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SESSÃO DE 11 DE OUTUBRO.

(Presidencia do Sr. Macario de Castro).

ABRIU-SE a Sessão às onze horas e meia da manhã, estando presentes 69 Srs. Deputados.

Leu-se, e approvou-se a acta da Sessão antecedente.

ORDEM DO DIA.

O Sr. Presidente: - Passamos á ordem do dia continua a discussão sobre a organisação da segunda Camara. O Sr. Barjona tem a palavra.

O Sr. Barjona: - O problema da organisação da segunda Camara legislativa tem sido tractado com toda a sabedoria, e eloquencia por muitos illustres oradores; mas é tal a sua extensão, e difficuldade, que ainda se pódem apresentar sobre elle algumas idéas novas. Meu verdadeiro dever seria o limitar-me a estas: entretanto, para fazer dellas uma exposição vantajosa, é forçoso tovar ainda outras, que já occuparam a attenção de meus collegas.

A resolução do problema consiste essencialmente na solução das seguintes questões parciaes: 1.ª quaes devem ser as qualidades dos membros da segunda Camara? 2.ª Quem ha de nomeá-los? 3.ª Qual o melhor methodo da nomeação? 4.ª Convem que o numero dos Senadores seja limitado, ou illimitado? 5.ª Cumpre que este emprego seja amovível, ou inamovivel?

A melhor solução destas questões será aquella, com que a segunda Camara satisfizer mais completamente aos seus fins, ou preencher melhor as funcções, que lhe competem no governo representativo.

Se consultarmos os mais abalisados publicistas, acharemos que são tres as attribuições principaes, oufuncçòes da segunda Camara, a saber: o servir de segunda instancia ás decisões da primeira; estabelecer o equilíbrio entre esta, a o governo; representar as differentes aristocracias da nação.

Que haja um corpo diverso da Camara dos Deputados, em que as decisões della sejam de novo discutidas, e votadas é hoje a vontade de quasi toda a nação, posso affirma-lo. Que é essencial á sustentação do governo representativo um corpo, que mantenha o equilíbrio entre o governo, e a Camara dos Deputados, é um principio, de que só duvidará quem não conhecer o coração humano, ou não tiver meditado um pouco na relação, em que se acham as partes principaes d'um systema constitucional. Agora que é precisa uma corporação sui generis, que represente as diversas aristocracias do paiz, é uma proposição, que ainda está longe de ser geralmente conhecida: todavia a precisão é real, não tanto como fim, mas como uma condição indispensavel á Camara dos Pares, sem a qual lhe falta a tendencia, e a força necessaria para estabelecer o equilibrio, de que é encarregada.

Os publicistas abundam, pela maior parte, destas doutrinas, e alguns de meus sabios companheiros tem-lhes dado tal desenvolvimento, que me reputo dispensado de me deter em demonstra-las; e passo immediatamente á solução das cinco questões parciaes, que tive ha pouco a honra de apresentar.

Sr. Presidente, estou intimamente convencido de que entre nós a unica solução compatível com o estabelecimento, e conservação do governo representativo, deve ser reduzida aos termos seguintes: ninguem seja Senador antes de chegar á idade de quarenta annos; sem ter um rendimento, que o torne independente, e sem pertencer a alguma das diversas aristocracias da nação. O numero dos Senadores ha de ser limitado; mas poderá augmentar-se em circumstancias extraordinarias, as quaes a Constituição marcará. A nomeação dos Senadores ha de ser mixta, isto é, devem ser escohidos pelo Rei d'uma lista triplice votada por collegios eleitores. Os collegios eleitoraes hão de ser formados de individuos d'um censo maior que o dos eleitores dos Deputados. Os Senadores hão de ser vitalicios.

Eis-aqui os principios, que em tal materia possuo ha muitos annos com uma excepção devida ao nosso estado presente. Não é aqui o logar de os demonstrar todos: seguindo o exemplo dos oradores, que me precederam, occupar-me-hei sómente de provar: 1.º que os Senadores devem ser tirados da aristocracia do paiz: 2.º que a eleição não póde deixar de ser mixta: 3.° que o pariato deve ser inamovível. O resto ficará para occasião mais opportuna.

A palavra aristocracia só por si parece que faz estremecer a alguns de meus antagonistas: eu porém peço licença para notar que se acaso se derem ao trabalho de reflectir um pouco sobre a accepção déssa palavra, se fecharem os ouvidos aos clamores do egoismo, e da ambição, todo o horror desapparecerá completamente. Já não é questão da aristocracia de velhos pergaminhos, que desacompanhada d'outros requisitos essenciaes não dá direito algum ao pariato: tracta-se da aristocracia dos títulos, e das condecorações adquiridas por serviços pessoaes, da aristocracia das riquezas, e da aristocracia dos talentos, as quaes tem verdadeiro poder em todos os paizes do mundo. E' verdade que a aristocracia herdada exerce ainda hoje um grande prestigio, principalmente sobre os povos das provincias; mas não póde ter logar no senado, sem que seja revestida d'outras condições indispensaveis. Levadas as cousas a este estado de clareza, devia-se esperar que desapparecessem todas as animosidades contra a aristocracia: todavia não acontece assim, porque o homem orgulhoso não está em estado de avaliar devidamente as cousas, que offendem a sua vaidade; e procura menos cabar sempre tudo o que não tem, e muito estimaria possuir, e ainda o que, não lhe sendo impossivel de alcançar, elle reputa incerto ou tardio. O ambicioso em guerra constante com o que se oppõe a seus fins esforça-se em lançar para fóra da orbita do poder aquelles, que receia lhe venham a diminuir a influencia. (Apoiado.) Uns, e outros esperançados de terem sempre assento na Camara dos Deputados, e de gozarem nella da maior consideração, não soffrem que se crie uma segunda Assembléa, a que não tenham prompto accesso, e que elles reputem mais graduada que a sua. Desenganemo-nos, Srs., ninguem quer descer, e quasi todos desejam subir; e aquelles, que mais ostentam de desprezar a aristocracia, são elles mesmos os maiores aristocratas. (Apoiado.)

Mas que temos nós com uns poucos de homens, cuja mira é sómente o poder, ou o interesse? Que importa ao todo da nação que a Camara dos Pares seja formada de duques, marquezes, condes, barões, professores, juizes, ou advogados? Isto é-lhes totalmente indifferenle, e só póde dar cuidado a meia duzia de ambiciosos. O ponto está em que a Camara seja composta de pessoas daquellas classes, que maiores garantias possam offerecer; e quaes sejam essas classes, é o que agora passamos a investigar.

Se a Camara dos Senadores fosse formada da mesma sorte, que a dos Deputados; se a sua totalidade, ou quasi totalidade se compozesse das classes medias da nação, seria muito menos própria para emendar as decisões injustas, ou inconsideradas dos Deputados: pois sendo formada dos mesmos elementos devia ser affectada dos mesmos vícios, e influída pelas mesmas facções; e no caso de collisão entre o governo, e a primeira Camara, actuaria as mais das vezes com ella no mesmo sentido. Cumpre conseguintemente que seja composta de pessoas escolhidas dentro das classes mais elevadas: além de que, só compondo-se de homens d'uma tal graduação, reunirá as condições indispensaveis ás altas funcções a seu cargo. Com effeito, os homens pertencentes ás classes mais elevadas pouco ou nada tem a que aspirar na ordem social: os das classes medias, pelo contrario, hão de quasi
todos procurar subir o caminho, que lhes falta; e por este

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unico motivo ficam n'uma certa dependencia, de que os outros são isentos. Isto é exactamente o que se observa por toda a parte. (Apoiado.) As pessoas que, por gozarem de certa proeminencia, compõe uma corporação distincta, que lhes da prerogativas importantes, hão da necessariamente empanhar-se na conservação das leis politicas, e civis do estado com o fim de conservarem todas casas prerogattvas, e a preeminencia que lhes competem os individuos das classes medias não tem o mesmo interesse. Aqui não posso prescindir de chamar a ettenção do meus illustres companheiros sobre uma grande maxima politica, da qual estou profundamente convencido, a saber que a maior garantia da conservação d'um systema politico está em os homens que o dirigem ser os primeiros interessados na conservarão delle. (Apoiado, apelado.)

De mais, as decisões d'uma Camara desta sorte organisada hão de infallivelmente ser respeitadas, e de bom grado obedecidas pela nação, isto é tanto mais verdadeiro quanto se acha fundado nos antigos habitos dos povos, os quaes mais difficultosamente reconheceriam superioridade nas deliberações do homens, que nunca haviam reputado superiores. Esta e constantemente a marcha do espirito humano nós não podemos muda-lo á medida do nosso desejo, devemos suppôr os homens taes, como elles na realidade são!

Senão dessemos o direito de governo as pessoas, que de facto governam, a consequencia seria que ellas, atacando de continuo o direito, embaraçariam a marcha do systema representativo, e acabariam por derruba-lo. Srs., eu não
Fantasio! Não faço mais do que traduzir muito em resumo a historia de todos os tempos, e da todos os togares, se os homens de 1820 não tivessem tão indiscreta, e precipitadamente atacado as prerogativas de todas as classes do estado, com especialidade o claro e a nobresa, a sua obra não seria do facilmente destruida!

Um so regimento insubordinando se bastou para desfazer ate aos ultimos alicerces um edifficio, em que se trabalhava incessantemente havia perto de tres annos!

Para nada encapar a maus illustres adversarios, tem-se ainda recorrido ao principio de igualdade o tem-se combatido para espirito de classe que te imagina, produzira grandes males a camara do senadores tal qual eu a proponho.

Mas em que parte das sociedades civia querem encontrar verdadeira igualdade, que não seja perante a lei O reato é meramante cerebrmo Pelo que toca ao espirito de classe, é facil de ver que elle ha do existir em muito menor grau na camara dos senadores, do que na maior parte das corporações respeitáveis do estado. Não tem duvida alguma, a camara dos senadores deve ser composta de pessoas de muitas e differentes corporações, e cada uma daquellas pessoas, quando houver entrado na camara, ha de ter pelo menos quarenta annos d'idade note-se isto bem. Na corporação ecclesiastica v. g. accontece o contrario, seus membros só por accidente pertencem a outra classe, entrão ahi mui cedo, e desde a mais tenra idade começam a habilitar-se para ella. Accontece o mesmo no corpo dos juizes, no da officialidade do evercito, no da armada, nas corporações scientificas etc: os membros de cada uma destas corporações são estranhos a todas aã mais, excepto um ou outro indivíduo accidentalmente, sua admissão tem logar na juventude, e é constantemente precedida dum noviciado mais ou menos longo, e nenhuma destas três circumstancias, que tanto concorrem para a formação do espirito de classe, tem logar na camara dos senadores.

Se do lado da publica utilidade nos voltamos para a justiça, encontramos novos fundamentos da opinião, que sustentamos. Aquelle, que herdou de seus antepassados titulos de nobreza, se é dotado de virtudes, de conhecimentos, e de meios de sustentação proporcionaes á sua herarchia, e alem disso mostrou adhesão ao systema representativo, ou lhe prestou serviços relevantes, tem um direito incontestavel ao pariato. Pois é forçoso que lenha no coração a virtude, e a liberdade aquelle, que ama uma forma de governo, que o privou das vantagens que possuia no governo absoluto.

Aquelle, que adquiriu titulos, e condecorações por serviços pessoaes, mostra por esses mesmos serviços o seu patriotismo, e o quanto ha de tomar a peito o
bem-estar de seus concidadãos, e é credor da confiança publica. O grande proprietario tem, caeleris paribus, mais direito que ninguem a influir no regimen da nação, pois que a ninguem toca mais de perto a conservação inalteravel dos direitos civis do homem, especialmente o de propriedade Finalmente se ao homem que ornado de qualidades intellectuaes superiores tem consumido a maior parte da vida em aprender conhecimentos uteis á sua patria, se reunem as qualidades moraes, e a independência necessaria, a este, digo eu, é devida a opinião de excellente legislador. Em summa, Sr. Presidente, as pessoas pertencentes as diversas classes da aristocracia da sociedade, e que nella gozam d'um verdadeiro poder, isto é, a aristocracia dos titulos e das condecorações, a das riquezas, e a dos talentos, tem um direito inquestionavel á confiança publica, e a influir nos destinos da patria, mais que nenhum outro de seus concidadãos. (Apoiados).

Tenho provado que das classes á aristocracia devem ser escolhidos os membros do senado segue-se immediatamente o decidir, quem é que ha de fazer esta escolha.

Se os pares fossem hereditarios não me opporia eu a que fossem nomeados pelo Rei, e em numero indeterminado, ao menos não sinto n'aquella hypothese uma igual repugnancia a nomeação real. Sendo porem vitalicio, não é o negocio tão liquido, e eu pela minha parte acho-lhe um inconveniente grave, que talvez ninguem saiba desvanecer.

É certo que o senador, mormente depois de certa idade, ha de ambicionar, com preferencia a tudo, o ver seu filho tambem no mesmo emprego e então esta no poder do Rei um meio fácil de seducção, e de acabar com a independencia do senador. Convir-se ha nisto sem difficuldade, se não se desconhecer o que é o homem , qual a força do amor paternal, e que naquelle caso o proprio filho, a esposa, os parentes, e os amigos conspiram todos para o mesmo resultado. (Apoiado.) Nos ultimos tempos da vida e proprio daquelle que se acha numa altajerarchia o desejar ver continuadas na sua descendencia as dignidades que o ornam; parece até que vendo proxima uma anniquilação, que lhe é impossivel evitar, se esforça em se perpetuar com todo o esplendor, ao menos naquella parte de seu proprio ser. O risco e mui grande, Sr. Presidente, por tanto faltariamos ao nosso dever, se não procurassemos evita-lo.

Na época, em que vivemos ainda a nomeação simples do Rei está sujeita a maiores inconvenientes do que em tempos ordinarios, não me demorarei em os referir, porque são reconhecidos por todos, e já foram remediados em parte pela Commissão.

Uma segunda camara de eleição pura do povo tambem não póde corresponder aos importantes fins, a que é destinada, lá não fallo dos tempos actuaes, em que a uma representa muitas vezes apenas um partido, o que não admira em presença das leis deleições que temos todas viciosas, e do numero de facções, que desgraçadamente dividem o paiz quero sómente fallar dos tempos posteriores e ordinários. Então mesmo poderia acontecer com frequencia, se os senadores fossem de simples eleição popular, que muitos não fossem nomeados senão pela influencia de homens poderosos e intrigantes das respectivas localidades (apoiado, apoiado): succedera até por mais d'uma vez que a maioria da camara representasse uma facção temporariamente dominante e quem poderá duvida-lo? Quantos exemplos nos não fornece a historia em prova desta minha asserção? A faculdade de dissolver a camara dos Deputados, não foi dada ao Rei, senão para remediar males semelhantes. E se uma camara de pares, ou a maioria delles fosse mal escolhida, se não repre-

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sentasse a nação, mas um partido exclusivamente, não sendo possivel dissolve-la, e sendo ella vitalicia, ou d'uma duração maior que a dos Deputados, como atalhar as desgraçadas consequencias de tal acontecimento, como, Sr. Presidente? De modo nenhum.

Se quizermos conhecer a fundo o que podem os partidos em materia d'eleições, examinemos o que se passa em muitos municipios em as nomeações dos vereadores, dos administradores, dos juizes ordinarios etc. Isto é o que tem logar em tempos extraordinarios para sabermos o que pode acontecer num estado mais ou menos proximo ao normal, consultemos a historia d'antiga Roma, e então veremos quantas vezes os Romanos, cuidando eleger um tribuno que zelozamente defendesse os interesses populares, nomeavam effectivamente um verdadeiro egoista ou traidor? Isto são factos sabidos de todos, e eu abusaria d'attenção de meus illustres collegas, se intentasse descreve-los. Srs., só uma nomeação mixta, só a fiscalisação reciproca do povo, por meio d'um collega eleitoral bem organisado, e do Rei com o Ministerio responsavel podem d'algum modo assegurar-nos a boa nomeação do senado, os argumentos são palpaveis, accumular ainda outras provas, seria empenhar-me em demonstrar um assumpto que já quando eu tomei a palavra se achava sobejamente discutido por alguns de meus illustres collegas.

Estamos chegados a questão mais delicada, aquella que tem sido mais debatida por um e outro lado, a saber, se o emprego do senador ha de ser amovivel ou inamovivel. Em minha opinião um senado amovivel não tem a necessaria independencia.

Não se tracta d'um Senado amovivel nomeado pelo Rei, mas escolhido pela nação, e supponho demonstrado pela experiencia diaria - que a primeira ambição do Senador é a da sua reeleição, se o contrario disto acontecer, ou o Senador é indigno do logar que occupa, ou mal vai ao systema representativo! Fóra desta alternativa as excepções não podem ser frequentes. E sendo certo, como agora tive occasião de ponderar, que em muitos distinctos as eleições são as vezes feitas, não pelo povo livremente, mas pelo predominio de certos homens desmoralisados, os quaes nunca deixam de ter injustas pertenções de duas cousas se ha de seguir uma, ou o Senador ha de faltar ao seu dever, ou arriscar-se a não ser reeleito o mesmo póde verificar-se em differentes distritos, e até em toda a nação, pela influencia de homens prepotentes, de certas familias, ou corporações tambem acontece ás vezes vogarem opiniões, que apesar de serem oppostas aos interesses do povo, este por fascinado as deseja ver sustentadas e então o homem conhecedor, e consciencioso é quasi sempre excluido da uma eleitoral. Talvez que tudo isto pareça puramente ideal a alguns homens pouco observadores mas oxalá que não fosse tão exacto como desgraçadamente é! Quantas vezes não temos nós visto em o nosso pequeno Portugal o mesmo homem ora adorado, ora aborrecido pela grande maioria do povo? Qual d'entre nós desconhece o que neste sentido se tem passado até na mesma Inglaterra, desde que principiou a reforma? Pôr em duvida verdades semelhantes é querer duvidar de factos acontecidos a vista de todo o mundo. De mais, pergunto eu, não pode ate o governo influir na uma eleitoral, e desviar della o homem, que tem achado pouco docil? Quem o duvida? Sr. Presidente, é fora de duvida que não ha Senado independente sem que seja vitalicio. (Apoiado) Sei que póde objectar-se que todos os mencionados inconvenientes se verificam na primeira camara, é verdade; porém a camara dos Deputados pode ser dissolvida quando não satisfaça ás precisões do paiz, e além disto, já que não é possivel evitar tamanhos males num dos corpos legislativos, procure-se que não tenham logar em ambos, que ao menos um delles seja independente do povo, e do Rei.

A falta d'independencia d'um Senado electivo, e temporario, a respeito de seus eleitores, não é o unico defeito que immediatamente se lhe encontra. A duração do emprego da força em proporção: todos nós temos ouvido por vezes - não me importa o vereador, porque antes d'um anno ha de elle estar um homem em tudo semelhante a mim. - Como querem meus illustres antagonistas que um Senado desta guisa possa convenientemente velar na guarda da Constituição, e das leis, e fazer effectiva a responsabilidade desempregados publicos de todas as graduações? Que resultado se espera, maximé, em presença de tantos corpos respeitaveis inamoviveis, como são o poder judicial, as authoridades ecclesiasticas, a officialidade do exercito, d'armada, etc.?

Eu sei que se costumam combater estas idéas, dizendo-se - que um corpo d'eleição popular tem a maior energia possivel, por isso que representa a força da nação, exprime a somma de todas as vontades, e promove todos os interesses: e que é em consequencia disto mesmo que a camara dos Deputados é o corpo mais forte de qualquer nação. É certo que um corpo d'eleição popular, como a camara dos Deputados, e dotado de toda essa força em tempos de revolução e em certas circumstancias especiaes porem não duvido asseverar que afora casos semelhantes não terá a maior vantagem quando combater com outras corporações inamoviveis, revendas d'attribuições importantes, e que estejam firmadas nos antigos usos da nação. Eis o que sustento, e peço a meus nobres adversarios que observem, e reflictam bem, e depois tractem de responder. (Apoiado.) Só um corpo legislativo composto de duas camaras, uma electiva, e temporaria, outra vitalicia, poderá exercer devidamente as suas altas funcções. A primeira sempre tendente ao progresso actua com vivacidade, e ás vezes com violencia, a outra mais vagarosa, porém firme, não esgota jamais a força que lhe é propria, ao mesmo tempo que a primeira consumiria toda a sua actividade, ou se precipitaria, se a segunda a não detivesse no meio da sua marcha por este lado, bem como por infinitos outros, o mundo phisico e o moral ajustam-se perfeitamente.

Apresentaram-se já nesta discussão algumas outras reflexões que, a meu ver, tornam inexequivel a opinião de meus adversarios, mas não obstante, tão fortes são ellas, que não posso prescindir de as tocar de passagem. Visto que se insiste em repetir os mesmos argumentos, é forçoso que se combatam com aquelles objecções, que se reputam mais proprias. Pergunta-se primo - onde havemos de ir achar homens constituctonaes com teres, e com as outras qualidades indispensaveis, para tantos empregos electivos? Secundo hão de os Senadores receber subsidio pecuniario? Tertiò: no caso affirmativo, devendo esse subsidio ser maior que o dos Deputados, poderá a nação com tal accrescimo de despeza? Quartò: não recebemos gratificação alguma, encontrar-se-hão muitos homens, que se sujeitem a vir ter tanto trabalho, a fazer tão grandes despezas, e a tomar sobre si tão forte responsabilidade, para no fim dum certo praso voltarem para suas casas no mesmo estado, em que se achavam antes d'eleitos Senadores? Em ultimo logar: se é tão conveniente um Senado electivo e temporario, por que não querem meus illustres antagonistas que os juizes sejam tambem electivos e temporarios não se já por ventura tão saliente contradicção? Tem se sustentado sempre que es juizes devem ser vitalicios, e de nomeação real, porque só estas duas condições podem dar ao poder judicial as garantias, de que a sociedade necessita; e porque se não pensa da mesma sorte a respeito dos Senadores?

Os defensores do Senado amovivel pendam que tem respondido triunfantemente a esta ultima objecção dizendo. - os juizes são responsaveis, e os Senadores não: e é sobre isto mesmo que eu desejo toda a attenção do Congresso.

Creio que fallando-se de responsabilidade se entende a legal, por isso que a moral pésa indubitavelmente muito mais

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sobre o Senado, que sobre o poder judicial. A camara dos Pares tem quasi sempre muito maior numero d'ouvintes, que os tribunaes, a imprensa occupa-se incomparavelmente mais dos corpos legislativos, que do poder judicial, as decisões das Côrtes tocam quasi sempre a muito maior numero de pessoas que as dos juizes. Em quanto a responsabilidade legal é certo que ella é nulla nos membros dos corpos legislativos, e se acha decretada para os do poder judicial porém cumpre-nos confessar que em tal objecto, a lei é, e ha de ser em todos os tempos illudida com rarissimas excepções.

Que a lei da responsabilidade dos juizes é no tempo actual constantemente illudida, ninguém ousará pôr em duvida. Todos tem noticia de factos arbitrarios, e manifestamente oppostos às leis praticados por jui7es, e com tudo ninguem será tão feliz, que possa citar-me um caso em que essa gabada lei da responsabilidade fosse devidamente executada. (Apoiado).

De mais, examinemos o codigo do processo que ha poucos mezes foi approvado pela maioria d'este Congresso, e reconhecer-se-ha facilmente que a responsabilidade legal dos juizes é uma bem insignificante garantia. Não exaggero, o juiz que atacar a lei, cuja execução lhe incumbe, ha de ser julgado por seus collegas, e não se ignora o espirito de classe que domina os individuos de semelhante corporação, espirito que é hoje mui geralmente considerado ainda superior ao dos corpos ecclesiastico e militar. E no caso d'absolvição injusta do juiz accusado, quem tem de julgar a estes máos julgadores? Outros membros do poder judicial; de sorte que nos achamos sempre involvidos num circulo vicioso. (Apoiado)

Ao menos no Senado verifica-se as mais das vezes o contrario, suas decisões injustas podem, no maior numero de casos, ser de todos remediadas por uma de duas authoridades diversas della, o governo, e a camara dos Deputados.

Tomemos porém a questão na sua maior generalidade, olhemo-la por todos os lados, profundemo-la em todas as hypothesis, e seremos levados a concluir - que a responsabilidade legal dos juizes é um meio bem insufficiente, e bem precario! Sr. Presidente, a consequencia não é minha, é d'um jurisconsulto talvez o mais philosopho de nossos dias. Suas proprias palavras, sem as traduzir, são as seguintes: - la responsabilité est un moyen bien insuffisant e bien precaire. - São innumeraveis, continua elle, as occasiões em que um juiz pode fazer mal, e muito mal, sem que as injustiças deixem depois de si traços assaz visiveis, para serem susceptiveis de provas, destas provas assaz fortes para produzirem o castigo do culpado, e em quantos casos seria necessario deixar a má fé impunida com medo de punir um erro innocente, ou uma falta digna de desculpa? A censura publica vai mais longe Senhores, penso não dever progredir na opposição das idéas deste celebre escritor, o que tenho repetido é bastante , para se conhecer quanta possibilidade tem os juizes na maior parte dos casos d'illudirem a responsabilidade legal, ainda dentro dos termos da decencia. Mas se o tribunal superior judicial, applicando a lei da responsabilidade, proferisse uma sentença escandalosamente injusta, que remedio? Desgraçados os povos, se a maioria de seus juizes não possuirem rectidão, pudor, ou não ambicionassem a publica estima, isto é, se não influisse poderosamente sobre elles a responsabilidade moral!

Finalmente apresentarei um argumento de simples observação, a que jamais se poderá responder: - não ha corporação mais justa, do que a camara dos Lords d'Inglaterra, quando constituida em tribunal de justiça. Nesta verdade concordam todos os jurisconsultos inglezes, e todos os viajantes sensatos, e de boa fé que tem observado aquelle paiz.

Uma corporação composta de homens, pela sua idade fóra do fogo das paixões, já verdadeiramente ezperimentadas independentes por seus teres, que tem dado decididas provas de intelligencia, moralidade, e adhesão aos principios liberaes, e que são verdadeiramente interessados na conservação do systema governativo de que formam uma parte essencial, comprehende toda a perfeição possivel em cousas humanas. O caso esta em serem nomeados por quem os escolha com escrupulo, e com um cabal conhecimento da materia, a fim de que reunam todas as referidas condições porém sendo escolhidos pelo Rei com um ministro responsavel d'uma lista triplice votada por collegios eleitoraes respeitaveis, offerecem as maiores garantias (Apoiado.) Pódem mudar, tem dito alguns illustres oradores é verdade que alguns Senadores assim nomeados podem mudar; mas é impossivel moralmente que mude a maior parte delles. E para que hão de mudar os membros d'uma corporação tal? Para arriscarem o seu socego, a sua propriedade, e a existencia d'um systema de que formam o elemento mais importante? Não é possivel, entretanto convém descer a uma analyse mais miuda.

Que males póde fazer uma segunda Camara? Tomar deliberações prejudiciaes? Não, porque a Camara dos Deputados, ou o Governo póde rejeita-las. O unico mal, que pode fazer uma Camara semelhante, é rejeitar algum projecto util, que lhe seja enviado pela primeira. Entretanto este mal é mui pequeno em comparação dos importantes beneficios que pode prestar, obstando a que sejam reduzidos a lei uma infinidade de projectos nocivos. Com effeito a Camara dos Deputados, ou um Senado de organisação semelhante, tem uma tendencia constante para fazer novas leis, e para o progresso rapido, ao mesmo tempo que bem definidas as garantias, e decretadas todas as reformas no sentido o mais liberal, é absolutamente indispensavel que não se faça lei alguma senão as que forem necessarias, e reclamadas pela opinião publica, e vê-se que estas não serão rejeitadas por uma Camara de Pares, como eu proponho, senão quando se atacarem as prerogativas de seus Membros, e ainda assim desapparecerá toda a resistencia, logo que a opinião publica altamente reclame semelhantes medidas. (Apoiado)

Esta doutrina geral tem uma rigorosa applicação ao nosso estado presente. As garantias individuaes já se acham por nos decretadas, as duas dictaduras publicaram uma infinidade de leis, que pela maior parte são excessivamente liberaes, consideradas politicamente, porém que o são mui pouco pelo lado civil, isto é, garantem muito imperfeitamente os direitos civis é portanto indispensavel que sejam reformadas quanto antes, a fim de que os portuguezes gozem de maior segurança pessoal, maior liberdade individual, e mais amplo direito de propriedade. Se esta é a nossa maior precisão actualmente, é claro que uma Camara de Pares tal, qual tenho a honra de propor, é a que póde convir-nos. Um Senado constituido semelhantemente á Camara dos Deputados, tenderia constantemente para o progresso, e para o liberalismo, e serviria só para alimentar cada dia mais a desordem em que nos achamos. E se por casualidade o ministerio influisse na eleição, poderia bem acontecer que o Senado não fosse mais que mero executor da vontade do poder executivo.

Se nós pelo contrario necessitassemos hoje de leis politicamente mais liberaes, ou ainda se nos conviesse dar uma maior amplidão aos direitos civis de cada um dos portuguezes, poder-se-ia recear que a segunda Camara causasse algum embaraço, organisada conforme os meus principios, rejeitando as medidas de progresso que a outra lhe enviasse comtudo ainda assim as viria a adoptar, se ellas fossem realmente uteis, logo que a opinião publica as approvasse, e exigisse dum modo enérgico. Não foi de outra maneira que a Camara dos Lords de Inglaterra, corpo muito mais estacionario do que o póde ser qualquer Senado, que nós estabeleçamos, depois de se haver opposto por tanto tempo á emancipação dos catholicos, a reforma eleitoral etc., os veio por fim a approvar. (Apoiado.)

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Façamos esta doutrina sensivel com um exemplo.

Concorda-se geralmente em que o jury, que é de todas as instituições politicas a melhor, não offerece no estado em que se acha as sufficientes garantias por falta de instrucção e independencia nas pessoas que o compõe, e que é absolutamente indispensavel e augmentar-lhes o censo, e ordenar-se que ninguem possa ser jurado sem saber ler, escrever, e contar perfeitamente e pois manifesto que uma Camara de Pares formada como eu proponho tem o maior interesse nesta reforma, por isso que e a mais interessada no socego, na ordem, e no respeito a propriedade de cada um, conseguintemente approvada de uma boa vontade todo o projecto que a primeira Camara lhe enviasse em tal sentido. Se ao contrario os Deputados approvassem um projecto, em que todo o mundo podesse ser jurado independente de censo, os Senadores não o approvanam, porém é isto exactamente o que mais deseja e precisa a nação.

Da mesma sorte, se a primeira Camara remettesse a segunda um projecto, em que se exigisse maior censo para o emprego de juiz ordinario, juiz de paz, vereador etc., não seria elle reprovado peles Senadores pelas mesmas razões já indicadas, mas e igualmente aquella reforma uma das que necessitamos. Em summa, um desejo domina hoje a todos os portuguezes sensatos, e de boa fé, que se restrinjão um pouco alguns dos direitos politicos, para que se assegurem melhor os direitos, civis. (Apoiado.) Que importa a nação, que o direito de escolher seus Deputados pertença a um milhão, ou só a meio milhão de individuos? O que lhe interessa é, que aquelle direito senão conceda senão a quem for capaz de os encolher bons (Apoiado, apoiado.) Os direitos politicos, não me enfado de o repetir, não são o fim das sociedades civis o fim das sociedades são os direitos civis, a segurança pessoal, a liberdade individual, e a propriedade real.

Os defensores do Senado electivo e temporario tem recorrido aos exemplos da Belgica, da Hespanha, e dos Estados Unidos, e os que sustentam os meus principios tem-se apoiado no exemplo de Inglaterra, e da franca; e cada um se persuade ter a razão pela sua parte; mas não será difficil de provar, de que lado ella está. Se eu não tivesse sido jámais extenso, do que era de minha intenção, e se não temesse fatigar a attenção de meus illustres collegas; apresentaria algumas reflexões a respeito de Hespanha, e muito mais ácerca da Belgica. Relativamente aos Estados Unidos perguntarei a meus sabios opponentes seria mui regular um Senado vitalicio com o poder executivo temporario? (Apoiado) Que força teria o executivo em comparação da segunda Camara? Ácerca de França disse um Sr. Deputado do outro lado da casa que não obstante o pareato vitalicio, Luiz Filippe tem estado sempre com o alfange na mão, perdoe-me o Sr. Deputado, alem de ser a sua expressão bastante exaggerada, atrevo-me a affirmar que aquella Camara vitalicia é um dos principaes motivos, por que Luiz Filippe ainda governa, a França, e aquelle paiz não tem soffrido uma outra revolução. Finalmente onde devemos ir buscar exemplos, a instituições de dous dias, taes como as de Hespanha, e as da Belgica, ou ás antigas instituições provadas pela duração dos annos, como as de Inglaterra? Naquella ilha goza-se a maior liberdade civil. E não se duvide disto! Aos incredules dizer eu com De Lolme come and sce, anda ver.

Tenho, Sr Presidente, procurado sustentar a minha opinião, porque me sinto profundamente convencido della, e reconheço que o assumpto é gravissimo. Só um Senado vitalicio nos poderá assegurar ordem e verdadeira liberdade d'um Senado electivo e temporario, é muito de temer que resulte a continuação da desordem, e o predominio das facções.

O Sr Pinto Borges: - A importancia da materia me obrigou a pedir a palavra, por entender que não bastava dar um voto silencioso, e que era necessario explicar a minha opinião, não tomarei tempo ao Congresso, e principiarei por dizer com franqueza, e convicção que voto para que a camara dos senadores seja electiva, e temporaria.

E' um principio inquestionavel, que sem eleição não pode haver representação, e que o poder de fazer as leis pertence ao poso, o qual o exerce pelos seus representantes; logo para legislar é necessario ser eleito pelo povo, e por tanto uma camara, que não é escolhida pela nação, não pode representa-la.

Um corpo legislativo, que não é o orgão da vontade nacional, não representa o povo. porque representar uma classe distincta não é representação os interesses nacionaes são representados, quando todas as classes são comprehendidas logo para uma camara fazer parte do poder legislativo, é necessario que tenha origem popular.

Uma camara nomeada pelo rei não representa a nação, porque as influencias ministeriaes podem inculcar a corôa os que mais lhes convierem, e não os que a nação escolheria, e por tanto é só pela urna, que se pode obter a expressão nacional, porque aquillo que não e da escolha do povo não pode ser a expressão da sua vontade.

Com estes principios estão combinados todos os interesses nacionaes, porque quando na camara dos deputados se tractam os negocios em detalhe, na camara dos senadoras, composta das summidades de todas as classes, os negocios em grande são examinados, e discutidos, e obtido o acorde social apparece a unidade de todos os interesses nacionaes.

E' neste corpo, assim organisado, que a nação tem mais confiança, porque nelle encontra a experiencia dos negocios, a independencia, e o interesse de agradar em todos os actos legislativos pelo desejo da re-eleição (Apoiado.)

Provado o principio da eleição popular, segue se mostrar que a camara dos senadores deve ser temporaria. E' um axioma em direito publico constitucional, que o povo não tem garantias, quando os corpos representativos não são renovados, logo a renovação para as camaras é uma qualidade essencial, que lhe deve ser inherente, porque dada a certeza de uma missão indefinida é certo o desleixo, e o abandono dos deveres de cada um dos seus membros.

A representação nacional deve ser temporaria, porque assim como as necessidades publicas variam a cada momento, assim deve variar o mandato, que a nação da aos seus procuradores, não só para obter pela uma a opinião nacional dominante, como para se não verificar uma alienação de soberania, o que aconteceria com uma representação permanente, e como o povo não aliena, mas delega, esta delegação é com reserva para recorrer a urna, logo que entenda que os seus interesses devem ser representados.

Uma camara vitalicia seria inimiga d'inovações proveitosas, e timida, e não daria harmonia entre dons corpos de origens diversas, porque quando a camara dos deputados estivesse cheia de todos os elementos de interesse publico, e da bem entendida reforma, a camara dos senadores caminhando para a decrepitude seria estacionaria, e immovel no meio do movimento social.

A tarefa de legislar não deve ser vitalicia, porque assim como é facil perder-se a confiança publica, a nação lhe deve ser possivel mostrar pela uma a sua desapprovação.

Sr. Presidente, é so com esta organisação de duas camaras electivas, e temporarias, que os principios democraticos, e monarchicos estão perfeitamente de acordo, porque e assim que se combina o direito do povo com as prerogativas reaes, e se obtem uma garantia reciproca, representando-se os interesses da corôa, que devem ser os da nação.

Resta-me responder aos argumentos de alguns Srs. Deputados.

Argumentou-se com a inamovibilidade dos juizes para a dos senadores, eu peço aos Srs. Deputados que ponderem as funcções circunscriptas de nus, e a tarefa transcendente,

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e illimitada dos outros: nos juizes marcada a responsabilidade, e os limites das suas obrigações, e nos Senadores consignado o principio na não responsabilidade das suas opiniões em todos os seus actos legislativos; peço mais que attendam que se vai dar inamovibilidade a um corpo, cujas funcções andam a par das opiniões, e necessidades publicas, habitos, e circumstancias politicas do povo, que são por sua natureza mudaveis; por tanto entendo que o argumento de paridade não tem logar, e que o perigo da inamovibilidade, que se encontra nos Senadores, não se dá nos juizes.

Disse-se que é necessario que a camara dos Senadores seja vitalicia, e de formação heterogenea para defender a corôa do povo, e para ter independencia. Sr. Presidente, o povo portuguez não está em guerra com a corôa, os seus interesses estão com ella identificados, e por tanto se os interesses publicos, e da corôa são homogeneos, para que é necessario que hajam corpos com origens diversas, e um delles heterogeneo? A sua independencia não existe porque o desejo da deixar este legado aos seus successores faz que os membros de uma camara vitalicia sejam mais sujeitos ao poder, do que acamara de Senadores temporaria, a qual tem nas suas virtudes, e desempenho dos seus deveres o direito a re-eleição, e por tanto se a nação os re-elege lhes faz justiça, e por consequencia a sua independencia.

Tem-se querido provar que é inutil uma segunda camara pelo methodo da primeira; é o contrario o que eu entendo, porque vejo a maior utilidade em que as questões sejam tractadas com madureza, e vistas por todos os lados em detalhe, e em grande, segundo as condições de cada um dos representantes.

Lembrou um Sr. Deputado que esta eleição pela corôa podia sujeitar-se a um processo com a dependencia da approvação dos Deputados; é mais um outro methodo de voltar á origem popular, e fazer a camara dos Senadores dependente de uma approvação, que podia ter obtido da uma eleitoral; por tanto entendo que é contra producentem.

Disse se que uma camara de nomeação real da mais força ao throno: eu entendo que não, porque nenhum corpo pode dar mais força ao throno do que aquelle, que é a expressão da mesma nação.

Tem-se querido provar que uma camara de Senadores nomeada pelo rei pode servir de mediadora entre a corôa, e o povo; entendo, Sr. Presidente, que não é possivel, porque não pode servir de mediador um corpo heterogeneo a uma das partes, cujos interesses são tão diversos.

Disse-se que na Hespanha a urna eleitoral tem dado aquellas notabilidades, que a corôa escolheria; mais um argumento a favor da urna, e da inutilidade da ingerencia real, e por consequencia uma prova da que pela eleição popular se podem obter aquelles representantes de todas as condições, que podem fazer uma completa representação nacional.

Produziram-se argumentos contra acamara temporaria da Belgica; parece-me, Sr. Presidente, que as circumstancias deste paiz são muito diversas das nossas, e que o poder theocratico, que tanta influencia tem na Belgica, tem pouca força entre nós, e é mais um argumento contra todos os corpos privilegiados.

Apontou-se a Inglaterra para exemplo, e não se deu attenção á differença, que existe entre a nossa aristocracia, e a ingleza, entre os seus costumes, e os nossos, os seus habitos, e mais circumstancias, que lhe são particulares.

Agora para concluir o meu discurso, perguntarei que remedio temos para uma camara vitalicia, que não corresponda aos interesses, e desejos nacionaes? (Apoiado.) Entendo que nenhum, que seja suave, e tranquillo; e como é possivel evitar todos estes inconvenientes, aproveito o meio, e por isso voto por uma camara de Senadores electiva, e temporaria. (Apoiado, apoiado)

O Sr. Pereira Vera: - Sr. Presidente, não me levanto para entrar na materia, nem para combater argumentos, porque seria a maior das temeridadas se tal cucasse, levanto-me tão sómente para declarar o meu voto.

Voto, Sr. Presidente, por uma segunda camara electiva pura, e temporaria, porque estou convencido que só assim, pode concorrer para a felecidade do paiz, mas porque tambem entendo que não posso votar de outra maneira.

Sr. Presidente, que jurei eu, e que jurou a nação? A Constituição de 22 com modificações. Que reconheceu a nação com esse juramento? O principio vital da soberania nacional: logo tudo o que não partir deste principio não o posso votar.

Uma segunda Camara de nomeação regia e vitalicia, não provém deste principio, logo não posso, nem devo votar por ella, salvo se essa segunda camara não tiver ingerencia na factura das leis.

Nós somos uns verdadeiros delegados da nação, e por isso não podemos delegar em terceiros os direitos que não temos.

E' á nação que compete o nomear os seus representantes, a segunda camara é representante da nação , logo deve por ella ser nomiada.

Não posso votar por ella vitalicia, porque a supponho peor do que hereditaria; e como a nação já por duas vezes se oppoz a segunda camara hereditaria, não devo concorrer para que se opponha ao peor, a vitalicia: e mesmo porque a supponho com menos estabilidade, porque ella ha de ser composta de homens; estes são sujeitos a corromperem-se; e então o meio que resta a nação para se desfazer dessa segunda camara é uma revolução, e sendo electiva e temporaria, se todos ou parte de seus membros forem máos, lá está a urna para se remediar esse mal.

Contra isto só se me póde oppor o meu diploma, porém eu não sou tão supersticioso que o entenda á letra, pois que tudo o que não for constituição de 22 com modificações accidentaes, e tudo o mais que for a bem geral da nação, o supponho palavras tabalioas mandadas escrever por um Ministro, que não tinha fechada na sua mão a vontade geral da nação, por um Ministro que de alguma maneira trahiu essa mesma nação com a secreta transacção feita nos dias de Novembro, a qual se deveu essa guerra que a pouco nos assolou.

Concluo como principiei votando por uma segunda camara electiva, pura, e temporaria.

O Sr. J. J. Pinto: - Sr. Presidente, a patria e patriotismo, ou são nomes vãos, ou pelo menos de equivoca significação, todos se arrogam este nome pomposo, e poucos são delle dignos, dá-se porém este merecimento nos illustres Deputados, que compõe este Congresso, apezar da differença das opiniões, que os dividem em politica: a cada um paresse melhor o seu systema, e o unico que póde salvar a patria, e daqui vem as tres opiniões principaes que tem vogado ácerca da formação da segunda camara; todas ellas tem sido combatidas por seus illustres adversarios, e cão na verdade combativeis, porque em politica especulativa não ha dous escriptores plenamente conformes, e mesmo a pratica é differente, segundo differem as posições das nações em relação umas ás outras, e as differentes phases, por que cada uma internamente passa a respeito dos costumes, moral, instrucção publica, e riquezas nacionaes.

A minha opinião Sr. Presidente, que já tive a honra de emittir neste Congresso, quando pela primeira vez fallei sobre esta matéria, é que a segunda camara deve ser vitalicia, tendo parte na sua eleição o Rei e o povo, julgo a mais combinavel com as duas extremas; e a perseverança em que estão os que as seguem, segundo mostra a discussão, não tem feito senão confirmar-me mais no meu juizo.

O mais forte argumento, em apparencia, que se tem apresentado para mostrar que o Rei não deve ter parte na eleição dos Senadores, é deduzido do principio da Soberania do povo, pois sendo a parte mais essencial da soberania o poder de legislar, como póde elle residir ao mesmo tempo no

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povo e no Rei? Porém os illustres Deputados, que assim augumentam, não reparam, na differença que vai da faculdade ao acto, da origem desse poder ao seu
exercicio; differença essencial, que bem explicou um illustre Portuguez, o Sr. Silvestre Pinheiro; na verdade é um axioma que a origem da soberania reside na nação, mas ella não póde exercer estes direitos, alias mui complexos, de per si, o que apenas poderia, ter logar em um estado da d'intenção da enfatuada républica de S. Merino, por isso ella o delega, e assim vemos nós exercido o poder administrativo pelo governo, o poder judiciario pelo juiz, que são tanto da essencia da soberania como o poder de legislar, e este em nós, que o exercemos em nome da nação; então que duvida pode haver que a mesma nação delegue este poder nas Côrtes e no Rei conjunctamente? Talvez obste a unidade do poder legislativo, mas a unidade do poder legislativo, mas a unidade Sr. Presidente, consiste na harmonia, e na satisfação dos reciprocos e differentes interesses, e não em interessar uma classe com exclusão das outras, no que certamente principiaria a desunião, e assentaria a falta de unidade; porém dizem, supposto o Rei tivesse esse poder por delegação, não podia elle mesmo delegar: certamente se se tractasse de uma questão de direito constituido, seria facil demonstrar aos illustres Deputados, com o codigo de Prussia na mão, codigo que abrange mais especies, organisado pelos maiores homens do seculo passado, e com muitos outros, antes, e depois delle, que este principio soffre limitações, porém como se tracta de constituir o direito, e o direito fundamental da nação, já se vê que o que tem em vista este Congresso é assegurar por via delle as
liberdades patrias, e os direitos civis, e politicos dos cidadãos com a maior estabilidade possivel: e então para nos convencermos de que não é exacto este principio em toda sua plenitude, basta recordarmo-nos de que ainda não houve quem se lembrasse de contestar o direito de legislar ás Côrtes eleitas pela forma indirecta, cujo poder lhes é transmittido pelos delegados do povo, mas dizem - o Rei não póde ser eleitor, porque esta qualidade suppõe a de eleito, e o Rei não póde ter eleito - se assim é, triste é a condicção do monarcha, que para occupar este logar, eminentemente civico, perde a qualidade de cidadão, ficando muito inferior em condição a qualquer outro magistrado. Sobre tudo, Sr. Presidente, lembrem-se os illustres Deputados que as mesmas eleições directas não são feitas puramente pelo povo: a primeira eleição é da lei, que marca as qualidades da que podem ser eleitos, e o povo não faz mais que escolher destes; então se a lei das leis, a Constituição do paiz determinam, que o Rei possa ser eleito, e eleitor, quem lhe contestara este direito?

Outro argumento deduzem os illustres Deputados do immenso poder da corôa - que se não deve tornar mais forte, e que seria perigoso para as liberdades patrias -mas de quem tem a corôa essas prerogativas que a tornam tão temivel, não é do povo? Logo não é a corôa, é o povo esse poder immenso, forte de si mesmo, e se o não é, é por vicios proprios, é talvez pela immoralidade, e corrupção geral, e então pouco poder é necessario, para o subjugar, perigo que de ordinario lhe não vem da corôa, contra quem ha mui antigas prevenções, inimigo muito claro para ser temivel; commumente dentre o mesmo povo sahe o seu tyranno, que as mais das vezes o tyranisa com a apparencia de patrocinio, paralisando a acção do Governo, enfreando esse fantastico poder da Corôa com a energia vertiginosa do povo, de quem, conhecedor de sua fraqueza, se vale para secundar seus ambiciosos planos.

Outros illustres Deputados temem os privilegios, porem cersão os privilegios que tinham por base uma ostentação vã, e ruinosa, esses estão por terra, só existem os que tem por fim a utilidade publica, desses não sei como os illustres Deputados se queiram livrar: nós os Deputados somos os primeiros privilegiados, pois nem todos o podem ser, e o mais é que poucos gozam de tantas isenções, e os que se concederem á segunda camara, estão na mesma razão.

Temem outros Srs. a aristocracia pela tendencia que tem a secundar o absolutismo: sobre isto dizem uns que não existe a aristocracia, outros que ella ainda ha pouco se mostrou, terrivel nos campos da Feirar, e em Ruivães, eu entendo que uns e outros tem razão; a aristocracia não existe como existiu em o tempo dum governo absoluto, ou despotico, aviltada, e orgulhosa; mas existe como existio e ha de existir, em quanto houverem homens, e sociedades; as jerarchias estão na ordem, e natureza das cousas, a ellas é que eu chamo aristocracia: o homem que é o ultimo do povo, que qualquer accidente eleva acima desta condição, é tão miseravel, que quer logo fazer sentir, aos que lhe ficam inferiores, a abjecção a que até alli se julgou sujeito, pensa logo que seus interesses mais nobres, e mais elevados, devem occupar um logar distincto na sociedade, a differença de fortuna, de meios moraes, e fisicos concorre para isto, por isso se é um defeito, é mal que não podemos evitar: eis o motivo porque em qualquer constituição é necessario combinar os interesses, que são, e não podem deixar de ser differentes os mesmos a certos respeitos.

No que eu porém, Sr. Presidente, não concordo é que nos campos da Feira, e Ruivães se mostrasse a aristocracia, com as cores que lhe quiz emprestar um illustre Deputado; alli, Sr. Presidente, mostrou-se a ambição, o vil interesse de occupar os lugares que outros exerciam acontecimento que a meu ver offusca um pouco a gloria daquella desastrosa lucta, e que nos da poucas esperanças de obterem curto periodo a estabilidade, que faz prosperar as nações; como porém eu entendo que estes argumentos, por mais força que lhes tenha dado o engenho de seus andores, nada tem com o fim para que é formada a segunda camara, voto por ella vitalicia, e de eleição mixta, mesmo porque eu entendo que nós fomos aqui mandados para legislar para os povos como elles são de facto, e não como elles deveriam talvez ser da direito, se o direito nesta parte não é o mesmo facto, ou se não é um ente ideal sem effeitos sensiveis.

O Sr. Fernandes Costa: - Sr. Presidente, se é com pezar que vou combater um parecer, pelo qual combatera tantos illustres oradores, tenho ao menos a satisfação de o fazer com a mesma boa fé, com a mesma franqueza, e amor de patria, e tão alheio e estranhas influencias, como os mesmos, illustres oradores; e é esta identidade de favoraveis circumstancias, debaixo dos quaes tem sido tractada materia gravissima como esta, que me faz presentir que o resultado final será tal qual o reclamam os destinos de minha patria. Combaterei pois o parecer da maioria da Commissão sobre a organisação da segunda Camara, menos a fim de convencer alguem, ou formar proselytos, que de tanto me não lisongeio, consciencioso de minha fraqueza; mas para dar as razões da convicção do voto que hei de emittir.

Sr. Presidente, um antigo legislador, cuja moral e institutos ainda hoje são venerados por um grande povo, quer que qualquer se abstenha de toda a acção duvidosa, quer que qualquer se guarde de pronunciar o seu juizo na obscuridade da duvida. Este conselho é certamente d'um sabio, e eu não precisava de pronunciar o nome de Zoroastro para o abonar; seculos tem passado sobre esta maxima, e seculos a milhares hão de continuar a passar, e nenhum dos seus caracteres será apagado. Esta maxima foi a que tive sempre presente a meu espirito, foi com ella sempre presente que ajuntei meditações a meditações sobre a ponderosa materia em discussão, e foi em resultado dessas meditações, que pude assentar a minha opinião; possa ella, posto que em aço insignificante, concorrer para o bem do meu paiz; isto me bastaria para eu dizer e sentir com o nosso bom Ferreira.

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"Eu desta gloria só fico contente,
"Que a minha patria amei e a minha gente."

A minha opinião sobre o parecer da maioria da Commissão é a seguinte uma segunda Camara, composta de Senadores vitalicios, nomeados pelo Rei, e sem numero fixo, é o pomo da discordia lançado no meio da sociedade, talvez paia a geração presente, e de certo para as gerações futuras, é a entrega da segunda cidadella da liberdade, para o Rei ahi introduzir os seus soldados armados para combaterem em nome da liberdade contra a mesma liberdade. Cuide-me algum embora exaggerado, mas não sou eu, Sr. Presidente, dos que vem as cousas com a atra-bilis d'Hobbs, sou daquelles em quem as imagens da desordem fizeram nascer as idéas d'ordem, e não julgo ser exaggerado, quando minhas expressões não são mais do que a representação fiel d'uma convicção forte, que tenho.

Quando ha poucos dias nesta assembléa tive a honra de defender a necessidade de dividir em dous ramos o corpo legislativo disse que n'uma monarchia representativa a existencia da realeza hereditaria, posto que fosse um facto, e um facto respeitavel, com que estavam estreitamente ligados os mais altos interesses da sociedade, não deitava com tudo de ser uma difficuldade, e uma difficuldade acompanhada de inconvenientes para a liberdade, para organisar segura e efficazmente o systema representativo, e disse mais então que esses inconvenientes só se poderiam diminuir, estabelecida e realçada a maxima, que em uma monarchia representativa o Rei reina, mas não governa, que para mim era esta a primeira base da minha monarchia representativa.

Mas a longa e mestra experiencia defende por ventura a efficacia desta maxima? Não, certamente, antes e essa mesma longa como mestra experiencia a que mostra existir no throno uma força insita, que tende constantemente a expandir-se sobre as prerogativas do povo, para as observar, e a custa dellas augmentar as suas. Não se espere que eu cite os innumeros factos da historia de todas as monarchias representativas, que da sobejo comprovam o que digo, seria cançar, e abusar da paciencia do Congresso inutilmente, já porque elle os não ignora, já porque havia de chegar á noite e voltar o dia, e ainda não leria referido senão a minima parte, bem que fallasse com tanta velocidade, com quanta se move a luz na immensidade do espaço.

O nome e a idéa de opposição só apparecem nas monarchias representativas, como correctivo a tendencia do throno, semelhante nome, e até a idéa foram inteiramente desconhecidos em todos os governos famosos da antiguidade. Os chefes supremos das monarchias representativas, no meio dos governos absolutos da Europa, reputam-se n'um estado forçado, e excepcionado, e cuidam que é da sua gloria, do seu interesse e até (e ousam pensa-lo!) do interesse dos proprios povos a cuja frente se acham, assumir, se possivel lhes, fóra, todos os fóvos desses mesmos póvos, e a proximarem-se, ou antes uniformisarem-se com essas monarchias absolutas. Neste porfiado estorço são incançaveis, e nem lhes fallecem os meios, nem lhes fallecem aptidão e opportunidade para o fazerem. O mais funesto resultado destes perseverantes esforços é a corrupção, ou a degeneração causada nos elementos da sociedade, em que mais se deparam os attributos e qualidades proprias para constituir um corpo politico conservador, e garantia segura de estavel liberdade. Fallo dos cidadãos, em que realçam a prudencia, o experimentado saber, a firmeza de caracter, a constancia de principios, a dedicação as cousas, e não as pessoas, o desinteresse, o amor da patria, e da ordem &c. &c. E quantos destes cercam o throno? Quantos destes incolumes lhe respiram o ar? Rarissimos, por não dizer nenhuns.

Em torno do throno só se vem em geral cortesãos e uma nobreza, cuja principal illustração é a origem do nascimento, uma nobreza de que ainda se fazem differentes classes arbitrarias, e na qual se exigem qualidades, que contrastam com aquellas que mencionei. Exige-se-lhe o valor, mas este unido a um natural frivolo e voluvel, sem caracteres; exige-se-lhe a dedicação mas a pessoas, e não a cousas, ao Rei, e ao throno só, e não ás leis, ás instituições, e á patria, exige-se lhe, e diga se tudo d'uma vez, em prol do throno tudo, em prol do povo pouco ou nada. Sr. Presidente, quanto digo, é a voz viva dos factos da historia de todos os thronos das monarchias representativas. Esta voz soa tão alto, como é verdadeira, denunciando essa força existente no throno, força que nunca dorme, que é constante, e que tende continuamente a expandir-se sobre os foros do povo, para diminuir-lh'os. Forte pois do claro testemunho da historia, nem receio que me taxem com justiça de exaggerado, nem receio repetir; que organisar a segunda Camara como pertende a maioria da Commissão, é o mesmo que entregar a corôa a segunda cidadella da liberdade, para nella introduzir seus soldados armados, que ahi combatam em nome da liberdade contra a mesma liberdade. Longe de sentir taes receios o seguimento do meu discurso mostrará a mais forte das convenções d'uma verdade avançada.

Sr. Presidente, a materia em discussão, a luz da analyse, resolve se naturalmente em duas partes ou ramos, ambos estreitamente ligados, como o principio com a consequencia: 1.° o mandato dos Senadores ha de partir do throno, ou sahir da uma eleitoral. 2.° a perpetuidade dos Senadores é uma vantagem, ou um inconveniente Se pelo exame da primeira for demonstrado, que o mandato dos Senadores deve ser emanação da urna, ficará facil, pela natureza do mandato, provar que os Senadores devem ser temporarios, se pelo exame da segunda se demonstrar que a perpetuidade dos Senadores só tem grandes inconvenientes, demonstrado fica que os Senadores devem ser temporarios, e por tanto electivos. Assim a resolução de cada uma das duas partes, que a analyse tira da materia em discussão deslisará no mesmo resultado, e a d'uma servirá de contra prova a da outra, não póde ser outro o methodo logico.

Sobre a primeira parte lembremo-nos do que nesta assembléa se passou, quando se discutiu sobre a necessidade d'uma segunda Camara, então ninguem poz em duvida que suas funcções fossem essencialmente legislativas, posto que com estas tivesse importantes attribuições moderadoras; ninguem duvidou que o seu poder moderador, ainda que com mais força e efficacia pela sua particular organização, fosse secundario, ninguem duvidou que este não era exclusivo, mas sim extensivo a primeira Camara, ao throno, e ao poder judiciario, como bem desenvolveu o Sr. Silvestre Pinheiro depois dos trabalhos de Benjamin Constant. Se pois as funcções da segunda Camara são essencialmente legislativas, o mister do Senado é concorrer com a primeira Camara na confecção das leis, ou, o que é o mesmo, concorrer para exprimir a vontade da nação. E pode a vontade da nação ser exprimida por outrem, que não seja seu representante? Não por certo, e os Senadores, assim necessariamente representantes da nação, não o podem ser senão em virtude dum mandato, e d'um mandato havido e emanado da urna; não ha representante do povo sem mandato delle. Mas o mandato, cuja base é a confiança popular, cuja natureza e ser retocavel, seria desapontar toda a razão, se não fosse temporario, e se o mandatario só o póde exercer temporariamente, o Senador, que o é, deve ser temporario. Não é só dest'arte, Sr. Presidente, que se chega a este mesmo resultado, ainda que não seja condão privativo da verdade o alcançada por differentes caminhos, é certo que ella ganha em força e segurança com os varios modos por que se lhe chega. Approvado está por este Congresso que todos os poderes politicos são emanação da nação. Partir daqui é chegar de prompto e seguro á verdade,

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que já disse. Por este principio, o poder legislativo, que é um dos poderes politicos, e em ambos os seus ramos uma emanação nacional, e por consequencia o mandato do segundo destes é, como o mandato do primeiro, um resultado da urna.

Examinemos agora a segunda parte, ou proposição estabelecida. Srs., os corpos politicos são bem parecidos com os corpos humanos, podendo em uns e outros desenvolver-se alterações e molestias, que os desviam mais ou menos do seu estado normal, e mais ou meros se tornam ineptos para o bom desempenho de suas, funcções. Nos corpos politicos a experiencia não poucas vezes mostra que nelles se desenvolve o espirito de partido ou de facção, a funesta corrupção fomentada pelo throno seguido lhe convier, e o espirito de corporação ou o solecismo; aberrações estas ou molestias mais ou menos graves, mas sempre funestas, bem como quasi sempre consocias da perpetuidade de funcção. Eis aqui differentes estados normaes dos corjas politicos, que a experiencia denuncia bem frequentes, com os quaes impossivel todo o bom desempenho de suas funcções. Se pois o corpo politico, em que algum destes estados normaes e verificar, ter perpetuo, e não acabar, aonde esta o remedio efficaz deste mal? Estará na nomeação de novos Senadores pelo throno? Não nos illudam, Sr. palliativos nem apparencias. Vem a corrupção do throno? Então, nem esse palliativo se empregara, e, se se emprega, é uma zombaria. Ha o espirito de partido ou de facção? Quer haja, quer não haja com esta a connvivencia do throno, nada importa a nomearão de novos Senadores no caso de connvivencia, e esta ainda uma zombaria; no caso contrario, que insignificante remedio! Ha o espirito de corporação? Os novos Senadores depressa se embeberão do mesmo. Que é pois um corpo politico que, sob a egide da perpetuidade não deixa possibilidade de remedio efficaz contra suas aberrações funccionarias? Aonde está a garantia segura e constante do bem, para que foi instituido? Não está nelle assim instituido, porque, ou a nação ha de soffrer pacientemente todos os males, que das anomalias delle lhe provierem, ou ha de ser provocada a uma revolução. E poderá algum portuguez hesitar entre a temporaneidade do Senado, que facilita a cura radical do mal, quando o haja, e a perpetuidade do mesmo que impossibilita essa cura, e expõe a nação ao soffrimento do mal, ou á lava do volcão revolucionario? Nenhum hesitará, e folgo dize-lo!

Não param aqui, Sr. Presidente, os inconvenientes d'um Senado perpetuo. Esta perpetuidade, e a nomeação do Throno cerrarão as portas desse Senado a muitos cidadãos distinctos, que nas provincias ganharam inteira confiança de teus compatriotas por talentos e virtudes, pela prudencia e serviços prestados entre elles, e pela dedicação ao bem do paiz, os quaes o Throno desconhece, e tanto mais quanto mais distam delle, e é maior seu merito e modestia. A estes cerrar-se-hão as portas do Senado, porque, ou não sabem respirar o ar de palacio, ou subir e descer as escadas dos Minitros; e a ambição nobre, a de bem servir a patria, donde tantas acções grandes têm brotado é suffocada, e com ella damnificado o bem publico, o justo galardão aviva o zelo do merecimento, e cria em cada qual a emulação de alcançar por seus serviços o bem merecer dos concidadãos e da patria. Porém alvoreça um dia lucido sobre o Throno, ou nas salas dos Ministros, em que algum dos cidadãos distinctos, de que tenho fallado, seja chamado ao Senado; ahi vejo por outro lado, e na perpetuidade deste, um grande inconveniente. Esse cidadão Senador, em um Senado perpetuo, cogitará logo de fixar-se na Côrte, para aqui transplantará sua familia, aqui consumirá todas as rendas das suas propriedades nas provincias, aonde seus estabelecimentos experimentarão todos os damnos da falta do olho do dono, e as humildes familias, que á sombra delles viverem, sentirão a fome e a miseria, que antes lhes era
aliviada a troco de serviços, ou por beneficencia. Ha quantos tempos se resentem, e queixam os povos das provincias desta concentração na Capital dos grandes proprietarios, que nesta gastam improductivamente o que daria productivamente fóra della, e em proveito do mesmo proprietario, serviços e pão a centenares de pessoas! Ora, quereremos nos hoje aggravar o mal, ha tantos annos fonesto ás provincias, tão sentido por todos, contra o qual aqui mesmo já se levantaram altos clamores, e para a qual se não poderá livrar de concorrer, apezar dos seus proprios interesses, o cidadão Senador, se seu acento for perpetuo?

Tambem, Sr. Presidente, não é menos attendivel, e o Congresso o avaliará, o justo reparo d'outro inconveniente. Sendo a segunda Camara vitalicia, a nomeação dos Senadores dá ao Rei evidentemente uma prerogativa muito mais ampla do que lhe consentia a propria Carta. Por esta não precisavam de nomeação os filhos dos Pares quantos destes fallecessem, se todos por ventura tivessem filhos, e esses de idade de entrar no Pariato, não era precisa a nomeação regia d'outros tantos, a prerogativa Real não se exercia, pelo contrario, no Senado vitalicio, quantos Senadores perecerem, outras tantas vezes se repetirá o exercicio da prerogativa Real, a qual nesta frequencia e repetição d'actos adquire sem duvida alguma maior amplitude. E' pois o Throno, pelo parecer da maioria da Commissão, efectivamente dotado d'uma prerogativa mais ampla, do que a Carta lhe concedera. E aqui póde alguem deslembrar que na Carta a dotação do Throno em prerogativas já era excessiva? Como então, aquillo que a Carta lhe coarctou, o mesmo nós ampliaremos hoje!

Mais um 4.º inconveniente vejo, Sr. Presidente, e todos o verão facilmente inimigo, na muito maior influencia, que o Throno tem ou póde ter no Senado vitalicio. As portas do Senado fechadas sempre, ou ao menos muitas vezes, ao verdadeiro merecimento pela nomeação Real, e pela perpetuidade, já nós o vimos, e da parte de fóra dellas vimos tambem suffocadas, e esmorecidas a emulação e a ambição nobre, que, procurando bem merecer da patria, aspiraram talvez só ao justo galardão de entradas. Ao mesmo tempo que vemos isto fóra, que vemos dentro do Senado? O mais vivo contraste. Vemos o Senador, apenas seguro do seu assento perpetuo, cujo primeiro sentir e a ambição de perpetuar esta dignidade na sua familia em um filho, que tenha, e, se o não tiver, em algum parente proximo. Em torno desta ambição girarão todos os seus actos fóra e dentro do Senado, os interesses que defender serão exclusivamente os do Throno, não os da patria, que lhe não servem essa baixa ambição no posto que occupa, sua vontade e acções, sempre reflectidas do Throno, serão os titulos de serviços, que essa mesma ambição lida por deixar na vida, para que depois desta, o seu objecto, ou filho ou parente, seja, por esses serviços mais considerado pelo Throno. Eis aqui, repito, o mais vivo contraste: a ambição, que serve os interesses da Nação, suffocada e esmorecida fóra do Senado, e dentro delle animada e crescida a ambição, que serve só por interesse pessoal os interesses do Throno. Eis aqui o necessario effeito da nomeação Regia, e perpetuidade do Senado. A estes inconvenientes accresce um outro, e não é menos digno de ser ponderado. Tenho para mim, Sr. Presidente, como da mais fundada justiça, e conveniencia publica, que as portas do Senado se não devem abrir a uma mocidade, que ainda não pode apresentar-se com os titulos, que legitimamente só conferem o experimentado saber, a prudencia e a razão madura, e os serviços prestados. Porém, se aqui vejo justiça e conveniencia publica, não vejo, nem posso ver nem uma nem outra, quando considero o Senador vitalicio no derradeiro quartel da vida. Como terá neste quartel o Senador provecto forças physicas e intellectuaes bastantes para o bom desempenho das altas funcções, que lhe incumbem. Por lei constante da naturesa, as forças physicas e intellectuaes do corpo humano crescem e desen-

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volvem-se até certo ponto, que jamais ultrapassam, e depois, por força da mesma, declinam, languescem, e chegam a estremo ponto de enfraquecimento, ainda mesmo sem se extinguir o sopro da vida. Assim, ou se ha de negar a existencia desta lei, com o mesmo ousado delirio com que o impio atheu nega a divindade, ou se ha de admittir o estranho absurdo de que o bom desempenho das funcções do Senador é inteiramente independente das suas forças physicas e intellectuaes. Eu creio firmemente que ninguem quererá ser incurso em tal delirio, ou em tal absurdo. É pois damnar a conveniencia publica estatuir a perpetuidade d'um alto funccionario, cuja idade senil o escorva de cumprir com o que deve; e a este inconveniente não accresce a summa injustiça, (a não ser em casos extraordinarios) de se exigir do Senador provecto esforços parlamentares, que mais depressa lhe gastarão as já fracas molas de cançada vida? O cidadão, alto funccionario publico, cuja, consciencia folga, dos longos e bem compridos deveres do ultimo quartel da vida, é compellido por uma tendencia natural, e até por essa mesma consciencia, a buscar o remanso da paz domestica, fóra do turbilhão dos negocios publicos, neste remanso a vida ainda se reanima com as gratis recordações dos serviços prestados á patria, e a seus concidadãos, ainda se alonga o fio de existencia, para em fim se romper com aquella tranquillidade, que só cabe ao cidadão virtuoso e benemerito. Dar pois ao Senador uma posição, que o prive de gozar estes bens, não é servir a moral, é doutrinar um novo modo de homicidio. Mas, Sr. Presidente, o Senador perpetuo, cuja idade é avançada, póde talvez ser levado a algum voto, que no fim de sua vida baste para manchar a mais longa carreira politica sempre até alli illibada, voto funesto tanto mais facil, quanto a fraqueza do seu espirito fôr maior. Expor assim o Senador, não é servir a humanidade, é pelo contrario correr lhe o laço no fim da vida e no meio da sua fraqueza, e conserva-lo então na posição mais propria para a fragilidade. O modo de instituição, que leva a semelhantes resultados, certamente não póde ter, pelo menos, as sympathias da moral.

Finalmente, Srs., vou apresenar o ultimo inconveniente d'um Senado perpetuo, não por ter exhaurido a exposição delles, mas por dever ser breve e acabar meu discurso. Dos Oradores, que têm sustentado o parecer da maioria da Commissão, só dous, se bem me lembro, reconheceram o grave inconveniente do Rei poder nomear sem numero lixo os Senadores, e em consequencia com elles propoz um numero fixo proporcional aos dos Deputados, e outro pertendeu que se estabelecesse um maxumum, e um minimum. Porém nenhum dos illustres Oradores reflectio que, propondo obviar a mais inconveniente de o Throno fazer e desfazer o seu alvitre as maiorias no Senado, ambos foram do Seylla para Charybdis, nenhum delles vio que no caso da perpetuidade, que defenderam, do Senado, fica este absolutamente fechado a novos Senadores, que fosse preciso introduzir nelle, para remediar o espirito de facção, ou de corpo, que ahi se desenvolvesse; remedio que, a ser efficaz, como pertendem os que sustentam a perpetuidade, contra estas funestas como incontestaveis alterações normaes do Sanado, é sem duvia inexequivel, adoptado o arbitrio dos dous illustres Oradores. A contradicção é bem manifesta, e eu deixo a de bom grado para apresentar o mais saliente contrastes de liberalismo entre um principio pratico de nossas antigas Côrtes, e esta, parte do parecer da maioria da Commissão, que dá ao Rei o podêr de nomear Senadores sem numero fixo. Foi pratica de nossas antigas Côrtes eleger o terceiro estado, ou do povo para o seu braço a qualquer Membro, que merecesse a sua confiança, dos estados ecclesiastico ou da nobresa, e não só exclusivamente d'entre os do mesmo estado do povo, embora esses ecclesiasticos ou nobres tivessem de direito assento nos seus respectivos braços, e estes eleitos que mereceram a confiança da urna, preferiam a eleição popular, a deixavam os bancos, que tivessem de direito nos seus respectivos braços, para se assentarem nos bancos do terceiro estado. Assim eu vejo o Bispo d'Evora, eleito procurador dos povos por Mourão,
assentado nos bancos do povo nas Côrtes de Coimbra de 1868, deixando vago o céu banco do direito no braço ecclesiastico, assim vejo seis fidalgos nas Côrtes de 1668, eleitos pelos povos e assentados nos bancos populares, deixando aquelles em que tinham assento de direito, vejo em fim nas Côrtes de 1679 treze fidalgos, eleitos tambem pelos povos, assentados nos bancos destes, o deixando os do seu braço, que a direito lhes dava. Que quer tudo isto dizer, Sr. Presidente? Que a uma eleitoral dos seculos 14.° e 17.° podia fazer e desfazer as maiorias, segundo fosse conveniente aos povos, nos braços do clero, e da nobreza, e hoje no seculo 19, não só se priva a uma desse podêr, mas vai-se deposita-lo na mão real! Aonde está o caracter de progresso para a Liberdade? Esta na pratica daquelles remotos tempos, ou no principio que a Commissão quer se sanccione? A resposta é facil, Sr. Presidente, e deixo-a ao bom senso dos que defendem a opinião, que combato, para concluir sobre tantos inconvenientes como os que offerece um Sanado perpetuo, e tenho demonstrado que elle não da garantias,
nem á democracia, nem a propriedade, nem ao Throno, nem a estabilidade, e que querer garantias, para estas, e ao mesmo tempo um Senado organisado segundo o parecer da maioria da Commissão, e querer, e não querer ao mesmo tempo, e imitar Carlos V. que tinha preso o Papa, e mandava fazer preces para que fosse solto.

Agora se me não faço cargo da responder a todos os argumentos feitos contra a opinião que defendo, porque muitos illustres Oradores que me precederam o fizeram victoriosamente, não deixarei com tudo, e espero que esta Assembléa mo releve, de me demorar com um, em que se poz grande segurança, e faço-o, menos para patentear a mingoa de logica comettida, do que para fazer ver que o argumento a que me refiro, a provar alguma cousa, só deve ser a favor d'um Senado temporario. A perpetuidade dos Juizes, disse-se, dá-lhes uma independencia incontestavel, que a experiencia das Nações ainda não desmentio, e que por isso o Senado, que tambem deve ter tão importante caracter, ha de certamente assumi-lo, sendo perpetuo. Não duvido, Sr Presidente, ser opinião muita seguida, que aos Juizes: advenha caracter de independencia pela sua perpetuidade, mas tambem ninguem duvidará comigo que a honradez, e probidade tem boa parte nessa independencia, e que a questão de vantagens, ou desvantagem de Juiza perpetuos ainda esta em lide entra famozos publicistas, centre estes citarei os illustres Bentham, e o Sr. Silvestre Pinheiro, que não vêm vantage0ns na perpetuidade. E leve o peso do voto destes sabios? Então com que logica, argumentando de doutrina, que ainda é duvidosa, sobre que ainda disputam conspicuos publicistas, e quer decidir a perpetuidade dos Senadores? Os illustres Oradores, que aproveitaram o argumento da perpetuidade dos Juizes, andariam mais logicamente, em meu fraco entender, se demonstrassem ser uma contradicção, ou ao menos notavel incongruencia, que os Juizes fossem perpetuos, e temporarios os Senadores. Mas não o fizeram, nem o podiam fazer, porque irresistivelmente se lhes oppunham o facto, e a razão - o facto é o dos Estados Unidos d'America terem Juizes perpetuos em todos os seus, numerosos estados na união, o ao mesmo tempo temporarias todas as Camaras dos Senadores; a razão, é com esta mesma, que vou mostrar que seria contradicção, e revoltante offensa da equidade, que sendo os Juizes perpetuos, a Camara dos Senadoras deixasse de ser temporaria.

O juiz, Sr. Presidente, no exercicio de sua impoitantissima funcção, é um cidadão sem arbitrio, nem vontade propria, sua vontade é sómente a lei, dentro de cuja letra, e espirito

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elle deve encerrar-se religiosamente, e sempre, para ser um bom juiz. É que e um Senador. E' um cidadão cuja vontade é plenaria, e que tem a mais absoluto liberdade de opinião sobre milhares de negocios de interesse nacional, sobre milhões de objecta importantissimos, evitaes. Ora comparem-se bem reflectidamente nestes dous pontos as funcções do juiz, e do Senador, e eu renegarei toda a razão, se alguem depois desta comparação desconhecer com franqueza, e verdade, que em quanto o juiz póde errar ou prevaricar uma só vez, não póde o Senador errar ou prevaricar milhares de vezes. Invoco, Sr. Presidente, a consciencia, e a razão justa, e esclarecida dos oradores, que combato. E o juiz, que erra ou prevarica, fica salvo de toda a pena? Não, a responsabilidade pesa sobre elle, póde ser suspenso, póde perder o seu cargo por sentença, e não lhe vale a perpetuidade. O Senador, pelo contrario, perpetuamente assentado nas cadeiras nacionaes, pode a seu arbitrio errar ou prevaricar sem termo, e a pena que sobre elle pesa é a inviolabilidade!! Ah! Srs. que espirito mais transcendente que o de Kant achará aqui justa igualdade? Um cidadão erra ou prevarica uma vez, e par essa a effectiva, e rigorosa responsabilidade arroja-o, e talvez uma vez para sempre, de sua cadeira judiciaria perpetua, um outro cidadão erra e prevarica mil vezes, e a inviolabilidade mantem-no em sua cadeira senatoria perpetua! E' incrivel que aqui se não veja a mais clara contradicção, a mais injusta desigualdade, assim como que o modo efficaz, e unico de remediar semelhante desigualdade está evidentemente, não em destruir a inviolabilidade do Senador, e a liberdade de suas opiniões, mas em restringir-lhe o tempo funccional, e sujeita-lo no fim de conveniente termo a urna eleitoral. Assim, e unicamente assim, ha de errar ou prevaricar muito menos vezes o Senador, cuja funcção é temporaria, não só por ser muito mais breve o tempo para isso, mas tambem por ter uma responsabilidade moral, que a opinião publica sempre tornará effectiva por meio da uma eleitoral. Este é o unico modo de destruir a flagrante desigualdade entre o cidadão juiz, e o cidadão Senador. Apello segunda vez para a consciencia, e razão esclarecida dos illustres oradores, que combato, para que apontem outro modo de realizar ajusta igualdade entre estes dous importantes funccionarios que não seja perpetuidade do juiz, e temporalidade do Senador. Um illustre Deputado pelo Alem-Tejo foi mais canteloso, mas não mais feliz, no emprego deste mesmo argumento da perpetuidade dos Juizes. Disse o illustre orador que a Camara dos Senadores tinha de exercer attribuições judiciarias, como era seguido nas melhores constituições, e que sendo a perpetuidade dos juizes, segundo os maiores publicistas, a ha e de sua independencia devia a mesma Camara ser perpetua para ser independente. O Sr. Deputado esqueceu-se do seu costumado rigor logico, e argumentou com uma doutrina, que ainda que adoptada por muitas constituições, tem ainda de ser discutida neste Congresso, pois ainda se ha de decidir se a Camara dos Senadores deve ou não ter attribuições judiciarias.

Muito, Sr. Presidente, se tem invocado a historia das outras nações sobre esta importante materia, eu cinto-me tambem levado de força irresistivel a invoca-la, posto que convencido de nenhuma difficuldade com que nella se pódem achar argumentos para tudo. Porém esta mesma convicção fará que eu a invoque de modo bem differente do que se tem feito. De Inglaterra não vejo que possamos copiar, sem conveniente modificação, alguma parte de suas instituições, tão especiaes, e particulares não as suas circumstancias a que suas instituições famozas estão adaptadas. Bem precisa é neste paiz a instituição do jury, pelos seus resultados praticos, uteis a liberdade, e á moral publica, e todavia altamente está desabonada entre nós, como na França, esta bella instituição por se não ter adoptado com as convenientes modificações, e como este facto, outros muitos podéra citar. Além disto, diante das instituições desta nação estão dous factos terriveis como incontestáveis, a massa de um povo sacrificada constantemente ao pequeno numero, e os tres septimos de uma população vivendo legalmente de esmolas! Instituições que consentem diante de si semelhantes factos, toda a prudencia, e sabedoria eu julgo pouco para adoptar-lhes se quer uma parte sem risco, e com vantagem. A França que aos offerece? Uma revolução malograda, cujos chefes foram illudidos por um Rei eleito, habil, e astuto, instituições sob as quaes a vontade nacional se mostra constrangida, e Deos salve a França do terrivel prognostico. Longe de colher, só faço votos pelo socego, e prosperidade da mais esclarecida, e magnanima das nações. Da Belgica, e sobre tudo da Hespanha, as instituições são mui recentes, e o tempo que descortina todos os erros, e defeitos, ainda não passou assaz sobre ellas.

E' tempo de concluir- meu voto sobre organisação da segunda Camara, em geral, está pronunciado, mas quero especifica-lo; voto por uma Camara de Senadores electiva, e temporaria, cuja duração seja pelo menos dobrada da dos Deputados, e composta de membros com maior censo do que a destes, e os mais notaveis por serviços a patria, por illustração, e virtudes, e por funcções, que exercerem ou tiverem exercido, reunida a estas qualificações a idade era que as paixões já se subordinam a razão, e cuja eleição seja por dous movimentos da urna.

O Sr. Lopes Monteiro: - E' muito facil definir na Constituição os direitos civis do homem, e declarar o modo por que devem ser garantidos, a organisação porém dos poderes politicos e bem mais difficil, e prolongada, se bem que luminosa discussão que tem havido neste Congresso, quanto a formação da segunda Camara, prova isto evidentemente.

Tres opiniões tem apparecido quanto ao modo, e duração do Senado legislativo: uns com a maioria da illustre Commissão de Constituição querem que elle seja de nomeação regia, e vitalicio outros seguindo a minoria da mesma Commissão preferem a eleição popular, e decidiram-se pela sua limitada duração; e alguns illustres Deputados apresentaram para a formação do Senado um methodo mixto, e como que consiliador, porque ao mesmo tempo que participa da qualidade eletiva, é vitalicio.

Sr. Presidente, eu prefiro o parecer da minoria da Commissão de Constituição, e por isso hei de votar por uma segunda Camara electiva, e temporaria. Confesso que a questão e difficil, e melindrosa os systemas da organisação politica entre nós tem sido infelizmente ensaiados até agora, e ou por culpa dos homens, ou pela força das circumstancias, ás vezes mais poderosas que elles, a segunda Camara formada como o pertende a maioria da Commissão, tem provado mal entre nós. Assim é forçoso recorrer a outro systema, o que não faço sem receio, porque a censora mão do tempo ainda lhe não pôz o seu approvo.

Não se tem respondido aos argumentos dos illustres oradores, que antes de mim tem sustentado esta opinião argumentos deduzidos da natureza, e essencia do Governo representativo, no qual todos os poderes politicos se derivam da delegação nacional, e são exercidos em virtude d'um mandato expresso, ou tacito. Se a isto accrescentarmos que o delegado não póde delegar, e que o mandato é sempre revogaval e temporario, temos demonstrado que á vista dos principios não é sustentavel a formação d'uma segunda Camara de nomeação regia, e vitalicia. Os illustres oradores, membros da maioria da Commissão de Constituição, e aquelles que os tem seguido não se demoraram nesta posição, e procuraram o campo das conveniencias, e força ir combate-los a este forte.

Argumentaram a favor do senado vitalicio, e de nomeação regia com as clausulas de nosso mandato, que fios obriga a conformar na reforma do codigo fundamental, com o que se acha estabelecido nas constituições das monarchias re-

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presentativas da Europa, as quaes pela maior, e melhor parte reconhecem o principio da nomeação regia, e a duração vitalicia.

Srs., a opinião dos publicistas, que fazem depender das clausulas do mandato a decisão dos negócios d'importancia, das entregues á prudencia, e sabedoria dos representantes do povo, está hoje reconhecida por absurda, "Ou os eleitores, diz o nosso Silvestre Pinheiro, não são todos elegiveis para Deputados, ou sendo-o, e não conseguindo a eleição ficarão por isso collocados em um gráo incontestavelmente inferior ao que occupam os membros do parlamento, e é a estes homens menos capazes, que vós quereis investir não só do direito para decidir da importância dos negócios, mas de darem para isso instrucções, com que os seus eleitos se devem conformar? O absurdo, que daqui se seguia tem dado força, e credito ao dogma britanico da omnipotencia parlamentar. A nação não dá meios poderes, dá poderes inteiros, ella pode revoga-los, mas não os pode restringir, nem augmentar.

Admira que um nobre Deputado, defensor valente do senado de nomeação regia, e vitalicio taxando-nos de metafisicos, se tomasse sofistico, e pertendesse provar por nossas procurações que não estavamos authorisados para organizar tinia segunda camara electiva, e temporaria; porque dizendo ellas que nos conformariamos com o disposto nas constituições das monarchias representativas da Europa, fallava em plural, quando no tempo que recebemos semelhantes procurações só a Belgica era singular em ter um senado electivo, e temporario.

Se me que esse aproveitar deste sofisma diria que tambem ao tempo que recebiamos nossas procurações só havia uma camara vitalicia em França, e que por isso este singular se não podia adoptar o nobre Deputado não teria a redarguir me com a camara alta da Inglaterra, porque essa, sendo hereditaria, é tambem singular; resultando a final a consequencia que os nossos mandatos assim entendidos continham uma condição impossivel.

Mas disse um nobre Deputado, que toma assento proximo a mim o projecto da maioria da Commissão ha muito foi publicado pelos jornaes; ninguem tem reclamado contra elle, e por isso tacitamente se presume approvado pela nação. Se este argumento colhesse, eu diria ao nobre Deputado que o projecto da minoria da Commissão de constituição, que eu adopto, foi publicado ao mesmo tempo que o da maioria, não foi reclamado, e por isso está tacticamente approvado donde se presume donde se tiraria a consequencia absurda de que a nação queria ao mesmo tempo que um senado vitalicio, e de nomeação regia, e um senado temporario, e electivo.

Uma voz do lado: - Segue se que o argumento não colhe para nenhuma das partes (Apoiado.)

O Orador continua: - É isso mesmo que pertendia concluir. Sr. Presidente, poucas tem tido as representações do povo portuguez a respeito da reforma da nossa organisação politica, e como me lisongeio eu muito: assim desmente a nação as calumnias dos jornaes estrangeiros, que tem representado a revolução de Setembro como obra d'uma facção demagogica prestes a derrubar o throno, e apontando a nossos peitos o punhal, para com elle nos, arrancar a sanação de seus delirios.

Informem-se melhor, e sejam mais desapaixonados, e verão a Rainha no livre exercicio de suas mais importantes prerogativas, respeitada, não digo tudo, adorada mesmo por todos nós: e se attentarem para o que nesta casa se passa, encontrarão em nossas discussões a mais segura placidez, e o maior respeito do publico, que nos ouve. (Apoiado.) Aqui é livre toda a opinião, e tão
tranquillos estão os Srs., da maioria da Commissão, como estamos nós os que pugnamos pela minoria; a mesma carta se apresentou já, e os Srs. do partido da carta, e que desenrolaram aqui essa bandeira foram igualmente respeitados. Convenho que o publico cumpre nisto o seu dever, não lho agradeço, nem digo isto para o lisongear; mas não soffro que seja calumniado. Não insisto mais nisto, até porque um projecto não é uma lei; approva-lo na sua generalidade, não é
approva-lo em todas as suas partes; eu mesmo approvei o projecto da Commissão desta forma, e nunca entendi ficar privado de rejeitar algumas das suas partes.
Outro argumento se empregou contra o senado electivo, e decidiu-se da corrupção da uma eleitoral, que em 1834, e 1835 apresentou neste Congresso uma maioria em favor do ministerio dos emprestimos, e das accumulações. Este argumento, Srs., prova de mais; se a uma, que é a alma, e a vida do governo representativo, apenas entre nós tem servido ao triunfo das paixões, e dos partidos, fechar estas portas, guardar o vosso senado, e proclamai o governo absoluto! Ahi não vos ha de importunar a urna, e os acertos da nomeação real farão tudo.

Eu sei que se tem abusado da urna; mas qual é a instituição humana, que o veneno das paixões não tenha inficionado mais, ou menos? Se quereis um governo perfeito, chamai os anjos, mas não vos esqueça o procedimento de Lucifer. É certo que a uma trouxe a esta casa uma maioria a favor do ministerio Carvalho; mas quem o sustantou na camara dos pares? Elles eram de nomeação regia, e hereditarios!

Corrompe-se a urna?... Convenho; mas quem mandou outra vez às Cortes os Deputados da opposição, os Deputados do Douro, por causa dos quaes principalmente se dissolveram as Camaras de 1836? Senão fosse a urna , o ministerio d'então, que não póde resistir-lhe, tornaria a chama-los às suas cadeiras, se isto estivesse nas suas mãos? Reparai bem, Srs., para não serdes contradictorios. Que respondesseis vós quando vos perguntaram a razão, por que os vossos primeiros senadores deviam participar da eleição do povo? Respondesteis que era preciso segurar deste modo os principios da revolução de Setembro, e fazer os primeiros senadores vestaes deste foqo sagrado. Agora a tuna, porque é uma garantia, serve-vos, e quereis privar a geração por vir deste sustentáculo das liberdades patrias,?
Insistio-se ainda nos perigos da urna, e disse-se que a segunda camara de nomeação regia não linha esses perigos para o futuro. Mas se os nobres Deputados admittem o principio das cathegorias, se o Rei não póde escolher fora dellas, então quasi que nada faz, o pouco lhe serve a regalia de dizer = tal cidadão está no caso da lei. = por tanto o povo que tenha este incommodo, porque este interesse dos designados lhe loca mais de perto.

Disse mais o nobre Conde da Taipa que de qualquer modo a uma havia de trazer aqui os homens do devorismo e accrescentou que o seu coração não quer
exclui-los, o que a sua cabeça não póde deixar de fazer, trouxe-nos o exemplo da Belgica, cujo Senado foi eleito pela influencia dos ecclesiasticos desse paiz. Sr. Presidente, se a urna aqui trouxer os homens da Carta, ou antes os homens das administrações passadas, eu hei de olhar com respeito, e sem remorso esses homens, porque elles serão os escolhidos da nação, (apoiado.) hei de obedecer às leis que elles fizerem, e ainda quando a nação parecesse condemna-los eu hei de dizer-lhe - obedeço porque são obra vossa, não mandasseis cá estes homens. (Apoiado.) Mas não se julgue que eu pertenda a exclusão d'alguma opinião, em relação a representação nacional; não o consente nem a minha cabeça, nem o meu coração: eu quizera ver sentados naquellas cadeiras (o) os devoristas, e os absolutistas; assim estaria a nação completamente representada, porque teria aqui mesmo órgãos de todas as suas opiniões. (Apoiado, apoiado.) Eu estou muito longe de querer uma representação tal, que o ministerio possa dizer que tem nella os seus homens; isto seria acabar com o sistema representativo, (apoiado geral).

(*) O Orador olha para a extrema-direita, cujos assentos estão vasios.

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Disse-se mais que a camara vitalicia era um principio conservador. Mas, Sr. Presidente, que ha a conservar em Portugal? A Constituição? Ainda ella não está feita, e já nesta mesma casa te ouvem differentes prognósticos sobre a sua duração: de um lado diz um Sr. Deputado que se a maioria deste Congresso não votar uma camara vitalicia, entende que o pai z terá precipitado na desgraça.
Sua S.ª accrescentou que ficaria obediente, e como atado ao carro do triumpho da contraria opinião (O Sr. Derramado:- Apoiado): de outro lado apparece outro Sr. Deputado vaticinando que se aqui não for votada uma camara electiva, um dia virá em que a necessidade leve a effeito o programma do Hotel-de-Ville. Sr. Presidente, uma Constituição que começa com estas prophecias, feitas aqui mesmo, terá alguma cousa que conservar? A verdade é que em Portugal o que falta é crear administração propriamente dita, administração de justiça, e fazenda; em Portugal, repito, ha tudo a organisar, e nada a conservar: por tanto não é a qualidade de conservador, a que nos será mais precisa no Senado.

Também se disse que o Senado vitalicio deve ser mais independente, porque tem a exercer funcções mais importantes. A independencia está no coração do homem de bem, não depende da sua classe, nem do logar onde elle se senta. (Apoiado.) Eu pergunto ao nobre Par, (*) com quem sympathisei antes de o conhecer, se não foi elle quem na camara hereditaria de 1828 disse: - "Uma facção rodeia o Sr. Infante... Quando eu acceitei a dignidade de Par, assentei que tinha na camara um logar d'honra, aonde devia morrer, se fosse necessario..... Se eu não dissesse livremente a minha opinião, não faria differença entre mim e o cavallo de Caligula; aquelle traria o manto de senador romano, e eu traria da mesma maneira a farda de Par do Reino." - E porque fallou o nobre Conde com tanta independencia? Seria porque estava sentado na camara dos grandes? Não: porque se exeptuarmos o nobre Marquez de Fronteira, e poucos mais, o resto em poucos dias, foram lançar rasgados aos pés do tyranno os não merecidos diplomas de Pares do Reino; apezar da sua cathegoria, da sua independência hereditaria praticaram esta infamia, em quanto o nobre Conde levantava a voz em favor da liberdade. Por tanto em qualquer classe, em qualquer estado, não é a posição que dá a honra. (Apoiado).

Disse-se que se a segunda camara não fosse vitalicia, as grandes classes não tomariam interesse para virem a essa camara. Respondo que nós não devemos querer senado para senadores, mas senadores para senado: todavia não posso eu persuadir-me que as grandes propriedades, as aristocracias de merecimento, e as summidades politicas tenham o capricho infantil de recusar a qualidade senatoria, só porque seja temporaria; e o exemplo de Hespanha, onde os grandes tem manifestado ambicionar esta honra, confirma-me na esperança de que nenhum homem em Portugal caia em semelhante absurdo, que não queira uma nomeação porque é do povo, porque o povo é muito nobre para ser recusado. Permitti-me, que vos diga, como o vosso Benjamin Constant; apresentem-se os grandes ao povo, que este os fará membros duma familia, que os não envergonha. (Apoiado). Mas observa-se: quem ha de querer expor a sua fortuna para ser senador por alguns annos? Eu pergunto: e quem ha de querer expor a sua fortuna para ser senador toda a vida ? (Apoiado). Acaso, quando eu me exponha a um trabalho por oito annos, calculo menos do que se me expozesse a elle toda a vida? De certo não. Não insistirei muito em refutar este argumento, porque a pura nobresa de portugal, sempre independente, nunca se levaria por considerações tão mesquinhas.

Argumentou-se com a necessidade de que as duas camaras sejam independentes, para manter o equilíbrio entre o throno e os interesses da monarchia. Esta idéa lembrada por Montesquieu, quando na Europa havia um só governo representativo (propriamente dito) que era a Inglaterra, teve muito sequito, mas não nos termos que a tenho aqui ouvido apresentar. As duas camaras tem aproximadamente a mesma tendencia para exorbitar, tendencia que se remedeia pelo grande mysterio do veto, que os ramos do poder legislativo exercem reciprocamente; é nisto que está a belleza do systema, mas é um effeito, e não uma causa, effeito que servatis servandis se póde com igual razão attribuir a cada uma das camaras, e ao throno.

Sr. Presidente, custou-me muito a firmar a minha opinião a este respeito; tenho ouvido a discussão, li o que pude, e resolvi-me por convicção propria a votar por uma segunda camara electiva e temporaria. Os maiores argumentos, com que se póde sustentar esta opinião, não são os metafisicos, não são os que se tiram dos cadernos dourados de Montesquieu e de Bentham, mas sim os que se deduzem dos costumes patrios e do caracter do povo portuguez desde o começo da monarchia.
Affonso I. não recebeu a corôa por direito de herança, foram os bravos do Campo d'Ourique que lhe deram a investidura real: quando Lourenço Viegas se levantou nas Cortes de Lamego, celebradas na Igreja de Almacave, e disse - O senhor Rei que elegestes no Campo de Ourique convocou-vos para saber de vós se quereis que elle se faça Rei, e exija as bullas do papa: que lhe responderam todos? Queremos que seja Rei eleição por acclamação. Nas Cortes de Coimbra, por influencia do povo unicamente, pois que os grandes haviam seguido o partido dos Infantes de Castella, quem foi que chamou ao throno o mestre d'Aviz? A eleição: os direitos deste principe eram muito disputados, e o argumento de D. Nuno Alvares Pereira, lançando mão á espada prova que elle appellava mais para a força que para o raciocinio. Vemos as nossas primeiras authoridades todas d'eleição popular e temporarias; os nossos juizes ordinarios, unica justiça que houve em Portugal até D. João II., e que se conservou depois a pezar das juizes de fora, eram todos de eleição popular e temporaria: E quem eram os nossos juizes ordinarios antigos? Eram os homens de inteiresa, que diziam como o celebre Alemtejano, eu não exijo tributo algum, que vexe o povo! Como eram feitas as nossas camaras? Por eleição do povo, e temporaria: electivos e temporarios, Sr. Presidente, eram os juizes do povo também; e os nossos juizes do povo eram tão independentes que algum juiz do povo se viu pegar nas rédeas do cavallo do Rei, que se ia divertir á caça, e leva-lo á casa do despacho, dizendo-lhe, senhor, aqui é que vossa altesa deve divertir-se, tractando dos negocios do seu povo! Aqui temos um homem, que não era vitalício, nem de eleição do Rei, e que era independente. Os vinte e quatro tambem eram d'eleição popular, e quando nós quizemos ensaiar um systema de nomeação real nos provedores, quando quizemos tirar as antigas attribuições de nossas camaras delegadas pela immediata nomeação do povo, que nos respondeu a nação? Com ódio geral às prefeituras, cuja queda foi mais applaudida que a da inquisição. (Apoiado). A paixão do povo é pela eleição temporaria. De mais ainda para mim não é dogma se a magistratura ha de ser perpetua, ou temporaria, ou da nomeação do Rei; eu quero o que for melhor; sou aspirante a juiz, como delegado do procurador regio; e se attentasse apenas para os meus interesses, preferia antes ir mendigar meus votos ao povo, que aos Ministros.

Talvez tenha enfadado o Congresso; a questão tem ido muito longe: termino já. Eu voto pela camara electiva, e temporaria, hei de approvar algumas das cathegorias, e mesmo decidida esta questão em pouco mais discordarei do parecer da Commissão.

O Sr. Ignacio Pissaro: - E a segunda vez que me levanto para fali ar sobre esta questão, e seguramente não me levantaria para fallar segunda vez, se julgasse que tinha sido

(*) O Orador parecia dirijir-se ao Sr. Conde da Taipa.

SESS. EXTRAORD. DE 1837 VOL. III. 54

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entendido da primeira. Eu estabeleci o principio de não dar á universidade do suffragio o direito de vetai na segunda camara por não entender que uma universalidade possa representar mais do que a vontade dos individuos não
collectivos em interesse, mas isolados, não a somma das intelligencias moraes masi individuaes; não a somma dos interesses reaes, e collecticos, mas dos individuos isolados, ou as ambições das classes pequenas, mas influentes nas massas.

Já se vê que eu defendo o fraco contra o forte, que é sempre a posição mais nobre. Eu disse que entendia que a organisação da segunda camara devia ter feita da aristocracia, mas disse logo que eu entendia por aristocracia uma illustraçaõ que dá de facto um poder, já se vê que eu não alludia a azul a brocados de ouro, mas a todas as espécies de illustração.

Disse mais que eu dava ao Rei o direito de designar as pessoas que compunham essa aristocracia em virtude da lei, e que ella era assim como o recenseador dessa classe, como tendo esse direito preexistente, e como sendo o chefe supremo do poder administrativo.

Sr. Presidente, disse eu da primeira vez que a theoria de organisação social era como a astrologia judiciaria, todos, que tem faltado a esse respeito, tem apresentado quantidades positivas e negativas, que se destroem; não ha um único argumento que não tenha uma resposta terminante; vejo brilhantes discursos por um e outro lado, uns que não convencem, e então digo como o abbade Lamenais, quando definiu uma declamação, é um discurso vehensente, que não corta as dificuldades. Eu noto que todos os Srs., que tem fatiado suppõe que não ha salvação fora dos seus principiou; eu seu muito tolerante, e estou persuadido que ha salvação em todas as opiniões, nós tractando de hypotheses, que dependem de eventualidades, que ninguém póde calcular: se nos poderemos reunir todas as opiniões valia bem a pena, mas não consta que, tendo havido seguros, sobre tudo, ninguém segurasse a Constituição. Eu tendo este septiciomo, vou ver te explico a minha doutrina.

Disse eu que não podia reconhecer na universalidade do suffragio a expressão da vontade da nação, é verdade que eu reconheci a expressão da vontade da maioria da nação, mas note-se bem esta maioria representada pela universalidade do suffragio é a maioria numerica das massas; nós não podemos considerar catas mansas senão como a somma das individualidades, mas se esta somma relativamente ao numero é uma somma importante, se ella mesmo em quanto á sua entidade é muito importante, por ventura a somma d'essas vontades dará em resultado uma expressão, que seja igual á vontade illustrada, conscienciosa, intelligente,
moral, real, intellectual da nação? De certo não, porque então tinhamos que, todas as vezes que houvesse a expressão da universalidade do voto da nação, nós tínhamos designada expressamente a vontade da nação tem acontecido isto? De certo não. Mas eu não quero negar às massas a universalidade do suffragio no que lhe compete, e quero que na primeira camara esteja representada essa
universalidade de suffragio, mas que na segunda esteja representado o voto da minoria numerica, mais maioria real, intellectual, e moral, e então combino até certo ponto com as idéas, que apresentou o Sr. Deputado, a quem alludo, e que são apresentadas por Mr. O'Connell na Inglaterra. Alguns Srs., que faltaram nesta materia dão a organisação da segunda camara por direito alheio é um direito muito próprio dir-se-ha que isto é idéa aristocratica. É sim Sr., eu o confesso, mas pergunto, qual é o homem que não aspira a elevar-se da classe a que pertence? Qual e o que nas sociedades presentes e futuras, não deseja elevar-se sobre os seus concidadãos?

Este desejo é o desejo maio nobre que póde dar-se: é elle que fez que Mucio Scevola fizesse sacrificios pela sua patria, e Egas Moniz fosse apresentar-se com a corda ao pescoço, e seus filhos a um Monarchias estrangeiro, tendo ficado por fiador do seu Rei. Este desejo de se estremar dos seus e os cidadãos, e este estalão que a lei marca, e a qualidade de auciàu, que foi sempre reconhecida por todas as nações mais livres do mundo pelos Romanos, Gregos, Carthaginezes, e todas as rações, e mesmo pelos Gaanlezes, que tinham um Senado d'anciãos, digo que se marcarmos uma bitola para este cargo, não haverá um só que não diga, eu um dia posso sentar-me naquellas cadeiras. Por tanto, eu quero que as cathegorias designem o direito proprio de cada um, estas cathegorias constituem o direito aquelle que chegou áquelle escalão social, o Rei não faz senão designar as pessoas nestas cathegorias. O exercicio da funcção é dependente da quantidade, quero dizer se acaso elles são tantos, que não possam representar-se em comissios individual, e singularmente, então entendo eu que devem ser eleitos pelos seus pares, e nunca pelo suffragio universal. Eu reconheço salvação em ambos os principios, e o meu desejo é, que em resultado se consigo o bem da nação não se diga com tudo que não deve defender só aos interesses das minorias, deve, e a prova é o que já se deu nesta Casa por quanto, daquelle lado
sentavam-se trinta e tantos Srs. Depenados, que coustituiam aqui uma minoria, das que representava nos principios a maioria da nação, e á qual se deve essa opposição que fez com que cahisse o Ministerio, e os homens que os sustentavam, porque aqui havia só uma maioria fysica, e não moral.

Sr. Presidente, eu disse que votava pela segunda Camara da nomeação do Rei, mas expliquei a maneira como -. eu quero cathegorias, e que sejam estas que dêem o direito, mas que seja o Rei como recenseador quem escolha essas pessoas. Eu tomara por certo que a Nação Portuguesa estivesse no caso de se poder constituir, sem que houvesse ambições, porque o melhor era cada um representar os seus interesses - mas não o está, Sr. Presidente, os principios que eu acabar de appresentar, que são novos, não são os de Mr. O'Connell, mas são essencialmente os do Sr. Silvestre Pinheiro, o até certo ponto os de Mr. O'Connell são estes princípios os que me obrigaram a votar por uma Camara assim constituida. Eu voto por um Senado da nomeação do Rei; voto pela cathegoria das pessoas que devem ser eleitas, a quem eu dou um direito proprio. Agora direi que tambem entendo que, se o Senador deixar dizer, por exemplo, o rendimento que é preciso ter para ser Senador, ou um qualquer dos outros requisitos que a lei
exigir, elle deve deixar de ser Senador em virtude da lei, mas deve só deixar de o ser, em quanto á funccionalidade.

O Sr. Silvestre Pinheiro deixa para a organisação de certas Juntas governativas do paiz o Deputado, que por mais de uma vez se assentar na Camara Legislativa. Esta cathegoria, que se dá a um Deputado, é por assim dizer, um caracter indelevel que fica impresso na pessoa que exercitou esta profissão - da mesma maneira quero eu que um Senador que o chega a ser conserve sempre a qualificação como tal.

Julgo ler dado, tanto quanto me foi possível, a explicação das doutrinas que aqui apresentei a primeira vez que fallei sobre esta materia: - seria importuno se fosse roais longo, e enriçaria o Congresso, ainda que eu entendo que quando se tractam materias taes, não pode reputar-se perdido o tempo que com ellas se gasta. Tenho pois apresentado a minha opinião: - são os meus principios são maus, confesso que é por erro de entendimento, e não de vontade.

O Sr. Presidente. - A hora deu, o por isso passa-se a ler a correspondencia.

O Sr. Moniz: - Eu pedi a palavra sobre a ordem para dizer a V. Exca. que ha cinco dias que pedi a palavra para ler um requerimento, e não me havendo ella podido ser dada senão no fim da leitura da correspondencia, e havendo esta sido muito grande, não tenho por isso podido lê-lo - e esta a razão porque eu pedia a V. Exca. a que me fosse dada agora a palavra para este fim, porque o requerimento é de materia importante.

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O Sr. Presidente: - Mas eu tenho a dar parte ao Congresso que está sobre a Mesa um Officio do Sr. Ministro da Fazenda, que é importante, e do qual se não póde deixar de tomar conhecimento: - o Sr. Secretario o vai lêr.

O Sr. Secretario Rebello de Carvalho deu conta, do seguinte expediente.

1.º Um Oficio do Ministerio da Fazenda pedindo uma declaração explicita das Côrtes; se apezar da Carta de lei de 7 do corrente o Governo fica ainda authorisado a levar ao devido cumprimento operações, que já tinha encetado para levantar fundos no paiz, em virtude da lei de 14 de Julho proximo preterito.

O Congresso decidio que fosse remettido á Commissão de Fazenda pare dar o seu parecer com urgencia.

2.º Um Officio do Ministerio dos Negocios Estrangeiros, acompanhando outro do Ministerio da Guerra ácerca da partida para Hespanha dos presos hespanhoes, que se acham na Torre de S. Julião.

Sobre este Officio teve a palavra.

O Sr. Midosi: - Requeiro que esse Officio vá á Commissão Diplomatica, porque ella tem de apresentar amanhã um Parecer sobre este negocio, e então póde tambem tomar conhecimento desse Officio, e delle fazer menção no seu Parecer; Parecer, que julga de absoluta necessidade o tomar algumas providencias a este respeito; por quanto o Governo do Portugal não póde nem deve continuar a ser carcereiro desses homens. (Apoiado.)

O Sr. Gorjão Henriques: - Eu creio que a Commissão Diplomatica, como o Sr. Midosi acaba de dizer, ha de tractar destes presos no seu Parecer, e que tomará medidas para que a entrega desses homens não se faça de maneira tal, que elles vão ser victimas. (Apoiado, apoiado.) E que não pareça que o Governo de uma Nação liberal, em lugar de lhes dar a protecção e direito das gentes, vai ser quem os leva ao cutelo do algoz, ou ao massacre dos partidos.

O Sr. João Victorino: - Está entendido, Sr. Presidente, que quando o Governo mandar fazer essa entrega, não ha de ser feita de maneira, que esses emigrados vão ser victimas da barbaridade, e da anarchia desenfreada de uma população sem humanidade, e sem temor a lei alguma. O que eu porém desejava saber era, se o Governo tomou já algumas providencias a respeito desse italiano que lá está governando com vara peior, do que de ferro sobre os Officiaes, que estão na Torre. E' necessario lembrar que alli estão homens de muito boa educação, homens de muito respeitaveis familias no seu paiz, homens de instrucção, em fim homens desgraçados, e ha muito tempo perseguidos injustamente, e que não são escravos, ainda que como taes tenham sido tractados.

O Sr. Leonel: - Agora, Sr. Presidente, não sei que possa haver discussão sobre esta materia. Um Sr. Deputado pedio que esses Officios fossem remettidos á Commissão Diplomatica, para terem tomados em consideração em um parecer; este mesmo Sr. Deputado diz que elle ha de ser apresentado amanhã; é então occasião de ser discutido; mas agora não é occasião para tal. Peço pois a V. Exca. tenha a bondade de perguntar ao Congresso, se esses Officios hão de ser remettidos á Commissão Diplomatica; decidido que sim, agora não temos nada a tractor.

O Sr. Visconde de Fonte Arcada: - Eu desejo que os Officios vão á Commissão, mas eu pedi a palavra sobre a ordem, por ver que havia um desejo de pôr termo a esta discussão; eu digo que não se deve pôr termo a ella, porque a materia é importante, e peço desculpa ao Sr. Leonel de o contradizer, mas era isso minha obrigação; agora sómente direi que o requerimento dos hespanhoes, que um Sr. Deputado aqui apresentou, foi remettido ao Governo; um requerimento daquelles, quando se remette ao Governo, é porque merece a séria attenção; entendo pois que era obrigação sua informar-nos do resultado que tenha tido, e se os factos eram verdadeiros; isto até por honra dos proprios acusados; se o Governo não der resposta aos requerimentos que lhe pedirem informações de factos arbitrarios, de nada servirá o nosso zelo; peço pois que o Governo responda, declarando se os factos alli apontados são falsos, ou verdadeiros: por em quanto nada mais direi.

O Sr. Zuzarte: - Sr. Presidente, se eu não estou mal informado, creio que o Governo tem dado passos sobre este objecto, e tem dado passos, talvez alguma cousa precipitados, como mandar responder a um concelho de disciplina uma authoridade sem primeiro ter sido ouvida; eu digo isto, para que o Congresso tenha conhecimento disto, e não accuso o Governo sem motivo.

O Sr. João Victorino: - Eu perguntei por está questão aos Srs. Ministros, e me disseram que o homem estava respondendo a um concelho de averiguação; mais não pode fazer o Governo: talvez, como alguns Srs. tem dito elle possa justificar se; com tudo as apparencias são contra. Os queixosos estão presos, estão humilhados, e entre cousa é fazer em tal situação, ordinariamente em tempo de corrupção, a justiça está sempre pelos mais felizes. Entretanto os hespanhoes nada outra cousa supplicam, senão que se proceda a uma seria e fiel investigação sobre estes casos, e sobre a sua terrivel situação.

E' preciso notar que elles nupea fizeram queixas contra o Governo passado: e mesmo agora estando, como estão, em grande oppressão, nem uma só palavra apresentam offensiva ao actual governo, o que mostra a sua educação.

Não havendo mais quem tivesse a palavra, o Congresso decidiu, que estes officios fossem remettidos á Commissão diplomatica.

O Sr. Vascancellos Pereira: - Eu tenho a honra de ser membro da Commissão diplomatica, peço a V. Exca. que declare aquelle parecer urgente, e que na hora de prorogação o deixe discutir.

O Sr. Presidente: - Não posso declarar urgente um parecer, que não está ainda sobre a mesa; além disso o Congresso tem marcado a ordem dos trabalhos.

O Sr. Vasconcellos Pereira: - Peço ao Congresso que, logo que seja apresentado o parecer, o faça discutir na hora de correspondencia (sussurro).

O Sr. Presidente: - Passa-se a ler o resto da correspondencia.

O Sr. Secretario Rebello de Carvalho deu conta de

3.° Um officio do Ministerio da Marinha e ultramar, enviando a Carta de lei de 6 do corrente mez, e o authografo do decreto correspondente já sanccionado por Sua Magestade a Rainha sobre a pendão de 2:400$000 réis, concedida ao almirante conde de Cabo de S. Vicente. Foram para o archivo.

O Sr. Presidente: - A correspondencia foi muito pequena, apenas constou de tres officios. O Congresso deliberou que se discutisse o resto do contracto dos vapores. Alguns projectos para segunda leitura estão sobre a mesa. Desejo pois saber, por onde se deve começar.

O Sr. Judice Samora: - Sr. Presidente, o negocio para que pedi a palavra, é de summa urgencia; tende a fazer justiça, e o Congresso ha de sem duvida faze-la, dando-me V. Exca. a palavra antes de entrarmos nesses trabalhos.

O Sr. Presidente: - Devo ponderar ao Congresso que homem ficou adiada uma discussão; assim resolverá, sequer continuar nella.

O Sr. Leonel: - O Sr. Deputado author desse additamento pedia que elle fosse remettido á Commissão; isso é cousa que se póde fazer sem discussão; a Commissão dará o seu parecer, nessa occasião se discutirá, e então passemos a outros trabalhos.

O Sr. Presidente: - A proposta do Sr. Barjona é esta.

Proponho que se exijam da empresa garantias sufficientes do cabal cumprimento de todas as condições do contracto: os Srs., que são de opinião que esta proposta vá á Commissão de administração publica queiram levantar-se.

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O Congresso decidiu affirmativamente.

O Sr. Secretario Rebello de Carvalho leu a tabella do projecto n.° 76 sobre o contracto da empresa dos barcos a vapor, e foi approvada sem discussão.

Leu igualmente um parecer da Commissão eclesiastica sobre o projecto de lei, apresentado pelo Sr. Galvão Palma ácerca da diminuição das taxas, que sobre a carta da nomeação das parochias lhe impoz o decreto de 31 de Dezembro de 1836.

O Congresso decidiu que se mandasse imprimir tanto o parecer, como o projecto.

Teve segunda leitura um projecto de lei, assignado por vinte e nove Srs. Deputados para que se dispense o artigo 99 da Constituição unicamente para o fim de se galardoarem os militares Deputados, que no campo de batalha se distinguiram contra os revoltosos.

Sobre a Commissão a que havia de ir este projecto disse

O Sr. Leonel: - A questão não é de legislação de maneira nenhuma, é toda de constituição, agora se a Commissão de Constituição quizer ouvir outra, é cousa que não ha duvida; eu não sou suspeito, porque sou membro de ambas as Commissões.

O Sr. Barão da Ribeira de Sabrosa: - A questão é tanto da Commissão de legislação, como da de constituição, e por isso desejo que sejam ouvidas ambas as Commissões reunidas.

O Congresso resolveu que fosse remettido ás Commissões de Constituição e legislação reunidas.

O Sr. Nunes de Vasconcellos: - Peço a V. Exca. que não esqueça de officiar-se ao Sr. Deputado por Coimbra, para que compareça no Congresso, para se chamar no caso que elle não venha o immediato substituto.

O Sr. Secretario Rebello de Carvalho: - Já officiei.

O Sr. Derramado: - Ha dias apresentei um requerimento era nome dos estudantes da universidade, que se alistaram em defesa da patria, pedindo dispensa do excesso das matriculas que hão de pagar pela nova lei: este requerimento foi remettido á Commissão de instrução publica, para dar o seu parecer com urgencia; eu peço que V. Exca. convide a Commissão para dar este parecer immediatamente, porque está a expirar o praso das matriculas.

O Sr. João Victorino: - E' para isto que eu tinha pedido a palavra, apoio aquelle discurso, porque os estudantes são benemeritos tanto como os outros a quem se fez uma graça ha pouco. Elles nada menos merecem. Elles estão alistados em um batalhão académico. E' de notar que a juventude da universidade tem cem vezes pegado em armas, e defendido a nação, antes que a ninguem viesse á cabeça que bateria em Lisboa um batalhão academico. Ora estas considerações deviam fazer alguma impressão mais na resolução da Commissão de instrução publica.

O Sr. Judice Samora: - Entrou hoje na Commissão de petições um requerimento de Manoel Thomaz de Menezes, aspirante a official de infantaria n.° 18, que se acha preso no castello de S. Jorge: diz este cidadão que foi preso no Porto, como suspeito de conspiração nos principios de Setembro ultimo, e remettido para o castello; mas que os que foram presos por iguaes motivos se acham em liberdade, e que elle não só não goza deste bem, mas até se lhe negam os meios de subsistencia.

A Commissão, Sr. Presidente, bem vio que este negocio devia ser em lado á Commissão de guerra independentemente de vir ao Congresso, mas olhando essa pratica demasiadamente morosa, visto não haver já um dia destinado para as commissões, e achando o negocio importante deliberou-se a dar o seu parecer, prescindindo daquella formalidade, a fim de que com a possivel brevidade se faço justiça a quem a reclama.

O parecer da Commissão é que este requerimento seja remettido á Commissão de guerra, a fim de que esta dê o seu parecer com urgencia.

O Sr. Barão da Ribeira de Sabrosa: - O objecto é tão simples, e ao mesmo tempo materia tão importante, que me parece que o Congresso conviria em que o requerimento fosse mandado ao Governo para nos dar os esclarecimentos necessarios.

O Sr. Leonel: - Eu queria pedir a mesma cousa.

O Sr. Judice: - A Commissão concorda.

O Congresso resolveu que fosse remettido ao Governo.

Teve a palavra para um requerimento urgente.

O Sr. Gorjão Henriques: - Em duas palavras digo o que pertendo, e por isso se conhecerá se é ou não urgente. Muitos individuos da guarda nacional deixaram de ir ás linhas, isto foi causa de se lhe passarem ordens de prisão, que ainda estão em vigor, e por isso tantos cidadãos estão inhibidos, não só de se apresentarem nos batalhões, mas privados de viverem com suas familias; durando assaz ainda para elles o mesmo flagello do tempo da suspensão de garantias; para obstar a isto faço este requerimento. = Requeiro que o artigo 3.º do decreto de 2 de Outubro, que perdoa os crimes militares, seja applicavel á guarda nacional.

O Sr. Leonel: - Sr. Presidente, uma simples observação me parece bastante para mostrar que nós não podemos occupar-nos de semelhante materia, e é que ao throno é que compete perdoar.

O Sr. Gorjão Henriques: - Eu apresentei ao Congresso a minha idéa, elle decidirá o que lhe parecer; mas decerto se o meu requerimento não é parlamentar, o que eu não contestarei, com tudo creio que ninguem duvidará que seu objecto é constitucional, (apoiado, apoiado.) Por tanto mostrei meus desejos, e minha opinião, e se ocaso pertence ao executivo, o que fiz pertence ao homem justo, e igual. (Apoiado, apoiado.)

O Sr. Judice Samora: - O Sr. Deputado pertende que se faça extensivo a certos individuos o perdão comprehendido no decreto que citou; mas S. Sa. sabe que perdoar é exclusiva attribuição da Corôa, que Sua Magestade foi quem concebeu, e promulgou aquelle decreto, e que por tanto é a Sua Magestade, e não a nós, que pertence amplia-lo; conseguintemente não tem logar o requerimento.

O Sr. José Estevão: - Sr. Presidente, quem fez o decreto, fe-lo no seu direito de agraciar; tractar de fazer qualquer applicação, é invadir attribuições que não nos pertencem, por consequencia não póde ser admissivel este requerimento.

O Sr. Gorjão Henriques: - As Côrtes decidam, não pertence ás Côrtes.

O Sr. Barão da Ribeira de Sabrosa: - A pratica seguida é ficarem os requerimentos para segunda leitura; fique esse tambem para ámanhã.

O Sr. Presidente: - Entrou em discussão, porque era urgente.

O Sr. Barão da Ribeira de Sabrosa: - Mas eu faço um requerimento; estou no meu direito.

O Sr. Leonel: - Materia tal não póde ficar para ámanhã; é preciso decidi-la hoje.

O Sr. Barão da Ribeira de Sabrosa: - Eu não entro no merito da questão; quero só faltar na fórma, pedindo que se transfira a discussão para ámanhã.

O Sr. José Estevão: - Não sei que houvesse ainda um requerimento, que fosse a uma Commissão; tem sido apresentados pelos Srs. Deputados muitos, e diversos, e todos tem sido decididos pelo Congresso sem intervenção do parecer de commissões, e então não tendo havido nenhum que vá a uma Commissão, como é que se quer fazer uma excepção a respeito do requerimento do Sr. Gorjão?

A requerimento do Sr. Judice o Sr. Presidente propoz se esta materia estava discutida, e o Congresso assim a julgou.

Posto o requerimento á votação foi rejeitado.

O Sr. Presidente: - A hora deu, a ordem do dia para ámanhã é a continuação da discussão da Constituição. Está levantada a Sessão. Eram quatro horas da tarde.

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