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Proposta de lei para a reforma do processo criminal, apresentada pelo sr. ministro e secretario d'estado dos negocios ecclesiasticos e de justiça, Alberto Antonio de Moraes Carvalho, em sessão de 9 do corrente.

Senhores. — Nada é mais fatal á sociedade que o crime; nada promove e incita mais ao crime que a impunidade.

Nem sempre a impunidade é o fructo da prevaricação; muitas vezes ella é favoneada por leis irreflectidas, que, ou não facilitam a indiciação dos criminosos, ou a pretexto de dar garantias aos accusados, deixam a descoberto a sociedade, ou prescrevem nullidades indefinidas, que tornam os processos infindos, fazendo assim, pela interposição de longo tempo, destruir a impressão do delicto, substituir pelo da piedade os sentimentos da justiça, e desapparecer as provas da criminalidade, aplanando a estrada da absolvição.

Estes resultados, não raro, põem injustamente em problema a honra dos juizes, que se tornam mais suspeitados quando as mesmas leis facilitam ás partes a escolha das secções dos tribunaes d'onde hão de saír os seus julgadores: todos estes males devem terminar com a adopção de um bem meditado codigo de processo criminal; porém este depende da revisão do codigo penal, que entregue como está,

a jurisconsultos habeis e zelosos, breve virá ao parlamento e não tardará a ser seguido daquelle, incumbido á mesma commissão, a mais habilitada para redigir as regras de execução do seu pensamento, formulado em lei.

Não podendo porém calcular-se quando poderemos ter confeccionado e approvado um bom codigo de processo criminal, considerei ser do meu dever apresentar-vos uma proposta tendente a remediar alguns dos inconvenientes mais notaveis, que se encontram no actual processo, e que, a meu sentir, muito concorrem para a impunidade dos crimes.

Os agentes do ministerio publico são promotores dos interesses sociaes, e não inimigos dos individuos; são portanto tão interessados em descobrir o innocente, para não ser perseguido, como o criminoso para ser punido: d'esta verdade resulta a necessidade de lhes dar interferencia nos summarios criminaes, que são a base da indiciação, e da subsequente accusação.

A lei penal estabeleceu os prasos necessarios para a prescripção dos crimes: vedar segunda querela contra o individuo, que na primeira não foi pronunciado por falta de provas, tendo apparecido posteriores e terminantes, é estabelecer uma nova prescripção que a philosophia do direito repelle, e sujeitar a justiça a uma formula irracional; é enthronisar a impunidade; é dar ao delinquente o privilegio insultuoso de affrontar impune o offendido e a sociedade.

Os despachos de pronuncia são lançados por um juiz (que a lei presume intelligente), em vista dos indicios constantes do summario, e por elle minuciosamente examinados; não se póde pois descobrir o fundamento para permittir o reparo do aggravo, visto que não acrescem provas contrarias: e se esta consideração persuade a conveniencia de inhibir esse procedimento ao proprio juiz de direito, que exarou a pronuncia, recresce a rasão respeito ao juiz substituto, menos amestrado no mister da judicatura, muitas vezes leigo em jurisprudencia; e quasi sempre sujeito ás paixões de amisade e odio, como estabelecido, aparentado e domiciliado na localidade onde exerce as suas funcções.

O espaço dado para aggravar, e o outro para apresentar o aggravo de petição no tribunal superior, favorece ás partes o ensejo para escolherem a secção com que mais sympathisem, e a certeza dos adjuntos em seguimento ao relator póde originar suspeitas: estabelecer pois a incerteza, designando pela sorte a secção, o relator e os adjuntos parece-me de grande vantagem.

A larga faculdade de recusar jurados, segundo os preceitos da legislação actual, sem se motivarem e provarem as recusas, dá occasião a que sejam excluidos os mais dignos e independentes, diminuindo assim as garantias de julgamentos imparciaes.

A lei que determina que o juiz possa declarar injusta e iniqua a decisão do jury, mandando proceder a novo no dia immediato, composto de jurados do mesmo circulo, e que da decisão d'elle conforme com a outra, não permitte recurso algum, não deixa de ser inconsequente e perigosa: pois vae sanccionar a injustiça e a iniquidade, favorece a impunidade dos crimes, ainda os mais terminantemente provados, e deixa a sociedade sem garantia alguma contra a parcialidade do jury, composto de homens muitas vezes accessiveis ás sugestões de parentes, amigos e visinhos, e o que peor ê á pressão que n'elles exerce o medo da vindicta. Nessas circumstancias dá-se por feliz o ministerio publico quando póde descortinar uma nullidade, que lhe sirva de base a interpor a revista; um mal que deve ser evitado e punido, é abraçado como um remedio ao outro mal, a imprevidencia da lei fórça a taes absurdos; é pois indispensavel que na hypothese de entender o juiz que na decisão do jury ha injustiça e iniquidade, a decisão seja commettida a outro jury menos suspeito e mais imparcial.

Nas decisões o numero dos votos augmenta a probabilidade do acerto e difficulta os planos da corrupção; pareceu-me portanto que em casos de aggravos ou appellações criminaes, deveria o vencimento assentar em maior numero de votos que o exigido pela legislação actual.

O decreto de 10 de dezembro de 1852, no artigo 6.°, havia estabelecido um processo intermediario entre o correccional, e o julgamento com jury, para os crimes a que correspondessem as penas lá mencionadas; a lei de 18 de agosto de 1853, revogou aquella disposição; e depois d'ella subiram immensas representações de um grande numero de juizes de direito, especialmente do districto da relação do Porto; não havendo desde 1853 em diante um só relatorio dos successivos presidentes d'aquelle tribunal, que não faça referencia a esta urgente necessidade. Comtudo não desconheço que a disposição do decreto foi revogada com o fundamento de que nas causas crimes o julgamento com a intervenção de jurados é garantia mui importante, de que os cidadãos não devem ser privados sem motivo muito grave e justificado; mas se este principio fosse adoptado em toda a sua plenitude, cumpriria aniquilar o processo correccional; e se este é mantido pelas conveniencias publicas, são ellas as que devem regular a limitação do mesmo principio; a experiencia, amestrando os homens, reclama a restituição da providencia alludida, e a revogação da lei posterior.

A lei de 18 de julho de 1855 estabeleceu prasos fataes para dentro d'elles se fazerem certos actos judiciaes; e comminou as penas aos transgressores; essas judiciosas disposições, attinentes a abreviar a marcha dos processos, tem sido letra morta; será pois de summa utilidade estatuir, que nas sentenças proferidas por virtude de appellação ou concessão de revista, se faça expressa menção de haverem ou não sido guardadas essas prescripções, mandando-se proceder contra os omissos, quando se não verifique impedimento legitimo.

Nada é mais infesto á celeridade com que a pena deve