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SESSÃO DE 13 DE OUTUBRO.

(Presidencia do Sr. Macario de Castro).

Abriu-se a Sessão ás onze horas e meia da manhã, estando presentes noventa e um Srs. Deputados.

Leu-se, e approvou-se a acta da sessão antecedente.

O Sr. Secretario Rebello de Carvalho leu a ultima redacção do projecto de lei sobre a creação de dous novos logares de cirurgiões do exercito, delegados do conselho de saude, e extincção dos tres logares d’amanuenses dos depositos de Lisboa, Porto, e Elvas; e bem assim os tres logares d’ajudantes de pharmacia dos hospitaes regimentaes dos mesmos pontos; e julgando-se conforme, mandaram-se tirar os authografos.

O Congresso resolveu que se mandassem imprimir todas as emendas, que a respeito do projecto de Constituição existissem sobre a mesa, na intelligencia de que esta impressão em nada retardará a discussão do mesmo projecto.

ORDEM no DIA.

O Sr. Presidente: — Continua a discussão sobre a organisação da segunda camara; o Sr. João Victorino tem a palavra.

O Sr. João Victorino: — Sr. Presidente, dura sem duvida, dura ha bem tempo este debate; talvez se as horas, que nelle temos consumido, se juntassem, nada menos sommariam do que quarenta; entre tanto permitta-se-me dizer, tirassem-se as fastidiosas repetições, tirassem-se as explicações, tirassem-se as luctas cobre a ordem, os caprichos, que se contentam de dar aos discursos nenhuma outra qualidade senão a extensão, reduzisse-se a discussão só ao necessario, e ao util, esquecessem os immensos argumentos, que ou nada provam, ou são commutaveis a favor de ambos os partidos; estou certo que de uma hora crescia tempo. Mas que? Deverei eu, que estou severamente commemorando este mal, dar mais um exemplo, em que elle se verifique? Não por certo, e mal me corre se eu não apinho ás idéas, que tenho a apresentar, em tres minutos; e hei de dizer alguma cousa. (Aqui tirou o relogio, e marcou.) (Apoiado.)

Votei por duas camaras, principalmente por vêr que em todos os governos representativos do mundo o poder legislativo está por esta maneira instituido; poderá apresentar-se alguma excepção, porém a regra geral subsiste; note-se que digo nos governos representativos. Sei que na Georgia, e na Pensilvania ha só uma camara; porém a primeira é um estado tão insignificante, e pobre, que não poderia com duas. Na Pensilvania porém, um dos mais ricos de toda a confederação do norte d’America, além de sua população ser dos mais regulares, e pacificos costumes, para o que concorre o ser ella compasta de quokers, tem-se mesmo assim supprido esta falta com um conselho de censores, com attribuições bem analogas a uma segunda camara. Na Georgia ha tambem uma instituição semelhante. Votei por duas camaras, por ser esta fórma mais aproximada do que uma só ás nossas antigas côrtes, que nos fizeram tão felizes, tão fortes, e mesmo tão livres. (Apoiado.)

Votei por uma segunda camara electiva pelo povo sobre cathegorias, e ao depois nomeada pelo rei nas listas triplices ou duplas, porque me pareceu melhor, e não repugnante á vontade nacional.

Votarei por uma segunda camara não vitalicia, porque creio ser melhor, porque julgo assim tambem o throno mais seguro, e mais segura a liberdade dos cidadãos. Longe de mim tornar a bater aqui as repisadas provas desta doutrina. Eu vou a fazer uma resumidissima resenha do que pode dar a historia para a nossa questão, porque sobre isto ou nada se tem dito, ou se tem invocado factos com toda a inexactidão possivel. Vou fazer um indice de doutrina, que se se me disputar desenvolverei ao largo. Vou unicamente fazer vir aqui alguns factos historicos ainda não mencionados, e rectificar outros relativos ao objecto em questão, e nada mais.

A historia antiga o que apresenta é que nos governos, em que o povo figurava em massas, e não em representação, nestes governos havia um corpo com diversos nomes, mas de identicas, ou quasi identicas attribuições, que moderava, reprimia os extravios, as exorbitações das massas populares; e estes corpos então pela maior parte eram vitalicios. Eis o que apresenta Carthago, de todas as antigas républicos, no sentir de Aristoteles, a mais bem constituida. Eis o que apresenta Athenas, e á maneira da homologia entre todas as partes componentes dos estados federativos, com ella pela maior parte a constituição de todas as outras republicas da Grecia. Reflexão importante: permittia a constituição do estado figurar o povo em massa, pois ahi vemos sempre os corpos moderadores vitalicios. Os archontes o são, e Athenas existe feliz 381 annos; passam a durar dez annos, e ultimamente um anno só, eis appareceu predominio das massas populares, e as agitações. Debalde lhes querem dar remedio, a severidade das leis civis de Draco, debalde a doçura das de Solon, como as leis constitucionaes não se mudaram, continúa a desordem, até que a perspicacia deste segundo legislador dá na causa do mal, estabelece um senado vitalicio, amainam as agitadas ondas politicas, e Athenas dura até o fim marcado pela providencia nas espadas das legiões Romanas.

Em Roma é o mesmo: e seria infinitamente longo mostrar, e desenvolver o que aqui se passa em prova deste facto; e talvez, não o nego, difficil.

Nos estados modernos, que se acham constituidos com regularidade, em que ha a divisão dos poderes politicos, não é verdade, como sem sombra de razão se tem querido aqui insinuar, que os corpos chamados segundas camaras são vitalicios. Lancemos os olhos para as républicas do Norte da America, em que o povo influe por fórma de representação, e não em massas, e veremos que a sua segunda camara é electiva e temporaria, e em algumas até de bem curta duração.

Na Inglaterra, é verdade, a camara dos pares é vitalicia, mas note-se que aqui mesmo entram elementos, que o não são. Antes do acto de união a Irlanda tinha a sua camara de lords, depois delle neste paiz ha 150 pares, os quaes nomeiam d’entre si 24 ditos, que vão ter assento na camara Ingleza, e estes 24 são com effeito vitalicios, porém electivos. Com tudo no mesmo parlamento inglez tomam assento 16 pares da Escocia, os quaes são eleitos por 154 lords d’entre si mesmos do mesmo reino de Escocia, e estes 16 são temporarios, pois duram só o tempo que existe um parlamento. Com tudo tem o povo inglez observado ultimamente o mal desta instituição, quando se tractou da reforma parlamentar; e que remedio se propunha dar-lhe? Qual? Era o de fazer com que a influencia, o voto dos pares não fosse vitalicio, ainda que o fossem as pessoas que votavam: e consistia em nomear para a camara uma nova fornada de pares massados, e compactos no sentido da reforma, cujos votos sommados com os alli existentes já de identicos principios, formassem uma maioria. Como isto era certamente immoral, e além disto era derogatorio da nobresa dos antigos pares, estes cederam pelo modo que é bem sabido, não querendo ver debilitada a intensidade da sua aristocracia, sendo dividida por um maior numero de individuos.

Sr. Presidente, tem-se argumentado com a França aonde depois da Constituição de 6 de Abril de 1814 a camara dos pares é vitalicia. Exacto, não o nego: mas é falso dizer sem distincção alguma que alli foram sempre vitalicios todos os corpos legislativos; falsissimo: pois que depois da Constitui-

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ção de 1799 até á de 1814 o corpo legislativo, e o tribunado eram temporarios, e ambos se renovavam por quinto em cada anno, vindo a durar cada membro cinco annos, como é bem expresso a respeito do tribunado no art. 27, e a respeito do corpo legislativo no art. 31 da mesma constituição. E quem duvida, Sr. Presidente, quem duvida que com esta Constituição a França subiu áquelle grau de gloria, que se sabe; e que destes corpos legislativos sabiram aquelles codigos, que hoje fazem a soberba da nação Francesa, e admiração dos povos civilisados? Verdade é que a transplantação, que dessas leis se tem querido fazer para o nosso paiz, não tem aqui provado muito bem; e se continuar a mania de querer impor-no-las assim. Deos as leve para longe.

Sr. Presidente, resta-me uma reflexão historica, a que dou muito apreço, e me convence, Portugal e Hespanha: nações irmãs! Ellas tem quasi sempre tido os mesmos lados, as mesmas fortunas e desgraças. Que immensa carreira para fazer este parallelo se me abriu agora diante da vista, se eu quizesse fazer um discurso de horas? Mas longe de mim. Com tudo não posso deixar de vêr estes dous povos, ou quando unidos ou separados, soffreram as mesmas invasões antes dos romanos as dos romanos, as dos barbaros do Norte, dos godos, e outros, as dos mouros, as dos Francezes: as leis analogas; e muitas vezes os mesmos codigos, os mesmos costumes, as mesmas propensões, a mesma instituição de côrtes; a mesma liberdade de nellas dizer as verdades aos seus monarcas; as mesmas Constituições; o precedente de 1820 pela Constituição de Cadiz, em fim interminaveis analogias. Então que concluir daqui? Por ventura o dito vulgar, que faz quasi um adagio — A sorte de Hespanha será sempre a de Portugal. Não, nuo digo tanto. Porém muita força, muita sem duvida faz em mim a constituição de Hespanha. Alli acha-se sanccionada uma segunda camara electiva, e temporaria; então por este multiplicado grupo de analogias, e razões de congruencia, não terei, não havendo razões mais fortes em opposição, não terei duvida votar por cousa semelhante ao estabelecido naquella Constituição.

Não digo mais uma palavra; contrahi quanto me foi possivel minhas idéas; tirei-lhe para este fim todo o ornato; mas Sr. Presidente, não gastei muito tempo mais que o que me havia proposto, e creio ter dito bastantes cousas. (Aqui, o orador tirou outra vez o relojo, e disse; 12 minutos.) Apoiado. Riso.

O Sr. Lopes de Moraes: — Sr. Presidente, ha tres ou quatro dias que eu fiz a minha arenga na presente questão, porque julguei de meu dever faze-la n’uma discussão, que interessa toda a Camara, e que me parece acabará por dividi-la em duas secções pouco mais ou menos iguaes. Nunca foi minha tenção captar vontades n’um corpo, cuja diviza deve ser a razão, a justiça, e a imparcialidade, que exclue toda a affeição; mas estou certo que se a um pudesse agradar, a outros desagradaria: não porque eu empregasse os termos apaixonados da eloquencia, sempre encerrando a idéa de louvor ou vituperio, da approvação ou reprovação, e que mais dirigidos ao coração do que ao espirito, mais tendem a persuadir, que a convencer; mas porque mesmo a linguagem fria d’uma razão austera desagrada a quem não tem paciencia, ou força de reflectir, e mais ainda a quem estiver prevenido, e apaixonado. E quem deixará de o estar no meio d’uma revolução, que dentro n’um anno tem desenvolvido taes accessos, e que moral, e politicamente continua, e continuará? (Apoiado.) Eu, Sr. Presidente, não pertendo inculcar-me inaccessivel ás paixões; sou susceptivel de todas, e não sou nenhum Caldo, do que Deus me livre, pois o supponho fanatico, e julgo o fanatismo perniciosa molestia, seja elle politico ou religiosa, ou de qualquer outra natureza; mas parece-me que não estou por ora fascinado por espirito de partido, nem Deus queira que o esteja.

Neste supposto pronunciei eu o meu discurso sem a louca pertenção de agradar a todos, o que faria impossivel: tractei de me convencer, e para isso estabeleci principios, tirei consequencias, converti estas em novos principios, dellas tirei novas consequencias; e de deducção em deducção cheguei ás ultimas, em que assentei meu voto, em parte definitivo, e em parte provisorio; mas tudo sujeitei a um melhor juizo. Se por fortuna alguem, analysando meus principios, e o rigor de minha deducção, tivesse mostrado falha n’aquelles, e menos escrupulo nesta, substituindo a tudo melhor doutrina, muito lhe agradeceria eu o serviço, que me fazia, e aos que pensam como eu, convencendo-me como se convencia a si; porque eu não sei outro methodo de convencer; ver-me-hia abraçar sua opinião. Nenhum orgulho terei jámais de minhas opiniões, que a ninguem pertendo impôr sob minha authoridade; mas tambem não adoptarei as alheias senão á força de razão, unica authoridade competente em materia de opiniões. Por isso se alguem de má fé, ou por espirito de controvercia embicasse neste ou naquelle ponto, sem entrar n’um todo, cujas partes se sustentam reciprocamente, então, bem longe de desafiar em mim uma polemica, a ninguem proveitosa, e que por isso sempre detesto, acharia sempre o mais completo desprezo. Em consequencia de tudo isto já se vê que a principio tencionei não fallar mais nesta questão, reservando-me votar a final conforme minha convicção nos termos, em que ella fosse collocada pela discussão; e assim creio eu que farão tambem os meus collegas nesta parte. (Apoiado.)

Porém, Sr. Presidente, dous motivos me fizeram hontem mudar do meu primeiro proposito: um foi vêr no diario do Governo asserções postas na boca d’um meu illustre collega, cujo saber medico, e phisiologico muito respeitei sempre, as quaes ou mal colhidas pelos tachigrafos (dos jornaes) ou mal entendidas pelas impressoras, não devem ser attribuidas ao illustre orador, cujo credito muito reclamo perante o publico; bem que não convenho no parallelo, que produziu, e menos ainda nas consequencias que d’ahi tirou. Outro motivo fui uma leve contestação occorrida aqui nos corredores(V. Exca. sabe que ás vezes por ahi as temos uns com os outros) sobre a opinião do nosso sabio, e illustre patricio o Sr. Silvestre ácerca da segunda Camara nas realezas constitucionaes, pela qual teimava um nosso collega jurisconsulto ou advogado, que outro, que muito respeito, bem defendera que a segunda Camara devia ser de pura eleição; o que me pareceu contrario ao que tinha lido, e entendido do seu manual do cidadão, commentario ao seu direito publico, e que serve de pô-lo ao alcance de todos, como elle adverte no principio logo: vamos ao caso.

Pelo que toca ao primeiro motivo, diz o diario do Governo que o meu illustre collega, doutor e medico dissera que assim como o cerebro era vitalicio na fórma, e variavel na organisação, tambem a segunda Camara, cerebro politico, devia ser electiva, e temporaria. Não é possivel, Sr. Presidente que o illustre doutor dissesse tal: fórma vitalicia é expressão que se não entende; porque fórma é figura ou modo, e vitalicia é duração, é tempo; não pode qualificar fórmas, nem modos, pode só quantitar-lhe duração. Se nós convertermos essa duração d’uma vida (vitalicia) nas quotas fixas, e exactas, que a compõe, annos, mezes, dias, etc., viriamos a dizer = Sendo o cerebro de fórma de tantos annos, tantos mezes, etc; isto é um disparate, de que está muito longe o illustre doutor: mas quererá dizer-se que a fórma é constante toda a vida, e que a organisação varia? Isso tambem elle não diria, porque a organisação comprehende fórma externa, e interna mais particularmente; e então seria dizer que uma fórma é constante, e vária ao mesmo tempo. De resto, concedendo que isso tudo se possa conceber de qualquer maneira, como se conclua d’uma fórma vitalicia, e d’uma organisação variavel para uma duração temporaria, não vitalicia, e para uma qualidade electiva; e isto por analogia, e parallelo? Tal analogia não existe, e nada disto é de certo do meu, illustre collega.

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Com tudo, Sr. Presidente, quer parecer-me, posto que lhe não ouvisse, que o quanto se diz respeito a idade deteriora as funcções cerebraes, e que por isso não deve ser a camara vitalicia para não tornar-se hebete; quer parecer-me que tudo isso é do illustre Doutor, e então eu o advirto que se a idade deteriora as funcções, tambem ella as aperfeiçõa: elle sabe que o observador Gall, em que já o ouvi falar aqui, assevera que aos quarenta annos de idade só é perfeita e completa a madureza do cerebro, e é esta a idade requerida no Brasil para ser senador, não obstante serem ahi as vidas mais curtas: em Roma se requeriam sessenta annos d’idade para entrar no Senado, e Roma não é menos meridional que Lisboa: na Inglaterra, e França os homens de sessenta annos estão ordinariamente no seu maior vigor intellectual, como se observa nas universidades, e academias, e o mesmo nas tribunas parlamentares, e entre nós. Que idade terá agora o Sr. Silvestre Pinheiro? Que idade teria o Sr. Manoel Fernandes Thomaz? O Sr. José Monteiro da Rocha? E tantos outros sabios portuguezes sexagenarios e septugenarios, e mais ainda, os quaes acabaram com o seu vigor cerebral sem alteração? E com effeito, se ordinariamente os orgãos duram o triplo do tempo, que levam a desenvolver, como se observa pela duração ordinaria da vida, setenta é cinco annos, nada admira, que mesmo aos oitenta annos, quando ahi se chega, o cerebro conserve ainda seu vigor, se aos quarenta, se completa a sua desenvolução; mas antes disso ordinariamente acaba a vida. De resto não é a hebetude, que parece recear-se nos taes vitlaicios, é a ambição excessiva, o que suppõe excesso d’acção: ora entendam-nos! (Apoiado, e riso).

Agora, Sr. Presidente, em quanto ao parallelo entre a economia animal, e a economia social; o qual parece ao nacional uma recordação do apologo d’Agrippa, direi que, segando me lembra, aquelle apologo era simples, e foi bem applicado á situação da sociedade romana: consistia ella (creio eu) n’uma lucta figurada entre a cabeça e os membros, e terminada por um veto da barriga, (riso)mas hoje creio eu que toda a lucta vem do velo imposto á barriga, principalmente dos empregados publicos. (Apoiado, e riso). — Contarei um caso que em 1820 me succedeo com um destes lavradores, a que chamam doutores, que os ha, e as vezes tem melhor senso que nós outros. (Apoiado), Conversava eu e outros como eu, que nada viamos melhor que as idéas do tempo, em materia de revoluções; apontavamos causas, prediziamos effeitos, e o lavrador ouvia: eis senão quando nos diz elle muito serio = fortes asnos, tudo isto é fome. = (Apoiado). Mil vezes me tem lembrado, depois disso, o dito do lavrador; mas deixemos isso, e vamos ao parallelo do illustre Doutor.

Compara elle o systema e o poder nervoso da economia animal com o poder legislativo na economia social: até aqui vamos bem; cada um é reputador na sua respectiva repartição; mas então porque se irritou tanto o illustre Doutor contra as denominações, alta camara, e baixa camara, que só serão empregadas vulgarmente? Na linguagem politica, vejo eu camara dos Lords, e dos Communs, dos Pares, e Senadores, e dos Deputados; nada d’alta, nem de baixa camara; o que aliàs teria todo o logar conforme o seu parallelo. E com effeito deixando comparações medicas, que muito gosto sejam produzidas por homens d’outras profissões, o que indica a extensão de seu espirito, e é symptoma do contrario nos homens de profissão, eu em linguagem que todos entendem apontarei uma camara
alta e uma baixa no parallelo produzido. Todos sentem, e todos sabem que ha no homem uma razão e um instincto ordinariamente em conflicto: é isto que exprimia 5. Paulo quando dizia sentir em si duas naturezas oppostas: é isto que exprimiu um antigo Filosofo nas seguintes palavras = Video melibra, proboque, deteriora sequor = é isto a que nós sentimos todos os dias em desejos, que a razão condemna; a todos sabemos que é neste conflicto, que está a moralidade e a virtude; e ninguem ha que não refira a razão e o pensamento á camara alta da cabeça, e os desejos ao coração, ou camara baixa do epigastro: e ninguem ha que não entenda que se a camara alta não tiver um veto sobre a baixa, o homem racional e moral desapparece, e tudo fica uma alimaria. (Riso, e apoiado).

Agora sem fazer de charlatão, porque me dirijo ao illustre Doutor, e aos collegas de profissão; lembro, e todos o sabem, que a camara do cerebro tem direita e esquerda, e por consequencia centro, tudo formado d’orgãos vitalicios, e vitaes; e o mesmo se dá na camara do epigastro, e por conseguinte a divisão em direita, e esquerda da-se nos componentes de cada camara, é não d’uma a respeito da outra; das quaes a do cerebro é sempre superior, e constitue a excellencia do homem, racionalidade, e moralidade; animalidade pertence mais á inferior. Finalmente não quero progredir no parallelo, que levaria longe e lembraria a segunda camara prerogativas tão eminentes, que não conviria conceder-lhe: mas desculpando taes parallelos em homens cheios das idéas de sua profissão sublime e transcendente, voltemos ao illustre bacharel.

Teimava o illustre advogado diante de tres collegas nossos, que o Sr. Silvestre Pinheiro era de opinião d’uma segunda camara electiva e temporaria, e lhe retorqui eu que não era assim: recalcitrou com a infallibilidade de advogado, e eu lhe disse então que ia buscar o seu manual do cidadão para nos desenganar-mos, no que elle conveio, e prometteu esperar. Nescio, como fui, voltei depois de alguns minutos com o livro, mas não pude pilhar mais o advogado. Eu, Sr. Presidente, sou um pequeno proprietario, e V. Exca. um grande: e como quem tem terras tem guerras, já eu sabia, que esta gente troca de falso a cada passo, e quando se lhe descobre o jogo vão-se safando pela tangente. Apoiados, e risos) Assim o tenho eu sempre observado nas minhas poucas demandas, que me tem feito meu proprio advogado. Foi perseguido pelos migueis, e depois de 50 mezes de prisão fui eu mesmo que advoguei a minha causa: disse na na minha defeza mais do que aquillo por que muitos estavam presos, e fallei com mais acrimonia a meus juizes (ou meus carrascos) do que hoje fallo; ahi estão as testemunhas....
(Vozes: — É verdade, é verdade) Confessei que era constitucional e nenhuma justificação dei, e parece-me que foi o illustre advogado, a que alludo quem assignou minhas razões, que outros tinham medo de assignar. Eu, Sr. Presidente, nunca tive medo, nem preso o tinha de meus carrascos, a quem dizia verdades amargas; mas a verdade e a justiça são como a gravidade, que obra constantemente e foi com ellas que amoleci a dureza daquelles perseguidores. Diz-se por ahi que é por medo que uns votam d’uma maneira, outros d’outra; pois estejam certos que eu nenhum tenho, e creio que assim succede aos meus collegas. (Apoiado.) Vamos ao caso do nosso filosofo politico, que peço licença para ler ao illustre advogado alguns §§, e mais ainda porque tenho ouvido outros muitos, que laboram no mesmo equivoco.

No §. 269 diz (leu). Bem se vê que segundo a organisação social) imaginada por este politico é sua opinião que n’uma só camara, dividida em tres secções, de commercio, industria, e estatistica, se representem todos os interesses nacionaes, cujo conflicto seja necessario regular por leis. No §. 270 diz (leu): aqui se a razão, porque no seu systema se não divide o poder legislativo em duas camaras, como se pratica em todos os governos representativos. No §. 272 diz (leu): daqui se vê que nas realesas representativas, onde a corôa é perpetua, é indispensavel uma segunda camara. No §. 273 diz (leu): daqui se vê que este politico não rejeita a opinião geral, de que a segunda camara não deve, como a primeira, ter a sua origem de eleitores. No §. 277 diz (leu): daqui se vê que uma segunda camara electiva é,

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na opinião deste filosofo uma puerilidade. No § 279 diz (leu): daqui se vê que este escriptor quer uma segunda camara não electiva, como remedio ao privilegio da perpetuidade da corôa.

(Uma voz — Mas a questão era de vitalicia ou temporaria.)

O Orador — Pois bem: se a camara na opinião deste politico não deve ser electiva, resta que seja nomeada, e então uma segunda camara nomeada e temporaria havia de ser cousa bonita teriamos os antigos juizes de fóra, que fora ou dentro da magistratura sempre eram pertendentes, e sempre dependentes, e uns perpetuos e continuos sorrabadores do poder. N’uma palavra não quero tomar mais tempo ao Congresso; aconselho áquelles que tem argumentado com Silvestre Pinheiro que leiam e meditem toda esta conferencia sobre o poder legislativo; talvez que não percam o tempo, e que aclarem por este outros logares do mesmo escriptor, e que formem por isso melhor opinião: a minha é ainda a mesma.

O Sr. Pereira Vera: — Sr. Presidente, quando homem pedi a palavra para motivar o meu voto, e me servi d’uma expressão para enunciar uma verdade reconhecida pela Nação, presenciada por esta capital, e mesmo por alguns nobres Deputados, que hontem mesmo ma ratificaram, foi filha do momento, e não com annimo de offender, nem o mais levemente, o melindre de nenhum Sr. Deputado: longe de mim tal idéa, e estou certo que aquelles Srs. Deputados, que me conhecem, farão justiça ás minhas puras intenções.

O Sr. Galvão Palma: - Eu não tencionava fallar mais a este respeito, pois supponho victoriosas as armas, com que se tem impugnado o artigo do Projecto, e o que é consequente o Congresso decidido a rejeita-lo: mas não posso ouvir a sangue frio que se diga que a doutrina nelle exarada exprime a vontade da maioria da Nação, e até é o unico meio de conciliar os partidos, e dar garantias á revolução de Setembro. Sr. Presidente, querer apresentar como magestoso um Codigo que estabelece uma Camara vitalicia da eleição do Throno, seria qualificar como elegante o retracto de uma Venns, sem olhos, ou com elles tapados; e será este o idolo, a quem os Portuguezes desejam insensar? É para o collocarem sobre seus altares que tantos sacrificios se tem feito, que tantas gentilezas militares, tantos civismos se tem praticado desde Setembro de 36 até á acção de Ruivães? Querer conciliar por este modo os inimigos da Causa, é não conhecer o coração do homem, é não dar valor ás lições que a grande mestra da vida, a experiencia, nos tem dado. É tão impraticavel conciliar nossos inimigos, sem que se deroguem as Leis da reforma, que deu motivo á dissolução da precedente Camara, sem que se lhes conceda exorbitantes ordenados, e accummulação de empregos; é tão impossivel, como o gelo penetrar as entranhas do Etna. É tão impossivel reconcilia-los sem que outra vez sejam elevados ao poder, como intentar escalar os Ceos. Não é menos repugnante o sustentar uma Camara vitalicia. A historia de todas as idades, e ainda mais a em que vivemos, nos fez ver que o homem é um campo fecundo, mas agreste, em que a roza, e o cardo crescem ao mesmo tempo. Hoje é produtor o mesmo cidadão, que homem prestou heroicos serviços á patria, e como estes fecundos exemplos se possam repettir, por isso é de prudencia que a eleição dos Senadores seja temporaria. Se preencherem os desejos de quem os elegeu, terão a gloria de serem reeleitos, e pelo contrario votados ao esquecimento. Ainda não ha muito observamos que patriotas, aliás de honrados sentimentos, logo que elevados a oligarchia do Pariato, se esqueceram de seus primitivos principios e em logar de sustentar os que por palavra, quando membros da Camara electiva emittiram, degeneraram, e quasi se pozeram em hostilidade com ella. Voto pois contra o Parecer da Commissão.

O Sr. João Alberto: — Vejo-me obrigado a fallar nesta questão pela segunda vez, e começo por agradecer muitissimo ao illustre Deputado que ultimamente fallou.

O que o Sr. Deputado leu nos periodicos, não é exactamente o que eu disse, e está em grande parte alterado, nem podia deixar de ser assim, porque os Srs. Tachigraphos, leigos nas materias de que eu tractei, mal podiam bem fazer o seu dever, e os Redactores dos periodicos extractar, não conhecendo os nomes technicos da medecina; e é por isso desculpavel a sua inexactidão. (Apoiado, apoiado.)

Eu porem repito, agradeço muito ao Snr. Deputado o querer reparar o meu credito, as expressões com que me honrou, e o zelo que mostrou pela conservação do justo credito da Escóla Medica da Universidade de Coimbra, da qual somos Lentes. Eu asseverei, e sustentei que a physiologia do homem era uma das bases mais solidas e estaveis para com o seu auxilio se organisar o Pacto fundamental social, o Codigo criminal, etc.: repito agora a mesma proposição, e a sustentarei sempre, e em qualquer outra parte; não me parecendo conveniente neste logar gastar o tempo com uma demonstração puramente scientifica.

O Sr. Deputado, e meu collega na Universidade, que não ouvio o meu discurso, que lendo-o nos papeis publicos, me fez a honra de o consideiar mal apanhado, e mal extractado, não parece coherente no seu juizo critico, pois continúa acreditando depois, ou imaginando ter eu dito cousas que lealmente não proferi, e que seria erro eu ter proferido.

Lembrados estareis. Srs., que eu comparei, até certo ponto, as Camaras Legislativas aos dous hemisferios cerebraes; quem, no actual estado da physiologia disser, que os orgãos das paixões estão collocados na região epygastrica, e só no cerebro os do entendimento, profere um crasso erro: o Sr. Deputado, meu amigo, e collega parece de proposito ter creado o gigante para o combater.

O Sr. Ferreira de Castro: - Eu pedi a palavra pela segunda vez nesta materia, quando faltava o Sr. Deputado pela Ilha de S. Miguel, o qual, querendo combater as idéas dos Srs. Deputados, que fallaram sobre a preponderancia que exerce o Clero Belga sobre aquelle paiz, disse que esses exemplos nenhuma applicação tinham para Portugal, porque o Clero da Belgica era rico e preponderante, e que outro tanto se não podia dizer do Clero de Portugal, que é pobre, e que não podia por isso influir nas nossas questões politicas. O Sr. Deputado querendo comprovar aquella proposição, citou alguns logares da mesma Constituição, com o que quiz pruvar muitissimo bem o que acabava d’avançar: - mostrou que o Clero fez uma Constituição, pela qual elle se pôz como fóra do Estado, e da acção commum governativa, constituindo-se como Estado no Estado.

Como o Clero tem muitissima influencia alli, e maneja o Povo, o Sr. Deputado tambem mostrou que elle empregava toda a sua influencia, quando se tractava das eleições. Mas, apezar de tudo isto, (accrescentou o Sr. Deputado que nada tinha applicação a Portugal; porém, Sr. Presidente, o que eu tinha dito quando pela primeira vez fallei nesta materia, não foi que, se o Clero Belga tinha influido na Constituição da Belgica, tambem o Clero Portuguez havia de influir na Constituição de Portugal, que muito bem ainda poderia sustentar-se, porque se acolá a riqueza faz a influencia desta classe, entre nós ainda a superstição e a ignorancia do Povo se curva diante da sua pobreza. — O que eu disse foi, que aquella Constituição não nos podia servir de modelo, porque eu não a tinha como fim, mas sim como meio, e que a revolução Belga ainda não estava ultimada, o Clero ainda não tinha preenchido as suas vistas politicas: e accrescentei que em toda a parte do mundo tinha o Clero sido sempre contrario ao systema constitucional, aonde este systema era conhecido, e que não sabia aonde o paiz

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em que o Clero Catholico procurasse o bem do Povo, e a sua civilisação. E então como poderia eu persuadir-me que essa Constituição, obra do Clero d'aquelle paiz, seja sincera e destinada a fazer a felicidade. Não seria difficil provar o que acabo d'avançar, a historia de todos os paizes me forneceria sobejos argumentos. Eu quizera bem dispensar-me de empregar esses argumentos, mas se os meus principios forem contestados, eu não duvidarei de os sustentar triunfantemente. Eu entendo pois que o modelo, que querem trazer da Constituição da Belgica, é um triste medeio, porque aquella Constituição foi feita de proposito para durar muito pouco tempo, e para fazer transição para uma outra ordem do cousas toda differente. Com tudo eu estou conforme com os principios, que aqui tem emittido alguns Srs. Deputados, e com o que disse o Sr. Costa Cabral ultimamente, quando explicou a Convenção de Belem. Eu creio que foi da mente das pessoas que figuraram nessa Convenção, o ir buscar a todas as Constituições da Europa os principios, que fossem applicaveis para nos e tanto eu o julgo assim, que de boa fé fui eu mesmo buscar a Constituição da Belgica um principio para a organisação da minha segunda Camara, porque lá fui eu buscar o numero limitado de Senadores, assim como fui buscar ás outras Constituições da Europa, e alguma da America o principio vitalicio, e a lista triplice. Coucluindo por tanto, e sem querer cançar mais o Congresso, porque julgo que a materia está esgotada, direi que pedi a palavra unicamente para explicar o sentido e a força do meu argumento, que o Sr. Deputado pelas Ilhas tomou diversamente.

O Sr. Furtado de Mello apresentou a seguinte substituição ao capitulo em discussão.

Artigo 1.° As Côrtes compõe-se de duas camaras com atribuições, e prerogativas iguaes. Camara de Deputados, e Camara de Senadores, ambas temporarias e de eleição popular directa, sem veto uma sobre a outra.

Art. 2 ° Quando em uma das camaras for rejeitado um projecto de lei já approvado na outra, os duas camaras se reunirão immediatamente em uma só sala para o discutirem de novo, e será adoptado o mesmo projecto por dous terços dos Deputados e Senadores prementes.

Art. 3.° Pode ser eleito Deputado todo o portuguez, que estiver no exercicio dos direitos de cidadão, tendo 85 annos de idade, e meios de subsistencia, salva a substituição marcada nos Artigos 34 e 35 da constituição de 1822.

Art. 4.º Pode ser eleito Senador todo o portuguez que estiver no exercicio dos direitos de cidadão, tendo 35 annos de idade, e abundantes meios de subsistencia, e tendo sido Deputado pelo menos uma vez, salva a excepção indicada no artigo antecedente.

Art. 5.° Por cada trinta mil almas se elegerá um Deputado.

Art. 6.° O numero dos Senadores será igual á ametade dos Deputados.

Art. 7.° Por cada Deputado ou Senador, se elegerá um substituto.

Art. 8.° Não poderá estar reunida uma camara, sem que a outra tambem o esteja.

Art. 9.º Cada legislatura durará tres annos, devendo renovar-se annualmente pela ordem de antiguidade um terço dos Deputados, e Senadores.

Sala das Côrtes em 13 de Outubro de 1837. = Furtado de Mello.

Concluida a leitura proseguio.

Sr. Presidente, visto que se venceu neste congresso contra a minha opinião, que houvessem duas camaras, a unica maneira de não ficar illudido, por semelhante decisão, o principio da soberania nacional, o principio da unidade, e indivisibilidade do poder legislativo, e estabelecer essas camaras como proponho, e sem que uma tinha veto sobre a outra, porque o que faz a unidade, e a indivisibilidade do poder legislativo, é a unidade da decisão, e não a unidade da discussão, e é evidente que ás vezes é bom discutir a mesma materia duas ou mais vezes.

Approveito a occasião para responder a uma pergunta do Sr. Deputado Rodrigo de Menezes perguntou este Sr. n'uma das sessões passadas, para quem devia apellar o rei, quando fosse atacado em suas prerogativas pela camara dos Deputados, se não houvesse um Senado vitalicio com attribuições do tribunal de justiça?

Esta pergunta é ociosa, pois ninguem ignora que nunca se appella de um tribunal para outro de iguaes attribuições, nem do superior para o inferior, mas sim do tribunal inferior para o superior e o mesmo rei se degradaria se tivesse de appellar para juizes da sua nomeação, creaturas suas. O tribunal competente para conhecer dos attentados, e exorbitações dos poderes constituidos, e aquelle que cria esses poderes, e os reis, o tribunal do povo, diante do qual desapparecem todos os interesses particulares, todas as prerogativas. Embora alguns Srs. dividam a nação em classes differentes, e chamem o povo a classe que dizem inferior. Povo e nação é para mim uma, e a mesma cousa e se o povo é quem levanta thronos, e cria reis, se do povo só emanam todos os poderes, terá por ventura deshonroso receber delle um diploma de senador? Esses Srs. que julgam aviltar-se era receber o mandato do povo, e porque talvez se julguem superiores ao povo, e aos reis, e então o seu remo não é deste mundo......

O Sr. Vasconcellos Pereira: - Sr. Presidente, creado no mar desde a minha infancia, tendo tido pouco tempo para me applicar a outras estudos que não sejam os necessarios para conhecimento da arma, a que me dediquei, não sei nada de politica, e eu não fallaria nesta materia, senão fosse a questão mais importante das que temos a tractar, e se não julgasse do meu dever declarar a meus concidadãos, que me fizeram a honra de me eleger, as razões, em que fundo o meu voto. Não me tarei cargo de responder aos argumentos dos illustres Deputados, que professam uma opinião contraria á minha, tanto porque não tenho a vaidade de suppor que o meu discurso merece a mais pequena attenção de meus collegas, como porque esta materia tem sido trattada, de ambos os lados com tanta eloquencia por tantos, illustres oradores, que pouco ou nada resta a dizer; e por tanto passo a expor em poucas palavras, quaes as razões, em que fundo o meu voto.

Sr. Presidente, julgou-se que eram precisas duas camaras, para serem, como retardadoras uma da outra, a fim de evitar a tendencia que tem as camaras legislativas para fazer uma immensidade de leis, o que é prejudicial, porque todas as leis coarctam mais ou menos a liberdade do cidadão, e para que se façam somente as precisas para o bem-estar dos povos, e que estas sejam feitas com toda a circumspecção, e sem precipitação, o que multas vezes aconteceria se houvesse só uma camara, e mesmo para que no caso de uma camara, movida por espirito de partido, ou por interesses sociaes, adoptasse uma medida que fosse prejudicial ao bem da nação, a outra, que não era movida por esse espirito de partido, lhe pozesse o seu veto, logo daqui se collige que, para se conseguir este fim, é preciso que as duas camaras não sejam homogéneas, e que sejam de uma natureza differente, e com differentes interesses, porque a serem homogeneas, e a serem formadas da mesma maneira, eu acho que seria melhor ter uma só camara. Eu separo-me da opinião da maioria dos Srs. Deputados, que julga necessaria uma camara de Senadores, para que represente os interesses das classes privilegiadas, chamada aristocracia, eu acho que essas classes privilegiadas, ou aristocracias estão realmente representadas na camara dos Deputados, todas essas classes tem iguaes direitos á urna, como tem todas as outras; o fim principal, para que eu julgo necessaria a camara dos Senadores, e para manter o equilibrio entre o poder legislativo, e

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o executivo, para que, quando o throno quizer invadir as prerogativas do povo, esta camara ou Senado se una com a camara dos Deputados, e forme uma barreira invencivel a esta invasão; e quando pelo contrario se a camara dos Deputados quizer invadir as prerogativas da corôa, prerogativas que lhe são concedidas, não para o bem-estar daquelle que está sentado no throno, mas para utilidade do povo, essa camara dos Senadores se una ao throno para obstar a invasão da camara dos Deputados; este equilibrio é que fórma a belleza do systema constitucional; destruido este equilibrio, a constituição cabe, e o resultado vem a ser o despotismo de um, ou de um outro; por tanto, Sr. Presidente, parece-me que se não pode conseguir esse fim, uma vez que esta camara seja temporaria; porque ou ella ha de ser eleita pelo povo, ou pelo rei; se for eleita pelo rei, ha de sempre propender a favor do rei; se for eleita pelo povo, ha de propender a favor do povo, porque no primeiro caso depende a sua eleição do rei, no segundo do povo.

A experiencia mostra que em todos os parlamentos, ha sempre muitos membros, que defendem questões contrarias a sim opinião e ao bem publico, para o fim de lisongear as opiniões daquelles seus constituintes, que mais podem concorrer para a sua eleição. Ora, Sr. Presidente, sendo ella vitalicia não pode acontecer isso, porque ella não é dependente para a sua reeleição, nem do throno nem do povo, e o seu maior interesse será manter esse equilibrio, e desse equilibrio é que depende a sua propria conservação. Mais outra razão, Sr. Presidente: a camara dos Senadores deve ser quem ha de julgar os secretarios d'estado, quando elles forem accusados de prevaricação pela camara dos Deputados, e não é possivel que, sendo amoviveis, elles sejam juizes independentes; se forem eleitos pelo povo, hão de pender sempre para culparem os ministros d'estado; se forem eleitos pelo rei, hão de sempre pender para absolver os ministros, o que não acontecerá, sendo elles vitalicios; porque serão juizes independentes; por tanto sou de opinião que a camaras dos Senadores seja vitalicia.

Em quanto á sua eleição a minha opinião é, Sr. Presidente, que quer elles sejam temporarios, quer vitalicios, devem ser eleitos pelo povo, porque elles devem concorrer igualmente com os Deputados para formarem leis: a lei é a vontade da maioria da nação expressa pelos seus representantes, logo elles não podem concorrer para fazer as leis, sem serem representantes do povo; é porém a minha opinião que a sua eleição seja differente da dos Deputados; que sejam eleitos como já se tem dito por listas triplices; estas listas formadas de cathegorias da propriedade territorial, commercial, e industrial, dos talentos, e dos serviços relevantes, feitos á patria, e que tenham meios de subsistencia, que não dependo na da nação para se dar subsidio; porque eu desde já declaro, quer seja vitalicia, quer seja temporaria, eu não votarei um real para subsidio de Senadores, e estimaria que estivessamos chegados ao tempo, em que os Deputados não tivessem outra para do seu trabalho, senão a honra de serem os defensores da liberdade de seus concidadãos.

Sr. Presidente, aqui se vê que eu vote por uma camara vitalicia eleita pelo povo, e voto assim porque na minha consciencia estou persuadido que a constituição será mais duravel; poder-me-hei enganar, já disse que não sei nada da politica; se me engano estimarei que vença a opinião contraria a minha; o meu desejo, Sr. Presidente, é que nos concorramos aqui para fazer a felicidade da nação, para restabelecer a ordem e tranquillidade publica, porque, por melhor que a constituição seja, a nação ha de ser desgraçada, se nós continuarmos todos os dias em desordem; e o nosso desgraçado Portugal, marchará de precipicio em precepicio até que caia n'um abysmo, donde nunca mais se levante; por tanto acabo meu discurso. Não duvido que tenha errado, porém se erro, errado tambem tem muitas nações muito mais adiantadas em conhecimentos, e, que são mais felizes que nós.

O Sr. Barão da Ribeira de Sabrosa: - Sr. Presidente, usando da faculdade, que o regimento me concede, tomarei ainda a palavra para observar que entre, os brilhantes discursos, que tenho ouvido, ha immensa erudição, mas poucos argumentos contra o parecer da Commissão. Os meus illustres antagonistas tem considerado Portugal, não tal qual elle está, dividido em quatro opiniões, tres das quaes appellam ou tem appellado para asarmos: tem considerado Portugal como um povo simples reunido, aldeado hoje pela primeira vez, despido de interesses oppostos, isento de costumes e habitos envelhecidos; um povo em fim ao sair das mãos da natureza, a quem fosse possivel conduzir, não direi ao som da flauta, mas das harmonicas frazes do contracto social! A inversa é a verdadeira: uma opinião ainda, agora foi obrigada a depor as armas, e já outra nos recommenda as exclusivas persuações, e a mais numerosa exulta no meio das nossas discussões. E' nesta situação, Sr. Presidente, que se pertende uma Constituição exclusiva, que represente unicamente os interesses e os pensamentos de uma parte, da nação? Eu, Sr. Presidente, não tenho senão um voto, e repetirei o que disse um cavalheiro nas Côrtes de Coimbra "Eu hei de obedecer ao Rei que vós fizerdes, mas, por meu voto o mestre não será Rei." Da mesma sorte eu hei de obedecer á Constituição, que este Congresso decretar, mas por meu voto não representará ella uma opinião exclusiva, que pese a todas as outras opiniões, pois que nessa ascendencia, nesse predominio absoluto, não vejo eu nem ordem, nem liberdade, nem segurança, nem estabilidade.

Um honrado Deputado pelo Minho pensou deitar por ter a idéa de um Senado vitalicio dizendo que seria inimigo das novidades. E' verdade, Sr. Presidente, e a meus olhos e essa a sua maior recommendação. Desejará o meu illustre patricio uma revolução todos os dias á custa do sangue e da propriedade dos seus concidadãos? Mas se o illustre orador é tão inclinado a novidades, não devia oppôr-se a que a magistratura fosse amovivel. Doutrina que tem por si grandes; authoridades, e é pratica nos Estados Unidos, e póde ver em Ortolan, escriptor eminentemente liberal, o que se tem seguido a esse respeito na Suecia, na Polonia, etc. etc. Pois eu pedirei licença ao meu nobre Provinciano para sustentar que um Senado temporario, eleito como os regedores da parochia, ou fé ha de transformar em Senado d'Arcadio, ou expirar nas mãos daquelles, a quem se ha de entregar exclusivamente o thesouro, e a força armada. Este sim, que e privilegio superior a todos os privilegios! Todas as prerogativas da corôa, todos os privilegios do Senado são apenas, uma ficção na presença do dinheiro e dos soldados. Eu ficaria muito obrigado a qualquer da meus illustres antagonistas, que se quizesse dar ao incommodo de mostrar-me o contrario. Qual tem sido sempre o fulcro, sobre que se tem fundado a torça incalculavel dos Communs de Inglaterra? No direito de conceder ou recusar os impostos. E em quanto o ouro do Brazil não distrahiu nossos avós, e enervou nossos pais, quem sujeitou nossos Reis ao chamamento dos Tres Estados? A necessidade de subsidios por um lado, e o direito de concede-los por outro. Logo, este sim que é o privilegio dos privilegias, a força das forças, o poder dos poderes. E nelle concordo eu, e por elle tenho eu combatido dentro e fóra desta sala; porque eu tambem seu popular, tambem tenho a peito os interesses do povo, de que eu me glorio de fazer parte, mas só os interesses, só os seus direitos, e não aquillo que, arruimando o estado, e póde tambem arruinar a elle. Eu bem sei que ha pessoas na capital, que tem outra opinião, nem isso me admita. Talvez um dia pensem como eu. As opiniões veriam.

Em Athenas pediu-se um dia a morte de Socrates, e no dia seguinte chorou-se por elle.

Do Senado vitalicio não ha recurso, disse o illustre ora-

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dor. Erro manifesto, e nisto discorda S. Sa. de um mui distincto membro pelos Açores, a pesar de votar com elle. Toda a moção, que tiver origem no Senado, ha de vir á primeira Camara, e póde ser rejeitada. Póde haver maior recurso? E que recurso ha nas villas e aldêas contra o juiz inamovivel? N'outro tempo o máo juiz servia só tres annos, e lá vinha a residencia. E agora que recurso resta, a quem não for opulento? A emigração! Tudo muda na natureza, exclamou mui filosoficamente o meu nobre patricio; mas neste caso deverá tambem a corôa ser electiva, e temporaria, e com ella todos os cargos do estado.

Um muito honrado Deputado por Chaves disse que elle não tinha superstição alguma pelo seu mandato, porque a formula, ou origem delle foi uma traição. Sr. Presidente, esta frase fez-me impressão, não só porque ella involve pesadissima accusação contra o Ministerio do meu nobre amigo e illustre patriota, o Sr. Visconde de Sá da Bandeira, accusação que elle decerto não merece, mas porque me parece que o meu honrado patricio, entendendo que o seu mandato era tão impuro e irregular, não deveria fazer uso delle.

Eu, Sr. Presidente, que sou mais supersticioso, se entendesse que o mandato tinha por base uma falsidade, ou traição, não o acceitava. O Sr. Deputado Costa Cabral fez tambem ver, e muito a proposito, que semelhante traição não havia, nem os cavalheiros, que assignaram esse convenio eram capazes de prestar-se a uma traição.

Um abalisado orador por Coimbra classificou no seu discurso a nobreza ou a aristocracia, mas a dos tempos feudaes. E por certo não a tractou com amor, porque ampliando todos os seus desatinos não os adoçou se quer com um só rasgo de lealdade e amor da patria, de que elle, deu tão brilhantes exemplos, mesmo em nossa casa. Era Filippe 4.º um rival da nobresa, quando ella collocou João 4.º no throno de Portugal?

O distincto orador mostrou-se tambem receoso do Sanado, e não se lembrou da soberana prerogativa da primeira camara, em votar o orçamento, e fixar a força armada. Um corpo assim armado, revestido do soberano poder de privar a corôa do thesouro, e do exercito, e de accusar os eus ministros &c. esse, sim, poderá agitar; mas o Senado com que? O illustre Deputado vio todo o genio do mal no Senado vitalicio; mas S. Sa. sabe a historia de mais, para ignorar que esse genio tem habitado mais tempo nas assembléas temporarias, que nas vitalicias, ou hereditarias. Os Communs sei eu que excitaram commoções contra a casa dos Lords, que se recusavam a exigencias republicanas; e sei tambem que os Lords salvaram a estado na fuga de James 2.º

A convenção excitou com moções; não sei por ora que a camara hereditaria, ou vitalicia excitasse alguma. O Sr. Deputado receia que o Senado vitalicio fixe na corte os Senadores. Este receio é irnproducente. Que vê S. Sa. em Inglaterra? Os pares fugindo para as suas terras, apenas se fecha o parlamento. Quando se fixou a nobreza de Portugal na côrte? Quando a côrte distribuiu todas as commendas, todos os officios, todos os favores. Aonde pára isso hoje? A que está reduzido o paço, que pode elle dar, elle que não tem com que pagar ás criadas que alli envelheceram? Se os Senadores se fixarem em Lisboa, não ha de ser no paço. Sr. Presidente, será com loja de rebate, ou no contracto do tabaco, potencias absolutas de Portugal. Mas se essa denuncia podesse alcançar os Senadores vitalicios melhor alcançaria os temporarios.

O erudito Deputado teme o amor paterno, e leva o seu receio além das marcas, porque suppõe que todos os Senadores serão casados, que todos terão filhos varões, que todos serão aceitos ao rei, e que todos os ministros quererão fazer a vontade aos Senadores em obsequio dos filhos. Mas será o amor paterno privativo dos Senadores vitalicios? Não, - Os senadores temporarios promoveram os interesses da seus filhos diante do povo, como diante do ministerio. Eu, pelo contrario, receio, que assim como os nossos legisladores não tem querido essa honra sem prestação, tambem não haja muita gente que pertenda vir á côrte á sua custa, só para ser alguns mezes o orgão, ou o reflexo da primeira camara. Se alguem pensa que o arminho (porque ha de ser arminho) será a misanga que os seduza, pode estar enganado. Gastar mais para representar menos, não é grande incentivo.

Em quanto ao perigo d'ambição, não sei como o Sr. Deputado entende, que elle possa ser maior no senador que no Deputado, no senado vitalicio, que no temporario. Talvez o temporario tenha mais pressa. O illustre orador pareceu-me, e não o digo sem respeito, e receio, contradizer-se n'uma parte do seu brilhantissimo discurso: condemna os senadores por velhos, e exclue a mocidade do senado. Espero que S. Sa. terá a condescendencia de explicar-me o seu pensamento.

Finalmente, Sr. Presidente, o illustre Deputado, contra a minha expectação, e a revez de todo o seu discurso, levou-nos ás eleições da Carta. Não sei se tambem isto está em harmonia com as razões produzidas a favor do Senado temporario.

Um illustre Deputado pelos Açores, alludindo áqnelles que stygmatigaram o senado belga, reconhece que elle é máo, assim mesmo parece recommenda-lo. O que é, máo, é sempre máo. Tambem o Sr. Deputado pareceu querer firmar-se sobre o systema do Sr. Silvestre Pinheiro. Já o Sr. Moniz respondeu a este argumento, e eu accrescentarei que o sabio publicista, fatiando da segunda camara, diz que ella não costuma ser electiva. O Sr. Deputado olha para o parecer da Commissão como um privilegio aristocratico. Não ha cousa menos plausivel. O parecer da Commissão abre a porta a todo o proprietario, a todo o commerciante, na razão do censo exigido nas eleições; e abre a porta a todo o homem, sem distincção de condição, que por seus serviços, posição, e prestimo possa exercer as funcções a que é chamado.

O Sr. Deputado quer a virtude absoluta, tambem eu; mas quanto maior, mais modesta, e por isso mais difficil de conhecer. O povo será o juiz: muito bem; mas Aristides, o justo, não sei que parecer daria. Quantas vezes as paixões tem preferido a intriga, a hypocrisia, e a ambição aos homens mais justos, e virtuosos? Florença no meio das convulsões politicas proscreveu sempre todo o homem de letras, e todo o poeta patriota, que desejava a liberdade legal. O illustre Deputado diz que os Srs. Deputados, que mais tem uma opinião menos conforme á sua, criam um gigante que os ha de devorar. Póde ser um vaticinio, mas até agora outro é o gigante, e mais bem armado. E' Breno, como dizia o Sr. Deputado, tão versado nas letras romanas, com a espada na mão contra uns poucos de anciãos, esperando o seu destino nas cadeiras do senado. Chama repressiva a camara revisora; não me admira, o Sr. Deputado tem uma idéa fixa, e vê todos os objectos a travez do mesmo prisma. Eu não posso ser tão tenaz, porque nem sempre a obstinação é virtude - Inter utrumque tene, é a minha divisa no meio das opiniões, que atormentam o paiz em que nasci. O engenhoso orador não sente harmonia no senado vitalicio, mas eu não sei como seja mais harmonico o senado temporario, depois de admittida a segunda camara, que o senado vitalicio. Aquelle póde harmonisar com a renovação da primeira camara, e o segundo com a perpetuidade da corôa. Argumentou-se contra o senado vitalicio, porque não poderiam agora entrar alli todas as opiniões; se isto é razão pouca authoridade tem o Congresso, porque ha opiniões fortes, que nunca foram representadas. O Sr. Barjona já fez vêr quanto era banal o dizer-se que nós queremos a Carta, na presença das alterações que nós apresentamos. Aonde es-

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tá a Camara hereditaria? Aonde estão as eleições indirectas? Pelo contrario no parecer da Commissão entram principios de liberdade, que nunca figuraram nem na Carta, nem na Constituição. - Sr. Presidente, eu voto hoje como votaria no dia, em que assignei o parecer da Commissão.

O Sr. Pereira Borges: - Levanto-me para dizer das palavras em resposta ao nobre Barão da Ribeira de Sabrosa. Quando eu disse que os membros vitalicios eram inimigos de novidades, entendi as novidades proveitosas, fallei daquellas instituições novas, que podessem melhorar o paiz, e não d'aquelle movimento revolucionario, que arrasta os povos para a sua ruina; e como um corpo estacionario é pouco inclinado as reformas, foi isto que tive em vista no meu discurso, retirando-me sempre de qualquer idéa revolucionaria de que sou inimigo, por quanto tenho conhecido que com as revoluções a nação pouco aproveita: eu seria pouco amante do meu paiz se tal dezejasse, fallei só das instituições novas, que mais utilidade podessem dar ao estado; creio que terei respondido ao nobre Barão, que parece não deu ás minhas palavras a sua verdadeira intelligencia.

O Sr. M. A. de Vasconcellos: - Eu não tinha pedido a palavra para explicação d'um facto, mas da minha opinião, e limito-me a duas palavras sómente. Quero fazer notar ao illustre Barão da Ribeira de Sabrosa que a opinião, que me attribuiu, perdoe-me S. Exca., é menos exacta. Eu não produzi argumento nenhum que fosse fundado na authoridade do Sr. Silvestre Pinheiro, porque com muita magoa confesso que em materias politicas não vou beber n'essa fonte; sómente combati a opinião da alguns Srs. Deputados, que se firmavam na authoridade do Sr. Silvestre Pinheiro: disse que elle não podia ser fonte d'onde se tirassem argumentos para provar que as cathegorias e notabilidades de um paiz deviam ser representadas, sem primeiro se terem qualificado essas notabilidades segundo o seu systema. Foi isto que eu disse - mas não produzi argumento algum fundado no Sr. Silvestre Pinheiro.

O Sr. Barjona: - Não tinha tenção de fallar mais nesta materia, mas a sua extensão e difficuldade, e a maneira, por que tem sido tractada, obrigam-ma a tomar, a palavra pela segunda vez. A maneira porque tem sido tractada disse eu, porque o excessivo enthusiasmo, com que alguns de meus illustres adversarios sustentam suas opiniões, fez com que muitas vezes a paixão tomasse o logar ao raciocinio, e eu me vejo obrigado agora a reduzir á maior simplicidade os argumentos, com que fui combalido, e a apresentar-lhes successivamente as respostas, que me parecem mais convincentes, a fim de que se possa facilmente conhecer de qual dos lados é que está a razão.

Não me admira que alguns Srs. Deputados sustentem opiniões exaggeradas, pois assim o manda a verdura de seus annos; eu não me envergonho de dizer que na mesma idade seguia os mesmos principios: é verdade que não tinha alonga experiencia, que houve depois; entretanto o fogo da mocidade desculpa ainda mais. O que realmente me tem maravilhado, são as arguições que de continuo se fazem aos que defendem o Senado vitalicio, por estes se apoiarem em auctores e exemplos estrangeiros; tendo um illustre Deputado por Tras-os-Montes chegado a pronunciar pouco mais ou menos o seguinte: não é a Bentham nem a Montesquieu, nem ás instituições estrangeiras, que devemos ir buscar as regras para a organização da nossa segunda camara legislativa; mas ás instituições nacionaes; ás nossas mesmas côrtes antigas, na eleição das quaes o povo tinha um direito ainda mais amplo: isto é realmente extraordinario, ninguém tal acreditaria se o não ouvisse! Eu para provar ao Sr. Deputado e ao Congresso, que destes argumentos se deduz o contrario do que se tem pertendido, passo a examinar quaes são os principaes defeitos tanto das nossas instituições modernas como das antigas.

O modo porque se executavam os principio; exarados na constituição de 23 de Setembro de 1822;- o fim que ella teve, as consequencias que se lhe seguiram, a guerra que declararam áquellas instituições todas as classes influentes doestado, não são por certo circumstancias mui proprias para nos animar a estabelecer agora um corpo legislativo todo electivo e temporario. Vê-se por tanto que não é ás instituições nacionaes de 1822 que se quiz alludir. (Apoiado).

A Camara dos pares de 1826 não era electiva nem temporaria, e com tudo era muito má, dizem meuá illustres antagonistas; é certo, porém os defeitos, que ella tinha, procurei eu emendar na organisação, que sustento. Na Camara dos pares de 1826 havia muitos homens absolutistas declarados, e que pelos motivos, que todos sabem, faziam guerra: de morte aos homens e aos principios liberaes: sua grande maioria era d'aulicos, de homens habituados á vida, e aos favores do palacio: mas a parte sã, aquelles que reuniam: as qualidades proprias d'um Senador, isto é, que não eram: verdadeiros aulicos, que possuiam bens próprios que os faziam independentes, e que tinham além disto illustração e amor ás idéas liberaes, portaram-se muito melhor que a Camara dos Deputados, ou o corpo electivo e temporario. (Apoiado). Eis-aqui o que é bem notorio, e que devia ser previsto por toda a pessoa que tivesse algumas idéas de politica. Se o Imperador, era logar d'alguns pares que nomeou, se tivesse lembrado dos maiores proprietarios das provincias, ter-se-hia evitado a guerra, que estes fizeram á Carta, maior ainda do que haviam feito á constituição de 1822. Logo dai camara dos pares de 1826 não se póde argumentar a favor d'uma segunda camara electiva e temporaria.

Na ultima camara dos pares havia muitos membros dependentes do governo, por não possuirem bens proprios sufficientes, nem ordenados avultados provenientes de empregos inamoviveis como todos sabem. Contra este defeito me declarei eu na camara dos Deputados por mais d'uma vez, e procurei evita-lo na minha proposta sobre a segunda camara.

Passemos agora a examinar quaes os defeitos das nossas côrtes antigas, pois que a respeito delles se tem sempre emittido idéas muito inexatas.

Não se póde dizer que o povo tivesse maior direito de eleger do que hoje tem, por lhe ser então permittido nomear um individuo d'alta nobresa para seu procurador; pois isto só lhe era vedade em tempo da carta quando o elegendo pertencia á segunda camara; e ninguem dirá que não é liberal o prohibir, que a mesma pessoa seja membro de ambas as camaras. Agora que as nossas Côrtes antigas fossem mais electivas que as da época presente, é o que eu não esperava ouvir: as nossas antigas côrtes eram compostas da nobresa que era hereditaria, do alto clero que era vitalicio, e dos procuradores dos póvos, que, para assim dizer, eram muito menos electivos que ao presente: sua nomeação era feita pelas camaras municipaes com o concurso, apenas do juiz do povo e da casa dos vinte e quatro; e acontecia muitas vezes que tudo se fazia por insinuação do governo. Achar-se-hão porém, não obstante esta organisação, algumas cousas que imitar em as nossas côrtes antigas?

As nossas Côrtes antigas quasi nunca foram soberanas, foram as mais das vezes requerentes, diga-se o que se quizer em contrario; esta verdade não é muito lisongeira, mas é com tudo forçoso confessa-la.

Fazem excepção á regra geral: que não foram soberanas, as do Sr. D. Affonso Henriques, as de Coimbra do Sr. D. João I., as do Sr. D. João IV., e poucas mais. O Sr. D. Affonso tendo de combater os mouros, e de se fazer independente dos Reis de Castella e Leão, precisava de se fortificar no amor dos povos, e no principio da soberania popular. Em circumstancias semelhantes todos os Reis são liberaes. Por causas analogas foram soberanas as Côrtes do Sr. D. João I., e do Sr. D. João IV. E' verdade que no tempo deste ultimo Monarcha vogaram idéas tão constitu-

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cionaes, que se imprimio uma obra intitulada - a justa acclamação de D. João IV. - em que, se exceptuarmos algumas proposições ultramontanas, se acham principios tão liberaes como os que hoje professamos (apoiado); mas procurou-se acaso espalhar taes principios por muito tempo? Todos sabem que só em quanto assim fez conta ao podêr. Fóra dos épocas citadas, não houve Côrtes soberanas, se póde bem dizer, senão para lançar impostos, ou para dispensar na lei fundamental em a parto relativa ao casamento da herdeira presumptiva da corôa, se é que a este respeito não fizeram tambem o que se lhes insinuou. E desejarão meus sabios adversarios que as nossas Côrtes d'ora em diante sejam tambem requerentes?

Antes de 1820 não havia época fixada para a convocação das Côrtes, e este é um dos principaes motivos porque ellas caíram era desuso. E acharão os Srs. Deputados que tanto zelam a imitação das antigas instituições nacionaes, que subsista o mesmo arbitrio da parte do governo?

De longo tempo se dividiam as Côrtes por estados, e cada um discutia separado, e não todos juntamente como aqui alguem disse. O defeito não consistia pois em se acharem reunidos os estados, mas consistia antes em cada um votar separado, e se contarem os votos por estados, muito mais se houvesse razão para temer que o clero tivesse o mesmo voto, que a nobresa. Dirão agora os Srs. Deputados se estão dispostos a adoptar o mesmo methodo de votação?

Cada um dos estados apresentava os seus capitulos a El-Rei, e as Côrtes dissolviam-se, sem que houvesse um praso marcado, dentro do qual o governo fosse obrigado a declarar se rejeitava, ou sanccionava. E achar-se-ha aqui uma boa pratica para imitar?

Em resumo: da nossa Constituição de 1822 nada encontramos que aproveitar para o assumpto que nos occupa. Das duas Camaras dos Pares aproveitei quanto me pareceu razoavel. Em as nossas antigas Côrtes pouquissimo se encontra que deva receber-se como norma, e em tal carencia de leis e costumes patrios; que é o que aconselham os jurisconsultos, e os homens d'estado? Precisamente aquillo, que nos determinou o grande Pombal na celebre carta de lei de 18 de Agosto de 1769, ir buscar as nações polidas da Europa o que nellas se achar conforme á razão, e ao estado do paiz. (Apoiado.) E porque motivo se faz no citado decreto menção especial as leis económicas, politicas, commerciaes, e maritimas? Porque dellas nada, ou quasi nada possuiamos naquella época.

Sendo obrigados a recorrer a nações estranhas, onde nos dirigiremos com preferencia, áquellas, cujo governo representativo é de dous dias, ou áquellas cujo regimen constitucional tem atravessado todas as vicissitudes de longos annos, sem diminuição de sua independencia nacional, nem de sua liberdade interior? E á Inglaterra que devemos neste ponto ir procurar regras e exemplos, áquella nação que tem servido de modelo a todas as outras, que desejam governar-se constitucionalmente, áquella grande potencia que por meio de seu governo constitucional tem conseguido o respeito dos estrangeiros, bem como a illustração, a ordem, e a liberdade internamente! Sim, devem-se ir beber os principios áquella constituição, que tem sido progressivamente reformada com as luzes do seculo, independentemente de revoluções, e sómente pelos principios, que ella em si mesma contém! Sr. Presidente, eu não exaggero, consultem-se os escriptores imparciaes, perguntem-se os nossos concidadãos que residiram naquella nação por mais tempo, aquelles que souberam, e quizeram observar; e eu estou certo, que será plenamente confirmado tudo quanto avancei. Em Inglaterra a segunda Camara é compota d'alta aristocracia do paiz, seus membros são pela maior parte hereditarios, e sendo-nos impossivel, no estado presente o realisar entre nós a ultima condição, cumpre que procuremos aproximar-nos della, estabelecendo um Senado vitalicio.

Não se poderá dizer com verdade que esta condição se ache em desarmonia com os nossos principios e usos; acha-se pelo contrario em perfeito acordo com todos elles.

Em Portugal são inamoviveis todos os empregos para cujo cabal desempenho se precisa d'independencia; isto é, um principio geralmente reconhecido e constantemente executado. E porque razão se não fará elle extensivo ao Senado, que tem de julgar e de legislar? Respondem meus antagonistas: - porque os empregados em geral são responsaveis, e os Pares não. E' verdadeiro o facto; porém não se podem tirar delle as consequencias, que se inculcam. Os Senadores não estão sujeitos a responsabilidade alguma legal, mas pesa muito mais sobre elles a responsabilidade moral, do que sobre os Juizes. ( Apoiado.) Isto tive eu já a honra demonstrar ao Soberano Congresso, quando fallei pela primeira vez nesta discussão; e provei ao mesmo tempo que essa responsabilidade moral, não obstante o ser mais leve que a dos Senadores, é com tudo a maior garantia, que os Povos tem achado contra o arbitrio e perversidade dos Juizes, visto que a responsabilidade legal rarissimas vezes só poderá fazer effectiva sobre elles.

Meus illustres adversarios parecem ter reconhecido ata um certo ponto a força deste raciocinio; pois que já os não vejo insistir tanto naquella objecção; apresentam porém um outro, que felizmente é ainda muito mais facil de destruir. Allega-se que a Camara dos Pares, constituindo-se em Tribunal de Justiça, julga sem a intervenção de Jurados. Quem tal diria! Quem poderia esperar que uma objecção semelhante nos fosse apresentada hoje, tendo-se ainda ha pouco tempo approvado o Codigo do Processo, no qual se determina pelos artigos 373, e 383:-que nas causas, em que tenham de ser julgados os membros do Poder Judicial, não haja intervenção de Jurados! Note-se bem que ainda nenhum dos illustres Deputados, que tanto sentem a falta do Jury na Camara dos Pares, se lembrou de propôr a revogação dos artigos 373, e 383 do Codigo do Processo? (Apoiado, apoiado.) Penso que não devo progredir mais neste ponto.

Procurando appropriar á nossa Camara dos Pares tudo quanto acho na organisação da Camara dos Lords d'Inglaterra, que seja applicavel ao estado do nosso Portugal, tive já a honra de propôr um Senado composto de membros vitalicios, escolhidos pelo Rei d'uma lista triplice votada por eleitores, que tenham maior renda do que áquella que se exige para ser Eleitor de Deputados.

Não proponho uma Camarada Pares hereditaria, porque além d'outros motivos, com que não devo demorar este Congresso, ella não seria talvez bem acceita pela opinião publica; e não deixo ao Rei a livre nomeação dos Senadores, porque reputo isto perigoso, maxime no estado presente como em outra occasião já ponderei. Se a segunda Camara fosse hereditaria, não teria tamanha difficuldade em deixar ao Governo a livre escolha dos membros della.

Existe ainda uma outra circumstancia, em que tractei de imitar o Parlamento Britanico, que é serem os Pares pessoas independentes pela sua posição social, e por seus teres. (Apoiado.) Ha muito que tenho estas opiniões; mas, desde que estive em Inglaterra, tenho notado que pela maior parte os Lords mais independentes por sua propriedade, foram os que menosse oppozeram á reforma; e isto me confirmou no principio, que os Pares devem ser independentes.

A contradicção de meus adversarios vai muito mais longe; ao mesmo passo que me censuram por citar as instituições d'Inglaterra, fundam-se elles nos exemplos da Hespanha e da Belgica. Eu passava-lhes de boa mente por esta contradicção, só os exemplos, que apontam, tivessem alguma força; mas não posso abster-me de reflectir um pouco sobre elles, para que se conheça que nada provam, perdoem-me os Srs. Deputados que os produziram.

Já dous dos meus illustres collegas desenvolveram com a

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maior clareza os motivos especiaes, porque nas Cortes de Hespanha foi votada uma segunda Camara electiva e temporaria; e eu accrescentarei que pessoas mui respeitaveis, a que tem razão para conhecer o estado de nossos visinhos, me affirmam que as desordens, e a guerra civil que dilacera aquella infeliz Nação, tem ao presente por principal origem a organisação, que se deu á segunda Camara. (Apoiado.) - O tempo mostrará a realidade desta asserção.

A questão a respeito da Belgica deve ser mais profundamente examinada, mormente havendo quem pertenda dar-nos instituições identicas ás daquella nação. A revolução foi alli movida pelo clero, o qual, sendo catholico, e em geral mais supersticioso que o nosso, não podia tolerar um Rei protestante, que julgava muito addicto ao protestantismo; influio tambem naquella revolução o partido anti-hollandez, que não podia ver com bons olhos um Rei hollandez, que se suppunha preferir os interessei de seus concidadãos aos dos belgas. Influio, em terceiro logar, e partido constitucional exaltado de França, por meio de seus consocios belgas, com o fim de propagar os seus principios, e unir a Belgica ao seu proprio territorio. Todos sabem quanto os francezes ambicionaram aquella união; até houve uma época, em que todos os pariodicos franceza, sem exceptuar o Jornal dos Debates, fallaram a favor della. Na mesma Belgica havia quem a desejasse, nem isso causará espanto, attendendo-se a que, não se recordando os belgas de haverem formado um povo separado e independente, só aspiravam a mudar de chefe; e a unir-se áquelles que mais se lhes assemelhavam pelo caracter, e por outros relações. Declarada a independencia pôz-se o partido exaltado á frente, e obtendo a maioria no parlamento faz decretar o sanado electivo e temporario: os outros dous partidos não fizeram opposição, porque, achando-se em perigo do cahiram do novo debaixo do dominio hollandez, fugiam de tudo o que podesse excitar o desunião, e enfraquecer o partido belga. Estas duas causas tem concorrido para a conservação d'um systema politico, realmente monstruoso; porém accrescem ainda outras indubitavelmente mais fortes. Uma é o Rei que aos belgas coube em sorte, um dos mais sensatos que talvez a Europa tenha visto. Ninguem ignora a maneira por que elle se conduzio em Londres, tanto na vida de sua esposa como depois; todos sabem o comportamento brioso e independente, com que se houve a respeito da Grecia, quando recebeu as reclamações ao senado sobre os limites daquelle novo reino. A franqueza, com que se apresentou entre os belgas, despedindo até ao ultimo de seus antigos criados, foi geralmente applaudida, e seu governo tem sido um modêlo de brandura e conciliação. Fossem todos os Reis como Leopoldo, que os defeitos das constituições mui pouco se fariam sentir dos povos! Uma outra causa em minha opinião fortissima é o empenho dos Monarchas de todas as potencias da Europa, desde o autocrata da Russia até o Rei da Inglaterra, em conservarem a Belgica socegada e contente, a fim de evitarem a sua união á França: o mesmo Luiz Filippe e os francezes sensatos, que em tempo desejaram tanto a acquisição daquelle territorio, se opporiam hoje a ella, para não darem occasião á guerra estrangeiro. (Apoiado). Finalmente as belgas não são povos demasiado difficeis de governar; são muito trabalhadores e industrioso, não são ferrenhos como os hespanhoes, antes tem sido considerados, desde os tempos de Cesar, inconstantes e levianos; não reina tanto entre elles a sede inaaciavel dos empregos, cancro horrivel que a cada momento está tendo as entranhas do misero Portugal! As finanças naquelle paiz estão, sem comparação, em melhor estado que as nossas. Póde por tanto a constituição dos belgas ser soffrivel para elles, e insuportavel para nós: e está provado que dos exemplos tirados da Hespanha e da Belgica nada póde concluir-se.

O Sr. Alberto Carlos, permitta-me S. Sa. que eu diga o seu nome, procurou escurecer um pouco a reputação de que tem gosado, e gosa ainda entre os publicistas a constituição ingleza; e para este fim leu-nos o juizo que della faz um escriptor francez: eu advirto ao meus illustres amigos, que não é na maior parte dou auctores francezes que póde achar-se um juizo mais profundo, o mais imparcial das instituições politicas de Inglaterra: pordôe-me S. Sa. esta reflexão. Os francezes até estes ultimos tempos sabiam pouco das nações estrangeiras, e olhavam com tal rivalidade para todas as cousas inglezas, que sobre ellas não merecem o maior conceito dos homens, que se acham em estado de avaliar alguma cousa a um e outro paiz.

Passou depois o mesmo Sr. Deputado a combater a proposição, que aqui se havia emittido, que em França no tempo da discussão da segunda camara ninguem se havia lembrado de que ella fosse electiva e temporaria, e para isso leo-nos um livro, em que se referia a celebre convenção que se disse tivera logar em Paris em Hotel-de-Ville entre o General Lafayette, e uma deputação dos estudantes das duas escolas de medicina, e direito, convenção cujos termos eram: - que o governo francez seria uma monarchia cercada de instituições republicanas; - que a deputação foi a Hotel-de-Ville, que Lafayette alli promettera aos estudantes empregar a sua influencia para que a camara dos Pares não fosse hereditaria, e para que a constituição franceza ficasse tão liberal quanto fosse compativel com a natureza da monarchia representativa, todos acreditam; mas que elle acceitasse a sobredita convenção é o que ninguem ainda provou. Os jornaes francazes, chamados do movimento, asseveram que a decantada convenção fora uma realidade; mas todos os outros periodicos sustentaram que tudo aquillo fora mero invento; e as differentes pessoas sisudas e imparciaes, com quem fallei no espaço de tres annos que estiva em França, eram precisamente desta mesma opinião, chegando a tractar de ridiculo tudo o que se affirmava áquelle respeito. Agora appliquemos a nossa critica ao caso: que os estudantes fizessem a proposta, era mui conforme ás suas idéas de progresso; mas que Lafayette estivesse por ella, eis o que me custa a crer: uma monarchia cercada de instituições republicanas é um tal absurdo politico, que o veneravel Lafayette não o admittiria sem que estivesse tão rapaz como os estudantes das escolas de medicina e de direito.

Um outro Sr. Deputado por Coimbra, o meu honrado amigo o Sr. Fernandes Thomaz, com cujas opiniões quasi sempre concordo, e muito estimaria concordar sempre, disse: que o Rei não póde nomear os senadores porque é delegado da nação: porém Sua Sa. sabe que se na Constituição lhe delegarmos aquelle poder, elle póde fazer a nomeação. Accrescentou que os Deputados nomeados pelo Rei não representam cousa alguma: respondo, que. sendo nomeados pelo povo, como quer o meu illustre amigo, não podem representar mais do que os mesmos Deputados, e virão a ser uma segunda camara de Deputados; e pelo contrario, sendo nomeados conforme a minha opinião, hão de vir a representar a conservação do systema constitucional, e o ponto preciso d'equilibrio entre o governo, e a camara popular. (Apoiado.) Em terceiro logar oppõe-se o Sr. Deputado aos privilegios da segunda camara, e tem delles grande recaio: Sr. Presidente, fallo com franqueza, já me custa ouvir clamar com tanto azedume contra os privilegios do Senado. Que privilegios não temos nós concedido a differentes corporações, com especialidade ao exercito, e dos juizes. Tem-se assentado que toda a authoridade, que ha de exercer alguma funcção politica de importancia, deva gozar de certos privilegios na proporção dessa importancia: e se o Senado ha de preencher funnções mais transcendentes que todas as outras corporações, se elle tem de julgar, e alem disso de legislar, porque lhe não hão de competir tambem privilegios maiores? Assentemos nisto: os privilegios, que não necessarios para o exercicio de qualquer funcção politica impor-

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tante, não são privilegios n'accepção vulgar da palavra, são garantias. (Apoiado, apoiado).

Um outro Sr. Deputado, o Sr. Manoel Antonio de Vasconcellos, impugna o parecer da Commissão com o fundamento, de que o Rei nomeando os Pares fica mui fraco: eu respeito muito em verdade a logica do meu amigo, o Sr. Vasconcellos, mas a observarão do que se passa em Inglaterra, em França, e em todos os governos representativos d'Alemanha, prova mais do que todos os raciocinios.

Tem-se mostrado um excessivo receio de que um Senado vitalicio, e composto das primeiras notabilidades da nação tenha uma tendencia constante a unir-se ao Rei contra o povo e a arrogar-se às prerogativas da primeira camara: porém eu não tenho duvida em que seus receios são infundados. É certo que todas as instituições, por mui perfeitas que sejam, offerecem alguns inconvenientes na pratica: todavia um Senado vitailicio, composto de membros tirados, das diversas classes da nobreza, ou aristocracia, termos que supponho synonymos, porque a diferença nada importa ao meu Systema- qu"ro direr,.um Senado ccjnporto.de pessoas aã mais independentes, as mais ligadas ao bem estar do paiz e da systema constitucional, e ss mais preponderantes sobre os povos, satisfará aos fins para que é estinado tanto quanto é possivel em cousas humanas. Não temo que se obstine muitas vezes contra a razão, como alguns Senhores imaginam; e, quando isso aconteça , hade for fim ver-se obrigada a ceder, mormente quando a opinião publica sr declarar fortemente contra a sua obstinação.

A camara dos Deputados ha de conservar sempre uma decidida superioridade sobre a dos Pares, e sobre o governo, havendo uma boa lei d'eleições, e sanccionando-se na Constituição as garantias verdadeiramente populares que se acham consignadas no projecto. Pela artigo 22 póde a camara dos Deputados, bem como a dos Pases, nomear commissões, e por estas chegar ao conhecimento dos factos, que cê houverem praticado contra a Constituição, ou coutra as leis, o que até agora não tinha logar sem dependencia do governo. Pelo artigo 40 é privativa da caiaara dos Deputados a iniciativa sobre recrutamento, e sobre impostos como se achava já disposto nas das leia fundamentaes que tivemos. Pelo artigo 141 é necessario o estabelecimento ou confirmação annual dos impostos, para haver obrigação de os pagar, que era expresso na Constituição, mas não o era na Carta. (Apoiado.) Finalmente não póde a camara dos Pares fazer alteração alguma nos projectos sobre impostos que lhe forem remettidos pela camara dos Deputados; não chegando a mais as suas faculdades neste ponto, do que approva-las ou rejeitadas inteiramente como lhe tiverem sido enviadas pela primeira camara. Eis aqui um dos privilegios maiores, que os Deputados podem ter, e de que os Communs d'Inglaterra jámais quizeram prescindir, não obstante as diligencias dos Lords.

Estas ultimas considerações, Sr. Presidente, trazem-me á memoria um facto acontecido no fim da sessão ordinaria de 1836, o qual prova sem replica a força, de que é dotada a camara dos Deputados em um governo representativo bem arranjado.

Augmentou a Camara dos Pares o imposto, que deviam pagar certos municipios do Douro, pelo projecto da extincção do officio de pareador, que os Deputados acabavam de approvar. V. Exa. declarou-se na Camara contra a invasão que os Pares tinham feito nas prerogativas dos Deputados, e foi apoiado pelo nobre Barão da Ribeira de Sabrosa, e por mim; e eu além disto patenteei em toda a parte a resolução de defender na Commissão mixta , para que estava nomeado, os direitos do povo até á ultima extremidade. O Sr. Conde de Lumiares, que está presente, recordar-se-ha talvez d'uma conversação que a este respeito tivemos no club Lisbonense. (É verdade.) Agora saiba-se que poucos dias antes daquelle, em que havia de ter logar a Commissão mixta, veio pedir-me o meu amigo o Sr. Canavarro, então Deputado, que não tocasse eu na Commissão mixta em o augmento do imposto, por isso que os Pares estavam resolvidos a reduzi-lo ao que a Camara dos Deputados tinha approvado. Aqui se manifesta bem, qual é a auctoridade dos Deputados, quando elles chegam a possuir-se bem dos deveres, que são impostas á sua alta missão. Estou certo de que o meu amigo o Sr. Canavarro não teve em vista senão evitar que se rompesse a harmonia, que é necessario se conserve sempre entre os dous corpos collegislativos (apoiado.) Já não será facil considerar a questão, de que se tracta, por uma face inteiramente nova; porém o dever que me impuz de levar todos os argumentos ao mais alto gráo de simplicidade e claresa, de que sejam susceptiveis, obriga-me ainda uma vez a insistir sobre a grande differença que realmente existe entre direitos civis e politicos, já que se lhe não tem dado a attenção que ella merece, e até penso haver a este respeito uma espantada ignorancia, não digo dentro deste recinto, mas fóra delle.

Incumbe-nos considerar maduramente, que os homens vivem em sociedade para gozarem dos direitos civis, isto é, o direito de liberdade individual, de segurança pessoal, e de propriedade real o mais amplamente que ser possa, que os direitos politicos, isto é, o direito de legislar, de julgar, de administrar, e fazer executar as leis, são precisos para assegurarem aos homens os direitos civis, que estes nem sempre marcham a par daquelles; quero dizer, que nem sempre crescem os direitos civis na mesma proporção que os politicos, que ao contrario muitas vezes estão numa razão inversa (apoiado): e é muitas vezes indispensavel o encurtar, fazer menos extensos os politicos, para garantia dos civis.

Comecemos pelo poder legislativo. É indubitavelmente mais liberal, que o povo faça as suas leis, do que delegue em outrem o poder de as fazer, isto é, seria mais liberal politicamente falando, que o mesmo povo legislasse, do que nomeasse Deputados; tendo porém mostrado a razão, e a experiencia, que as leis feitas pela massa ou totalidade do povo, não saiam tão perfeitas, prevalece a delegação.

Seria mais liberal politicamente, que não correspondendo o Deputado á confiança que nelle se tinha ao tempo da nomeação, a procuração lhe fosse cassada; julgou-se porem que isto trazia graves inconvenientes na pratica, e o principio foi abandonado.

Seria muito mais liberal, que o povo escolhesse para seus representantes as pessoas em quem mais confiasse, e sem a menor restricção; com tudo a lei não consente que se vote senão em pessoas que tenham sustentação decente, e vinte e cinco annos de idade.

Todos conhecem ser mais liberal considerado politicamente que nas eleições dos Deputados tenham voto todas as pessoas sem a menor excepção, do que excluir aquelles, que não tem de rendimento annual oitenta mil réis: todavia para que a escolha fosse feita com algum conhecimento de causa, e com alguma independencia, mandou a lei que fosse menos amplo um dos direitos politicos mais sagrados, qual o de escolher seus legisladores. (Apojado.)

Passemos ao poder judicial. O juiso de jurados é o juiso da nação, e seria incomparavelmente mais liberal em politica o permittir a toda a pessoa não suspeita o julgar da honra , da fazenda , e da vida de seus concidadãos, do que limitar este direito aos homens que tem cincoenta mil réis de rendimento, e eis uma quinta hypothese, em que os direitos politicos são sacrificados aos civis.

Passemos ao governo municipal. Nada seria tão natural como conceder-se a todos os habitantes d'um concelho o fazer executar as leis de seu proprio municipio; entre tanto não se consente esta faculdade senão a quem possuo uma certa renda, e alguma instrucção.

Se examinarmos a lei da Guarda Nacional, a da eleição

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dos juizes ordinarios, dos vereadores, ect., acharemos que por toda a parte a amplitude dos direitos politicos se faz subordinada a forca e extensão, que desejamos dar aos direitos civis.

Por tanto digo eu: se para os Deputados se requerem quatrocentos mil reis de renda annual, uma certa idade, e um gráo subido de illustração se para os empregados em geral se requerem tanto maior independencia e capacidade, quanto é maior a influencia que elles tem nas garantias civis, e isto se não reputa anti-liberal, por ser indispensavel para felicidade dos povos, por que motivo, pergunto, se ha de considerar menos liberal o pertender-se que o Senado, que é o primeiro corpo da nação, que tem de julgar, de legislar, e de exercer funcções as mais importantes, goze da maior independencia possivel? E se é reputado mui liberal o voto, que os juizes, por exemplo, sejam inamoviveis para serem independentes, e que tenham ordenado sufficiente para o mesmo fim; por que razão se ha de considerar menos liberal a opinião daquelles, que sustentam que o Senado seja vitalicio, e que ninguem seja Senador sem ter um rendimento, que o torne independente? Em duas palavras o direi d'uma vez para sempre, é mais liberal o que dá maior liberdade civil esta liberdade civil consiste na completa fruição dos direitos civis os direitos politicos não são mais do que os meios de assegurar os direitos civis, e os meios devem subordinar-se inteiramente aos fins. (Apoiado, apoiado.)

Um Senado vitalicio, e composto das notabilidades do paiz é essencialmente conservador; não pode convir em quanto as garantias individuaes, e as reformas se não acham sanccionadas mas, feito isto, é um dos elementos mais indispensaveis do systema constitucional. As côrtes de Cadiz, decretando uma camara só, e esta d'eleição popular, e conhecendo a disposição invencivel de taes corpos para fazerem novas leis, e alterarem o que existe, tractaram de remediar tamanhos males com as providencias estabelecidas no artigo 375, e seguintes. Os legisladores das Necessidades com as mesmas vistas proveram com o artigo 28 da Constituição. O parlamento inglez pelo principio da omnipotencia parlamentar póde, é verdade, mudar n'um dia todas as leis, e até o ultimo artigo da Constituição, porém esta faculdade não tem perigo algum, porque lá está a camara dos lords, que sendo o corpo mais conservador que se conhece, não consente em mudança, que não seja necessaria. E que é o que se deve esperar duma segunda camara semelhantemente organisada entre nós? Um Senado semelhante, gualquer que seja a sua tendencia conservadora, não deixará de concordar em que se diminuam um pouco os direitos politicos em proveito dos direitos civis, isto é, para que os portuguezes tenham segurança de pessoa, e de propriedade não se opporão jámais a que algumas leis, cujos fins são excellentes, mas que se acham inexequiveis pela inconsideração, e inexperiencia de seus authores, se emendem até ao ponto de se tornarem praticaveis. Pelo que toca a reformas ulteriores, não se tema que elle opponha uma resistencia invencivel a reformas necessarias, e verdadeiramente apoiadas pela opinião publica. (Apoiado, apoiado.) A camara dos lords foi constantemente mais liberal, e mais justa que a dos Communs em tudo o que não entendia directamente com as suas prerogativas e ainda com prejuizo destas cedeu todas as vezes, que a opinião publica se pronunciou com decisão, e energia, eu appello pela segunda, ou terceira vez para tudo o que se passou com a emancipação dos catholicos, e com a reforma eleitoral.

Tenho acabado o meu discurso, mas antes de sentar-me quero fazer uma declararão ao Congresso.

Defendi a minha opinião com vigor, por me persuadir que ella é essencial ao paiz e de elementos d'ordem que hoje precisamos. Nós temos leis escriptas sem numero, mas a despeito dellas não ha justiça, não ha fazenda , a instrucção está peior do que nunca, e até os principios se acham pela maior parte confundidos! Onde irá isto paarar? Sr. Presidente, se o que vemos é terrivel, o futuro é melancolico! Quando considero maduramente o nosso estado, chego a receiar pela sorte da liberdade. Que infelicidade se por fim vinhamos a perder aquillo, que nos custou tamanhos sacrificios! Temo em verdade que a nação cançada de seus continuos sofrimentos prefira o sujeitar-se a um absolutismo, que lhe prometta segurança, e subsistencia. Napoleão não obteve o absoluto imperio da França pelo seu prestigio, ou pela força do seu exercito aguerrido, a causa mais influente foi a desordem da nação, que fez com que os francezes acceitassem voluntariamente o dominio d'um homem que julgavam capaz de pôr termo á anarchia. (Apoiado.) E que vemos nós em nossas provincias? O desgosto manifestar-se por toda a parte, e o desalento já não é duvidoso. A alguns de meus illustres collegas tem espantado a indifferença, com que os provincianos viram a ultima revolta; mas em meu conceito nada tão fácil d'explicar. A nação aborrece os cantatas, porém não ama os homens da revolução de Setembro, porque delles lhe não veio ainda beneficio algum; desconfia já de todos os partidos. (Apoiado.) A nação precisa de paz, d'ordem, de segurança de pessoa, e de propriedade, porque se em Lisboa, e Porto se gozam estes bens, está mui longe d'acontecer outro tanto nas provincias.

O Sr. Presidente: - Deram tres horas, passa-se a correspondencia.

O Sr. Alberto Carlos: - Sr Presidente, eu creio que não ha mais nenhum Sr. inscripto, e esta questão debatida ha nove dias podia acabar, por isso pedia que se prorogasse a sessão, para que falle o unico Sr. Deputado, que está inscripto, ainda que seja até á meia noite, e que no fim, votemos porque em fim já um Sr. Deputado disse hoje que temos,muito que fazer, e isso é uma verdade, e para poder tractar de outras cousas é necessario terminar esta.

O Sr. José Estevão: - Eu entendo que esta questão nos ultimos dias, em que tem sido tractada, tem apresentado uma singularidade de que não ha exemplo em parlamento nenhum, porque nunca houve em parlamento nenhum sete, oito, e dez oradores a fallarem successivamente sem terem nada que contestar e tambem nunca houve exemplo de haver um orador que fallasse sobre uma materia com o relogio na mão, e acabasse o seu discurso não por ter esgotado a materia, ou dito o que queria dizer, mas porque o ponteiro marcassa a hora,

O Sr. Sampaio Araujo. - Desejava saber se na mesa estava uma substituição no sentido, em que eu fallei..

O Sr. Presidente - Está uma do Sr. Ferreira de Castro, que foi a imprimir.

O Sr Barão da Ribeira de Sabrosa: - Esta questão tem sido tructada com a maior serenidade e decencia por todos os lados, mas ha Deputados que não fallaram ainda vez nenhuma, e um é o Sr. Ochoa. Quando se votaram as duas camaras não só esperamos todo o tempo que os Srs. Deputados quizeram, mas aié que se reunissem mais Deputados na sala, e então não vejo agora necessidade de forçar esta discussão, para mim é indifferente Quando um Sr. Deputado acabou de fallar V. Exa. ia a passar ao expediente, não vejo motivo pura que este se interrompa se fosse urgente, eu votaria desde já, mas torno a dizer, não me parece regular quando se tractou devotaras duas Camarás, a discussão estava acabada, e decidiu-se que se esperasse porque a sala estivesse cheia, porque se não fará agora o mesmo?

O Sr. Leonel: - Eu não serei d'opinião que, em quanto não estiver esgotada a lista dos Deputados que pediram a palavra, se dê a materia por discutida, mas como ha um Deputado inscripto, ouça-se , e depois podemos votar.

O sr. Barjona: - Fui eu no outro dia quando se tractou das duas Camaras que pedi se demorasse a votação por duas ou tres horas, até que viessem o Sr. Santos Cruz, e al-

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guns Deputados, que não tinham fallado pois qne desejava que em tal questão senão deixasse de ouvir nem um só dos que tinham a palavra; e assim como eu pedi isto então, peço agora com mais razão que se não deixe de ouvir o Sr. Deputado que tem a palavra. As côrtes assentirão ao meu requerimento quando setractava d'uma questão, cujo resultado já todos sabiam, e que havia de ser approvado por uma grande maioria: e que farão ellas agora? Quanto a dizer-se que muitos Deputado tem fallado na materia, peço licença para advertir que ainda cá não veio, nem ha de vir discussão alguma tão importante, nem tão complicada como esta, não admira por tanto que leve mais tempo. Conseguintemente deixe-se a votação para ámanhã, para depois de faltarem todos os que tiverem a palavra.

O Sr. Costa Cabral: - Peço a V. Exa. pergunte ao Congresso se julga esta materia de ordem discutida.

O Congresso assim o resolveu.

O Sr. Presidente: - Não ha requerimento nenhnm, por consequencia entra-se na correspondencia.

O Sr. Alberto Carlos: - Eu pedi que se prorogasse a sessão.

O Sr. Presidente: - Mas como não insistiu no seu requerimento.

O Sr. José Estevão: - V. Exa. deve consultar o Congresso se quer que se prorogue a sessão para fadarem os Deputados que estão inscriptos; creio que é um só, pois vote-se, se não houver mais quem peça a palavra porque seria cousa nova passar uma questão d'um dia para outro sem ninguem estar inscripto.

O Sr. Derramador: - Eu peço a palavra para faltar ainda nesta questão.

Eu já disse ao Congressso quê se fosse vencido na minha opinião havia de morrer com todas as honras, eu não sei porque motivo se ha de querer abafar uma questão da materia mais importante.....

Vozes: - Ordem, ordem. (Rumor.)

O Sr. José Estevão: - Peço a palavra; e protesto que hei de usar della.

O Orador: - Não disse eu já que esta era a unica questão vital na nossa organisação politica? Que era aquella, em que convinha gastar tempo, que eu teria pressa em todas as outras, e que até desejaria que o projecto de Constituição se pozesse á votação em globo com tanto que esta questão fosse tractada com toda a pausa, e serenidade de animo? Eu fui o redactor deste capitulo, e parece-me que me devia ser permittido apresentar algumas razões, em que fundava o meu parecer. Porém, Sr. Presidente, eu prescindo já da palavra, e tenho cumprido com o meu dever para com a minha patria, e com a minha consciencia: a minha opinião está exarada nos registos do Congresso, e o meu voto acabará de a confirmar.

O Sr. José Estevão: - O Sr. Deputado já não, tem direito para deixar de fallar outra vez nesta quentão depois de pronunciar as imprudentes palavras de que sequeria abafar uma discussão que dura ha nove dias; e por consequencia ou o Sr. Deputado ha de desdizer-se das expressões, que proferiu, ou ha de fallar quanto queira para que nunca possa dizer. Eu tinha pedido a palavra, e não me deixaram fallar (rumor.) Eu vou continuando, mas protesto que pelas minhas palavras não hei de excitar um debate tumultoso neste Congresso. O nobre Deputado a quem me refiro é bastante sensato, reconhece bem a importancia da questão, que nos occupa para saber, estar convencido de que suas expressões não podem passar sem uma rectificação, rectificação que consiste em se desdizer formalmente, ou por inducção, isto é, fallando outra vez, porque então fica demonstrado que se não abafou uma discussão, em que todos os Srs. Deputados que pediram a palavra fallaram, e as vezes que o regimento lhe permitte, e se S. Sa. a tivesse pedido.......

O Sr. Derramado: - Peço a palavra para fallar.

O Orador: - Falle o Sr. Deputado, porque não só está no seu direito, mas até está obrigado a faze-lo. Já hontem nos accusaram por não querermos esperar pelos nossos collegas ausentes para darem o seu voto sobre esta importante questão, e fez isto um Sr. Deputado que tinha já refutado esta idéa, de modo que então pronunciou o meu discurso, a que elle mesmo tinha redarguido; esta versatilidade é notavel. Em consequencia, Sr. Presidente, é preciso que cada um de nós faça justiça aos outros, e é preciso que senão pertenda com expressões indiscretas destruir aquillo, que os factos estão mostrando mais que todos os argumentos. Para mim é indifferente que se vote hoje como ámanhã, o meu voto é manifesto, e o dos Srs. Deputados igualmente, mas se ha quem queira pedir a palavra sobre este objecto, peça-a; eu pela minha parte só fallei uma vez nesta questão, e durante ella debaixo de certas allusões às turbas como seu futuro tyranno; e ao throno como seu inimigo; fui apontado aos homens generosos como um lisongeiro, cobarde que seguia primeiro o partido mais forte; aos verdadeiramente modestos como desejoso de adquirir applausos, que não mereço, e que nunca procurei, que nunca incommodei, e que nunca escrevi pela minha propria mão no fim dos meus discursos, e no fim fui vestido de frade. Apezar de tudo isto fiquei com todas essas denominações; e com o meu habito, forte na minha consciencia, e na opinião dos homens sensatos, e verdadeiramente amigos do paiz (apoiado) e não fallei mais. Os Srs. Deputados que querem fallar peçam a palavra, e não estejam uns hoje, outros ámanhã, porque assim nem em trinta annos acabaremos a discussão; e a fallar a verdade é outra cousa que se deve notar que esta demora tem provindo desses mesmos Srs. Deputados, que queriam uma brevidade extraordinaria em votar a Constituição, porque estava ardendo a monarchia em desordens, e todas haviam de acabar com a discussão da Constituição.

O Sr. Costa Cabral: - A mataria já se julgou discutida. Parece-me que o melhor seria votar sobre o requerimento do Sr. Alberto Carlos, pura, e simplesmente sem continuar esta discussão, que póde tornar-se um pouco desagradavel.

O Sr. Alberto Carlos; - Peço licença para retirar o meu requerimento.

Foi-lhe concedida pelo Congresso.

O Sr. Presidente: - Passa-se á leitura da correspondencia.

O Sr. Secretario Rebello de Carvalho mencionou a seguinte correspondencia.

1.º Um officio do Ministerio do reino, devolvendo o requerimento, e mais documentos pertencentes a D. Maria Gertrudes Leal, e suas filhas, em que pedem uma penção.

Foi remettido á Commissão de fazenda.

2.° Outro officio do mesmo Ministerio, acompanhando uma representação da sociedade Declarange Lucotte e companhia, expondo a necessidade de construir diversas pontes, que não foram designadas no seu contracto.

Foi remettido á Commissão de administração publica.

3.º Um officio do Ministerio da fazenda, participando que ficam expedidas as ordens competentes ao thesouro publico, para que mande fazer todas as averiguações necessarias a respeito da propriedade pertencente aos bens nacionaes, de que está de posse Antonio Pires de Almeida Carvalho e Castro, denominada - Chão do Mosteiro.

O Congresso ficou inteirado.

4.° Outro officio do mesmo Ministerio, enviando o parecer interposto pela contadoria do thesouro publico nacional, sobre o requerimento do conselheiro João Gomes d'Oliveira e Silva; em que pertende que os generos, e mais fazendas transportadas da China no seu navio = Noco Paquete = paguem os mesmos direitos, que se achavam estabelecidos na occasião da sabida desta embarcação do porto de Lisboa em Maio de 1886; e bem assim os mais papeis originaes, que acompanham o referido requerimento.

Mandou-se á Commissão de fazenda.

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5 ° Outro officio do mesmo Ministerio, enviando por cópia uma representação de Commissão permanente das pautas, em que expõe assim a necessidade de classificar na pauto o linho denominado Ticam, como de impôr-lhe os direitos, que deve pagar.

Foi remettido á Commissão de fazenda.

6 ° Outro do mesmo Ministerio, enviando uma representação, e resposta fiscal, bem como todos os mais papeis originaes, concorrentes a reclamação de José da Silva Corgulho, e outros proprietarios de fabricas de obras de palheta falsa, que padem se declare com a maior brevidade a que especie de classe de cobre deve pertencer a mesma palheta, visto não se achar explicitamente comprehendida naquella classe na nova pauta.

Foi remettido a Commissão de fazenda.

7.º Outro officio do mesmo Ministerio, acompanhando uma representação da Commissão permanente das pautes, sobre a necessidade de alterar a mesma pauta, pelo que respeita aos direitos, que devem pagar as esteiras da tabua, como reclama a viuva Moller e filhos.

Mandou-se a Commissão de fazenda.

8.° Um officio do Ministerio da justiça, a enviar um requerimento da junta de parochia, e moradores da freguezia de N. S. de Villares, pedindo que não osbtanta deitar a sua freguezia de conter duzentos fogos, se lhe conceda um juiz de paz, separado da freguezia de Tres Minas.

Foi remettido á Commissão d'Estatistica.

9.° Outro officio do nome Ministerio, enviando uma representação em que a junta de parochia da freguezia da S. Vicente de Sangalhos pondera os graves inconvenientes, que resultam aos povos daquella freguezia com a sua annexação ao conccelho de S. Lourenço do Bairro.

Mandou-se á Commissão d'Estatistica.

10.° Outro do mesmo Ministerio, acompanhando contas de alguns prelados das diocesses do reino,, e dos dons das ilhas adjacentes ácerca da necessidade que ha de organisar as secretarias eclesiasticas, e de prover á subsistencia dos individuos, que nellas hão de servir.

Foi remettido á Commissão eclesiastica.

11.° Um officio do Ministerio da marinha e ultramar, remettendo o authografo do decreto das Côrtes, e carta de lei respectiva, sanccionada por Sua Magestade a Rainha, sobre a pensão de cento e cincoenta mil reis, concedida a D. Marianna Alexandrina de Mattos e Abreu.

Mandaram-se para o archivo.

12.º Um officio do sr. Deputado Gorjão Henriques, participando não ter assistido á sessão de hontem por motivo de molestia, e que pela mesma razão terá de faltar ainda a algumas rasões.

O Congresso ficou inteirado.

13° Um officio do Sr. Deputado João Bernardo da Rocha, a participar que o estado da sua saude Ihe não permitte vir tomar assento no Congresso, e a pedir novamente que se tome a resolução de chamar o seu substituto.

Sobre este officio teve a palavra

O Sr. Leonel: - O Congresso já mandou á Commissão dos poderes uma carta semelhante a essa, de outro Sr. Deputado: mas antes disso já o Congresso tinha tambem mandado á Commissão uma proposta relativa aos Srs. Deputados, que sendo chamados não viessem, a respeito da qual a Commissão deu o seu parecer há muito tempo, o qual deve estar sobre a mesa: parece-me pois escusado mandar agora essa carta á Commissão dos poderes, e que será melhor guardar-se na secretaria para se tomar em consideração quando se discutir o parecer, que abrange todos os casos em geral.

O Sr. Pereira Brandão: - Este parecer, a que se refere o Sr. Deputado, é muito inquietante; e por isso eu pedia a V. Exa. que elle fosse dado para ordem do dia d'ámanhã; porque é dia proprio de leitura de parecers, e sobre a mesa há outros tambem de importancia, que é necessario tomar o Congresso alguma resolução a respeito delle.

O sr R. de Meneses: - Sr. Presidente, as razões, que produziu o Sr. Leonel, não me parecem bastantes para que este papel deixe de ir a Commissão dos poderes. Embora haja um parecer sobre a mesa, que abranja este caso particular, mas esse parecer não recebeu ainda a sancção do Congresso, e então está o papel, que se acaba de lêr, no caso de dever ir á Commissão, e ella dirá então que não pode dar parecer sobre elle, em quanto se não discutir o que está sobre a mesa isto mesmo é um parecer, que a Commissão poderá, dar, mas nós não podemos deixar de dar esta direcção ao negocio na fórma do regimento.

O Sr. Leonel: - Se eu soubesse que do que disse havia da tirar-se uma conclusão tal, como a tirou um Sr. Deputado, para pedir que se discutisse ámanhã esse parecer, que está sobre a mesa, por certo que eu não teria dito tal; porque me podia sair caro.. . Mas agora desdigo-me, e peço que venha para cá a carta (risadas) para ir á Commissão, porque ámanhã não devem lêr-se pareceres, deve sim continuar-se na discussão da Constituição, o que não deve alterar-se por uma cousa de muito menor importancia. (Apoiado, apoiado.)

Consultando o Sr. Presidente o Congresso sobre dever-se alterar ámanhã a discussão da Constituição, para se lerem pareceres de Commissões, votou o Congresso unanimemente (menos o Sr. Deputado Brandão) que não.

O officto do Sr. João Bernardo foi remettido á Commissão de poderes

O Sr Secretario Rebello de Carvalho leu os authografos dos decretos sobre a creação de mais dous logares de cirurgiões do exercito, delegadas do concelho de saude militar, e outro sobre as matriculas dos estudantes da escola medico-cirurgica de Lisboa; e achando-se estarem conformes, mandou se pedir a S. M. dia, e hora para serem apresentados a sua sancção.

O sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr Branquinho.

O Sr. Branquinho Feio: - Eu tenho a apresentar um requerimento, que supposto devesse faze-lo quando estivesse presente o Sr. Ministro d'estado respectivo, com tudo sou forçado a apresenta-lo hoje, por ouvir dizer a um Sr. Deputado que se não devia gastar tempo com theorias, ao que eu direi que era tambem melhor que estes Srs. Deputados que o dizem, gastassem menos tempo em nos contar historias, e nos apresentassem antes alguma cousa, que fosse proveitosa para a nação, e evitasse a continuação dos males, que sobre ella pesam: é por isso que eu faço este requerimento (leu).

O Sr Moniz: - Por varias vezes tenho levantado minha voz neste Congresso a beneficio das provincias africanas, e sobre differentes objectos, hoje o farei sobre negocios eclesiasticos, para o que faço o seguinte requerimento (leu). Agora esporei o estado em que ali se achavam as igrejas, para fundamentar o meu requerimento (leu). Todas estas igrejas tem rendas, e de lá se estão reclamando continuadamente providencias a este respeito. É justo que nós instamos para que sejam soccoridos os eclesiasticos egressos, mas é necessario que tambem se saiba que muitos delles se recusam a servir a igreja, quando ella delles tanto precisa, eu não sei como que consciencia elles faltam á sua vocação: é bem certo que não querendo servir onde se Ihes paga, não tem direito a queixar-se do estado não faço mais reflexões, mas remetto para a mesa o requerimento, a fim de que o Congrego seja informado sobre esta materia.

O Sr Costa Cabral: - Hontem foi destribuido neste Congresso um parecer da Commissão de marinha (n.° 20), que diz respeito a differentes officiaes daquella arma, os quaes se julgam offendidos em seus, direitos com o parecer da referida Commissão, estes dirigiram-me uma representação para que eu a apresentasse neste Congresso, contém ella o des-

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envolvimento dos argumentos, em que fundam sua justiça: peço a V. Exa. lhe dê o destino que convier.

Agora direi que ha tempos se votaram agradecimentos por este Congresso tanto ao exercito hespanhol, como á nossa divisão auxiliar em Hespanha, pelo comportamento, e valor com que se tinham portado a favor da liberdade dos nossos visinhos, e contra D. Carlos: estes agradecimentos foram mui justos, porque todos aquelles bravos prestaram grandes serviços a favor da liberdade, tornando-se por isso dignos de toda a consideração. Mas, Sr. Presidente, eu entendo que o exercito portuguez não é agora menos merecedor de agradecimentos, não só pela sua fidelidade, mas tambem por ter debellado a facção, que accendeu a guerra civil no paiz, e que pertendeu anniquilar as instituições proclamadas pela, nação. (Apoiado, apoiado.) Em virtude do que eu faço o seguinte requerimento (leu).

Alguns Srs. Deputados mandaram para a mesa pareceres de Commissões, que ficaram sobre ella para seguir, o competente destino.

O Sr. Presidente: - A hora deu; a ordem do dia para amanhã é a continuação da discussão da organisação da segunda camara, e para a primeira occasião da hora da correspondencia os pareceres da Commissão de fazenda, que se acham sobre a mesa. Está levantada a sessão.

Eram quatro horas da tarde.

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