tão ensanguentada, que tinha como horrorisados de si próprios os mesmo combatentes! Ao mesmo tempo ameaçada pela invasão estrangeira parecia
reanimar-se pela força da indignação, e do orgulho, nacional! E é neste estado que se lhes apresenta um génio singular, ambicioso, determinado, e rapido em grandes concepções, e já devorado com serviços á patria. Sem grande difficuldade a França se entrega toda em suas mãos! Uns por esperança de ordem, outros confiados em que elle servia á restauração, e o geral o segue sadtizido, e como encantado pelo brilhantismo de suas victorias! Com esta circumstancia elle domina inteiramente a França ! Esquece a liberdade! E a organisação social daquella época é toda sujeita á sua vontade, e às suas ambiciosas vistas; e por isso ninguém trará para bom exemplo o seu Senado, e o que delle dependeu. Nesta época o povo Francez esqueceu-se da liberdade, diz Chateaubriand nas Memor do Duque de Berry, porque Napoleão, bem conhecedor do caracter fogoso dos Francezes, para os fazer esquecer do fantasmas da liberdade, lhes pôz diante o fantasma da gloria militar, atraz do qual elles correram como extraviados! E sem esta distracção Bonaparte não dominaria muitos dias. Por conseguinte este quadro não é para imitar.

Em 1814 vem a restauração; e por mais que a principio se protestasse estar pela vontade nacional, e que o Imperador Alexandre tentasse obter para a Carta certo caracter de legalidade, ninguém ignora que tal organisação, e por conseguinte a da segunda Camara, que elle apresenta, foi dictada pela Europa armada às portas de Paris! E em fim o que logo se seguio às medidas da precaução, e vingança, a mesma politica externa até 1830 tudo traz no seu começo o caracter de uma organisação dictada pela forca das baionetas, e successivamente sustentada segundo os principios, e as influencias da Santa Alliança!
Desde 1830 que encontramos na França? A principio uma organisação, que se póde chamar um arranjo de compadres, e depois muitos desejos de assegurar pacificamente um throno, e medo que a guerra estrangeira o abale! ... Eu me explico. No meio do enthusiasmo dos três dias alguem, por proficuo interesse, e de seus amigos, apontou para o Duque d'0rleans, como para um centro de ordem, e venturas: insinuou-se, e dispoz-se o convite; e a historia já refere as conferencias particulares, e quasi familiares, que tiveram logar por esta occasião; eu não posso agora descer a estas particularidades; mas o certo é, que num instante, quasi sem Paris o saber, vio apparecer o Duque como Loyar Tenente Geral do Reino, e logo na sessão de 7 d'Agosto vio decretada a eleição de Luís Filippe, e revista, e organisada a lei fundamental no espaço de 7 horas, e por uma reunião de Deputados, sem mandato proprio, e adequado, e apenas em numero de 252 no todo!!! A organisação da camara dos Pares ficou então como todos sabem, e creio que foi o illustre Barão de Sabroza, que se quiz valer deste argumento, asseverando que ninguem se lembrou de a fazer electiva, apezar de serem os francezes tão civilisados, e ardentes pela liberdade.

Este argumento tinha eu empregado a favor da existência de uma segunda Camara, e vejo que se quer extender ao modo da sua organisação; mas como não é procedente, a involve inexactidão de factos, é por isso que eu entrei na historia, para chamar sobre isto a attenção do Congresso.- Já eu indiquei a precipitação, e as mais circumstancias, com que foi revista a lei fundamental, e já isto prova o que eu que isto foi uma especie de arranjo de compadres

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(procedimento que eu não louvo, nem condemno, porquê não sei avaliar quaes teriam sido exactamente as consequencias do contrario) e segundo entendo confiou-se tudo nos creditos liberaes do Duque d'Orleans, e seduzidos por esta confiança, muitos de boa fé se esqueceram das verdadeiras; e uteis garantias, que se deviam estipular na lei: verdadeiramente sucedeu aos franceses o que todos os dias se observa nos negocios particulares, que os contractos celebrados com amigos, e pessoas de certa reputação, quasi sempre são imprudentes, e sem as necessárias clausulas, e às vezes não resultam dahi poucos prejuízos, e arrependimentos. Mas o que é plenamente falso é dizer-se que ninguem fadou em que a segunda Camara fosse electiva: e para prova, permitta-se-me ler neste outro livro, que aqui tenho, este ponto da historia dos tres dias; diz elle:

"Entretanto os patriotas, a mocidade, e o povo, que tem desprezado a morte pela liberdade, que choram irmãos, e amigos mortos, combatendo como elles; que suspeitam do Duque, porque é Bourbon; que temem a intriga, a ambição, e aristocracia: que negros da polvora, e do pó, tem ainda as armas na mão; esta tropa enthusiasta, digo, está prompta a levantar-se em massa para obter
garantias. Desgraçados então dos Pares, e dos Deputados sé elles querem resistir! Mas Lafayette se lhes offerece pára ir ao Falais Royal, a fim de estipular condições mais positivas, e mais populares, e pede que todo o movimento se suspenda por 24, ou 48 horas. Acceita-se, consente-se por attenção e respeito para com o Velho Amigo da Liberdade: de resto eis-aqui o que pedem geralmente os patriotas: - A Soberania nacional, reconhecida á frente da Constituição, como dogma fundamental; nada de Pares u hereditários, mas duas Camaras homogéneas.... etc. etc. etc."

Eis-aqui pois em artigo expresso pedidas duas Camaras homogeneas, e conseguintemente não se diga que os Parisienses victoriosos não pensaram em tal. Agora vejamos o que fez Lafayette, e o que passou com Luiz Filippe; na carta que elle escreveo a seus constituintes a IS de Junho de 1831, eis-aqui como elle mesmo o conta; e permitta-me o Congresso que eu leia esta passagem tão importante: "Vós (Luiz Filippe) sabei, lhe disse eu (Lafayette), que seu sou republicano, e que eu olho a Constituição dos Estados Unidos como a mais perfeita que tem existido. Eu o penso, como vós, respondeu o Duque d'Orleans; é impossivel ter passado dous annos na America, e não ser da vossa opinião; mas julgai vós na situação da França, e é segundo a opinião geral, que convém adopta-la? Não, lhe disse eu; o que é necessario hoje ao povo francez é um throno popular, cercado de instituições republicanas, inteiramente republicanas.

E mesmo assim que eu o entendo, respondeo o Principe. Este empenho mutuo, que eu me apressei em publicar, acabou de reunir em volta de nós aquelles, que não queriam mona relia, e os que queriam qualquer outro, que não fosse um Bourbon." = Á vista pois do exposto é patente que os francezes reclamaram energicamente pela segunda Camara electiva; mas a verdade é a que ha pouco proferio o nobre Barão de Sabroza, que Lafayette, sincero liberal era dotado da melhor boa fé, e que desta partio todo o desmancho deste negocio; porque se elle não crê de leve, se os francezes não confiam tudo delle, e dos creditos do Duque d'Orlreans, certamente este artigo seria definido, e bem expresso.... E era tão conhecida a opinião dos francezes a este respeito, que os Deputados, apezar de darem tudo concluído na revisão, julgaram indispensavel declarar nas disposições particulares da Carta revista, que o Art. 23, que tracta de nomeação dos Pares, seria submelíido a novo exame na Cessão de 1831. Tanto elles receavam elevar o espirito publico naquelle momento, e tão pronunciado era elle! Depois, é verdade, que as cousas correram como se sabe, mas facil é dirigir o navio para onde quer aquelle, que já está nelle montado, e com o leme na mão; e dahi nada se póde concluir no sentido da maioria da Com missão, e Deos queira que o navio não toque, indo assim encontro á opinião publica......
Na Hespanha as cousas estão ultimamente no ponto de vista em que sabemos; e, segundo entendo, a Constituição alli votada ê a mais satisfatoria para a maioria dos liberaes, e dada á semelhança dos nossos usos, e costumes; parece-me que não será imprudencia imita-los de alguma forma. E certo que eu me recordo, de que á organisação da segunda Camara, um digno Membro da Commissão o quiz attribuir ha tempos todos os desastres da Hespanha, chegando a dizer que foi a ponte por onde D. Carlos passou o Ebro; mas quem ignora que a verdadeira causa dos males, que a afligem tem as suas raízes no sabido comportamento de Cordona, Rodil, e outros semelhantes; nas influencias da Santa Aliança; nos princípios conservadores do gabinete das Tulherias, e talvez nos cálculos commerciaes da Inglaterra? As representações de alguniasjuntas provinciaes á carta do Conde de Luchana, e outros documentos, devem por certo convencer o nobre Deputado da sua illusão; e se elle sustenta com verdade que a organisação da segunda Camara fez alli alguns desgostosos, peco-lhe sómente que se lembre, de que a Hespanha fez duas revoluções no espaço de um anno para assegurar as instituições, que hoje tem, e supplantar o Estatuto; e se o não tivesse conseguido, pergunto ao illustre Deputado por Beja, onde ajuisa que as cousas teriam chegado?
Concluamos pois, que aqnella Constituição reúne o maior numero de sympalhias possiveis, e que, se ella tem podido fazer frente á guerra, muito é de esperar que prospere na paz.

Ha uma nação, cujo Governo se reputa modelo, e todavia tenho observado que tem fugido de citar este exemplo aquelles mesmos oradores, que já aqui lhe tem feito este elogio; é a dos Estados Unidos.

Uma voz: - Não tem applicação por ser uma republica.

O Orador: - Pois bem, até certo ponto convenho; mas se nos estuo argumentando com o exemplo da Inglaterra, apezar do principio hereditario, que alli domina, e se diz que o devemos seguir no que for applicavel: diga-se o mesmo dá organisação da segunda Camara dos Estados Unidos; e reconheça-se que a duração temporaria apresenta alli excedentes resultados, e que isso nada tem com haver um Presidente, ou um Rei. Mas voltemos aos argumentos, que só formam sobre as vantagens da organisação da segunda Camara.

Diz-se que é preciso faze-la de maneira, que se attenda á aristocracia com receio de que ella conspire. Já cobre às contemplações, que deverá haver com esta classe poderosa, eu disse a minha opinião, e agora só accrescentarei que ella entre nós me não parece medonha; e pelo menos se nos regularmos por aquella parte, que conhecemos de perto, e de que temos a honra de ser collegas, certamente nada poderemos recear contra o interesse publico; porque ha de
submetter-se gostosa ao que se decidir ser o maior bem do maior numero.

Tambem se disse que convinha fazer os Senadores vitalicios, para que elles seguros daquella honra cuidassem em se applicar, e instruir: este argumento sei eu que se costuma empregar a favor do pariato hereditario; mas quanto aos vitalícios parece-me de nenhuma força, ou talvez contra producentem! Porque se a uma ficar aberta por occasião da renovação, sendo os Senadores temporários, servirá isto de estimulo aos grandes talentos, para mais se apurarem afim de poderem merecer o voto popular; quando pelo contrario, dada a nomeação vitalícia, fica fechada quasi total mente esta porte aos outros, e os nomeados seguros da conservação, ainda que não cresçam em merecimento; e já de idade crescida, difficilmente cuidarão de procurar nova illustração.

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Aos defensores do parecer de maioria não esqueceu tambem que a segunda Camara electiva seria má, por que, dependendo directamente dos eleitores, ficaria involvida em muitas libações, e na decisão dói negocios teria de guardar muitas, contemplações isto certamente será muito menos do que se pensa, porque estabelecidas certas cathegorias, como eu julgo que se estabelecerão, os candidatos hão de ser muito poucos, e sendo a missão gratuita não haverá muitos empenhes, e a eleição será mais livre, mas ainda no caso de haver todas essas contemplações, que se receiam, eu estou tão longe de reputar isso um mal, que o reputo um bem, porque tomara eu que na decisão dos negocios se attendesse sempre ao interesse de muitos; e que em logar de se olhar só para os desejos do poder executivo, ou das, altas classes, se olhasse para os do povo eleitor, porque certamente é o mais desvalido, e precisado

Allegou-se por fim em favor da nomeação vitalicia do Rei que os Senadores devendo ser gratuitos difficilmente se prestariam a não terem a certeza de perpetuidade; que o Rei do alto do throno, melhor que ninguem, descobrira as capacidades convenientes, e que no citado actual da uma é perigoso confiar-lhe negocio tão grave. Tudo isto a meu ver não tem peso algum, e se o tem é contra os que o produzem! Porquanto se o serviço de Senador se julga um pesado ónus, por ser gratuito, circumstancia, que eu julgo indispensavel, mais facilmente se receberá por pouco, do que por muito tempo, porque o mal de menos duração é preferivel ao mal perpetuo, entretanto eu estou certo de que sempre ha de haver quem queira, porque em fim a posição é muito elevada, e não falta quem deseje amostrar-se, além de outras vantagens, relações etc. Quanto á possibilidade do Rei escolher melhor do que a uma, eu appello para os factos, e que respondam por mim todas essas escolhas de altos empregados, que até hoje se tem feito, alguns são muito dignos, mas outros? .... A urna não terá certamente dado melhores resultados, mas talvez a maior culpa seja das más leis de eleições, o que é susceptivel de remedio, e fallemos claro disse um nobre Deputado, como se faz isso na urna? E eu digo, como se faz no Ministerio? A resposta é facil, na urna faz-se por suborno e influencia, mas sujeita a muitas vontades, e a muitas difficuldades, se a lei se melhorar, e no Ministerio faz-se por intrujas, e calculos reconditos entre seis Ministros, e seus confidentes, e a prova do resultado já nós a vimos, e apparece na historia dos outros povos: isto é, apparece o partido do Ministerio para ajudar a seus fins, e as vezes bem depressa, muda elle, e as cousas ficam involvidas em diffculdades invenciveis! Mas destes mesmos maus resultados, quer da urna, quer do Ministerio é que eu tiro o principal argumento, para que a nomeação, ou eleição jamais seja vitalicia, porque se o mau resultado é tão possivel, é preciso ficar habilitado desde logo para o remedo, e seria uma notavel imprudencia entregar á morte a chave de um negocio, onde se julgasse que todos os dias haveria precisão de tocar!.....
Ha, entre outros, um argumento fundado na letra das nossas procurações, que de certo não devia ser empregado, como já alguém notou, porque em fim, nem as expressões dão logar a semelhante argumentado, peor do que as decantadas, subtilezas dos romancistas, nem um Deputado constituinte é um homem supersticioso o senador de palavras. Quem não sabe o que é uma formula de uma procuração dictada muitas vezes por um official da secretaria, eu por um Ministro, pouco reflectidos, ou pouco sinceros, e acceite pelos collegios eleitoraes na melhor boa fé, e sem mais circunspecção, porque a idea simples, e que todos entendem, é que nos dão poderes para advogar o melhor bem do maior numero! Mas se ha algum artigo especial, e definido, não e por certo que elle se deve consignar por expressões genericas, e referencias a objectos pouco distinctos, e ignorados da maior parte dos eleitores, quaes eram no caso presente os termos das diversas corstituições da Europa e nesta parte, fazendo justiça aos membros da maioria da Commissão, estou corto que elles estabeleceram o seu systema, porque entenderam que assim o pedia o bem publico, e não porque as procurações lho dictaram religiosamente.

Resta-me chamar a attenção do Congresso sobre uma notavel incoherencia, que involve o parecer da maioria, e que eu mesmo admiro escapasse aos sem dignos membros! Dizem elles que a Camara seja da nomeação do Rei, isto é, debaixo da responsabilidade do Ministerio; que seja vitalicia, que não tenha numero fixo, e que julgará os Ministros de estado e accrescentou um abalizado membro da
Commissão que devia ser vitalicia, para poder ter a independencia necessaria a fim de exercitar as attribuições judiciarias, á semelhança dos juizes, porque se estes se desejavam perpetuos para serem independentes, que o mesmo era applicavel aos Senadores. Ora pois, esta comparação já foi plenamente refutada, e eu pensei que não voltaria, porque vai grande differença, entre as funcções de juiz e senador. Aquelle tem o modelo na lei escripta, e quando a não cumpra póde, e deve fazer-se responsavel, e até ser demittido por erro de officio precedendo sentença; e se entre nós ainda isto não passou de promessas, (que é por certo d'onde provém em grande parte os nossos males) não se julgue que não é possivel fazer effectiva essa responsabilidade, se se quiserem preparar devidamente as cousas, nem se argumente com a variada intelligencia das leis, porque tem-se abusado de determinações, de que ninguem já mais duvidou, e são estes os casos revoltantes, que convinha, e é possivel castigar. Mas poderá isto dar-se a respeito do exercício das funcções senatorias Nào por certo. Como representantes da nação elles devem providenciar a tudo prudentemente como melhor entenderem, e jamais se poderia arguir ou condemnar um homem quando elle apresentasse a coarctada = assim o entendi, julguei que era melhor etc. Por tanto não ha comparação alguma entre juizes, e Senadores, porque os abusos daquelles podem ser remediados pela responsabilidade, e os Senadores não estão sujeitos a outra, senão á responsabilidade moral, e então o tribunal, onde este se julga, é na urna, na opinião publica manifestada pelos votos. Quanto mais se convém, ou não que a, magistratura seja perpetua, isso ainda para muitos e duvidoso, eu entendo que convém no nosso estado, mas não falta quem entenda o contrario, e até me recordo que houve sobre isso uma, renhida discussão nas Cortes das Necessidades. Agora que a Camara dos Senadores tenha por força attribuições judciarias, isso é que eu duvido, e parece me que muito bem se podiam encarregar ao supremo tribunal de justiça, devidamente organisado, e nem se diga que nos Estados Unidos se lhe conferem, porque até mesmo os funccionarios publicos, é verdade que são chamados percute o senado, mas este limita-se unicamente a destituir o accusação, e a declara-lo incapaz de exercer nenhum outro emprego, mas feito isto, e em seguida entregue aos tribunaes como qualquer outro cidadão, e lá se tracta da indagação do crime, e applicação da pena.

Porém a grande incoherencia, que eu quero notar, é dar-se no senado o poder de julgar os crimes dos membros da familia real, e a responsabilidade dos secretarios de estado, segundo o artigo 50 do projecto, ao mesmo tempo que os Senadores são nomeados em numero fixo pelo, mesmo, que hão de ser julgados!! Diz se á parte = nomeia os teus juizes, e para maior segurança nomeia quantos juizes quizeres !!! Se isto não é um lapso da Commissão, e se não é querer acabar de todo com a idea de responsabilidade de Ministros, então eu acho-me de todo alheio do senso commum. Mas entretanto o caso é patente a maioria na
Commissão não poderá negar que o seu salema de nomeação regia etc. nos leva a este espantoso absurdo, e então eu peço ao Congresso que não deixe esquecer isto.

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Como os dous pontos, que se acham em discussão veriam sobre ser a Camara de nomeação ou electiva, e temporaria, ou vitalicia, eu não entrarei muito em mostrar que a eleição directa é muito preferivel ao methodo mixto de proposta para a escolha do Rei; e direi só de passagem que, estabelecidas as cathegorias como eu espero, os candidatos serão tão poucos, que não haverá para que a proposta seja toda de homens dignos: e até seria impolitica nomear por exemplo cincoenta Senadores, e deixar descontentes cem, às vezes os mais dignos, porque ficariam sempre avessos ao throno, que às vezes não tinha culpa; mas em fim era preciso escolher, e de três e aproveitar um só. Por outro lado, aquelle Senador que mais independente se mostrasse, e o maior defensor do interesse geral, era o que ficava mais arriscado a nunca mais ser escolhido; porque em fim a gente independente causa sempre certo medo ao poder, que foge della quanto pode, e isto seria um grande mal: a par disto é visivel o pouco que esta escolha accrescentaria às prerogativas do throno, e que d'aqui pouca força lhe viria, quando pelo contrario dada a eleição puramente popular, julgo então que se devem equilibrar os poderes com o veto, e dissolução, e nisto é que o throno fica verdadeiramente armado para repellir qualquer excesso, ou invasão, que aqui tanto se tem receado; e em fim chegando-se a essa questão melhor a tractaremos.

Por agora concluirei por notar que nas nossas actuaes circumstancias o methodo electivo é de absoluta necessidade; e a nobre maioria da Commissão, quasi sem o advertir, offereceu-nos um argumento incontestavel, e a que de certo ella não responderá: está elle nos seus artigos transitorios, em que propõe que a primeira organisação seja por proposta etc. Já elles foram accusados disso, e responderam affoutamente que o amor ao bem do seu paiz os obrigou a fazer aquella irregularidade. Oh! Pois bem é esse mesmo amor do bem do pau que nos obriga a pugnar pela camara electiva porque a fallar a verdade é admiravel; e estranho que a Commissão para o seu systema regular se funde mais no estado que imagina de futuro, e que não sabe de certo se existirá, do que no actual, que tem diante dos olhos! (Apoiado, apoiado). Eu entendo, Srs., que o paiz só pode ser bem governado, quando os homens de merecimento e probidade tomem as rédeas dos negocios, quer sejam setembristas, quer cartistas, ou de qualquer outro partido; a virtude, e só esta, é que deve presidir aos destinos dos povos; e todos os partidos tem alguem virtuoso, e amante do bem publico; e tambem entendo que o purismo de cada uma das fracções, em que se acha dividida a nação, só por si não tem força para governar os outros. Conseguintemente é para mim um ponto de fé política, que é preciso fazer se esta escolha do merecimento, e da virtude, independente da cor politica de cada um; e então estou capacitado de que só por meio da uma se poderá fazer de um modo conveniente; porque se a nomeação dos Senadores fosse feita de outra sorte, qual é a cor que prevaleceria; mesmo no caso da proposta (que trazia de tudo)? Eu ou não sei ajuizar: ou não julgo politico dize-lo: cada um o avalie pelo pensamento da maioria da Commissão quando propoz os artigos transitorios, e é sobre todos estes factos e considerações, que tenho baseado o meu voto.

Em fim, eu me alonguei insensivelmente, mais do que pensava, porque a materia vai desafiando considerações sem limite: mas peço ao Congresso que as tenha todas presentes naquella maxima de Cícero por onde comecei - Organisemos a segunda Camara de maneira que attendamos á condição de todos os cidadãos contra o perigosissimo poderio dos homem .......... Para o conseguir, eu entendo
que convém uma camara electiva e temporaria, e por isso votarei por ella neste sentido. (Apoiados geraes).

O Sr. João Alberto: - As Cortes determinaram que hajam, duas camaras legislativas: discute-se agora se a chamada dos Senadores deverá ou não ser composta de membros vitalicios nomeados pelo Rei, e sem numero fixo e
determinado.

Continuarei nesta discussão da organisação social a servir-me dos principios da organisação animal; parecendo-me que o cerebro, e suas funcções são para a vida do homem, o que o corpo legislativo é para a vida social.

Na verdade, Srs., o órgão cerebro é multiplo, e composto de muitos outros órgãos, que são os instrumentos materiaes das nossas faculdades intellectuaes, e affecções moraes; do seu exercicio depende á formação das nossas idéas, dos nossos juizos, e determinações da nossa vontade, assim como a existencia das nossas propensões, e paixões; a anatomia tem modernamente demonstrado esta disposição organica; a anatomia, e fisiologia comparadas fazendo ver maior ou menor numero de órgãos ou ganglios cerebraes sempre em relação ao maior ou menor numero de suas faculdades iutellectuaes, e instinctivas; a sua diminuição ou menor intensidade, energia ou perversão no homem, e em todos os animaes binários correspondentemente á falta, diminuição, engrandecimento, ou desaranjo morboso dos órgãos cerebraes, ou isto seja congenito, ou por qualquer modo adquirido; finalmente as experiencias feitas em grande numero, e por diversos habilissimos fisiologistas, tudo tem concorrido à estabelecer uma base solida para a sciencia legislativa; e como Srs., como legislar, dirigir, permittir ou negar acções aos homens, sem conhecer â fisiologia do homem? Desta falta de conhecimentos provém a instabilidade doma grande parte da legislação constitutiva, civil, e criminal.

O homem, este pequeno mundo, é composto de diversos elementos organicos em diversas proporções. E os seus diversos systemas e órgãos, gozando em cada uma de suas diversas partes diversos attributos, exercendo diversos officios, mas concorrendo tudo no estado normal, conspirando a seu modo para a effectividade da vida: todas estas funcções da vida são regidas mais ou menos independentemente; proxima, ou remotamente; mais ou menos energicamente pelo influxo cerebral e nervoso.

Façamos agora o parallelo com as Cortes sociaes: nestas tambem ha pluralidade de órgãos, e tantos, quantos os seus membros; cada um goza demais ou menos extensa intelligencia geral, e de algum objecto mais particular: as Cortes recebem do povo, pelo direito que tem de petição, as sensações de suas necessidades, sobre ellas formam o seu juizo, e fazem a lei, etc.

Sendo isto assim é licito, é judicioso, segundo me parece, argumentar por analogia da fisiologia cerebral para a fisiologia das Cortes, quanto for possivel faze-lo no estado actual da sciencia, e entre a obra prima da creação do omnipotente para uma obra feita pelos homens: certamente nós não poderemos imitar senão grosseira e imperfeitamente; o nosso resultado será defeituoso em relação ao original, mas vantajoso em relação á nossa possibilidade: sirvam de exemplo as vantagens adquiridas na formação dos nossos, instrumentos de optica, calculada sobre oa conhecimentos anatomicos e fisicos do olho humano etc. etc.

Supposto isto, digo que esta camara me parece não deve ser composta de membros vitalicios: porquanto, Srs., o cerebro continuamente se nutre por um movimento de composição, e decomposição de sorte que a sua substancia material não é, em um dado tempo, perfeitamente identica ao que foi antes, e será depois d'esse mesmo tempo: além disto o homem durante a sua vida e por effeito d'ella soffre modificações assim no físico como no moral que o tornam mais ou menos apto para o exercicio das suas funcções em geral, e particularmente das intellectuaes, e moraes, é sujeito á influencia da idade, e por tanto á desigual aptidão proveniente da sua variação: finalmente, Srs., os membros desta camara, na hypothese de vitalícios convivem menus tempo entre seus concidadãos nas provincias, presenceam menos as

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suas necessidades, e os meios mais adequados, ou de lhes obstar, ou de as remediar: em consequência voto que sejam temporarios.

Em quanto a serem nomeados pelo Rei; parece-me que elles deverão ser eleitos pelos collegios eleitoraes: por quanto, abstrahindo o vago e hipothetico da sciencia relativamente á primitiva formação, ou desenvolução dos nossos órgãos, é certo que elles depois de formados continuam a viver por uma funcção, nutrição; esta não é devida a um só factor mas ao complexo de muitas outras, sendo o maior numero pertencentes á classe das de nutrição, exceptuando duas que pertencem á vida de relação, por uma das quaes sentimos a necessidade de alimentação, conhecemos os alimentos, e os procuramos: comparando todos estes actos em relação ao fim, a que elles são destinados de nutrir, e renovar a substancia cerebral, com o acto da eleição dos membros desta camara, parece-me, por analogia, poder concluir que o Rei, e os collegios eleitoraes devem ser os factores da eleição dos membros da camara: mas como concorrerão para esse acto? Dous methodos são os possiveis, isto é ou designando o Rei todos os individuos elegíveis, para os collegios eleitoraes dei lês escolherem os que quizerem, ou apresentando os collegios eleitoraes ao fiei em lista tríplice indivíduos para escolher o numero effectivo: eu prefiro este ultimo por mais análogo, e conforme a nossos costumes, e por mais adequado a princípios fisiologicos: voto por tanto que o methodo da eleição seja mixto, escolhendo o Rei o numero effectuo dentre indivíduos triplicados indicados pelos collegios eleitoraes.

Resta finalmente dizer o meu voto sobre ser fixo, ou indeterminado á vontade do Bei o numero dos membros desta camara: a resposta que deve ser fixo o determinado, é dada pela natureza: na verdade, interrogando-a, achamos sempre no estado normal perfeita regularidade na forma, numero, organisação etc. dos orgãos da vida animal ou de relação: não julgando acertado demorar-me neste logar na demonstração fisiologica da conveniencia desta disposição organica em relação aos seus actos, concluo votando pela constantete permanencia d'um dado numero de membros.

O Congresso avaliará o valor dos meus principios, suas consequências, e applicação sendo eu o primeiro que reconheço a difficuldade de usar delles para base de meus raciocínios sobre assumptos politicos tão transcendentes: se do meu voto só dependesse a solução destas questões, de certo eu não me atreveria a proferi-lo, não sou contumaz, a discussão, que tão conscienciosa, e sabiamente vai progredindo me habilitará, e votarei definitivamente segundo o juizo que sobre ella formar.

O Sr. Duarte e Campos: - Sr. Presidente, eu hesitava ainda neste momento sobre o uso, que faria da palavra, que V. Exa. acaba de conceder-me. Depois de uma discussão tão longa, discussão em que as objecções apenas combatidas de novo se levantam para sofrer novo combate; discussão, em que os argumentos a favor de opiniões contrarias tem sido reproduzidos já por vezes, e já por vezes se tem julgado refutados, e cabendo-me fatiar no momento, em que a attenção do Congresso se acha fatigada por quatro horas de sessão, mais me conviria talvez deixar o meu, logar aos oradores, que ainda, se seguem. A gravidade porém do assumpto, em que nos occupamos, é tal, este objecto é julgado tão transcendente, que eu espero merecer alguma desculpa ao Congresso entrando no debate, e mais ainda, porque á razão da importancia da materia se unem motivos particulares para eu declarar ao menos, os fundamentos do meu voto. Do meu silencio em discussões de outra ordem podia inferir-se falta de talentos em mim para entrar nellas; e se falta sou eu o primeiro a confessa-la; se eu recusa-se hoje emittir uma opinião, podia duvidar-se da rectidão de minhas intenções, podia suppor-se que eu nem ao menos possuia a firmeza necessaria para manifestar o que penso; e estas qualidades desejo eu muito ,salvar; eis aqui pois o que principalmente me decide a expor, ainda que mui succintamente, as razões que formaram a rainha convicção.

Tracta-se de decidir a quem ha de pertencer a nomeação dos membros, que devem compor a segunda Camara; qual o espaço de tempo, que deve durar o exercicio de suas, funeções; e finalmente, quaes as qualificações, que tornam apto um cidadão para, ter ingresso no segundo corpo colegionador. Muito divididas vejo as opiniões do Congresso sobre cada uma destas questões, nem isso deve admirar; falta a experiencia, que podia ensinar-nos; e os homens, que mais se tem occupado das sciencias politicas, não estão conformes sobre a solução destes problemas. Estou resolvido a votar por uma segunda Camara, cuja eleição, restricta a classes, seja feita pelo povo, e cuja nomeação definitiva pertença ao chefe do poder executivo: votarei mais que o exercicio, das funcções Senatorias seja vitalicio. Não approvo pois, a existencia de uma segunda Camara puramente efectiva, e temporaria. Uma segunda Camara instituida deste modo labora, ao menos em parte, nos inconvenientes, que se notam a uma Camara organipada pelo methodo, que eu adopto; e não preenche os fins para que eu supponho ella deve ser destinada. Sr. Presidente, mui pouca predilecção tenho eu pelas repetições: estou persuadido que nenhuma gloria resulta a quem as emprega, e que o paiz nada lucra em ouvir aqui o que muita gente sabe, ou pode saber, dando-se ao trabalho de o procurar nos livros; serei porém forçado, bem a meu pezar, a reproduzir algumas jdéas, por que são as minhas, e eu ainda não tive occasião de expressa-las, releve-se-me por isso o faze-lo.

A segunda Camara electiva, e temporaria labora, disse eu, em parte nos mesmos defeitos, que se atribuem á instituição, que eu approvo. Julga-se um grave inconveniente, e até uma aberração dos principios de direito constitucional, a collação de um mandato por um tão longo espaço de tempo qual a vida do individuo, a quem elle se confere. E com effeito pouco consequente a concessão de poderes, que não possam ser annullados, em curto praso, porque o representante, a quem elles foram confiados, pode usar dellas em detrimento dos interesses da pessoa ou pessoas, que lhos entregaram. Mas esse inconveniente, que eu do certo não negarei, da-se tambem no systema de uma segunda Camara só renovada em parte; pode com effeito a parte, que se não renova no fim da legislatura, ser aquella mesma, que mal usou do seu mandato, ser aquella, que o empregou, contra os interesses dos seus mandatarios. E um grande inconveniente ainda, segundo se diz circunscrever a escolha a certas classes, estabelecer cathegorias.

E para que se limita então, direi eu, a eleição para a primeira Camara? Para que restringi-la só a quem possue um censo determinado? O intuito daquelles, que adoptara, a organisação da segunda Camara, proposta pela, minoria da Commissão, é certamente obter uma, Camara não estipendiada, aliás seria mais simples, propor uma só Camara, mais numerosa, cuja sexta parte não, fosse renovada. Então perguntarei eu ainda, quem, poderá acceitar o emprego em uma segunda Camara sem subsidio, a não serem os cidadãos pertencentes às classes, a que se deseja restringir a eleição? Pelo facto pois de se querer uma segunda Camara não subsidiada, circunscreve-se implicitamente a escolha, e vem a cahir-se por um modo indirecto no, defeito, contra que se argumenta.

A segunda Camara electiva e temporaria, disse eu tambem, não satisfaz os fins, para que, deve ser instituida. As pessoas, que admittem hoje a necessidade de segunda, Camara, consideram este ramo do poder legislativo como ora elemento social essencialmente conservador julgam-no vim penhor de, ordem, suppõe ser, elle quando bem composto, mais capaz de austentar as liberdades adquiri-

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das Contra os seus inimigos, e contra o que não é às vezes menos perigoso, contra o zelo talvez menos reflectido de alguns de seus amigos pouco prudentes. São estas tambem, a meu ver, as indicações principaes, a que tem de satisfazei o segundo corpo co-legislador, indicações que evidentemente não serão satisfeitas, se as condições da sua existencia forem, identicas, ou quasi identicas com as do primeiro. Se me fosse dado ter a certeza de que a escolha havia de ser sempre o producto da rasão publica; se eu podesse como alguns de meus illustres collegas, acreditar na bondade constante dos juizos pronunciados pela urna, rejeitava decerto ,como inutil uma segunda Camara.

Mas eu não posso, Sr. Presidente, por mais que o deseje, confiar tanto no discernimento da opinião publica: muito me magoa o dize-lo, não porque a opinião seja impopular, para esse desgosto tenho eu remedio na minha consciencia; mas porque sinto muito viver ainda em tempo, em que a opinião publica em vez de ser, como deveria, o producto da inteligencias mais conspicuas, ha de ser muitas vezes o resultado de paixões, que por serem geraes não são isentas de defeito, Não julgo, outra vez e repito, a opinião publica tão solidamente formada; não supponho as suas decisões, (que nem por isso deixo de respeitar, preciso adverti-lo) tão isentas de parcialidade, tão livres de influencias prejudicial ao bem publico, que me atreva, a entregar lhe já de todo, sem recurso algum, os destinos da liberdade, destinos, de que somos tão ciosos, e com tanta rasão o devemos ser. Desejo pois a ingerencia da opinião publica na formação do segundo corpo co-legislador, mas não illimitado, como já disse, mas restricto por cathegorias, em que tenha de escolher-se, e pelo apuro final feito pelo poder executivo. Eis a minha opinião sobre este objecto, é de moderna data; nem sempre assim pensei, mas os factos de nossos dias, factos que eu julgo ter observado atentamente, trouxeram-me esta convicção; se observei mal, se tirei consequencias, que não devia tirar, o tempo o dirá, para elle appello.

Não é esta, de certo a oocasião de responder a todas as objecções feitas contra a doutrina que sigo, tocarei só em algumas, que julgo capitães, preciso dar-lhe alguma resposta, porque ella assenta a minha convicção.

Objecta-se. Para que dar uma representação separada a certas classes? A nação é só uma, devo por tanto ter uma só representação. As classes, que se querem ver distinctamente representadas, concorrem á urna, podem por tanto escolher quem advogue os seus interesses. De que serve a nomeação pelo poder executivo? Este poder é representante, não pode ser representado. Não é com o fim de advogar exclusivamente os interesses da classe, a que pertencem, que se limita a eleição dos membros da segunda Camara e certas, e determinadas ordens ha na sociedade interesses differentes, e muitas vezes oppostos entre si, sem deixarem de ser legitimos: estes interesses devem ser attendidos para serem conciliados; se a representação fosse pura e simplesmente um resultado de numeros, de interesses das classes menos numerosas correriam risco de não serem muitas vezes contemplados. Não faltariam exemplos para passar isto da abstracção á realidade, mas parece-me escusado referi-lo, porque são bem conhecidos. A segunda Camara, composta de pessoas pertencentes às classes menos numerosa; e não ligadas tão estreitamente aos interesses locaes, assegura a protecção dos interesses dessas classes, e dos interesses mais geraes, sem prejudicar outros interesses dessas sociedade.

O executivo na nomeação dos membros a, segunda Camara não exerce um poder de delegação, exercia uma acção reguladora, acção salutar, porque a sua independencia é tão necessaria como a dos outros poderes; exercita, este acto no interesse da sua conservação, e esse interesse. E igualmente o da nação, porque a nação julga a existencia, do throno muito necessaria, e muito util.

Instituir uma segunda Camara vitalicia, que participe da nomeação regia, e dar vida á aristocracia , que não existe já entre nós, é crear privilégios quancjo tudo exige que sejam extinctos. Eis aqui ainda como se argumenta contra aquelles, que se conformam comigo em opinião. Vasto campo este para peleja: não entrarei nella como muitos dos oradores, que me precederam. Aristocracia, e privilegio são, e serão ainda por muito tempo, palavras de poderosa influencia para atacar as instituições, contra que forem empregadas, porque muito lembrados são os ruins effeitos das cousas, que ellas representam. Eu tenho pugnado, e continuarei a pugnar contra as cousas, que taes palavras realmente designam, e rejeitaria a segunda Camara se me persuadisse que ficava manchada com vicios desta natureza. A lei exige, e pode faze-lo, para o exercicio de certas
funcções qualidades, que se suppõe affiançarem o bom desempenho dessas mesmas funcções; ninguem diz por isso que a lei confere um privilegio aquelles, que possuem, as condições requeridas. Não ha neste caso vantagem superior em, identidade de circumstancias, condição essencial para a existencia de privilegio, de cartas, de aristocracia.

Uma camara não electiva, e sem duração determinada, ha de necessariamente encontrar a vontade nacional, ha, de oppor-se ao progresso de liberdade. E, outra objecção capital. Parece-me, Sr. Presidente, que os illustres defensores de certa opinião cahem no defeito por elles mesmos notado contra seus adversarios, fogem, creio eu, do presente para o passado, deixam o mundo positivo para se refugiarem em um mundo, que já não existe. Se nós temos já conquistados os principios geradores de todas as reformas, se estes principios existem já estabelecidos em nossas leis, se nos não necessitámos já, porque já a tivemos, de uma noite de 4 de Agosto, como a assembláa, de França, para acabar com os restos do feudalismo; se os traços geraes, se largos alicerces estão lançado; para servir de fundamento a todos os Aperfeiçoamentos futuros; se a maior necessidade hoje é applicar esses principios geraes com circumspecção á nossa existencia social, é dar vida ao que só vive ainda no papel: como ha de a segunda camara obstar ao que está determinado? Mas, diz-se, demora o progresso.

E quem haverá, Sr. Presidente, que tendo vivido nestes últimos tempos, e presenciado o rápido progresso das chamadas dictaduras, não deseje pôr algum estorvo a essa celeridade de movimento, a essa tendencia a marchar tão rapidamente para desandar, a avançar com tanta velocidade para retroceder, a edificar com tanta pressa para destruir?

Uma segunda camara, que não póde ser dissolvida, tornando-se facciona, ha de necessariamente destruir a liberdade, ou dar causa a uma revolução. Eis ainda um fortissimo argumento contra a existencia de uma segunda camara distincta da primeira. Creio eu, Sr. Presidente, que ainda neste caso se renega, para me servir da propria expressão de um illustre contrario, do mundo real para um ficticio.

A segunda camara facciosa, e para que? Para destruir o pacto fundamental, para destruir as reis, derogando? E como? Se as suas decisões não tem existencia sem que a primeira camara lha dê? E ha de ella dar-lha, sendo o que é, filha da urna, da uma a quem não se duvida confiar tudo, a quem não ha receio de entregar a guarda de todos os direitos, a protecção de todos, os interesses? E as representações municipaes, as de districto, emanações puras da vontade dos povo, não hão de reagir pacificamente contra as tentativas de invasão? Hão de mudas deixar consumar a obra da iniquidade? Não receio pois a destruição dos principio; fundamentaes pelo segundo corpo colegislador, legalmente se póde fazê-la, porque ha de obstar-lhe a primeira camara; pela, força seria necessario que esse corpo representasse uma somma de vontades tão forte, que nesse caso um só homem, poderia conseguir p que ella tentasse. Sr. Presidente, prometti ser succinto, e tenho sido já mais extenso do que de-

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sejava. Olhei a questão em si, puz de parte á authoridade a lição da historia, não imitei nesta parte os meus collegas, que para firmarem suas opiniões fizeram contribuir tudo que os homens até aqui tem pensado, e tem feito. Muito respeito os publicistas e os historiadores, e as suas opiniões, tomo fontes aonde se bebe o saber; alguma instrucção tenho procurado tirar de uns e outros, mas nesta occasião de pouco podem servir-me. Os escriptores oceiiparn-se dos principios abstractos, que eu julgo modificaveis conforme as hypotheses; e a mestra da vida, que tambem reconheço como tal, não me parece guia segara neste caso porque factos se podem apontar para reforçar as opiniões contrarias; os exemplos são para mim fraca prova, quando se não dá identidade de circumstanciss, e muito difficil é demonstrar esta nos grandes acontecimentos politicos, cujas causas são sempre tão complicadas. Para concluir direi que approvo uma segunda camara de eleição popular, feita em classes determinadas, sujeita á designação do Rei, de duração vitalícia, enumero fixo de membros. Não adopto esta organisação como a mais perfeita, ou ainda a mais livre de defeitos, julgo-a a mais conveniente no estado de divisão de nossas opiniões, e no estado geral de nossa illustração.

Estou firmemente persuadido que todas as instituições tem seu tempo, tem uma época, em que os effeitos por ellas produzidos não o podem ser por outras. Em 1820 teria votado por uma só camara, porque tudo está por fazer hoje voto por duas, porque a maior de todas as nossas necessidades é conservar o que existe, e não construir de nova sem firmar na ordem o que está edificado. Cumpri um dever ponivel combatendo opiniões, que ainda ha pouco eram as minhas, e que aioi solidas julgava; fiz quanto me foi possível por acertar: nisto digo quanto basta para tranquillisar a minha consciencia. Oxalá que a opinião contraria á minha sendo a mais acertada, seja seguida; se nesse caso me não coubesse a gloria de concorrer como meu voto para o bem da patria, ficariam tambem descançado de não ter concorrido para o mal. Não me sentarei sem declarar solemnemente, imitando e assim o exemplo dado por um de meus illustres collegas, em quem todos reconhecem tanto talento, quanta lealdade, que a constituição de 1837 ha de ser a minha, e como cidadão farei tudo quanto esteja ao meu alcance por defende-la.

O Sr. Presidente: - Deu a hora, adia-se esta discussão, e passa-se ao expediente.

O Sr. Secretario Rebello de Carvalho mencionou o seguinte expediente:

1.° Um officio do Ministerio do Reino, devolvendo a representação dos directores do Diario do Governo sobre o pagamento daquelle Periodico distribuido aos Srs. Deputados.

Mandou-se á Commissão administrativa.

2.º Um officio do Ministerio da fazenda, participando que no dia 5 do corrente mez teve logar a instalação da Junta do credito publico.

O Congresso ficou inteirado.

3.° Outro officio do mesmo Ministerio, participando que seus inconveniente do serviço póde supprimir-se um dos locares de correio do Thesouro Publico nacional, para se tomar em consideração, quando se discutir a parte correspondente do orçamento.

Foi remettido á Commissão de fazenda.

4.º Um officio do Ministerio da guerra, enviando os authografos de duas cartas de lei, é dous respectivos decretos das Cortes, já sanccionados por Sua Magestade a Rainha.

Mandaram-se para o Archivo.

O Sr. Secretario leu a redacção do projecto de lei sobre a dispensa da determinação do artigo 121 do decreto de 29 de Dezembro de 1836, para o effeito de serem pagas as matriculas do corrente anno lectivo na eschola
medico-cirurgica de Lisboa, em conformidade do que se achava determinado na legislação anterior ao referido decreto; e bem assim sobre a prorogação do praso para as mesmas matriculas. = Achando-se conforme com o vencido, mandaram-se tirar os authografos.

O Sr. Presidente: - O Sr. Ministro da Justiça acaba de pedir a palavra, mas antes delle ha bastantes Srs. inscriptos; devo tambem lembrar que o Congresso já manifestou a sua vontade, que se discutisse um parecer da Commissão de guerra, que está sobre a mesa, assim como que se terminasse o negocio dos barcos de vapor: por tanto, ainda que fosse pratica dar já a palavra ao Sr. Ministro da Justiça, não me julgo authorisado a faze-lo sem ter previamente informado o Congresso sobre as deliberações, que tem tomado em relação á ordem dos trabalhos.

Vozes: - Falle, falle.

O Sr. Presidente: - Nesse caso tem a palavra o Sr. Ministro:

O Sr. Ministro da Justiça: - Quando se publicou O decreto de 29 d'Abril, contendo a reforma judiciaria, disse-se que a divisão das ilhas da Madeira, Porto Santo, e Cabo Verde, seria proximamente designada, mas até ao presente ainda o não foi. Informam as authoridades locaes daquellas ilhas que não podem alli dar execução ao referido decreto, sem que se faça a mesma divisão judiciaria: chamo a attenção do Congresso sobre a urgencia deste objecto , porque em quanto senão fizer aquella divisão, não póde executar-se a lei nova; eentão, rigorosamente, não ha lei alguma, que alli possa executar-se. Por estas razões tenho a honra de apresentar a seguinte

PROPOSTA no GOVERNO.

Senhores! = A divisão das comarcas, e dos concelhos, em conformidade da nova lei judicial, posto que promettida no artigo 2.º do decreto de 29 de Novembro de 1836; ainda não foi executada nas ilhas da Madeira, e Porto Santo. A reforma judicial não está por tanto em pratica naquella parte do territorio por falta dos juizes ordinários, que não póde haver sem a divisão dos concelhos. Esta operação é da maior urgencia, porque sem ella não póde ter execução a lei nova, e a antiga está revogada. - Não ha nesta parte trabalhos preparados, que o governo possa apresentar às Cortes immediatamente, e todavia seria este o methodo mais regular, e legal; em taes termos o meio mais breve de conseguir e execução da lei, será authorisar o Governo para mandar proceder a divisão judicial do territorio naquellas ilhas, e montar em conformidade della a nova organisação, declarando-se entretanto em vigor a lei antiga na parte, em que a nova não é exequivel sem a effectiva divisão das comarcas, e concelhos, que posteriormente será submettida á approvação das Cortes. E por estes motivos, e para este fim, que tenho a honra de apresentar às Cortes o seguinte

PROJECTO DE LEI.

Artigo 1.º Fica o Governo authorisado para mandar proceder pelas juntas geraes de districto á divisão das comarcas, e dos concelhos, em conformidade do decreto de 29 de Novembro de 1836, nas ilhas da Madeira, Porto Santo, e Cabo Verde, submettendo a referida divisão territorial á approvação das Cortes somente depois de executada, e de instalada a reforma judicial.

Art. 2.° Em quanto não for ultimada a divisão judiciai, de que tracta o artigo primeiro, continuará em vigor á actual, assim como as disposições da lei anterior ao decreto de 29 de Novembro na parte, em que a reforma judicial não póde ser executada, sem que se verifique a referida divisão.

Ficam revogada; as leis em contrario.

Secretaria d'Estado dos Negocios Ecclesiasticos e de Justiça, em 10 de Outubro de 1837. - José Alexandre de Campos.

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Terminada a leitura, proseguio.

O Sr. Ministro da Justiça: - Na falta de dados estatissicos, para apresentar às Cortes um projecto sobre esta divisão territorial, tinha eu procurado saber se haveria alguns trabalhos subsidiarios, que me podassem guiar neste assumpto; não pude obter nenhuns, pelo que não restava ao Governo outro arbitrio senão fazer a mesma divisão sobre a carta, mas as Corte? sabem que quasi sempre, na pratica, as divisões topographicas feitas só com o auxilio das Cortes, conduzem a transtornos, e reclamações (apoiado), razão porque o Governo tambem não usou deste ultimo meio não resta outro senão mandar às juntas geraes de districto, que dêem o seu parecer ácerca dessa divisão, e o resultado do seu trabalho, depois de examinado pelo Governo, será trazido às Cortes

O Sr. L. J. Moniz: - Eu queria simplesmente pedir que a proposta, que acaba de ser apresentada pelo Sr Ministro da Justiça, fosse julgada urgente os povos não podem passar sem a prompta demonstração da justiça, e todavia ella está quasi inteiramente parada, principalmente fora do continente.

O Sr. Ministro da Justiça: - Eu roqueiro a urgencia, e as razões della são tão sabidas, que nada accrescentarei a tal respeito (Apoiado.)

O Congresso julgou a proposta do Governo urgente, e foi remettida á Commissão do ultramar.

Teve a palavra, para interpellar o Sr. Ministro das Justiças.

O Sr. Galvão Palma - E tão visível e geralmente reclamada a necesidade d'uma lei sobre a dotação dos parochos, os quaes (pela maior parte) se acham reduzidos á miseria, que eu tractei de apresentar um projecto a este respeito, mas combinei depois com o Sr. Ministro da Justiça, em que elle aqui fosse trazido por parte do Governo entretanto como isto se tenha demorado, rogo a S. Exca., visto ser provavel que tenha alguns trabalhos promptos a este respeito os queira apresentar ao Congresso, alias eu o farei.

O Sr Ministro da Justiça: - O projecto de lei tendente a estabelecer as congruas dos parochos é um dos objectos mais importantes que o governo tem em vista Antes mesmo de terminar o praso marcado no decreto de 19 de Setembro, já o Governo tinha tomado em consideração este importantíssimo assumpto, e até em conselho de Ministros resolveu que um delles apresentasse o projecto a este respeito para ahi ser examinado, e depois trazido ao Congresso, sendo eu aquelle que me encarreguei desse trabalho todavia não se tem apresentado porque o Congresso sabe que este assumpto está ligado a umas poucas de questões todas gravissimas, e a respeito das quaes a opinião das antecedentes legislaturas tem sido variada. A primeira é a base sobre que ha de assentar o mesmo projecto, isto é, se as congruas hão de ser pagas pelo thesouro, ou pelos povos outra questão é qual seja o maximo e o minino das congruas Sobre estes dous pontos já houve dous, ensaios, e nenhum delles teve bom resultado um foi a lei d'Abril de 1835 , que estabeleceu as congruas pelo thesouro, a qual, como se sabe, não teve bom effeito, veio depois a administração de 10 de Setembro, e decretou que ellas fossem pagas directamente á custa dos povos esta medida tambem não deu optimos resultados, mas em fim sempre fez com que alguma cousa recebessem os parochos e talvez que emendados alguns defeitos (sendo o principal relativamente á minha authoridade das juntas de parochia Apoiado) talvez digo que essa medida podesse aperfeiçoar-se e servir de bem para dar alguma regularidade a este assumpto. Não me demorarei agora em tractar destas questões, porque me levantei sómente para dar a razão porque o Governo se tem demorado em apresentar o respectivo projecto, antes de concluir, pedirei ao Sr. Deputado que attenda a que o projecto e urgente, mas não de tal importancia que demande ser apresentado hoje se os parochos não estão pagos, não é certamente por falta de leis, mas pelos defeitos dessas mesmas leis a não ser isto os parochos deveriam estar pagos em dia, ate 19 de Setembro ultimo, e por isso mais adiantados do que os mais empregados, mas o decreto de Setembro estabeleceu o modo da percepção das congruas, e ha muitas juntas de parochia, que com diversos pretextos ainda não tractaram de tal. Apezar de todas estas considerações, o Governo terá o maior cuidado em abreviar este negocio (Apoiado).

O Sr. Derramado: - Depois do que acaba de dizer o Sr. Ministro da Justiça sobre a urgência deste projecto, eu nada tenho a accrescentar, restando-me unicamente pedir a S. Exac. queira quanto antes apresentar nos a proposta a que se referiu. Também lembrarei ao Sr. Galvão Palma quanto seria conveniente ir preparando a solução de quaesquer questões, a que a mesma proposta haja de dar logar, mas que me parece não poderem ter logar agora Conviria pois que passassemos ao exame de outros objectos na realidade urgentíssimos, quaes, são alguns dos pareceres, que estão sobre a mesa, dando-se este incidente por discutido. (Apoiado.)

O Sr. Galvão Palma: - Nada mais direi, e sómente aproveito a palavra para agra tecer ao Sr. Ministro da corôa o bom cuidado que lhe tem merecido o objecto sobre que o interpellei ficando eu certo que não deixara de attender, com a apresentação da sua proposta, ao estado em que se acham a classe do parochos, por ventura uma das mais interessantes da sociedade. (Apoiado.)

O Sr. Secretario Rebello de Carvalho leu o seguinte.

PARECER.

A Commissão de guerra foi presente o officio do Ministerio da guerra de 7 do corrente, em que expoz que tornando-se inexequivel o artigo 15 do decreto da dictadura de 13 de Janeiro, por ser impossivel que dous cirurgiões do exercito, delegados do concelho de saude, encarregados de percorrer o local de quarenta e três corpos do exercito tres vezes por anno, para examinar as contas dos respectivos hospitaes, inspeccionar as praças enfermas, e velar pela observancia das ordens, e economia da fazenda se ordenou por decreto de 16 de Fevereiro que dous cirurgiões mores dos mais antigos, e aptos para este serviço fossem tambem encarregados na qualidade de delegados de concelho de saúde do exercito, da inspecção de quatro divisões, competindo assim a inspecção dos hospitaes de duas divisões militares a cada um dos cirurgiões delegados, que é isto, o que actualmente como medida provisória se está praticando, mas que esta medida não póde subsistir, porque a ausência dos cirurgiões mores nos corpos, a que pertencem, é por extremo prejudicial, porque fica quasi em desprezo o Iradamente dos seus doentes, e o arranjo das suas contas, e que nestes termos propõe o crearem-se mais dous logares de cirurgiões do exercito para delegados do concelho de saúde, um na 2.º e 5.º divisões militares, e outro na 7.ª e 8.ª

Que propõe igualmente por necessária a suppressão dos tres logares de amanuenses para os depositos de Lisboa, Porto, e Elvas, e bem assim os tres logares de ajudantes de pharmacia para os hospitaes regimentaes destes mesmos pontos, creados uns e outros por decreto de 15 de Janeiro nos artigos 2.° e 20.°, resultando da sua suppressão uma economia annual de um conto duzentos e sessenta mil reis, ao passo que o saldo dos dous cirurgiões do exercito é de um conto oitenta mil réis, resultando ainda uma economia annual de cento e trinta mil réis, e que deste modo fica organisado este importante ramo do exercito.

Pede ser authorisado para o fim proposto.

Parece á Commissão que esta proposta deve ser adoptada, porque se por um lado criam dous novos logares de delega-

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dos no concelho de saude, por outro se supprimem outros inuteis, vindo por tanto a conciliar-se a economia da fazenda nacional tem o bem estar dos militares enfermos, por tanto tem a honra submetter á consideração do Congresso o seguinte

PROJECTO DE LEI.

Art. 1. Além dos dous cirurgiões do exercito, delegados do concelho de saude; creados em virtude do artigo 13 do decreto de 18 de Janeiro do corrente anno, haverão mais dous com a mesma graduação, e vencimentos, dos quaes um exercerá suas funcções na 2.ª e 6.ª divisões militares.

Art. 2. Ficam suppnmidos os tres logares de amanuenses dos depositos de Lisboa, Porto e Elvas, e bem assim os tres logares de ajudantes de pharmacia aos, hospitaes regimentaes destes mesmos pontos, creados uns e outros pelo artigo 2.º e 20.º do mencionado decreto de 13 de Janeiro do corrente anno.

Art. 3. Fica nesta parte revogado o sobredito decreto de 15 de Janeiro do corrente anno.

Sala da Comissão 8 de outubro de 1837. = João da Silveira de Lacerda; Marques de Loulé; Marquez de Fronteira; Barão da Ribeira de Sabrosa; Conde de Lumiares; Antonio Maria d'Albuquerque Barão de Faro.

Sobre este parecer pedio e teve a palavra

O Sr. João victorino: - Dous facultativos inspectores de todos os hospitaes militares do reino não chegam nem podem bastar para esse trabalho, era consequentemente necessario que se augmentasse este numero, alias o serviço havia de ser muito mal feito. Esta repartição de saude militar tem tido muito importantes alterações, comparada com o que dantes era a ordem da escripturação, da economia etc. tudo está alterado, é preciso por tanto nomear estes homens para pôr em marcha, e andamento todas estas cousas de forma que, ainda quando mesmo se não admittisse a sábia proposta do presiuente do concelho da repartição de saude do exercito (que todos respeitamos, não só como um dos mais peritos, zelosos, e dignos empregados, mas ainda como um dos homens mais sábios de Portugal, e que hombrêa com os da Europa) como disse, se não houvesse uma proposta tão economica como esta, porque propõe a suppressão de alguns logares, e com esta cobre a despeza do novo augmento dos dous inspectores, e ainda em bem do thesouro ha alguma cousa de sobejos, ainda mesmo neste caso era necessario approvar o projecto da illustre Commissão de guerra; por isso eu voto por elle.

Não pedindo a palavra outro Sr. Deputado, foi o projecto julgado discutido, e approvado na sua generalidade, resolvendo-se tambem que hoje mesmo fosse tractado na sua especialidade, e lidos os seus artigos foram successivamente todos approvados sem discussão.

Annunciando o Sr. Presidente que se ia ler a tabella dos preços, que deviam regular o contracto com a emprega dos vapores, disse que tambem havia ainda na mesa um additamento do Sr. Barjona, que era necessario discutir-se, e era o seguinte.

Additamento.

Proponho que se exijam da empreza garantias suficientes do cabal cumprimento de todas as condições do contracto.

Sobre este objecto teve a palavra

O Sr. Barjona: - Eu pedi a palavra simplesmente para requerer que não se fizesse senão mandar isto á Commissão; porque todos entendem que é preciso que haja algumas garantias á vista dos privilegios que se deram.

O Sr. Barão da Ribeira de Sabrosa: - Eu sem oppor-me ao additamento, lamento que não tivesse vindo um pouco mais cedo é uma desgraça que venha a undecima hora.

Peço ao Congresso que observe, que a decisão que uma vez tornamos sobre os cáes deu logar a que a empreza se não realizasse, desejando-o o Congresso. Desejava que ella tivesse logar pedia que se tivesse isto em vista para se não votar um additamento, que torne nullo o que está já feito.

O Sr. Visconde de Fonte Arcada: - Sr. Presidente, eu parece-me que o que agora se pertende exigir da Companhia era uma das condicções, com que se devia fazer o contacto se julgasse necessaria, mas depois de elle estar sancionado depois de elles terem cedido ao que se propoz neste Congresso, como é possivel exigir-se mais alguma outra condição, agora depois de estar o contracto fechado? Por tanto
rejeito o additamento por inutil.

O Sr. Vasconcellos Pereira: - Estou persuadido que todo o tempo que se continuar a gastarcom isto é perdido porque estou persuadido que ella não continua; já fallei a um ou dous accinonistas, que me disseram que iam céder,que não queriam semikhante cousa. Tem-se posto tantos obstaculos, que a maior parte d'elles estão determinados a não ir adiante com a empreza; e pede-se agora uma caução, ou fiança: que maior fiança póde ser que o dinheiro que elles vão gastar a construir caes, e mil cousas?

O Sr. Barjona: - O caso não é para se tomar tanto calor. Eu estou cada vez mais persuadido que uma das cousas mais necessarias a quem falla em publico é ter memoria. Este additamento foi apresentado aqui durante a discussão; pedi que nada se approvasse sem elle se discutir por tanto não se diga que é uma condição nova. Eu ja fallei nella aos homens da empresa por varias vezes. Agora pergunto como já perguntei na discussão do contracto não exigimos nos garantias da companhia da estrada para o Porto? Escusado é emfim o estar aqui mostrando a necessidade de se exigirem tambem algumas nesta occasião, vá o meu requerimento á Commissão para ella dar o seu parecer sobre elle depois de ter ouvido os emprezarios.

Torno a advertir não o caso não é para tão mau humor; não se trada aqui de objectos desta natureza, que não se venha logo com argumentos de advertencia! Não há causa para isso, havemos de ter vapores, ainda que vá o negocio á Commissão.

O Sr. Costa Cabral: - Eu não tive a honra de Assistir á discussão deste projecto de lei, mas tenho observado que elle ainda não está decidido, e então ainda ha tempo para se fazerem additamentos. Agora a questão é se o additamento se deve já discutir, ou se deve ir a Commissão para ouvir a companhia, os Srs. Deputados, que fallaram sobre a materia, principiaram a metter-nos tantos sustos dizendo que nunca teremos valores, que parece quererem aproveitar-se de taes argumentos para nos obrigar a votar por tudo. Eu respeito muito a opinião dos Srs. Deputados, e desejo tanto como elles que haja vapores, e estou persuadido que o Sr. Barjona tem os mesmos desejos; mas a materia do additamento ao Sr. Barjona é muito importante, e então não se deve já tractar a elle, e deve ser remettido á Commissão para que dê o seu parecer sobre este objecto; não é por uma demora de vinte e quatro horas, que havemos de perder os vapores.

O Sr. M. A. de Vasconcellos: - Foi prevenido sómente direi que isto não é uma condição nova que se vai impor á companhia, porque ella na proposta reconhece a necessidade de responder por aquillo, que prometteu, porque diz a companhia que se obriga, então é preciso saber como se abrigar não se diga que à empreza não vai avante se o não for não é por culpa nossa, que lhe temos concedido tudo o que pediu.

O Sr. Leonel: - O Sr. Deputado author do additamento estava no seu direito apresentando-o, se o Congrego o quer mandar á Commissão, não ha duvida: mas permita-me o Sr. Deputado que lhe diga que se fallou nisto durante a discussão, de que me não recordo, devia fazer as minhas diligencias, que fez agora para se discutir o seu additamento, e peço-lhe o favor de mandar agora para a mesa todas as

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emendas, ou additamentos, que tiver sobre esta materia para irem á Commissão deuma vez, quando não nunca se acaba este negocio o Sr. Deputado entende que faz um grande serviço ao seu paiz em estorvar que haja vapores, elle ha de agradecer lhe, não tenha duvida.

O Sr. Presidente: - Eu devo declarar ao Congresso que o additamento do Sr. Barjona veio para a mesa no fim da discussão, e não houve occasião de ser lido, porque a hora já estava muito adiantada.

O Sr. Valentim dos Santos: - Não sei como se possa dizer que não se querem barcos de vapor!!! Como se sofisma deste modo semelhante discussão! Esses argumentos de terror devem ser excluidos, não ha direito algum de marcar a qualquer Sr. Deputado tempo, ou logar para poder apresentar qualquer emenda, substituição, ou additamento, e em quanto durarem as discussões podem os Srs. Deputados, em qualquer logar que querem, apresentar as suas ideas; logo o Sr. Barjona está no seu direito, querer no meio de uma discussão tirar tal direito, é isin atrentado inaudito, e ainda maior o é semndo se do despreguei argumento, que é nariz de cera para as questões = quem manda additamentos não quer barcos de tapar!!! O que tem a companhia pedido, que nós não lhe tenhamos concedido11 Não lhe concedemos o direito dos cáes por quarenta annos. Examinamos alguma
cousa a respeito desses cáes? Estabelecemos porventura o modo como elles deviam ser construidos? E examinámos tambem se para o futuro viariam a ser úteis á nação Examinamos alguma cousa destas? Nada disto decidiu-se tudo a favor do que a companhia pediu; logo não se pode dizer por principio algum que nós não queremos vapores, pode ser que depois de passados esses quarenta annos já não haja nem um pão nesses cáes; por consequencia não está fora do direito exigir-se da companhia algumas garantias, porque e cousa, que a o Congresso não estabeleceu, logo o Congresso por todos os direitos deve estabelecer uma garantia qualquer, porque não se deve contractar sem haver alguma garantia, que assegure esse contracto, senão marcarmos o tempo, em que essa empresa deve começar, segue-se que póde não principiar senão passados os annos, que quizer, e nós ficamos sem direito de os obrigar a cumprir o contracto, e bem poder contractar com outros, e por tanto sem esses, nem outros vapores senão marcarmos algumas condições para a construção dos cáes na sua generalidade, segue-se que podem faze-los de tabuas telhas, e que acabarão no mesmo praso dos quarenta annos, logo ficaremos sem cães, nem vapores se seguirmos a doutrina rigorosa dos devotos fanaticos desta empresa. Voto por tanto pelo additamento do Sr. Barjona, porque quero vapores, e cáes na realidade.

O Sr. Gorjão Henriques: - Sr. Presidente, eu creio que se tem entrado na discussão da materia...

O Sr. Presidente: - Está em discussão a materia, um Sr. Deputado pediu que fosse a uma Commissão, outros Srs. Deputados impugnara esse requerimento.

O Sr. Gorjão Henriques: - Pois bem, nessa parte pouco tenho a dizer, senão; que maior garantia queremos nós do que aquella da grande despesa, que a companhia vai fazer em comprar vapores, machinas, em construcção de cáes. depois defeitos os quaes é que ella pode começar aperceber os lucros (Apoiado) O Sr. Vasconcellos já disse mui fundamentalmente que a companhia estava muito desanimada, e que estavam resolvidos a não pôr a navegação dos barcos de vapor, e então não venha agora este peditorio das garantias servir talvez de pretexto para dizerem que já não querem tomar conta da empreza.

Sr. Presidente, eu sempre ouvi dizer que o maior inimigo é o official do mesmo officio, e que o maior invejoso é o que tem as mesmas pertenções, e guiado por estes rifões antigos, eu tenho colligido que é necessario não fazer desanimar estes emprehendedores, porque tendo fallado com alguns dos accionistas da actual companhia de vapor, e com os mesmos, que dirigem a economia dessa navegação, todos longe de me dizerem que os novos emprehendedores vão ter lucros de mundos, e fundos, e de tractarem empecer este novo estabelecimento, todos me tem dito que a maior desforra, que elles podem ter, e o maior mal, que se pode causar aos novos emprehendedores, é deixa-los verificar a empreza, porque elles não sabem em que se mettem, pelas grandes despezas a fazer, pela difficuldade, e dispendio, que demanda a navegação, em consequencia da irregularidade das correntes das aguas do Tejo, e muitas outras, e eu accrescento que até porque elles certamente não conhecem o gemo do geral da, população do reino, que quer antes privar-se de certas commodidades, do que pagar qualquer cousa mais, como ha de tambem acontecer com as estradas (Apoiado, apoiado.) Assim, torno a repetir, receio que não venha esta garantia exigida servir-lhe de pretexto para não porem em campo a sua empreza, por tanto peço que se não tracte deste objecto, e que se decida quanto antes esta questão, porque o additamento do Sr. Barjona não tem logar agora nesta occasião voto por tanto contra o additamento.

O Sr. Presidente: - Eu peço attenção aos Srs. Deputados o Sr Barjona propoz que o seu additamento foste a uma Commissão, peço que mande para a mesa esta moção por escripto. (Rumor.) A hora deu por consequencia esta questão fica para ser tractada amanhã na hora da correspondência. A ordem do dia para amanhã é a continuação da discussão da constituição sobre o modo de organisar a segunda camara. Está levantada a sessão.

Eram quatro horas da tarde

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