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SESSÃO DE 13 DE MARÇO DE 1871

Presidencia do ex.mo sr. Antonio Cabral de Sá Nogueira

Secretarios – os srs.

Adriano de Abreu Cardoso Machado

Domingos Pinheiro Borges

Summario

Apresentação, por parte do sr. ministro do reino, da proposta de lei de reforma administrativa — Apresentação de requerimentos de interesse particular e de representações de camaras municipaes — Referencia aos negocios da companhia do caminho de ferro de norte e leste, por parte do sr. visconde de Moreira de Rey, e resposta do sr. ministro das obras publicas — Adiamento dos projectos dados para ordem do dia, por não estar presente o governo.

Chamada — 42 srs. deputados.

Presentes á abertura da sessão — os srs.: Adriano Machado, Pereira de Miranda, Soares de Moraes, Sá Nogueira, Antunes Guerreiro, A. J. Teixeira, Freire Falcão, Pedroso dos Santos, Sousa de Menezes, Rodrigues Sampaio, Cau da Costa, Eça e Costa, Ferreira de Andrade, Pinheiro Borges, Pereira Brandão, Eduardo Tavares, Francisco Mendes, Francisco Coelho do Amaral, Costa e Silva, Guilherme Quintino de Macedo, Freitas e Oliveira, Palma, Santos e Silva, Zuzarte, Mártens Ferrão, Barros e Cunha, J. J. Alcantara, Augusto da Silva, Nogueira Soares, J. A. Maia, Bandeira Coelho, Elias Garcia, Figueiredo de Faria, José Luciano, Moraes Rego, Mexia Salema, Teixeira de Queiroz, José Tiberio, Julio Rainha, Luiz de Campos, Luiz Pimentel, Camara Leme, Affonseca, Marques Pires, Thomás Lisboa, Mariano de Carvalho, D. Miguel Pereira Coutinho, Visconde de Villa Nova da Rainha.

Entraram durante a sessão — os srs.: Agostinho de Ornellas, Osorio de Vasconcellos, Anselmo Braamcamp, Antonio Augusto, Veiga Barreira, Antonio de Vasconcellos, Falcão da Fonseca, Augusto de Faria, Saraiva de Carvalho, Barão do Rio Zezere, Barão do Salgueiro, Bernardino Pinheiro, Carlos Bento, Conde de Villa Real, Francisco de Albuquerque, Francisco Beirão, Caldas Aulete, F. M. da Cunha, Van-Zeller, Barros Gomes, Silveira da Mota, Jayme Moniz, Mendonça Cortez, Pinto Magalhães, Lobo d'Avila, Gusmão, Dias Ferreira, Mello e Faro, Rodrigues de Freitas, Julio de Carvalhal, Pedro Franco, Pedro Roberto, Sebastião Calheiros, Visconde de Moreira de Rey, Visconde dos Olivaes, Visconde de Valmór.

Não compareceram—os srs.: Alberto Carlos, Villaça, Arrobas, Pequito, Santos Viegas, Telles de Vasconcellos, Barjona de Freitas, Pereira Lago, Pinto Bessa, Candido de Moraes, Ulrich, Alves Matheus, Faria Guimarães, Almeida de Queiroz, Latino Coelho, Rodrigues de Carvalho, J. M. dos Santos, Mello Gouveia, Nogueira, Mendes Leal, Lopo de Sampaio e Mello, Paes Villas Boas, Visconde de Montariol.

Abertura — Á uma hora e um quarto da tarde.

Acta — Approvada.

EXPEDIENTE

A QUE SE DEU DESTINO PELA MESA

Interpellação

Requeiro que seja prevenido o sr. ministro da marinha e ultramar, que desejo interpellar s. ex.ª ácerca da execução que tem tido na provincia de Angola a portaria circular de 5 de setembro ultimo, assignada pelo honrado marquez de Sá da Bandeira, e que foi publicada no Diario do governo de 8 d'aquelle mez.

Sala das sessões, 13 de março de 1871. = O deputado por Angola, Jacinto Augusto de Freitas e Oliveira.

SEGUNDAS LEITURAS

Projecto de lei Senhores. — Se ha questões que mais imperiosamente devam chamar a attenção dos poderes publicos, não é a menos importante d'estas a que diz respeito á alimentação popular.

É por isso que a elevação extraordinaria que tem tido o preço das carnes verdes na capital traz preoccupados os espiritos, e anima ha dias na imprensa periodica uma discussão que, pela causa que a determina, pelo sincero desejo que anima quantos n'ella têem tomado parte, e ainda pelo louvavel fim que todos se propõem, não póde deixar de ser considerada como discussão instructiva e extraordinariamente sympathica.

Nem por um momento passou por nosso espirito a idéa, nem sequer a mais remota desconfiança de que o governo tenha deixado de prestar a assumpto de tanto momento e gravidade a mais decidida e séria attenção. Contamos mesmo que o governo apresentará ao parlamento alguma medida tendente a remediar as circumstancias gravissimas com que luta a maior parte da população de Lisboa, na impossibilidade de recorrer para a sua conveniente alimentação a um genero que é dos mais necessarios. Esta consideração todavia não póde dispensar os que têem a honra de subscrever este projecto de lei de meditar attenta e solicitamente uma questão que, por interessar ao primeiro municipio do paiz, lhes devia merecer, pela posição especial que cada um dos signatarios occupa, particular desvelo, mostrando d'este modo que, se pela intelligencia não estão á altura dos cargos, a ninguem cedem na sinceridade dos bons desejos.

Quando outro merecimento não tenha este modesto trabalho, servirá ao menos de thema a uma discussão parlamentar, da qual por certo resultarão incontestaveis vantagens.

O preço de 300 réis por kilogramma por que actualmente se está vendendo a carne nos talhos da capital é de tal modo excessivo, que uma parte — a mais importante pelo numero — dos habitantes de Lisboa não póde emprega-la na sua alimentação diaria, e d'aqui os inconvenientes que todos conhecem. Urge pois empregar todos os meios tendentes a promover a barateza de um genero por todos considerado como indispensavel para a boa alimentação do homem. Pesa actualmente sobre a carne de gado vaccum, que entra para o consumo de Lisboa, o direito excessivo de 60 réis por kilogramma.

Occorre para logo que o mais efficaz remedio para o mal que se está sentindo seria a diminuição do direito, ou pelo menos harmonisa-lo com o imposto pago no resto do paiz. Muitas rasões, e todas ellas valiosas, pesavam no nosso espirito para aceitar o segundo alvitre. Era um serviço importante feito a uma grande povoação, que paga annualmente para as despezas geraes do paiz algumas centenas de contos, que produzem impostos puramente locaes e a que todos os outros municipios do paiz, com a unica excepção de Lisboa, dão a applicação que têem por mais conveniente aos seus interesses particulares. Pelo contrario Lisboa vive debaixo de uma tutela vergonhosa, dependente da generosidade ou melhor da avareza do poder central, ouvindo de todos os lados queixas e reclamações justificadissimas, e condemnada á vida modesta e obscura, que se não conforma com a sua posição da primeira cidade de Portugal, situada na margem de um dos mais formosos rios da Europa, e formando um porto que, pela sua posição e por outras circumstancias naturaes, poderia ser um dos primeiros, senão o primeiro, do velho mundo. E os cidadãos, a quem a cidade incumbe de gerir a sua fazenda, pedem, imploram, supplicam diariamente que, ao menos uma parte mais avultada dos seus rendimentos, lhe seja entregue, não para obras de embellesamento, ainda assim não inuteis, antes necessarios e indispensaveis em grandes cen-

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tros de população, mas para acudir ás obras que protejam a saude e vida dos habitantes de Lisboa, compromettidas por um modo que assombra ao passarmos pelos olhos as estatisticas dos hospitaes e cemiterios.

Estas rapidas considerações, como deixâmos dito, aconselhavam-nos a propor a abolição do imposto municipal das carnes consumidas na capital. Outra ordem de considerações porém, nos demoveram, bem a nosso pezar, d'este proposito. A situação da fazenda publica, desde muito arriscada pelo desequilibrio entre a receita e a despeza, reclama urgentemente que se prosiga no caminho encetado de melhorar as condições do thesouro.

Propor pois n'esta conjunctura a abolição de uma fonte de receita que produziu no ultimo anno economico de 1869-1870 a elevada somma de 420:148$467 réis, seria á primeira vista popular e sympathico em Lisboa, mas era de certo contrario aos interesses geraes da nação, e a capital tem mostrado sempre que acima dos seus interesses e commodidades estão as conveniencias do paiz.

Deixar porém de propor uma reducção no direito actual, reducção que não fosse tão acanhada que mal podesse aproveitar ao consumidor, pareceu-nos tambem menos conveniente e menos justo. Não podia a reducção ser inferior a 20 réis por kilogramma, e devia ella ser acompanhada de disposições que facilitassem por algum modo o desenvolvimento do consumo. Pensámos dever alterar a maneira por que se faz a cobrança do direito que hoje pesa sobre a carne limpa, propondo o direito sobre o peso vivo do animal. Desde muito que se ventila a conveniencia e vantagem que para o consumidor e para o creador resultariam da adopção de systema que propomos, e basta citar, para cabal esclarecimento do assumpto, um documento importantissimo, qual o relatorio de 23 de março de 1865 do conselho do commercio, agricultura e manufacturas. Em vez de resumidamente expormos as rasões que nos levaram a propor este alvitre, julgâmos de grandissima vantagem recordar mais uma vez as palavras d'aquelle valioso documento, as quaes aqui transcrevemos.

Diz o citado relatorio:

«Por certo se o direito municipal causa todos os inconvenientes que sempre acompanham os impostos elevados, mormente sobre generos alimentares da primeira necessidade, a fórma por que elle se recebe aggrava muito mais esses inconvenientes.

«Não faz conta aos marchantes deceparem rezes que passem da meia engorda, porque a rez n'este estado produz no talho, em media geral, 7 kilogrammas de cebo, de que elles marchantes pagam o direito como se fosse carne, vendendo-o por menos da metade d'esta. Ora se a rez vier completamente gorda, dará o duplo de cebo, e a perda do marchante augmenta na proporção de 7:14. Todavia como o marchante não exerce a sua industria para perder, está claro que exclue do talho as rezes gordas.

«A primeira consequencia d'este facto reverte contra o consumidor, que é compellido a prover-se da carne magra por alto preço; cumprindo observar que a carne não é má, por ser magra, mas sim por ser de rezes velhas e estafadas, que já não podem engordar.

«A segunda consequencia actua contra os progressos da industria bovina pelas seguintes considerações:

1.ª Porque obsta a que se complete a engorda. D'aqui resultam males gravissimos. Os ultimos periodos da engorda correm mais rapidamente do que os primeiros. N'esses ultimos periodos é que a rez toma mais e melhor carne. Sacrificando-se a rez antes de haver chegado ao melhor estado de carnes, priva-se o engordador dos principaes lucros, e os mercados de uma grande quantidade de carne. Em Lisboa consomem-se, em media annual, 20:000 cabeças de gado grosso. Se ellas fossem talhadas no estado de completa engorda, deveriam produzir, pelo menos, mais 60 kilogrammas de carne limpa, e no todo 1.200:000 kilogrammas, que é um quarto do consumo annual da capital.

2.ª Porque se oppõe ao apuramento das raças. É sabido que as raças não são dotadas da mesma aptidão, umas produzem mais e melhor carne que as outras em menos tempo. O mercado como está não estabelece distincção entre a rez de boa ou má raça, e sem este estimulo nem o productor, nem o creador, e menos ainda o cevador, cuida da selecção e aperfeiçoamento das raças. Ha rezes que pelas boas condições da raça produzem mais 50 a 100 kilogrammas de carne limpa. Portanto se as 20:000 rezes que se decepam na capital, pela qualidade da sua raça produzissem mais 60 kilogrammas de carne limpa, esta quantidade junta á que as rezes perdem pelo defeito da engorda, abasteceria a capital metade do anno.

Fica portanto bem manifesta a malefica influencia da fórma por que se percebe o direito municipal, podendo de um facto, que á primeira vista parece indifferente, derivar-se uma das principaes causas da carestia das carnes verdes.»

E mais adiante:

«Entende, portanto, o conselho que o direito deve recaír sobre o peso vivo do animal, e não sobre a carne limpa».

São tão convincentes as rasões que ficam transcriptas, que de outras entendemos não carecer a alteração proposta para ser geralmente admittida.

A reducção do direito que propomos deve produzir, calculando o consumo dos ultimos annos, que é quasi constantemente o mesmo, uma diminuição de rendimento de réis 100:000$000, quantia ainda assim avultada nas circumstancias em que nos achámos, mas que amplamente é compensada pelo valioso auxilio que representa para o melhor alimento de tão consideravel numero de pessoas. Entendemos, porém, do nosso dever apresentar ao lado d'esta reducção no rendimento disposições que approximadamente compensassem tal desfalque, uma vez que isto se podesse conseguir sem prejudicar industrias que cumpre auxiliar, porque ao seu desenvolvimento e progresso se acha intimamente ligada a prosperidade publica. Procedendo assim, quizemos mostrar clara e evidentemente quanto nos empenhâmos, com animo sincero, em augmentar por modo rasoavel os redditos do thesouro, habilitando este a satisfazer os encargos que sobre elle pesam.

Figuram hoje por modo notavel no quadro da nossa exportação tres artigos, que representam outras tantas industrias em circumstancias sensivelmente prosperas; são elles: o gado vaccum, os minerios e a cortiça. Pedir a cada um d'estes artigos um ligeiro augmento no direito de exportação, augmento que não embarace o commercio e desenvolvimento das respectivas industrias, pareceu-nos que seria, nas actuaes circumstancias, facto completamente justificado.

Referindo-nos aos quadros estatisticos de 1865, 1866, 1867 e 1868, ultimos que se acham publicados, encontrâmos que a exportação em relação a cada um dos artigos indicados foi a seguinte:

Gado vaccum

[Ver diario original]

Minerios

[Ver diario original]

Cortiça, em obra e em bruto

[Ver diario original]

Não é nova a idéa de pedir á exportação do gado um augmento de receita, e contra ella se pronuncia o notavel relatorio a que já nos referimos, o qual diz a tal respeito o seguinte:

«O conselho pronuncia-se decisivamente contra a prohi-

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bicão da exportação do gado bovino para paizes estrangeiros, e mesmo contra a imposição de quaesquer direitos de saída alem dos que actualmente se pagam.»

E mais adiante acrescenta:

«Aquella importante industria (a engorda do gado), posto que se ache já estabelecida em parte das provincias do norte, ainda não tem força para resistir ao abalo que lhe causaria qualquer medida adversa e perturbadora do seu movimento.»

Isto era dito por cavalheiros, cuja competencia é geralmente reconhecida e acatada, no começo do anno de 1865.

O que esta industria caminhou e progrediu desde então demonstra-se eloquentemente nos algarismos mencionados. Em tres annos a exportação duplicou, e guiando nos por informações de pessoa, cuja posição official dá toda a auctoridade ás suas palavras, o progresso da exportação cinco annos depois, isto é, em 1870, mostra-nos um augmento de 273 por cento!!

Foi, ha quasi dois annos, apresentada ao parlamento uma proposta de lei, augmentando o direito de exportação para o gado vaccum. Levantou tal proposta grandes resistencias, que se justificavam pela exageração do direito proposto. O gado vaccum passaria a pagar proximamente 6 por cento. Significava um augmento de 5 por cento ad valorem. Não era possivel. Seria comprometter um dos ramos da nossa industria agricola, que nos ultimos tempos tem mostrado maior progresso e desenvolvimento. Pedir lhe porém um augmento modesto, que, sem a prejudicar, possa auxiliar o estado da fazenda publica, suppomos ser medida rasoavel e de difficil impugnação. São passados cinco annos, depois que homens competentes não consideravam a industria da engorda do gado bastante forte para resistir ao abalo que lhe causaria qualquer medida adversa e perturbadora do seu movimento. A medida que propomos, e que tende a pedir o direito de exportação de 1$500 réis por cabeça de gado vaccum, direito que significa apenas um augmento de pouco mais de 1,6 por cento nem é de natureza a comprometter uma industria que mostra tantas condições de progresso, nem a vem encontrar na situação era que ella se achava em 1864, antes nos apparece ella perfeitamente desenvolvida, e bastante robusta. Nos quatro annos, de 1865 a 1868, os direitos de exportação produziram 10:683$525 réis, ou, termo medio, 2:670$881 réis. Calculando a exportação no anno corrente e seguintes em 24:000 cabeças, calculo que não é exagerado, porque a exportação em 1870, por informações que temos, e a que prestámos inteiro credito, e podemos dar por officiaes, se elevou a 25:248 cabeças, no valor de 1.744:793$000 réis, unicamente pelas barras do Porto e Lisboa, o direito proposto deve produzir 36:000$000 réis, ou um augmento de, approximadamente, 30:000$000 réis, em relação ao anno de 1870.

A industria mineira, que tem tido nos ultimos annos consideravel desenvolvimento em Portugal, não mostra, todavia, ao considerarmos as estatisticas dos ultimos quatro annos publicadas, o progresso constante que era para desejar. Attribuimos este facto á falta de capital, proveniente de causas variadas que se deram nos referidos annos, que todos conhecem, e das quaes as principaes foram a guerra do Paraguay, que impediu a vinda de valiosas sommas do Brazil, e a situação financeira do nosso paiz, que determinava a existencia de uma divida fluctuante em termos sobremodo prejudiciaes ao commercio e industria, que não encontravam capitaes na quantidade que precisavam e em condições regulares. Isto, porém, não impede que consideremos esta industria em circumstancias de poder concorrer para os encargos publicos com um imposto de exportação de 1 por cento ad valorem, o qual produzirá, pela media dos quatro annos de 1865 a 1868, 11:300$000 réis, o que importa um augmento de 11:000$000 réis, por isso que os direitos de exportação cobrados nos annos referidos subiram apenas a 246$850 réis!

A cortiça tem tido um progresso constante, e é dos generos da nossa exportação o que poderá com um direito mais elevado. Tem hoje a grandissima vantagem do transporte facil e barato para os portos de embarque, e justo nos parece que compense de algum modo tal vantagem. Pedindo a este artigo um direito de 5 por cento ad valorem julgamos não prejudicar um ramo tão valioso do nosso commercio, e que por modo tão brilhante figura no quadro da nossa exportação. Tal direito deve produzir pouco mais ou menos 30:000$000 réis, ou um augmento de 27:000$000 réis.

Recopilando temos que os novos direitos propostos devem produzir:

O gado vaccum......................... 30:000$000

Os minerios........................... 11:000$000

A cortiça............................. 27:000$000

Total........... 68:000$000

Suppomos, porém, que esta importancia se deve elevar muito acima do que calculámos, não só pelo progresso natural das tres industrias, mas porque contámos que, empregando-se todo o cuidado, como nos ultimos mezes, os valores exportados corresponderão ao valor real dos artigos, augmentando assim as verbas dos direitos ad valorem.

Temos pois, para compensar a diminuição produzida pela reducção no direito da carne, um augmento de imposto de 68:000$000 réis. Devemos levar porém em conta que a diminuição do preço das carnes verdes importa um augmento no consumo, augmento importante que deve produzir um augmento consideravel nos direitos. Os factos attestam entre nós a verdade d'esta asserção, e julgâmos conveniente expor aqui o progresso que se deu no consumo durante o anno economico de 1868-1869, á medida que os preços declinavam. O quadro que em seguida transcrevemos é extrahido da estatistica da alfandega municipal de Lisboa do referido anno:

[Ver diario original]

Á vista d'estes dados é licito esperar que o consumo apresente um augmento valioso, e por consequencia diminua muito, ou preencha a differença na receita.

Outra rasão deve determinar o desenvolvimento do consumo, e é ella a melhor qualidade do genero, o que ninguem ousará contestar que se consegue pela nova maneira de cobrar o direito. Outro meio póde desenvolver o consumo das carnes verdes, e contribuir para que o preço variasse segundo a qualidade da carne, o que daria em resultado a declinação dos preços para as classes menos abastadas. Era o da venda pelas ruas. A municipalidade cumpre empregar os convenientes esforços n'este sentido, porque de tal facto podem derivar consequencias mui salutares.

Por todas as considerações, que largamente deixamos expostas, temos a honra de apresentar á vossa illustrada apreciação o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.° O direito de 60 réis em kilogramma a que está sujeita a carne limpa de gado vaccum, abatido no matadouro publico de Lisboa, é substituido pelo direito de 20 réis por kilogramma do peso vivo das rezes.

Art. 2.° O gado vaccum, a cortiça em bruto ou em obra, e os minerios exportados do continente do reino ficam sujeitos aos direitos de exportação mareados na tabella que faz parte d'esta lei.

Art. 3.° Fica revogada a legislação em contrario.

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Sala das sessões, 11 de março de 1871. = José Maria Latino Coelho = Augusto Saraiva de Carvalho = Manuel Thomás Lisboa = José Elias Garcia = Antonio Augusto Pereira de Miranda.

Tabella a que se refere o artigo 2.º

Gado vaccum, por cabeça............................. 1$500 réis.

Cortiça em bruto ou em obra, ad valorem............. 5 por cento.

Minerios, ad valorem................................ 1 por cento.

Foi admittido e enviado á commissão respectiva.

Projecto de lei

Senhores. — A reforma da instrucção primaria é de tão instante e reconhecida necessidade, que o deputado infra inscripto faria injuria á vossa illustração tentando de novo demonstrar o que não póde admittir duvida. Se a insufficiencia do numero de escolas, as más condições d'estas e a falta de professores habilitados por causa da sua mesquinha remuneração, não fossem factos tão notorios quanto de perniciosos effeitos contra o desenvolvimento moral, intellectual e economico do paiz, a leitura do eloquente e instructivo relatorio que precede o decreto de 16 de agosto de 1870, bastaria para mostrar em toda a sua triste luz os males da instrucção popular.

Desobrigado, portanto, de justificar a urgencia e a impreterivel necessidade de uma reforma, que possa abrir largos horisontes á instrucção primaria, o abaixo assignado póde limitar-se a compendiar em breves palavras as rasões principaes que motivaram as disposições do seu projecto de lei.

Em obediencia aos principios da descentralisação que são fundamentaes em toda a escola liberal moderna, a administração do ensino primario é entregue á gerencia local. Principalmente á parochia era ella confiada pelo decreto de 16 de agosto de 1870, porém n'este paiz a associação parochial não tem raizes no passado, nem forças e meios no presente. É de todo defeituosa a circumscripção das freguezias, que abraça umas vezes menos de 50 fogos, outras mais de 2:000 e 3:000; algumas parochias não têem a sua superficie continua; n'outras nem sequer existe o pessoal sufficiente para constituir junta de parochia. Alem d'estas circumstancias poderosas, na freguezia nem por lei nem por costume ha em regra vida administrativa propria. Obrigar cada freguezia a ter pelo menos duas escolas seria exceder em muito os pobrissimos meios de que ellas podem dispor; pretender a confederação voluntaria de freguezias proximas para a administração escolar seria querer conciliar pela lei o que está separado pelos costumes, por antipathias e por interesses; seria sacrificar o ensino popular ás rivalidades locaes fomentadas pela ignorancia; seria impossibilitar a sua direcção, que não deve ficar composta de elementos discordes.

A despeito de leis contrarias á indole do paiz e aos seus costumes, só nos concelhos ainda ha elementos aproveitaveis de acção local. O instituto municipal está tão arraigado pela tradicção no animo do povo, que as contrariedades legaes não poderam destrui-lo. No municipio vivem os germens da regeneração nacional; robustece-lo, restituir-lhe a liberdade, proporcionar-lhe rendimentos e conceder-lhe as attribuições proprias é preparar o terreno para o adiantamento do reino no progresso e na civilisação. A parochia apenas vegeta pela necessidade religiosa; o districto é mera creação da lei; só o concelho tem os caracteres de agrupamento natural e vivaz. A legislação deve favorecer esta tendencia nacional, que pede unicamente o ar e a luz da liberdade, em vez de empenhar esforços inuteis para implantar a vestry ingleza, que não sofre aclimação no solo portuguez.

A administração das escolas primarias é por isso confiada ao concelho. Mas, se o estado tem errado contra os principios e contra os seus interesses invadindo as naturaes attribuições concelhias, mostraria hoje indesculpavel imprudencia se deixasse completamente ao arbitrio municipal a sorte da instrucção publica. Não se curam n'um só dia males de muitos annos; da centralisação absoluta não se passa sem prejuizo publico para a descentralisação radical. Da necessidade de transições vem os diversos artigos do projecto que impõe limites á liberdade municipal, e os que organisam uma inspecção governamental séria e vigorosa. O municipio nomeia os seus professores, mas não póde escolhe-los fóra de certas cathegorias; cria e estabelece escolas onde julga mais conveniente, mas não póde descer de certo minimo aconselhado pelas necessidades do ensino e pelas circumstancias economicas do reino. O governo não administra a instrucção primaria, mas por meio de agentes tão bem retribuidos quanto o permittem as nossas condições financeiras, vigia incessantemente se a lei é cumprida, promove o adiantamento da instrucção e impõe o devido castigo aos que esquecerem o seu dever de zelosos administradores do um dos mais caros interesses sociaes. Quando o gosto pela instrucção estiver generalizado e a iniciativa local se restabelecer do seu abatimento presente, será facil supprimir todas as peias e acabar a fiscalisação do estado substituida pela dos cidadãos.

Mantem-se o ensino obrigatorio que já existe na legislação patria, mais por necessidade de transacção e transição que por crença no seu valor. Mantendo-o era forçoso torna-lo efficaz, e para isso são combinados todos os interesses e todas as responsabilidades. Igualmente fica definida a epocha em que a obrigação começa, que é a idade dos sete annos, e o modo como finda pelo exame tornado obrigatorio.

A condição dos professores é consideravelmente melhorada, como exigia o interesse elo ensino. A remuneração, tornando-se proporcional ao zêlo do professor e á sua intelligencia, póde chegar a mais que dupla do que actualmente é. O accesso das escolas elementares para as complementares e para os cargos de sub-inspector e inspector incita os professores a adquirirem instrucção e a rivalisarem em dedicação pelo ensino.

Por espirito de economia necessaria e pelo conhecimento das vantagens do ensino do homem pela mulher estabelece-se que em regra as escolas elementares sejam mixtas o regidas por professoras. As creanças de um e outro sexo que se encontram na igreja, na officina e nos trabalhos ruraes, podem sem nenhum inconveniente reunir-se na escola. Assim podemos sem augmento ele despeza vulgarisar tanto o ensino para o sexo masculino como para o feminino, cujo influxo benefico na sociedade é por tal fórma augmentado e melhorado.

Financeiramente o actual projecto não póde encontrar objecções. Diminuo os encargos do thesouro em mais de 200.000$000 réis, e proporciona aos concelhos os meios necessarios para occorrerem ás despezas da instrucção primaria largamente diffundida. O imposto do real d'agua, fiscalisado pelo proprio interesse das camaras municipaes e dos contribuintes, deve dar abundantes recursos.

Por estas considerações e outras que a illustração da camara dispensa, parece ao abaixo assignado que é digno da consideração parlamentar o seguinte projecto de lei:

CAPITULO I

Assumptos da instrucção primaria

Artigo 1.º As escolas publicas de instrucção primaria são mantidas e administradas pelas camaras municipaes dos concelhos onde estejam situadas.

Art. 2.° O ensino primario ministrado n'estas escolas divide-se em dois graus: 1.º grau ou elementar; 2.º grau ou complementar.

Art. 3.º O ensino do 1.º grau ou elementar para o sexo masculino comprehende: leitura, escripta, noções elementares de grammatica portuguesa, as quatro operações arithmeticas sobre inteiros, decimaes e quebrados, noções elementares do systema metrico decimal, doutrina christã e moral, principios de desenho á vista.

Art. 4.° O ensino primario elementar para o sexo feminino comprehende as materias do artigo antecedente, e cozer, fiar, fazer meia e crochet, marcar, e talhar roupa branca.

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Art. 5.° O ensino primario do 2.º grau ou complementar para o sexo masculino comprehende: grammatica e exercicios da lingua portugueza; leitura a recitação de prosa o verso; calligraphia; arithmetica e geometria elementar; elementos de chronologia, geographia e historia portugueza; desenho linear; moral, religião e historia sagrada; elementos de chimica, physica e historia natural dos tres reinos; elementos de agricultura e economia politica, segundo as diversas condições de cada localidade; gymnastica e canto coral.

Art. 6.° O ensino complementar para o sexo feminino comprehende: grammatica e exercicios da lingua patria; leitura e recitação de prosa e verso; calligraphia; desenho linear e de ornato; moral, religião e historia sagrada; noções elementares de historia natural; noções elementares de hygiene; talhar, bordar, fazer renda e outros lavores proprios do sexo; gymnastica e canto coral.

CAPITULO II

Da natureza e numero das escolas e da circumscripção escolar

Art. 7.º As escolas primarias para um o outro sexo são de dois graus correspondentes á natureza do ensino; a saber: do 1.º grau ou elementares, do 2.° grau ou complementares.

Art. 8.° Para o effeito da sustentação e administração das escolas primarias, cada concelho constitue um circulo escolar. Em cada um d'estes circulos deve haver pelo menos duas escolas complementares, uma para o sexo masculino, outra para o feminino, estabelecidas na cabeça do concelho ou na localidade mais conveniente. Deve tambem haver uma escola mixta elementar para cada 250 fogos.

§ 1.° No calculo do numero das escolas elementares que pelo menos deve ter cada concelho, desprezam-se os restos inferiores a 150 fogos. Do numero total dos fogos do concelho deduzem-se os da freguezia onde estejam estabelecidas as escolas complementares, quando sejam menos de 500, ou deduzem-se 500 quando sejam mais.

§ 2.° Nas freguesias onde haja escolas complementares não é obrigatorio o estabelecimento de escolas elementares, se a população d'essas freguezias não exceder 500 fogos.

Art. 9.º As escolas mixtas elementares devem ser regidas por professoras, ou na sua falta por professores quanto possivel casados. No segundo caso os professores devem incumbir a alguma pessoa da sua familia o ensino dos lavores proprios do sexo feminino.

§ unico. Nas escolas elementares que contem mais de sessenta alumnos, deve haver ajudantes do sexo masculino ou do feminino por tal fórma que não haja em regra mais de sessenta alumnos para cada professor ou ajudante.

Art. 10.° As escolas complementares do sexo masculino são regidas por professores e as do sexo feminino por professoras.

§ unico. Em cada uma d'ellas ha o numero de ajudantes preciso para que fique cumprido o preceito do § unico do artigo 9.°

Art. 11.° Em cada escola complementar ha uma classe ou escola annexa elementar, que póde ser mixta ou para sexo separado.

§ unico. Esta classe ou escola annexa é regida pelo professor ou professora da escola complementar ou por ajudantes, de modo que em relação ao numero total de alumnos seja observado o preceito do § unico do artigo 9.°

Art. 12.° O governo, ouvidas as camaras municipaes, fixa a séde e a circumscripção das escolas do 1.° e 2.° graus. A séde e a circumscripção assim definidas só podem ser alteradas pelas camaras municipaes com previa approvação do conselho inspector do districto.

§ unico. Quando uma freguezia, em virtude da sua população, deva ter uma ou mais escolas, essa freguezia fórma uma só circumscripção escolar, qualquer que seja o numero das escolas complementares ou elementares. O mesmo preceito se applica ás povoações que contenham mais de uma escola, embora contem mais de uma freguezia.

Art. 13.° As camaras podem por deliberação sua estabelecer mais escolas que as resultantes das prescripções do artigo 8.º o seus §§, bem como podem elevar a» escolas elementares a complementares ou estabelecer escolas separadas para cada um dos sexos. As escolas assim creadas ou augmentadas só podem ser supprimidas ou reduzidas, quando a sua frequencia media annual não chegue a trinta alumnos.

§ unico. É obrigatoria para as camaras a creação ou melhoria das escolas, quando lhes sejam feitos donativos ou legados haveres que segurem a sustentação d'essas escolas.

Art. 14.° Nas terras onde, por virtude da densidade da população, haja mais de uma escola complementar ou elementar, as camaras podem reunir duas ou mais escolas em uma só, comtanto que seja observado o preceito do § unico do artigo 9.° Podem igualmente destinar parte das escolas elementares para o sexo masculino e parte para o sexo feminino.

Art. 15.º As escolas primarias elementares são gratuitas I conforme dispõe a carta constitucional da monarchia.

§ 1.° Nas escolas complementares o ensino é gratuito unicamente para os alumnos cujos paes ou tutores provarem verdadeira pobreza. Os outros pagam uma retribuição escolar fixada pela camara municipal. Reputam-se em estado de verdadeira pobreza os paes, parentes ou tutores, que paguem menos de 1$000 réis de contribuições geraes, municipaes ou parochiaes.

§ 2.° Nas escolas elementares annexas ás complementares, ou na classe elementar d'estas, o ensino é gratuito.

Art. 16.º As camaras municipaes são dispensadas de estabelecer escolas publicas nas circumscripções onde as haja particulares, que se prestem a ensinar gratuitamente as creanças pobres.

§ unico. As camaras podem subsidiar as escolas particulares que se prestem a receber alumnos pobres, com tanto que os professores ou professoras tenham as habilitações legaes para as escolas publicas.

Art. 17.º As camaras podem estabelecer cursos elementares temporarios nas povoações ruraes onde não esteja estabelecida alguma escola permanente.

§ unico. Estes cursos não duram menos de seis mezes ininterruptos.

Art. 18.° As camaras devem promover cursos nocturnos e dominicaes para adultos, sendo obrigadas a estabelece-los nas localidades onde os requeiram alumnos ou quaesquer outros individuos, que se obriguem a concorrer com as despezas necessarias.

§ 1.° Os professores das escolas primarias do 1.º e 2.º graus são nomeados com a obrigação de reger estes cursos quando lhes seja ordenado, em localidades que não distem mais de 2k,5 da séde das suas escolas e mediante uma gratificação pelo menos igual ao dobro da que marca o § 2.° do artigo 55.°

§ 2.° Na falta de professores para reger esses cursos, podem as camaras nomear para tal effeito quaesquer individuos habilitados, mediante a gratificação que ajustarem.

Art. 19.° As corporações administrativas parochiaes podem tomar a seu cargo as escolas comprehendidas na sua circumscripção, pertencendo-lhes n'esse caso todas as attribuições das camaras e ficando as parochias em que esta circumstancia se der, isentas da derrama escolar lançada pelas camaras, nos termos do artigo 25.° Igualmente podem duas ou mais corporações administrativas parochiaes confederar-se para o effeito de sustentarem e administrarem as escolas de uma ou mais circumscripções.

§ 1.º As camaras são obrigadas a conceder ás corporações parochiaes, que procedam nos termos d'este artigo, um subsidio igual ao que dariam a essas mesmas escolas, quando as sustentassem e administrassem directamente.

§ 2.° As escolas parochiaes são applicaveis todas as disposições d'esta lei para as escolas municipaes.

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CAPITULO III

Da constituição e dotação das escolas

Art. 20.º A instrucção primaria elementar e complementar constitue encargo obrigatorio dos concelhos.

§ unico. O encargo obrigatorio para as escolas de ambos os graus, comprehende não só os vencimentos dos professores, professoras e seus ajudantes, mas tambem a despeza de casas proprias para as escolas e para habitação dos professores, professoras e seus ajudantes, mobilia, utensilios e mais objectos para o serviço escolar; livros, papel, tinta e outros objectos para alumnos que provem extrema pobreza; despeza de bibliothecas escolares, comprehendendo peio menos os livros relativos ás disciplinas professadas nas escolas.

Art. 21.° Cada circumscripção escolar contribue para as despezas da sua escola ou escolas com os seguintes rendimentos:

1.° Producto da venda, aforamento, arrendamento ou cultura dos baldios da parochia ou parochias que constituem a circumscripção escolar;

2.º Producto do imposto especial creado por esta lei sobre as irmandades, confrarias, estabelecimentos de piedade e beneficencia situados na circumscripção;

3.° Sobras dos rendimentos das irmandades e confrarias, e rendimentos das irmandades e confrarias legalmente extinctas na circumscripção;

4.° Doações, subsidios ou legados de corporações ou individuos.

Art. 22.° As camaras municipaes contribuem para a sustentação das escolas do seu concelho com subsidios proporcionaes á população de cada circumscripção, e provenientes:

1.° Do producto da venda, aforamento, arrendamento ou cultura dos baldios municipaes;

2.° Do producto do imposto denominado real d'agua para este effeito cedido ás mesmas camaras.

Art. 23.° A venda ou aforamento dos baldios municipaes e parochiaes é feita segundo as disposições da lei de 28 de agosto de 1869 e mais legislação vigente, podendo tanto para o caso de venda como para o de aforamento ser divididos em parcellas.

Art. 24.° As irmandades e confrarias existentes em qualquer circumscripção escolar são obrigadas a contribuir para as despezas escolares com o subsidio de 3 por cento do seu rendimento illiquido. Todos os outros estabelecimentos de piedade e beneficencia, que pertençam a corporações de mão morta, devem contribuir com o subsidio obrigatorio de 1 1/2 por cento do seu rendimento illiquido.

§ unico. O subsidio obrigatorio de que trata este artigo é cobrado pelas camaras municipaes, segundo as disposições legaes em vigor para a cobrança das contribuições directas dos concelhos.

Art. 25.º Quando os rendimentos proprios da escola ou escolas de cada circumscripção e os subsidios estabelecidos no artigo 22.° não bastem para as despezas d'essa escola ou escolas, ficam as camaras municipaes auctorisadas a lançar a cada circumscripção um imposto especial igual ao deficit.

§ 1.° Contra o lançamento d'este imposto ha para cada circumscripção os recursos estabelecidos nas leis em vigor sobre contribuições directas municipaes.

§ 2.° O imposto é pago pelos habitantes da circumscripção sujeitos a alguma das contribuições predial, industrial e pessoal, e derramado entre elles pela junta ou juntas de parochia da circumscripção. Para este effeito reunem-se as juntas das freguezias comprehendidas na mesma circumscripção.

§ 3.º O imposto é cobrado pelas camaras municipaes, segundo as regras em vigor para a cobrança das contribuições municipaes directas e escripturado em separado para cada circumscripção.

§ 4.° Da derrama feita entre os habitantes da circumscripção pela junta ou juntas de parochia ha recurso sem effeito suspensivo para as camaras municipaes.

Art. 26.° As escolas elementares e complementares devem quanto possivel ser estabelecidas em edificios publicos especiaes. As condições geraes a que estes edificios devem satisfazer são determinadas em regulamentos especiaes.

§ unico. É o governo auctorisado a conceder para este effeito os edificios publicos de que possa dispor.

Art. 27.° As camaras municipaes podem levantar emprestimos especiaes para a construcção de casas de escolas e acquisição de mobilia.

§ unico. Vigora para estes emprestimos a legislação mais simples que exista para outros emprestimos municipaes.

CAPITULO IV

Dos exames

Art. 28.° Uma vez cada anno ha nas cabeças dos concelhos exames publicos de instrucção primaria complementar e elementar. As camaras designam as epochas d'estes exames.

Art. 29.° Os jurys d'estes exames são compostos de um inspector ou sub-inspector, do professor e professora das escolas complementares da cabeça do concelho ou da povoação mais proxima, da auctoridade administrativa do concelho, de um vereador escolhido pela camara municipal, de um professor ou professora elementar escolhido pela mesma camara.

Art. 30.° O methodo e o programma d'estes exames, tanto para a instrucção elementar como para a complementar, são determinados em regulamentos especiaes.

Art. 31.° Os resultados dos exames são consignados em livros especiaes, que devem ser conservados no archivo do concelho.

§ unico. D'esses resultados mandam as camaras passar gratuitamente as certidões que lhes forem requeridas. Para a matricula nas escolas primarias complementares é obrigatoria a apresentação de certidão de approvação em exame de instrucção primaria elementar perante o jury de qualquer concelho.

Art. 32.° Aos exames de instrucção primaria elementar ou complementar são admittidos, não só os alumnos das escolas publicas, mas tambem quaesquer outros que o peçam.

CAPITULO V

Do ensino obrigatorio e das matriculas

Art. 33.º A instrucção primaria elementar é obrigatoria para todos os portuguezes de um e outro sexo desde a idade dos sete annos.

Art. 34.° Os paes, tutores ou outras pessoas, por qualquer titulo encarregadas da manutenção ou educação das creanças, são obrigadas a mandar seus filhos ou pupillos ás escolas publicas desde a idade dos sete annos, e a conserva-los n'ellas até concluírem o ensino primario elementar.

Exceptuam-se:

1.° Os que mostrem que dão ás creanças a seu cargo o ensino na propria casa ou em quaesquer escolas particulares;

2.º Aquelles cuja residencia fique a mais de 2k,5 de distancia de alguma escola gratuita, publica ou particular, permanente ou temporaria;

3.° Aquelles cujos filhos ou pupillos forem, pelos jurys de que trata o artigo 29.º, declarados incapazes de receber o ensino,

Art. 35.° A obrigação começa na primeira epocha de matriculas posterior áquella em que as creanças completem sete annos; cessa logo que as creanças sejam approvadas nos exames de que tratam os artigos 28.° a 32.°, ou logo que se dê alguma das excepções do artigo antecedente.

Art. 36.° A obrigação do ensino comprehende: o dever de matricular as creanças em alguma escola publica quando não recebam ensino na propria casa ou em escola particular; o dever de obrigar as creanças a frequentar regularmente as escolas em que estejam matriculadas.

Art. 37.° As camaras municipaes designam em cada concelho as epochas e prasos das matriculas, podendo haver mais de uma epocha de matriculas em cada anno.

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Art. 38.° As matriculas são feitas pelo professor em livro especial. Não são admittidos á matricula nas escolas mixtas alumnos de mais de quatorze annos.

§ unico. Em cada epocha de matriculas devem os professores enviar á camara municipal do concelho o mappa dos alumnos matriculados.

Art. 39.º As auctoridades parochiaes de cada circumscripção têem um livro de recenseamento das creanças das suas freguezias, comprehendidas na obrigação do ensino. Das notas d'este livro devem todos os annos enviar copias ás camaras municipaes e ao professor ou professores da circumscripção escolar.

Art. 40.° Os paes, tutores ou outras pessoas encarregadas da educação das creanças, que não cumpram a obrigação de as matricular nos termos dos artigos 34.°, 35.º e 36.° ou não lhes dêem ensino particular, são admoestados pela auctoridade administrativa parochial, que alem d'isso os intima para cumprirem essa obrigação, declarando-lhes as penas em que incorrem quando desobedeçam. Esta intimação é gratuita e deve ser feita dentro de 15 dias a contar d'aquelle em que começa a obrigação.

Art. 41.° Os que até 15 dias depois de intimados não mandem matricular as creanças a seu cargo ou não provem que lhes dão ensino particular, pagam pela primeira vez como multa o imposto maximo estabelecido pela lei de 6 de junho de 1864, ou seja em dinheiro ou em trabalho na classe que lhe pertença. Nas reincidencias a multa é duplicada.

§ unico. Do pagamento d'estas multas são isentos só aquelles, a cujos filhos ou pupillos se possa applicar alguma das excepções do artigo 34.° ou que não tenham sido intimados nos termos do artigo 40.°

Art. 42.° A frequencia dos alumnos é provada pelas declarações do professor.

§ 1.° Incorrem em multas iguaes ás designadas no artigo anterior os paes, tutores ou outras pessoas que tenham a seu cargo alguma creança, sempre que em cada tres mezes o alumno tenha faltado á escola a terça parte dos dias d'aula, sem motivo justificado. A repetição da falta de frequencia em mais de um trimestre do anno escolar, reputa-se reincidencia para o effeito do pagamento da multa.

§ 2.º São motivos justificados da falta de frequencia unicamente: doença do alumno devidamente comprovada, interrupção das communicações ou qualquer outro caso de força maior.

Art. 43.° Os professores publicos ou subsidiados enviam todos os mezes ás auctoridades administrativas parochiaes da sua circumscripção e á camara municipal um mappa dos alumnos que frequentam a escola com designação dos paes ou outras pessoas a cujo cargo estejam. N'esses mappas, fielmente copiados do livro do ponto diario na escola, são lançadas as faltas de frequencia e as notas de aproveitamento.

Art. 44.º As multas creadas pelos artigos 41.° e 42.° são impostas pela auctoridade administrativa parochial, depois de reconhecido o facto por averiguação propria ou participação do professor ou de algum inspector de instrucção publica, e depois de ouvido o infractor.

§ unico. D'esta condemnação têem os infractores recurso, com effeito suspensivo, para a camara municipal, que o deve resolver no praso de 15 dias. Os recursos só podem ser attendidos quando se verifique alguma das circumstancias dos artigos 34.°, 41.° e 42.°

Art. 45.° A auctoridade administrativa parochial, que não fizer as admoestações e intimações prescriptas no artigo 40.°, fica sujeita ao pagamento das multas em que deveriam incorrer os paes, tutores ou outras pessoas não admoestadas e intimadas. A condemnação n'estas multas é imposta pela camara municipal do concelho.

Art. 46.° A auctoridade administrativa parochial, que não impozer as multas prescriptas nos artigos 41.º e 42.°, fica sujeita ao pagamento de multas duplicadas, d'aquellas que devia impor. A condemnação n'estas multas é imposta pela camara municipal respectiva, cujas deliberações a este respeito tem força de sentença com execução apparelhada.

Art. 47.° As camaras municipaes, que não cumprirem algumas das obrigações consignadas n'este capitulo, ficam sujeitas á multa de 50$000 réis pela primeira infracção e do duplo nas reincidencias, sendo a totalidade das multas paga em partes iguaes pelos vereadores que não tenham opportunamente protestado contra a infracção.

§ unico. A condemnação n'estas multas é imposta pelo juiz de direito da comarca, em processo summario, a requerimento de qualquer cidadão, dos conselhos districtaes de instrucção primaria ou dos inspectores e sub-inspectores.

Art. 48.° As multas pagas pelas auctoridades, professores ou cidadãos de cada circumscripção escolar são entregues á commissão escolar do concelho como subsidio para preencherem os fins da sua instituição. Estas multas são liquidadas e cobradas pelas camaras municipaes.

Art. 49.° As multas pagas pelas camaras municipaes são distribuidas pelas circumscripções escolares na proporção da sua população, e applicadas nos termos do artigo antecedente.

Art. 50.° As auctoridades administrativas parochiaes fazem annunciar nos logares publicos do estylo, em cada epocha de matriculas, todas as disposições d'este capitulo relativas ás obrigações impostas aos cidadãos e ás penalidades a que ficam sujeitos os que não as cumprirem. Igual publicação devem fazer os parochos.

Art. 51.º As camaras municipaes devem tomar as providencias necessarias para que a escolha das horas destinadas aos exercicios escolares nas escolas elementares e complementares embarace o menos possivel o emprego dos alumnos nos trabalhos das profissões a que se dediquem ou nos trabalhos ruraes.

§1.º Para este fim deve ser publicada em cada concelho uma tabella do horario das escolas accommodado ás condições locaes.

§ 2.° Os exercicios escolares não duram menos de cinco nem mais de sete horas por dia; póde a sua duração ser diversa nas diversas estações.

Art. 52.° As multas cobradas em trabalho nos termos da lei de 6 de junho de 1864, são pelas camaras municipaes pagas em dinheiro á commissão escolar do conselho.

CAPITULO VI

Do magisterio primario

Art. 53.° Os professores e professoras das escolas primarias elementares são nomeados em concurso documental pelas camaras municipaes com recurso para o conselho inspector do districto.

§ unico. Os candidatos devem apresentar certidão, que prove terem a maioridade legal; documentos que provem bom comportamento moral, civil e religioso; certidão de folha corrida; diploma de approvação nas escolas normaes; na falta d'este, diploma de habilitação para o exercicio do magisterio primario; e ainda na falta d'este, diploma de approvação em instrucção primaria complementar.

Art. 54.° Todos os annos ha perante os conselhos dos lyceus exames para a concessão de diplomas de habilitação para o exercicio do magisterio elementar ou complementar. As epochas, methodos e programmas d'estes exames são determinados pelo governo em regulamentos especiaes.

§ unico. A approvação em qualquer curso de instrucção secundaria ou superior é habilitação sufficiente para o exercicio do magisterio elementar e complementar.

Art. 55.º Os vencimentos dos professores primarios elementares são, alem de casa de habitação: um ordenado fixo, gratificação de frequencia, gratificação de exames.

§ 1.º O ordenado fixo minimo é de 80$000 réis nas povoações ruraes, de 100$000 réis nas cabeças dos concelhos e de 120$000 réis em Lisboa e Porto.

§ 2.° A gratificação de frequencia é de 50 réis mensaes

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por alumno que frequente regularmente a escola. Esta gratificação não póde para cada professor exceder 3$000 réis mensaes.

§ 3.° A gratificação de exames é de 1$000 réis por alumno de cada professor, que seja approvado nos exames de que tratam os artigos 28.°, 29.°, 30.° e 31.° Esta gratificação não póde exceder 60$000 réis por anno para cada professor.

Art. 56.° Os ajudantes e as ajudantes dos professores primarios elementares são nomeados pelas camaras municipaes em concurso documental d'entre os candidatos maiores de dezoito annos, que satisfaçam ás outras condições exigidas para a nomeação dos professores.

§ 1.° Estes ajudantes em igualdade de circumstancias são preferidos nas nomeações de professores elementares.

Art. 57.° Os vencimentos dos ajudantes dos professores elementares são, alem da casa de habitação: um ordenado fixo, gratificação de frequencia e gratificação de exames.

§ 1.º ordenado fixo minimo é de 50$000 réis nas povoações ruraes, de 70$000 réis nas cabeças dos concelhos, e de 90$000 réis em Lisboa e no Porto.

§ 2.° A gratificação de frequencia é a mesma arbitrada para os professores, mas abonada unicamente em relação ao numero de alumnos da escola excedentes a 60, e dividida igualmente entre todos os ajudantes da mesma escola.

§ 3.° A gratificação de exames é para cada ajudante metade da que for arbitrada ao professor.

Art. 58.° As camaras municipaes, sob proposta dos professores e com approvação do respectivo sub-inspector de instrucção primaria, podem, para as escolas que careçam de ajudantes, dispensar a nomeação d'estes, e arbitrar gratificações a alumnos mais adiantados que dirijam classes ou grupos de outros alumnos.

Art. 59.° Os ordenados fixos e as gratificações de frequencia são liquidados e pagos no mez seguinte áquelle em que forem vencidos. O seu calculo faz-se pelos mappas de que trata o artigo 43.°, podendo as camaras municipaes, mandar por agentes seus examinar se a frequencia real é na verdade a constante d'esses mappas.

Art. 60.° As gratificações de exames são liquidadas e pagas no mez immediato áquelle em que findem os exames annuaes em cada concelho.

§ unico. As camaras que nos prazos marcados deixem de pagar aos professores os seus vencimentos, incorrem em multa igual do duplo das quantias que deviam pagar-lhes. A estas multas são applicaveis as disposições todos dos artigos 47.°, 48.° e 49.°

Art. 61.° Os professores que sem motivo justificado deixem de dar aula em algum dos dias marcados no horário da sua escola, pagam de cada falta uma multa igual ao quociente do seu vencimento mensal pelo numero de dias de aula. A mesma disposição se applica aos ajudantes que faltem ao serviço escolar.

§ unico. Estas multas são impostas como as dos artigos 45.° e 46.°, e sujeitam á mesma responsabilidade as camaras municipaes que não as imponham.

Art. 62.° O professor que por motivo justificado esteja impedido mais de um e menos de dois mezes, de reger a sua cadeira, perde metade do vencimento total.

§ 1.° Se o impedimento se prolongar alem de dois mezes em cada anno, é dado ao professor um substituto nomeado na conformidade dos artigos 53.° e 56.°

§ 2.° Estes substitutos recebem, emquanto servem, metade dos vencimentos dos professores impedidos, e o tempo d'este serviço conta-se para a jubilação ou aposentação.

§ 3.º O substituto recebe por inteiro o vencimento do proprietario quando este legalmente deixe de receber ou quando a cadeira esteja vaga.

§ 4.º No provimento dos logares de substitutos são preferidos os ajudantes em exercicio.

Art. 63.° As camaras municipaes podem cada anno conceder aos professores licença com vencimento até um mez.

A licença de um a seis mezes faz perder o vencimento, e por mais de seis mezes só podem ser concedidas, com perda de vencimento, para o professor estudar n'alguma escola normal, lyceu ou escola de ensino especial ou superior. Umas e outras são concedidas pelas camaras municipaes.

§ unico. Estas disposições relativas a licenças applicam-se igualmente aos ajudantes dos professores.

Art. 64.° Os professores elementares, seus substitutos e ajudantes são sujeitos a responsabilidade e penas disciplinares:

1.º Por falta de zêlo e assiduidade no exercicio das suas funcções;

2.° Por abuso no exercicio d'essas funcções;

3.° Por actos offensivos da moral publica e bons costumes, assim como da ordem e da tranquillidade publica.

Art. 65.° As penas disciplinares são, alem das multas estabelecidas no artigo 61.°, as advertencias, a censura, a suspensão com perda total ou parcial dos vencimentos, a demissão.

§ 1.º As advertencias e censuras são feitas pelas camaras municipaes, ouvido o sub-inspector da circumscripção escolar.

§ 2.° A suspensão até um mez póde ser imposta pelas camaras municipaes, com voto conforme do sub-inspector da circumscripção.

§ 3.° A suspensão por mais de um mez e a demissão são tambem impostas ou dadas pelas camaras municipaes, precedendo parecer affirmativo do conselho inspector do districto.

§ 4.° A applicação da pena é graduada pela gravidade dos factos.

§ 5.° O abandono da escola, a falsidade em documentos e informações officiaes, a reincidencia em factos que tenham sido causa de suspensão, o escandalo dado á mocidade por doutrinas immoraes ou illegaes, ou por mau procedimento moral, civil ou religioso, são causa de demissão.

Art. 66.° Na falta de professores habilitados para as escolas elementares as camaras podem temporariamente encarregar a regencia das escolas aos parochos ou a outras pessoas habilitadas mediante a gratificação que estipularem.

§ unico. Na hypothese d'este artigo as camaras devem todos os annos abrir concurso para as cadeiras assim regidas.

Art. 67.º Os professores ou professoras das escolas primarias complementares são nomeados pelas camaras municipaes.

§ 1.° Os candidatos devem apresentar certidão que prove terem a maioridade legal, documentos de bom comportamento moral, civil e religioso, certidão de folha corrida, diploma de approvação na escola normal, e na falta d'este diploma de habilitação para o magisterio primario complementar, ou o curso de algum lyceu ou escola superior.

§ 2.° Em igualdade de circumstancias são preferidos os professores elementares, os adjudantes dos professores complementares e os ajudantes dos professores elementares.

Art. 68.° Os vencimentos dos professores primarios complementares são, alem da casa de habitação: um ordenado fixo, gratificação de frequencia, gratificação de exames.

§ 1.° O ordenado fixo minimo é de 200$000 réis em Lisboa e Porto, e de 150$000 réis nas outras terras do reino.

§ 2.° As gratificações de frequencia e exames são as que ficam fixadas para os professores elementares.

Art. 69.º Os ajudantes e as ajudantes das escolas primarias complementares são nomeados em concurso documental pelas camaras municipaes d'entre os candidatos maiores de dezoito annos, que satisfaçam a alguma das outras condições exigidas para os professores complementares.

Art. 70.° Os vencimentos d'estes ajudantes são, alem da casa da habitação: ordenado fixo, gratificação de frequencia, gratificação de exames.

§ 1.° O ordenado fixo minimo é de 100$000 réis em Lis-

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boa e Porto, e de 80$000 réis nas outras povoações do reino.

§ 2.º As gratificações de frequencia e exame são sujeitas ás mesmas regras que as dos ajudantes das escolas elementares.

Art. 71.° Os ordenados fixos e as gratificações de frequencia são liquidados á vista dos mappas de frequencia que os professores devem enviar mensalmente aos presidentes das camaras municipaes. São pagos no mez seguinte áquelle em que forem vencidos.

Art. 72.° Aos professores das escolas complementares applicam-se todas as disposições dos artigos 60.°, 61.°, 62.°, 63.°, 64.° e 65.°

Art. 73.° Aos professores das escolas elementares e complementares, aos seus ajudantes e substitutos applicam-se todas as disposições da lei geral de reformas, aposentações e jubilações.

CAPITULO VI

Da inspecção e das commissões escolares

Art. 74.° São extinctos os logares de commissarios dos estudos nos districtos do continente do reino e ilhas adjacentes.

Art. 75.° Toda a instrucção primaria elementar ou complementar, publica ou particular, exercida por individuos ou corporações legalmente existentes, fica sujeita á inspecção da auctoridade.

Art. 76.º O serviço da inspecção é immediatamente dependente do governo e retribuido pelo estado.

Art. 77.° Para os effeitos da inspecção o reino é dividido nas seguintes circumscripções de inspecção:

1.ª Comprehendendo os districtos de Beja, Faro, Evora e Portalegre;

2.ª Comprehendendo os districtos de Lisboa, Santarem e Funchal;

3.ª Comprehendendo os districtos de Coimbra, Leiria e Aveiro;

4.ª Comprehendendo os districtos de Vizeu, Guarda e Castello Branco;

5.ª Comprehendendo os districtos do Porto, Vianna e Braga;

6.ª Comprehendendo os districtos de Villa Real e Bragança;

7.ª Comprehendendo os tres districtos do archipelago dos Açores.

Cada circumscripção de inspecção é dividida em circumscripções secundarias, cujo numero total não deve exceder sessenta no continente e ilhas.

Art. 78.° Em cada circumscripção de inspecção ha um inspector, e em cada circumscripção secundaria um sub-inspector.

Art. 79.º Os inspectores são nomeados em concurso documental pelo governo d'entre os individuos maiores legalmente habilitados com o curso completo das escolas normaes, ou com algum curso de instrucção superior ou secundaria.

§ unico. Em igualdade de circumstancias são preferidos por sua ordem os professores das escolas normaes, os subinspectores, os professores dos lyceus e os das escolas complementares.

Art. 80.° Os inspectores têem o ordenado annual de réis 700$000 em Lisboa e Porto, e de 600$000 réis nas outras terras do reino.

§ unico. Alem d'isso vencem 1$000 réis de ajuda de custo por dia que passem fóra da sua residencia official em serviço de inspecção determinado pelo governo, e passagem gratuita quando tenham de saír do continente do reino.

Art. 81.° Os sub-inspectores são nomeados em concurso documental pelo governo de entre os individuos legalmente habilitados como os inspectores.

§ unico. Em igualdade de circumstancias são preferidos por sua ordem os professores das escolas normaes e os dos

lyceus, os professores das escolas complementares, os professores das escolas elementares.

Art. 82.° Os sub-inspectores vencem o ordenado annual de 400$000 réis.

§ unico. Alem d'este ordenado vencem 600 réis do ajuda de custo nas mesmas circumstancias e com as mesmas condições que os inspectores.

Art. 83.° Os inspectores e sub-inspectores podem ser transferidos de umas para outras circumscripções, conforme as conveniencias do serviço.

§ unico. O cargo de inspector ou sub-inspector é incompativel com qualquer outro emprego publico.

Art. 84.º Os inspectores são em categoria equiparados aos lentes de instrucção superior. Do mesmo modo os subinspectores são equiparados aos lentes de instrucção secundaria. Uns e outros podem ser demittidos por falta de zêlo, ou abusos, precedendo parecer affirmativo da junta consultiva de instrucção publica.

§ unico. A falta de procedimento legal contra os professores ou camaras que não cumpram os deveres designados n'esta lei, é para os inspectores e sub-inspectores causa de demissão.

Art. 85.° Compete aos inspectores:

1.° Fiscalisar os actos dos sub-inspectores, dos professores e das auctoridades e corporações administrativas no que seja relativo á instrucção primaria;

2.° Guiar e aconselhar os professores elementares e complementares no exercicio das suas funcções;

3.° Interpor parecer sobre os assumptos relativos ao ensino, ácerca dos quaes forem mandados ouvir pelo governo;

4.° Representar ácerca dos objectos que julgarem de interesse e progresso para o ensino;

5.° Consultar sobre a formação de regulamentos de ensino publico;

6.º Informar sobre conflictos de jurisdicção e competencia entre os empregados de instrucção publica, e entre estes e os administrativos;

7.° Promover a applicação das penalidades estabelecidas n'esta lei, e propor aos conselhos inspectores dos districtos a demissão ou suspensão dos professores;

8.° Exercer as funcções de inspecção sobre todas as escolas primarias, e determinar o modo como os sub-inspectores hão de exerce-las;

9.° Formar a estatistica da instrucção primaria na sua circumscripção;

10.° Redigir o relatorio que deve acompanhar estas estatisticas;

11.° Assistir ás sessões dos conselhos inspectores dos districtos com voto consultivo;

12.° Exercer todas as mais attribuições que nos limites da lei forem proprias para aperfeiçoar e propagar a instrucção primaria.

Art. 86.° Aos sub-inspectores competem nas suas circumscripções as funcções mencionadas nos numeros 2.°, 3.°, 4.°, 5.°, 6.°, 7.°, 9.°, 10.° e 12.° do artigo antecedente, e alem d'isso:

Fiscalisar os actos dos professores e das auctoridades e corporações administrativas dos concelhos e parochias na parte relativa á instrucção primaria;

Exercer as funcções de inspecção sobre todas as escolas primarias da sua circumscripção;

Assistir ás sessões das commissões escolares e dos exames annuaes;

Assistir ás sessões dos conselhos inspectores dos districtos, na falta e por ordem dos inspectores.

Art. 87.º O governo organisa em cada circumscripção de inspecção e de sub-inspecção o serviço do pessoal e material, fixa as despezas correspondentes, e determina em regulamentos as condições e o modo pratico de se realisar a inspecção.

Art. 88.º Em cada districto ha um conselho inspector de instrucção primaria, presidido pelo governador civil, e com-

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posto, alem d'este, do inspector ou sub-inspector residente, na cabeça do districto, de dois lentes de instrucção secundaria escolhidos pelo conselho do lyceu, do juiz e delegado da capital do districto e de dois cidadãos escolhidos pela junta geral do districto.

§ 1.° O serviço n'estes conselhos é gratuito e obrigatorio.

§ 2.° Serve de secretario d'este conselho um empregado do governo civil designado pelo governador civil.

Art. 89.° Competem aos conselhos inspectores alem das attribuições mencionadas nos n.°s 3.°, 4.°, 5.°, 6.º e 12.° do artigo 85.°, mais o seguinte:

1.° Deliberar ácerca das propostas de suspensão ou demissão dos professores e seus ajudantes, que lhe forem apresentadas pelas camaras municipaes ou pelos inspectores;

2.º Promover donativos para auxiliar as escolas e com missões escolares, e distribui-los conforme as necessidades das diversas localidades.

Art. 90.° Cada inspector deve ter um registo geral do professorado, onde sejam lançadas as notas das inspecções em relação a cada professor e ao estado de cada escola.

Art. 91.° Em cada concelho ha uma commissão escolar composta da auctoridade administrativa, do presidente da camara municipal, dos parochos das freguezias do concelho e de representantes das corporações de piedade e beneficencia, que concorram para a sustentação das escolas no concelho.

§ unico. Estas commissões podem estabelecer nas freguezias do concelho as delegações que julguem convenientes.

Art. 92.º As commissões escolares têem por fim promover a frequencia das escolas; requerer ás estações competentes o que julguem necessario para o progresso e boas condições do ensino; adquirir e distribuir pelos alumnos pobres vestuario, livros e mais objectos necessarios para a escola; promover a venda de livros nas povoações ruraes; tudo o mais que for conducente ao bem da educação e instrucção popular.

§ 1.° As multas entregues a estas commissões, nos termos dos artigos 48.° e 61.º são exclusivamente applicadas em fornecer vestuario e livros a alumnos pobres das escolas elementares e complementares.

§ 2.° As commissões devem promover subscripções e donativos para as despezas de que trata o paragrapho antecedente, e para todas as outras necessarias ao bom desempenho das funcções que lhe são confiadas.

§ 3.° As commissões prestam contas perante as camaras municipaes uma vez cada anno.

§ 4.° As commissões escolares podem aggregar a si os cidadãos que por essa fórma desejem concorrer para o progresso da instrucção popular. Podem tambem promover a creação de sub-commissões nas freguezias do concelho.

Art. 93.° São instituidas conferencias entre os professores e os inspectores e sub-inspectores para o aperfeiçoamento dos methodos e modos do ensino, divisão de classes e maneira de resolver na escola as questões especiaes da instrucção.

Art. 94.° O governo decreta os regulamentos necessarios para a realisação das conferencias em todos os seus ramos.

CAPITULO VII

Disposições geraes

Art. 95.° São objecto de disposições regulamentares a admissão á matricula e frequencia das escolas elementares e complementares, a fórma dos exames e concursos, a designação das materias e os methodos do ensino, a policia e disciplina das aulas, o processo de suspensão e demissão dos professores o melhor methodo de promover a publicação de compendios e directorios, e todas as mais providencias que por esta lei e qualquer outra vigente são consideradas regulamentares.

Art. 96.° O governo apresenta todos os annos ás côrtes um relatorio sobre o estado da instrucção primaria em todo o reino.

Art. 97.° Quatro annos depois da creação das cadeiras de instrucção primaria complementar nenhum emprego de qualquer natureza, que tenha de rendimento pelo menos 120$000 réis, póde ser provido em individuo que não se mostre habilitado com approvação em exame d'esta instrucção.

Art. 98.° Quatro annos depois d'esta lei estar em vigor, os mancebos recenseados para o serviço do exercito e da armada serão divididos em duas classes: 1.ª, dos que não tiverem ao menos approvação em instrucção primaria elementar; 2.ª, dos que tiverem essa approvação ou superior habilitação litteraria. Serão sorteados em primeiro logar com os numeros mais baixos os da 1.ª classe, em segundo logar com os numeros mais altos os da 2.ª Sobre esta materia haverá os mesmos recursos que a respeito de isenções do serviço militar.

§ unico. Se a obrigação do serviço militar vier a tornar-se geral para todos os cidadãos, o tempo de serviço activo será menor para os individuos de 2.ª classe que para os da 1.ª

Art. 99.º As camaras que deixem de ter o numero e qualidade de escolas resultante das prescripções d'esta lei, incorrem n'uma multa igual á metade da despeza que se faria com as escolas não creadas.

§ 1.° Na hypothese d'este artigo, o governo procede á creação das escolas e nomeação dos professores.

§ 2.º As multas de que trata este artigo são impostas como as do artigo 47.°, e têem a mesma applicação.

Art. 100.º É livre o ensino primario elementar e Complementar, ficando os mestres ou directores de collegios ou escolas unicamente obrigados a participar a abertura d'estes estabelecimentos á auctoridade policial e ao sub-inspector de instrucção primaria da circumscripção, bem como a sujeitar-se á inspecção do governo.

Art. 101.° As camaras têem escripturação separada para a receita e despeza da instrucção primaria. As suas contas relativamente a todas as receitas e despezas da instrucção primaria, são julgadas sempre pelo tribunal de contas.

CAPITULO VIII

Disposições transitorias

Art. 102.° As escolas complementares de instrucção primaria devem estar todas estabelecidas no praso de tres annos contados da promulgação d'esta lei. As escolas elementares devem estar todas estabelecidas no praso de seis annos.

§ unico. Fica o governo auctorisado na conformidade das leis administrativas a extinguir os concelhos onde esta obrigação não tenha sido cumprida, ou a crear as escolas e a nomear os professores nos concelhos que não convenha extinguir. Em qualquer dos casos os vereadores em exercicio no ultimo anno dos prasos marcados n'este artigo incorrem na multa estabelecida no artigo 99.°

Art. 103.° No provimento das cadeiras complementares e elementares são preferidos por sua ordem os professores vitalicios, os professores temporarios, e os ajudantes das escolas de ensino mutuo actualmente em exercido. Aos primeiros não são exigidos para o provimento nas cadeiras elementares mais nenhuns documentos de habilitação alem dos diplomas da sua nomeação. Aos segundos e terceiros exige-se que apresentem as habilitações determinadas por esta lei. Para o provimento nas cadeiras complementares, é mister que uns e outros mostrem que têem as habilitações marcadas para esta classe.

§ unico. Os actuaes professores vitalicios, que não requeiram o provimento em alguma cadeira elementar ou complementar incorrem na perda do vencimento e do logar. Os professores temporarios e os ajudantes dos professores de ensino mutuo, que não sejam colocados nos termos d'este artigo, têem a preferencia para os logares de professores temporarios de que trata esta lei, e para os de ajudantes das escolas elementares ou complementares, quando se mostrem devidamente habilitados.

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Art. 104.º Emquanto esta lei não estiver completamente em execução ficam a cargo das camaras municipaes as despezas da instrucção primaria, que não sejam vencimentos de inspectores ou sub-inspectores, gratificações dos commissarios de estudos, despezas com as escolas normaes e despezas com os professores jubilados sem exercicio.

§ unico, N'este periodo de transição as camaras só podem applicar para subsidio das escolas elementares e complementares o producto do numero de escolas existentes pelo quociente do rendimento total do real d'agua, dividido pelo numero de escolas, que em cada concelho deva haver em conformidade com esta lei. O remanescente é applicado para casas da escola e mobílias.

Art. 105.° Todas as despezas e encargos que por esta lei ficam a cargo dos municipios, só se tornam obrigatorios e effectivos depois de promulgada a lei, que conceda ás camaras o producto do imposto denominado real d'agua.

Art. 106.º Emquanto haja lentes cathedraticos addidos ás escolas superiores são estes nomeados para os logares de inspectores. Os logares de sub-inspectores são nas mesmas circumstancias exercidos pelos lentes substitutos addidos de instrucção superior, e pelos lentes proprietarios e substitutos addidos da instrucção secundaria.

§ unico. Os lentes assim nomeados inspectores e sub-inspectores conservam os seus actuaes vencimentos quando sejam superiores aos dos cargos que vão exercer, recebendo apenas alem d'esses ordenados as ajudas de custo correspondentes á sua cathegoria e serviço. Quando os seus actuaes vencimentos sejam inferiores aos dos logares que vão exercer, recebem um supplemento de ordenado igual á differença, e, alem d'esse supplemento, a ajuda de custo.

Art. 107.° Fica revogada toda a legislação em contrario.

Sala das sessões, 11 de março de 1871. = Marianno Cyrillo de Carvalho, deputado pelo circulo n.º 79.

Foi admittido e enviado á commissão respectiva. Projecto de lei

Senhores. — A pratica vae mostrando que o augmento no imposto do real d'agua, decretado pela carta de lei de 27 de dezembro de 1870, não produz para a fazenda publica todos os effeitos que eram esperados. A falta de meios efficazes de fiscalisação favorece a fraude, que em toda a parte acrescentada pelo maior onus tributario esconde aos agentes do fisco os elementos necessarios para o lançamento exacto e a boa arrecadação do imposto. Em taes circumstancias o augmento de intensidade e extensão na vigilancia fiscal, pareceria o recurso mais efficaz para realisar a melhoria da receita publica n'esta especie, se não fossem para receiar resistencias populares mais que tudo perigosas em materia de imposto, e por outro lado acréscimos consideraveis de despeza, que absorvessem grande parte do augmento da receita.

É tambem certo que impostos de consumo lançados e cobrados fóra das casas fiscaes, constituem uma excepção no organismo financeiro do estado, a qual é representado quasi unicamente pelo real d'agua. A falta de connexão d'este imposto com outros da mesma natureza, que possam simultaneamente ser fiscalisados e cobrados, impede o estabelecimento de um systema geral de fiscalisação, cuja despeza não absorva em grande a receita do imposto.

Pelo contrario os impostos indirectos figuram como parte essencialissima no rendimento das camaras municipaes. Em 1868, para um producto total de 1.141:000$000 réis que deram os impostos municipaes no continente, concorreram os indirectos com 642:000$000 réis, o que representa 56 por cento da totalidade. Os impostos geraes da mesma natureza, ainda quando se admitta o augmento do real d'agua calculado no orçamento para 1871-1872, apenas representam 3 por cento de toda a receita publica proveniente de tributos.

A notavel differença entre estas duas proporções mostra que em Portugal ha tendencia para que o estado viva principalmente das contribuições directas e das indirectas cobradas nas alfandegas, e o municipio dos impostos indirectos exigidos dos que expõem á venda os generos ou os objectos tributados. Não contrariar essa tendencia, antes encaminha-la e dirigi-la do modo mais conforme com os interesses do estado, do municipio e do contribuinte; deve ser o principal intuito do legislador, que tem quanto possivel de accommodar as leis aos costumes.

Parece, pois, que o producto do real só crescerá sem levantar grandes resistencias nem causar enormes despezas, quando o estado o ceder aos concelhos, impondo conjunctamente a este a satisfação de certos encargos actualmente pagos pelo thesouro. Assim ficarão attendidas as tendencias tributarias do reino, e ao mesmo tempo se dará um passo decisivo no caminho da descentralisação.

São estas considerações que justificam o pensamento fundamental do projecto de lei apresentado á vossa illustrada apreciação. O thesouro prescinde do rendimento de réis 183:000$000, previsto para o real d'agua antes da carta de lei de 27 de dezembro de 1870, mas por outro lado exonera-se das despezas com a cobrança d'esse imposto e das que faz com a instrucção primaria e secundaria, calculadas todas em 350:000$000 réis. A comparação entre as diminuições da receita e da despeza dá para o thesouro o beneficio de 167:000$000 réis.

Este beneficio é na verdade inferior ao augmento de réis 313:000$000 réis calculado no orçamento para 1871-1872 no producto do real d'agua, mas convem advertir: 1.°, que este augmento só poderia realisar-se creando fiscalisação séria, cujo custo de necessidade seria avultado; 2.°, que é indispensavel augmentar pelo menos até 4:000 o numero das escolas primarias, e melhorar a remuneração dos professores.

As despezas inadiáveis com a fiscalisação do real d'agua e com o progresso da instrucção primaria excederão certamente a differença de 146:000$000 réis entre a diminuição do deficit, produzida por este projecto e o augmento ele receita calculado no orçamento de 1871-1872.

As rasões que dictaram as outras disposições do projecto são por tal fórma evidentes, que não é necessario desenvolve-las aqui.

Artigo 1.º O estado cede em beneficio dos concelhos do continente do reino e ilhas adjacentes o producto do real de agua ampliado e augmentado pela carta de lei de 27 de dezembro de 1870.

§ 1.° As disposições da carta de lei citada são applicadas ás ilhas adjacentes.

§ 2.° Do producto total dos impostos receberá cada concelho a parte que cobrar dentro dos seus limites.

Art. 2.° Ficam a cargo das camaras municipaes o lançamento, fiscalisação e cobrança do real d'agua.

§ 1.° As camaras podem por deliberação sua substituir o actual imposto sobre a venda a retalho do vinho, bebidas alcoolicas e fermentadas por um imposto de igual quantidade sobre o consumo geral d'essas mesmas bebidas dentro dos seus concelhos. O imposto assim estabelecido recáe sobre os productores ou fabricantes, levando-se lhes em conta as quantidades de cada liquido que sejam transformadas, fiquem sem venda ou consumo, ou sejam exportadas para fóra do concelho, bem como o que seja rasoavel para quebras. O imposto só é exigível depois da venda ou consumo dos liquidos a elle sujeitos.

§ 2.° As camaras que aproveitem a concessão que lhes é feita no § antecedente, podem estabelecer quaesquer meios de fiscalisação em harmonia com as leis do reino, incluindo o de guias de transito, comtanto que essas guias sejam gratuitas e passadas ao menos nas sedes de todas as freguezias.

Art. 3.° A cobrança do imposto póde ser feita por administração ou arrematação, comtanto que a totalidade da despeza do lançamento, fiscalisação e cobrança não exceda 10 por cento do producto total.

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§ unico. Conjunctamente com o real d'agua podem ser cobrados os impostos indirectos municipaes, que recáiam sobre os mesmos generos.

Art. 4.° Emquanto não sejam convenientemente reformados os systemas de lançamento e arrecadação das contribuições directas de repartição, as camaras são obrigadas a pagar ao escrivão de fazenda uma gratificação igual á media dos proventos que elles tenham adquirido nos ultimos tres annos economicos pelo lançamento e fiscalisação do real d'agua.

§ unico. Emquanto pagam esta gratificação, as camaras podem exigir dos escrivães de fazenda todos os serviços que elles actualmente prestam relativamente ao real de agua.

Art. 5.° Ficam a cargo dos concelhos as despezas com a instrucção primaria e secundaria, nos termos das leis especiaes que regulam estas materias.

Art. 6.° Fica revogada toda a legislação em contrario.

Sala das sessões, 11 de março de 1871. = Mariano Cyrillo de Carvalho, deputado pelo circulo n.º 79.

Foi admittida e enviado á commissão respectiva.

O sr. Secretario (Adriano Machado): — No ultimo dia de sessão, antes do adiamento, foram apresentados diversos requerimentos que não tiveram destino por causa do adiamento da camara.

Os srs. deputados que quizerem que estes requerimentos tenham seguimento hão de ter a bondade de o participar á mesa,

O sr. Presidente do Conselho de Ministros (Marquez d'Avila e de Bolama): — Venho cumprir a promessa que fiz á camara na ultima sessão, isto é, a de apresentar hoje uma proposta de reforma a alguns artigos do codigo administrativo, preenchendo ao mesmo tempo algumas lacunas do mesmo codigo.

Não tenho a pretensão de apresentar uma reforma completa, mas parece-me que pelas disposições que vou submetter á camara, se merecer a sua approvação, ha de haver um grande melhoramento na nossa organisação administrativa (leu).

Como a camara vê, não peço nenhum voto de confiança, e declaro a v. ex.ª e á camara, não sei se pela centesima vez, que sou inimigo dos votos de confiança como o sou de dictaduras. Para mim a dictadura é a negação do systema representativo, e o voto de confiança é a negação da prerogativa parlamentar; e eu que sou filho do systema representativo, e que entendo que é o unico que nos póde convir, prezo-me de ser fiel ás suas prescripções.

Declaro a v. ex.ª e á camara que este projecto, modesto como é, é o resultado da experiencia que adquiri no exercicio dos cargos administrativos, que tenho servido ha quarenta annos a esta parte.

Afigura-se-me que, com as modificações que proponho, a actual organisação administrativa fica muito melhorada; entretanto estou prompto a conferir com a illustre commissão de administração publica e a aceitar todas as alterações que julgar convenientes para dar melhor execução ao meu pensamento, que é o de alargar, tanto quanto possivel, a acção das camaras municipaes e corporações administrativas, para as habilitar a desempenharem melhor as attribuições que lhes são conferidas.

Como a camara vê, e verá ainda melhor examinando estes trabalhos, eu limitei tanto quanto pude a acção do governo sobre essas corporações, deixando comtudo em vigor a tutela que o governo não póde deixar de exercer sobre ellas, mas dentro dos limites convenientes.

Leu-se na mesa e foi enviada á commissão de administração publica a seguinte proposta de lei:

Proposta de lei

Senhores. — Durante os ultimos quatro annos decretaram-se duas reformas completas do codigo administrativo, e nenhuma d'ellas chegou a obter plena execução por circumstancias extraordinarias, que occorreram ao tempo da

sua promulgação, e que, por mui recentes e de todos conhecidas, me abstenho de referir e de apreciar.

Do mau exito d'estas reformas não quero de modo algum inferir a pouca valia de tão aturados e importantes trabalhos, nem tão pouco desconhecer as vantagens e os melhoramentos, que por ellas se procurava introduzir na nossa organisação administrativa.

Parece-me porém que a opinião publica, se por um lado não tem repellido a idéa de uma reforma radical nas instituições administrativas, quando modelada pelos principios mais adiantados da escola liberal, tambem por outro lado não se póde dizer que tenha manifestado sensivel desfavor e repugnancia á organisação administrativa, por que nos temos regido desde 1842, sem duvida pela convicção de que por ella se acham suficientemente assegurados e protegidos os interesses publicos, e se proporcionam ás administrações locaes as faculdades e os recursos necessarios para promoverem e realisarem os variados melhoramentos, que os povos têem direito a esperar da iniciativa da administração.

Não obstante, o codigo administrativo, como todas as obras humanas, contém imperfeições que a experiencia de muitos annos já deu a conhecer, e que já em parte foram corrigidas por leis especiaes. Outras imperfeições porém ainda subsistem, que é necessario emendar, assim como novas necessidades se têem manifestado na pratica, a que é conveniente occorrer por meio de providencias legislativas.

É o que me proponho conseguir submettendo á vossa approvação a presente proposta de lei, na qual se acham consignadas as bases das modificações, que me parece conveniente introduzir na actual organisação administrativa, e que, sem alterar o systema do codigo, deverão dar em resultado algumas vantagens apreciaveis para a administração publica.

Não fatigarei a vossa attenção com uma exposição desenvolvida das rasões justificativas de cada uma das alterações propostas, porque todas essas rasões são obvias á vossa illustração, e de sobejo têem sido expostas por occasião de serem discutidas as reformas anteriores, em que uma grande parte d'essas alterações foi proposta e adoptada sem notavel impugnação.

Limitar-me-hei a dizer que n'esta proposta me guiou principalmente o pensamento de proporcionar ás administrações locaes os meios mais faceis e efficazes de exercerem a sua iniciativa no interesse dos seus administrados, e de procurar para a administração publica agentes esclarecidos e habilitados para o bom desempenho das importantes funcções de que são encarregados.

Artigo 1.° Todos os corpos administrativos de eleição terão um numero de substitutos igual ao de seus vogaes.

§ 1.° Os substitutos serão eleitos conjunctamente com os vogaes effectivos.

§ 2.º Os substitutos serão chamados, pela ordem da votação, a preencher todas as vacaturas que occorrerem no quadro da corporação depois de legalmente constituida, e a supprir as faltas e impedimentos temporarios dos vogaes effectivos.

§ 3.° Na falta de substitutos serão chamados os vogaes do anno anterior, nos termos do codigo administrativo.

Art. 2.º As eleições dos corpos administrativos serão presididas e dirigidas pelas commissões do recenseamento eleitoral. A estas eleições será applicavel o processo prescripto nas leis que regulam as eleições de deputados.

Art. 3.° Os procuradores á junta geral do districto serão eleitos directamente pelos eleitores do concelho ou concelhos, que compozerem o respectivo circulo, nos termos dos artigos 184.° e 185.° do codigo administrativo.

Art. 4.° As juntas geraes de districto reunem-se em sessão ordinaria, independentemente de convocação, no dia 1 de agosto de cada anno, ou no immediato, se áquelle for feriado.

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§ unico. É da competencia do governo transferir e adiar as sessões das juntas geraes.

Art. 5.° A proposta para a nomeação dos vogaes dos conselhos de districto será feita pela junta geral na sua primeira sessão ordinaria posterior á eleição.

Art. 6.º São extinctos os conselhos municipaes. As funcções, que lhes competiam, ficam pertencendo exclusivamente ás camaras municipaes.

Art. 7.º Os orçamentos districtaes não podem ter execução sem previa approvação do governo.

§ unico. Na approvação d'estes orçamentos pertencem ao governo as mesmas attribuições, que lhe confere o codigo administrativo para a approvação dos orçamentos das camaras municipaes excedentes a 10:000$000 réis.

Art, 8.º Os thesoureiros dos districtos têem direito á gratificação, que lhes for arbitrada nos orçamentos districtaes, comtanto que não exceda a 1 por cento da respectiva receita.

Art. 9.° As contribuições municipaes directas e as derramas parochiaes consistirão em uma percentagem addicional ás contribuições geraes do estado predial, industrial e pessoal.

Art. 10.° As côrtes, sobre proposta do governo, fixarão annualmente o maximo, a que poderá attingir a percentagem addicional, a que se refere o artigo antecedente.

§ unico. Se em algum anno as côrtes deixarem de fixar em tempo opportuno o limite de que trata este artigo, vigorará a limitação feita pela ultima lei.

Art. 11.º Quando as juntas de parochia e a camara municipal de um mesmo concelho houverem de recorrer simultaneamente á contribuição directa, e o pretenderem fazer em tal proporção que a totalidade do imposto exceda, em relação a todo o concelho ou a parte d'elle, o limite fixado pelas côrtes, ao governo ou ao conselho de districto, segundo a competencia para a approvação do orçamento municipal, pertence regular o quantitativo que deve ser auctorisado a cada um dos referidos corpos administrativos.

Art. 12.º As contribuições municipaes directas, as derramas parochiaes e a percentagem addicional, que nos termos das leis constitue receita dos districtos, serão cobradas pelas respectivas repartições de fazenda, conjunctamente com as contribuições geraes do estado, pela mesma fórma e com os mesmos privilegios, com que estas contribuições são arrecadadas segundo os respectivos regulamentos.

§ unico. O privilegio concedido por este artigo em caso nenhum poderá ser entendido em prejuizo da fazenda nacional.

Art. 13.º As contribuições municipaes indirectas continuarão a ser lançadas sobre os objectos expostos á venda em retalho.

§ 1.° Considera se venda em retalho a de quantidades inferiores a cincoenta litros e a cincoenta kilogrammas.

§ 2.° Com relação aos generos tributados, cuja venda, segundo o costume das terras, não for ajustada pelas medidas a que se refere o § antecedente, as camaras municipaes, com approvação dos conselhos de districto, fixarão as quantidades que devem limitar a venda por grosso da venda a retalho.

Art. 14.° O governo tem a faculdade de declarar os generos, que não devem ser tributados pelas contribuições municipaes indirectas, e de fixar o maximo a que póde attingir o imposto em relação a cada genero sujeito a ser tributado.

Art. 15.° As questões suscitadas ácerca da legalidade das contribuições indirectas serão decididas pelos conselhos de districto, como tribunaes do contencioso administrativo, com recurso para o supremo tribunal administrativo.

Art. 16.° As dividas provenientes de impostos indirectos serão cobradas por execução administrativa,

§ unico. Servirá de base á execução, ou a resolução dos tribunaes administrativos transitada em julgado, quando a divida tenha sido contestada, ou uma conta demonstrativa da mesma divida processada pela camara municipal e authenticada pelos vereadores com audiencia do contribuinte e sem impugnação d'este.

Art. 17.° Nas ilhas adjacentes os generos importados pelas alfandegas pagarão no acto do despacho, alem dos direitos da pauta a que estiverem sujeitos, o imposto indirecto auctorisado para os generos similares nos orçamentos dos concelhos, a que pertencerem as alfandegas em que os mesmos generos forem despachados.

§ 1.º O producto do imposto municipal arrecadado pelas alfandegas, nos termos d'este artigo, será mensalmente entregue ás camaras municipaes dos concelhos á que pertencerem as alfandegas.

§ 2.° As camaras municipaes dos concelhos, em que for cobrado o imposto municipal de que trata este artigo, restituirão aos contribuintes as quotas correspondentes ás quantidades dos generos importados, que por grosso forem reexportados para consumo dos concelhos da mesma ou de outra ilha.

§ 3.° Os governadores civis em conselho de districto, e ouvidas as camaras municipaes interessadas, farão os regulamentos necessarios para evitar as fraudes a que possa dar logar a reexportação dos generos sujeitos ás contribuições municipaes.

Art. 18.° A approvação dos orçamentos e as auctorisações concedidas ás deliberações das corporações administrativas que, segundo o codigo, são da competencia do governo, serão dadas por simples despachos ou diplomas da assignatura do ministro.

Art. 19.° Os orçamentos e contabilidade das corporações administrativas serão organisados por annos civis.

Art. 20.º O serviço financeiro das corporações administrativas executa-se em periodos de gerencia e exercicio.

§ 1.º A gerencia comprehende os actos financeiros realisados durante um anno civil.

§ 2.° O exercicio comprehende mais tres mezes alem do periodo de gerencia.

§ 3.º Findo o exercicio caducam todas as auctorisações dos respectivos orçamentos, e ficam sem vigor as ordens de pagamento passadas e não pagas.

Art. 21.° Tanto as corporações administrativas como o ministerio publico são competentes para, como partes principaes, intentarem ás acções necessarias, a fim de fazer entrar em cofre as quantias, por que forem responsaveis 08 vogaes d'essas corporações em virtude dos actos de sua gerencia.

Art. 22.º Os accordãos definitivos dos conselhos de districto, como tribunaes do contencioso administrativo, têem força de sentença com execução aparelhada.

Art. 23.º Ao governo pertence auctorisar os emprestimos deliberados pelas corporações administrativas.

§ unico. Aos conselhos de districto pertence auctorisar os emprestimos das camaras municipaes, uma vez que os mesmos emprestimos não excedam a 5:000$000 réis, e não seja da competencia do governo a approvação dos respectivos orçamentos.

Art. 24.º As contas das juntas de parochia serão julgadas pelos administradores de concelho, com recurso para o conselho de districto.

Art. 25.º Os recursos motivados pelas deliberações das juntas de parochia serão interpostos directamente para os conselhos de districto.

Artigo 26.º Nos recursos interpostos para os conselhos de districto têem estes tribunaes a faculdade de mandar suspender, por decisões interlocutorias, a execução das deliberações ou actos, de que se recorrer, quando da mesma execução resultar damno irreparavel.

§ unico. A suspensão de que trata este artigo não poderá exceder a tres mezes.

Art. 27.° Todos os corpos administrativos servirão por tres annos civis.

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Art. 28.° Os escrivães das camaras municipaes serão, nomeados por meio de concurso, devendo ser preferidos na nomeação os individuos, que tiverem curso de instrucção secundaria ou superior.

Art. 29.° Só póde ser nomeado administrador de concelho quem tiver um curso de instrucção superior.

§ 1.° Na falta de pessoas habilitadas a nomeação poderá recaír em individuos que tenham um curso de instrucção secundaria.

§ 2.º A nomeação de administrador de concelho será feita sobre proposta do governador civil, em lista triplice.

Art. 30.° O governador civil será substituido nas suas faltas e impedimentos por um dos vogaes effectivos ou substitutos do conselho de districto, que for designado pelo governo.

§ unico. Não se achando designado o substituto, servirão os vogaes do conselho de districto pela ordem da nomeação.

Art. 31.º Só póde ser nomeado secretario geral quem tiver formatura em direito ou o curso de direito administrativo, e pratica de dois annos, pelo menos, de logares de administrador de concelho, das secretarias dos governos civis ou da secretaria d'estado dos negocios do reino.

Art. 32.° Os logares de secretario geral serão providos em concurso de provas publicas, como for determinado em regulamento.

Art. 33.° Os secretarios geraes dos governos civis desempenharão as funcções de agentes do ministerio publico junto dos conselhos de districto, e de quaesquer outros tribunaes administrativos presididos pelos governadores civis.

Art. 34.º Os empregados das secretarias doa governos civis serão nomeados pelo governo por meio de concurso, no qual terão preferencia os individuos habilitados com algum curso de instrucção superior ou secundaria.

§ 1.º Os porteiros, continuos e correios serão nomeados pelo governador civil.

§ 2.° Os actuaes empregados das secretarias dos governos civis serão, para todos os effeitos, considerados como tendo sido nomeados nos termos d'este artigo.

Art. 35.° Só póde ser nomeado vogal do conselho de districto quem tiver um curso de instrucção superior.

§ unico. Dois dos vogaes, pelo menos, sempre que for possivel, devem ser formados em direito ou ter o curso de direito administrativo.

Art. 36.º Não podem ser nomeados vogaes do conselho de districto os individuos que fizerem parte, receberem ordenado ou tiverem quaesquer dependencias de alguma das corporações ou estabelecimentos sujeitos á jurisdicção tutelar ou contenciosa do tribunal administrativo.

Art. 37.° O cargo de vogal do conselho de districto é incompativel com qualquer outro cargo administrativo de eleição ou nomeação.

Art. 38.º As camaras municipaes, com approvação do governo, poderão conceder aposentação aos seus empregados e aos das administrações dos concelhos, que se impossibilitarem physica ou moralmente para exercer os seus empregos.

§ unico. As aposentações, de que trata este artigo, serão concedidas com o ordenado por inteiro, com a ametade ou com um terço, segundo os empregados tiverem trinta, vinte ou quinze annos de bom e effectivo serviço.

Art. 39.° Os emolumentos cobrados nos governos civis, camaras municipaes e administrações dos concelhos, serão distribuidos pelos empregados dos quadros das respectivas secretarias na, proporção dos seus vencimentos.

Art. 40.° É o governo auctorisado a rever a tabella dos emolumentos annexa ao codigo administrativo, fazendo n'ella as alterações necessarias para uma justa remuneração dos empregados sem vexame para as partes interessadas.

Art. 41.° E o governo auctorisado a fazer uma nova publicação do codigo administrativo, na qual sejam inseridas as disposições contidas n'esta lei, e se façam as demais alterações consequentes da adopção, não só das mesmas disposições, mas tambem das de quaesquer outras leis que têem alterado o referido codigo.

Art. 42.° Fica revogada toda a legislação em contrario.

Secretaria d'estado dos negocios do reino, em 13 de março de 1871. = Marquez d'Avila e de Bolama.

O sr. Francisco Mendes: — No ultimo dia de sessão, em fevereiro passado, tinha eu pedido a palavra, e v. ex.ª ía conceder-m'a, quando chegou o decreto de adiamento, de sorte que só hoje posso apresentar á camara o pedido que então lhe desejava fazer.

Tenho a honra de pertencer a algumas commissões, a camara votou a reconducção de todas ellas, e eu, não podendo separar o meu nome, nem deixar de me associar á consideração que com uma tal votação se dava aos meus collegas que as compõem, votei em mim.

Ora, esta consideração e a consciencia de que posso ser substituido com grande vantagem, leva-me a pedir á camara queira aceitar a escusa que apresento de membro das commissões a que pertenço.

Poderá ser exagerado este melindre, mas peço aos meus illustres collegas que m'o desculpem e respeitem.

Feito este pedido, resta-me dizer que acompanho os meus collegas Pereira de Miranda, Mariano de Carvalho e Coelho do Amaral nas declarações que fizeram. Como elles, estou decidido a prestar ao governo o meu fraquíssimo apoio, se não se afastar, como disse na sessão passada o illustre presidente do conselho, do programma apresentado em outubro.

Tenho concluido.

O sr. Mariano de Carvalho: — Mando para a mesa uma representação da camara municipal da Gollegã, pedindo a approvação do projecto de lei n.º 23, ácerca da circumscripção d'aquelle concelho.

Abstenho-me de fazer quaesquer considerações, guardando-as para o momento da discussão.

O sr. Eduardo Tavares: — O capitão da marinha mercante, Francisco Pedro Ferreira, prestou relevantes serviços á causa da liberdade durante a guerra, como mostra uma serie de documentos que estão juntos a este requerimento.

Este individuo requereu opportunamente para ser admittido ao serviço nacional, mas como o seu requerimento não teve deferimento até hoje, entendeu que devia recorrer ao parlamento, incumbindo-me de apresentar este requerimento, esperando eu que v. ex.ª lhe mande dar o destino conveniente.

O sr. Pinheiro Borges: — Pedi a palavra para enviar para a mesa uma nota de interpellação ao sr. ministro da guerra, precedendo-a de uma declaração que julgo conveniente apresentar, para que s. ex.ª comprehenda bem as minhas intenções.

Ninguem considera mais do que eu o cavalheiro que actualmente tem a seu cargo a pasta da guerra, pela sua illustração e elevada intelligencia, e pelos vastos conhecimentos adquiridos por s. ex.ª no desempenho dos relevantes serviços que tem prestado ao paiz; mas por isso mesmo que espero tanto e tanto de s. ex.ª, não lhe deve causar admiração que eu chame a sua attenção sobre muitos pontos do serviço militar, que precisam ser melhorados.

Muitos dos assumptos sobre que eu hei de occupar a attenção de s. ex.ª já teriam sido por mim lembrados na anterior sessão legislativa se a ausencia de s. ex.ª, que tanto lamentei, não me impedisse de o fazer, e por isso tambem não lhe póde causar admiração de que tendo-me dirigido a s. ex.ª na sessão de sabbado, o faça hoje de novo, e de que nas sessões seguintes torne a pedir-lhe novos esclarecimentos, porque apesar do que se passou na sessão anterior declaro á camara, que no cumprimento dos meus deveres, que n'esta casa nivela todas as graduações, hei de usar do direito que me compete de chamar a attenção do governo, sobre qualquer ramo do serviço publico, quando o julgar conveniente.

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Vou ler a nota de interpellação que annunciei (leu).

O sr. Affonseca: — Mando para a mesa uma representação do subdito portuguez Alexandre Augusto de Andrade, natural da ilha da Madeira, o qual se queixa da desigualdade que lhe sobreveiu era virtude do direito sobre o melaço, que se votou na ultima sessão.

Peço a v. ex.ª o favor de a mandar directamente, na conformidade do regimento, á commissão de fazenda, para que a tome na consideração que merecer.

O sr. Julio Rainha: — Como vejo presente o sr. ministro dos negocios ecclesiasticos e de justiça, cavalheiro que occupa uma posição elevada na magistratura judicial, e jurisconsulto distincto, não lhe farei surpreza alguma, desejando saber o que s. ex.ª pensa com relação ás reformas, umas já apresentadas, e outras annunciadas n'esta casa por alguns dos seus antecessores n'aquella repartição. Refiro-me á reforma do processo civil, do processo criminal, do codigo penal e commercial, registo predial e dotação do clero.

Tanto o sr. Luciano de Castro, como o sr. Saraiva de Carvalho, declararam aqui, que na secretaria a que ambos presidiram como ministros, existiam valiosos trabalhos respeitantes aos assumptos de que fallo, e portanto eu pedia ao sr. ministro da justiça que nos dissesse o que pensa sobre cada um d'estes trabalhos, e que expozesse, ainda que resumidamente, a sua opinião com respeito ás reformas que todos consideram tão necessarias, e que traga ao parlamento o mais breve possivel as propostas attinentes a estes assumptos importantes.

Repito, não quiz fazer uma surpreza ao sr. ministro da justiça, mas simplesmente fazer-lhe esta pergunta, porque o considero habilitado para desde já responder-me, pela sua longa pratica dos negocios judiciaes.

Se s. ex.ª entende que é necessaria uma interpellação a este respeito, não duvidarei mandar a nota para a mesa, a fim de s. ex.ª responder á minha pergunta.

O sr. Ministro da Justiça (Sá Vargas): — Não ouvi bem o começo da pergunta do nobre deputado, mas parece-me que deseja ser informado sobre o que o governo intenta fazer com relação á reforma do codigo penal, do processo civil e criminal, codigo commercial e conservatorias.

A camara sabe que ha alguns trabalhos preparados desde o tempo do meu antecessor, o sr. José Luciano de Caseiro, o qual nomeou diversas commissões, para propor as alterações e reformas convenientes em cada um d'aquelles objectos.

O projecto de reforma do codigo penal foi conjunctamente com outros apresentado a esta camara por aquelle illustrado ministro, tendo sido elaborado por uma commissão por s. ex.ª presidida, e composta de pessoas mui distinctas e competentes, se exceptuar a minha humilde pessoa. Esses trabalhos renovaram-se no ministerio do sr. Dias Ferreira, e ainda depois no do sr. Saraiva de Carvalho, achando-se hoje bastante adiantados.

As commissões têem já tido novas reuniões, e espero que não tardará muito o poder trazer á camara o resultado dos seus trabalhos.

Julgo escusado dizer que estou de perfeito accordo com a opinião dos meus illustres antecessores sobre a conveniencia da adopção das indicadas reformas, depois de examinadas e aperfeiçoadas pela sabedoria da camara.

Quanto ao codigo do processo civil, ha uma commissão presidida por um cavalheiro distincto, e está trabalhando incessantemente.

Com relação á reforma do processo criminal, não cabendo no tempo apresentar uma reforma completa, tenciono trazer uma proposta, que já aqui foi apresentada pelo mesmo illustre ministro meu antecessor, a quem já me referi, e em que, alem de melhorar o processo de policia correccional, se estabelece um processo intermediario entre aquelle e o processo ordinario, para assim abreviar o processo de certos crimes menos graves,

Ha outra commissão trabalhando na reforma do codigo do commercio. E finalmente tenho em vista nomear uma commissão para rever o regulamento do registo predial, porque já depois de se publicar o ultimo tem soffrido algumas alterações, e é talvez preciso fazer-lhe ainda mais algumas.

Não sei se tenho satisfeito aos desejos do illustre deputado, dando estas explicações.

Quanto ás alterações do codigo criminal, julgo-as urgentissimas, pois que modificando o systema da penalidade deve contribuir para muitos crimes não ficarem impunes.

O sr. Francisco Beirão: — Mando para a mesa uma representação da illustre camara municipal da Maia, em que se pede a prorogação do praso para o registo de certos onus reaes.

Esta prorogação já foi decretada pelo governo; como porém na representação se pede tambem a dispensa de sellos para certos documentos que têem de ser apresentados nas conservatorias, por isso a mando para a mesa, a fim de ser considerada n'esta parte pela respectiva commissão.

No intervallo da sessão tambem recebi duas representações das illustradas camaras municipaes de Bouças e Gondomar sobre o mesmo assumpto, mas como não se tinha tomado ainda deliberação alguma a respeito do que se pedia n'essas representações, fui pessoalmente entrega-las na secretaria da justiça.

Já que estou com a palavra, peço licença para tocar em dois pontos sobre que fallaram o sr. deputado Rainha e o sr. ministro da justiça.

Quanto á reforma do processo civil, está incumbido esse trabalho a uma commissão de que tenho a honra de fazer parte, e posso dizer á camara que essa commissão se tem reunido com bastante frequencia. Os trabalhos ainda estão atrazados, mas espero que em breve será apresentado o relatorio da commissão.

O sr. ministro da justiça disse que ía nomear uma commissão para fazer um novo regulamento do registo predial.

Se o meu pedido podesse ser de algum peso para com o governo, pedir-lhe-ía que levasse as suas reformas mais longe, que não se limitasse só a fazer o quarto regulamento do registo predial, mas que estendesse as suas reformas ao codigo civil, e que modificasse o registo predial, porque entendo que aquelle serviço como está estabelecido no codigo precisa do largas reformas.

Infelizmente é uma verdade que nós em registo predial, em vez de melhorar, temos peiorado. O melhor systema que ha a este respeito é a lei hypothecaria de 1863, que em minha humilde opinião considero superior ao systema do codigo civil, por isso pedia ao sr. ministro da justiça que levasse mais longe as suas tentativas, e que apresentasse uma reforma completa sobre tal assumpto, a fim de ver se conseguimos ter um verdadeiro systema de registo predial.

O sr. Adriano Machado: — Mando para a mesa uma representação da camara municipal de Marco de Canavezes, pedindo que se mantenha em Penafiel uma força permanente. Como tenho annunciado uma interpellação ao sr. ministro da guerra sobre este assumpto, reservo-me para emittir n'essa occasião o meu voto, pedindo no entretanto que esta representação seja remettida á commissão de guerra, ouvida a de administração publica.

O sr. Visconde de Moreira de Rey: — Pedi a palavra para tratar de um assumpto, que julgo merecer a attenção da camara, assim como já mereceu a do governo.

Refiro-me ao estado do caminho de ferro do norte e leste, ás providencias tomadas pelo actual governo, e especialmente á portaria publicada no Diario do governo de sabbado, e assignada pelo actual sr. ministro das obras publicas.

Ha muito tempo que a imprensa levantou um clamor geral contra o estado do caminho de ferro do norte e leste e contra a companhia, e ha tambem algum tempo, já no ministerio actual, que o sr. ministro das obras publicas ex-

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pediu uma portaria aquella administração, mas os desastres repetem-se cada vez com mais frequencia, aggravam-se a cada repetição, e é geral o receio de transitar por aquella fórma, por causa do estado desgraçado a que a administração deixou chegar as linhas ferreas.

Depois de um desastre um pouco maior o sr. ministro das obras publicas publicou a portaria de 8 de março de 1871, que tenho presente.

Eu não tenho duvida em confiar n'esta portaria alguma cousa mais do que no geral das portarias do governo portuguez.

A camara sabe que quem costuma lidar com a legislação, especialmente com portarias, acaba por não acreditar n'ellas, e não é cousa para admirar, sendo ellas, como são, quasi tão frequentes, como contradictorias, e até inconciliaveis umas com as outras; entretanto eu não tenho duvida, como disse, em dar a esta portaria algum credito mais do que ao geral das portarias portuguezas.

E no que não tenho duvida nenhuma é em acreditar na boa vontade e nas excellentes intenções do actual sr. ministro das obras publicas, que, segundo creio e espero, ha de fazer todas as diligencias para que cesse este estado illegal e perigoso, esta doença já chronica, do caminho de ferro de norte e leste.

Todavia, vendo esta portaria publicada, devo notar que ella traz a declaração positiva da inutilidade d'este remedio. A propria portaria começa por declarar (leu).

A companhia, não obstante as repetidas recommendações e indicações do governo e dos seus agentes fiscaes, tem sido negligente no que respeita á conservação da via e tem descurado completamente a segurança e regularidade da exploração. Creio que é licito, e que é mesmo prudente, duvidar da efficacia de um remedio, cujo uso frequente se recommenda por estes resultados praticos. O governo é quem declara que a companhia, apesar de todas as repetidas recommendações e indicações, tem sido negligente apesar das portarias, e continuando a sua negligencia talvez á medida e á proporção de cada nova portaria.

O remedio que se adoptou, ou o principio de remedio que agora principia a applicar-se, é uma recommendação mais.

Eu desejo que s. ex.ª diga á camara as garantias que tem para que esta nova recommendação venha a surtir mais effeito, ou effeito differente, do que têem surtido todas as outras recommendações que temos visto fazer e ficarem inuteis, e que o proprio sr. ministro declara que ficaram como se não tivessem existido.

Confiando eu que o nobre ministro das obras publicas não ficará n'esta portaria, e em que ha de chegar ás medidas praticas necessarias, para que o caminho de ferro apresente um meio de communicação seguro, como é indispensavel que apresente, lembrarei a s. ex.ª que em primeiro logar é necessario que nós e o paiz saibamos verdadeiramente e por declaração do governo o estado em que se acha o caminho de ferro, e que, estando a imprensa geralmente e todos os dias a clamar que tal viação é um precipicio, um perigo imminente, e que tem de fazer testamento quem se resolve a viajar pelo caminho de ferro de norte e leste, é util e necessario que a folha official se não conserve impassivel e silenciosa, sem declarar, á vista de informações dos empregados fiscaes do governo, qual é o verdadeiro estado em que se acha o caminho de ferro.

É necessario saber-se por uma vez se ha a conveniente segurança, e se o caminho de ferro está em estado de continuar a servir para a circulação.

Eu apreciaria mais, por me parecer mais pratico e efficaz, que o sr. ministro das obras publicas, dispensando-se de continuar este systema das portarias, ordenasse peremptoriamente ao fiscal do governo perante a companhia, que elle, dentro de um praso breve e curto, praso que eu não marcaria de tres dias, mas apenas de tres horas, declarasse ao governo debaixo da sua responsabilidade, pelo conhecimento que tem obrigação de ter do estado do caminho de ferro, se ha, ou não ha, a necessaria segurança para o caminho poder continuar aberto á circulação. No caso do fiscal declarar que a exploração podia continuar, ella continuava, como até hoje; e se algum facto ou acontecimento desgraçado viesse demonstrar que a informação do fiscal do governo tinha sido inexacta ou merecia alguma especie de castigo, o governo tem mil meios efficazes e promptos para tornar effectiva a responsabilidade do seu fiscal junto á companhia. E se por acaso o fiscal, como geralmente se diz, declarasse que se não responsabilisava pelo estado da linha e que não podia tomar sobre si a affirmativa de que, antes de feitas importantes reparações, não é provavel deixar de haver successivas desastres, a primeira obrigação do governo é mandar suspender a exploração do caminho e não deixar continuar um estado que póde ter consequencias funestissimas: não faltam já estas advertencias, que podem ser salutares se por acaso o governo as tomar como aviso para prevenir males maiores, mas que, sendo desprezadas, podem trazer um desastre immenso e a perda de muitas vidas (apoiados).

Termino, como principiei, declarando que ainda que me presto a ter n'esta portaria mais confiança do que tenho no geral das portarias, no entanto entendo que o tempo das recommendações e das simples portarias deve ter passado em relação a esta companhia, a respeito da qual o governo diz que não obstante as suas repetidas recommendações, tem sido sempre negligente e desobediente! (Apoiados.)

Aproveito esta occasião para annunciar ao sr. ministro da fazenda uma proxima interpellação sobre o regulamento da contribuição de registo. E espero que o mais breve possivel s. ex.ª se declare habilitado, a fim de se designar dia para ella se realisar.

Não me alongarei agora em considerações a respeito do assumpto da minha interpellação, direi apenas que o governo até hoje não tem feito uso da auctorisação que lhe ficou na ultima lei para codificar as diversas disposições, hoje cahoticas e dispersas, a este respeito, de modo que o regulamento ultimamente publicado tem tornado este serviço muito mais difficil, complicado e vexatorio do que era antigamente. Mandarei para a mesa a minha nota de interpellação a este respeito.

O sr. Pedroso dos Santos: — Cabe-me a honra de declarar a v. ex.ª e á camara que o meu amigo e distincto collega, o sr. Lopo Vaz, tem legitimo impedimento para não comparecer a algumas sessões, esperando por isso que a sua falta será relevada.

Incumbiu-me igualmente s. ex.ª de declarar em seu nome que, no caso de se suscitar alguma duvida sobre se perdeu a cadeira de deputado por ter ha pouco sido contemplado com um despacho pelo ministerio da justiça, s. ex.ª resolve não aceitar tal despacho, que não solicitou, e do qual não tem conhecimento antecipado, optando, como lhe cumpre e é proprio do seu brio pelo logar, que occupa no parlamento.

Sinto não ver presente o sr. ministro da marinha, porque desejo chamar a sua attenção sobre um assumpto importante, e que pela sua natureza deve despertar em s. ex.ª toda a consideração. Reservo-me todavia para quando o nobre ministro occupar a sua cadeira, e desde já declaro que tenho sobeja confiança no seu zêlo e integridade, para esperar uma solução satisfactoria em relação ao assumpto de que prometto occupar-me.

Por esta occasião não posso deixar de associar-me, pela minha posição especial de conservador privativo do registo predial, ao pensamento do meu illustre collega e amigo o sr. Beirão, emquanto procura mostrar que o systema hypothecario em vigor está muito longe de attingir a perfeição de que é susceptivel, e que precisa por isso de profundas modificações. Pelo que me toca envidarei tambem as minhas forças para conseguir que o nobre ministro da justiça dê a assumpto de tamanha transcendencia a importancia que realmente merece.

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Muito teria ou pessoalmente que agradecer ao meu illustre collega, o sr. Beirão, o zêlo com que tem procurado melhorar este ramo de serviço publico, se um motivo mais imperioso e um movei sobremaneira digno não incitassem o distincto deputado a pugnar por uma reforma necessaria e indispensavel para o paiz e para os funccionarios, a quem está confiada a execução das leis e regulamentos hypothecarios. O serviço do registo predial, como está, é deficientissimo e está muito longe de preencher o fim a que é destinado. Nem os direitos prediaes encontram n'elle efficaz protecção, nem para o credito predial tem resultado as naturaes vantagens que devem derivar d'um systema que tenha por base a publicidade de todos os encargos sobre a propriedade, nem o methodo de registo attingiu a simplicidade de formulas de que é susceptivel, nem finalmente os funccionarios a quem é commettido um serviço tão importante e de tão grave responsabilidade têem assegurada uma subsistencia honrosa emquanto não for modificada a tabella dos emolumentos do registo, sem vexame para as partes, mas sem prejuizo tambem dos funccionarios a quem se dá uma retribuição mesquinha em compensação de encargos, despezas e responsabilidades a que a lei os obriga.

Eu receio, sr. presidente, que as conservatorias tenham pouco tempo de duração, e de certo assim succederá se sr. ministro da justiça não usar da sua iniciativa e não trouxer ao parlamento um projecto que, refundindo a legislação em vigor, introduza a doutrina nova que a experiencia no nosso e nos paizes alheios aconselha.

Pico aguardando, na convicção de que o tempo me convencerá de que não confio em balde na illustração e zêlo que pelas cousas publicas nutre o actual ministro de justiça.

Tenho dito.

O sr. Ministro das Obras Publicas (Visconde de Chancelleiros): — Poucas palavras direi á camara em resposta ás observações que acaba de fazer o illustre deputado o sr. visconde de Moreira de Rey.

O que posso assegurar a s. ex.ª e á camara é que, logo que tive a honra de vir para este logar e comecei a conhecer das necessidades do serviço do ministerio a meu cargo, comprehendi que a mais grave responsabilidade que pesava sobre os meus hombros era se de prompto não tomasse todas as providencias que a urgencia do caso pedia, com referencia ao importante assumpto a que o illustre deputado se referiu (apoiados).

Eu creio, e o illustre deputado pensa commigo, assim como de certo a maioria da camara, que as más condições em que hoje se encontra a linha do caminho de ferro do norte e leste se não remedeiam nem com portarias, nem tambem com palavras. Comprehendo bem a importancia do assumpto, e a responsabilidade que perante os poderes publico» e perante o paiz eu assumi com a publicação da portaria que referendei com o meu nome; e julgo que a occasião opportuna para se me pedirem contas d'este facto, e para se me tornar effectiva aquella responsabilidade, será quando algum illustre deputado se convencer de que eu assignei uma portaria, para a deixar caír no limbo da repartição, e para a não fazer cumprir. Creio porém que v. ex.ª e a camara comprehenderão facilmente, que nas circumstancias em que este serviço se encontra, nas más condições em que se acha o caminho de ferro, repito, a responsabilidade que adviria ao homem publico que occupasse este logar, por não haver de prompto tomado as medidas convenientes, seria tão grande, que a camara me fará justiça de acreditar, que não posso deixar de estar sinceramente empenhado em dar prompta execução a esta portaria.

Não podia seguir o processo indicado pelo illustre deputado. N'este ponto, tinha a liberdade de acção na escolha dos meios com que julgasse chegar á realidade pratica do meu pensamento, e julguei que o meio mais efficaz era este. Hei de fazer cumprir a portaria, e hei de procurar quanto for possivel restabelecer a confiança do publico no serviço do caminho de ferro.

V. ex.ª comprehende que este meio de circulação, este aperfeiçoamento que devemos ao progresso, tem tambem os contras que todos lhe reconhecem (apoiados). Não se póde garantir que não haja um sinistro em qualquer linha, mas aos poderes publicos cumpre velar que as linhas ferreas tenham todas as condições de segurança, e exigir das em prezas o cumprimento rigoroso das disposições regulamentares dos artigos dos respectivos contratos. Póde a camara estar certa de que hei de cumprir o meu dever n'este ponto.

Comprehendo a rasão por que o illustre deputado suppõe que as portarias não são senão um meio de illudir as esperanças do publico; eu não teria mandado publicar aquella, se não fosse necessario que o paiz conhecesse bem a responsabilidade que eu assumia e as condições em que collocava perante o governo a empreza do caminho de ferro. São estas as explicações que tenho a dar, que creio satisfarão o illustre deputado.

O sr. Julio Bainha: — Desejo só agradecer ao illustre ministro da justiça as explicações que teve a bondade de dar, que me satisfizeram, e continuo a esperar que s. ex.ª empregará toda a solicitude na resolução d'estes momentosos assumptos.

O sr. Presidente: — Passa-se á ordem do dia.

O sr. Visconde de Moreira de Rey: — Eu tinha pedido a palavra.

O sr. Presidente: — Mas é necessario passar-se á ordem do dia.

O sr. Visconde de Moreira de Rey: — Peço a palavra para um requerimento.

O sr. Presidente: — Está inscripto.

O sr. Visconde de Moreira de Rey: — Requeiro a v. ex.ª que consulte a camara sobre se me dá a palavra.

O sr. Presidente: — Não posso attender o requerimento do sr. deputado, porque não tinha a palavra para o fazer.

ORDEM DO DIA

Leu se na mesa o seguinte:

Projecto de lei n.º 30

Senhores. — A vossa commissão de recenseamento examinou o projecto de lei n.º 16-M, de que renovou a iniciativa o deputado Eça e Costa, e que tinha sido apresentado na sessão de 20 de maio do corrente anno pelo deputado Castilho e Mello. Este projecto (em por fim substituir o disposto nos artigos 6.°, 54.° e 57.° da lei de 27 de julho de 1855.

Considerando que o artigo 54.° da supramencionada lei impõe uma pena excessivamente pesada em relação á natureza do delicto, não tendo muitas vezes verdadeira culpabilidade os individuos sobre que vão recaír seus vigorosos effeitos;

Considerando que do excesso de tal pena resulta mais offensa aos direitos individuaes do que vantagens para a boa execução da lei de recenseamento;

Considerando finalmente que da amplificação da idade, estatuída pelo artigo 6.°, e da substituição, por outra muito mais leve, da pena comminada pelo artigo 54.° da lei de 27 de julho de 1855, hão de vir mais garantias, porque ninguem se exime do pagamento de um imposto tão pesado como justificado, do que continuando a existir uma pena completamente fóra dos principios em que assentam os codigos modernos:

É a vossa commissão de parecer, de accordo com o governo, que deve ser approvado o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.° Nos recenseamentos para o serviço do exercito serão comprehendidos todos os mancebos de vinte a vinte e um annos de idade, e bem assim os de vinte e um a trinta annos que não houverem sido recenseados no seu domicilio legal.

§ unico. Estes serão comprehendidos nos recenseamentos das freguezias e concelhos em que se encontrarem na epo-

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cha d'aquella operação, embora ali não seja o seu domicilio legal; serão porém eliminados logo que provem por certidão authentica acharem-se inscriptos nos recenseamentos da sua naturalidade ou domicilio.

Art. 2.° Quem não houver completado trinta e cinco annos anteriormente á data da presente lei não poderá ser nomeado para emprego publico algum, sem que prove que serviu no exercito como voluntario, por tempo não inferior a tres annos, ou que foi recenseado e sorteado nos termos da lei para o serviço militar, ou finalmente que, não o tendo sido, pagou á fazenda a importancia de uma substituição correspondente ao anno em que devera entrar no recrutamento.

§ unico. Estas substituições serão pagas em qualquer recebedoria do reino ou ilhas, com guia do respectivo escrivão de fazenda, passada a requerimento do interessado.

Art. 3.° Ficam substituidos pelos dois artigos antecedentes os artigos 6.° e 54.º da lei de 27 de julho de 1855, e revogada toda a legislação em contrario.

Sala da commissão, em 11 de dezembro de 1870. = Luiz Augusto Pimentel = Francisco de Almeida Cardoso de Albuquerque = José Pedro Antonio Nogueira = Manuel Redondo Paes Villas Boas = Augusto da Cunha de Eça e Costa, relator.

Pertence ao n.º 30

Senhores. — A vossa commissão de guerra foi presente o projecto de lei n.º 16-M, proposto em sessão de 16 de maio de 1870 pelo sr. deputado Augusto Ernesto de Castilho e Mello. Na sessão actual foi renovada a iniciativa do mesmo projecto pelo sr. deputado Augusto da Cunha de Eça e Costa. A commissão de guerra considera a disposição da lei do recrutamento a que se refere aquelle projecto inconveniente, como o é geralmente a doutrina da citada lei, e lembra a desvantagem que haverá em revoga-la em parte, em vez de a modificar completa e convenientemente.

Sala das sessões, 19 de dezembro de 1870. = Barão do Rio Zezere = Alberto Osorio de Vasconcellos = Luiz de Almeida Coelho e Campos = José Bandeira Coelho de Mello = João Candido de Moraes, relator.

N.° 2-GH

Renovo a iniciativa do projecto de lei n.º 16-M, apresentado na sessão de 20 de maio do corrente anno pelo sr. deputado Castilho e Mello.

Sala das sessões, 16 de novembro de 1870. = O deputado pelo circulo n.º 64, Augusto da Cunha de Eça e Costa.

N.º 16-M

Senhores. — O artigo 54.° da carta de lei de 27 de julho de 1855, dispondo que «a começar do 1.° de janeiro de 1865, nenhum individuo que tenha completado a idade de vinte e um annos, posteriormente áquella data, possa ser nomeado para emprego publico de qualquer ordem sem que apresente certidão de como fóra recenseado e entrara no sorteamento nos termos da mesma lei», por certo teve em vista actuar de uma maneira indirecta para pôr cobro a fraudes com que alguns mancebos, ou seus parentes, procurariam illudir a lei, eximindo do tributo de sangue os que a elle estão sujeitos; entretanto, tão ampla é aquella disposição e tal o seu rigor, inhabilitando irremissivelmente para o serviço publico individuos que, na sua menoridade e as mais das vezes sem culpa propria, apenas occorreram em omissões, que eu hesito em qualifica-la de iniqua, propondo-vos a sua immediata revogação.

Quando aos criminosos por graves attentados contra a segurança individual ou da propriedade se faculta rehabilitação completa para a vida social, não se oppondo a lei a que, depois de cumprirem as penas em que foram condemnados, sejam admittidos aos serviços do estado, não póde nem deve permanecer na legislação de um para liberal uma pena durissima, sem a possibilidade sequer de futura remissão, pena eterna que raras vezes recaíra sobre os verdadeiros culpados, e que, mesmo quando por excepção vá punir os unicos responsaveis do facto, corresponde a um delicto de simples omissão e não a um crime, qualificado como tal pelo nosso codigo penal.

O artigo 57.° da predita lei, modificado pelo 1.° da de 9 de setembro de 1868, dispondo que só ao cabo de quinze annos prescreva a obrigação dos recenseados e não isentos de prestarem os annos de serviço no quadro effectivo do exercito e na reserva, que legalmente se acha estabelecido, posto deva considerar-se absolutamente justo, não me parece muito em harmonia com o artigo 6.° da primeira das citadas leis, a qual prefixa em vinte e dois annos o maximo da idade em que possa ser recenseado qualquer individuo para o serviço militar.

Parece-me pois, senhores, que para evitar sonegações a este pesado, mas indispensavel imposto, mais concorrerá a amplificação da idade, estatuida pelo artigo 6.° da lei de 27 de julho de 1855 e a correspondente modificação no artigo 57.°, assim como a substituição por outra muito mais leve da pena gravissima comminada no artigo 54.° da mesma lei, do que a conservação de taes disposições, embora ellas fossem sempre escrupulosamente cumpridas e não preteridas ou sophismadas, como tantas e tantas vezes o tem sido a ultima d'ellas.

Em presença d'estas considerações tenho a honra de submetter-vos o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.° Nos recenseamentos para o serviço do exercito serão comprehendidos todos os mancebos de vinte a vinte e um annos de idade, e bem assim os de vinte e um a trinta annos que não houverem sido recenseados no seu domicilio legal.

§ unico. Estes serão comprehendidos nos recenseamentos das freguezias e concelhos em que se encontrarem na epocha d'aquella operação, embora ali não seja o seu domicilio legal; serão porém eliminados logo que provem por certidão authentica acharem-se inscriptos nos recenseamentos da sua naturalidade ou domicilio.

Art. 2.° Tanto a obrigação de prestar tres annos de serviço effectivo nos corpos do exercito e cinco na reserva, como a de prestar mais tres annos, como dispõe a lei de 9 de setembro de 1868, como as disposições vigentes da legislação anterior, relativas aos refractarios, só prescrevem dois casos:

1.° Por ter o recenseado completado a idade de trinta e cinco annos;

2.° Por haverem decorrido dez annos completos, contados da data da publicação do respectivo recenseamento.

Art. 3.º Quem não houver completado trinta e cinco annos anteriormente á data da presente lei não poderá ser nomeado para emprego publico algum sem que prove que serviu no exercito como voluntario, por tempo não inferior a tres annos, ou que foi recenseado e sorteado nos termos da lei para o serviço militar, ou finalmente que, não o tendo sido, pagou á fazenda uma multa correspondente ao dobro do preço de uma substituição no anno em que devera entrar no recrutamento.

§ unico. Estas multas serão pagas em qualquer recebedoria do reino ou ilhas, com guia do respectivo escrivão de fazenda, passada a requerimento do interessado.

Art. 4.º Ficam substituidos pelos tres artigos antecedentes os artigos 6.°, 54.º e 57.° da lei de 27 de julho de 1855, e revogada toda a legislação em contrario.

Sala das sessões, 16 de maio de 1870. = Augusto Ernesto de Castilho e Mello, deputado pelo circulo n.º 27.

O sr. Presidente: — Este projecto já foi approvado na generalidade, agora discute-se na especialidade.

Está em discussão o artigo 1.°

O sr. Secretario (Adriano Machado): — A este artigo tinha apresentado o sr. Mariano de Carvalho a seguinte substituição:

«Os individuos que na data da publicação d'esta lei contarem vinte e um a vinte e cinco annos de idade, e tiverem incorrido na sancção penal do artigo 54.° da carta de lei de 27 de julho de 1855, poderão habilitar-se para exer-

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cer empregos publicos, quando paguem o preço da substituição dos refractarios relativo á epocha em que deveriam ter sido incluidos nos respectivos recenseamentos.»

O sr. Barros Gomes: — Pedi a palavra simplesmente para chamar a attenção de v. ex.ª e da camara, sobre o facto da ausencia dos srs. ministros respectivos no momento em que se está discutindo ou procura discutir um projecto de lei, que altera disposições importantes da lei do recenseamento. (Interrupção que se não percebeu.) S. ex.ªs foram chamados á camara dos pares e não podem estar presentes aqui. A maneira por que me exprimi não envolvia pensamento de censura a s. ex.ªs, e se pareceu envolver, desde já rectifico a expressão de que usei.

Simplesmente queria chamar a attenção da camara para o facto de se discutir uma lei d'esta importancia na ausencia dos srs. ministros do reino e da guerra; parece-me que esta rasão é tão convincente, que bastará enuncia-la, para que immediatamente a camara se convença da necessidade de deixar esta discussão para momento mais opportuno, para quando os srs. ministros respectivos possam assistir á discussão e emittir a sua opinião.

O sr. Ministro da Fazenda (Carlos Bento): — Eu fui prevenido pelo illustre deputado, e a ausencia dos meus collegas é justificada pela necessidade do assistirem á discussão que tem logar na outra camara.

O sr. Francisco de Albuquerque: — De fórma alguma posso conformar-me com a opinião do meu illustre collega o sr. Barros Gomes, e mesmo com a expressada pelo sr. ministro da fazenda.

Entendo que este projecto desde que foi dado para ordem do dia e discutido, não digo largamente mas suficientemente, na presente legislatura na sessão passada, e desde o momento em que o pensamento d'elle, em todas as suas disposições, é já tão conhecido da camara, não temos necessidade de esperar ouvir a opinião do governo a este respeito. Para mim, seja ella qual for, não influe nada no meu modo de votar. E não posso deixar de sentir que o sr. ministro da fazenda, que está presente, deixasse de se pronunciar a favor d'este assumpto, que é importante e cujo adiamento produz damnos irreparaveis.

Opponho-me por consequencia ao adiamento, por mais tempo, da solução d'este negocio, que é conhecido de toda a assembléa, e para a solução do qual não é precisa a opinião do governo, e, quando o fosse, estava presente o sr. ministro da fazenda que a podia dar. Concluo dizendo que voto contra o adiamento.

O sr. Visconde de Moreira de Rey: — É para mostrar a v. ex.ª, pelo que se está vendo, a inopportunidade da occasião que v. ex.ª escolheu para me cortar a palavra ou para deixar de m'a conceder, passando á ordem do dia, quando acabava de a dar, nas mesmas circumstancias, a outro illustre deputado.

Em relação a este projecto, parece me pouco regular que a discussão continue, a não ser que o sr. ministro da fazenda declare que representa o governo e que deseja que esta discussão progrida.

Mas s. ex.ª na explicação que deu, abstendo se de tocar n'este ponto, mostrou claramente que não lhe convinha continuar esta discussão na ausencia do governo.

O sr. Presidente: — Peço licença ao sr. deputado para lhe observar que não lhe cortei a palavra. Era preciso passar á ordem do dia e succedeu ser o sr. deputado o ultimo que tinha pedido a palavra e eu não lh'a puder dar.

Emquanto ao sr. deputado Rainha peço perdão ao sr. deputado para lhe observar que não é exacto o que disse. O sr. Rainha tinha pedido a palavra immediatamente depois de fallar o sr. ministro da justiça, e apesar do sr. deputado ter feito uma pergunta ao sr. ministro, e este respondido, eu declaro que não lhe dei a palavra, porque como havia mais srs. deputados inscriptos não era regular que s. ex.ª precedesse aos outros.

O sr. Visconde de Moreira de Rey: — Agradeço a explicação de v. ex.ª e declaro-me satisfeito.

Quando me referi á desigualdade das circumstancias entre mim e um meu collega, foi porque s. ex.ª tinha feito uma pergunta ao sr. ministro da justiça, e emquanto este respondia, áquelle illustre deputado pediu a palavra para lhe responder. Eu fiz o mesmo, dirigi algumas reflexões ao sr. ministro das obras publicas, e emquanto s. ex.ª me respondia, pedia a palavra para responder tambem. V. ex.ª concedeu-a ao meu nobre collega, e recusou-m'a a mim. Não era esta a pratica d'esta casa, e eu julguei ter motivo para reclamar. Agora aceito e agradeço a explicação de v. ex.ª

O sr. Presidente: — Ainda tenho a dizer ao sr. deputado que não lhe dei a palavra quando a pediu para fazer um requerimento, porque o artigo 5.º do regimento é claro

dizendo (leu).

Por consequencia quando se fizer alguma proposta sem se attender a este preceito do regimento, eu não lhe posso dar seguimento.

O sr. Barros Gomes: — Tencionava ainda agora, em conclusão das breves considerações que apresentei á camara, nas quaes procurei demonstrar a inconveniencia de se continuar na discussão de um projecto de lei d'esta natureza na ausencia dos srs. ministros respectivos, mandar para a mesa uma proposta.

E para reparar essa omissão que pedi a agora a palavra a v. ex.ª e tenho a honra de mandar para a mesa a seguinte proposta.

Leu se na mesa a seguinte:

Proposta

Proponho que se adie a discussão d'este projecto de lei até poderem assistir a ella os srs. ministros da guerra e do reino.

Sala das sessões, em 13 de março de 1871. = O deputado por Santarem, Barros Gomes.

O sr. Francisco de Albuquerque: — Poucas palavras tenho a dizer.

Provavelmente vae votar-se o adiamento; parece-me ver a camara disposta a isso. Mas eu não posso deixar de protestar com o meu voto contra tal resolução, porque estou convencido de que, não se tratando agora d'este projecto, não se discutindo elle n'esta occasião, ficará no limbo, para não voltar mais a esta casa (apoiados).

Oxalá que me engane; mas hei de dizer o mesmo, se tiver assento n'esta casa, de hoje a um ou dois annos.

Voto contra o adiamento, e protesto assim contra elle.

Posto á votação o adiamento, foi approvado.

O sr. Presidente: — Passa-se á discussão do projecto de lei n.º 29.

É o seguinte;

Projecto de lei n.º 29

Senhores. — Á vossa commissão de guerra foi presente o projecto de lei n.º 25-A, apresentado á consideração da camara pelos srs. José Bandeira Coelho de Mello e Domingos Pinheiro Borges.

A vossa commissão, adoptando as rasões apresentadas pelos illustres signatarios do projecto, e considerando que convem regular de uma maneira permanente o assumpto a que elle se refere, propõe a seguinte substituição:

Artigo 1.º É o governo auctorisado a pôr á disposição da direcção geral de engenheria, para serem empregados nas commissões de sua dependencia, os alferes que tiverem obtido este posto na conformidade do que dispõe, no artigo 45.° e seus §§, o decreto de 24 de dezembro de 1863, por terem concluido o curso de engenheria militar.

Art. 2.º Aos officiaes, a que se refere o artigo antecedente, será contado o tempo de serviço que fizerem sob as ordens da direcção geral de engenheria, como se fosse serviço effectivo nas armas de infanteria ou cavallaria, para o effeito de serem promovidos ao posto de tenentes, Como estabelece o citado artigo 45.° e seus §§.

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Art. 3.° Estes officiaes terão direito ás gratificações determinadas no regulamento provisional do real corpo de engenheiros, de 12 de fevereiro de 1812, para os segundos tenentes de engenheiros,

Art. 4.º Fica revogada toda a legislação em contrario.

Sala da commissão, 17 de dezembro de 1870. = Barão do Rio Zezere = Alberto Osorio de Vasconcellos = José Elias Garcia = José Bandeira Coelho de Mello = João Candido de Moraes (relator).

O sr. Mariano de Carvalho (sobre a ordem): — Creio que a respeito d'este projecto subsistem as mesmas rasões que em relação ao anterior: não se póde discutir na ausencia do sr. ministro da guerra. E como outro tanto succederá com respeito a quantos projectos forem postos á discussão, mando para a mesa uma proposta, não só para que este projecto seja adiado, mas tambem para que se encerre a sessão.

Leu-se na mesa a seguinte

Proposta

Proponho que esta discussão seja adiada até estar presente o sr. ministro da guerra, e que se encerre a sessão.

Camara, 13 de março de 1871. = Mariano.

O sr. Presidente: — Está em discussão esta proposta, mas devo lembrar á camara que contém duas propostas distinctas, uma de adiamento, outra para se encerrar a sessão.

O sr. Francisco de Albuquerque: — Sinto summamente ter sido prevenido pelo meu collega e amigo, o sr. Mariano de Carvalho, na proposta que acabou de mandar para a mesa. Eu estava escrevendo uma proposta nos mesmos termos.

Enteado que não deve ser discutido este projecto de lei, na ausencia do sr. ministro da guerra, de quem não sabemos o que pensa a este respeito.

E, julgando este projecto de muito maior importancia do que o que ha pouco foi adiado, approvo que seja adiado até estar presente o governo; e, como fui prevenido pelo meu collega, não mando para a mesa a minha proposta.

O sr. Osorio de Vasconcellos: — Começo por declarar que sinto discordar completamente da proposta apresentada pelo meu collega e amigo, o sr. Barros Gomes, e por isso a rejeitei, porquanto não comprehendo que o parlamento, tendo attribuiçoes que lhe são proprias, que lhe são inherentes, precise da presença do poder executivo para deliberar sobre um dado assumpto.

Se no decurso da discussão se mostrar a necessidade de que o poder executivo, no seu total, ou em cada um dos seus membros, venha dar subsidios para que essa discussão corra o melhor possivel, estou completamente de accordo em que seja chamado esse poder; mas emquanto não se levantarem duvidas, julgo completamente desnecessario, inutil e adverso ao espirito do systema constitucional, que nos rege, estarmos a oblitera-lo e a esquece-lo no seu proprio fundamento.

Portanto, a conclusão logica e immediata que tiro d'estes principios que acabo de apresentar, é que aceito e concordo plenamente com a proposta apresentada pelo meu collega e amigo, o sr. Mariano de Carvalho,

Manietando-se o parlamento, desconhecem-se-lhe todas as garantias, transtorna «e lhe o seu caracter, muda-se-lhe a sua feição e não sei o que estamos aqui a fazer.

N'uma discussão que prendia com o ministerio da guerra, e que foi ventilada n'esta casa na sessão anterior, alguem levantou esta mesma questão previa, dizendo que o governo não estava representado, que o sr. ministro da guerra estava doente; e o sr. ministro da fazenda, Carlos Bento, levantou-se e declarou que os ministros eram solidarios e portanto o governo estava representado por alguns dos seus membros.

Portanto o governo estava representado logo que um dos seus membros estivesse nas cadeiras ministeriaes.

À conclusão tirada agora pelo sr. ministro da fazenda é exactamente opposta á que s. ex.ª tinha tirado n'aquella occasião. Note-se que pelo facto anterior, e em virtude dos principios que formam a existencia intima do systema constitucional, eu rejeitei aquella proposta e aceito plenamente a proposta apresentada pelo sr. Mariano.

O sr. Santos e Silva: — Quando eu n'esta casa voto uma moção qualquer de adiamento, a respeito de um projecto, que esteja em discussão, pelo facto de não estar presente o respectivo ministro, não voto a indispensabilidade da presença do governo para toda e qualquer discussão; exprimo apenas a necessidade da presença do poder executivo em relação a uma determinada questão, quando preciso esclarecimentos. Não quero com o meu voto dizer que eu, membro do parlamento, estou inhabilitado para discutir desde o momento era que as cadeiras ministeriaes não estejam guarnecidas pelas pessoas dos srs. ministros.

Já vê v. ex.ª que, em these, não posso aceitar adiamentos que têem por fim suspender a discussão de qualquer assumpto pelo facto de não estar presente o governo.

Se ha effectivamente uma proposta ou projecto de lei, que póde e deve ser discutido, dispensando o parlamento esclarecimentos por parte do poder executivo, ou porque os póde dar a respectiva commissão, ou o relator, se os ha, está claro que nós podemos e devemos larga e desassombradamente discutir. Mas quando se dá a hypothese contraria, acho muito sensato e prudente, que suspendamos a discussão e passemos a outro assumpto, se o ha, desde que por parte de quaesquer membros d'esta casa se offereçam duvidas, que só o governo possa esclarecer. Isto foi exactamente o que aconteceu. Se um membro d'esta casa disse, que não estava habilitado para poder votar um projecto de lei sem estar presente o governo para dar certas explicações, visto que a materia era importante; se de mais a mais um dos membros do ministerio foi o primeiro que declarou concordar com as observações feitas por um illustre deputado, por entender que era precisa a presença dos seus dois collegas, os srs. ministros da guerra e do reino, entendo que o parlamento andou muito bem em votar a moção de adiamento, proposta pelo sr. Barros Gomes.

Isto quanto á primeira parte.

Depois deu v. ex.ª para discussão um outro projecto de lei, que se me afigura tambem complicado e que prende com interesses serios; porque se bem que eu o ouvi ler rapidamente, entretanto parece-me que não é uma questão que se possa votar por surpreza.

Por parte de um illustre deputado apresentou-se então uma moção para se sustar toda a discussão até que estivesse presente o governo, e se encerrasse a sessão.

Adopto em parte a proposta do sr. deputado, mas não nos termos em que está concebida, e muito menos pelas rasões com que a sustentou. Estou convencido de que não se deve progredir na discussão d'esse projecto importante, que exige explicações do sr. ministro da guerra.

Voto parte da moção, mas não no sentido de entender que é precisa sempre a presença do governo para discutir toda e qualquer proposta que v. ex.ª declare em discussão.

Não voto a segunda parte, porque v. ex.ª é quem regula os trabalhos d'esta casa (apoiados). V. ex.ª é o juiz competente para declarar o momento opportuno em que se deve levantar a sessão. Se entendermos que v. ex.ª não marcha em harmonia com o regimento, ou em harmonia com a opinião da camara, ella então fará as observações que entender convenientes; mas nunca hei de votar moções que tenham por fim propor, em casos d'estes, que se encerre a sessão pelos motivos em que o seu auctor a fundamentou. Póde haver entre os projectos que estão dados para ordem do dia algum que nós possamos discutir, independentemente da presença do governo. Não sei se ha ou não algum n'essas condições. Peço a v. ex.ª que os submetta á analyse da camara pela ordem por que foram indicados. A camara ou discutirá, eu resolverá o que entender mais proprio da sua missão.

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Concluo portanto votando a primeira parte da moção, que ultimamente foi mandada para a mesa, pelas rasões que apresentei, e rejeitando a segunda parte, por entender que ella está em desharmonia com o nosso dever (apoiados).

O sr. Mariano de Carvalho: — Eu, quando mandei para a mesa a minha moção de adiamento, emittia n'ella a minha opinião e consultava a da camara.

Conheço os projectos de lei que estão dados para ordem do dia de hoje, sei quaes são, e sei que a respeito de todos elles tenho duvidas, ácerca das quaes preciso ouvir o governo. Portanto, se propuz que se encerrasse a sessão, foi unicamente com o fito de poupar trabalho á camara e a mim, isto é, foi para não estar a mandar para a mesa successivas propostas de adiamento.

Repito: julgo a presença do governo indispensavel para me esclarecer as duvidas que tenho ácerca dos projectos dados para ordem do dia de hoje. Talvez ámanhã venham alguns, para os quaes eu não julgue indispensavel a presença do governo, e então de certo não proponho nenhum adiamento, ainda que o governo não esteja presente; mas no caso actual propuz que a sessão se encerrasse, porque a não ser assim via-me obrigado a tomar tempo á camara com successivas propostas de adiamento, visto que a respeito de todos os projectos dados para hoje eu tenho duvidas que só o governo me póde esclarecer.

Tambem me não parece que haja invasão nas attribuições de v. ex.ª, se a camara manifestar desejos de que a sessão seja encerrada. Não me lembro de ver no regimento disposição alguma em sentido contrario a esta iniciativa.

O sr. Pedroso dos Santos (para um requerimento): — O sr. Lopo Vaz, de quem acabo de receber um telegramma, deseja que a camara lhe conceda licença para estar ausente durante quinze dias. N'este sentido mando para a mesa um requerimento, para v. ex.ª ter a bondade de consultar a camara a este respeito.

Vozes: — Não ha numero.

O Orador: — Se não houver numero, peço a V. ex.ª que reserve a votação para a sessão seguinte.

O sr. Presidente: — Antes de se verificar se ha ou não ha numero, preciso fazer uma recommendação. Ha duas commissões, a commissão de expostos e a commissão ecclesiastica, que ainda se não constituiram. Peço, pois, aos srs. deputados nomeados para estas commissões, que as constituam com a brevidade que for possivel.

Agora vou ainda designar a ordem do dia antes de se proceder á votação.

A ordem do dia para depois de ámanhã é o parecer n.º 12, da commissão de fazenda, sobre as contas da junta do credito publico, e os outros pareceres que vinham para a ordem do dia de hoje. Amanhã, como ha muitos objectos de que as commissões se devem occupar, a ordem do dia são trabalhos em commissões.

Como ainda não deu a hora e não ha mais nenhum senhor inscripto sobre a ordem do dia vae votar-se.

(Indo a votar-se, reconheceu-se que não havia na sala numero sufficiente de srs. deputados.)

O sr. Presidente: — Não ha numero, e por isso vou fechar a sessão.

Fica tambem para ordem do dia de depois de ámanhã a eleição de um membro para a commissão de instrucção publica, e outro para a do ultramar.

Está encerrada a sessão.

Eram tres horas e um quarto da tarde.

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