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SESSÃO DE 12 DE OUTUBRO.

(Presidencia do Sr. Macario de Castro.)

ABRIU-SE a sessão ás onze horas e meia da manhã, estando presentes noventa Srs. Deputados.

Leu-se e approvou-se a acta da sessão anterior.

ORDEM DO DIA.

O Sr. Presidente: - Entramos na ordem do dia; continua a discussão sobre a organisação da segunda Camara; o Sr. Tavares Ribeiro tem a palavra.

O Sr. Tavares Ribeiro: - Sr. Presidente, serei muito breve na minha palavra, assim por economia do tempo assaz precioso para os muitos afazeres deste soberano Congresso, como porque estando a materia em discussão a meu ver já exhausta, e levada ao ultimo gráo de illustração pelo grande numero dos nobres oradores, que tem fatiado sobre ella, eu não faria senão repetir grosseiramente o que elles pronunciaram com toda a arte, e delicadeza, e por tanto sómente me demorarei em declarar a minha opinião, a fim de constar á nação, e especialmente aos meus constituintes, qual ella foi; e, se ella não lhe agradar, persuadam-se ao menos que, o meu desejo é acertar, e que é dada segundo os dictames da minha consciencia. Está em discussão o saber-se como deva nomear-se a Camara dos Senadores, e que duração haja de ter; Sr. Presidente, estando eu intimamente convencido de que a uma eleitoral não é um meio totalmente seguro, e de toda a confiança para a boa eleição dos candidatos, por quanto é innegavel que na uma eleitoral se lançam centenares de votos a favor de pessoas, das quaes os eleitores não tem o mais pequeno conhecimento, nem informação, tanto das suas virtudes, como dos seus vicios; e, o que ainda é pêor, a favor de pessoas, que na verdade conhecem, mas cuja conducta politica lhes devia tolher as mãos para não lhe lançarem na uma os seus suffragios, conduzidos pela insinuação dos seus protectores, e amigos, infiro por tanto desta breve reflexão que havendo algum outro meio, que junto ao da uma eleitoral sirva como da apuro, e de correctivo, a eleição deverá suppor-se mais perfeita, e de outra segurança; e nestas circunstancias sou da opinião que os membros, que devem constituir, e formar a Camara dos Senadores, tenha o seu começo no povo por meio de collegios eleitoraes, e que dispostos os eleitos em listas triplices subam ao Rei, e alli lhe faça o apuro, que lhe approuver; ou, fallando de outro modo, que os eleitos pelo povo passem deste primeiro estado a que chamo de embrião para o Rei, a fim d'alli passarem ao estado de imagem revelada, por me servir da expressão dos naturalistas, participando a eleição de um e outro meio. No tocante á duração, que devem ter os membros eleitos para a Camara dos Senadores, eu tenho muito presente as reflexões, e illustrações, que a tal respeito se tem produzido, como a independencia, a estabilidade, e outras; mas depois de eu as ter pesado, e considerado repetidas vezes, sou em fim de parecer que elles sejam temporarios, evitando assim para o futuro o inconveniente de se não poder remediar os abusos, que se praticassem, sendo os membros da Camara vitalicios; e com effeito é muito provavel que a uma eleitoral re-elegerá aquelles membros, que se tornarem dignos de conservação, e que excluirá aquelles, que forem podres, e incapazes de estarem em um coro destinado para a harmonia, e bem da patria. Taes são, Sr. Presidente, os sentimentos, que me assistem ácerca da nomeação, e duração dos membros, que devem constituir, e compor a Camara dos Senadores.

O Sr. Nunes de Vasconcellos: - Pedi a palavra simplesmente para dar uma explicação sobre um exemplo dado no meu discurso, que foi censurado pelo Sr. Barão da Ribeira de Sabrosa. Elle asseverou que eu tinha dito que os juizes eram inamoviveis, e que não deviam ser assim os Senadores: isto é, os membros da segunda Camara que deviam ser vitalicios; perdoe-me o Sr. Barão que lhe diga que se enganou, ou que não me percebeu, porque eu disso que já tinhamos juizes inamoviveis, e assim que eu não queria que os Senadores fossem tambem inamoviveis, e foi isto simplesmente o que eu disse: porém S. Exca. não me entendeu, e por isso me fez uma censura. S. Exca. sabe muito bem que pelas nossas leis antigas se estabeleceu que os officios não fossem propriedade de ninguem; isto era estabelecido pelas leis feitas pelos governos absolutos. Ora como a nomeação vitalicia importa uma especie de propriedade, por isso concluo que assim como nos empregos menores não deve haver propriedade, tambem senão deve admittir nos cargos de maior transcendencia, quaes os de Senadores, e por isto só, e nada mais julguei dever dar esta explicação.

O Sr. Faustino da Gama: - Sr. Presidente:

Frios sustos não adejem
Em torno desta Comêna,
Pois se alguns me criminarem
A razão não me condemna.

Tracta-se, Sr. Presidente, da organisação da segunda Camara; deve esta ser electiva, e temporaria, ou vitalicia? A minha opinião é que sendo electiva, e temporaria se dará um grande golpe na liberdade, que as consequencias serão más tanto dentro como fóra do paiz! Resta demonstra-lo, Sr. Presidente; uma Camara electiva, e temporaria seria uma só Camara em duas fracções com a mesma origem, e por consequencia sem probabilidade da utilidade que deve tirar o paiz d'uma segunda Camara bem organisada; seria irrisorio o ver uma segunda Camara sujeita aos continuos caprichos da urna attento o seu fim, aos quaes por certo se não submetteria de bom grado a propriedade; esta deidade ciosa vôa, e foge de todo o paiz, que lhe não queima o incenso, que ella exige, e nunca lhe falta aonde seja bem hospedada: por consequencia teriamos uma segunda Camara composta como a primeira, mas com menos dignidade, e por isso poucos que acceitassem o logar daquelles, que lá deveriam ter assento, visto que os representantes do povo tendo como, devem ter os cordões da bolça publica na sua mão, a iniciativa para tributos etc., que lhe são privativos, e que faz o togar mais dintincto, garantias estas que são a meu ver a chave da Constituição, e das quaes como representante do povo que sou, nunca cederei nem um apice.

Sr. Presidente, uma segunda Camara, que não tenha uma independencia completa, não é, não póde ser o censor dos actos dos representantes do povo, assim como dos do governo; já não é o grande jury que deve dar o seu verdict era favor dum ou outro elemento, quaes o povo, e a Corôa, que é da natureza das cousas estejam muitas vezes em questão; faltando-lhe a mais perfeita independencia não será juiz imparcial, e conseguintemente tornar-se-ha despresivel, e eis o grande golpe na liberdade, que não concebo que possa durar sem o necessario equilibrio. Eu não irei, Sr. Presidente, buscar na antiga historia documentos para reforçar meus argumentos; não preciso revolver as mumias do Egypto, nem as cinzas do Capitolio; e tu Athenas, e Esparta tambem te dispenso; nem sequer da historia moderna quero mais que o que temos visto em nossos dias, e com isso julgo eu poderei fazer ver que um movimento demasiado rapido em politica, é sempre o precursor do despotismo. Quando a França se revolucionou em 1830, e que pôz o mundo em abalo, esse poder colossal que fez? Reformando a sua Carta, deixou-lhe uma segunda Camara vitalicia: em Inglaterra, o Agitador por excellencia, (eu não uso da palavra Agitador para menos cabar) fallo de Mr. O Conell, que

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tinha querellas particulares que vingar Camara dos Lords quando propoz a sua reforma nunca se lembrou de uma Camara electiva, e temporaria: e Porque tinha, como tem, o bem do seu paiz a peito, e é homem que vê ao longe Sr. Presidente, eu não quero dizer que os illustres Deputados, que aqui sustentam o contrario, não tenham a mais perfeita boa fé; não certamente, porque sendo eu admirador daquella maxima do grande Bailcy, um dos mais distinctos jurisconsultos de Inglaterra, que sustenta que everi man is intilcul to his own thoughts and ideas, por isso de bom grado concedo aos mais, o que reclamo para mim, a mais perfeita boa fé; nem se diga nós não precisamos déssa garantia, temos assaz força para resistir a quaesquer ataques, Sr. Presidente, eu não acredito que constituida, como se acha actualmente a nação portugueza, se possa dispensar tão essencial garantia, porque, Sr. Presidente, Lisboa é testemunha de qne já em 1823 se disse isso mesmo; lagrimas se derramaram com as mãos nas espadas, no meio da representação nacional se fizeram protestos de morrer sustentando as instituições juradas, etc., e o que se viu Sr. Presidente? As lagrimas eram de Crocodilo; os que choravam foram para Villa Franca, e em poucos dias o absolutismo triunfou! Sr. Presidente, já aqui nos aconselhou um soldado da liberdade, um distincto collega nosso, que bastava de experiencias. Eu, homem independente, sem partido, sem aspirar a mais que á conservação de uma casaca liza, como esta tal, e até da mesma côr da que usava o grande Washington, aconselho o mesmo; devo á liberdade (com ordem) de outro paiz, o que possuo; sou por isso amigo sincero da liberdade justa, e moderada; com estes princípios fui chamado do seio da minha familia. Recebi um mandato dos habitantes de Lisboa para vir aqui, nisso fiz grande sacrificio: aqui estou forte para sustentar as minhas convicções, se não agradarem que me não tornem cá a mandar; entretanto com ellas firme declaro que não cedo a ninguem em amor ao meu paiz, e com o mote que adoptei de que :

Frios sustos não adejem
Em torno desta Camêna
Pois se alguns me criminar em
A razão não me condemna;

prosseguirei na minha carreira. Diz-se-nos que uma segunda Camara electiva é maior garantia! Sr. Presidente, os cordões da bolsa publica são a grande, a formidavel garantia do povo: o mais illude-se. Quando a camarilha (segundo então se disse) d’El Rei de Inglaterra repentinamente conseguiu que o monarcha demittisse o patriotico Ministerio Grey, chamando o duque de Wellington a formar uma nova administração opposta aos principios da reforma, que auxilio achou elle, o primeiro capitão ao seculo, o profundo politico, n’uma Camara de Lords hereditaria, no veto absoluto, e tantas mais garantias em quantas abunda a Corôa de Inglaterra? Nenhum; tudo cahiu, tudo foi nada em presença da grande garantia; os cordões da bolsa publica, que estavam nas mãos dos representantes do povo. Lodr Ebrington fez uma moção na Camara dos communs para que se suspendessem os subsidios á nova administração, que o duque Wellington ia formar: (o que se venceu) em seguimento outra, para que se mandasse uma respeitosa mensagem dar parte a Sua Magestade daquella resolução; e o que se seguiu Sr. Presidente? O duque de Wellington o declarou logo na noite immediata na Camara dos Lords, que em virtude daquella resolução elle não podia organisar uma administração, porque sem meios não ha governo: esta, Sr. Presidente, é a grande garantia toda do povo, e a sua taboa de salvação; garantia nunca exercida em Portugal até á convucação deste Congresso; e foi na Commissão de fazenda a que pertenci, que (como V. Exca. bem sabe) se notou ao Ministerio que, se queria continuar a receber os antigos impostos antes de votado o orçamento, o pedisse aos representantes do povo neste Congresso reunidos; assim se fez, e bom é que o povo saiba que sem o consentimento de seus representantes não são obrigados a pagar os mesmos tributos dous annos seguidos, porque todos os annos devem ser votados, augmentados, ou diminuidos, conforme os ditos seus representantes julgarem para bem do paiz.

Sr. Presidente, em duas visitas, que fiz a Portugal no tems po da usurpação observei que os miguelistas dizam = temo-a tropa, temos as massas, mas tudo que tem propriedade são nossos inimigos; não importa, diziam alguns menos reflectidos; e a um dos mais notaveis ouvi dizer = em se cortando seis mil cabeças estamos descançados; e como elles tem propriedade, tanto melhor, porque temos que dar aos patriotas. Assim pouco mais ou menos o dizia tambem o padre Lagosta, quando escrevia dos que fugiam: deixa-los ir, como cá lhes fica a propriedade temos mais que repartir pelos benemeritos. Sr. Presidente, tudo isto é recente; as massas, as baionetas, a mesma tyrannia, tudo cahiu; e todo o governo que se não apoiar na propriedade, e no talento, cahirá. Muito mais longe podéra eu levar meus argumentos com factos de nossos dias; porém concluirei votando por uma segunda Camara vitalicia, tirada da propriedade com censo.

O Sr. Franzini: - Sr. Presidente, tractando-se de um dos objectos mais transcendentes do novo Pacto Social que este illustre Congresso vai offerecer á briosa Nação que representa, julguei do meu dever motivar a minha opinião, não me limitando a um voto silencioso, porém sem a vaidade de me persuadir que poderia esclarecer uma questão já tractada com a maior eloquencia, e erudição pelos conspicuos talentos que adornam este Congresso. — Acresce mais que a minha posição social, e a fallencia de ambição mo collocam na situação mais imparcial a este respeito, pois não aspirando ao eminente logar de Senador, fico por isso mesmo livre em advogar a cerca da segunda Camara, sem receio de que se me possam attribuir nas particulares.

Começarei pois declarando francamente, que não diviso estabilidade alguma nas instituições projectadas, uma vez que a segunda Camara não seja vitalicia, de origem diversa da Camara electiva, o composta do cathegorias escolhidas por um sistema mixto nas quatro classes da aristocracia dominante, já definidas com tanta exactidão por alguns illustres oradores; a saber, a do nascimento, da riqueza, dos talentos, e do poder. — Póde o Congresso legislar sobre o papel, o que bem lhe parecer, mas já mais fará desapparecer de facto a poderosa influencia que estas classes exercem sobre a especie humana, quando ella se acha reunida em sociedades. A historia de todos os tempos, a nossa experiencia, e o raciocinio nos fazem palpavel esta verdade; logo se estas classes não forem interessadas na conservação das instituições, ellas minoram a sua base, e o edificio promptamente se derrubará. Consiste pois a habilidade em identificar os interesses destas classes com os da sociedade em geral. Foi este o grande problema politico, que a illustração dos tempos modernos parece ter resolvido na creação de duas Camaras, e é aos seus inventores que nós devemos recorrer se quizemos acertar. É á experiencia e á theoria creada pelas duas mais poderosas e illustradas Nações do Universo, a quem devemos pedir os esclarecimentos necessarios para resolver tão delicado problema.

O que se observa pois na Inglaterra, paiz classico de uma bem entendida liberdade? Uma Camara hereditaria, escolhida pelo Rei entre as personagens mais salientes da Nação. Em França os mesmos principios regulam a existencia dessa segunda Camara, com a differença ultimamente introduzida, de ser vitalicia. — O mesmo se observa em todos os estados da Allemanha, aonde existe o systema representativo, e até mesmo no Brasil, apezar da sua reconhecida tendencia para a democracia. — Mencionou-se as duas exoticas excepções da Belgica e da Hespanha; porém

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não aproveitam-se estes exemplos já tão habilmente censurados por um illustre Deputado, que se senta ao meu lado esquerdo. Elle mostrou a origem, viciosa destas duas excepções de uma maneira, que só deixa o desejo de nos afastarmos de tão ruim exemplo, cuja origem é tão suspeita.

Note-se bem que as regras deduzidas da experiencia estão perfeitamente conformes sem theorias expostas pelos mais abalisados Publicistas europeus, e que já todos foram citados nesta Camara peles eruditos oradores, que me precederam. Estes grandes escriptores demonstram com a maior evidencia a necessidade de uma segunda Camara, organisada conforme á opinião, que adopto, sendo este um dos casos, em que a theoria se conforma, perfeitamente som a experiencia.

Ora poderemos nós sustentar o absurdo de que este paiz se acha mais adiantado em illustração e civilisação do que as duas referidas Nações, para tentarmos uma experiencia que nos póde ser natal? De certo que não. Se, taes experiencias não custassem tão caras, e fossem como as da physica ou chymica, nas quaes se póde perder quando muito alguma retorta, ou reagente, muito embora se fizessem, mas n'estas tracta-se da felicidade, e tranquillidade de milhões de individuos, e por certo nenhum homem prudente hesitará sobre a preferencia dos methodos a seguir. — Observe-se o que temos lucrado com as nossas precipitadas innovações nos systemas administrativos e judiciarios! Quanto mais nos afastamos das nossas antigas instituições, tanto por foram correndo os negocios. — Impossibilidade de lançamentos nas decinas e suas cobranças, assim como nos outros ramos da arrecadação da fazenda publica. — Na bella instituição dos Jurados não se attendeu ao estado de desmoralisação, effeito de guerras civis tão prolongadas, que exaltaram as paixões, fazendo desapparecer a imparcialidade indispensavel para bem julgar; nem mesmo ás difficuldades de communicação. O crime fica impune, e quasi se vêm renovadas as horriveis atrocidades dos tempos feudaes. — Quando muito esta preciosa instituição só devia existir, nas grandes cidades, para depois marchar lentamente para o interior do reino — Pelo demasiado desejo de fraccionar, a authoridade pela massa do Povo, se tem esta attenuado ao ponto de perder a sua acção, existindo hoje mais de 40 mil individuos distrahidos de nas laboriosas occupações para se empregarem em uma governança, que tanto os incommoda. Disto tem nascido a indifferença para as eleições, e attenda-se ao que se observa ainda mesmo naquellas, que mais de perto tocam nos interesses locaes, como por exemplo a das Camaras Municipaes, Juizes Ordinarios, e Officiaes da Guarda Nacional, e outras muitas, nas quaes apenas concorre a decima ou vintessima parte dos eleitores.

Em presença destes factos, que se poderia esperar deixando á livre escolha das massas os individuos, que devem compôr a segunda Camara? A maior parte do Povo que não sabe ler, nem conhece as nolabilidades nacionaes, ficaria servindo de cego instrumento nas mãos dos audaciosos intrigantes, que despoticamente dominam nas diversas povoações. As listas lhe seriam fornecidas ás portas da Igreja, elle votaria á vontade do que domina. Este grande inconveniente ficará remediado adoptando-se a eleição proposta pelo illustre Deputado, que se senta no banco superior. — O Poder Executivo conhecendo exactamente os individuos das cathegorias mencionados, e pesando com reflexão e madureza suas capacidades, póde formar uma lista triplice, ou quadrupla, que offereça á Nação, para que ella possa fixar suas idéas, e escolher com acerto. — Esses Ministros contrahem uma grande responsabilidade perante a Nação nestas propostas, e por isso não poderão abusar.

Não posso deixar de notar, que o nosso defeito nacional é querermos attingir ao optimo, despresando a experiencia das Nações illustradas, e a lição da historia.

Quando em 1822 appareceu a Constituição de Hespanha, clamaram os nossos enthusiastas por outra mais liberal, e com effeito ella appareceu mais liberal; e qual foi o resultado? A deserção de um regimento para Villa Franca deitou a terra o edificio em um instante. Quizem os construir um palacio real, que excedesse a marca das pyramides do Egypto. — Já lá vão 50 annos e 10 milhões, e não temos mais do que um monte de cantaria. Projectou-se um thesouro publico, e o resultado foi desapparecer mais de um milhão só para os alicerces, e por fim estamos vendo arrancar as pedras desses mesmos alicerces, para usos communs, deixando só vestigios de grandes ruinas; e por fim citarei as famosas obras de Santa Engracia, tão apropriadamente convertidas em Pantheon.

É pois evidente que, apezar das melhores intenções, os que exigem um rapido progresso nas innovações, não fazem mais do que applanar o caminho aos sectarios do despotismo, o qual se estabelecerá facilmente sobre as ruinas desse accelerado e imprudente progresso.

Sirva-nos de exemplo a França, a qual cançada com os horriveis desvarios de seus theoricos legisladores se precipitou nos braços do grande e illustrado déspota, que recebeu como anjo libertador. Sr. Presidente! Os portuguezes estão já cançados com tantas experiencias, das quaes só tem colhido infortunios e desasocegos. Vamos pois pelo caminho seguro da experiencia. Esta nos ensina que o podêr e executivo tende ao despotismo, e o da Camara electiva á democracia. Logo a segunda Camara deve necessariamente ter uma origem e qualificações que a façam imparcial a estes dous extremes, e que sendo independente, quanto fôr possivel, daquelles dois podêres sirva para os equilibrar em suas attribuições. — Se aquella fôr temporaria e electiva, então deve reputar-se como uma secção da primeira Camara, da qual seguirá os impulsos; e então melhor seria fazer uma unica eleição, e separa-la á sorte para duas salas diversas.

Devemos igualmente attender ao que determinam mui positivamente as nossas procurações, as quaes nos mandam fazer uma Constituição que esteja em harmonia com as das nações mais illustradas. — Logo, não as imitando em ponto tão essencial, claro está que não cumprimos com o nosso mandato; além de que repeliremos sympatias dessas duas grandes nações, que tanto influem sobre os nossos destinos.

A intima convicção destas verdades me fizeram fallar com uma franqueza, que talvez me acarretará o epytheto de retrogrado; porém essa consideração não me faz recuar do meu dever. Uma vez que os meus compatriotas se dignaram mandar-me para este lugar, sem que eu o desejasse, ou fizesse a mais leve diligencia para o obter, cumpre-me fallar-lhes a verdade, tal qual eu a entendo.

Se desagradar ao maior numero, que me não renovem a sua procuração, ficando porém certos que obrei segundo os dictames da minha consciencia.

Concluirei pois repetindo que voto por uma Camara vitalicia, composta de individuos extrahidos das classes da aristocracia existente, e eleitas pelo systema misto, de que fiz menção, sendo gratuitas as suas funcções. Nestas classes, como já disse, ficam comprehendidos os altos funccionario-publicos —(rumor de desapprovação). Não obstante a reprovação que ouço, repito o mesmo, e appello para este mesmo Congresso sobre a verdade que assevero, pois nelle se acham comprehendidos 70 e tantos empregados publicos, que nenhuma influencia popular foi capaz de desviar da urna!

Seja-me ainda permittido observar que sendo este ponto um dos mais importantes da Constituição, parecia-me acertado adiar a sua votação até que cheguem alguns illustres Deputados, os quaes talvez devem apottar no sabbado. Desta maneira não nos privariamos de votos mui respeitaveis pelo saber e auctoridade de tão dignos representantes, podendo acontecer que se decida esta grande questão por uma pequena maioria de votos, dando lugar a que nos acusassem

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de precipitação, e diminuindo assim a confiança, que deve inculcar esta decisão.

O Sr. Visconde de Fonte Arcada: — Eu não tinha tenção de fallar nesta materia, especialmente depois de tantos e tão abalisados talentos a terem tão luminosamente discutido. No entretanto não posso deixar de dizer alguma cousa sobre ella, por quanto hontem um illustre Deputado se servio de expressões para fundamentar o seu voto, que me pareceram erradas, e não se deviam deixar passar sem algumas observações. O illustre Deputado, a que eu me refiro, deu dous motivos para estabelecer o seu voto: o primeiro foi que votava pela Camara temporaria, porque se ella fosse má, a eleição seguinte a mudaria: o segundo motivo que deu foi que a clausula da procuração, com que tinha sido honrado, e que tanto peso faria a alguns Srs., nada pesava na sua consciencia, por quanto estas procurações eram filhas da traição do Ministro, que tinha mandado escrever nellas a clausula, que alli se acha. Eu não esperava que o Sr. Deputado se servisse para fundamento da sua opinião d’uma falsidade tal, como a que o illustre Deputado apresentou.

Sr. Presidente, o Ministerio, a que o illustre Deputado se referio, foi um Ministerio que eu nesta Camara combati, quando julguei que o devia fazer: e quando eu tracto agora de deffender esse Ministerio de uma tal acusação não póde ser taxado de parcial, antes se reconhecerá que eu obro com justiça. (Apoiado) Eu vejo que as nossas procurações não são outra cousa, senão o resultado do convenio de Belem, ou de Campo de Ourique, e que vejo assignado por differentes pessoas respeitaveis, como o são as seguintes: os Srs. Costa Cabral, Anselmo Braamcamp, Garret, Sá Nogueira etc. etc. Digo pois que não sei como possa ser tida por traição uma cousa que tem a sua base neste convenio. Logo que appareceo a revolução de Setembro, o grito geral foi o de Constituição de 1822 com as modificações que se lhe fizessem. A nação adherindo a este desenvolvimento de opinião reconheceu que ao mesmo tempo que era preciso a todo o custo lançar fóra do podêr os homens que tinham feito patrimonio delle, julgou tambem que só o poderia conseguir mudando de instituições. (Apoiado, apoiado.) Houveram depois esses acontecimentos de Belem, os quaes (na minha opinião) longe de me parecerem contrarios ao progresso da revolução de Setembro, digo que o não foram, porque muita gente, que até então não tinha abraçado a revolução, então a abraçou, julgando que era necessaria para a liberdade do paiz, que vio ameaçada, e assim a revolução se fortificou. Seguio-se então o concenio, o qual não foi outra cousa senão a expressão da mesma opinião desenvolvida em Setembro; por este convenio se diz o seguinte (leu.) O que foi approvado pelos signatarios delle, sem que o foste pelos Ministros, a que se allude, e por aqui se vê que nenhum fundamento tem a opinião, e expressões que proferio o Sr. Deputado. Além disto, se as nossas procurações não são a vontade de nossos constituintes, e se estão tão alteradas, que sejam uma traição, como se disse, então será possivel que nos possamos estar aqui sentados? Certamente não. Se o illustre Deputado tomou assento neste Congresso em virtude da sua procuração, deu com isso uma prova de que não ha tal traição; e eu, fazendo justiça ao illustre Deputado, digo que estou persuadido que esta idéa, que elle apresentou foi como um argumento, mas não por estar delle persuadido; argumento porém que faz pouca honra a sua logica.

Sr. Presidente, todos nós sabemos que entre os acontecimentos de 4 de Novembro á reunião das Côrtes decorreram perto d e tres mezes: e aquillo que nos dias 4 e 5 tinha sido a expressão da vontade da capital, e das pessoas que assignaram o convenio, veio logo a ser a expressão, e vontade da nação em geral, pois que tacitamente a ella adheriu, e não consta que houvesse uma só representação contra o que então se acordou: logo se as nossas procurações são conformes com a primeira voz que se levantou em 9 de Setembro, e com o estipulado no convenio, segue-se que não pode haver a mais pequena duvida de que são a expressão dos desejos nacionaes. Sr. Presidente, eu vejo além disto que a Constituição de 22 determina no artigo 28 que, quando se façam modificações á constituição, venha essa clausula expressa nas nossas procurações; é isto exactamente o que se observou nas procurações, com que nós tomamos assento n’este Congresso; mas é claro que, tendo a Constituição de 22 sido abolida, não podia esta determinação ser feita pelo methodo nella determinado, e devia haver alguem, que podesse preencher aquella clausula, e remetter aquellas modificações aos collegios eleitoraes, para vir exarado nas nossas procurações; e foi sabiamente o que fez o Ministerio. Se ellas não trouxessem essa clausula certamente nós não poderiamos fazer alterações na Constituição de 1822, fazendo deste modo illudida a vontade nacional, que era que aquella Constituição fosse revista e emendada, e acomodada ás circumstancias presentes, e ás outras da Europa.

Tendo respondido por este modo ao Sr. Deputado, passarei agora a dizer qual é a minha opinião sobre a organização da Camara, de que presentemente se está tractando. Sr. Presidente, se nós tivessemos uma boa lei d’eleições (que não temos, e que muito se carece fazer), então a minha duvida a respeito da camara puramente electiva, e temporaria passaria, e eu não deixaria de votar por ella, com tanto que durasse doze annos, mas eu não tenho certeza de qual será a lei eleitoral que se fará, e se será boa: e então o deixar este objecto entregue inteiramente á eleição, sem termos uma lei perfeita, parece me muito arriscado. Todos nós sabemos os defeitos que tinha a lei eleitoral da Carta, e tambem os defeitos d’aquella, porque nós fomos eleitos: tambem vimos que, posto pela lei da carta se exigisse um certo rendimento, aconteceu que quando se queriam certos homens, ainda que o não tivessem, dava-se-lhe o rendimento, e quando se não queriam outros riscavam-se, e deixavam-se de fóra, pois que as juntas de recenseamento faziam arbitrariamente o que queriam pela occasião que a lei dava a isso. O mesmo aconteceu, quando nós fomos eleitos, e para o provar eu lembrarei umas instrucções impressas, que appareceram em Coimbra, quando se tractou das eleições, nas quaes se acham estas expressões, ou cousa semelhante: que devem os patriotas vigiar quando haja pessoas que se sabe votam contra; para que estando fóra do caso de poderem votar, reclamar contra ellas; que sabendo porém que votam a favor, se deixem votar!!! E isto que eu quero suppor que foi feito com as melhores intenções, não será possivel que se torne a repetir com mau fim? Certamente.

Além disto a eleição de Celorico, que foi presente a este Congresso, perfeitamente deu a conhecer qual é o modo, por que se podem viciar as eleições pelo methodo actual. E porque nós não temos uma boa lei d’eleições segue-se que o meu receio é bem fundado, e que se não deve totalmente deixar a eleição para o cuidado de formar a segunda camara; se a tivessemos, eu não teria duvida nenhuma em lhe entregar a eleição da segunda camara. A duração d’uma Camara tambem não é indiffernte. Ha interesses certos, estabelecidos, e determinados, os quaes receiam que possam ser atacados pela variação que muitas veres traz a urna ao corpo legislativo, e querem ter a certesa de que os seus interesses serão defendidos, e não prejudicados por pessoas, que tenham os mesmos interesses que elles tem. É este mais um motivo que dá a conhecer, que não se póde encarregar esta eleição totalmente a urna; ha muitissimos interesses estabelecidos, e estes requerem pessoas da sua confiança, que lhes possam defender, e não atacar; é preciso o que aqui já se tem dito que a segunda camara seja vitalicia, e tirada de cathegorias, para que esta camara tenha effectivamente a peito a defesa de seus representados; e é por isso que eu voto por uma ca-

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mara vitalicia, e porque não posso votar por uma camara temporaria, senão tendo a certeza de que se havia de fazer uma boa lei d’eleições, o que a segunda camara durasse doze annos, porque dizendo doze annos, e com uma boa eleição não havia muita differença da vitalicia; mas não tendo eu esta certeza, voto porque ella seja vitalicia, e por eleição não havia muita differença da vitalicia, e por eleição mixta, quer seja a côroa, propondo ao povo para a sua escolha em certo numero de pessoas, tiradas de certas cathegorias, quer o povo elegendo do mesmo modo um certo de pessoas, para que a a corôa escolhesse definitivamente os que devem ficar Senadores.

O Sr. Furtado de Mello: - Eu não tinha tenção de entrar na discussão desta materia, por isso que fui vencido no primeiro combate, naquelle em que mais desejava, sahir victorioso, e em que faria consistir a maior gloria, o maior triunfo da Causa Nacional!... Mas para que se não diga que fiz uma retirada vergonhosa, mostrarei que retirando em ordem só mudei de posição, para de novo tornar mais forte ao combate, decidido a defender palmo a palmo o terreno da liberdade.

O meu voto foi por uma só Camara; mas vencendo-se que houvessem duas, ainda diviso no modo de as organizar um meio de salvar o principio da Soberania Nacional, o principio da unidade e indivisibilidade do Poder Legislativo; e vem a ser, constituir essas duas Camaras temporarias, e de eleição popular directa, com attribuições iguaes, e sem veto uma sobre a outra, para que as maiorias não possam ser dominadas pelas minorias. Era consequencia, quando em qualquer das Camaras for rejeitado um Projecto já approvado na outra, devem reunir-se immediatamente as duas Camaras em uma só Assembléa para o discutir de novo; e se fôr approvado por dous terços dos Deputados e Senadores, passará com a Lei.
É esta a unica maneira de evitar que as maiorias sejam dominadas pelas, minorias, principalmente devendo ser a Camara dos Senadores (se assim se denominar a segunda Camara) menor em numero do que a dos Deputados: de contrario um só voto da Camara dos Senadores, muitas vezes valeria, por tres, ou mais da Camara dos Deputados; n’uma palavra, o que passasse nesta por unanimidade, ou por uma grande maioria, poderia ser rejeitado naquella por uma pequena maioria caprichosa, que quizesse impedir o progresso das Leis boas.

Ora, para ter Senador não serão precisas, mais qualificações do que aquellas, que se exigirem para ser Deputado; a differença será só na idade; e tambem quizera que o Senador tivesse sido primeiramente uma ou duas vezes Deputado, pois assim melhor poderia entrar nas questões parlamentares.

Disse um Sr. Deputado que, tendo o Senado de julgar os seus Pares, os Deputados, e os Membros da Familia Real, segundo o artigo 50 do Projecto de Constituição, devia por isso ser vitalicio, porque assim teria mais independencia. Pondo de parte a imaginaria independencia de Juizes que tem de julgar aquelles a quem devem o seu bem estar, a sua existencia, só perguntarei ao Sr. Deputado, quem lhe disse que esse Senado, ou segunda Camara, ha de ter attribuições de Tribunal de Justiça? Sabe por ventura se ha de ser approvado pelo Congresso esse artigo 50, em que funda o seu, argumento? Eu pela minha parte o rejeitarei; e até me admiro que a Commissão o lançasse no Projecto, pois está em opposição ao artigo 12.º, §. 5.º já approvado, no qual se estabelece que a lei é igual para todos, quer proteja, quer castigue. Ora, sendo a lei igual para todos, ou todos diante da lei iguaes, é uma inconstitucionalidade sanccionar a desigualdade; é um absurdo querer sustentar privilegios de fôro, que serão sempre intoleraveis. De mais, tendo a Nação delegado em nós os seus poderes para fazermos modificações na Constituição de 1822, e devendo estas modificações ser feitas no sentido de progresso para mais, e não para menos, para melhor, e não para peior, attentariamos contra a Soberania Nacional, illudiriamos a expectativa dos nossos Constituintes, e a confiança que em nós depositaram, se estabelecessemos uma Camara privilegiada, e o que é mais, se estabelecessemos privilegios de fôro!... Se approvassemos tal doutrina, então o Sr. Deputado com razão nos poderia chamar meios Africanos!... Eu porém que não sou Africano, nem meio Africano, nem concedo, que a Nação o seja, desde já rejeito essa doutrina de privilegios, essas allusões degradantes, e tudo quanto fôr degradante para esta Nação, que tantas vezes tem mostrado ao Mundo que sabe presar seus foros e liberdade.

É, notavel a cpntradicção, em que se acham os Srs. que sustentam a Camara vitalicia! Dizem uns que ella é a melhor garantia dos direitos do Povo! Outros que ella é precisa para sustentar a Religião Christã!!! Outros que ella deve representar interesses differentes, a aristocracia, a nobreza, a propriedade, etc., etc. — Esta contradicção entre os defensores d’uma mesma causa mostra evidentemente à falsa posição, em que se acham, e quanto é pessima essa causa. Não obrtante devo, declarar que sympatizo com a franqueza daquelles Srs., que querem que a segunda Camara tenha que representar direitos e interesses differentes, porque dizem o que sentem, em quanto os outros Srs. dizem o que não sentem!.. Ora, não se devendo estabelecer na Constituição direitos differentes, nem differentes interesses; é evidente que quem tiver interesses differentes dos interesses geraes dos Portuguezes, não é Portuguez; e não querendo sujeitar-se ao nosso systema de igualdade constitucional, então sáia de Portugal, vá ser Africano, ou Turco, ou o que mais lhe interessar.

Entre tantos e tão fortes argumentos, que aqui se tem produzido contra a Camara vitalicia, e que ninguem tem podido destruir, o que de certo merece mais consideração; é aquelle que apresentou o illustre Deputado o Sr. Midosi, quando observou que se por uma fatalidade acontecesse que essa Camara fosse composta de homens de uma côr politica differente da nossa, e consequentemente inimigos do systema proclamado, não se podendo appellar para a urna eleitoral, não havia outro recurso senão a revolução para anniquilar esses inimigos vitalicios. — Em consequencia, quem não quizer continuadas revoluções, deve rejeitar todas as Camaras privilegiadas, vitalicias, ou hereditarias.

Quanto ás profecias do illustre Deputado o Sr. Garrett eu lhe opponho as profecias, que o respeitavel Marquez de Sillery fez na Constituinte, as quaes são applicaveis á nossa situação. = Si. (disse elle em um arrebatamento profetico) Si à la suite de ocile revolution vous n’êtes pas le peuple le plus libre de la terre, l’Europe vous taxara de robelles et de pusillanimes. Acheves votre ouvrage, et vous êtes le premer peuple du monde. = Em summa, é preciso levar ávante a revolução de Setembro. Se agora não acabassemos a grande obra da nossa regeneração politica, seriamos para sempre indignos da liberdade, e do nome Portuguez.

O Sr. M. A. de Vasconcellos: — Esta discussão, Sr. Presidente, tem levado tanto tempo, tem sido tão debatida; que me parece devia estar esgotada; e se eu não tivesse de rectificar citações historicas, e de responder a alguns argumentos, que se tem apresentado, e que se não forem respondidos podem fazer o peso, que não merecem, cederia da palavra.

Diz-se que a segunda Camara organisada pela maneira que alguns meus collegas, e que eu tambem tenho manifestado, seria uma imitação da segunda Camara da Belgica , mas que este paiz se achava organisado debaixo da influencia tneologica; isto é verdade, mas não provém essa influencia da organisação da segunda Camara; é uma verdade que a Constituição Belga se recente da influencia theologica; isso é tão palpavel que basta ler o artigo 16 dessa

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mesma Constituição: que diz elle? (leu) Ora, Sr. Presidente; um paiz, aonde a Constituição do Estado forma da classe do clero um estado separado do outro, e que lhe garante o direito de investir e apresentar nos empregos ecclesiasticos, e que não concede á Corôa o beneplacito aos actos Pontificios, de certo ha de resentir-se da influencia theocratica; tem mais uma disposição, em que se ressente dessa mesma influencia que vem a ser; que os membros do Supremo Tribunal de Justiça hão de ser propostos á Corôa em lista dupla pelo Senado, e pelo mesmo Supremo Tribunal de Justiça; tem mais outro artigo que enfraquece muito o Poder Real, e vem a ser, que no caso do Rei não ter descendencia masculina, e tendo descendencia feminina, para ella succeder na Corôa, ha de primeiro o Rei nomeala, e esta nomeação é sujeita á approvação das Cortes; ora o clero da Bélgica exerce uma-grande influencia sobre o Povo, porque é rico; este clero póde influir muito nas eleições para membros da segunda Camara, e la lhe vai ter ás mãos uma grande dependencia Ha Corôa na successão do Throno, quando não houver filho macho; e lá lhe vai ter ás mãos tambem uma grande influencia na nomeação dos individuos, que hão de compôr o Supremo Tribunal de Justiça; mas, Sr. Presidente, tractamos nos aqui destes artigos? Tractamos unicamente da maneira de formar a segunda Camara; se nós formassemos a segunda Camara semelhança da da Belgica, e entre nós se dessem todas estas cousas que eu tenho notado, e que se dão na Belgica, procederia o argumento: mas o clero Portuguez não tem influencia nenhuma, o clero Portuguez não tem hoje influencia nenhuma no Povo, porque está absolutamente dependente da Corôa; eu digo, como minha opinião particular, que mesmo na Belgica está arranjada uma organisação da segunda Camara mais proveitosa ao Povo, porque visto que o clero alli é preponderante, se havia de ir guerrear o Povo detrás das cortinas do palacio, é melhor que o guerreie junto á urna; o Povo um dia ha de esclarecer-se, mas não póde entrar dentro do gabinete do Rei para ir debellar o clero; e por isso eu entendo que é cousa muito mil á liberdade dos Belgas a organisação da segunda Camara por tal maneira, porque tem o Povo o inimigo a descoberto, sem ter o peito detrás das trincheiras, e quando o Povo se esclarecer, ha de expropria-lo da urna aonde elle agora o calca. Citou-se, Sr. Presidente, uma grande authoridade a favor da organisação da segunda Camara de notabilidades; disse-se que o Sr. Silvestre Pinheiro lá tinha no seu systema estabelecido o methodo da representação por summidades sociaes; ora, Sr. Presidente, citar uma authoridade, um escriptor publico de tanto peso, como este, assim isoladamente, póde fazer impressão em alguem que não esteja ao facto de todo o seu systema: é verdade que o Sr. Silvestre Pinheiro quer que as notabilidades sejam representadas: mas que notabilidades tão essas, Sr. Presidente? São as notabilidades que nós hoje temos em Portugal? E qual é o modo por que elle classifica essas notabilidades? Elle quer por uma votação annual do Povo, que os Cidadãos se classifiquem em differentes ordens de consideração. O methodo do Sr. Silvestre Pinheiro, ajunta a todas as considerações a de moralidade, porque forma as catbegorias pela urna, e dellas faz sahir todos os funccionarios publicos. Ora quem, quizesse allegar este systema do Sr. Silvestre Pinheiro, de representar as notabilidades, devia tambem admittir o methodo, como o Sr. Silvestre Pinheiro designa essas notabilidades; por consequencia não valle nada esse argumento, porque não tem pernas não póde andar.

Disse um Sr. Deputado que a classe media não tinha feito serviços, que lhe dessem direito a ter uma representação exclusiva; eu concordo com o Sr. Deputado nesta ultima parte de não ter uma representação exclusiva; mas de não ter feito serviços, perdoe-me Sua Sa., não posso concordar com a sua opinião; qual será a classe da sociedade, que tem feito maiores serviços as classes ultimas da mesma sociedade? Qual será aquella, que tem promovido os movimentos das artes, da industria, do commercio? Qual será aquella que mais ultimamente tem combatido os despotas, e os tem derrubado dos thronos em baixo? Mas a classe media a favor de quem tem trabalhado? Pode-se dizer que a favor de si, mas eu digo que a favor do baixo povo, porque o seu bem é tão intimamente ligado com o bem do baixo povo, que não póde ella ter conseguido apice de bem para si, que não consiga uma igual porção para a outra: quanto a ella não dever ter uma representação exclusiva, eu concordo, como já disse, com o Sr. Deputado nessa parte; mas quer alguem que a classe media tenha uma representação exclusiva? Certamente não; ella exerce a sua influencia por votações, onde concorrem todas as classes e a que tem jos todos os individuos, que sejam respeitaveis; é o mesmo; se alguem não merecer consideração nenhuma, como deve ser considerado? Quem terá direito a ser mais forte, se elle for mais fraco? Isto são cousas que não se podem contestar.

Ora, Sr. Presidente, já nesta casa tenha ouvido confessar, e confessar alguns dos meus illustres collegas, que ao principio combateram essa opinião, que em Portugal não ha elementos privilegiados que valham a pena, e que mereçam dar-se-lhes uma representação separada: se isto é assim, Sr. Presidente, que temos nós então? Temos a classe media, isto é, a universalidade dos interesses da nação.... Não podemos ter outra cousa.... Só então se queremos dar um direito ou um privilegio a uma cousa que não temos; então como é que se diz que a classe media quer uma representação exclusiva para si! Como é, como já aqui se tem repetido, por vezes, que repelle da urna todas as summidades moraes? Creio que de boa fé; ninguem póde dizer, nem arranjar semelhante cousa; mas diz-se, e são os mesmos Srs. Deputados, que mesmo na classe media ha pertenções aristocraticas, como se lhe dá esse nome, eu convenho, e digo que isto é assim; não ha duvida nenhuma, desgraçados dos homens, se não tivessem esse desejo; mas é preciso que esse desejo seja acompanhado por obras, pelas quaes se desenganem os que o tem, que nunca hão de poder chegar ao fim, se não forem virtuosos; mas, Sr. Presidente, qual será o meio de nós pôrmos todos os individuos, que desejarem essa excellencia social, na intima convincção, que nunca hão de chegar ao seu fim, se não fôrem virtuosos? E não lhes dar uma representação especial, e dar-lhes uma representação commum, que abranja todos os benemeritos.

Ora, Sr. Presidente, se nós não temos privilegios, que representar, que queremos nós representar com essa segunda camara, se ella tiver uma origem privilegiada? Queremos, como já disse noutra occasião, crear um gigante para depois o combater, ou talvez para elle nos devorar.

Alludio-se, Sr. Presidente, fracamente a exemplos de Inglaterra, de França, e de toda a historia do Universo, e até vieram para aqui piramides do Egypto, e não sei que mais Sr. Presidente, esses argumentos são hoje tão pulverisados nesta casa, que realmente não podem servir para quem os allega: aonde existe hoje a Inglaterra? Querem, Senhoras, fallar a verdade? Existe na Grã-Bretanha, já não existe na Irlanda , nem na Escocia; e então como havemos nós trazer a Grã-Bretanha aqui para Portugal, quando somos outro povo, e temos não só outra lingua, outros costumes, e outros usos, mas temos outras necessidades sociaes, e que felizmente não temos esse gigante, que elles tem a combater? Mas, Sr. Presidente, se nós queremos seguir exemplos de Inglaterra, para constituirmos o nossso poder legislativo, seriamos nós prudentes em o constituir d’essa maneira? Seria prudente o artista que fizesse uma machina, e que lhe puzesse uma pendula mais pesada qae as forças d’essa machina soffressem? O poder legislativo, junto com os outros poderes do estado, formam a grande pendula social: esta pendula regula não só os movimentos honestos e decentes

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da sociedade, porém mesmo reprime os movimentos individuaes; quando elles são injustos, e aggressores. Uma nação que não tem um genio impetuoso, que é pacifica e moderada, como a Portugueza, que é tão facil de se esclarecer, e que já se acha tão esclarecida, como ella, não precisa de tantas repressões, como aquelle povo, que em uma outra indole mais rancorosa; Portugal, como eu já disse nesta casa, tem mais desejo de liberdade que habitos liberaes, e por isso carece que o protejam com leis proprias a esse fim. Mr. O’Connell, querendo reformar a camara dos Pares, por isso que a não pôde reformar de uma vez, trabalha de bom coração e de boa fé, pelo menos em lhe mudar o nome, porque isso já é um grande abalo, que lhe dá, mas com o seu remedio entendo que não faz senão mudar-lhe o nome. Parece-me que estas verdades são tão palpaveis, que até não valem a pena de demorar a attenção do Congresso continuando neste assumpto.

Tem-se recorrido, Sr. Presidente, parece-me que milhões de vezes, á letra das nossas procurações para provar o contrario da opinião, que sustento, e tem-se, talvez outros milhões de vezes anniquilado esse argumento, mas apezar disso já hoje o ouvi reproduzir, levantou-se da terra o prostrado Bnareu, querendo fazer tremer alguem diante de si. Disse-se pois que nós estamos unicamente authorisados para fazer modificações na Constituição e na Carta, mas que estejam em harmonia com os governos monarchico representativos da Europa; e daqui quer-se concluir, Sr. Presidente, que não podemos fazer uma Constituição, que não seja puramente modelada por algum desces governos, conforme agrade melhor ao illustre Orador, que recorreu ás procurações para este fim. Eu observarei aos meus collegas que quem diz harmonisar diz uma cousa, e quem diz identificar diz outra; explicar-me-hei com um exemplo. Eu não sou musico, mas tendo ouvido orchestras percebo que os instrumentos não estão todos no mesmo tom, posto que soem em harmonia assim: as differentes Constituições dos governos representativos da Europa, podem estar em harmonia, ainda que não estejam no mesmo tom. Ora porque fatalidade imaginaria seriamos nós obrigados a pôr a nossa em um tom igual á de outra? Ponhamo-la no tom que julgarmos concordar e harmonisar com as outras, uma vez que sejam monarchicas-representativas. Eis aqui a harmonia de que fallam as procurações; eis aqui para que os meus constituintes me authorisaram; eis aqui o tom que eu julgo completamente em harmonia com as outras: se os meus constituintes me dissessem, nomeamos-te para fazer uma Constituição que cante no mesmo tom das Constituições representativas da Europa, eu agradecia-lhes a nomeação, mas pedia-lhes dispensa, porque não podia concorrer para semelhante obra, visto que ellas são differentes em cantoria; mas como elles me disseram que esta Constituição harmonisasse com as de outros paizes, entendo que podemos faze-la de qualquer modo, com tanto que contenha monarchia e representação.

Ora, Sr. Presidente, recorreu-se aqui tambem a uma theoria tirada de um escriptor de muita nomeada, que no meu fraco conceito adquirio com bastante justiça; é elle J. J. Rousseau: referiu-se que tinha dito que a soberania nacional não podia ser delegada; mas que se delegava; e que bem que inalienavel, por analoga ficção, poderia tambem alienar-se. Eu respeito muito os talentos daquelle escriptor; mas, fallando a verdade, em algumas de suas obras, (posto que me faltem os conhecimentos para me pôr em paralello com elle) tenho achado ás vezes inocoherencias; e para prova do que acabo de avançar, peço aos meus illustres contendores que vejam o que esse author diz quando tracta de direito de vida e morte, e o comparem com outro capitulo, em que é tractado o direito da guerra: ahi verão que J. J. Rousseau se contradiz manifesta, e, póde dizer-se, que miseravelmente: em uma parte sustenta que um homem não pode ser considerado como inimigo de guerra; porque a sua força é desproporcionada á da potencia, com quem contende; e na outra diz que pode haver direito de vida e de morte, porque o criminoso é inimigo da sociedade pelo direito da guerra não sei como o homem, depois de preso, possa ser considerado inimigo perigoso de uma sociedade que o tem em ferros. A contradicção é pois evidente, e não basta esse nome para impôr silencio á nossa razão, é preciso que usemos della. Mas diz-se que assim como a soberania se delega tambem pode alienar-se. Eu tenho outras idéas a este respeito: entendo que a soberania se não pode delegar nem alienar; o que sim se pode fazer, a beneficio da causa publica, é authorisar algum para exercer certa porção da soberania; porque mesmo o homem na sociedade nunca mete nas mãos da authoridade publica o exercicio de toda a soberania que tem como individuo. O homem tem pela natureza o direito de tomar as deliberações necessárias para a sua conservação; ainda mais, tem o direito de as executar, e de punir aquelle, que quizer attentar contra ellas: se isto assim não fosse, a natureza tinha feito uma obra imperfeita, e o homem não duraria mais tempo do que aquelle que quizesse o seu rival. Pergunto eu: quando o homem entra em sociedade, delega todo o poder legislativo? Terá a authoridade publica o direito de lhe dizer a casa em que ha de viver, o que ha de comer ao jantar, a maneira por que ha de fazer o fato á sua mulher? Terá o direito de lhe dizer, tu nunca poderás punir o teu agressor em caso nenhum? E quando elle fosse acomettido em occasião que a authoridade publica não possa prevenir, e que corra risco a sua existencia, não terá o direito de punir o seu contrario até com pena de morte? Sem duvida; porque tal é a legislação dos povos ainda os mais barbaros, e aos governos mais despoticos. E não será isto exercer as funcções de magistrado, testemunha, julgador, e até executor? Logo ha casos, em que senão delega o poder judicial: por tanto não se pode dizer que o homem delega os poderes soberanos, mas sim o exercicio de uma parte delles, sob-pena de se anniquilar. O homem não tem de natureza o direito de reflexionar, de censurar as acções de todos aquelles que julgar que lhe são contrarios? Tem: e este direito delega-o elle quando entra na sociedade? Entendo que não; e d’ahi vem que liberdade d’imprensa, a livre manifestação do pensamento é um direito, que o homem conserva tanto no estado da natureza, como no estado social. Esta consideração me probibiu de que pela minha parte concorresse para se pôrem restricções á liberdade de publicar o pensamento por via de um censo, que aqui se resolveu digo-o agora porque a materia é connectiva com a outra, e porque então não tive occasião de fallar. Disse-se nessa discussão que assim como se estabelecia um censo para os cidadãos poderem votar, assim havia razão para estabelecer outro para elles poderem imprimir: nego a paridade; no primeiro caso tracta-se de um direito dado ao homem pela convenção com outro homem; no segundo, de um direito só dado pela natureza: no primeiro caso podem pôr-se-lhe condições, no segundo não: no primeiro caso tracta-se do direito de impôr contribuições na propriedade, e por isso é de summo interesse social, que se exija um censo razoavel para quem tem de votar nas materias governativas; mas no segundo caso, como o cidadão tem o direito de dar a sua opinião sobre os negocios publicos, e sobre a melhor maneira de os conduzir, não deve haver censo algum, por que este direito não é de convenção, mas da natureza, e o homem, tanto individual como collectivo, deve exerce-lo.

Sr. Presidente, tem-se dito tambem que a segunda camara devia ser nomeada pela corôa, e que isto em nada ia contra a representação nacional, porque o Rei era um delegado da nação. Ora, para que será, ou para que póde ser o Rei um delegado da nação? Não pode se-lo senão em rasão da necessidade, conveniencia, e tranquillidade publica,

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que exigem que elle presida ao poder executivo e mais nada: porque para elles legislar, então cahiam todas as considerações credenciaes, que se exigem para a delegação legislativa: isso seria uma alienação, e eu já demonstrei que a soberania não se póde delegar nem alienar: a este respeito, não se póde dar nenhuma outra razão, (e esta diz tudo) além da grande razão da hereditariedade. Ora, Sr. Presidente, se o Rei fosse um bom delegado em materias legislativas, digo que os meus contendores estão em uma grave contradicção, porque devem admittir no Rei o poder para fazer tudo, segundo a extensão do seu principio; até porque assim o governo era mais economico mais curto o caminho d’administração publica, e livramo-nos do inconveniente que produz a necessidade da camara dos representantes do povo para fiscalisar....
Em alguma das partes há de estar o vicio, deixo aos meus contendores a tarefa de verem se está da parte da representação.

Diga-se o que se disser contra a infallibilidade da urna; quando tudo isso seja verdade, seguir-se-há de ahi que não deva existir a urna? Certamente, se tal fosse a conclusão, os nossos filhos não deviam aprender a ler, porque todos ao principio fazem riscos tortos, mas o tempo, o habito e a applicação fazem com que mestre e o pai consigam que elles venham a escrever bem. Que admira que o nosso povo, acabando da sahir do jugo do despotismo, seja pouco astuto em se prevenir contra os enganos com que lhe querem corromper a urna? O que deve admirar, é o grande progresso que o povo tem feito no exercicio deste direito: tenho assistido a algumas eleições e admirado a estrategia, com que o povo illudia a estrategia dos que o queriam illudir; observei que alguns individuos acceitando cinco ou seis bilhetes differentes lançaram aquelle em que se achava o nome por quem queriam votar, e não brigavam com ninguem. Deixemos pois que o povo faça os seus riscos tortos, que um dia chegará a escrever bem; se um dia não começar, nunca ha de fazer cousa em termos. (Apoiado).

Disse-se que a segunda camara era muito proveitosa para embaraçar conflictos entre a corôa e os representantes da nação. Este argumento está de todo pulverisado; mas quando o não estivesse, bastava recorrer a este raciocinio para o desfazer. Quaudo vota a segunda camara? É depois da primeira ter votado, ou vice versa. Quando vota o throno? Depois das duas camaras terem votado. Se houver conflicto, entre quem é? Entre uma entidade moral, resultante do voto das duas camaras, e o throno: ou então nunca tal conflicto existe. Mas se é evidente que neste systema não ha choque, para que se precisa d’um terceiro para decidir? Se a segunda camara rejeita o parecer da primeira, a corôa não tem logar a votar: se pelo contrario aquelle parecer é approvado, a corôa ou ha de approvar tambem esse voto, ou rejeita-lo; se o rejeita aqui temos o choque da corôa com as duas camaras sem haver um terceiro que sirva de mediador. Esta idéa de equilibrio entre os ramos do poder legislativo, para mim sempre foi um mysterio, e não é em paradoxo.

Concluo por tanto, porque ha o já uma semana, ou não sei quanto tempo que dura esta discussão, que não sei como já se possam accrescentar argumentos: não fadarei mais nesta questão, e por isso que votava por uma só camara, porque entendia que assim se concilia a homogeneidade da representação nacional, visto que não, tinhamos um inimigo poderoso, que nos forçasse a uma convenção, agora não tenho remedio senão escolher entre males, isto é como eu as entendo, não será como elles são lá fora, e votarei então por uma segunda camara electiva e temporaria.

O Sr. L. J. Moniz: - Sr. Presidente, depois de sete ou oito dias de uma longa e renhida discussão, parece-me com effeito que o resultado é que cada um de nós fica como estava no principio, porque, como já disse outro dia, o grande
problema social involve tantos dados, tantas, e tão variaveis condições, que é quasi impossivel que aconteça d’outro modo, e destas as que fazem mais impressão em mim, não a fazem em outros, e as que a fazem em outros, não a fazem em mim; este pertende ter pulverisado os argumentos daquelle, aquelle os deste: a ouvir estes Srs. tudo era poeira nesta sala; mas, em vez de nuvens de poeira, o que eu vejo é que, o que estava de ferro, de ferro ficou todo inteiro (riso.) Mas nem por isso eu quero dizer, que a discussão tenha sido inutil: ella terá servido para que os nossos constituintes, e a nação toda onde chegarem nossos discursos, saibam quaes suo nossas opiniões e os fundamentos dellas para os poderem avaliar com justiça: eu pela minha parte estou prompto a responder pelas minhas em todo o tempo, e estou certo que tambem o estão os meus illustres collegas. Quando eu fallei da primeira vez, já não tinha esperança de convencer os outros, mas fallei para dar conta de mim; neste mesmo sentido vou tornar agora a fallar, porque se fizeram objecções, ás quaes entendo que devo responder para não parecer com o silencio que estou convencido, e não me rendo. Primeiramente observarei que o argumento tirado do podêr judicial conferido á segunda Camara não póde ter applicação senão para com aquelles, que nella admittem essa attribuição, porém muitos ha, ou pelo menos alguns ha neste Congresso que não são dessa opinião, e para esses, o argumento não tem logar. A minha idéa por ora é que a segunda Camara, como eu entendo que ella deve ser formada, deve pelo menos julgar dos crimes politicos de certa classe de pessoas, e impôr penas politicas. (Apoiado, apoiado) todavia, esta minha opinião não está ainda de todo decidida, porque ella muito depende da maneira, com que for constituida a segunda Camara para eu lhe conceder mais, ou menos poder neste sentido. Eu entendo que se não póde constituir bem o paiz nas nossas circumstancias de uma Monarchia hereditaria, sem conferir á segunda Camara estas, e mais algumas attribuições de uma ordem superior. A seu tempo desenvolverei esta minha opinião, por ora limitar-me-hei dizer que eu vejo este poder conferido á Camara dos Pares em Inglaterra, ao Senado federativo, e aos Senados de muitos dos Estados particulares na America do norte; e é bem sabido que a Camara dos Pares naquelle paiz tem administrado a justiça que lhe foi confiada com uma rectidão, firmeza e imparcialidade que nada póde exceder. E até ao presente não ha prova em contrario a respeito dos Senados Americanos. Em quanto pois se me não mostrar que ha quem faça esta obra melhor que elles, eu não tenho razão para mudar, porque lá quanto á distribuição symetrica dos poderes, é a que menos me importa; o que me importa mais, é que elles estejam repartidos de maneira que aquelles, que delles estão revestidos, os desempenhem melhor que nenhuns outros. Disse-se que seria impossivel processar os Ministros em uma Camara vitalicia de nomeação real; observo tambem que nem todos unem estas duas condicções ao menos muitos ha que entendem que o Rei póde e deve ter acção sómente, sobre a lista triplice dos Membros da segunda Camara, que lhe for apresentada pela eleição popular. E então já neste caso o argumento deve perder de sua força. Mas supponhamos mesmo que os Senadores sejam de pura nomeação Real; se por isso são menos aptos para serem julgadores, tambem os Juizes o devem ser; e se a qualidade vitalicia dos primeiros é um defeito, tambem a dos segundos o devo ser, e então muito mal estamos nós, e muito mal está o mundo a respeito do poder judicial. Não é isto o que até agora se tem entendido, mas pelo contrario; que a qualidade da nomeação Real junta á da vitalicia são das melhores garantias da independencia dos juizes. E se a segunda Camara fôr de origem popular, então no entender desses Srs. essa eleição deve para elles ser mais um fundamento de preferencia ávista de suas opiniões, a respeito da urna, e neste caso eu

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de certo não andaria muito longe de preferir para o julgamento de crimes contra a liberdade do povo a juizes da escolha do povo, mas escolhidos com determinadas condicções.

Disse-se mais, esse tribunal não tem jurados, este tribunal póde constituir-se de maneira, que elle represente o tribunal do jury, e do melhor jury possivel em taes casos. É assim que elle é considerado em Inglaterra. Em tal classe de crimes, e para taes pessoas, não sei onde o haviam de ir buscar com mais independencia, e revestido de melhores qualidades, e de mais confiança, e respeito, e que mais se conforme com a idéa fundamental de um juiso de seus pares. Poderemos por ventura achar tedas essas qualidades em um jury ordinario, para julgar os Membros da familia Real? Srs., já se tem dito muitas vezes que, dado o grande privilegio do Throno hereditario, não ha remedio se não rodealo de mais alguns. O mais é uma irrisão! É, não temos nós visto a segunda Camara de outras nações julgar com a maior imparcialidade pessoas de ainda muito maior preponderancia que os Ministros? Não vimos o que ainda não ha muitos annos aconteceu no processo da Rainha de Inglaterra, em que o Rei tanto procurou influir? Esse processo mesmo que em 1826 para 27 correu perante a Camara dos Pares por causa da pertendida conspiração, vulgarmente chamada da republica do Bastos, foi geralmente reconhecido; que se elle tivesse tido logar pelo methodo antigo, ás portas fechadas, e por Juizes de Commissão, nem um dos accusados talvez escapasse de ser condemnado, apezar de sua innocencia. O direito de agraciar não vem para o caso, porque póde fazer-se na Constituição uma excepção a respeito dos Ministros em certos crimes, e mesmo quando ella exista nada tem com elle a segunda Camara, nem a primeira. E se o Rei póde usar delle contra Ministros culpados pela segunda Camara, tambem póde fazer outro tanto qualquer que seja o tribunal. onde elles sejam julgados. Outro Sr. Deputado assentou que nos tinha metido nos cornos de um Dilemma tão pontudos, que não havia escapar de nelles ficarmos espetados. Este Sr. É muito instruido para não saber que esta
especie de argumento é de tanta força, quando bem applicado, como de pouco vigor e um verdadeiro sofisma quando não tem as qualidades, que lhe são proprias, e no nosso caso as pontas do seu apparecem verdadeiramente rombas. Disse o Sr. Deputado que ou se queria uma segunda camara para os casos ordinarios, ou para as grandes crises; que para os primeiros não era necessario, para os segundos não era sufficiente: como é possivel que se queira, reduzir a duas proposições tão simples uma materia tão complexa? Eu responderei que é justamente para que a marcha ordinaria geral dos negocios publicos proceda com pausa, com meditação, com maduresa e acerto, que se tem mostrado ser muito util uma segunda camara; e0 que se ella não serve para salvar os povos e os governos no momento mesmo das mais arriscadas crises; pela marcha reflectida e mui bem pensada que confere ao poder legislativo de longe muito concorre para as evitar. Alguns exemplos se podem apontar até d’esses casos extremos em favor desta constituição: agora mesmo me torna a lembrar esse que já citei do senado americano com o famoso Jariff Bill com que salvou de um rompimento o Norte e o Sul d’aquelle paiz.

A experiencia pois, e a observação nos ensinam que ella muito concorre para uma e outra cousa e que se não tem dominado os crimes mais violentos, é porque esses são acima de todos os calculos e meios da prudencia humana! E os governos não podem sustar esses catastrofes. Nas peregrinações, a que a sorte da minha vida me tem levado, tenho-me dado a estudar a influencia mutua das duas camaras entre si, e sobre o poder executivo; e mais principalmente em um governo republicano, onde por muitos annos pude applicar-me a este objecto; e posso assegurar ao Congresso que a minha convicção é decididamente em favor desta organisação
politica como, a mais capaz de dar a um paiz leis feitas com prudencia e maduresa, e de o livrar de que ellas, sejam tantas como as estrellas, ou como os grãos de area. Embora ella não seja remedio infallivel contra todos os catastrofes, basta que as molas desta, maquina lhe dem um andamento certo e regular com o qual se consiga o desejado fim da felicidade dos povos. Porque lá quando lhe cahir um raio em cima, ou lhe rebentar debaixo uma mina, de certo não será de esperar que ella se salve. Disse um Sr. Deputado que nós com uma segunda camara assim constituida destruimos o grande principio da igualdade, e até se serviu já pela segunda vez de lingoagem que eu bem pouco esperava ouvir neste Congresso. Eu que adopto o estabelecimento d’uma segunda camara, estou persuadido que não anniqui-lo essa igualdade, mas que concorro para a manutenção dos direitos, que em a nossa sociedade politica as leis facultam a cada um.

O Sr. Deputado pareceu confundir a desigualdade de funcções com a desigualdade de direitos. A igualdade de funcções para todos é que é verdadeiramente um sonho, ou antes um delirio. Porque segundo ella um capitão, por exemplo não deveria ter differença alguma de um tenente nem este até de um soldado.. Um cura devia ser em tudo mesmo que um sacristão, e este até mesmo que um bispo. Eu já disse que a minha idéa de privilégio consiste em dar mais a quem mais precisa para contribuir para o bem de todos, e que desta maneira encaro até o caracter hereditario do throno, para nós tanto mais digno de veneração, quanto para elle devemos olhar como para o Alcaçar da nossa felicidade por nós mesmo erguido e consagrado.

Trouxe-se tambem para aqui o exemplo da Constituição da Belgica: eu tambem tenho formado algum juizo sobre esse governo, e não duvido que a Constituição da Belgica possa ser muito boa para esse paiz, apezar do que se tem dito em contrario, mas é necessario nunca perder de vista que o estado da Belgica é milhares de vezes differente do nosso: os belgas são mais de meios republicanos por seus habitos, e por muitas de suas antigas instituições, e então nem admira, nem é applicavel para nós esse exemplo. Fallou-se tambem aqui na authoridade do Sr. Silvestre Pinheiro, authoridade que não fui eu que citei, mas que certamente algumas vezes, sigo, e de que muito me honro. E será talvez em mim grande arrojo arriscar o meu juizo a respeito de varão tão eminente; mas como este juizo me seja indispensavel para dar idéa da qualidade de peso que dou á sua authoridade nesta discussão não posso eximir-me de o pronunciar. Eu observo que das obras deste nosso publicista uma parte tem por objecto, uma monarchia, segundo um certo modelo que elle concebeu, modelo que elle não liga a factos alguns pre-existentes, modelo não do que é, mas do que poderia ou deveria ser, uma especie de bello ideal em governo monarchico representativo: segundo este modelo organisou elle o systema desta parte de suas obras: outra parte é inteiramente applicada como analyse criticar a outros governos, como ao da França, do Brasil, e de Portugal: essas obras já são differentes, nellas já elle liga as suas opiniões a factos existentes. Ora quando se cita o Sr. Silvestre Pinheiro é preciso não perder de vista esta distincção, para, não errar, no uso de sua authoridade. Na discussão de principios geraes elle é admiravel: mas na applicação destes principios aos factos do nosso Portugal, ou á nossa monarchia, eu confesso que na humiladde de minha opinião muitas vezes pergunto a mim mesmo onde está Portugal do Sr. Silvestre Pinheiro? Eu não o posso ver! A classificação que este sabio propõe nas suas obras será uma cousa perfeita para Portugal, mas parece-me que seria necessario um seculo para se levar a effeito. E sendo elle condição ou bate escencial para a organisação do governo de que elle tracta, é claro que sem ella são inaplicaveis as doutrinas que della dependem. Disse-se finalmente que o caracter vitalicio

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da segunda camara faria com que as notabilidades do paiz, que fossem apparecendo, não podessem lá entrar senão por morte dos que lá estivessem. A isto respondo que o fim das constituições politicas não é o interesse particular dos que exercem alguma parte delle, mas o bem geral da sociedade; e se no caracter vitalicio da segunda camara está, como eu entendo, o bem da nação, a esse deve sujeitar-se qualquer interesse individual, ou mesmo de um certo numero de individuos. Não sendo assim grande injustiça seria que os juizes, os officiaes no exercito, etc., tivessem de esperar que outros morressem para subirem nos empregos. Mas isto seria um absurdo tão grande, como o outro da igualdade nas funcções, de que ha pouco fallei: outras objecções se fizeram as quaes, ou tem sua reputação nas idéas, que eu expuz no meu primeiro discurso, ou a encontrarão nas reflexões, que fizeram muitos dos oradores que me precederam na discussão, por tanto não levarei mais tempo ao Congresso, nem cançarei mais a sua paciencia, mas concluirei já confirmando a opinião, que emitti quando fallei a primeira vez nesta materia.

O Sr. Costa Cabral: — Sr. Presidente, o máu estado de minha saude, arruinada durante a minha ausencia deste Congresso, em consequencia das fadigas que soffri, em resultado da Commissão, para que fui nomeado por S. Magestade, tem feito com que eu não pedisse a palavra os dias passados para fallar na materia em discussão, e hoje mesmo me custa a faze-lo, certificando que agora mesmo o não faria, se não se desse hoje mesmo um motivo, que a isso me obriga. Sr. Presidente, eu creio que a minha opinião é conhecida de todos os Srs. Deputados, e que todos saberão que eu votaria por uma Camara só, se estivesse presente quando teve logar a votação neste Congresso: decidiu-se porém que houvesse duas Camaras, e em tal estado eu hoje inclino-me á opinião mais aproximada á minha, isto é, a opinião dos que votam por uma segunda Camara electiva, e temporaria. Pedi pois a palavra, não com o fim de cançar o Congresso na apresentação dos motivos, em que fundamento esta opinião, a cujo respeito já bastante tem dito os Srs. Deputados que votaram neste sentido; mas pedi a palavra para rogar a um Sr. Deputado que haja de explicar certas expressões, de que elle usou por occasião de citar um documento, em que eu estou assignado: fallo do convenio conhecido pela denominação de convenio de Belem.

Um Sr. Deputado, que se assenta na extrema esquerda, quiz combater a opinião de outro Sr. Deputado, que tinha dito que era traidora a opinião dos que intentam, e votam por uma segunda Camara vitalicia: eu não approvo estas expressões, porque é licito a qualquer Sr. Deputado o votar como queira; porque fazendo-o assim está no seu direito. Mas combateu-se uma tal expressão, dizendo-se que o Sr. Deputado que taxa de traidores os que votam por uma Camara vitalicia, tambem não pode deixar de reputar traidores aquelles que assignaram o convenio de Belem; porque elles se sujeitaram a fazer uma Constituição, que estivesse em harmonia com a das outras monarchias constitucionaes da Europa: de maneira que, segundo o que disse o Sr. Deputado, aquelles, que assignaram o convenio, e que não votam como elle por uma Camara vitalicia, são traidores. Eu porém, que fui um daquelles que assignei o convenio, e que não voto pela Camara vitalicia, devo dizer que o convenio foi muito mal entendido pelo Sr. Deputado, e por outra parte, que cada um o tem entendido como quer para seus fins: isto porém não é muito cavalheiro. (Apoiado, apoiado.) Argumenta-se que segundo este comercio não pode deixar de se fazer uma Constituição que esteja em harmonia com as das mais monarchias constitucionaes da Europa: já aqui se mostrou evidentemente a intelligencia que só pode dar-se áquellas palavras, não sendo possivel dar-lhes a que pertendem alguns Srs. Deputados, porque se seguiria um absurdo. Como é possivel fazer-se para Portugal, uma Constituição como a de Inglaterra, ou França, se a organisação daquelles paizes é muito differente? Eu tractarei de ler as palavras do convenio, em que se fundam os que assim argumentam (leu.) O Sr. Julio Sanches, hoje Ministro do Reino foi quem teve a maior parte na redacção desta peça; e eu igualmente nella tive parte. Notem os Srs. Deputados que houve toda acautella, e que se meditou muito sobre as palavras, que aqui deviam inserir-se, Sr. Presidente, quando se chegou a estas palavras (leu), muito de proposito se notou que era preciso pôr em logar das palavras, principios adoptados estas, principios adoptaveis. Em vista de taes expressões está mostrado que tanto os Srs. Deputados, que votam pela Camara vitalicia, como eu, e os outros que a inpugnamos estamos conformes com o convenio, porque votamos uns, e outros segundo os principios que cada um de nós julga adoptaveis nas monarchias constitucionaes: pelo convenio apenas estamos obrigados a sustentar o governo monarchico, e este representativo, mas não pode deduzir-se daqui que, tanto os que votam de uma fórma, como os que votam de outra, são traidores! (Apoiado, apoiado.) Sr. Presidente, se é assim como se devem entender estas palavras, como se pode deduzir da convenção o argumento, de que tantas vezes se tem servido os Srs. Deputados? Eu julguei-me na necessidade de dar esta explicação; porque poderiam algumas pessoas entender que os que assignaram este convenio votavam com traição, se votassem como eu voto por uma Camara electiva, e temporaria.

O Sr. Barão da Ribeira de Sabrosa: — Eu pedi a palavra para uma explicação de facto, isto é, para dizer que o Sr. Deputado Vera não disse aquillo, a que respondeu o Sr. Deputado Costa Cabral; disse uma outra cousa, a que eu hei de responder quando fôr occasião para o fazer; porque S. Sa. está muito mal informado.

O Sr. Costa Cabral: — Eu não tractei de responder ao Sr. Vera, quiz responder ao que disse o Sr. Visconde de Fonte Arcada, que foi quem hoje tomou a tarefa de combater o Sr. Vera.

O Sr. José Estevão: — Eu pedi a palavra sobre a ordem para dizer que a explicação do convenio de Belém é uma cousa muito historica, a qual poderá trazer graves inconvenientes se se quizer tractar della neste Congresso. (Apoiado, apoiado) É por isso que eu peço a V. Exca. que não deixe progredir a discussão sobre este incidente.

O Sr. Almeida Garret: — Não é minha tenção responder aos Srs. Deputados, que impugnaram a minha opinião; somente quero explica-la, e desenvolve-la, porque tanto basta para destruir suas objecções, que todas nasceram de não ser ella entendida, aliás não bem expendida por mim.

Muitos oradores provaram, ou suppozeram ter provado as excellencias do methodo electivo, outros provaram, ou suppozeram ter provado as preeminencias da nomeação real. Outras opiniões appareceram tambem, as quaes juntamente poderiamos chamar medias; porque manifestamente tendem a conciliar aquellas duas opiniões extremas.

É minha convicção profunda que, nas circumstancias actuaes do paiz, o melhor methodo para adoptar será aquelle, que mais opiniões conciliar, e que menos inconvenientes por tanto reunir.

Até aqui quasi que não temos fallado senão em theses, e ainda não foram consideradas como o deviam ser as hypotheses do paiz. Estas foram as que eu mais consultei na ordenação do meu methodo, que não vem a ser nem o da maioria da Commissão, nem o da minoria, senão mixto. Hoje trago formalmente reduzido a artigos, para se entender melhor, e mais distinctamente a doutrina, que eu muito ardentemente desejava fosse consignada na constituição, methodo que oxalá que as Côrtes adoptem com preferencia a qualquer dos methodos simples, que nunca hão de ter por si a metade das opiniões, que o mixto pode alcançar.

Muito me pezará, não por mim, mas por amor da mi-

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nha terra, se o Congresso não tomar em consideração este methodo, que proponho, que é differente do methodo hespanhol, e que, em minha opinião, lhe é muito superior. Elle é tão novo como o outro, e assim como elle não tem por si senão as theorias da publicistas. Por este methodo estão as opiniões do illustre publicista portuguez tantas vezes citado aqui, o Sr. Silvestre Pinheiro; por este methodo esta a opinião de um estadista não suspeito, Mr. O Connell.

Para mostrar quanto elle é superior a qualquer outro, basta vêr que reune o que pelas diversas opiniões é considerado mais vantajoso em seus diversos methodos, as garantias da eleição real, e as da popular, a estabilidade de vitalicio, e as vantagens de temporario.

Eis-aqui o que proponho, como emenda ao artigo 45 até ao anigo 48, que é o seguinte:

Emenda aos artigos 45 até 48.

CAPITULO III.

Da Camara dos Senadores.

Art 45. A camara dos senadores é composta de membros nomeados pelo rei, e escolhidos pelo povo.

§ 1. O lei só poderá nomear senadores d’entre os cidadãos apurados nos listas a que previamente se ha de proceder na conformidade, e pelo modo que a lei designar.

§ 2. D’entre os cidadãos assim nomeados serão eleitos do mesmo modo, e pelos mesmos eleitores que tem voto na eleição dos deputados, os senadores que devem servir em cada legislatura.

Art. 46. A camara dos senadores tem a mesma duração que a camara dos deputados.

Art. 47. A camara dos senadores será igual a dous terços do numero da camara dos deputados.

Art. 48. O rei poderá nomear senadores sem numero fixo; mas nunca poderá nomear menos do sextuplo do numero, que é necessario para servir em cada legislatura.

Art 49. Para qualquer ser apurado nas listas de que tracta o § 1 do artigo 45 é preciso ter de renda annual dous contos e quatrocentos mil reis, provados pelo recibo da decima, ou de qualquer outro imposto directo, ou por ordenados de empregos inamoviveis, ou por ambas as cousas.

Art. 50. Não poderá tomar assento na camara dos senadores o que não tiver completado trinta e cinco annos de idade. = A. Garrett

Por este modo fica á corôa a garantia de escolher, isto é, de propor o senador; e uma vez nomeado fica elle independente da corôa, porém dependente do voto do povo. E tanto maior será a liberdade da votação, quanto mais largo fôr o throno em suas concessões Sr. Presidente, a combinação do principio democratico com o monarchico é que fórma a verdadeira monarchia representativa, combinação que eu presumo ter achado no meu methodo. A nomeação do rei não dá ao nomeado senão o direito de se considerar habilitado a entrar na eleição do senado. O mais é do povo; o povo é o juiz de seu procedimento; o povo pode retirar-lhe sua confiança, deixando-a com a re-eleição aos que a tiverem merecido. Não fica assim a camara dos senadores com privilegios exclusivos. Pelo meu methodo dissolvida a camara dos deputados tambem se dissolve a dos senadores. O que se legislar para os membros das camaras dos deputados, que acceitam empregos, pode ser approvado aos senadores. A appelação para o povo, que desejo que neste caso se dê, porque será uma garantia para o povo, e uma fiança da independencia de seus representantes, pode igualmente dar-se a respeito, dos senadores. O estabelecer-se um censo por baixo ou alto que seja, uma vez que se não estabeleça a prova do censo, são palavras vaos, e nullas, que se illudem todos os dias. Não ha cousa tão facil como dizer eu sou senhor de uma casa de tantas mil cruzados. Se não estabelecerem o meio da provar essa propnedade, quem quer o pode dizer.

Se eu consultasse só o meu desejo e opiniões, eu não quereria que os ocdenados entrassem em conta para o censo. Mas pouca gente é da minha opinião em Portugal: mas ao menos que entre só o dos empregos perpetuos; um grande numero de servidores publicos de grande influencia e merito, militares carregados de serviços, magistrados envelhecidos debaixo da toga poderão assim, apezar da fortuna, vir ennobrecer as cadeiras do senado. Por transigir com estas considerações graves, fiz este paragrafo: e com elle quizera substituir todos os onze de cathegorias, que estão no projecto da Commissão, cujo maior inconveniente ha de ser a discussão dellas dentro deste Congresso. Quando tivermos de comparar os differentes ramos de serviço e suas varias graduações entramos n’um dedalo de difficuldades, de questões odiosas, que eu estimaria não viessem ás Côrtes durante a discussão da lei constitucional. (Continuou lendo). Não menos era meu desejo que a idade fosse de quarenta, a quarenta e cinco annos, por muitas razoes, até por algumas daquellas que se não dizem: mas estimarei muito que a Commissão, que examinar o meu projecto, proponha as modificações que mais agradem.

Tenho feito todas as diligencias por expor claramente este methodo, cujo principal fim é a conciliação das opiniões, que estão discordantes; se o fizermos, a lei constitucional do estado não sairá d’aqui votada por uma maioria muito pequena; nem desde logo levará comsigo o descredito da sua votação, que já lhe diminuira o apoio fóra deste Congresso, por quanto, Sr. Presidente, as opiniões lá fóra estão muitissimo divididas, e tão divididas como aqui: ha um grande numero de cidadãos que estão convencidos da conveniencia do methodo electivo, e outro grande numero, da conveniencia do methodo contrario. Se o Congresso pois votar uma opinião media ha todas as probabilidades de que ella ha de conciliar as opiniões dos portugueses. Peço tambem aos Srs. Deputados tenham a bondade de considerar a conveniencia deste methodo, e sua excellencia sobre o methodo hespanhol. Naquelle tem o povo de eleger tres, e a corôa destes escolher um. Claro está que dous de cada terno ficam de fóra; estes dous são outros tantos homens, que julgando-se offendidos da escolha do governo ficarão desgostosos do principio monarchico, que os excluiu, e dos homens que lhes foram preferidos. Se a camara dos senadores fôr composta de cincoenta membros, cem ficam sendo os inimigos. Tal não acontecerá no meu systema: o cidadão apontado pela corôa não tem mais do que bem merecer da opinião publica, e esperar que pelos seus actos mais dia, ou menos dia seja chamado pelo povo á camara dos senadores: por consequencia em logar de fazer inimigos faremos amigos.

Tem-se dito que a maior garantia, que se pode dar é a temporalidade da camara dos senadores, mas querem dar-lhe uma duração maior que á dos deputados. Ora pelo meu methodo mais segura fica essa garantia; a urna é mais vezes consultada, quando se dissolver a camara dos deputados dissolvida e a dos senadores; acabada a legislatura daquella, acabará a desta, etc.

Finalmente, Srs, mando a minha emenda para a mesa, e peço as Côrtes em nome do paiz, em nome da sua propria segurança não considerem isto como meu. O meu nome que vai assignado, é o de um mero repetidor das opiniões de muitos publicistas acreditados: cumpre nos a nos portuguezes reflectir, e julgar com madureza de opiniões, e meditações dos homens mais liberaes da Europa. Rejeitem-m’a embora, mas reflictam antes.

Terminarei com duas palavras de resposta a uma arguição infundada e inconsiderada, que aqui me foi feita. Eu creio na uma eleitoral do mesmo modo que crêm os outros Srs. Deputados, mas o que não creio é na absoluta impeccabili-

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dade della, o contrario seria acreditar um desproposito; e capaz de qualquer outra cousa serei eu, mas de desproposito graças a Deos cuido que não sou. Não disse nunca tão pouco que se não deva dar a maior latitude possivel aos interesses da classe media, esse é o meu desejo, porque lhe pertenço, e tenho muita honra em lhe pertencer, desejo sustentar os interesses dessa classe, mas o que receio é que a classe media no dia do deu triunfo, na hoa da sua victoria imite os erros da aristocracia, e se perca como ella.

O Sr. R. De Menezes: - Sr. Presidente, o assumpto que está em discussão é d’uma gravidade immensa, e então eu peço que essa substituição, que é mandada para a mesa pelo nobre orador, seja impressa e distribuida pelos Srs. Deputados.

O Sr. M. A. de Vasconcellos: - Não me opponho ao requerimento que acaba de fazer o illustre Deputado ao todo, em parte opponho-me: se bem ouvi o Sr. Garrett quando leu o seu projecto, parece-me que elle contém materia que não tem estado em discussão, sómente o tem estado, quanto á maneira de formar uma segunda camara, e então parece-me que não se póde demorar a discussão e a votação sobre esta materia, e faze-la dependente da impressão e discussão do projecto do Sr. Garrett, que póde ser discutido no seu logar competente, quando se tractar da materia que involve; por isso eu pedi a palavra sobre a ordem, para impugnar parte do requerimento, que tinha feito o illustre Deputado que me precedeu, e requerer que esse projecto seja sim impresso e distribuido, mas que não demore a discussão e a votação sobre a materia.

O Sr. Presidente: — Eu devo declarar que o Sr. Menezes não tinha isso em vista, e tanto que não pediu que a discussão se suspendesse.

O Sr. José Estevão: — O Sr. Deputado pediu que a substuição do Sr. Garrett fosse impressa, e pediu muito bem; e, se o Sr. Deputado o não pedisse, haveria alguem que assim o fizesse, porque a materia é de importancia: mas creio que tambem o Congresso está na idéa que senão deve intremetter esta materia com a outra, que é inteiramente distincta; o mesmo nobre Deputado o diz e confessa; é preciso que nós rejeitemos os methodos simples, para depois irmos; aos methodos compostos; nós temos discutido esta materia, isto é, duas proposições, se a camara electiva deve ser de nomeação do Rei, ou de nomeação do povo, se deve ser temporaria, ou vitalicia; votando nós contra estas duas proposições, é que tem logar então a substituição do Sr. Garrett.

O Sr. Fernandes Thomaz: — Sr. Presidente, a discussão a que agora se nos quer levar, só teria logar quando se tivessem rejeitado as duas opiniões simples, que se tem discutido até aqui. Se acaso posta á votação do Congresso a eleição pura do povo, esta fosse rejeitada, e fosse igualmente rejeitada a nomeação do Rei, então tinha logar o que o Sr. Deputado pede. Ora, Sr. Presidente, eu julgo que é conveniente não prolongarmos muito esta discussão; creio que em Hespanha, aonde esta questão se tractou, e tambem era de igual interesse, que entre nós, não durou tanto tempo: em França, quando se discutiu, se a Camara havia de ser temporaria ou vitalicia ou hereditaria, aonde fallaram mais de um cento de oradores, não me recordo bem, mas talvez não se demorasse tanto; eu não me opponho a que ella se demore ainda, mas o que não quero é que se demore por causa do projecto agora apresentado; porque uma vez que o Congresso decida que a Camara seja electiva e temporaria, o projecto do Sr. Deputado está prejudicado, e rejeitado, uma vez que o Congresso decida que a segunda camara deve ser vitalicia e de nomeação regia; elle está igualmente prejudicado, e só no caso de se rejeitar cada uma destas proposições simples, é que tinha logar a apresentação da substituição do Sr. Deputado, e depois d’ella apresentada é que deveria ter logar a discussão.

O Sr. M. de Menezes: — Eu não pedi que se demorasse a discussão; o meu requerimento creio que foi ouvido por todos; eu pedi simplesmente que a emenda do Sr. Garrett fosse impressa e distribuida pelos Srs. Deputados; o illustre orador, que fallou logo depois de mim, attribuio-me uma idéa, que de certo não era minha; eu não pedi, nem essa era a minha intenção que se sustasse na discussão, pedi simplesmente que a substituição do Sr. Deputado fosse impressa; e se V. Exca. julgar a bem, proporá isto ao Congresso.

O Sr. Derramado: — Não pertendo de maneira alguma embaraçar o progresso da discussão da materia, que até aqui se tem ventilado; mas o que me parece é que a emenda do Sr. Almeida Garrett deve ser tomada em consideração antes de se votar sobre o artigo, que se discute, quer ella seja impressa, quer não; opponho-me a que se tome uma decisão prematura que possa prejudicar a substituição que propoz o Sr. Garrett, uma vez que não passe a doutrina do artigo, que eu hei de sustentar com preferencia. Esta materia é da mais alta importancia, e transcendencia, é verdadeiramente a grande questão da nossa organização politica, e não se deve lamentar o tempo, que se gasta para a esclarecer.

Sr. Presidente, eu sou um d’aquelles Deputados, que mais provas tem dado de não desejar a prolongação inutil das discussões; mas na materia, que actualmente se ventila, desejo que nem um dos membros deste Congresso fique por fallar, querendo; e opponho-me e repito a que se vote antes de se tomar em consideração a substituição do Sr. Garrett, uma vez que a votação possa prejudicar esta substituição.

O Sr. Almeida Garrett: — A fallar a verdade tenho sido julgado sem audiencia; eu não posso entender como os Srs. Deputados, que a adopção de qualquer dos principios puros involva a rejeição do meu methodo.... é uma cousa que abraça ambas. Eu protesto que se acaso se vencer que a Camara dos senadores seja vitalicia e de nomeação do Rei, eu do mesmo modo hei de insistir pela minha emenda, como insistiria no caso de se vencer o contrario; solemnemente me obrigo a isso; hei de insistir para que este meu methodo seja tomado em consideração pelas Côrtes, tanto quando se decida o methodo proposto pela Commissão, como quando se decida outro qualquer; eu não desejo de modo nenhum nem demorar a discussão nem a votação com a minha emenda. O que desejo simplesmente é que as Côrtes o tomem em consideração, embora o rejeitem.

O Congresso julgou esta materia discutida, e resolveu que se mandasse imprimir a substituição do Sr. Garrett.

O Sr. Bardo da Ribeira de Sabrosa: — Sr. Presidente, eu peço que este
additamento do Sr. Garrett seja mandado para a imprensa com urgencia e que seja distribuido ámanhã; isto se tem praticado muitas vezes com papeis de muito menor importancia.

O Sr. José Estevão: — Eu não me opponho a que se mande imprimir o projecto com urgencia, mas pergunto a V. Exca., se estão mais additamentos na mesa a respeito desta materia, porque desejo que igualmente sejam impressos; entretanto, Sr. Presidente, se nós admittirmos estas questões, teremos uma discussão eterna, porque amanhã apresento eu seis methodos para formar a segunda camara, peço que sejam impressos, outro dia outro Sr. Deputado faz a mesma cousa, e aqui estaremos a discutir Constituição um anno; e, Sr. Presidente, declaro que nesta questão nenhum dos Srs. Deputados ha de ter a palavra mais que tres vezes, que pelo regimento lhe competem, e depois votem, como quizerem, e como entenderem; mas nunca a diversidade de proposta, nem a variação d’uma ou outra opinião, para com que se inverta a ordem; por tanto eu não me opponho a que o additamento do Sr. Deputado seja impresso, mas hão de ser todos os outros tambem.

O Sr. Presidente: — É preciso que o Sr. Deputado saiba que ainda nenhum Sr. Deputado teve a palavra além

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das vezes que lhe competem no regimento, que tão duas sobre a materia, e uma para explicações.

O Sr. José Estevão: — Nem sempre se falla para se censurar erros, mas falla-se muitas vezes para prevenir que se não comettam, ou para se exigir que não sejam comettidos: eu não tenho nada a censurar a V. Exca.

O Sr. Costa Cabral: — Sr. Presidente, já hoje se disse neste Congresso que era da maior urgencia que se suspendesse esta discussão até que chegassem alguns dos nossos collegas, que estão proximos a isso; isto, Sr. Presidente, foi dito, e apoiado por alguns dos mesmos Srs. Deputados, que ainda no dia 26 do mez passado diziam que a machina social portugueza se desorganisava, se por ventura não discutissemos a Constituição, e a não discutissemos a toda a pressa; hoje apresentam-se emendas ou substituições, em que não vejo outra consequencia senão demorar a discussão, e perverter tudo que se tem feito! É necessario que sejamos uma vez coherentes em nosso procedimento: é preciso que aquelles Senhores, que julgavam que não podiamos estar uma hora sem Constituição, não queiram agora parar a sua discussão. — Eu tenho um precedente muito valioso neste caso, o que se passou com o projecto do Sr. Santos Cruz: na occasião em que elle foi apresentado pediu o seu illustre author que se sobreestivesse na discussão da generalidade da Constituição, até que elle fôsse impresso, a fim de ser attendido na mesma discussão; mas o Congresso, por uma grande maioria, rejeitou esta proposta, não podendo por tanto ser presente o mencionado projecto na discussão que se tractava. (Apoiado.) Por tanto, é indispensavel que continuemos com a questão na ordem, em que se discutia, podendo os Srs. Deputados, que assim o entenderem, dar attenção ao systema proposto pelo Sr. Garrett: Sr. Presidente, se a cada artigo que estivermos discutindo formos apresentando substituições, depois de seis ou sete dias de discussão, quando teremos nós Constituição? Nunca. (Apoiado, apoiado.) Terminarei, pedindo aos Srs. Deputados, que a 26 do mez passado diziam que a machina social cahia se se não fizesse logo a Constituição, que hoje não ha motivos para pensar diversamente; e que é necessario não illudir as decisões do Congresso: continuemos com a discussão, e os Senhores, que julgarem dever attender á substituição do Sr. Garrett, podem fazelo. (Apoiado).

O Sr. Barão da Ribeira de Sabrosa: — Pedi a palavra sobre a ordem para dizer uma cousa, e declarar outra. Digo que eu fui um daquelles, que mais insistiram pela discussão da Constituição, e que desde então ainda não mudei de opinião n’este respeito, nem pedi retardamento algum; se fosse possivel vota-la hoje, esse seria o meu desejo. Dito isto, declaro tambem por minha parte (e creio que o posso, fazer em nome de alguns dos meus nobres collegas) que a apresentação e exame do additamento do Sr. Garrett de maneira alguma se crê poder servir de retardamento. (Apoiado.) Eu pedi que este additamento ou substituição se imprimisse com urgencia, tendo antes dito simplesmente que se imprimisse, mas sem querer que tal impressão retardasse a discussão. Se o Congresso quizer declarar sessão permanente até acabar a materia de que temos tractado, declaro que eu não desampararei a sala, ainda quando o seu termo, chegasse a tres dias.

Agora observarei que eu pedi a palavra sobre a materia por terceira vez, que ella me cabe porque sou o Relator da maioria da Commissão, e que não me póde ser negada senão contravindo a uma disposição do regimento; reclamo-a pois para quando me competir.

O Sr. R. de Menezes: — Não esperava que, quando fiz uma proposta movida pela intenção mais pura, fosse increpado por alguns nobres Deputados de que assim pertendia retardar o andamento desta discussão! É preciso que S. Sas. me façam a justiça de acreditar que tem mais talentos, mas não mais honra do que eu. Appello para o nobre Deputado auctor da, substituição; elle que declare se me tinha dito uma só palavra a este respeito: eu fallo isoladamente nesta assembléa, não me assocío com nenhum dos meus collegas, não concerto planos de ataque ou defeza; e todavia alguns illustres membros deste Congresso acabam de offender gravemente a minha honra.... (Vozes: — Não, não.) Não? Pois não será offender a honra de um Deputado fazer-lhe uma imputação odiosa, qual a de suppôr que elle entra em planos tendentes a protrahir e demorar systematicamente as questões? Declaro que, se os Srs. Deputados a fizeram com animo hostil, são obrigados a dar-me uma satisfação, por que eu não costumo vir aqui fazer sermões de encommenda.

(Sussurro.)

O Sr. Conde da Taipa: — O illustre Deputado pelas ilhas dos Açores disse que se queria procrastinar esta discussão (ou cousa que o valha), para ver se chegavam alguns Srs. Deputados que estão ausentes, e quiz mostrar que isto era uma finura parlamentar, mas que tinha inconvenientes. Sr. Presidente, eu digo claramente que não ha tal finura, e que devendo votar nesta questão o maior numero de Deputados que for possivel, se de mim dependesse, eu procrastinaria esta votação por mais quatro ou cinco dias, a ver se elles chegavam. (Vozes: nada, nada.) Eu digo que sim, porque não costumo levar as cousas por alicantina; repito que tenho muito desejo que se vote nesta questão com o maior numero possivel de Deputados. Este é o ponto mais essencial da Constituição, ponto que ha de decidir do seu merecimento perante as pessoas razoaveis, a fim de ter o assentimento do maior numero de portuguezes. Então quem estará mais certo do effeito desta questão; aquelle que quer esperar que cheguem todos os Deputados, ou aquelle que pertende se vote com os presentes, estando a chegar outros, cujos constituintes tem direito a que elles entrem na decisão desta importante questão? A resposta não é difficil. Conhece-se bem a côr politica das duas partes desta Camara: de todas as pessoas que aqui tem assento, e estavam empregadas fóra chegaram algumas que pertencem a um lado, e não as que pertencem ao outro. Agora pergunto, será má fé querer esperar por ellas? Ninguem o affirmará com justiça.

Por tanto não cuide o illustre Deputado que seja finura ter descoberto isto, e tanto o não é, que eu tinha pedido a palavra sobre a ordem (antes mesmo que S. Sa. fallasse) para requerer a procrastinação. O caso, Sr. Presidente, é ir discutindo a Constituição sem desamparar, e não apressando. Por consequencia quando se tracta de ponto de tal interesse, ponto em que as opiniões deste Congresso estão quasi equilibradas, é preciso que façamos justiça a ambas as partes, para que a nação a faça a nós todos, e é preciso não ter pressa, quando se tracta de uma demora de dous ou tres dias sómente. Ha oito mezes que estamos aqui sentados, e não tem havido pressa, por isso accrescentar quatro ou cinco dias para uma decisão tão importante, não é estragar o tempo. O caso está em discutir a Constituição sem a largar, dahi é que vai a economia, mas fixar o tempo a objectos desta magnitude, então é melhor pegar nella e fazer como o letrado de D. Quixote.... (Rumor prolongado.) Não sei a razão porque o Sr. Deputado (por Aveiro) está sempre em pé em quanto os outros fallam; não sei que tenha privilegio exclusivo. (Susurro.) Dizia eu que era melhor fazer como o letrado de D. Quixote, que lançou uma opinião sobre todos os livros em globo. (Riso.)

Quero que se discuta a Constituição sem desamparar, mas não quero que se negue a uma parte do Congresso o tempo que ella pede para decidir um ponto de tanta importancia. Na discussão tem-se tractado dous methodos para nomear os Senadores, um de nomeação regia, e outro de eleição popular; apparece agora o melhodo mixto apresentado pelo Sr. Garrett, e não se ha de discutir? (Vozes: — Ha de, ha de.) Mas discutir para chegar a um resultado, porque

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discussão, que não possa servir para fixar as opiniões, seria o mesmo que cada um de nós vir aqui prégar o seu sermão. Supponhamos que algum de nós se póde
convencer de que deve votar pelo methodo mixto, como poderá isto verificar-se, se elle não for discutido e votado? Mas dizer-se que se ha de votar o methodo simples, sem mostrar os inconvenientes do mixto, é o mesmo que querer excluir a substituição proposta pelo Sr. Garrett. Por tanto peço que seja impressa com urgencia, para depois ser votada, e só depois de approvada ou rejeitada pelo Congresso, é que se póde dizer que a substituição é boa ou ma, mas dizer que está prejudicada, não entendo.

O Sr. Valentim dos Santos: — Creio que estamos a perder tempo, porque sobre a Mêsa não ha assumpto em que possa recair esta discussão; por isso pedia a V. Exca. quizesse consultar o Congresso se julga este incidente (ou o quer que é) sufficientemente discutido (Apoiado)

As Côrtes resolveram que sim.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Ministro da fazenda.

O Sr. Ministro da Fazenda: — É ocioso fazer observações sobre o nosso estado financeiro; os illustres Deputados estão bem ao facto da situação, em que nos achamos, e que é necessario por meio de operações, e de transacções, irmos sahindo do apuro em que vemos collocado o paiz, em consequencia de transacções detastrozas, e acontecimentos complicados, que a ninguem são estranhos. Entre os grandes onus, que pesam sobre o estado, o maior é, a divida estrangeira; e é essa divida estrangeira que o Governo quer por todos os modos ver se acredita, pagando os seus dividendos por algum modo, que não sejam transacções tão ruinosas como até agora tem sido necessario fazer. O estado do nosso credito, o preço dos nossos fundos obstam a que por meio de novas emissões se obtenham os dinheiros indispensaveis para fazer face aos juros déssa divida: necessario é por tanto recorrer a algum outro meio que salve a nação desses enormes sacrificios, que poderão servir dous, ou tres annos, mas que por fim concluirão por uma banca-rota.

Quando eu entrai para o Ministerio, foi preciso immediatamente occorrer ao pagamento dos juros de um semestre; tendo tomado conta da pasta a 3 de Julho, aquelle pagamento havia sido annunciado em Londres para o dia 15; por tanto não pude ter outra escolha senão anuuir a qualquer transacção por onerosa, e arriscada que fosse: não tive outro maio que não fosse lançar mão de um emprestimo sobre penhoros, debaixo da ardua condição dos juros de dezenove e vinte por cento: assim obtive uma anticipação de noventa e duas mil libras para satisfazer ao dividendo de Junho. Vi-me depois na necessidade de emittir valores para servirem como penhor desse emprestimo, e não com a idéa de os sacrificar; foram estas as apolices de cinco por cento, debaixo da condição de que não poderiam ser vendidas, mas que só ficariam servindo como hypotheca. No mez proximo completa-se o tempo de re-embolsar este emprestimo, urge por tento a necessidade de meios para o verificar, assim como de occorrer aos juros que não tardam a vencer: é indispensavel um meio qualquer, ainda que menos vantajoso; lance-se mão de algum, guardando para épooa mais prospera regular este ramo de despeza do modo que parecer mais conveniente. Não tomarei mais tempo ao Congresso, passando a ler uma proposta do Governo, que desde já injeito á consideração dos Srs. Deputados, reservando-me para produzir mais algumas razões qaando ella entrar em discussão. É como te segue:

PROPOSTA.

Senhores: = O Governo na impossibilidade de apresentar por em quanto ao Congresso um plano completo, em virtude do qual a agencia financeira em Londres podasse ser habilitada com meios sufficientes para entrar em despezas, que tem a seu cargo, julga todavia que grandes vantagens devem provir ao credito nacional de assegurar desde já á mesma agencia uma renda, que possa fazer face a quaesquer encargos, que o Governo esteja authorisado a satisfazer, ou a contrahir na praça de Londres, separando-se para esse fim uma pequena parte dos rendimentos das alfandegas, em quanto se não organisam definitivamente as finanças do paiz.

Para que esta renda possa effectivamente realisar-se no cofre da agencia, entende o Governo ser muito conveniente, que se cobre por antecipação nos portos estrangeiros, donde as mercadorias partem para Portugal, certa porção de direitos, effectuando-se o competente encontro nas alfandegas deste reino, e seus dominios para onde forem dirigidas, evitando-se por este modo a alteração dos cambios, que nos seria infallivelmente desfavoravel quando daqui se fizessem remessas importantes em dinheiro esterlino.

O rendimento das alfandegas, susceptivel ainda de consideravel augmento, em resultado dos melhoramentos, que continuamente se irão fazendo na respectiva fiscalisação, pouco poderá resentir-se desta medida, de maneira que, quasi sem quebra dos rendimentos publicos no paiz, espero que iremos colher grandissimas vantagens para o nosso credito nas praças estrangeiras.

Desejando porém o Governo que esta medida possa ser levada a effeito com toda a solemnidade, tem a honra de a submetter á approvação das Côrtes na inclusa proposta de lei.

Secretaria d’Estado dos Negocios da Fazenda, 12 de Outubro de 1837. = João d’Oliveira.

PROPOSTA DE LEI.

Art. 1. Poderá o Governo fazer cobrar nos principaes portos da Grã-Bretanha, e Irlanda, França, Belgica, Hollanda, cidades anseaticas, e Baltico, até 5 por cento calculados sobre o valor das mercadorias, que nos mesmos portos se despacharem com destino para os do reino de Portugal, e seus dominios; ou separar até 10 por cento da totalidade, dos direitos, que se arrecadarem na alfandega grande de Lisboa, e na alfandega do Porto, devendo a respectiva importancia entrar directamente na junta do credito publico, para ser posta á deposição da agencia financial em Londres.

Art. 2. No primeiro caso as sommas provenientes desta cobrança serão consideradas como um pagamento por conta, e encontradas na liquidação final dos direitos nas alfandegas portuguezas, onde as mercadorias derem entrada.

Art. 3. Os consules portuguezes, ou seus delegados serão incumbidos desta arrecadação, quando ella se realise nos portos, designados no artigo 1.º; e entregarão ás partes pelas sommas, que dellas receberem, letras sacadas sobre os thesoureiros das referidas alfandegas, para lhes serem encontradas na fórma do artigo antecedente.

§ unico. Estas letras deverão conter além da assignatura dos sobreditos consules a dos agentes financeiros do Governo em Londres, ou de seus delegados nos outros portos, sem o que não serão validade alguma.

Art. 4. O producto desta arrecadação será posto pelos referidos consules á disposição immediata da agencia portugueza em Londres; ficando os mesmos consules obrigados a dar inteiro cumprimento ás instrucções, que pela sobredita agencia lhes fórem transmittidas no que respeita á execução desta incumbencia, e a prestar-lhe directamente as respectivas contas.

Art. 5. Todas as sommas, que em virtude das disposições da presente lei houverem de entrar no cofre da agencia, serão exclusivamente applicadas ao pagamento de quaesquer encargos, que o Governo esteja authorisado a satisfazer ou contrahir na praça de Londres.

Art. 6. Fica revogada toda a legislação em contrario.

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O Sr. Ministro da Faeenda: — Com estes fundos, que calculo poderem montar a sessenta ou setenta mil libras, com o producto da urzella, que eu tambem tenho idéa de arrendar, pode elevar-se uma renda annual de talvez oitenta a noventa mil libras, que ponham além da duvida o pagamento do juro dos valores, que se emittiram para pagamento dos dividendos, e que devem assumir a fórma de exchequer bills, valor bem conhecido na praça de Londres, mas que aqui se chama a toda a qualidade de papel. Será este um meio de poder satisfazer aos que quizerem acceitar em pagamento a satisfação dos dividendos, até que consolidada a organisação politica do paiz, o nosso credito se eleve, e por uma simples operação se possam capitalisar essas letras por um praso em que convenham os portadores, fazendo como sempre se costuma algum favor no praso.

Ha ainda outra proposta a fazer. É bem conhecido o apuro das circumstancias financeiras do paiz, e que o Governo presentemente não tem á sua disposição senão o resultado dessa transacção, que fez com o banco, que tem tido excellente resultado, porque obrigando-se o banco por um ajuste a descontar a quatro por cento, os individuos particulares os descontam a tres e meio. Por consequencia tem sido uma operação bem succedida, e tanto que espero restringir a emissão sómente a trezentos contos, porque o fluxo, e refluxo, que encontram na alfandega é tão rapido que com os trezentos contos talvez seja sufficiente para satisfazer a todos os fins; por tanto essa medida tem sido bem succedida, e igualmente o arranjo que aqui se fez reduzindo a admissão dos escriptos a a metade, porque estando elles a sessenta e dous, hoje estão a noventa e cinco. Porém o Governo não tem meios de prompto para ir acudindo aos immensos encargos debaixo dos quaes geme, e é necessario que eu tivesse um coração de ferro para não ser sensivel ás scenas de apuro e desventura que presenceio todos os dias no thesouro, que me tem commovido a tal ponto que desejara bem livrar-me da pasta da fazenda. N’estas circumstancias occorreu ao governo, como um meio facil de obter dinheiro, a venda d’uma porção de foros para aquelles que voluntariamente quizessem remi-los. Esta idéa foi apresentada a alguns Srs. Deputados, e todos a acharam excellente, e não involve nenhum sacrificio, e para esse fim apresenta o governo a seguinte:

PROPOSTA DO GOVERNO.

SENHORES. = A remissão dos muitos, e importantissimos foros, e pensões, que se acham incorporados na fazenda publica, além de ser da mais rigorosa justiça para os respectivos enfiteutas, que pertendem vêr livres de taes encargos suas propriedades, encerra em si muitas outras vantagens, que não podem deixar de merecer a particular attenção das Côrtes, e são:

1.ª O interesse geral da agricultura.

2.ª O mais prompto meio de realisar fundos com que se possa habilitar o Governo a satisfazer seus encargos.

3.ª Obter desde já recursos para pagar aos egressos algumas prestações, tornando effectivas as providencias consignadas no artigo 1.º § 7.º do decreto de 2 de Novembro de 1836, a fim de melhorar sua sorte, objecto este da mais seria attenção.

4.ª Facilitar o augmento e livre commercio das propriedades oneradas com taes encargos.

5.ª Fazer subir o rendimento da siza pelo maior numero de transacções, e o da decima pelo acerescimo de valor de taes propriedades.

6.ª E finalmente, o mais importantissimo, e que deve merecer uma muito especial consideração, a de abrir caminho seguro, e o mais vantajoso para terminar um sem numero de pleitos, que sobrecarregam o poder judiciario sobre duvidas suscitadas no pagamento de taes foros, em vista da doutrina expendida no decreto de 13 de Agosto de 1822, evitando tambem a instauração de outros pelo mesmo motivo.

Por todas estas razões de conveniencia, politica, e justiça, tenho a honra de offerecer á consideração deste Congresso o seguinte

PROJECTO DE LEI.

Art. 1. É permittida desde já a remissão de todos os fóros, e pensões pertencentes á fazenda nacional até á quantia de mil e seiscentos contos de réis, a todos os respectivos emphiteutas, e possantes, que a requererem, pagando se pela dita remissão somente a somma de vinte annos dos ditos fóros, e pensões em harmonia com o que se acha estabelecido no decreto de 30 de Abril de 1833.

§ unico. As propriedades, em que se acham impostos os referidos fóros, e pensões ficam pela dita remissão livres, e alodiaes em poder dos emphiteutas, e possantes.

Art. 2. O preço de taes remissões será satisfeito em dinheiro, e no praso de quinze dias contado da data da respectiva guia.

Art. 3. O producto das mesmas remissões, á excepção da quarta parte já applicada pelo artigo 1.º § 7.º do decreto de 2 de Novembro de 1836 para pagamento das prestações dos egressos, fica á disposição do Governo, para ser applicado como lhe parecer mais vantajoso para fazer face ás urgencias do estado, podendo sobre esta hypotheca levantar qualquer somma de que careça para satisfazer seus encargos.

Art. 4. Os emphiteutas, e possantes, que se não quizerem utilisar do beneficio concedido por esta lei, dentro do praso de dous mezes contados da sua publicação no diario do Governo, perderão o direito a taes remissões, e ficam sujeitos ás providencias, que se houverem de dar sobre a sua venda em hasta publica.

Art. 5. Destas remissões se não pagará siza, direitos, ou emolumento algum.

Art. 6. O Governo fica authorisado para dar os regulamentos, e providencias necessarias, a fim de se levar a effeito a dita remissão.

Art. 7. Fica revogada toda a legislação em contrario. Lisboa, em 7 de Outubro de 18S7. = João d’Oliveira.

O Congresso resolveu que os dous projectos de lei, apresentados pelo Sr. Ministro da fazenda, fossem mandados á Commissão de fazenda com urgencia.

O Sr. Presidente: — A hora deu; a ordem do dia para amanhã é a continuação da de hoje, está levantada a sessão.

Eram quatro horas da tarde.

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