O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Página 1

CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

8.ª SESSÃO

EM 26 DE ABRIL DE 1905

SUMMARIO. - Approvada a acta, dá-se conta do expediente e lê o Sr. Presidente os decretos: que concede a exoneração de Ministro do Reino ao Sr. Antonio Augusto Pereira de Miranda; transfere para este logar o Sr. Eduardo José Coelho, e nomeia Ministro das Obras Publicas o Sr. D. João de Alarcão. - Prestam juramento e tomam assento os Srs. Deputados Monteiro Cancella, Mont'Alverne de Sequeira, Egas Moniz, Mario Monteiro e Mathias Nunes. - O Sr. Antonio Cabral apresenta o projecto de resposta ao Discurso da Corôa. - O Sr. Presidente do Conselho. (José Luciano de Castro), dá explicações acêrca da crise. Sobre este assumpto, em sessão prorogada a requerimento do Sr. Antonio Cabral, falam os Srs. Pereira dos Santos, João Franco, Arthur Montenegro, Luciano Monteiro, Cabral Mencada, Martins de Carvalho, Correia Peixoto, Abel de Andrade, e por ultimo novamente o Sr. Presidente do Conselho. - Apresentam pareceres de commissões os Srs. Correia Lima, Garcia Guerreiro e Sinel de Cordes. - O Sr. Rodrigues Nogueira participa a constituição da commissão do ultramar. - O Sr. Ministro da Fazenda apresenta a proposta de lei sobre o exclusivo dos tabacos e conversão das respectivas obrigações. - Encerra se a sessão.

Página 2

2 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Presidencia do Exmo. Sr. Vicente Rodrigues Monteiro

Secretarios - os Exmos. Srs.:

Conde de Agueda

Gaspar de Abreu de Lima

Primeira chamada - Ás 2 horas da tarde.

Presentes - 6 Srs. Deputados.

Segunda chamada - Ás 2 1/2 horas.

Presentes - 76 Srs. Deputados.

São os seguintes: - Abel Pereira de Andrade, Alberto de Castro Pereira de Almeida Navarro, Alexandre Proença de Almeida Garrett, Alfredo Cesar Brandão, Alfredo Pereira, Antonio Alberto Charula Pessanha, Antonio Augusto Pereira Cardoso, Antonio Cassiano Pereira de Sousa Neves, Antonio Ferreira Cabral Paes do Amaral, Antonio Homem de Gouveia, Antonio José Garcia Guerreiro, Antonio Maria Dias Pereira Chaves Mazziotti, Antonio Rodrigues Nogueira, Antonio Rodrigues Ribeiro, Antonio de Sousa Athayde Pavão, Arthur Pinto de Miranda Montenegro, Augusto de Castro Sampaio Côrte Real, Augusto Cesar Claro da Ricca, Augusto Faustino dos Santos Crespo, Carlos Augusto Ferreira, Conde de Agueda, Conde do Alto Mearim, Conde de Castro e Solla, Conde de Paço-Vieira, Conde da Ribeira Grande (D. Vicente), Conde de Sucena, Diogo Domingues Peres, Eduardo Valerio Augusto Villaça, Fernando Augusto Miranda Martins de Carvalho, Francisco Limpo de Lacerda Ravasco, Francisco Miranda da Costa Lobo, Francisco Pessanha Vilhegas do Casal, Francisco Xavier Cabral de Oliveira Moncada, Francisco Xavier Correia Mendes, Francisco Xavier da Silva Telles, Gaspar de Abreu de Lima, Henrique de Carvalho Nunes da Silva Anachoreta, João Catanho de Menezes, João da Costa Santiago de Carvalho e Sousa, João Ferreira Franco Pinto Castello Branco, João Joaquim Izidro dos Reis, João José Sinel de Cordes, João Serras Conceição, João de Sousa Bandeira, Joaquim José Pimenta Tello, Joaquim Pedro Martins, Jorge Guedes Gavicho, José Augusto Moreira de Almeida, José Cabral Correia do Amaral, José da Cruz Caldeira, José Ferreira de Sousa Junior, José Gonçalves Pereira dos Santos, José Joaquim de Sousa Cavalheiro, José Maria de Oliveira Mattos, José Maria de Oliveira Simões, José Maria Pereira de Lima, José Maria Queiroz Velloso, José Osorio da Gama e Castro, José Vicente Madeira, José Vieira da Silva Guimarães, Julio Dantas, Lourenço Caldeira da Gama Lobo Cayolla, Luciano Affonso da Silva Monteiro, Luiz Vaz de Carvalho Crespo, Manuel Antonio Moreira Junior, Manuel Francisco de Vargas, Manuel Joaquim Fratel, Miguel Pereira Coutinho (D.), Ovidio de Alpoim de Cerqueira Borges Cabral, Pedro Doria Nazareth, Thomaz de Almeida Manuel de Vilhena (D.), Vicente Rodrigues Monteiro, Visconde do Ameal, Visconde de Guilhomil, Visconde de Pedralva, Zeferino Candido Falcão Pacheco.

Entraram durante a sessão os Srs.: - Alfredo Carlos Le Cocq, Alvaro da Silva Simões, Antonio Caetano de Abreu Freire Egas Moniz, Antonio Maria de Carvalho de Almeida Serra, Antonio Peixoto Correia, Bernardo de Alpoim de Cerqueira Borges Cabral, Clemente Joaquim dos Santos Pinto, Eduardo Fernandes de Oliveira, Eduardo Frederico Schwalbach Lucci, Fernando de Sousa Botelho e Mello (D.), Gil de Mont'Alverne de Sequeira, Henrique Carlos de Carvalho Kendall, João Maria Cerqueira Machado, João Monteiro Vieira de Castro, João Pinto Rodrigues dos Santos, João de Sousa Tavares, Joaquim José Cerqueira, José Affonso Baeta Neves, José Antonio Alves Ferreira de Lemos Junior, José Augusto de Lemos Peixoto, José Joaquim Mendes Leal, José Mathias Nunes, José Paulo Monteiro Cancella, José Simões de Oliveira Martins, Luiz Filippe de Castro (D.), Luiz José Dias, Luiz Maria de Sousa Horta e Costa, Luiz Pizarro da Cunha de Porto Currero (D.), Manuel Telles de Vasconcellos, Mario Augusto de Miranda Monteiro, Matheus Teixeira de Azevedo, Raul Correia de Bettencourt Furtado, Rodrigo Affonso Pequito, Sertorio do Monte Pereira.

Não compareceram à sessão os Srs.: - Adriano Anthero de Sousa Pinto, Albino Augusto Pacheco, Anselmo Assis de Andrade, Antonio Alves Pereira de Mattos, Antonio Augusto Pires de Lima, Antonio Centeno, Antonio Faustino dos Santos Crespo, Antonio José Gomes Lima, Antonio de Mattos Magalhães, Antonio Rodrigues da Costa Silveira, Antonio Simões dos Reis, Antonio de Sousa Horta Sarmento Osorio, Antonio Tavares Festas, Arthur da Costa Sousa Pinto Basto, Augusto Guilherme Botelho de Sousa, Conde de Carcavellos, Conde de Penha Garcia, Duarte Gustavo de Roboredo Sampaio e Mello, Eduardo Burnay, Emygdio Lino da Silva, Euzebio David Nunes da Silva, Francisco Joaquim Fernandes, Frederico Alexandrino Garcia Ramirez, Gaspar de Queiroz Ribeiro de Almeida e Vasconcellos, João Baptista Ribeiro Coelho, José Alberto da Costa Fortuna Rosado, José Coelho da Motta Prego, Julio Ernesto de Lima Duque, Libanio Antonio Fialho Gomes, Luiz Eugenio Leitão, Marianno Cyrillo de Carvalho, Marianno José da Silva Prezado, Miguel Antonio da Silveira, Paulo de Barros Pinto Osorio, Visconde das Arcas, Visconde da Ribeira Brava, Visconde da Torre.

Página 3

SESSÃO N.° 8 DE 26 DE ABRIL DE 1905 3

ABERTURA DA SESSÃO - Ás 3 horas da tarde

Acta - Approvada.

EXPEDIENTE

1.° Da Presidencia do Conselho de Ministros, participando ter Sua Majestade El-Rei concedido ao Conselheiro Antonio Augusto Pereira de Miranda a exoneração, que pediu, de Ministro e Secretario de Estado dos Negocios do Reino. Transferindo para este cargo o Conselheiro Eduardo José Coelho, e nomeando o Digno Par do Reino D. João de Alarcão Velasques Sarmento Osorio para Ministro e Secretario de Estado dos Negocios das Obras Publicas, Commercio e Industria.

Para a secretaria.

2° Do Ministerio do Reino, acompanhando o seguinte

Decreto

Tomando em consideração a proposta da camara dos Senhores Deputados da Nação, e visto o disposto no artigo 1.° da carta de lei de 3 de setembro de 1842: hei por bem nomear os Deputados Alfredo Pereira e D. Miguel Pereira Coutinho a fim de, pela ordem por que vão designados, supprirem o impedimento eventual e simultaneo do Presidente e Vice-Presidente da mesma Camara.

Paço, em 24 de abril de 1905.= REI. = Antonio Augusto Pereira de Miranda.

Para a secretaria.

3.° Do Ministerio do Reino, enviando uma copia em satisfação ao officio n.° 42, que se refere ao testamento do fallecido José Luiz de Andrade, morador no concelho de Santo Thyrso.

Para a secretaria.

4.° Do Ministerio da Fazenda, enviando copia do contrato do Governo com o Banco Lisboa e Açores para a collocação firme das obrigações do emprestimo destinado ás obras da l.ª secção do porto de Lourenço Marques, e á construcção do caminho de ferro da Swazilandia, satisfazendo assim ao requerimento do Sr. Deputado Augusto Cesar Claro da Ricca.

Para a secretaria.

5.° Do Ministerio dos Estrangeiros, em satisfação ao requerimento do Sr. Deputado José Maria Pereira de Lima, enviando copias das notas de 12 a l5 de fevereiro ultimo, acêrca da conversão das obrigações do emprestimo de 4 1/2 por cento, com garantia do rendimento dos tabacos.

Para a secretaria.

6.° Do Ministerio dos Estrangeiros, informando de que o pedido do Sr. Deputado Clemente Joaquim dos Santos Pinto se acha satisfeito pela remessa dos documentos relativos ao requerimento do Sr. José Maria Pereira de Lima.

Para a secretaria.

7.° Do Ministerio dos Estrangeiros, remettendo 150 exemplares das contas da despesa do mesmo Ministerio, da gerencia do anno economico de 1901-1902 e exercicio de 1900-1901.

Mandaram-se distribuir.

8.° Do Ministerio dos Estrangeiros, remettendo 150 exemplares das contas da despesa do mesmo Ministerio, da gerencia do anno economico de 1902-1903 e exercicio de 1901-1902.

Mandaram-se distribuir.

9.° Do Ministerio da Marinha e Ultramar, remettendo a synopse das providencias de natureza legislativa que foram promulgadas desde novembro de 1904 a abril de corrente anno, não estando reunidas as Côrtes.

Para a secretaria.

10.° Da Sr.ª D. Julia Alves de Magalhães Leite Tavares Crespo, agradecendo o voto de sentimento da Camara pelo fallecimento do Deputado Antonio Lucio Tavares Crespo.

Para a secretaria.

Telegrammas

Cerveira - Exmo. Sr. Presidente Camara Deputados. Lisboa. Rogo a V. Exa. fineza communicar Camara não posso assistir sessão amanhã por motivo justificado. = Deputado Queiroz Ribeiro.

Para a secretaria.

O Sr. Presidente: - Convido os Srs. Silva Telles e Alfredo Pereira a introduzirem na sala, para prestarem juramento, os Srs. José Paulo Monteiro Cancella, Gil de Mont'Alverne Sequeira, Antonio Caetano de Abreu Egas Moniz, Mario Augusto de Miranda Monteiro e José Matinas Nunes.

Foram introduzidos e prestaram juramento.

O Sr. António Cabral: - Mando para a mesa, por parte da respectiva commissão, o projecto de resposta ao Discurso da Coroa.

Mandou-se imprimir.

O Sr. Antonio Rodrigues Nogueira (por parte da commissão do ultramar): - Mando para a mesa a seguinte

Participação

Tenho a honra de participar a V. Exa. e á Camara que se acha constituida a commissão do ultramar, tendo escolhido o Sr. Conselheiro Marianno de Carvalho para presidente e a mim para secretario. - A. R. Nogueira.

Para a secretaria.

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros (José Luciano de Castro): - Sr. Presidente: pela correspondencia official que ha pouco foi lida, está a Camara informada de que, tendo o Sr. Conselheiro Pereira de Miranda pedido e insistido pela sua exoneração do cargo de Ministro do Reino, dignou se Sua Magestade El-Rei conceder-lha, sendo substituido nessa pasta pelo ex-Ministro das Obras Publicas, o Sr. Conselheiro Eduardo José Coelho, e entrando para a das Obras Publicas o Digno Par Sr. D. João de Alarcão.

Sr. Presidente: o Sr. Pereira de Miranda não deixou o Ministerio por quaesquer divergencias com os seus collegas do Governo; antes, pelo contrario, esteve sempre com elles em perfeita conformidade de ideias e de pensamentos.

S. Exa. deixa o Governo unicamente por considerações exclusivamente pessoaes, e principalmente por causa da sua saude, que nos ultimos tempos se tinha aggravado consideravelmente.

Todos sabem, Sr. Presidente, que o Sr. Pereira de Miranda tinha entrado para o Governo summamente contra-

Página 4

4 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

riado, pois que é igualmente sabido que S. Exa., instado por differentes vezes a entrar nos Conselhos da Coroa, sempre se recusara, e se agora modificara o seu anterior proposito foi por attender á situação especial em que eu me encontrava e por um acto de abnegação e dedicação pessoal e politica que eu e o partido progressista nunca poderemos esquecer. (Apoiados).

Contrariado S. Exa. entrou no Governo e contrariado nelle se conservou emquanto as suas forças o permittiram e emquanto a sua consciencia lh'o ordenou.

Tendo, porem, variado as circumstancias, entendeu S. Exa. que devia insistir pela sua demissão, e apesar das minhas reiteradas e sinceras instancias, S. Exa. saiu do Governo, deixando ao mesmo tempo em todos os seus collegas gratissimas recordações da sua valiosa e saudosissima camaradagem.

Sr. Presidente: todos sabem quem é o novo Ministro do Reino: é o Sr. Conselheiro Eduardo José Coelho, antigo parlamentar, antigo Presidente d'esta Camara, antigo Ministro e antigo fuuccionario administrativo. S. Exa. tem dado, na sua já longa e laboriosa carreira publica, provas bastantes para não se poder duvidar de que S. Exa. saberá desempenhar-se honrosamente do exercicio do eminente cargo que lhe foi confiado. (Apoiados).

O Sr. D. João de Alarcão entra pela primeira vez nos Conselhos da Coroa; mas é um antigo funccionario, um parlamentar distinctissimo, cujas faculdades de trabalho e dedicação ao serviço publico só podem ser igualadas pela sua extraordinaria modestia.

E estou certo de que o Sr. D. João de Alarcão saberá, no exercicio do seu novo cargo, manter-se á altura do seu nome e das suas responsabilidades.

Pelo que acabo de expor, vê a Camara que, apesar da entrada de um Ministro e da saida de outro, não houve a menor alteração no programma administrativo, nem tão pouco na situação politica.

São estas as explicações que tenho a dar á Camara.

(O orador não reviu).

O Sr. Pereira dos Santos: - Sr. Presidente: acaba de apresentar-se ao Parlamento o Sr. Presidente do Conselho. É esta a primeira vez que temos o gosto de o ver nesta casa.

Acaba de apresentar tambem o novo Ministerio recomposto, indicando a supposta razão ou motivo da saida do Sr. Conselheiro Pereira de Miranda, fazendo o elogio dos novos titulares das pastas do Reino e Obras Publicas.

Sr. Presidente: quando se apresentou a esta Camara o Governo em outubro, tive o ensejo e occasião de manifestar os meus sentimentos pessoaes relativamente ao Sr. Presidente do Conselho, sendo nessa occasião acompanhado calorosamente por todos os meus illustres collegas, então da maioria parlamentar.

Lembro-me de ter dito que sentia que a ausencia de S. Exa. fosse determinada por motivo de enfermidade, e que esperava e desejava o rapido restabelecimento de S. Exa.

Pessoalmente, ainda neste momento me congratulo pela presença do Sr. Presidente do Conselho, e tanto mais que me honro em ter relações particulares e affectuosas com S. Exa. Mas falando d'este modo, e exprimindo estes sentimentos, estou certo de que tambem interpreto o sentir de muitos dos meus amigos politicos. (Apoiados).

E exprimirei tanto mais o sentimento de todos, quanto é sabido, e até já foi dito no Parlamento, que o nosso illustre e querido chefe, o Sr. Conselheiro Hintze Ribeiro, é amigo pessoal do Sr. Presidente do Conselho.

Todavia, a congratulação meramente pessoal que eu possa fazer não envolve de maneira alguma qualquer congratulação pelo facto de o Sr. Presidente do Conselho vir ao Parlamento, porque, Sr. Presidente, tinha o dever e a obrigação de vir aqui. (Apoiados).

Sim, Sr. Presidente, era necessario regular uma situação anormal, anormalissima mesmo, que se estava tornando insustentavel por ser extraordinariamente duradoura.

Sr. Presidente: o Sr. Presidente do Conselho, chefe do Governo, é quem dirige a politica do mesmo Governo, é a elle que incumbe a direcção da marcha geral dos negocios publicos, dos quaes, pela nossa Constituição, S. Exa. é responsavel perante o Parlamento.

Nós podemos e devemos exigir contas aos Ministros pelos seus actos administrativos, mas tambem as podemos e devemos exigir pelos seus actos propriamente politicos.

Ora as circumstancias exigiam que, por esses actos politicos, o Sr. Presidente do Conselho viesse ao Parlamento directamente e sem delegações.

Eu não posso admitttr, debaixo do ponto de vista do principio da solidariedade ministerial, a substituição de uns Ministros por outros, quando teem de dar explicações ao Parlamento sobre os seus actos.

Não, Sr. Presidente, porque, se nós seguissemos esse principio ou essa theoria, bastava talvez um Ministro para vir ao Parlamento, porque todos iriam successivameute delegando nelle os seus poderes.

Veio emfim o Sr. Presidente de Conselho e no decorrer do meu discurso eu espero ter ensejo de demonstrar que a entrada de S. Exa. nos negocios publicos se estava tornando de absoluta e inadiavel urgencia, se acaso o Governo, que se senta naquellas cadeiras, ainda pode ter forças para fazer alguma cousa de bom e de util neste momento.

Apresentou-se hoje aqui o Sr. Presidente do Conselho e explicou a razão da ultima crise ministerial. Seguiu S. Exa. a praxe usada no Parlamento, e fez mais: satisfez uma necessidade constitucional.

Para mim é duvidoso que qualquer partidario seja sufficientemente livre para não entrar no Governo.

Eu entendo que quando o chefe de um partido diz a um dos seus correligionarios que entre pura a administração do Estado, a esse correligionario, sejam quaes forem as suas conveniencias pessoaes, assiste pelo menos o dever moral de acceder ao convite.

E assim, admittindo que se nem para a entrada no Governo se é completamente livre, pelo menos dentro dos partidos, o que seguramente não posso pôr em duvida, nem acceitar que ninguem possa pôr tambem em duvida, é que um Ministro é livre em sair. Não, Sr. Presidente; não, porque tem responsabilidades e deveres a cumprir. (Apoiados).

Quem assume o cargo de Conselheiro da Coroa contrae responsabilidades com El-Rei e com o paiz.

A propria circumstancia de sair pode, comsigo mesmo, trazer responsabilidades exclusivas na administração, pelas quaes o Parlamento pode e deve tomar contas restrictas.

Saiu o Sr. Pereira de Miranda; por que saiu?

Disse-o o Sr. Presidente do Conselho, mas sinto declarar que não posso acceitar as explicações que S. Exa. deu.

Neste ponto devo dizer, por que eu sempre costumo ser em todas as circumstancias cortez lá fora, mas ainda mais nesta Camara, que para mim é a sala mais nobre d'este paiz (Apoiados); devo dizer que, se S. Exa. não faltou ao respeito devido á representação nacional, todavia se equivocou, cuidando que a informara convenientemente.

Não, porque a explicação que deu da crise, se representa um motivo, é apenas um motivo de ordem muito secundaria.

S. Exa. não veio declarar de facto ao Parlamento qual era a causa principal da saida do Sr. Pereira de Miranda.

Saiu o Sr. Pereira de Miranda porque o seu estado de saude o impedia de continuar no Governo?!

E pode dizer isto um Governo, e pode sair isto da boca do Sr. Presidente do Conselho, que ha seis mezes anda

Página 5

SESSÃO N.° 8 DE 26 DE ABRIL DE 1905 5

completamente afastado dos negocios publicos, sem ao menos tratar directamente com o Augusto Chefe do Estado, perante o qual é directamente responsavel pelas questões de alta politica! (Apoiados).

E é S. Exa. quem vem dizer isto?!

Pode um Governo, em que tal succede, apresentar isto como argumento ?!

Mas não basta!

O Sr. Presidente do Conselho denunciou-se claramente e abertamente.

Não; S. Exa. não está convencido, não o pode estar, de que o Sr. Conselheiro Pereira de Miranda saiu do poder por estar doente.

Pois foi S. Exa. que disse que tinha instado fortemente, vehementemente, para o Sr. Pereira de Miranda continuar no Governo! Pois o Sr. Conselheiro Luciano de Castro sabia, em sua consciencia, que o Sr. Pereira de Miranda estava doente e a sua generosidade permittia-lhe que insistisse com um doente para continuar no Governo? (Apoiados).

Para a explicação da crise terei então de observar e averiguar, para dizer ao Sr. Luciano de Castro e ao Parlamento qual é a razão verdadeira e unica que pode ter a saida do Sr. Pereira de Miranda dos Conselhos da Coroa. Não ha a razão da autoridade do Sr. Presidente do Conselho, quando acima della fica a autoridade da minha razão. Pois, Sr. Presidente, eu venho declarar a razão ao Parlamento, não para o impressionar pela emoção. Não. Ha de ser para o esclarecer pelo raciocinio e pela verdade. E vou dizer ao Sr. Luciano de Castro, numa argumentação cerrada e apertada, a razão por que saiu o Sr. Pereira de Miranda.

Sr. Presidente: quaes são as razões pelas quaes, constitucionalinente, pode sair um Ministro dos Conselhos da Coroa? São: ou pela impossibilidade physica, ou pela falta de confiança da Coroa, ou pela falta de apoio das maiorias parlamentares, ou por divergencias entre os membros do Gabinete, ou, finalmente, quando não se possa dar bem na atmosphera politica; quer dizer, quando se não possa viver bem dentro da acção politica do Governo. Ora vamos successivamente, e por partes, discutir e apreciar estes pontos.

Foi impossibilidade physica? Parece-me que não.

Seria falta de confiança da Coroa?

Sr. Presidente: toda a gente sabe que o Augusto Chefe do Estado, respeitador modelar dos principios constitucionaes, rarissiinas vezes ou nunca se intromette na estructura interna do Ministerio.

Essa mesma circumstancia de tratar quasi directamente com elles faz como que a effectivação de responsabilidade.

Mas supponhamos mesmo que El-Rei tenha na estructura do Gabinete uma acção maior do que a legal. Se o motivo por que saiu o Sr. Pereira de Miranda fosse um motivo de falta de confiança da Coroa, podia o Governo vir ao Parlamento deixar de o dizer claramente? Permittiria a integridade de El-Rei que dentro do Parlamento se calasse essa circumstancia? Não seria El-Rei o primeiro a exigir que se viesse dizer ao Parlamento que o motivo era esse? - Também não foi, portanto, a falta de confiança da Coroa que fez com que saisse o Sr. Pereira de Miranda.

Então por que seria? Seria a falta de confiança das maiorias parlamentares?

Sr. Presidente: nesta Camara apenas a maioria parlamentar ou a Camara se tem affirmado em votações de duas ordens: para eleger commissões e numa votação que houve o outro dia num incidente relativo á questão dos tabacos. Nas primeiras não podia manifestar desagrado; a unica cousa singular e extraordinaria que este anno houve foi que, contra todas as praticas, na grande maioria das commissões não foram introduzidos os membros da opposição regeneradora! Mas, Sr. Presidente, até nos cumpre agradecer esse facto, porque nos dá ensejo de nos esforçarmos por demonstrar no Parlamento, perante o paiz, que somos sufficientemente competentes para tratar de todos os assumptos.

Outro ensejo nos deu ainda: o de procurarmos corresponder á captivante amabilidade do Governo, dispensando as horas que consumiamos dentro das commissões na apreciação minuciosa das propostas e no estudo demorado d'ellas.

As outras manifestações da maioria foram na primeira e unica sessão, até hoje, em que tem sido possivel falarem alguns Deputados da opposição.

Succedeu que tendo eu, no uso ligitimo de um direito que me assiste como Deputado, pedido umas informações ao Sr. Ministro da Fazenda relativamente ao assumpto mais grave (Apoiados) e momentoso que actualmente se debate no paiz - a questão dos tabacos, S. Exa., por um motivo que não tem justificação, mas que simplesmente representa um ataque á lei constitucional, houve por bem não me dar essas informações! O incidente pela sua gravidade deu ensejo a que muitos collegas meus requeressem immediatamente para se abrir inscripção especial, porque alguns queriam tratar o assumpto, o que não era de estranhar dada a sua importancia.

O que fez a maioria? Eu respeito sempre na Camara todas as opiniões e sei apenas que a opinião publica é o juiz supremo que a todos julga, por isso, e sem ideia de censura, direi simplesmente que a maioria votou para consentir no silencio do Governo!

Parece-me que não houve assim da parte da maioria manifestação de desagrado contra elle, antes pelo contrario.

Seria então a divergencia no Conselho de Ministros? Disse o Sr. Presidente do Conselho que não, e natural era a declaração de S. Exa., porque tinha acabado de apresentar-se o Discurso da Coroa, compendiando todas as medidas do Governo tomadas ou a tomar pelas differentes pastas; onde havia a discutir questões de detalhe, e, se o Governo tinha assentado na redacção d'esse documento, claro era que nenhuma divergencia havia.

Estamos chegados á ultima das razões, e vamos ver se ella colhe ou não colhe para o facto da demonstração do motivo por que saiu o Sr. Pereira de Miranda dos Conselhos da Coroa: o Sr. Pereira de Miranda não se dava bem no meio politico em que estava collocado. (Apoiados).

É um symptoma proprio da vida animal e vegetal.

O edelweiss só se dá bem nas regiões alpinas; a orchidea vegeta nas regiões tropicaes, mas se a trouxermos para as regiões temperadas, estiola-se. Na vida animal estes casos são frequentissimos.

Por exemplo, está uma atmosphera temperada, pura, todos respiram bem, mas se começa a carregar-se de electricidade, nem todos resistem: uns ainda esperam que venha um ozone reparador, mas outros teem que fugir.

Podia o Sr. Conselheiro Pereira de Miranda dar-se bem a principio, mas depois começar a toldar-se a atmosphera, sentir-se peor e chegar a uma situação em que não pudesse resistir.

Posto este principio, é facil deduzir logicamente o motivo por que S. Exa. saiu dos Conselhos da Coroa.

Na atmosphera politica em que se desenrolava a acção governativa o Sr. Conselheiro Pereira de Miranda a principio resistiu, mas depois começou a sentir-se estiolado, começou a sentir-se asphyxiado, começou a sentir-se envenenado e fugiu. (Apoiados).

É um facto conhecido e sabido que as affecções moraes se reflectem no proprio organismo.

O Sr. Conselheiro Pereira de Miranda começou a sentir-se mal; adoeceu. É natural.

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros veio dizer á Camara a causa secundaria da saida do Sr. Conselheiro

Página 6

6 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Pereira de Miranda do Ministerio, causa que pode ser verdadeira; mas o que lhe faltou dizer foi a causa principal da saida de S. Exa.

Sr. Presidente: falou tambem o Sr. Presidente do Conselho sobre a competencia dos illustres membros do Governo que estão, um encarregado da pasta do Reino, outro da pasta das Obras Publicas.

Sr. Presidente: na minha opinião entendo que as competencias são as melhores, e sou de opinião que sempre em Portugal os chefes dos partidos teem sempre extrema facilidade para obter as melhores competencias, e digo por quê.

Ha paizes em que os chefes dos governos teem grandes difficuldades em obter gente para os Conselhos da Coroa, porque muitos dos seus homens valiosos se dispensam de assumir essas responsabilidades.

Vou citar um exemplo. Em 1855, pela occasião da saida de lord Glastow, deixando o Ministerio da Fazenda, fizeram-se em Inglaterra larguissimas instancias junto de um politico de grande nome e estadista de grandes qualidades. Era um eminente publicista na Inglaterra e um dos talentos mais considerados; e era homem de uma erudição das mais vastas, que tinha um nome conhecido e venerado era todo o seu paiz, e que havia escripto um estudo sobre colonias, outro sobre as melhores formas de governo e ainda outro estudo politico e philosophico sobre o melhor modo de governar.

Pois este homem, quando instado, disse que não entrava para os Conselhos da Coroa porque não tinha competencia para gerir uma pasta, e só mais tarde, quando vivamente instado, se resolveu a acceitar, dando por motivo que não queria que se pudesse attribuir a egoismo a sua recusa.

Em Portugal ha mais coragem para assumir as responsabilidades de uma pasta.
Quando se trata d'estas transições politicas, ou de constituições dos Governos, e na occasião de recomposições governamentaes, ha sempre maior offerta que procura, e d'ahi resulta que eu imagino que os Governos escolhem sempre melhor porque teem muito por onde escolher.

Não trato da sua competencia, porque S. Exa. comprehende bem quanto isso seria melindroso.

Comprehende-se bem que eu não vou dizer que para melhor orientação ou melhor desenvolvimento da viação ordinaria e accelerada do paiz, que põe em contacto a producção com o consumo, elemento poderosissimo para o desenvolvimento da economia publica; ou que para se occupar, por exemplo, da transmissão do pensamento pelo correio ou pelo telegrapho, ou que, emfim, para tratar essas graves questões da abertura dos nossos portos para dar natural saida aos productos do nosso commercio; ou dos problemas da agricultura nacional, que é o elemento mais poderoso para a riqueza do paiz; que para tratar das importantes questões entre o capital e o trabalho e ainda outras mais graves, seja realmente mais competente o Sr. Eduardo José Coelho ou o Sr. D. João de Alarcão.

Comprehende-se tambem que, por um natural sentimento de delicadeza, não tenho o direito de dizer que para as graves questões de instrucção publica, de onde o nosso paiz fia o desenvolvimento da intellectualidade e que preoccupa todas as nações civilizadas, e para as questões melindrosissimas de saude e segurança, que exigem a maior moderação e prudencia, e para a administração civil e politica do paiz, que em todas as circumstancias requerem o mais absoluto conhecimento por parte de todos os homens de Estado, que emfim em todas as funcções em que delibera o Ministro do Reino, seja mais competente o Sr. Pereira de Miranda que o Sr. Eduardo José Coelho.

Isto de escolher competencias e de obter capacidades para o desempenho das altas funcções do Estado é uma das vantagens que resulta dos partidos politicos, principalmente quando elles são fortes, e só pela organização dos partidos politicos fortes se podem congregar homens indispensaveis para bem gerirem os cargos que lhes forem confiados e honrarem assim a bandeira do seu partido.

É esta, repito, uma grande vantagem dos partidos, mas vantagem que pode tornar melindrosa e grave a situação dos chefes na escolha das competencias, comquanto eu saiba perfeitamente que a dedicação é uma das primeiras qualidades de um politico.

Eu lembro-me de uma frase notavel que saiu da boca de um publicista brilhante, de um estadista eminente, do Conde Brenham, chanceller no tempo do Rei Jorge III, que dizia que nada havia mais deploravel, de mais triste, do que ver numa reunião de capacidades digladiarem-se umas ás outras, em vez de terem uma acção comum, para a salvação e desenvolvimento do paiz.

Estas pequenas considerações vieram incidentalmente e não como insidia, que não é propria do meu caracter, nem da qualidade do meu partido. (Apoiados}.

É minha opinião, e de muita gente, que dos grandes partidos bem disciplinados, é de onde podem partir administrações regulares, soluções de grandes problemas, e quando digo bem disciplinados, não quero dizer sujeição cega ás ordens dos chefes, mas sim a concordancia reflectida com as ordens d'esses chefes. Mas, repito, isto nada tem com a actual recomposição ministerial. Eu de nada d'isto falaria se não fosse o Sr. Presidente do Conselho ter falado em competencia, mas como declaração pede declaração, conselho pede conselho, é que eu fiz estas pequenas considerações sobre o assumpto.

O Sr. Presidente: - Em harmonia com as disposições do regimento aviso o Sr. Deputado que faltam cinco minutos para dar a hora.

O Orador: - Mas eu tenho mais um quarto de hora.

O Sr. Presidente: - Quero dizer que faltam cinco minutos para se entrar na ordem do dia.

O Orador: - Digo eu que só por isso mesmo e tratando genericamente é que falei sobre este assumpto, porque quanto a mim, em questões de competencia, nada tinhamos com isso, nada temos com pessoas. (Apoiados).

Somos opposição e havemos de apreciar os actos do Governo, e pelos actos apreciaremos os Conselheiros da Corôa. (Apoiados).

Mas, Sr. Presidente, se esta questão de competencia é por si uma questão secundaria, temos agora uma questão importantissima, e essa é que é forçoso que seja discutida no Parlamento, e que sobre ella nos pronunciemos: é a questão de saber qual é a influencia que na situação politica actual pode ter a presença do Sr. Presidente do Conselho na ultima reconstituição ministerial.

É precisamente essa a questão de que vou agora occupar-me.

Sr. Presidente: é opinião minha, e é opinião de quasi toda a gente, que a situação politica actual é uma situação extremamente fraca, e diversas razões comprovam esse facto.

Qual é a iniciativa, qual é o acto de valor que praticou o Governo desde que ha seis meses occupa os Conselhos da Corôa? Absolutamente nada.

Estão melhorando as circumstancias financeiras do paiz? É verdade. Mas o que contribuiu para isso? As circumstancias e a abundancia de capitães nos mercados estrangeiros, e a melhoria sensivel do cambio do Brasil. (Apoiados). No interior ha a influencia d'esse tratado que fizemos - o convenio.

Não foi a acção do Governo (Apoiados), foram as circumstancias que para isso teem contribuido.

Não ha nada. Mas temos, Sr. Presidente, uma das ques-

Página 7

SESSÃO N.° 8 DE 26 DE ABRIL DE 1905 7

tões mais graves, a mais grave, a mais momentosa, a questão dos tabacos. (Apoiados).

Sabe-se que se fez um contrato, que foi assignado em 4 de abril, mas até agora o que sabemos mais é que o Governo o que tem feito é seguir, mas peorando, os processos e as normas que combateu violentamente. (Apoiados). Quanto á essencia do contrato, neste assumpto importantissimo pede o Parlamento no uso legitimo dos seus direitos que lhe diga, não qual o contrato em si, mas as bases.

Pois o Governo remette-se ao silencio mais profundo! Com o Governo anterior succedeu o contrario. Quando se assignou o contrato logo no dia seguinte eram dadas à publicidade as bases das operações e nessa occasião era a imprensa officiosa que por todos os modos pedia e insinuava junto do Governo a conveniencia de o fazer; agora está o Parlamento aberto, a quem o Governo tem obrigação de dar contas, e quando no Parlamento se lhe pedem informações, o Governo nega-as. (Apoiados). Este facto em si é o que na consciencia publica mais tem contribuido para mal se julgar do contrato que vae apparecer. Mais ainda. Querem mais symptoma da fraqueza d'este Governo?

Dá-se uma crise ministerial, sabe-se que é no dia de sabbado de Ramos, prosegue em sete étapes successivas, leva sete dias a resolver a questão de uma crise num Governo que faz uma primeira recomposição e que representa um partido, que, diga-se a verdade, tem importantes raizes no paiz e grande auctoridade politica.

O Sr. Presidente:- Deu a hora de se passar á ordem do dia. Se V. Exa. quer, eu consulto a Camara para continuar no uso da palavra.

Consultada a Camara, resolveu affirmativamente.

O Orador: - Agradeço á camara a deferencia attenciosa que tem para commigo, permittindo que eu continue no uso da palavra.

Agora Sr. Presidente, se a fraqueza de um Governo se nota na propria acção governativa, mais se salienta e se nota na propria acção parlamentar.

Estamos a um mez de sessão aberta e ainda se não pôde falar senão um dia. Demorou-se propositadamente a constituição da Camara; constituida ella, os illustres Ministros consumiram o tempo que podia ser dado para os Deputados se inscreverem antes da ordem do dia, na leitura de propostas e regulamentos de problematica utilidade para o paiz. Além d'isso estamos na estação calmosa, e sabendo o Governo que esta sessão não pode, por esse motivo, ser longa, quando tudo aconselhava a que o tempo fosse estrictamente aproveitado, entrou numas ferias de Paschoa que nunca foram tão dilatadas. (Apoiados).

Tudo isto demonstra o proposito accentuado do Governo de inutilizar ou, pelo menos, de tornar improficua a sessão parlamentar.

Contra isto protestamos nós que queremos o prestigio do Parlamento o que fugindo a todos os actos que signifiquem menos vontade de discutir, não faremos jogo de porta nem estaremos todos os dias contando os Deputados na sala.

O barulho e o panico fazem mal, e eu não quero no paiz essa agitação turbulenta da idade media nem as perturbações politicas do tempo da revolução franceza.

Somos, porém, parlamentares; temos de cumprir o nosso mandato; seduzem-nos as luctas da palavra; enebriam-nos as victorias do pensamento, sejam de um campo ou de outro. Queremos o trabalho, queremos a lucta. É esse o nosso direito.

Em resumo: a situação politica actual define-se em largos mas nitidos traços no seguinte esboço:

Na acção do Governo, completa inacção; na acção do Parlamento, absoluta e perfeita esterilidade. Isto serão signaes de vida? Não, são symptomas de morte.

Se a vinda do Sr. Presidente do Conselho de Ministros á Camara e a recente recomposição, que foi formada em quarta feira de cinzas e em quinta feira Santa, e annunciada nos repiques da Alleluia puder dar nova vida á acção governativa e á acção parlamentar do Ministerio, nós, os da opposição regeneradora, seremos os primeiros a entoar fervorosos canticos e hossanas ao novo Governo redemptor.

Tenho dito. (Vozes: - Muito bem.

(O orador foi cumprimentado).

(O orador não reviu as notas tachygraphicas).

O Sr. João Franco: - Sr. Presidente: é esta a primeira vez que tenho a honra de falar nesta Camara depois da minha violenta expulsão do Parlamento, e ao fazê-lo folgo com isso.

Se a presença do Sr. Presidente do Conselho de Ministros significa a accentuação das suas melhoras, felicito S. Exa. e folgo de ter ensejo de mostrar assim que nem a respeito de S. Exa. nem de ninguem me determinaram alguma vez sentimentos de feresa ou de odio pessoal, como a intriga politica quiz ver e fazer ver, envenenando palavras de uma discussão que eu não fui o primeiro a irritar, e que se por acaso tivessem sido proferidas, intencional e propositadamente, nenhum mal fariam ao Sr. José Luciano de Castro, mas a mim proprio somente, pelos ruins instinctos que denotavam.

Ora eu não sou bastante mau nem sou bastante estupido para assim ter procedido.

Mas, Sr. Presidente, cumprido assim gratamente os deveres de deferencia e de attenção pessoal, merecidas e devidas, e com a sinceridade e franqueza que sempre foram o melhor apanagio da minha vida parlamentar, e talvez o unico, vou occupar-me da crise politica, objecto d'esta discussão e de que, ha pouco, deu noticia a esta Camara o Sr. Presidente do Conselho.

S. Exa. communicou que o Sr. Pereira de Miranda desejara sair do Ministerio por se terem aggravado os seus padecimentos.

Levado o facto ao conhecimento de Sua Magestade El-Rei, foi resolvido passar para a pasta do Reino o Sr. Eduardo José Coelho e entrar para a das Obras Publicas o Sr. D. João de Alarcão.

Apparentemente é o facto muito natural e correcto, desde que se não pode obrigar um Ministro a manter-se no seu posto contra sua vontade, e desde que a Coroa tem a faculdade de nomear livremente os Secretarios de Estado.

Portanto não ha nada mais correcto, Sr. Presidente, uma vez que se prove que os factos que entre nós se estão presenceando são uma realidade e não uma apparencia simplesmente.

Na realidade das cousas, a verdade é que o Sr. Pereira de Miranda não saiu do Ministerio; e não saiu, porque nunca entrou. Ficou sempre á porta, tapando-a e guardando-a.

Dentro estava o Sr. José Luciano.

O Sr. Pereira de Miranda com a sua costumada lealdade não occultava este facto a ninguem.

Poucos dias depois de se collocar á porta do Ministerio, foi procurado pela Associação Commercial de Lisboa, e S. Exa. disse que estava ali por pouco tempo.
Estava fazendo um quarto de sentinella.

Não posso acreditar que se o Sr. Pereira de Miranda fosse, de verdade, o Ministro do Reino, o Ministro responsavel, e não apenas um Ministro de fazer quarto de sentinella, fugisse do Parlamento para não dar conta dos seus actos. Não se lhe apresentou, porque a sua funcção era só a de tapar a porta que accedera em guardar.

Também a razão da sua saida não é a sua doença, por-

Página 8

8 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

que todos nós o temos visto nos ultimos dias nas ruas de Lisboa, passeando de carruagem. (Apoiados).

O que S. Exa. quiz foi restituir o logar a quem de direito elle pertencia-ao Sr. Presidente do Conselho; mas o Sr. José Luciano, não podendo tomar conta da pasta, arranjou outra sentinella para fazer quarto á porta do Ministerio do Reino.

Por isso disse - os factos encarregam-se de demontrá-lo - o Sr. Pereira de Miranda não saiu, porque nunca entrou; elle não esteve naquelle logar; senão unica e exclusivamente por dedicação politica.

A crise, que foi annunciada pelo Sr. Presidente do Conselho, é natural na apparencia, embora na realidade se]a de gravidade.

O Sr. Pereira de Miranda não saiu, repito, porque nunca entrou, assim como o Sr. Eduardo José Coelho não entrou na pasta do Reino e está á porta, guardando-a, até que venha outro substitui-lo.

Disseram os jornaes progressistas que S. Exa. se encarregarra da pasta do Reino por ser o Ministro mais antigo.

Não me surprehende o facto, desde que no nosso paiz os homens não são escolhidos para as pastas, conforme as suas aptidões, o seu saber, tino politico e actividade. A antiguidade é que dá logar ao quarto de sentinella inglorioso.

Sinto a saida do Sr. Pereira de Miranda, tanto mais que os meus sentimentos pessoaes para com S. Exa. são de sincera amizade pelo seu caracter e espirito liberal, mas é forçoso considerar a sua saida nos devidos termos.

É forçoso ver que nem o negocio convem ao Sr. Pereira de Miranda, nem S. Exa. convem ao negocio.

Parece-me ser esta a realidade das cousas, e estou convencido de que todos os que dão a honra de ouvir-me, sem discrepancia de opiniões e cor politica, se não todos, pelo menos grande parte, pensam como eu, vendo nas minhas palavras os seus proprios pensamentos.

A crise ainda existe, e não começou na semana anterior á Semana Santa, principia da formação do Governo; é mesmo anterior ainda: vem do estado de saude do Sr. José Luciano de Castro e data do anno de 1900.

Vem de tão longe que eu, ha quatro annos afastado d'esta casa, ao entrar hoje nella, ao escutar o Sr. Presidente do Conselho, pareceu-me que tinha voltado a 1900, quando S. Exa. presidia tambem á situação politica, padecendo esta da crise politica de que hoje se trata.

Na Camara dos Dignos Pares o Sr. Hintze Ribeiro recusava-se terminantemente a discutir certos e determinados assumptos, não estando presente o Sr. Presidente do Conselho, e de tal forma julgava indispensavel a sua presença, que provocou na camara uma votação, e como esta lhe foi contraria, elle e todos os seus amigos sairam da sala. E que já então se dava a crise de que ainda hoje soffre o Ministerio progressista.

Mas se pelo contrario a presença de S. Exa. significa que se encontra em situação pessoal e politica de poder acompanhar as discussões parlamentares, com aquella assiduidade e actividade que importam as funcções que exerce, essa crise, que de ha tanto tempo o vem affligindo, terá solução, por isso que ella se resolve pelas completas melhoras de S. Exa. De outro forma, não; a continuar esta razão fundamental de crise, esta somente se resolve com a organização de outra situação ministerial, mais saudavel do que esta.

S. Exa. não tem querido adoptar esta segunda solução, que decerto não lhe daria menos grandeza; mas com isto nada tenho.

Não tenho que discutir os actos da Coroa, mas o que digo e repito, e foi para isto que pedi a palavra, é que é necessario que a situação se apresente em condições de inspirar confiança inteira ao Parlamento e ao paiz, garantindo que não pode só com o peso dos negocios do Estado, mas tambem com é das discussões parlamentares, por que nós não temos outra liquidação de responsabilidades que não seja no Parlamento.

Em vinte e tantos annos de vida parlamentar nunca vi um Ministerio deixar de ter voto de confiança da parte das maiorias.

Não se pode pedir contas aos homens que se sentam naquellas cadeiras, senão pela discussão parlamentar.

Eu disse no principio das minhas considerações que falaria com toda a franqueza e sinceridade, e é precisamente o que estou fazendo, porque cada vez mais me convenço de que a franqueza e a sinceridade são a grande eloquencia.

Desejo que o Sr. Presidente do Conselho venha aqui, não para fazer um acto de presença e dar prova da sua validez, mas para que, sem que a sua saude possa ser prejudicada, assista aos debates parlamentares sempre que a sua presença seja reclamada, pela necessidade conhecida e justa de se discutirem no Parlamento os assumptos mais importantes que são o da responsabilidade do Governo.

Não ha muitos mezes, Sr. Presidente, que em Italia o Sr. Giolitti, Presidente do Conselho, foi levado a pedir a demissão de todo o Ministerio, porque teve um ataque de influenza, e a fraqueza consequente d'essa doença, segundo a sua propria declaração feita ao Rei e ao Parlamento, o cohibia de tomar nos debates parlamentares aquelle papel, aquella actividade effectiva e real que como chefe do Governo lhe incumbia.

São de hontem os exemplos de Gladstone e de Salisbury, abandonando o poder para se fazerem substituir, continuando as glorias do seu partido; por quem pudesse servir a Coroa e o paiz com aquella actividade que hoje, mais do que nunca, demanda a gerencia dos negocios publicos, mais complexos do que então, e poderem no Parlamento tomar-se contas da responsabilidade dos seus actos.

Pois bem, Sr. Presidente, se isso noutros paizes tem sido julgado indispensavel pelo criterio e consciencia de tão altas individualidades politicas, eu direi que no nosso paiz, e com o actual Governo, mais necessario e indispensavel isso é.

Que o Sr. Presidente do Conselho é cioso do seu poder e do seu mando, sabe-o toda a gente; e numa assembleia politica como esta não é preciso gastar muito tempo para fazer a demonstração.

Não ha negocio mais importante em que S. Exa. não intervenha sempre, como é seu direito e como é do seu caracter, de uma forma a imprimir a sua direcção, primeiro, e em seguida a sua resolução; aquelle sentir que elle julga mais consentaneo ao seu modo de pensar.

Não ha duvida, Sr. Presidente, que nestas circumstancias e attendendo ainda a essa outra a que eu já me referi, que de todas as responsabilidades o Governo só tem a da discussão parlamentar, que a presença do Sr. Presidente do Conselho é entre nós mais necessaria do que em qualquer outro paiz, porque entre nós o debate parlamentar exige tambem maior actividade e capacidade de trabalho.

Pois bem, Sr. Presidente, eu termino estas breves considerações que entendi do meu dever fazer, dizendo que no interesse do prestigio parlamentar, no interesse do paiz e até no da Coroa, eu folgava que a presença aqui do Sr. Presidente do Conselho não representasse só a melhoria da sua saude, mas o reconhecimento da necessidade impreterivel, inadiavel de tomar nos debates parlamentares aquelle papel que lhe incumbe e por uma forma que não possa ser de qualquer maneira illaqueada nem illudida.

Por isso nas futuras discussões que nesta Camara ha de haver e nas vezes em que eu nellas tomar parte e usar da palavra, hei de dirigir-me ao Sr. Presidente do

Página 9

SESSÃO N.° 8 DE 26 DE ABRIL DE 1905 9

Conselho e ver nelle o principal responsavel, como vejo, dos actos do Governo, quer para sua gloria, quer para a sua culpa. Eu desejarei então, não só vê-lo no seu logar, mas em circumstancias que permittam inteira, completa e absoluta liberdade de acção, sem que eu, que me encontro numa situação muito especial, possa ser accusado ou acoimado de esquecer deferencias que nunca esqueci, attenções que desejo manter, mas sem esquecer tambem os deveres que não posso deixar de cumprir.

(O orador não reviu).

O Sr. Arthur Montenegro: - Sr. Presidente: vou ter a honra de usar da palavra para expor o voto da maioria da camara dos Senhores Deputados, em face da crise ministerial que o Sr. Presidente do Conselho acaba de expor.

Mas antes d'isso seja-me licito dirigir ao Sr. Conselheiro José Luciano de Castro as mais cordiaes felicitações pela sua presença nesta Gamara, prova de que as melhoras do seu estado de saude se vão accentuando sempre.

O Sr. Presidente do Conselho sabe bem a sinceridade que ha nestes meus dizeres.

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros (José Luciano de Castro): - Apoiado!

O Orador: - E, todavia, eu neste momento não falo em meu nome pessoal, falo em nome de uma collectividade. (Apoiados). Mas o Sr. Presidente do Conselho, que é chefe de um grande partido politico, sabe tambem que tem um amigo dedicado em cada um dos seus correligionarios. (Apoiados).

Sr. Presidente: nunca os applausos me foram tão gratos como os que neste momento me dá a assembleia. Não são elles dados á palavra nem a quem a pronuncia. A palavra é sem brilho e o orador é sem auctoridade, mas d'esta simplicidade resalta com mais brilho o sentimento que quer exprimir.

Os meus mais ardentes votos, os mais ardentes votos d'este lado da Camara são para que o estado de saude do Sr. Presidente do Conselho se consolide (Apoiados) e lhe permitta dedicar aos negocios publicos toda a attenção de que os mesmos carecem.

Da crise ministerial que acaba de passar resultou a saida dos conselhos da Coroa do Sr. Pereira de Miranda; a passagem do Sr. Ministro das Obras Publicas para a pasta do Reino e a entrada do Sr. D. João de Alarcão para a pasta das Obras Publicas.

Eu quero, neste momento, prestar a homenagem da minha consideração e do meu respeito ao antigo Ministro do Reino. O Sr. Pereira de Miranda era um vulto proeminente do partido progressista (Apoiados); continua a sê-lo (Apoiados) e a estima e o agradecimento dos seus correligionarios, como o acompanharam quando Ministro, acompanham-o agora também. (Apoiados).

O Sr. Eduardo José Coelho era já Ministro das Obras Publicas. Mudou para a pasta do Reino e a sympathia que a maioria sempre lhe deu emquanto geriu a pasta dos negocios d'aquella pasta não pode senão acompanhá-lo agora na nova pasta que vae gerir.

O Sr. D. João de Alarcão entra pela primeira vez num gabinete; exerceu anteriormente elevados cargos administrativos e exerceu-os com muita distincção. É por isso de esperar que as faculdades do seu espirito se dediquem aos negocios da pasta que lhe está confiada com muito proveito para a sua gerencia.

De resto, Sr. Presidente, ambos os novos Ministros, politicamente falando, são progressistas; mantem-se, por tanto, intacto o programma que o Gabinete expoz ás Côrtes, já quando no anno passado se apresentou pela primeira vez ao Parlamento, já no discurso da Coroa d'este anno.

Por isso a maioria, que saiu d'onde saiu o Governo, não pode senão patentear-lhe a sua absoluta confiança e o seu apoio.

O Sr. Conselheiro Pereira de Miranda se saiu, disse o Sr. Presidente do Conselho, foi por motivo de doença. Eu, lamentando esse facto, acceito-o e parece-me que elle explica completamente a remodelação ministerial que se deu.

O Sr. Conselheiro Pereira de Miranda saiu por doente, o que não o impede de ter inteira responsabilidade nos actos que o Governo praticou até aqui, e de estar em plena conformidade com elles.

Foi S. Exa. o proprio que confessou assumir a responsabilidade dos actos que praticara.

Sr. Presidente: tratado nestas breves palavras, propriamente o lado politico do debate que está sendo encetado, eu quero dar por parte da maioria algumas explicações acêrca do seu procedimento, porque o Sr. Pereira dos Santos, no seu discurso, se referiu directamente a elle.

Estranhou o illustre leader da minoria regeneradora que não tenham sido eleitos mais membros da opposição parlamentar para as diversas commissões que teem sido eleitas pela Camara. O facto é simples: as commissões são poucas e os membros da Camara são muitos.

Da parte da maioria parlamentar não podia haver a menor desconsideração para com os illustres Deputados da minoria, antes pelo contrario, o nosso empenho é que as relações sejam da maior cordialidade e até sendo possivel do maior affecto.

Os illustres Deputados da opposição não teem sido excluidos das commissões, não teem entrado em todas ellas, mas teem entrado em algumas.

Como os illustres Deputados da opposição sabem, a eleição de commissões tem sido até hoje considerada um pouco negocio de familia, sem que isso envolva a minima falta de consideração. Basta apontar o que me succedeu quando fui membro da opposição progressista da Camara, na passada sessão, e membro de uma commissão parlamentar.

Eu pertencia a uma commissão que devia ter sido ouvida sobre um determinado assumpto. A commissão deu parecer, mas eu não fui ouvido.

Não considerei o facto senão como lapso e não como falta de consideração, porque se assim o considerasse, então diria que para assim proceder mais valia não eleger para membros das commissões Deputados da opposição.

É tambem certo que não tem havido mais demora nos trabalhos do que em outras occasiões.

Ha quasi um mez que a Camara está aberta e contando com as ferias parlamentares, se poucos dias de sessão tem havido, tem-se trabalhado em commissões e tem-se procedido á eleição d'estas.

Para apresentar os relatorios de quaesquer propostas é preciso tempo para estudar as iniciativas ministeriaes e fazer os relatorios com attenção, conscienciosamente.

Não ha intuito algum das commissões em demorar os trabalhos; mas, repito, é necessario tempo para trabalhar.

Tanto assim é que já foi mandado para a mesa o projecto de resposta ao Discurso da Coroa, e seguidamente outros serão apresentados.

Tenho dito. (Vozes: - Muito bem).

(O orador não reviu).

O Sr. Luciano Monteiro: - Diz que, entrando hoje no Parlamento, teve um grande susto. Annunciara-se um bello espectaculo, um grande concerto composto de diversos numeros, com grande instrumental da maioria, um solo do Sr. Pereira dos Santos e, da parte d'elle, orador, e dos seus amigos politicos, algumas fifias.

Aguardava o acontecimento; mas ao entrar na Camara,

Página 10

10 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

pessoas de mau agouro disseram-lhe: os senhores vão soffrer um bluff; o Sr. Luciano de Castro não vem cá!

Felizmente essas pessoas enganaram-se e o programma tem-se cumprido regularmente.

Os oradores que o precederam no uso da palavra começaram por apresentar votos de congratulação pelas melhoras do estado de saude do Sr. Luciano de Castro, tratando seguidamente da materia politica.

Seguirá elle, orador, o mesmo caminho; mas segui-lo-ha com sinceridade e com a franqueza de que tem sempre usado em todos os actos da sua vida.

Se elle, orador, pudesse conciliar os deveres politicos com os deveres da humanidade, diria que desejava que os deuses immortaes se reunissem para impedir S. Exa. de subscrever, de hoje para o futuro, decretos e diplomas officiaes que desprestigiam os poderes publicos e de assignar contratos que ferem a economia nacional.

Ao mesmo tempo, no cumprimento dos deveres da humanidade, pediria, para S. Exa. umas pernas duras e firmes como o marmore e um estomago que pudesse digerir madeira e aço, e que acceitasse, sem repugnancia, desde a trouxa de ovos até á nauseabunda ponta-de cigarro.

Mas como não pode conciliar o politico com o cumpridor de deveres de humanidade, limita-se a dizer a S. Exa. que se um individuo se approximasse d'elle, orador, e dissesse: - Na sua mão está assignar um diploma que me restitue a saude, - por maiores aggravos que elle, orador, tivesse d'esse individuo teria a bondade de coração necessaria para pôr tudo de parte e assignar esse diploma.

Passa agora á politica. O Sr. Conselheiro Luciano de Castro e o illustre leader da maioria explicaram a crise com toda a sinceridade, é facto; mas a seu ver, assentando sobre um erro. A sua explicação é outra.

O Sr. Pereira de Miranda saiu do Ministerio porque não era maduro sufficiente, não tinha aquella madureza que o Sr. Presidente do Conselho quer, a madureza das peras que caem da arvore, sem ser necessario sacudi-la.

O Sr. Luciano de Castro imaginou de principio que o Sr. Pereira de Miranda reunia todos os requisitos necessarios para ser Ministro da Coroa; o Sr. Luciano de Castro suppoz que o Sr. Pereira de Miranda desempenharia bem as suas funcções, que, diga-se de passagem, não deixou muito de corresponder aos bons desejos do Sr. Luciano de Castro, e haja em vista o que S. Exa. fez em materia eleitoral.

E agora, que tocou neste assumpto, aproveita o ensejo para agradecer do intimo da alma aos seus amigos e correligionarios do districto de Beja que lhe concederam os seus votos.

O que naquelle districto se passou foi extraordinario.

Esperava elle, orador, que o Governo se desinteressasse na lucta entre os grupos da opposição, no que respeitava á eleição da minoria, e nesta esperança aguardou os acontecimentos.

Decorre tempo, e um dia um seu amigo dirige-se lhe, como que convidando-o para uma conversa particular. Se perguntarem a elle, orador, que impressão sentiu nesse momento, não o saberá bem definir. Foi-se approximando d'esse amigo; mas no curto intervallo que os separava foi subitamente assaltado por uma visão cruel! Afigurou-se-lhe ver o Sr. Conselheiro Luciano de Castro tendo ao lado o Sr. Conselheiro Hintze Ribeiro olhando para elle, orador, desapiedadamente, cruelmente. Perguntara então a si proprio que mal teria feito áquellas duas alminhas de Deus!

Parecia-lhe ainda estar ouvindo diversas vozes que diziam: toma cautela Luciano não te fies nas palavras do nosso chefe; não te fies nos telegrammas enviados pelo Governo ás auctoridades para se manterem numa attitude pacifica; não te fies nisso!

Confessa que ficou impressionado e perguntava a si proprio se aquillo seria um sonho enganador.

Nunca as saas visões foram atraiçoadas; e d'esta vez succedeu o mesmo.

Sabe a Camara qual foi a phrase que essa boca amiga soltou? Foi simples, mas profundamente elucidativa: "Luciano estás fusilado!"

Sentiu-se então invadido por uma colera inexplicavel. N'essa occasião quasi que desejou que caissem raios que o partissem a elle, orador, ao Sr. Luciano de Castro e ao Sr. Hintze Ribeiro; isto, é evidente, com a precedencia das idades e das posições. Mas a verdade é que não veiu o tal raio e o resultado da eleição foi o que por todos é sabido.

Voltando ao assumpto politico de que se trata, a recomposição ministerial, diz o orador que a situação é realmente esta:

O Sr. Presidente do Conselho e o illustre leader da maioria certificaram que o Sr. Pereira de Miranda estava bem com a maioria; os Srs. João Franco e Pereira dos Santos disseram não ser convincente essa razão; pois o Sr. Presidente do Conselho, que tem ajusta comprehensão do seu logar, como homem publico que faz o enorme sacrificio de sair de sua casa para vir ao Parlamento cumprir o seu dever, senta-se na sua cadeira; e o Sr. Pereira de Miranda, que todos os dias é visto passeando pelas ruas, frequentando as Secretarias de Estado ainda na qualidade de Ministro, sae do Governo por estar doente! A razão pois allegada, alem de não corresponder á verdade, chega a ser injuriosa para o caracter de S. Exa.

Todos se lembram, por certo, de que Lisboa e seus arredores se preoccuparam durante muitos annos com o problema: "Porque saiu o Camara?"

Quando se organisou o Ministerio progressista, todos perguntavam: "Porque não entrou o Pereira de Miranda?" Seguidamente houve uma crise ministerial, e todos perguntavam se S. Exa. entraria; vendo, porém, o contrario, a pergunta foi: "Porque não entrou o Pereira de Miranda?" A isto respondia-se: "Deixem estar, deixem estar". Outros mais intimos accrescentavam que S. Exa. andava a armazenar experiencia, andava augmentando o seu já grande peculio de sciencia governativa.

Por fim o Sr. Pereira de Miranda entrou para o Ministerio; mas comprehende-se bem que tendo-se S. Exa. resignado a occupar um logar nos Conselhos da Coroa, tendo chegado até 1904 numa situação verdadeiramente excepcional como a actual, podia estar doente, ter um ou outro aggravamento de rheumatismo, mas não chegou por isso a pedir a sua demissão. Fazendo-o agora, certamente que outras razões imperaram no seu espirito, porquanto continua sendo encontrado em toda a parte, sem incommodo nenhum apparente, e até em condições apparentemente superiores áquellas em que se encontra o Sr. Presidente do Conselho, que não teve motivos para não deixar o seu lar, vindo para as fadigas parlamentares.

Ainda ha pouco tempo, quando os jornaes faziam referencias á questão dos tabacos, disseram que o Sr. Pereira de Miranda declarara ter toda a sua responsabilidade vinculada ao respectivo contracto. Mas então S. Exa. faz essa declaração na reunião das maiorias parlamentares, e quatro dias depois sae do Governo, sem assumir essa responsabilidade, que S. Exa. queria e devia tomar para si só?! Não, não se comprehende que S. Exa., conhecendo por inteiro o seu dever politico, praticasse uma brejeirice d'essa natureza. Se dá este nome a tal facto, que alias é improprio, é por não achar o termo exacto de que necessita para definir um acto de tal natureza.

A razão, portanto, da saida do Sr. Pereira de Miranda - repete - é outra.

Todos ouviram S. Exa. na Camara dos Dignos Pares e se perguntassem a elle, orador, se pela forma por que S. Exa. falava estava contente e satisfeito com tudo o que

Página 11

SESSÃO N.° 8 DE 26 DE ABRIL DE 1905 11

se tinha passado, teria respondido, sem perigo de jurar falso, que, se S. Exa. empregou o seu nome, desde as manigancias de Azambuja até aos pourparlers do contracto dos tabacos, foi a isso violentado.

Attendendo ao adeantado da hora e não desejando tirar á Camara o prazer de ouvir outros oradores que estão inscriptos, terminará como começou. A personalidade do Sr. Presidente do Conselho é-lhe indifferente; se encontrasse em si o poder de restituir a S. Exa., no momento actual, a sua saude, integralmente, com toda a sinceridade o faria; apesar de quaesquer aggravos que tenha de S. Exa., esquecel-os-ia, lembrando-se apenas do bem que estava fazendo e das lagrimas consoladoras da sua familia. Ficava assim com a consciencia tranquilla do bem que fizera.

(O discurso será publicado na integra quando o orador devolver as notas tachigraphicas).

O Sr. Cabral Moncada: - Os seus votos são igualmente pelas melhoras - ou mais do que melhoras - pela cura completa do Sr. Presidente do Conselho, porque os seus votos são pela marcha normal do systema parlamentar e politico da sua patria. E, dito isto, referir-se-ha ás palavras do illustre leader da maioria.

A questão, nos termos em que foi posta pelo illustre leader da opposição regeneradora, reclamava uma attitude diversa da que foi seguida pela maioria. Tão convincentes, profundos, eloquentes e fortemente persuasivos foram os argumentos apresentados por S. Exa. acêrca das razões allegadas - mas falsamente allegadas - da saida do Sr. Pereira de Miranda, que realmente o surprehendeu que o leader da maioria, por quem tem pessoalmente a mais alta consideração, voltasse a insistir sobre essas razões.

Esse problema, essa charada a premio, da saida do Sr. Pereira de Miranda, não é acceitavel. Então S. Exa. sae do Ministerio, por motivo de doença, e continua a figurar como Ministro, ainda depois de já o não ser?! Então S. Exa. está doente, e ainda appareceu na recepção no Paço, no ultimo domingo e, porventura, continuará presidindo a essa variante de chance, a que se chama lotaria?!

Citou o Sr. Pereira dos Santos outras razões que determinaram a saida do Sr. Pereira de Miranda, salientando que a razão principal era a incompatibilidade de S. Exa. com esse meio politico, verdadeiramente anormal, excepcional, sem precedentes politicos na historia. Respondeu-se, porém, a isso, como? Com uma outra razão absolutamente inacceitavel: a falta de saúue.

Com relação á modificação material, a camara ouviu o Sr. Presidente do Conselho declarar que o actual Sr. Ministro do Reino fôra - transferido - da pasta das Obras Publicas para a que hoje occupa.

Elle, orador, porém, reponta com tal participio porque a seu ver o Sr. Eduardo José Coelho foi trasladado. S. Exa. antes do decreto que officialmente o matou morreu pela inanidade das suas providencias, como Ministro das Obras Publicas, assim como a actual situação, tendo transposto o periodo aspero do exame de madureza, chegou á situação era que hoje se encontra de decrepitude, de decadencia, do fim, estando proximo ou na ante-vespera da sua aniquilação, quando o que aliás era de esperar, de uma situação que começa, era a realização de propostas e medidas que se convertessem em um bem indiscutivel para a nossa patria.

A seu ver, a solução dada á crise, não politica, mas partidaria, está longe de corresponder ao que devia ser, para as prosperidades e bem do paiz. E, não tendo a pretensão de discutir a obra do Sr. Pereira de Miranda, porque não pode discutir o que absolutamente não existe, vae terminar.

Ignora se a vinda do Sr. Presidente do Conselho á actual sessão representa a promessa de que, de ora avante, o regimen parlamentar vae ser regularmente carrilado, com o que todos teriam, a lucrar, ou se S. Exa. fez um sacrificio de momento. Na primeira hypothese, felicitará a mesa, a Camara, o paiz e a si proprio, por ver o Governo restituido ás verdadeiras normas parlamentares.

Se, porém, amanhã, o Sr. Presidente do Conselho, com sacrificio, continuar na mesma, valerá na realidade esse esforço para resolver a anormalissima situação em que se tem vivido? Essa situação só se explica por duas formas: ou pela incapacidade politica de um Ministro, que não encontra na cohesao dos seus partidarios os elementos precisos para poder resistir á situação, nos termos em que ella se encontra, estabelecendo outra perfeitamente viavel; ou, então, pela revelação de um egoismo partidario que trará em resultado a liquidação definitiva do partido progressista.

(O discurso será publicado na integra quando o orador devolver as respectivas notas tachygraphicas).

O Sr. Garcia Guerreiro: - Mando para a mesa um parecer da commissão de guerra.

Foi a imprimir.

O Sr. Sinel de Cordes: - Mando para a mesa um parecer da commissão de guerra.

Foi a imprimir.

O Sr. Correia Lima: - Mando para a mesa um parecer da commissão de guerra.

Foi a imprimir.

O Sr. Martins de Carvalho: - Sr. Presidente: começo naturalmente por apresentar as minhas congratulações pela presença do Sr. Presidente do Conselho, lamentando apenas que, se S. Exa. pôde já fazer ao seu partido o sacrificio de comparecer nesta casa do Parlamento, não pudesse ter desde hoje toda a intensidade de sacrificios que naturalmente estava exigida por todas as circumstancias.

S. Exa. veio hoje ao Parlamento; todos o estimam, mas estimariam tambem que, desde hoje e para sempre, S. Exa. pudesse dedicar ás discussões parlamentares aquella intensidade que naturalmente é exigida pela sua situação de chefe de partido e de Presidente do Conselho, numa situação como a que actualmente o paiz atravessa.

S. Exa. brilha hoje pela sua presença, mas uma presença attenuada. Até agora o Sr. Presidente do Conselho deu uma explicação vagamente succinta, insufficiente para a Camara e para o paiz, acêrca da crise, e tem-se abatido, tem reduzido o mais possivel a sua intervenção no debate, até ao ponto de até agora não ter respondido a nenhum dos oradores que, dos diversos lados da opposição, teem tomado a palavra.

Apresentou-se S. Exa., sim; fez um sacrificio, infelizmente visivel para todos, mas não tornou, como era de esperar, o mais productivo possivel esse sacrificio.

As explicações da crise foram insufficientes, e a ninguem podem satisfazer; ninguem pode mesmo attingir o seu significado e o seu alcance.

Todos sabem como nasceu o actual Gabinete.

Parece que foi convidado para Presidente do Conselho o Sr. Pereira de Miranda. S. Exa. não acceitou, e por essa razão tomou conta da Presidencia o Sr. José Luciano de Castro.

Não digo que a solução fosse anormal, mas foi uma excepção, e uma excepção que tem a sua natural explicação num facto de certa importancia e gravidade.

Constituiu-se este Ministerio por uma forma, se não anormal, excepcional.

O Sr. José Luciano foi Presidente do Conselho porque o Sr. Pereira de Miranda não quiz acceitar esse encargo.

Página 12

12 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Mas saiu o Sr. Pereira de Miranda e desappareceu a causa d'essa separação de funcções.

Parece que a crise se devia ter resolvido assumindo o Sr. Presidente do Conselho a gerencia da pasta do Reino ou entregando generosamente a Presidencia do Conselho ao novo Ministro do Reino ou a outro dos Srs. Ministros.

Se a causa da constituição excepcional d'este Gabinete foi um capricho do Sr. Conselheiro Pereira de Miranda, se foi necessario constituir d'essa forma o Gabinete para o Sr. Pereira de Miranda fazer parte d'elle, desapparecida a causa deve desapparecer o effeito.

Mas tudo é excepcional na constituição, e tudo é anormal na transformação d'este Gabinete.

Foi chamado o Sr. Conselheiro Pereira de Miranda, que não era chefe do seu partido, para a Presidencia. Porquê?

Evidentemente, ou não ha logica, porque o Sr. José Luciano não podia exercer essas funcções.

Temos, pois este circulo vicioso: para substituir um homem de Estado, que o não pode ser, um homem de Estado que o não quer ser, e para substituir um homem de Estado, que o não quer ser, um homem de Estado que o não pode ser.

O Sr. Pereira de Miranda ficou para substituir na Presidencia do Conselho o Sr. José Luciano de Castro, para estabelecer as communicações entre a Corôa e o Parlamento.

Portanto, se o Sr. Pereira de Miranda saiu e o Sr. José Luciano ficou não subsiste já a razão da separação da Presidencia da gerencia da pasta do Reino.

As razões, pois, da crise não são aquellas que foram apresentadas, e sem ferir os creditos de sinceridade de ninguem, direi que a razão da solução da crise é differente da que foi apresentada.

Essa razão está na ambição do Presidente Conselho, e por isso faço votos pelo restabelecimento completo da sua saude.

Para o Sr. José Luciano cumprir integralmente os deveres da sua alta situação politica tem de estar completamente restabelecido e não basta apenas a percentagem de 30 por cento da sua saude (Apoiados).

Não se pode admittir que estando o Sr. José Luciano de Castro no exercicio de uma funcção que exige muitos predicados, sendo condição elementar e essencial a assiduidade para estabelecer as communicações entre o Chefe do Estado e o Gabinete, não esteja completamente restabelecido da sua saude, para que possa concorrer assiduamente aos trabalhos do Parlamento.

Eu sei, Sr. Presidente, que todas as transformações são possiveis; eu sei que poderia porventura passar por um momento no espirito do Sr. Presidente do Conselho dar avessa entidade constitucional uma esphera, um modo de ser completamente differente do que até hoje tem sido, e differentes factos conhecemos na historia do regimen parlamentar.

Por exemplo. Por que não assiste hoje o rei de Inglaterra ás sessões do seu Conselho de Ministros? Porque Jorge I não conhecia o inglez e não podia assistir a essas sessões, e iniciou elle uma modalidade constitucional na nova historia politica.

Por que é que o Sr. Presidente dos Estados Unidos communica com o Parlamento simplesmente por mensagens escriptas?

É porque desde o terceiro presidente dos Estados Unidos, que não tinha facilidade de falar, se iniciou essa forma de communicação parlamentar.

E se o Sr. Presidente do Conselho pensasse um momento em remodelar completamente este direito constitucional, tratando de accumular as funcções de direito publico ao seu estado de saude, teria de tomar a resolução que naturalmente demandasse.

Mas não está justificado por nenhuma circumstancia que tal transformação se realize entre nós.

O Sr. Presidente do Conselho, que é o unico responsavel, como chefe politico, não pode deixar de ser o representante mais quotidiano do Gabinete perante o Parlamento do seu paiz. Até hoje essa representação do Sr. Presidente do Conselho não tem sido tão intensa quanto as circumstancias demandavam!

esejamos o restabelecimento do Sr. Presidente do Conselho, mas queremos, sobretudo, que S. Exa. se mantenha, segundo os principios constitucionaes, no exercicio das suas funccões. Acceitar-se o poder, como uma especie de cura por altitude, pode ser pittoresco, mas não é constitucional; o Parlamento, como regimen de convalescença, pode ser agradavel, mas não é constitucional, repito.

Não ha ninguem insubstituivel, nem mesmo quem tenha os talentos e qualidades que caracterizam o Sr. Conselheiro José Luciano de Castro. Hoje a historia é uma vala commum.

Todos nós conhecemos a admiravel descripção da agitação da terra e do céu pela morte de Cesar, nas Georgicas de Virgilio! O poeta, entre mil maravilhas, conta que os animaes falaram.

Mas a propria lenda, a respeito mesmo de homens como Cesar, só ia até ao luto passageiro do universo. Não fazia enterrar com os grandes homens a historia universal, a transformação dos mundos.

Nunca n0enhum homem foi insubstituivel; a todos os homens tem sobrevivido a historia do seu paiz.

Um partido para quem um homem é insubstituivel é um partido condemnado; as instituições que não podem dispensar um homem são instituições que não teem razão de ser; um paiz que não pode dispensar um estadista é um paiz perdido.

Estimamos o restabelecimento completo da saude do Sr. Presidente do Conselho, mas, em nome do decoro parlamentar e do prestigio das instituições, queremos que S. Exa. continue a apparecer, e, para que se mantenha a actual situação politica tal como está, é preciso que S. Exa. possa corresponder com intensidade devida aos deveres e aos encargos que a elle mais do que a ninguem incumbem. (Apoiados).

Pouco me referirei á passagem do Sr. Conselheiro Eduardo José Coelho da pasta das Obras Publicas para a pasta do Reino.

Sr. Presidente: costuma perguntar-se muitas vezes, quando um individuo altamente collocado chama para o desempenho de funccões essencialmente importantes um outro, o que é que o primeiro individuo achou no segundo.

E eu posso assegurar que o que hoje todo o paiz pergunta, com respeito ao Sr. Conselheiro José Luciano de Castro e ao Sr. Conselheiro Eduardo Coelho, é o que foi que o Sr. Presidente do Conselho não achou no Sr. Eduardo José Coelho.

Para a gerencia da pasta do Reino pode ter um alto significado neste momento que não é tão lisonjeiro para S. Exa. como seria em outro momento e em outras circumstancias.

Eu vou terminar.

A hora vae muito adeantada; falei quando a attenção da camara não podia já fixar-se sobre mim e terminarei por dizer a V. Exa. e á Camara que já passaram os tempos em que eu era utopista e em que julgava possivel voltarmos um dia ao regimen, que já tivemos na historia do constitucionalismo, em que todos os estadistas eram de tamanho natural.

(O orador não reviu).

O Sr. Antonio Cabral: - Mando para a mesa o seguinte

Requerimento

Requeiro que a sessão se prorogue até usarem da pala-

Página 13

SESSÃO N.° 8 DE 26 DE ABRIL DE 1905 13

vra os Srs. Deputados que se acham inscriptos. = Antonio Cabral.

Foi approvado.

O Sr. Presidente: - Tenho a declarar á Camara que, alem dos oradores inscriptos sobre o incidente, está tambem inscripto o Sr. Ministro da Fazenda para antes de se encerrar a sessão.

O Sr. Peixoto Correia: - Sr. Presidente: como a hora está muito adeantada, vou condensar tanto quanto possivel o muito que tinha a dizer.

Sou um parlamentar novo, sem passado, mas comprehendo bem o que significa uma sessão prorogada, e por mim avalio a extrema dificuldade em que os demais se encontram para uma larga concentração de espirito.

Não abusarei por isso da paciencia da Camara, a quem tanto devo, fazendo nesta altura da sessão desenvolvidas considerações e forçando-a a prestar-me uma attenção demorada.

Em homenagem á verdade, devo porém dizer, Sr. Presidente, que nesta minha resolução vae tambem um pouco de egoismo, que não só o vivo desejo de corresponder a attenções immerecidas com uma attenção devida: é que eu tambem não quero ter occasião de, lá fora, descobrir motivo para moer-me de pesar, por me haver referido aqui dentro, numa dicção sem elegancia, a assumptos, de que outros trataram com um brilho litterario, que muito os honra e ennubrece, sem duvida, o Parlamento de que fazem parte.

E, Sr. Presidente, tanta sinceridade e justiça ha neste meu pensar, que, se não desisti da palavra, pedida, foi por a minha posição nesta Camara e o meu caracter me embargarem tal procedimento.

Assim orientado e resolvido vou desempenhar-me, sem mais delongas nem rodeios, do meu dever.

Sr. Presidente: não me permitte o animo que eu calle neste momento, deixando para mim reservada, a funda e justificada satisfação, que me vae na alma pela restituição á vida parlamentar do nobre Presidente do Conselho. É que eu quero suppor - e seria imperdoavel incorrecção minha não fazê-lo - que a vinda de S. Exa. ás Côrtes não será um acto isolado, sem seguimento logico, determinada apenas por conveniencias partidarias, ou interesses de ordem politica, mas a afirmação clara e inilludivel do seu completo restabelecimento, ou pelo menos a indicação segura de que a sua diuturna convalescença vae muito adeantada, permittindo-lhe ser assiduo ás sessões parlamentares.

Nesta supposição me quêdo e nella me estribo para fazer ao illustre homem publico que preside ao actual Governo os meus cumprimentos. Felicito-o sinceramente como homem, cidadão e parlamentar.

Dirijo-lhe como homem a minha saudação, porque não tendo aggravos pessoaes ou politicos de S. Exa., sinto immenso prazer com as suas melhoras; e ainda quando as tivesse, não haveria em mim ressentimento capaz de sobrepor-se aos sentimentos de humanidade.

Como cidadão felicito-o tambem pelo seu regresso ás responsabilidades exteriores do poder, porque eu sentia profundamente que á minha patria se attribuisse infundadamente a deficiencia de homens publicos para se explicar o chamamento ao poder e a conservação nelle de um homem doente e impossibilitado de vir ao Parlamento dar contas dos actos do Governo.

Como parlamentar felicito-o igualmente, porque a ausencia de S. Exa. aos trabalhos parlamentares representava um desprimor para com o poder legislativo e constituia uma depressão para o proprio poder executivo e para o partido progressista.

Pelos motivos expostos, razão tenho eu, Sr. Presidente, para dirigir ainda as minhas felicitações ao paiz, ao Parlamento e talvez tambem ao Poder Real, que tantos teem inconvenientemente engrandecido, por ver liquidada uma situação, que não podia continuar, sem desdouro para todos.

Quanto á crise, Sr. Presidente, pouco direi.

Os factos e asserções que o nobre Presidente do Conselho vem de formular, e já sufficientemente discutidos, mostram que nem o Gabinete soffreu alteração sensivel na sua estructura intima, nem o seu programma soffreu alteração; a recomposição ministerial, que tomou toda esta sessão, não offerece por isso, no meu entender, grande interesse politico e parlamentar.

Nos motivos que a determinaram e na forma da sua solução, a crise apresenta-se-me, pelo contrario, com uma feição accentuadamente partidaria, cabendo só ao partido progressista discuti-la sob esse appecto. (Apoiados).

Nada tenho com a forma por que foram distribuidas as pastas; só me pertence discutir os actos dos respectivos titulares, e isso fá-lo-hei em occasião opportuna. Se foram ou não escolhidos os mais competentes e os habilitados com maiores serviços partidarios, é assumpto que me não interessa, e que, por dizer respeito á economia envida intima do partido progressista, só a elle pertence tratar, discutindo a materia nos seus centros ou nos seus clubs e jornaes.

Neste logar, pelo menos, é que me parece não ser dado fazê-lo aos seus adversarios. (Apoiados).

Ainda assim, Sr. Presidente, a crise considerada nas suas relações com o Parlamento, offerece tambem uma feição politica, que, pelo adeantado da hora, me occuparei em outra ocasião, que julgar opportuna, e que se me afigura vir breve.

Sr. Presidente: terminando, cumpre-me dirigir tambem saudações aos dois novos Ministros. Alludiu o Sr. Presidente do Conselho aos predicados do Sr. Ministro das Obras Publicas; como já disse não me referirei a elles, mas cumprimento-o pela sua subida ao poder, e estimo que S. Exa., na gerencia da sua pasta, engrandeça ainda mais o seu nome, tomando as medidas que os interesses economicos e agricolas do paiz exigem.

Ao Sr. Ministro do Reino desejo felicidades na gerencia dos negocios dependentes da sua pasta, fazendo votos para que todo o Ministerio cumpra, como lhe compete, o seu dever. (Vozes: - Muito bem).

O Sr. Abel Andrade: - Não tencionava entrar no presente debate parlamentar. Desde que a questão era posta pelo illustre leader da opposição regeneradora, Sr. Pereira dos Santos, era-o por quem de direito e por quem podia e devia pô-la. Repugnava-lhe, porém, tanto, o processo usado pela maioria, e tão insolito o procedimento usado pelo Governo, que elle, orador, como Deputado da minoria regeneradora, e acreditando interpretar os sentimentos de todos os seus collegas, protesta vehementemente contra o mutismo da maioria.

Alguma coisa conhece já dos registos parlamentares, mas não se lembra de ter visto nunca vir um Presidente do Conselho explicar succintamente os motivos d'uma crise, nada mais acrescentando, e, seguindo-se-lhe o leader da maioria, nada responder ás arguições apresentadas pelo Sr. Pereira dos Santos.

Lavra, pois, o seu protesto contra o procedimento da maioria. Não lhe passa pelo espirito que houvesse qualquer ideia de desprimor para com a opposição regeneradora; mas factos são factos, e d'elles alguma cousa ficará nos registos parlamentares.

Foi porque do lado da opposição não foram apresentadas objecções á solução da crise, indicada pelo Sr. Presidente do Conselho? Não. Quem ouviu o Sr. Pereira dos Santos sabe que S. Exa., com uma paciencia benedictina, foi indicando todos os pontos, demonstrando que não eram acceitaveis as explicações dadas pelo Sr. Presidente do Conselho.

Página 14

14 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Foi porque, do lado da maioria, não havia nomes aureolados que pudessem explicar a solução da crise? Não; justiça seja feita a todos.

Qual seria, então, o motivo d'esse mutismo parlamentar? A explicação é simples: é que ha acontecimentos tristes, cuja publicidade incommoda sempre; ha acontecimentos tristes, que a todos convem occultar: e é bem triste o procedimento d'um chefe de Governo, que demora 7 dias a solução d'uma crise, e quando um homem, como o Sr. Pereira de Miranda, sae do poder 4 dias depois de haver declarado que assumia a inteira responsabilidade do acto capital, da operação mais importante, que pode constituir a vida do Governo: - o contracto dos tabacos.

Ao mutismo da maioria pode applicar-se o verso de Virgilio: - Continuere omnes, intentique ore tenebant. Sim; todos tinham os ouvidos attentos, porque as ponderações da opposição encontravam echo em muitos membros mais antigos da maioria, e, até, em alguns dos membros do actual gabinete.

Pertence ao Parlamento o conhecimento da crise: dos seus antecedentes e da solução que teve. Trata-se d'um acto que affecta a vida do Governo; pode ser, até, um acto que lhe dê força; portanto o Parlamento tem o direito de exigir do Governo a exposição franca das razões da saida d'um Ministro e da entrada d'outro.

Disse o Sr. Presidente do Conselho que o Sr. Pereira de Miranda entrara para os Conselhos da Coroa com sacrificio da sua saude, e que varias circumstancias o tinham forçado a abandonar o Gabinete. Que circumstancias foram essas? Que transformações foram as que se deram?

Isso não o disse o Sr. Presidente do Conselho, e a isso é que a opposição parlamentar tem direito de exigir que S. Exa. responda.

Disse o Sr. Pereira dos Santos - e a isso não se respondeu - que desde o momento em que é contestada a verdadeira causa da saida do Sr. Pereira de Miranda, é esse um facto grave, porque trata-se de um Ministro que tem responsabilidades ligadas a actos importantissimos, que teem de ser trazidos ao Parlamento.

A censura previa, a apprehensão de jornaes, a questão eleitoral, são factos que teem de vir ao Parlamento; e, embora todos os Ministros sejam responsaveis por elles, em virtude da responsabilidade ministerial, é certo que cada um d'elles tem que responder pelos actos que praticou.

Nestas circumstancias, o orador reputa delicada a situação parlamentar do actual Governo, visto que é necessario responder por actos que são importantes, cuja repulsa levanta um echo formidavel em todo o paiz e que a opposição regeneradora ha de discutir no cumprimento do seu dever.

Foi dito ainda por parte da opposição que uma causa effectiva de todos estes acontecimentos era a extraordinaria fraqueza do Governo, que se explicava pela demora em resolver uma crise, pela sua inutilidade parlamentar, e ainda porque, estando o Governo ha tanto tempo no poder, ainda não apresentou medidas de alcance, a bem do fomento, dos interesses e da economia do paiz.

Todos sabem, também, qual tem sido o procedimento do Governo, a respeito do contracto dos tabacos; todos sabem que estando o Parlamento aberto ha um mez, apenas num dia se pôde usar da palavra antes da ordem do dia. Respondeu o illustre leader da maioria que em outras legislaturas passadas se demorava tambem muito as eleições de commissões. Mas nessa epoca, antes da ordem do dia, realizavam-se avisos previos, ao passo que, agora, antes da ordem do dia, tem-se lido propostas ministeriaes, cujo alcance é muito duvidoso.

A resposta do illustre leader ao facto apontado pelo Sr. Pereira dos Santos, da exclusão de muitos membros da opposição, das commissões, tambem não colhe, tanto mais que, no actual regimen em que se vive, é necessario que em todas as commissões, sejam representados os dois partidos. O que se fez, porém, agora, com a eleição de commissões, é falsear o regimen constitucional.

Ficam, portanto, de pé todas as arguições feitas pela opposição regeneradora, podendo-se concluir o seguinte. Por parte d'essa opposição foram feitas arguições á solução da crise, apresentada pelo Sr. Presidente do Conselho, e ellas não foram contestadas pela maioria; e por este modo, vendo-se o decurso que o debate tomou, pode-se concluir que o Governo saido de um partido, que na opposição mais se salientava como apostolo da largueza das discussões parlamentares e da necessidade de defender mais as prerogativas parlamentares, veio agora desmentir tudo quanto defendia.

Assim, faltou ao cumprimento dos seus deveres para com o Chefe do Estado e o Parlamento por não ter explicado sufficientemente as razões da crise.

(O discurso será publicado na integra quando o orador devolver as notas tachygraphicas.)

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros (José Luciano de Castro): - Sr. Presidente: em primeiro logar tenho que dar uma explicação ao illustre Deputado que acaba de falar. Não foi por desconsideração para com a opposição parlamentar que deixei de pedir a palavra por parte do Governo e da maioria.

Antes da grave doença que me afastou das lides parlamentares, eu estava habituado a outras praxes. Quando se apresentava um Governo ou havia qualquer modificação ministerial, era praxe falarem só os leaders dos differentes grupos, e raras vezes a discussão se alargava, mormente quando se tratava de uma crise ministerial, que era limitada á saida de um Ministro e entrada de outro; mas agora, com pasmo meu e certa admiração, vi que a proposito de uma crise parcial do Gabinete, em que se tratava apenas da entrada de um Ministro e da saida de outro, se levantava uma discussão geral a respeito dos actos do Governo, em que os oradores que falavam se afastavam até da direcção que tinham dado os chefes dos differentes grupos parlamentares, de maneira que entendi que se por parte da maioria se começasse a responder a cada um dos oradores que falavam a proposito de considerações variadas, esta discussão seria infinita.

Parece-me, portanto, que sendo a questão exclusivamente ministerial, e tendo falado por parte do partido regenerador o Sr. Pereira dos Santos, por parte do partido regenerador-liberal o Sr. João Franco, e por parte da maioria o Sr. Arthur Montenegro, estavam pronunciadas as opiniões mais importantes da Camara, e que o Governo tinha deante de si os elementos precisos para poder apreciar qual era a sua situação parlamentar.

Falou, tambem o representante do partido-nacionalista. Entendo que estava no seu direito, mas não pode essa circumstancia obrigar o Governo a responder especialmente aos representantes dos outros grupos parlamentares.

Pode ser que fosse errada a direcção que procurei dar ao debale, mas pareceu-me que era conforme aos precedentes; e que se se adoptasse outro expediente, a discussão seria interminavel, e não sei como lhe haviamos do pôr termo.

Dada esta explicação, eu quero dar satisfação aos oradores que falaram, agradecendo a todos as palavras benevolas que usaram com relação á minha situação, referencias pessoaes ás quaes estou profundamente reconhecido, assim como não estranho as reservas politicas e as considerações que fizeram de opposição parlamentar.

Está cada um no seu logar. Não estranho as criticas que dirigiram á marcha do Governo; mas isso não obsta a que eu me confesse agradecido as palavras benevolas que foram proferidas por quasi todos os oradores.

Página 15

SESSÃO N.° 8 DE 26 DE ABRIL DE 1905 15

A todos, e muito sinceramente, dirijo os meus agradecimentos, o meu mais profundo reconhecimento.

Quanto á questão da crise, propriamente, devo dizer a S. Exa. que não tenho outras nem melhores razões a dar do que as que as que dei, e são verdadeiras.

Dizem os illustres Deputados que não é verdadeira a razão allegada - a falta de saude do Sr. Pereira de Miranda; mas eu affirmo que foi S. Exa. que me dirigiu uma carta, dizendo que estava doente, e que o Sr. Ministro da Marinha, que accumula com as suas funcções de Ministro as de assistente medico de alguns dos seus amigos, affirmou tambem que S. Exa. effectivamente se encontrava doente e carecia de repouso.

Ora eu não tinha o direito de duvidar nem das affirmações do Sr. Pereira de Miranda nem das declarações do meu illustre collega da Marinha, e por isso disse que o motivo da saida do Sr. Pereira de Miranda era o estado da sua saude não lhe permittir continuar gerindo os negocios da sua pasta.

De certo ha doenças que não são incompativeis com muitos actos da vida ordinaria, e comtudo impossibilitam para as graves tarefas exigidas pelas responsabilidades ministeriaes.

Esta foi a razão.

Mas ou sejam verdadeiras as causas que eu allego, ou sejam verdadeiras as considerações com que os illustres Deputados as contraditam, que lucramos nós com este debate?

Se S. Exas. me ensinassem a maneira de obrigar o Sr. Pereira de Miranda a continuar no Gabinete, quando elle me dizia que não podia continuar por estar doente, ainda eu comprehendia; mas isso creio eu que não é facil.

Podem pois S. Exas. dizer o que queiram, que a verdade é esta: S. Exa. saiu porque não quiz continuar no Gabinete, e não quiz continuar no Gabinete porque se declarou doente.

Procurei todos os expedientes para levar S. Exa. a continuar no Governo; fez uma grande falta, e deixou profundas saudades, mas nada consegui. E que lhe hei de fazer?

Podem S. Exas. discutir á vontade sobre as razões dadas; podem entender que houve intuitos secretos e reservados para collocar o Sr. Eduardo José Coelho no Reino, e o Sr. D. João de Alarcão nas Obras Publicas como futuro e immediato successor do Sr. Eduardo José Coelho.

Podem os illustres Deputados fantasiar o que julgarem mais acertado ou opportuno, mas a verdade é esta e não ha outra.

Não posso alongar-me em muitas considerações, porque S. Exas. sabem que eu não estou restabelecido de tal maneira que possa supportar longos trabalhos parlamentares. É essa uma razão por que me julgava com direito para appellar tambem para a condescendencia dos illustres Deputados.

E a primeira vez que venho á Gamara, dando assim uma prova de que desejo acompanhar os trabalhos parlamentares; mas, não estando ainda inteiramente restabelecido, S. Exas. comprehendem que não posso fazer sacrificio da minha saude, a ponto de me ver impossibilitado de tornar aqui.

Fiz o que pude e a Camara, não tem direito a exigir-me que faça mais do que posso.

Talvez S. Exas. julguem que eu estou no poder por ambição ou por vaidade. Estou aqui porque não podia declinar as graves responsabilidades que pesavam sobre mim.

Disse um illustre Deputado ha pouco que o Sr. Pereira de Miranda foi chamado para dirigir o Governo.

Peço licença para lhe dizer que S. Exa. está perfeitamente enganado. Eu fui chamado por El-Rei em harmonia com a declaração que o Sr. Hintze Ribeiro fez no Parlamento, declaração absolutamente verdadeira. Eu é que fui chamado.

Não me permittindo o meu estado de saude assumir as responsabilidades de Presidente do Conselho, tinha pensado em fazer-me substituir pelo Sr. Pereira de Miranda.

Era um antigo correligionario, um amigo dedicadissimo, a quem podia confiar todas as responsabilidades do meu cargo, com inteira certeza de que elle seria bem desempenhado.

Mas, Sr. Presidente, o Sr. Pereira de Miranda, á ultima hora, quando eu julgava que S. Exa. se tinha resolvido a acceitar a missão politica que eu lhe delegara, declarou abertamente que não assumia por circumstancia alguma a responsabilidade de Presidente de Conselho, em consequencia de que fui forçado a tomar o Governo.

S. Exas. sabem que esta situação não é nova em Portugal. Durante a Presidencia do Duque de Saldanha, de 1852 a 1857, elle foi Presidente do Conselho sem pasta e durante annos esteve ausente do Parlamento.

Notem S. Ex.as que eu não quero estabelecer confrontos; quiz apenas citar o facto.

Estive ausente da Camara alguns mezes; mas aqui estou para discutir com os illustres Deputados, tanto quanto as minhas forças o permittirem, porque sei quaes as responsabilidades que me cabem.

Sei que impendem sobre mim, como chefe do partido, as responsabilidades pela direcção politica do Governo e pelos actos os mais graves praticados pelos meus collegas, mas não declino essa funcção em ninguem.

Alguns illustres Deputados alludiram ao contrato dos tabacos.

O Sr. Ministro da Fazenda vae hoje apresentar á camara esse contrato.

Não appello para a benevolencia da Camara, nem a espero; desejo que todos os Srs. Deputados examinem o contrato e a resolução tomada, com toda a lucidez do seu espirito, com todo o desejo de bem servir o paiz.

O contrato está claro, clarissimo; estudem-o bem e todos terão occasião de apreciar se o Governo prestou ou não um relevante serviço ao paiz.

Não posso terminar sem agradecer ao Sr. João Franco a espontanea declaração que fez, quanto a uma phrase pronunciada no Parlamento, ha annos, phrase que não ouvi; mas agradeço a espontaneidade da declaração. Creia S. Exa. que não deixarei em todo o tempo de me mostrar profundamente agradecido pela maneira nobre e leal como S. Exa. fez essa declaração.

Eu tinha tomado alguns apontamentos para responder aos illustres Deputados, mas nesta altura do debate tenho obrigação de ser breve.

Quero dar o exemplo, e agradeço mais uma vez a todos a benevolencia com que me acolheram, pedindo apenas á opposição e á maioria que sempre que venha á Camara e tenha occasião de falar, usem da benevolencia que é propria para quem se encontra na situação em que me encontro.

Estou prompto a discutir com os meus amigos e adversarios, mas não posso tomar compromissos superiores ás minhas forças.

Estarei sempre ás ordens de toda a Camara para assumir as responsabilidades e discutir os actos do Governo.

Termino, pedindo desculpa se não tenho respondido a todas as considerações de ordem politica, mas que a meu ver melhor cabimento terão na discussão da resposta ao Discurso da Coroa.

(O orador não reviu).

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Ministro da Fazenda.

O Sr. João Franco: - Pergunto a V. Exa. se a sessão não estava prorogada, apenas até terminar o incidente. No caso contrario, peço a palavra.

Página 16

16 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

O Sr. Presidente: - Dei a palavra ao Sr. Ministro da Fazenda porque a pediu para antes de se encerrar a sessão.

O Sr. Ministro da Fazenda (Manoel Affonso de Espregueira): - Mando para a mesa a proposta para a conversão das obrigações dos tabacos e sobre o exclusivo e respectivo fabrico.

Vae publicada a paq. 16.

O Sr. Presidente: - Amanhã ha sessão á hora regimental, sendo a ordem do dia a que estava dada para hoje.

Está levantada a sessão.

Eram 7 horas e meia da noite.

Proposta de lei apresentada nesta sessão pelo Sr. Ministro da Fazenda

Proposta de lei n.° 2-A

Senhores. - Tendo terminado em 31 de dezembro de 1904 a validade do contrato provisorio de 16 de julho do mesmo anno, relativo á conversão das obrigações dos tabacos em circulação, e á renovação do exclusivo do fabrico dos tabacos no continente do reino, procurou o Governo obter a solução d'este importante assunto, que encontrou pendente, nas melhores condições que as circunstancias permittissem. Em resultado das diligencias empregadas, e depois de longas e difficeis negociações, para as quaes se aproveitaram as concorrencias que se haviam manifestado, foi assinado em 4 d'este mês o contrato provisorio que venho submetter ao vosso esclarecido exame e apreciação, visto que nelle se estipulou muito expressamente a clausula de ficar dependente da sancção parlamentar.

Ha neste contrato duas partes distinctas. Consiste a primeira na emissão de 700:000 obrigações de 4 por cento, amortizaveis em cento e vinte semestres, e garantidas pelo rendimento do exclusivo do fabrico dos tabacos no continente do reino, por forma igual á que existe nas actuaes em circulação. O importante grupo financeiro que assinou o contrato responsabliza-se pela collocação d'este emprestimo, sob a condição, porem, de que o Estado poderá reservar até 100:000 das novas obrigações, sendo comtudo todas do 1.° grau, cotadas ao mesmo tempo e com as mesmas garantias. O preço firme fixado por obrigação e que consta de um documento reservado, como de costume, é bastante superior ao do contrato, de 16 de julho de 1904, o que diminue ainda mais os encargos effectivos d'esta operação.

O producto d'este emprestimo permittirá o reembolso das obrigações dos tabacos de 1891 e 1896 em circulação em 1 de outubro d'este anno, e a extincção da divida fluctuante externa. O saldo que restar, depois de deduzidas as despesas que ficam a cargo do Estado, poderá servir para attender durante algum tempo aos pagamentos do Thesouro no estrangeiro, sem recorrer ao mercado cambial, diminuindo em quantia correspondente a divida fluctuante interna.

As condições são as usuaes em contratos d'esta natureza e equivalentes, salvas as modificações resultantes da diversidade das circunstancias, ás do contrato de 16 de julho de 1904.

A segunda parte refere-se á novação do contrato de 26 de fevereiro de 1891, modificando se algumas das suas clausulas, e especialmente as que se referem á renda fixa a pagar ao Estado, e a partilha de lucros, e impondo-se á companhia a obrigação de garantir o novo emprestimo pela mesma forma estabelecida no contrato em vigor. Isto explica a intervenção neste documento da Companhia dos Tabacos e do grupo de banqueiros e estabelecimentos financeiros que se responsabilizam pela collocação do emprestimo.

Desejou o Governo separar as duas operações, realizando o emprestimo destinado ao reembolso das actuaes obrigações independentemente da adjudicação do exclusivo desde 1907 até 1926, e para o conseguir não poupou esforços. Nesse proposito dois meios havia a empregar. Consistia um em contratar primeiramente o emprestimo, nos termos da lei do 29 de julho de 1899, e depois adjudicar nas melhores condições possiveis o exclusivo do fabrico dos tabacos, tendo em todo o caso de respeitar o direito de opção de que goza, em virtude da lei, a actual companhia. Podia começar-se inversamente pelo que respeita ao exclusivo reservando para mais tarde a operação destinada ao reembolso das actuaes obrigações, a qual seria indispensavel realizar antes de 1907, no caso que a companhia presentemente concessionaria dos tabacos não continuasse a usufruir o monopolio. A emissão de um emprestimo externo tão avultado como este, sem a existencia de uma companhia adjudicataria do exclusivo do fabrico dos tabacos que garantisse o pagamento no estrangeiro dos respectivos juros e amortizações, pelo producto das rendas a pagar ao Estado, far-se-hia certamente, no caso de se obter, em condições menos vantajosas para o Thesouro, devendo ainda notar se que para o melhor exito da operação, convinha que as novas obrigações pudessem com facilidade substituir nos mercados internacionaes as de 4,5 por cento que actualmente se encontram bem collocadas, e que gozam d'aquella garantia alem da do Estado, razão principal da sua alta cotação.

Levado por estes motivos resolveu o Governo convidar as duas companhias que se achavam em manifesta competencia a formular novas propostas em conformidade dos quesitos constantes do officio do Ministerio da Fazenda de 30 de janeiro d'este anno, nos quaes se teve em vista tudo quanto a este respeito já fora submettido á sua apreciação.

A Companhia de Fosforos - que já em 5 de janeiro tinha apresentado uma proposta para a conversão separada do exclusivo, em contratos simultaneos, offerecendo por cada obrigação 435 francos 50 centimos, e mantendo as condições anteriormente propostas para a adjudicação em concurso publico do exclusivo - enviou em resposta a esse officio um projecto de contrato para a collocação do novo emprestimo, e concessão do exclusivo do fabrico dos tabacos, declarando manter as respectivas clausulas durante o prazo de trinta dias, e bem assim estar pronta a modificar, de commum accordo, qualquer das bases, podendo contratar-se separada ou conjuntamente o exclusivo e o emprestimo. Fixaria o preço por que tomava as novas obrigações logo que fosse estabelecida pelo Governo a forma de consignação da renda dos tabacos, dizendo, todavia, no artigo 13.° do projecto de contrato que o encargo real da operação seria inferior a 2,40 por cento por semestre. A companhia obrigava-se a indicar, no prazo de trinta dias, os banqueiros e estabelecimentos de credito do seu grupo, e a parte respeitante a cada um d'elles na operação do emprestimo. A renda fixa para o Estado pela concessão do monopolio, desde 1907 até 1926, era igual á da proposta apresentada em Côrtes em 14 de outubro do anno findo, e para o periodo transitorio de 1905 a 1907 offerecia condições iguaes ás que constam da mesma proposta.

Na mesma data, dizia a Companhia dos Tabacos que acceitava os quesitos do officio do Governo relativos á operação do empreestimo isolada do exclusivo, observando-se, porem, as disposições dos artigos 6.° e 10.° do contrato de 16 de julho de 1904, e reservando a declaração do preço das obrigações para depois de se chegar a acordo sobre as demais condições da operação, reserva que não

Página 17

SESSÃO N.° 8 DE 26 DE ABRIL DE 1905 17

manteve, por isso que no dia immediato, antes do Governo ter apreciado as propostas apresentadas, autorizou, e pediu mesmo, a abertura, sem nenhuma formalidade, do envolucro lacrado que continha a declaração do preço, se ao Governo conviesse fazer immediata comparação d'esse preço com o de outra proposta apresentada na mesma occasião.

Pelo que respeitava á concessão do exclusivo, e na previsão de ficar ligada a este a operação financeira, declarava a mencionada companhia que acceitava entrar em quaesquer negociações directas, se no interesse do Estado o Governo o julgasse conveniente, não podendo offerecer para tal operação elementos apropriaveis a qualquer forma de concurso, visto que isso prejudicaria o regular e proficuo exercicio do direito de opção, de que dispõe até 1907.

Não se limitou, porem, a isto a acção do Governo. Facultou a todos, que estavam em circunstancias de concorrer, as informações que lhe foram pedidas, já para a collocação do emprestimo separadamente do exclusivo do fabrico dos tabacos, já para o conjunto d'estas duas operações.

A companhia arrendataria de tabacos de Espanha, depois de lhe serem fornecidos todos os esclarecimentos que solicitou, com variados documentos annexos, desistiu de apresentar proposta.

Das differentes pessoas a quem foram dadas informações para a operação do emprestimo só se receberam propostas da casa Hambro & Son, de Londres, em 20 de fevereiro, e mais tarde do grupo de banqueiros americanos representados pela casa J. W. Seligman & C°, de New-York, como adeante se dirá.

Obrigava-se a primeira a tomar firmes ao preço de 442 francos e 50 centimos por obrigação quantas fossem necessarias para perfazer a quantia do 8 milhões de libras esterlinas, tendo opção das restantes ao mesmo preço até maio de 1907, não podendo o emprestimo exceder a 600:000 obrigações de 4 por cento, amortizaveis em 60 annos. Aquelle prazo foi posteriormente limitado a 1 de agosto de 1906.

Estabelecia-se tambem nessa proposta a clausula de que se em qualquer periodo não houvesse concessionario do monopolio ficaria este, ipso facto, devolvido aos proponentes em condições iguaes ás existentes, se assim o desejassem.

Em 23 de fevereiro declarou o representante d'aquella firma que estava disposto a considerar e responder prontamente a uma contraproposta firme do Governo Português á sua proposição, e em 1 de março perguntou se o Governo lhe facilitava o competir de novo com os seus concorrentes e em condições de perfeita igualdade. Respondeu o Governo que estava pronto a receber uma nova proposta dos Srs. Hambro & Son, devendo fixar-se nella o preço maximo por obrigação e ser entregue até o dia 9.

Foi effectivamente recebida, no indicado dia, resposta do representante da casa Hambro, mas em vez de offerecer novo preço declarava não desejar, em vista das circunstancias, concorrer novamente, e por conseguinte se retirava.

Os banqueiros americanos, depois de longa correspondencia telegraphica, que consta dos documentos juntos, e que começou em janeiro d'este anno, não puderam apresentar proposta no dia 20 de fevereiro, pedindo o adiamento de dois meses para estudarem o negocio.

Outras tentativas mais procurou o Governo animar, obtendo porem como resposta ser quasi impossivel a collocação das novas obrigações nos mercados internacionaes, independentemente do exclusivo, por preço superior ao da proposta Hambro.

Encontrava-se, portanto, o Governo com uma unica proposta de preço firme por obrigação, que era a da Companhia dos Tabacos e seu grupo, e não obstante ser já esse preço bastante superior ao do contrato de 16 de julho de 1904, e ao da proposta Hambro, não foi definitivamente acceite, proseguindo-se nas negociações na esperança de melhoria das condições, o que o resultado final plenamente confirmou, como certamente se reconhecerá.

Julgando-se, comtudo, em vista das propostas apresentadas, que seria realizavel em boas condições o reembolso das obrigações dos tabacos em circulação, resolveu-se denunciar o contrato de 26 de fevereiro de 1891, por isso que se aproximava o termo até que essa denuncia poderia fazer se. O documento official dando conhecimento d'esta deliberação appareceu no Diario do Governo de 23 de fevereiro.

Desde 20 de janeiro até a data em que foi assinado o contrato provisorio, que submettemos á apreciação do Parlamento, recebeu o Governo novos pedidos de informações e esclarecimentos e mais propostas. Entre todas citarei as da Companhia de Fosforos constantes dos officios de 13 e de 16 de março, e a este immediatamente respondi que o Governo estava pronto a receber qualquer proposta da mesma companhia para o fim indicado no seu officio. Depois da correspondencia trocada a esse respeito foi effectivamente entregue em 24 de março um officio em que se continham as condições do emprestimo, sendo o preço por obrigação de 460 francos, mas reservando-se a abertura do envolucro que continha a indicação das casas bancarias e estabelecimentos de credito que, juntamente com a Companhia de Fosforos, tomavam a responsabilidade da operação financeira, para depois de ser acceita definitivamente pelo Governo a proposta. Esta reserva não foi, porem, mantida, e era 30 do mesmo mês mandou a companhia ao Governo a lista dos banqueiros e casas bancarias que respondiam pelo emprestimo, a qual substituia a que encerrava o envolucro lacrado, que foi posteriormente devolvido intacto á companhia.

Durante o ultimo periodo das negociações não cessou a intervenção dos banqueiros americanos, pedindo esclarecimentos, e finalmente em 24 do mesmo mês entregaram na nossa legação em Washington um proposta offerecendo o preço de 455 francos e 50 centimos por obrigação de 4 por cento, amortizaveis em sessenta annos, e juros vencidos, pelo numero de obrigações necessarias para produzir 8.000:000 libras esterlinas com a garantia da receita do monopolio dos tabacos, ou por todas as receitas do tabaco obtidas pelo Governo, devendo o juro e amortização das obrigações ser pagaveis em Londres, Paris e New York, á escolha dos concessionarios, na moeda d'esses paises. As despesas do sêllo e a feitura dos títulos ficavam a cargo do Governo. Esta offerta estava expressamente sujeita a um acordo satisfatorio sobre os termos e condições da garantia e outras que ulteriormente seriam ajustadas.

Depois de ponderar todas as propostas de que tivera conhecimento, e em vista das informações que recebeu, deliberou o Governo adjudicar o emprestimo, e o exclusivo do fabrico dos tabacos no continente do reino, ao grupo de que faz parte a actual companhia concessionaria, nas condições do contrato provisorio sujeito á sancção parlamentar, por ser a sua proposta a que reune maiores vantagens do que todas as outras apresentadas, podendo considerar-se assegurada a collocação do novo emprestimo, em vista da importancia e valor dos estabelecimentos financeiros que tomam a responsabilidade da emissão. Facilitava-se ao mesmo tempo, sem maiores delongas nem estorvos, a cotação dos novos titulos nas principaes bolsas estrangeiras, facto que mereceu a maxima attenção do Governo.

As maiores difficuldades que havia a vencer para a realização separada, das duas operações consistiam no direito de opção de que goza a companhia actual para o exclu-

Página 18

18 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

sivo dos tabacos até 1926, e na necessidade de dar ao novo emprestimo garantia identica, ou equivalente, á que existe nas obrigações de 4,5 por cento em circulação, estabelecendo-se o modo de a substituir, quando cessasse o monopolio, no caso de ter este duração menor que o emprestimo.

A obrigação absoluta para o Estado de reembolsar em determinado prazo, previamente á posse do monopolio, o que devesse d'esse emprestimo, deixaria uma ameaça sobre o futuro, podendo recear-se que circunstancias extraordinarias obstassem n'aquelle momento á indispensavel operação financeira.

No contrato vigente, dada essa hypothese, a companhia continuava no gozo do monopolio até 1926, e no de 16 de julho de 1904 o Governo só poderia usar do direito de denuncia em periodos successivos de dez annos.

Encontra se na proposta Hambro uma disposição que tendia a acautelar aquella contingencia, ficando os concessionarios do emprestimo com a faculdade de explorarem o monopolio, se para isso não houvesse companhia, e emquanto não fosse reembolsado todo o emprestimo.

No novo contrato attendeu-se muito especialmente a esta questão, que é da maior importancia. O Estado conserva a faculdade de, em todo o tempo da duração do emprestimo e em qualquer epoca desde 1 de outubro de 1915, reembolsar o que for devido segundo o quadro de amortização, com previo aviso de seis meses, e poderá usar ou não d'esse direito como convier ao interesse publico. Se não tiver usado d'aquella faculdade antes de cessar o prazo da concessão do exclusivo, que como se sabe, é limitado a 1926, continuará a companhia na exploração do monopolio, mas por conta do Governo, recebendo somente como unica remuneração d'este serviço a media do producto liquido que lhe couber nos tres ultimos exercicios, pertencendo todo o excedente ao Governo. Este regime provisorio poderá ser modificado em qualquer tempo, sem determinação de prazo, adoptando-se o que parecer mais conveniente, uma vez que previamente á posse do monopolio seja pago o que for devido do emprestimo.

Poder-se-ha, pois, escolher a occasião mais favoravel para esta operação, ou adjudicar novamente o exclusivo, com esse encargo, á empresa que maiores vantagens offerecer, sem que a companhia actual tenha o direito de opção, pois que d'elle expressamente desistiu, como se estipula no artigo 16.° D'este modo parece-nos que ficaram devidamente acautelados os interesses, do Estado, e que se facilita a mudança do regime dos tabacos, quando terminar o prazo da concessão, ou em qualquer epoca depois de findar, sem os embaraços e estorvos que tem agora havido. Estas vantagens resultam especialmente de não ter a companhia, pelo novo contrato, o direito de opção, que lhe era reservado nos anteriores.

Para a partilha de lucros adoptou-se um systema differente do que existe no contrato vigente, que foi conservado no de 16 de julho de 1904. A companhia entregará ao Estado uma quantia certa por kilogramma de tabaco fabricado, vendido ou importado, garantindo um minimo que, sendo de 50:000$00 réis annuaes no triennio que começa em 1907, irá aumentando em determinados periodos até aos ultimos seis annos, em que será de réis - 450:000$000 em cada anno. Este systema é de mais facil fiscalização e interessa o Estado no aumento do consumo. A partilha de lucros garantida para os primeiros annos de cada um dos periodos irá progressivamente aumentando, como é natural, de sorte que no ultimo anno da concessão dará provavelmente para o Estado quantia superior a 600:000$000 réis, alem da renda fixa.

Attendeu-se também á sorte dos operarios e não operarios empregados ao serviço da companhia, garantindo-lhes a situação actual e dando-lhes partilha, a começar de 1907, no aumento da venda e importação de tabacos fabricados, independentemente da que pertencer ao Estado. Pelo documento junto ao contrato vê-se que a companhia se obriga a modificar, de acordo com o Governo, os regulamentos existentes, no intuito de attender ás justas reclamações dos operarios.

Não obstante findar somente em 25 d'este mês o prazo em que os contratantes deviam declarar quaes os banqueiros e estabelecimentos de seus grupos, e indicar a participação de cada um d'elles no emprestimo, foram essas declarações recebidas em 24, como se vê dos documentos annexos ao contrato.

Em relação á situação actual do Thesouro, que é o que mais nos deve preoccupar, para que se mantenha e consolide, offerece o contrato, que submetto á vossa illustrada apreciação, vantagens muito apreciaveis.

O producto liquido da collocação de 600:000 obrigações de 4 por cento depois de deduzidas as despesas com o reembolso das obrigações de 4,5 por cento em circulação, sellos nos differentes países e factura dos titulos definitivos será, em ouro, proximamente de............................. 12.200:000$000

O encargo das actuaes obrigações de 1891 e 1896 é de..................... 2.787:049$440

Juros da divida fluctuante que é amortizada com aquelle excedente calculados pela taxa media.................. 701:500$000

Total............. 3.488:549$440

Encargos das 600:000 obrigações de 4 por cento........................ 2.381:194$800

Differença a menos................. 1.107:354$640

Aumento na renda fixa.............. 1.500:000$000

O total a favor do Thesouro será pois de 2.607:354$640

Não se inclue a differença no prejuizo do cambio, por ser menor a quantia a pagar no estrangeiro, nem a diminuição pelo mesmo motivo da commissão a pagar aos estabelecimentos de credito incumbidos dos pagamentos relativos a este emprestimo.

No relatorio que precedeu a proposta de lei n.° 1 do meu illustre predecessor calculou-se que a operação do emprestimo e a novação do contrato do exclusivo dos tabacos influiria no orçamento d'este anno na importancia de 2.095:736$569 réis, entrando nesse computo a diminuição no prejuizo do cambio, pelo motivo acima indicado, na quantia de 89:395$119 réis, e inscrevendo se por completo o aumento certo da renda fixa sem se deduzir a partilha de lucros calculada no mesmo orçamento em réis 481:435$131.

eitas as necessarias correcções haverá desde já um beneficio permanente para o Estado não inferior a réis 2:100:000$000, sendo a melhoria d'este contrato sobre o de 16 de julho de 1904 de cerca de 500:000$000 réis por anno. Não incluimos as 100:000 obrigações reservadas, por haver composição, ficando na posse da Fazenda.

Em resumo:

O contrato que submettemos á vossa apreciação tem as seguintes vantagens:

l.ª Não abrange mais do que o periodo de dezanove annos, para o exclusivo, previsto no actual contrato;

2.ª Não comprehende a opção para a nova adjudicação de exclusivo;

3.ª Não autoriza o aumento do preço dos tabacos;

Página 19

SESSÃO N.8 DE 26 DE ABRIL DE 1905 19

4.ª Estabelece a partilha em condições de facil e segura fiscalização;

5.ª Aumenta considevavelmente os lucros do Thesouro.

Senhores. - Effectuada a operação financeira e a novação do exclusivo dos tabacos, nos termos da proposta de lei sujeita, ao vosso exame, poderemos considerar vencidas todas as difficuldades financeiras que paralysaram a nossa acção durante um periodo, infelizmente bastante largo, e assegurado o equilibrio orçamental. Com a melhoria progressiva das receitas proprias do Thesouro e economia resultante da consolidação da divida fluctuante interna, e escrupulosa administração dos rendimentos publicos, e com a diminuição de algumas despesas dispensaveis, attenderemos no futuro mais facilmente, e com maior largueza, ao desenvolvimento economico do país, e á amortização regular da divida interna consolidada, como se torna preciso, sem as preoccupações que por vezes causou a carencia de recursos ordinarios sufficientes para satisfazer a todas as despesas obrigatorias do Estado.

Proposta de lei

Artigo 1.° É approvado o contrato celebrado em 4 de abril de 1905, annexo á presente lei, com as seguintes declarações:

l.ª Que o regime a que se refere o artigo 15.° só durará emquanto não for effectuado o reembolso das obrigações nos termos do artigo 3.°;

2.ª Que o Governo poderá era qualquer época tomar quaesquer disposições para a modificação do regime dos tabacos, entendendo-se que taes modificações sómente serão applicaveis depois de expirada a concessão, e completo reembolso das obrigações;

3.ª Se a companhia depois de expirada a concessão gerir o monopolio por conta do Governo, terá este durante esse tempo o direito do fiscalização absoluta.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.

Secretaria de Estado dos Negocios da Fazenda, em 26 de abril de 1905. = Manoel Affonso de Espregueira.

Contrato

Entre:

O Governo Português, representado pelo Exmo. Sr. Conselheiro Manoel Affonso de Espregueira, Ministro e Secretario de Estado dos Negocios da Fazenda, devidamente autorizado por deliberação do Conselho de Ministros, tomada em 31 de março de 1905, primeiro outorgante;

A Companhia dos Tabacos de Portugal, representada pelo seu vice-presidente, o Exmo. Sr. Francisco da Silveira Vianna, devidamente autorizado pela deliberação do Conselho de Administração, em sessão de 3 de abril de 1905, segundo outorgante;

E:

l.° Baring Brothers & C° Limited, banqueiros em Londres;

2.° De Neuflize & Cie, banqueiros em Paris;

3.° O Comptoir National d'Escompte de Paris, sociedade anonyma do capital de 150 milhões de francos, com sede em Paris, representado pelo Sr. E. Ullmann, seu director;

4.° A Banque de Paris et des Pays Bas, sociedade anonyma do capital de 62 1/2 milhões de francos, com sede em Paris, representada pelos Srs. E. Moret, seu director, e Horace Finaly, com poderes do mesmo Banco;

5.º Henry Burnay & C.ie, banqueiros em Lisboa, terceiros outorgantes;

Devendo os terceiros outorgantes declarar até ao dia 25 de abril corrente quaes os banqueiros e estabelecimentos de credito dos seus grupos e indicar a parte respeitante a cada um d'elles no emprestimo de que abaixo se tratará;

Foi exposto e convencionado o seguinte:

Quanto á conversão das obrigações que teem garantia na renda paga pela Companhia dos Tabacos de Portugal.

Tendo o Governo Português o direito de chamar a reembolso os titulos que estiverem em circulação das 500:000 obrigações de 4 1/2 por cento dos tabacos de 1891, e das 40:000 obrigações de 4 1/2 por cento, segunda emissão, de 1896, resolve contrahir um emprestimo destinado em primeiro logar á conversão ou ao reembolso d'esses titulos e á consolidação da divida fluctuante, devendo o excedente do producto do mesmo emprestimo dar entrada nos cofres do Thesouro. A fim de applicar á garantia d'este mesmo emprestimo a renda paga pela Companhia dos Tabacos de Portugal, o Governo acordou com esta na novação da sua concessão mediante as modificações adeante estabelecidas, nas bases a que se refere o contrato de 26 de fevereiro de 1891, sanccionado pela lei de 23 de março de 1891.

Os terceiros outorgantes só interveem nas presentes estipulações para garantir a execução dos compromissos tomados pela Companhia dos Tabacos de Portugal na parte que exclusivamente se refere á emissão do emprestimo de que se trata.

Assim, e ficando tudo dependente da approvação das Côrtes, se convencionou o seguinte:

Artigo l.° É mantido á Companhia dos Tabacos de Portugal o exclusivo do fabrico dos tabacos no continente do reino, nas condições e com os encargos e vantagens constantes das bases a que se refere e contrato de 26 de fevereiro de 1891, mediante as modificações que no presente contrato são estipuladas.

Art. 2.° O Governo contrata com a Companhia dos Tabacos de Portugal um emprestimo de £ 14.000:000 (quatorze milhões de libras esterlinas) capital nominal, Frs. 352.100:000 (trezentos cincoenta e dois milhões e cem mil francos), Reich Mks. 284:200:000 (duzentos oitenta e quatro milhões e duzentos mil marcos), P. B. Fls. 166.600:000 (cento sessenta e seis milhões e seiscentos mil florins), Réis 63:000 contos (sessenta e tres mil contos de réis) em moeda portuguesa, ouro, ao par.

Em representação d'este emprestimo, entregará o Governo á Companhia dos Tabacos uma obrigação geral do capital nominal acima fixado, o qual vencerá 4 por cento de juro ao anno, a partir da promulgação da lei que approvar o presente contrato.

O emprestimo é reembolsavel ao par em sessenta annos o mais tardar, segundo um quadro de amortização, que se organizará para cento e vinte pagamentos semestraes, elevando-se estes a £ 308:673-8 e o primeiro das quaes terá vencimento no dia 1 de abril de 1906.

O juro devido, a partir da promulgação da lei, até 1 de outubro de 1905, será liquidado neste ultimo vencimento.

A annuidade necessaria para o serviço de juro e amortização do emprestimo, acrescida do cambio para o pagamento no estrangeiro e da commissão respeitante a este serviço, será inscrita no Orçamento do Estado como encargo do Thesouro, e será encontrada em primeiro logar com a importancia da renda devida pela Companhia dos Tabacos de Portugal, nas condições estabelecidas no presente contrato.

O Governo reserva-se a faculdade de reembolsar em qualquer epoca, com previo aviso de seis meses, mas não antes de 1 de outubro de 1915, o que estiver em divida da referida obrigação geral, segundo o quadro de amortização do emprestimo.

A Companhia dos Tabacos de Portugal toma firme a quantidade de obrigações necessaria para produzir a im-

Página 20

20 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

portancia effectiva, correspondente ao capital das obrigações de 4 1/2 por cento de 1891 e de 1896, a converter ou a reembolsar, e ao complemento disponivel do novo emprestimo de 4 por cento, até completar o capital nominal de 14 milhões de libras esterlinas, pelo preço fixado em documento especial d'esta data, simultaneamente assinado, e que só poderá ser publicado depois de realizada a emissão do emprestimo.

O Governo terá a faculdade de reservar, ao tempo da promulgação da lei, até 100:000 obrigações.

A Companhia dos Tabacos durante todo o tempo da sua concessão reservará, de cada pagamento mensal ao Thesouro, que tiver de effectuar por conta da sua renda, o equivalente, em1 moeda portuguesa, da importancia de £ 51:445-12 representativa da sexta parte de cada pagamento semestral, para o serviço do emprestimo no estrangeiro, acrescida das differenças de cambio e da commissão de pagamento.

Art. 3.° O Governo criará, e a Companhia dos Tabacos é autorizada a pôr em circulação, titulos representativos da divisão da obrigação geral supra mencionada, a saber: 700:000 obrigações de 4 por cento ao portador de £ 20, Frs. 503, Reich Mks. 406, P. B. Fls. 238, Rs. 90$000 em moeda portuguesa, ouro, ao par.

A companhia mencionará n'estes titulos que, por si, garante de um modo obrigatorio, irrevogavel e sem reserva, o serviço do dito emprestimo.

Á data da expiração da concessão da Companhia dos Tabacos, e a não ser que a dita concessão seja prorogada, as obrigações restantes em circulação deverão ser reembolsadas ao par previamente á posse do exclusivo pelo Estado. Emquanto este reembolso se não achar effectuado proceder-se-ha como se acha estabelecido no artigo 15.° da presente convenção.

Estes titulos serão assinados pela Direcção Geral da Thesouraria, podendo esta delegar no Agente Financial Português em Paris e Londres e em outros funccionarios o desempenho d'este serviço, e serão considerados como titulos de divida publica do Estado gozando de todas as vantagens e isenções inherentes a estes.

Poderá criar-se titulos que representem multiplos das obrigações acima referidas.

Emquanto não estiverem prontos os titulos definitivos, os terceiros outorgantes são autorizados a emittir titulos provisorios, que poderão ser munidos de um coupon especial, representativo do juro devido aos portadores em 1 de outubro de 1905.

Os titulos definitivos ao portador serão munidos de coupons semestraes com vencimento nos dias 1 de abril e 1 de outubro de cada anno de £ 0-8, Frs. 10,06, Reich Mks. 8,12, P. B. Fls. 4;76 Rs. 1$800, em moeda portuguesa, ouro, ao par. A feitura dos titulos ficará a cargo do Governo.

Estes titulos serão reembolsaveis ao par, em sessenta annos, mediante cento e vinte pagamentos semestraes, realizados nas epocas de vencimento dos coupons, e por meio de sorteio, a que se procederá em março e setembro de cada anno.

O primeiro coupon e o primeiro reembolso das obrigações teem o seu vencimento em 1 de abril de 1906.

A forma d'essas obrigações e os termos das garantias que lhes são inherentes, serão fixados de commum acordo entre o Governo e a Companhia, de harmonia com o texto adoptado para as obrigações de 4 1/2 por cento emittidas em 1891, salvas as differenças resultantes das especiaes condições do novo emprestimo.

Os coupons vencidos e os titulos reembolsaveis d'estas obrigações serão pagos, isentos de quaesquer impostos ou deducções, presentes ou futuros, do Governo Português, e á escolha dos portadores, em Londres, em Paris, na Allemanha, na Belgica, na Suissa e na Hollanda, nas caixas dos estabelecimentos de credito ou dos banqueiros designados pelos terceiros outorgantes.

Os coupons vencidos e os titulos reembolsaveis poderão tambem ser pagos em Portugal, na sede da companhia, com deducção, neste caso, do imposto de rendimento, só applicavel aos pagamentos effectuados em Portugal.

O Estado, nos termos do artigo 2.º do presente contrato e conforme se acha ao presente estabelecido, toma a seu cargo as differenças de cambio que possam resultar da remessa para o estrangeiro dos fundos destinados ao pagamento do juro e amortização d'estas obrigações e ao da commissão de 1/3 por cento abonada aos estabelecimentos encarregados d'este serviço.

Art. 4.° A importancia effectiva do emprestimo, feito pela Companhia dos Tabacos, nos termos do artigo 2.° do presente contrato, será paga em Paris.

D'esta importancia reservará a companhia a quantia necessaria para o reembolso no estrangeiro, ao par, das obrigações de 1891 e de 1896, que estiverem em circulação, e cujos portadores não acceitarem a conversão.

As obrigações de 4 1/2 por cento de 1891 e de 1896, que forem convertidas, serão levadas em conta ao Governo, ao par, na moeda do país em que a conversão se effectuar.

O coupon de 1 de outubro de 1905, pertencente ás obrigações convertidas, ficará a cargo do Governo.

Em compensação, o Governo não pagará juro algum, depois da promulgação da lei que approvar este contrato, até 1 de outubro de 1905, sobre a quantidade de titulos do novo emprestimo correspondente ás obrigações de 4 1/2 por cento que forem convertidas.

Do producto effectivo do emprestimo, a parte que exceder as sommas destinadas á conversão ou ao reembolso das obrigações de 4 1/2 por cento será posta á disposição do Governo em Paris: metade tres meses depois da data da emissão, metade seis meses depois da data da emissão.

A companhia terá a faculdade de antecipar a liquidação d'estes pagamentos mediante o desconto de 3 por cento ao anno.

Por outro lado a companhia pagará ao Estado juros, calculados á mesma taxa de 3 por cento, sobre os fundos que ella conservar do producto do emprestimo, destinados ao reembolso das obrigações de 4 1/2 por cento ainda não convertidas.

Um anno depois da data que for fixada para o reembolso das obrigações de 4 1/2 por cento, as quantias que não tiverem sido utilizadas para este fim serão postas á disposição do Governo e os titulos não apresentados até então só serão reembolsaveis em Lisboa.

Art. 5.° Todavia, e como excepção ao disposto no artigo precedente, a denuncia das obrigações de 4 1/2 por cento só tendo logar depois de 1 de abril de 1905, de forma que o seu reembolso só pode vir a realizar-se depois de 1 de outubro de 1905, o Governo deverá levar em conta á Companhia a differença de juro entre a, taxa de 4 1/2 por cento, que terá de ser paga aos portadores, e a de 4 por cento do novo emprestimo, no periodo que decorrer desde 1 de outubro de 1905 até a data fixada para o reembolso.

Art. 6.° O Governo fará as diligenciaes officiaes, que são de uso, para que os titulos emittidos em representação da obrigação geral sejam admittidos á cotação official nas praças de Londres, Berlim, Franckfort, Hamburgo, Genebra e Amsterdam.

Para esse effeito, o Governo assinará os prospectos, fornecerá os documentos necessarios, e tomará a seu cargo as despesas de sêllo dos titulos, nos paises onde a emissão se effectuar.

Logo que a obtenção da cotação official em Londres e em Paris estiver assegurada, os terceiros outorgantes procederão á emissão do novo emprestimo, e á conversão das

Página 21

SESSÃO N.° 8 DE 26 DE ABRIL DE 1905 21

obrigações de 4 1/2 por cento, que terá a preferencia na collocação dos novos titulos por uma quantidade igual.

Art. 7.° O Governo, como de costume, autorizará a abertura, sem encargo para os contratadores do emprestimo, das caixas do Thesouro em Portugal para as operações da conversão e da emissão.

Art. 8.° A Companhia dos Tabacos fica encarregada da centralização, na sua sede de Paris, das contas com o Governo, relativas ás operações do presente contrato.

Art. 9.° Durante o prazo de um anno, a partir da promulgação da lei que approvar o presente contrato, o Governo obriga-se a não fazer qualquer nova emissão de titulos no estrangeiro.

Art. 10.° Se, ao tempo da promulgação da lei que approvar o presente contrato, houver nos mercados financeiros perturbação resultante de acontecimentos imprevistos, ou se a cotação de algum dos seguintes titulos houver descido: a do consolidado inglês de 2 1/2 por cento abaixo de 89 1/2 por cento, a da divida publica francesa de 3 por cento abaixo de 98 por cento, a da divida fundada portuguesa de 3 por cento, externa, abaixo de 67 1/2 por cento em Londres ou em Paris, deverão os segundos e terceiros outorgantes entender-se com o Governo Português sobre a epoca em que a emissão terá de realizar-se, sem que todavia possa por isso ser retardada a execução de todas as outras estipulações do presente contrato que não digam respeito ao emprestimo.

Quanto ao regime do exclusivo dos tabacos:

Art. 11.° A concessão do exclusivo da fabricação dos tabacos no continente do reino é prorogada por um periodo de dezanove annos, que começa em 1 de maio de 1907 e finda em 30 de abril de 1926.

Art. 12.º A renda fixa annual estipulada no artigo 3.° das bases a que se refere o contrato de 26 de fevereiro de 1891 fica assim modificada e estabelecida:

Durante os dois annos que subsistem do primeiro periodo do referido contrato, isto é, até 1 de maio de 1907, a renda fixa annual de 4.500:000$000 réis é aumentada em 1.500:000$000 réis e elevada assim a 6.000:000$000 réis.

Esta renda é mantida em 6.000:000$000 réis annuaes, durante o novo periodo de dezanove annos, que vae de 1 de maio de 1907 a 30 de abril de 1926.

Art. 13.° O disposto no § 1.° do artigo 5.° das bases a que se refere o contrato de 26 de fevereiro de 1891 deixa de ser applicavel, no que se refere á partilha com o Estado, até 1 de abril de 1907, e a partir d'esta data ficará modificado pela forma seguinte:

Em cada kilogramma de tabaco manipulado, vendido ou importado acima dos algarismos correspondentes ao exercicio que finda em 31 de março de 1907, o Estado receberá:

Réis

a) Por kilogramma de tabaco nacional vendido no continente do reino.................... 1$800

b) Por kilogramma de tabaco nacional vendido para fora do continente do reino............... $180

c) Por kilogramma de tabaco importado sujeito a direitos............................... 3$200

As participações que por esta forma pertençam ao Estado em cada exercicio, serão liquidadas e pagas no prazo maximo de seis meses, a partir da data final do respectivo exercicio.

A Companhia dos Tabacos garante ao Estado por esta forma de participação, os seguintes minimos:

Réis

Por cada um dos tres exercicios de 1907 a 1910:............................. 50:000$000

Por cada um dos quatro exercicios de 1910 a 1914............................ 150:000$000

Por cada um dos tres exercicios de 1914 a 1917.............................. 300:000$000

Por cada um dos tres exercicios de 1917 a 1920............................. 400:000$000

Por cada um dos seis exercicios de 1920 a 1926............................ 450:000$000

Art. 14.° Para a partilha dos lucros com o pessoal operario e não operario, tomar-se-ha nos dois primeiros exercicios por base somente a importancia de 6.000:000$000 réis da renda fixa a pagar ao Estado, excluindo-se a parte correspondente á remuneração do capital da companhia, segundo as disposições do contrato de 26 de fevereiro de 1891, deveria acrescer áquelle limite.

Em todos os restantes exercicios a começar em 1 de abril de 1907, alem da quantia igual á que pela partilha annual de lucros lhe houver cabido em 31 de março do mesmo anno, o pessoal operario e não operario receberá a mais, na proporção de 5/6 para o primeiro e de 4/6 para o segundo, sobre o excesso do tabaco manipulado, vendido ou importado, em relação ao exercicio findo em 31 de março do citado anno de 1907, e sem prejuizo da parte pertencente ao Estado, em conformidade do estipulado no artigo antecedente:

Réis

a) Por kilogramma de tabaco nacional, vendido no
continente do reino...................... 150

b) Por kilogramma de tabaco nacional, vendido para
fora do continente....................... 20

c) Por kilogramma de tabaco importado, sujeito a
direitos................................ 270

O Governo dará o complemento necessario para que o actual pessoal operario e não operario não soffra prejuizo nos seus interesses por motivo do aumento da renda fixa.

Art. 15.º A data da expiração da concessão, não havendo reembolso completo das obrigações, o regime dos tabacos em vigor não poderá ser moditicado, e a Companhia dos Tabacos de Portugal continuará a gerir o exclusivo por conta do Governo, deduzindo pela sua gerencia uma remuneração igual, abatidas as despesas geraes, á media do producto liquido dos tres ultimos exercicios, sem que todavia essa remuneração possa ser inferior ao juro estatuario das suas acções.

Art. 16.° Todas as disposições constantes das bases a que se refere o contrato de 26 de fevereiro de 1891, não expressamente modificadas pelo presente contrato, continuam em vigor para todos os effeitos na sua applicação á concessão renovada, salvo o que respeita ao direito de opção, estipulado no artigo 6.° das referidas bases.

Art. 17.° A Companhia dos Tabacos convocará a assembleia geral dos seus accionistas, para o fim d'esta autorizar as modificações nos seus estatutos e no contrato em vigor, que forem necessarias para a execução do presente contrato.

Art. 18.° As reciprocas obrigações, constantes do presente contrato, caducam para todos os effeitos em 15 de julho de 1905, se a esta data elle não houver alcançado a necessaria approvação das Côrtes, continuando neste caso em vigor o contrato de 26 de fevereiro de 1891, até que a denuncia de 22 de fevereiro ultimo haja produzido os seus legaes effeitos, nos termos do dito contrato de 1891.

E havendo todos os outorgantes ajustado e concluido nos termos designados as referidas condições, sendo testemunhas presentes os Srs. João José Lopes e Antonio Lopes Biscaia; officiaes da Direcção Geral da Thesouraria do Ministerio da Fazenda;

Eu, Luiz Augusto Perestrello de Vasconcellos, Director Geral da mesma Direcção e Secretario Geral do Ministerio, em firmeza de tudo e para constar onde convier, fiz aos 4 dias do mês de abril de 1905 escrever o presente

Página 22

22 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

contrato, em triplicado, que subscrevo e que vão commigo assinar os mencionados outorgantes e mais pessoas já referidas, depois de lhes ter sido por mim lido, assistindo tambem a este acto o ajudante do Conselheiro Procurador Geral da Coroa e Fazenda, o Exmo. Sr. Conde de Paçô-Vieira.

Lisboa e Ministerio dos Negocios da Fazenda, aos 4 de abril de 1905. - Logar de uma estampilha do imposto de sêllo de 1$000 réis. = (aa) Manoel Affonso de Espregueira = Francisco da Silveira = Baring Brothers & C.ª L.e, por Cecil Baring, Director = Neuflize & C.iª = E. Ullmann = E. Moret = Horace Finaly, Henry Burnay & C.iª.

Como testemunhas = João José Lopes = Antonio Lopes Biscaia = L. A. Perestrello de Vasconcellos. - Foi presente, Conde de Paçô-Vieira.

Foi enviada á commissão de fazenda.

O REDACTOR = Sergio de Castro.

Descarregar páginas

Página Inicial Inválida
Página Final Inválida

×