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N.º 11. Sessão em 15 de Janeiro 1849.

Presidencia do Sr. Rebello Cabral.

Chamada — Presentes 64 Srs. Deputados.

Abertura — Eram tres quartos depois do meio dia.

Acta — Approvada sem discussão.

Correspondencia.

Officios: — Do Ministerio da Justiça, participando que o Requerimento approvado por esta Camara, que lhe foi dirigido em data de 8 do corrente, a respeito das Negociações, que ultimamente tiveram logar entre esta Côrte e a de Roma, fora por aquelle Ministerio remettido ao dos Estrangeiros, por ser o competente para satisfazer ao que nelle se pede — Inteirada.

2.º Do Sr. Deputado Vidal da Gama, participando que motivos ponderosos o tem impedido de seguir viagem para Lisboa, esperando com tudo remover esses motivos, para se apresentar na Camara. — Inteirada.

O Sr. Barão d'Ourem: — Sr. Presidente, peço a V. Ex.ª que me inscreva, para apresentar um Projecto de Lei.

O Sr. J. José de Mello: — Sr. Presidente, na Sessão antecedente tive a honra de offerecer á Camara um Projecto de reforma sobre contribuições municipaes: foi este distribuido á Commissão de Administração Publica, e eu não instei, porque se apresentasse resolução alguma a esse respeito, primeiramente por que reconheci, que a materia era grave, e que demandava sérias reflexões: e em segundo logar duvidei, se havia os dados estatisticos para a Commissão poder assentar o seu Parecer.

Na Secretaria havia apenas dados estatisticos sobre as contribuições municipaes até 1843: o Orçamento, que foi apresentado na Sessão antecedente, não veio acompanhado do mappa das contribuições municipaes, como devia, na conformidade da Lei; mas attendendo, a que o Ministerio o não poderia fazer, porque tendo corrido as couzas tão irregularmente, como correram em 46 e 47, e era natural, que as Camaras não satisfizessem a esse objecto, deve-se desculpar esta falta.

Peço pois á Commissão de Administração Publica, que, com preferencia a qualquer outro objecto, se occupe deste, e nos apresente o seu Parecer.

O mal, Sr. Presidente, é na verdade grande, e pede prompto remedio, tem estado n'uma progressão ascendente; ha hoje Concelhinho, que paga mais contribuições municipaes, do que contribuições ao Estado; e é este um mal que afflige muito os povos: espero por tanto, que V. Ex.ª haja de recommendar este objecto á Commissão de Administração Publica.

O Sr. Presidente: — A Commissão de Administração Publica ouvio o pedido do Sr. Deputado, e toma-lo-ha em consideração, attenta a sua urgencia.

O Sr. Assis de Carvalho: — Pedi a palavra, para mandar para a Mesa o seguinte:

Requerimento. — Requeiro que as contas da gerencia dos fundos publicos, que pedi em Sessão de 8 do corrente, sejam classificados por Ministerios com todas as declarações especificadas no mesmo Requerimento — Assis de Carvalho.

Sr. Presidente, segundo o conhecimento e pouca practica que eu tenho destes negocios, receio muito, que se não possa fazer obra na actual Sessão Legislativa a este respeito; receio, que as contas venham tão confuzas, ou tão complexas, e que venham tão tarde, que a Commissão de Contabilidade Publica não possa dar competentemente, e a tempo o seu Parecer, para que possa ser discutido: para abbreviar

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este negocio, é que eu fiz este Requerimento, pedindo que as contas, que hajam de vir, sejam classificadas por Ministerios. A conta da gerencia publica refere-se a differentes annos economicos; eu quererei, que, por cada um dos Ministerios, se nos diga a receita e despeza, que tem feito, relativamente a todos os annos economicos, com todas as declarações feitas no meu Requerimento antecedente.

Depois de lido na Mesa o Requerimento foi julgado urgente, e approvado sem discussão.

O Sr. Pereira dos Reis: — Tenho a honra de mandar para a Mesa um Requerimento dos proprietarios de uma fabrica de vidros, sua na praia de Santos, em que fazem algumas reflexões contra o contracto, que se diz feito com Manoel Joaquim Affonso.

Ficou sobre a Mesa para se lhe dar destino na Sessão seguinte.

Primeira parte da ordem do Dia.

Eleição de Commissões.

O Sr. Presidente: — Vai passar-se á primeira parte da Ordem do Dia; principia pela eleição de dous Membros, que faltam para a Commissão de Guerra. A eleição estava feita; mas a requerimento do Sr. Barão de Ourem decidiu-se, que se addicionassem mais dous Membros. Procedeu-se hontem, por tanto ao escrutinio, no qual entrando, creio que 50 ou 51 listas, nenhum dos Senhores obteve 37 votos, e apenas os Srs. Palmeirim, e Xavier Ferreira obtiveram 34 votos. A Mesa declarou, que não tinha havido maioria absoluta, e por tanto se devia proceder a nova eleição, visto que se não dá a hypothese, resolvida anteriormente sobre a maioria relativa; porque para estes dous Membros foi o primeiro escrutinio o que se correu hontem. Por tanto, os Srs. Deputados formarão as suas listas com dous nomes.

Corrido o escrutinio verificou-se terem entrado na urna 65 listas, das quaes se inutilisaram 10, e sairam eleitos

Os Srs. Xavier Ferreira com... 40 votos

Palmeirim..................... 36 »

Segunda parte da ordem do dia.

Discussão da Resposta ao Discurso do Throno.

Senhora! — A Camara dos Deputados da Nação Portugueza aprecia devidamente a satisfação, que Vossa Magestade lhe manifesta ao abrir a Sessão Legislativa do presente anno. Só em volta do Throno Constitucional, symbolo de gloria e penhor da ordem, se poderão colhêr os beneficios da Liberdade.

A Camara muito apraz vêr, que depois do encerramento da Sessão o socego publico se conservou inalteravel, sem a dolorosa necessidade de suspender o uso dos direitos garantidos na Carta Constitucional. Confiando no imperio das Leis, e na virtude dos principios monarchicos, o Governo de Vossa Magestade deu um exemplo honroso, dignamente correspondido pela Nação, cujo amor da Corôa e da Religião de seus maiores fôra injusto pôr em duvida com providencias extraordinarias no seio da paz. Em quanto a Europa, quasi toda, luctava com a anarchia, Portugal nem um echo teve do clamor revolucionario, que ameaçava as bases eternas, em que a sociedade se funda.

A certeza de amizade das Pontencias Estrangeiras e para a Camara motivo do maior prazer. A harmonia que existe entre o Governo de Vossa Magestade e os das Nações Alliadas faz esperar, que as relações internacionaes tomem o desenvolvimento, que pedem os interesses de Portugal.

Os funestos acontecimentos, que deram causa a que o Santo Padre saisse da capital do Orbe Catholico, e se retirasse dos Seus Estados, encheram de profunda mágoa o coração religioso de todos os Portuguezes que veneram na Sua Augusta Pessoa a magestade do Pontificado unida á santidade da virtude. Com muita satisfação soube pois a Camara, que ao Sagrado Pontifice assistiu sempre nas suas tribulações o Ministro Portuguez em Roma, o qual na Conformidade das ordens de Vossa Magestade ainda o acompanha; e que possuida dos sentimentos, que em todos os tempos fizeram a gloria de Seus Augustos Predecessores, Vossa Magestade, como Fidelissima Filha da Igreja, Enviou um Par do Reino, e Gentil Homem da Sua Camara, em Missão Extraordinaria, junto do Santo Padre, convidando-o a que se dignasse sanctificar estes Reinos com a Sua Presença.

A Camara tomará conhecimento, logo que lhe sejam presentes, das Negociações de proximo ultimadas de accôrdo com a Santa Sé; e confia, que o Governo de Vossa Magestade em tudo haverá conciliado os interesses espirituaes dos Povos com as regalias da Corôa, e que os não perderá nunca de vista nas Negociações pendentes.

Quanto ao que se convencionou com o Imperio do Brasil igualmente espera a Camara, que terão sido attendidas as conveniencias da Nação, e as regras de completa reciprocidade.

A Camara, nesta occasião, não póde deixar de significar a Vossa Magestade a mágoa que sente pelos tristes acontecimentos que ameaçaram em alguns pontos do Imperio do Brasil a existencia, e os interesses dos Subditos Portuguezes alli residentes. Apreciando os motivos que levaram o Governo de Vossa Magestade a não avivar a recordação de tão lastimosos factos, cumpre todavia á Camara declarar, que o Governo de Vossa Magestade, acudindo com providencias opportunas afazer respeitar a Bandeira Portugueza, correspondeu dignamente á sua missão. É ao mesmo tempo agradavel á Camara reconhecer, que ás Auctoridades do Imperio e á cooperação de alguns Agentes Consulares Estrangeiros deveu o Consul Portuguez em Pernambuco o successo dos zelosos esforços, que empregou em tão criticas circumstancias.

O Orçamento da Receita e Despeza publica será examinado com a maior attenção; e em tão poderoso assumpto, assim como na indispensavel organisação do Systema de Fazenda, a Camara adoptará como principio o tornar os sacrificios iguaes e proficuos, a arrecadação equitativa e simples, e a responsabilidade dos Agentes Fiscaes severa e effectiva.

Em presença da execução dada ás Leis ultimamente votadas, espera a Camara, que o estado presente da Fazenda deva só attribuir-se á necessidade de amplas reformas, combinadas em todos os ramos do serviço, para as receitas se realisarem, e as economias serem fecundas.

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Na fixação da Fôrça armada ha de contemplar-se que exíge o decoro da Nação, e a segurança publica A ordem e a dignidade do Paiz encontrarão sempre o decidido apoio dos seus Representantes

As Provincias Ultramarinas, tão preciosas para Portugal pelas recordações de gloria, e pelos seus immensos recursos, com razão mereceram a attenção do Governo; e a Camara, esperando que as providencias propostas hão de ser cabaes para desenvolver o incremento da sua riqueza, está disposta a prestar a tão louvavel intento amais activa cooperação. E necessario que a Industria e o Commercio floresçam, pelo impulso da Mãi Patria, nestas Regiões, onde a civilisação entrou com as Quinas Portuguezas.

Todas as Propostas de Lei apresentadas pelos Ministros de Vossa Magestade serão consideradas com o devido exame, e sobre cada uma dellas fará a Cantata quanto exigirem a meditação, e a experiencia das necessidades publicas.

Senhora! A Camara dos Deputados na hora, em que tanto sangue e lagrimas se tem derramado para salvar a sociedade da ultima mina, sabe que os seus deveres são rigorosos, e a sua responsabilidade immensa. Quando toda a Europa combate pelos principios sagrados, sem os quaes toda a ordem, e legalidade expiram, a primeira obrigação dos Representantes da Nação Portugueza é prestai-lhes o mais decidido apoio Nestes dias de lucta, em que a Providencia experimenta os imperios, aos Poderes do Estado cumpre velar armados pela conservação das Leis e das Instituições, porque a causa da Monarchia, e a de todos os direitos sociaes estão expostas a perecei, ou a triunfar juntas A Camara conhece o perigo, mas não o teme. Para manter a paz confia no patriotismo desta Nação heroica, nas virtudes e sentimentos que sempre ennobreceram o coração do Povo Portuguez, na firmeza e decisão do Governo, e na lealdade de um Exercito brioso, modêlo de obediencia e disciplina. Com tão poderosos elementos, em redor de si, o Throno e a Carta Constitucional hão de, sempre, sair victoriosos do delirio das facções, e dos honores da anarchia

Sala da Commissão, em 8 de Janeiro de 1849. — João Rebello da Costa Cabral (Presidente), D. Marcos Pinto Soares Vaz Preto, Barão de Villa Nova d'Ourem, Antonio Roberto de Oliveira Lopes Branco, Antonio Corrêa Caldeu a (Relator), Visconde de Castellões, Luiz Augusto Rebello da Silva (Secretario.)

O Sr. Corrêa Leal: — Sr. Presidente, mando para a Mesa uma Proposta, para que V. Ex.ª consulte a Camara, se convem que em uma só discussão se abranjam as duas discussões, na especialidade e na generalidade e neste sentido mando para a Mesa a seguinte

Proposta — Proponho que haja uma só discussão, abrangendo a generalidade e a especialidade do Projecto. — Corrêa Leal

Foi admittida, e approvada sem discussão

Muitos Srs. pediram a palavra sobre a materia, e leve-a pela sua ordem

O Sr. Cunha Sotto-Maior: — Sr. Presidente, a discussão da Resposta ao Discurso da Corôa é em todos os Parlamentos a occasião opportuna para os Deputados avaliarem a Politica do Governo, e conferirem a essa Politica um voto de approvação, ou de censura. Tenho ouvido porém que a Resposta ao

Discurso da Corôa e pura o simplesmente um cumprimento, um acto de cortesia, uma attenção cavalheirosa para com um dos Altos Poderes do Estado. Póde ser que seja assim; mas eu não abraço essa theoria, porque sou na practica um pessimo cortesão

No meu entendei, e segundo a practica dos Parlamentos Inglez e Francez, a Resposta ao Discurso da Corôa é um modo regular de communicação entre o Poder Legislativo e o Poder Executivo, e é nesse sentido que eu a acceito.

Vou pois em primeiro logar definir em poucas palavras a minha posição: sou classica, technica, despeitada e ferrenhamente da Opposição.

Creio que a Camara não terá a menor duvida em acreditar esta minha profissão de fé. Mas apesar destes epithetos não me tenho ainda na conta de um reprobo; antes muito pelo contrario creio que em relação á minha consciencia, e em relação ao meu Paiz, cumpro religiosamente o mandato, que me deu o Paiz

Para conciliar a benevolencia da Camara declaro, que não trocarei a placidez do debate pela impropriedade do vituperio. A violencia é todavia um recurso para a oratoria; prescindirei della; a invectiva é a penalidade da Tribuna, po-la-hei tambem de parte.

Sr. Presidente, eu podia dizer que alli (apontando para as Cadeiras do Ministerio) naquelle logar, está um banco com seis réos; mas não direi tal, direi que vejo ahi seis Cadeiras, e nellas seis Ministros. Pois bem; chamo esses seis Ministros á autoria, e vou com a exactidão dos factos mostrar á Camara que o Governo não póde, não deve continuar a merecer a nossa confiança.

Pedi a palavra, e vou usar della com bastante desgosto, porque sempre me magôa citar um homem, e dizer-lhe: — faltastes ao vosso dever! Vou porém fallar por hora a minha, e tambem por honra do Ministerio. Se eu me calasse, o meu silencio seria desairosamente interpretado; ninguem veria nelle o effeito da desillusão, fallo por honra do Ministerio, porque o meu silencio seria a confissão bem expressa da intolerancia do Governo, ou o receio d'alguma violencia da sua parte. Fallo, porque desejo restam ar as fórmas do Governo Representativo, e porque quero a realidade da grande theoria do Poder Parlamentar. Fallo, porque quero unir o meu brado ao brado geral do Paiz, porque acceitei um mandato que me impoz a sancta obrigação de advogar os grandes principios da Liberdade, mandato que imprime caracter, e que me conferiu a coragem precisa para arcar com as tyrannias da situação.

O Projecto, que vou discutir, tem duas partes distinctas, tracta da Politica exterior e interior. Limitar-me-hei strictamente á segunda parte, porque tenho a humildade de acreditar que a nossa opinião o influencia sobre os acontecimentos da Europa e nenhuma; e ou seja porque os males que presenteamos, e sentimos, nos affectem mais do que aquelles que só ouvimos, e não padecemos; ou seja porque em resultado da minha apoucada organisação eu não tenha tanta superabundancia de vida, como o Ministerio e os illustres Membros da Commissão, confesso que vendo ao pé de mim, no meu Paiz, aqui na minha Patria, tantas desgraças sobre que chorai, tantos acontecimentos deploraveis que me affligem, não me fica porção alguma de compaixão para espalhar inutil, e sentimentalmente por essa Europa fóra. Nesse

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ponto sou mais orthodoxo do que o Ministerio, e a Commissão; sigo á risca o preceito do Evangelho: a caridade bem ordenada começa por nós.

A illustre Commissão verteu abundantes lagrimas sobre os males alheios, e dessa sua longa peregrinação atravez de Monarchias derrocadas e tremidas, amedrontrada com esse grande duelo travado entre dois principios, com essa vasta conspiração, que parece fabulosa á força de ser collossal, que envolve uma época inteira, e que se assenhorea de um seculo, foi dar comsigo nas nossas Possessões da Africa, e achou que só aí as cousas não iam muito bem.

Apesar porém de me limitar á Politica do paiz, não posso deixar de estranhar que a illustre Commissão, que com tanta justiça e dignidade se mostrou magoada pela saída do Summo Pontifice dos Estados Romanos, se estendesse tanto em um longo paragrafo relativo ao Papa, que não é mais do que um symbolo, e não tivesse uma unica palavra de enthusiasmo, de amor e de sympathia por um principio, pelos esforços heroicos da Italia, para constituir a sua liberdade, restaurar a sua independencia, e estabelecer a sua unidade!

Deixo porém este assumpto, e passo a occupar-me da Politica interna do paiz.

Sr. Presidente, o Governo agarrou-se a duas palavras — temos paz e somos tolerantes — e com ellas defende-se de tudo, e responde a tudo.

Mas a paz do Governo é esteril e mortifera. A paz é um fim, nunca foi um meio, mas já que a entendem como meio, pergunto — que bem tem feito o Governo a este Paiz? — O que fizestes vós a favor da instrucção publica tão atrazada entre nós?

Aliviastes o povo de alguns tributos, que acabrunham a lavoura e a industria?

Fizestes uma só legoa de estrada neste Paiz tão fallo de communicações?

Abristes algum mercado para a exportação dos nossos productos?

Facilitastes por meio de alguma Lei liberal, pela deducção de algum pensamento economico a saída dos nossos generos?

O que fizestes a favor da agricultura, da industria, da instrucção, das artes, das sciencias? O que fizestes a favor dos interesses moraes, sociaes, politicos e materiaes do Paiz?

Tivestes algum pensamento generoso, qual foi elle?

Dissestes uma palavra animadora, onde a escrevestes?

Practicastes alguma obra meritoria que mereça a nossa gratidão, onde está ella?

Que meios empregastes para o desenvolvimento da prosperidade publica? Que melhoramentos fizestes nos diversos ramos da Administração do Estado? Que obra de utilidade emprehendestes?

No Discurso da Corôa não ha um facto; no Projecto em discussão não vejo se quer uma esperança. A paz, sempre a paz, é com que nos respondeis.

Mas estais enganados. Tomais como paz aprofunda tristeza do paiz, a prostração de um povo que soffre em silencio muita dor, que devora muitos opprobios!

Essa paz é como um daquelles antigos venenos dos Borgias — mata traiçoeira e lentamente — cava todos os dias mais uma pollegada no tumulo, deixa os olhos para ver correr lagrimas, e a vóz para a lamentação e queixume.

Não tendes uma politica franca, sincera e clara?, porque não tendes principios, nem systema, nem doutrina; e isto é assim, porque tendes em mais consideração as vossas pessoas do que o vosso cargo, porque despresais a immediata intuição dos verdadeiros interesses do paiz.

A invocação que fazeis dos principios é um artificio grosseiro da vossa desmedida ambição, e sustentais assim por meios falsos uma falsissima posição.

Fallais muito em tolerancia, fazeis della constante invocação, e que não tendes essa qualidade, os factos o provam.

Fallais em tolerancia, e demettistes da Inspecção dos Theatros, e da Secretaria da Justiça um Official, porque teve a nobre coragem de votar aqui contra as vossas medidas, estando nisto mesmo em contradicção o vosso procedimento da vespera; porque hoje foi por vós demittido esse Official, e hontem no Diario do Governo apparecera uma Portaria nomeando esse mesmo individuo para uma commissão importante, qual a da dotação do Clero, e nessa Portaria era dito por vós — que essa nomeação era em consequencia, da sua capacidade, intelligencia, elo e probidade. Assim é que é a tolerancia do Governo!...

Fallais em tolerancia, e permittistes que se atirasse pelas janellas fóra uma Imprensa da rua das Adellas! Fallais em tolerancia, perseguistes e consentistes que se arrestasse a imprensa do Estandarte!.».

Fallais em tolerancia, e consentistes que os Commandantes dos Corpos discutissem as doutrinas politicas d'uma Imprensa, e que fizessem circulares aos seus collegas! A falta de intelligencia respondeis com as pontas das bayonetas; trazeis as tarimbas para a Imprensa, e acenais com os cartuchos embalados!...

Fallais em tolerancia, e estiveram uns poucos de mezes encerrados no Limoeiro uns poucos de Cavalheiros, a respeito dos quaes dissestes aqui no Parlamento que tinheis provas inconcussas da sua criminalidade; porém o unico Tribunal competente, o Poder Judiciario, que é tão independente como o Executivo, declarou-os innocentes!...

Fallais em tolerancia, e permittis que estejam ainda vivendo escondidos tres Cavalheiros, não achando ainda occasião de propôr uma Amnistia a favor delles, se estão criminosos, que estou persuadido que o não estão, e tenho direito de o dizer assim, porque para isso me auctorisa o accordão da Relação de Lisboa, quando deu provimento ao aggravo dos que tinham sido presos.

Fallais em tolerancia, e excluístes de todas as Commissões os individuos da Opposição, não escapando até o homem mais competente, um eminente Jurisconsulto, reconhecido no Paiz como tal, até a respeito desse tivestes a mesquinhez de impedir que fosse nomeado para a Commissão de Legislação! Vós fallais muito em tolerancia, essa constante alardeação é prova de que não possuis tal condição, quem alardêa muito, nunca tem a virtude que inculca.

Sr. Presidente, esta Administração falla em ordem, liberdade, justiça e economias, e isto ao tempo em que os Srs. Ministros não apresentam uma só prova em abono de tal asserção. Vamos aos factos

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que dizem respeito á economia dos Srs. Ministros. — Vagou um logar de Conego na Sé, e se se havia de supprimir esse logar, porque o Paiz não perde em ter um Conego de mais ou de menos, um Sr. Ministro tinha em sua casa um Capellão, e o que fez?... Pegou logo nesse Capellão e mandou-o muito depressa para a conesia da Sé!..,

E falla o Governo em economias?... Falla em economias, e dimitte um Empregado no Governo Civil, e no dia seguinte manda para lá cinco!...

Fallais em tolerancia, e prohibistes que fosse provido na Cadeira de Zoologia da Escola do Exercito um Cavalheiro probo, honrado e intelligente, e que tinha as competentes habilitações; e não houve pejo de se dizer na respectiva Portaria que era por motivos estranhos ao concurso e á sciencia! O concorrente dirigiu-se ao Sr. Presidente do Conselho, tornou-o sciente do facto, e S. Ex.ª disse que o acto era iniquo, e que havia de remedia-lo, e S. Ex.ª não o remediou. (Signaes negativos do Sr. Presidente do Conselho) O Orador; — Se V. Ex.ª nega a questão, deve essa negativa ser entre o concorrente e V. Ex.ª; porque V. Ex.ª muito bem deve estar certo de que o concorrente se lhe apresentou, e passou-se tudo na presença de duas testemunhas; é melhor que V. Ex.ª se cale. (O Sr. Presidente do Conselho: —, Não disse que o acto era iniquo) O Orador: — E melhor não progredir sobre este ponto. Fallais em tolerancia, e consentistes que não fosse despachado um Alumno da Escola do Exercito para Alferes Alumno do mesmo Exercito, e tivestes a coragem de dizer, que era porque o rapaz era revolucionario desde o berço!!! O Miguel Alcaide, e José Verissimo estremeceram no tumulo com esta tyrannia inaudita!!! (Riso)

Sr. Presidente, até os proprios Empregados de confiança não querem obedecer ao Governo. Eu traria para provar isto uma colleção de Diarios do Governo, eram 37 Diarios contendo 97 Portarias; porém não preciso mais que o proprio Diario de hoje para mostrar a auctoridade do Governo a respeito dos Empregados de confiança, vou ler uma Portaria dirigida ao Governador Civil do Districto d'Angra do Heroismo:

«Achando-se determinado em Portaria Circular «de 3 de Outubro ultimo, ao Governador Civil do «Districto d'Angra do Heroismo, que fizesse confeccionar e transmittir ao Tribunal do Thesouro Publico um mappa identico ao que se lhe enviou por «copia de todos os documentos de cobrança não «realisada até ao dia 30 de Junho ultimo, e havendo decorrido mais de tres mezes sem que semilhante exigencia tenha sido satisfeita, cuja falta «denota o atrazo em que se acha a escripturação «do Livro-modelo n.º 18 junto ás instrucções do 8 de Fevereiro de 1843: Manda Sua Magestade a Rainha pelo mesmo Tribunal, recommendar ao predicto Governador Civil, que não deixe de pôr em «pratica todas quantas diligencias estejam ao seu «alcance a fim de quanto antes ser completamente «satisfeita a doutrina da mencionada Portaria. — 12 de Janeiro de 1848.»

Aqui está Sr. Presidente, a prova irrefragavel da obediencia que as Auctoridades prestam ao Governo. Como já disse tinha aqui 37 numeros do Diario do Governo, contendo documentos iguaes, os quaes não leio para não cançar a Camara.

Ora ha outro facto que tambem vou notar. Em Sessão de 4 de Janeiro deste anno requeri com urgencia pelo Ministerio da Fazenda relações de todos os Recebedores Geraes, Recebedores de Districto, Contadores de Fazenda, Thesoureiros Pagadores, ou quaesquer outros Exactores nomeados desde 1833 até hoje, com as seguintes declarações: — 1.º Os logares que serviram, e por que tempo, 2.º se prestaram as suas contas, 3.º se a respeito daquelles que não prestaram contas, ou foram encontrados em alcance, se instaurou o competente processo, e, no caso affirmativo, em que estado existe, 4.º quaes os que foram encontrados em alcance, e em quanto importam os respectivos debitos, 5.º como pagaram os alcances, 6.º se a Fazenda tem hypotheca segura, por meio da qual possa haver a importancia dos referidos alcances, e qual ella seja.

Já se vê que eu perdi no meu Requerimento o mesmo que o Sr. Ministro da Fazenda mandou no 1.º de Julho do anno passado, que fizesse o Tribunal Fiscal de Contas; e eu confesso que tive a malicia de copiar os quesitos, que se mencionavam na Portaria, para que se me não pozesse duvída em satisfaze-la, e apezar disso S. Ex.ª o Sr. Falcão disse que nem em dois mezes se podiam promptificar esses documentos!

Veja por estes factos a Camara o que é o Governo, e como as Auctoridades cumprem as suas Portarias, sendo necessario expedir-lhes primeira, segunda e terceira — e por fim contenta-se com estranhar a falla de cumprimento das mesmas Portarias!

O Sr. Ministro da Fazenda, quando eu fiz o meu Requerimento disse logo — isso não se póde apromptar, nem daqui a dois mezes. — Agora eu vou ler uma Portaria do Ministerio da Fazenda, assignada pelo Sr. Joaquim José Falcão, para o Tribunal do Conselho Fiscal de Contas, devendo notar-se que esta Portaria foi expedida no 1.º de Julho do anno passado. E a seguinte

Portaria. — «Sua Magestade, a Rainha Manda, «pelo Ministerio dos Negocios da Fazenda que o «Tribunal do Conselho Fiscal de Contas faça organisar, e remetter a este Ministerio, com a possivel «brevidade, á proporção que se promptificarem, relações de todos os Recebedores Geraes, Recebedores de Districto, e Contadores de Fazenda; bem «como dos Thesoureiros Pagadores, ou quaesquer «outros Exactores nomeados pelo Ministerio depois «de 1833, que já não exerçam os respectivos logares, das quaes conste: 1.º Os logares que serviram, «e por que tempo: 2.º Se prestaram as suas contas: «3.º Se a respeito daquelles que não prestaram contas, ou foram achados em alcance, se instaurara «o competente processo; e, no caso affirmativo, em «que estado existe: 4.º Quaes os que foram encontrados em alcance, e em quanto importam os respectivos debitos: 5.º Como pagaram os alcances, «ou se ainda os devem: 6.º Finalmente se a Fazenda tem hypotheca segura, por meio da qual possa «haver a importancia dos referidos alcances, e qual «ella seja; ficando o mesmo Tribunal na intelligencia de que, para as declarações de que tracta a referida relação, se deve ter em vista a responsabilidade dos diversos Exactores da Fazenda directamente para com a Junta do Credito Publico, durante o tempo que a Junta administrou os diversos «rendimentos que constituiam a sua dotação; pelo

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que exigirá da referida Junta os esclarecimentos de que carecer. 1.º de Julho de 1848.»

Passarei agora a occupar-me da Resposta ao Discurso da Corôa.

Sr. Presidente, a resposta ao Discurso da Corôa não e a expressão da Camara; eu me explico. Digo que não é a expressão da Camara, porque foi escolhida uma certa fracção d'individuos d'uma côr politica para a formular, e encarregado de a defender um Empregado de confiança do Governo. O Discurso pois não e a expressão da Camara, e a expressão, e a voz do Governo.

Eu queria entrar na questão de Fazenda, porém a falta dos esclarecimentos que pedi, e o não estar presente o Sr. Ministro da Fazenda, e mesmo o eu ter de fazer-lhe uma accusação não dá logar a que possa fazer a tal respeito largas considerações.

Sr. Presidente, na Sessão de 4 de Janeiro deste anno fiz eu um Requerimento, a que já alludi, e a Camara tambem já viu que o meu Requerimento era a copia das proprias palavras da Portaria expedida pelo Sr. Ministro da Fazenda. Já na Sessão do anno passado fez a este respeito um Requerimento o Sr. Baptista Lopes, repetiu tres vezes, e não veio até agora resultado algum; o Sr. Ministro apezar de terem decorrido oito mezes ainda não tem esses esclarecimentos. Eu preciso destes esclarecimentos para fazer a accusação ao Sr. Ministro da Fazenda, e para provar que o Governo não tem sido exacto nas suas asserções. Nem a peste, nem as tempestades têem feito diminuir os rendimentos das Alfandegas. O Governo evade-se por qualquer cousa ás questões, até lhe serviu a fuga do Papa para se escapar ao opprobrio de não estar ainda assignada a Concordata com Roma: o anno passado o Governo evadiu-se com a revolução, este anno é com a peste, com tempestades, e com a fuga do Papa: se o nome de Pandora não estivesse já tam desacreditado, podia eu com muita propriedade chamar ao Governo o Ministerio Pandora. Tudo lhe serve para se escapar. Eu disse o anno passado que o Ministerio era como a enguia que escorregava das mãos; porém para as enguias ha um meio dellas não fugirem, e é cobril-as de terra, e de certo o negocio das Sete Casas tem feito abaixar tanto o Governo, e está elle tão coberto de terra que agora não nos escapa. (Riso)

Sr. Presidente, vou contar ou referir um contracto de sangue assignado sobre um cadaver; não sei se houve convenção escripta ou tacita; estimo que esteja presente o Sr. Presidente do Conselho para se explicar a tal respeito, porque o facto é passado com S. Ex.ª

Sr. Presidente, pouco antes da memoravel batalha de Torres Vedras apresentou-se no Quartel do General Saldanha um homem que declarou estar prompto para assassinar os Correios do Conde de Bomfim para o Conde das Antas, ou deste para aquelle. O acto era meritorio e relevante, digno de compensação; teve-a, e foi esta a liberdade para o homem que é almocreve, metter quanto vinho quizesse na Cidade sem pagar direitos, e dizem-me que ainda hontem entrou pelas portas de Alcantara com dezeseis machos carregados. Se o facto não é exacto, bom será que o Sr. Presidente do Conselho o negue, o que estimo muito.

Sinto que não esteja presente o Sr. Ministro da Fazenda, mas como o Ministerio é solidario, farei as minhas observações que desejava fossem ouvidas por S. Ex.ª Eu vou dizer qual é o estado do Paiz, e o credito do Governo. O credito do Governo é estarem as Notas a 2$000 réis, e as Inscripções a 47 e 45: o Governo negou-o; castellões das cifras, para elle já não valem nada!

Sr. Presidente, o estado de pagamentos é este que vou dizer — Ao Exercito pagou-se o mez de Outubro, aos Empregados Civis o mez de Agosto, e ás Classes Inactivas de consideração o mez de Maio: o Governo despresou a Lei; porque elle sabe muito bem que ha Lei expressa, na qual se determina que os pagamentos ao Exercito, Empregados Civis, e Classes Inactivas de consideração se farão conjunctamente, porém os Srs. Ministros não fazem caso de nada; como o Exercito póde mais ou ameaça mais que o Empregado Civil, paga-se melhor ao Exercito; como o Empregado Civil póde mais ou ameaça mais que um individuo da Classe Inactiva desse-lhe alguma cousa, e como o da Classe Inactiva não póde nada, dá-se-lhe menos. O Governo que está obrigado apagar aos pensionistas do Monte Pio regularmente, por isso que se lhe tiraram cinco decimas, deve a estes em Lisboa 12 mezes, e nas Provincias 16 mezes!...

Sr. Presidente, até nesta propria Sala no Retrato que ali vemos. (apontando para o da Rainha) está provada a economia, e a nacionalidade do Governo. Ha uma Lei que manda que na Academia de Bellas Artes se façam todas as obras encommendadas pelo Governo, e de graça; porém os Srs. Ministros entenderam que deviam dar 100$000 a um Hespanhol por fazer o retrato, como se não houvessem pintores Portuguezes capazes de o fazerem. Isto são cousas pequenas, mas quero só mostrar que o Governo não exerce tyrannias senão em cousas pequenas, por que em grande não tem capacidade para tanto.

Sr. Presidente, se as boas qualidades e dotes pessoaes são sufficientes para ser Ministro, reconheço no Presidente de Conselho todos os dotes de Cavalheiro, tendo além disso o prestigio de bom General, ganho nas nossas desgraçadas guerras civis. Entendo porém que isso não é bastante para que S. Ex.ª seja bom Administrador; S. Ex.ª da altura a que se acha elevado, não desce da sua carruagem para fallar com quem anda a pé, e por isso não póde bem avaliar as queixas publicas sobre a má administração do Estado. Se S. Ex.ª communicasse mais as Classes inferiores, veria que até os seus proprios Empregados são o primeiros a queixar-se, nem póde deixar de ser assim; se este é um Governo que não cumpre nenhuma das suas obrigações; e que teve o pensamento de que os Empregados haviam de ser camaleões; que haviam de viver do ar (Riso.) Um Governo que não achou occasião de introduzir no Discurso da Corôa a idéa de alliviar o povo de tributo algum, nem se quer a favor da industria agricola, esquecendo-se de que este é um dos ramos mais importantes, e que está immensamente sobcarregado, não se lembrando de que quem compra um tonel de vinho, tem de pagar mais de 13 mil réis de direitos por cada pipa! Um Governo, que não promove nenhuma industria, que não faz nada absolutamente, como é possivel que continue a governar o Paiz?....

Sr. Presidente, ha um Jornal, que se publica nesta Capital, que defende o Governo, o qual annunciou, que hoje devia haver uma crize Ministerial.

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Eu não sei se ella começou ou não. o que digo e que um Jornal Ministerial confessou isto, mas como o Governo se escapa sempre de tudo bem, póde ser que não haja a crize que o Jornal confessa dever ter começado.

Sr. Presidente, eu declaro que teria entrado nesta discussão, com muito melhor vontade, desenvolvendo todos os topicos, se o Governo tivesse cumprido os seus deveres, enviando a esta Camara os esclarecimentos que eu pedi; mas como elles não me foram presentes, disse aquillo que pude, do que me não acanho, por que não me tenho na conta de Orador. Concluo mandando para a Mesa um Additamento ao § 4.º que sei que ha de ser rejeitado; mas como não quero passar por um homem sem sentimento; de amor ás idéas liberaes, mando-o para a Mesa, bem como uma Substituição ao § 8.º Não terminarei com tudo sem responder a uma asserção apresentada pelo Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros; S. Ex.ª disse — Em Portugal que admira que não haja credito nem confiança, quando na França, e na Inglaterra tambem ha uma crize financeira!..

Sr. Presidente, S. Ex.ª não foi exacto, nem na doutrina, nem no facto; e necessario não deitar poeira nos olhos sobre o que se passa nestes Paizes; sabe o Governo quanto é que a França gastou por alguns mezes para dar de comer a jornaleiros despedidos das fabricas por falta de trabalho? Andou por 170$000 francos diarios. Sabe o Governo quanto se gasta em Inglaterra para o mesmo fim? O anno passado a contribuição para os pobres foi de dez mil libras, que equivale a cem mil cruzados. — Pois um Paiz aonde senão da de comer a ninguem, um Paiz aonde só ha logar para decepções, póde ser comparado com a França, ou com a Inglaterra!... Não digo mais nada.

Mando para a Mesa as Propostas a que alludi, e são as seguintes:

ADDITAMENTO. (ao § 4.º) — A Camara fallaria ao seu dever, se nesta occassião tão solemne não manifestasse a sua sympathia pela nobre, sancta e justa causa, em que se acha empenhada a Italia inteira para constituir a sua liberdade, firmar a sua independencia, e estabelecer a sua unidade. — A. da Cunha Sotto-Maior

SUBSTITUIÇÃO. (ao § 8.º) — A Camara vê com summa magoa e pesar que, havendo ella na Sessão passada votado todos os meios para o Governo occorrer aos encargos ordinarios, extraordinarios, e addicionaes do Estado, exigindo para esse fim os maiores sacrificios dos credores e do servidores da Nação, o estado dos pagamentos e obrigações publicas estejam no atrazo em que se acham. — A. da Cunha Sotto-Maior.

Consultada a Camara sobre a admissão tanto do Additamento, como da Substituição não foram admittidos.

O Sr. Fontes Pereira de Mello: — Sr. Presidente, quando pedi a palavra, não foi com intenção de fazer um grande Discurso, mas simplesmente para dizer qual e a minha opinião a respeito dos actos do Gabinete, conforme é costume fazer-se em todos os Governos Representativos, por ser esta a occasião mais propria para avaliar a Politica do Governo, e saber se merece do Parlamento approvação, ou censura

Eu não tive a honra de me achar Membro desta Camara o anno passado, quando se abriu a Sessão, porque só entrei, como a Camara e V. Ex.ª sabem, no fim de Abril. Não tive por consequencia opportunidade para caracterisar a minha Politica. Sei perfeitamente que a minha pessoa não tem importancia alguma, individualmente fallando, mas constituido na posição de Deputado, entendo que tenho obrigação restricta de dizer qual e a minha Politica, o qual o modo porque avalio a marcha do Governo.

Não direi como um illustre Deputado, que se assenta nos bancos superiores, quando ha poucos dias, definindo a sua posição politica, disse que não era nem da Opposição, nem da Maioria, que o seu partido se limitava a si proprio. Eu não sou assim, o meu partido é muito grande; estou persuadido que é o maior que existe no Paiz: sou do partido que quer a ordem, e a liberdade, mas que quer a liberdade sem anarchia, e a o idem sem despotismo, sou do partido que quer o Systema Representativo sem que seja sofysmado. — Este é o meu partido. Já se vê por consequencia que não posso partilhar o pensamento, mais ou menos mesquinho que diz respeito a certas denominações especiaes, com que se estremam os partidos, não acceito nenhuma dessas denominações, a do meu partido é a da ordem, e da liberdade.

Ora não admittindo, como não admitto em regra estas denominações; parece-me comtudo que se poderá dizer que no nosso Paiz ha tres grandes partidos. O progressista, o estacionario, e o partido retrogrado parece-me que se podem convenientemente assim classificar, não obstante dentro de cada um delles haver muitas gradações, mas qualquer que seja a classificação que delles se faça, é muito difficil marcar os limites de cada um, porque tem muitos pontos em que estão em contacto

Sr. Presidente, eu sou progressista, digo-o com toda a franquesa, mas sou menos progressista do que muitos individuos que eu conheço nesta grande divisão, tenho portanto muita gente para a frente, e alguma para a retaguarda. A minha opinião não é, como a de alguns individuos, que tem um espirito muito avançado; ha entre elles e mim um largo espaço, que não quero atravessar; e não o atravesso, porque entendo que nas cabeças desses individuos ha utopias, e eu não quero precipitar-me como lhes ha de acontecer. Entre tanto seria preciso que eu tivesse mais 30 annos, ou que tivesse nascido no seculo passado, para não ser progressista, como entendo que se deve ser.

Quero o progresso material do Paiz; quero estradas; e não seria um grande progresso o termos estradas... Nós que não podemos dar dois passos, sem que pelo máo estado em que estão os caminhos, tropecem os cavallos, e nós quebremos a cabeça!... Quem não ha de querer o melhoramento das estradas... Quero canaes, e todos os melhoramentos materiaes que forem possiveis Entretanto conheço que muitas destas cousas não está o Paiz ainda no caso de as disfructar. Quizera porém que desde já se melhorasse a industria e a agricultura, porque realmente carecem de muitos melhoramentos.

Sr. Presidente, eu não quero só o progresso material, quero tambem o progresso intellectual, quero o progresso da instrucção publica, porque estou persuadido que sem elle não póde haver liberdade no

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paiz, e todos os homens que prezam a liberdade não podem deixar de o querer, porque entendo mesmo que a classe de individuos que deve ter maior somma de conhecimentos para desempenharem os altos logares que occupam, não estão ainda alguns delles bastantemente instruidos para os exercerem.

Quero mais: quero uma reforma de Lei Eleitoral, porque entendo que é uma necessidade publica; (Apoiados) quero essa reforma, quero esse progresso, porque não desejo que haja motivo para resistencias nem activas nem passivas; quero que haja um Systema Representativo em que todos os partidos sejam representados no Parlamento. Com isto não quero dizer que elles não possam ser representados pelo systema actual, mas e certo que elle dá margem a muitos ataques da Opposição, e a mui serios e plausiveis pretextos, para se dizer, como já se tem dicto, que não é possivel achar-se o paiz verdadeiramente representado pelo actual systema eleitoral. Tiremos portanto todos estes pretextos de uma vez para sempre; nesta parte sou progressista, porque tambem entendo, que essa é a pedra angular da liberdade.

Poderia ainda apresentar a necessidade de muitas outras reformas, de muitos outros progressos, que estou certo todos nós queremos: querer o estabelecimento de uma severa responsabilidade para os Empregados Publicos é ser progressista, porque actualmente é cousa que não existe; quero este progresso, e quereria mais alguma cousa; quizera que houvesse acção penal contra o Empregado que abusa do seu logar, e contra aquelles que não procedem como devem; desgraçadamente é esta uma grande verdade, e duro que se diga; mas eu não me refiro á actual Administração, refiro-me ás que tem havido, e que tem deixado ficar impunes os que não cumprem os seus deveres.

Ora ha muitos homens, de muito boa fé, que estão persuadidos, que será, pelo menos, um grande risco o estabelecimento de certas instituições mais liberaes; porque observando os acontecimentos occorridos na Europa nestes ultimos tempos attribuem á concessão dessas instituições todas as calamidades que tem havido. Eu peço licença a V. Ex.ª para dizer que não partilho desses terrores; estou convencido de que as circumstancias particulares do nosso paiz não consentem o desenvolvimento de certas idéas ultra-revolucionarias, porque não está isso conforme com os nossos habitos, nem com a nossa legislação, nem com as disposições actues. Além disso num paiz como o nosso, debaixo d'um clima benigno, que tem fructos para sustentar o triplo de seus habitantes, que póde receiar-se dessas utopias que inundam a Europa com o sangue de seus filhos? Não tenho receio algum, porque pela natureza das cousas o paiz ha de reagir contra essas utopia?, porque quer a liberdade e a ordem, quer, como eu quero, o Systema Representativo sem sofisma; sem sofisma, entenda-se bem, e é isto o que estou persuadido que não tem acontecido nesta terra ha muitos annos; tem-se estabelecido o sofisma em principio, e foi o sofisma elevado a principio, que já fez cair a primeira Monarchia da Europa neste ultimo anno; invocou-se alli o sofisma, e o sofisma foi mais além do que ninguem previa, porque mesmo naquella hora em França ninguem o previa, ninguem o podia prever. Os homens mais exaltados da Opposição não previam o que succedeu.

Sr. Presidente, expostos os meus principios, direi alguma cousa em quanto ao modo, porque vejo a Politica do Governo; farei o meu juizo critico, sem a menor acrimonia, porque não está isso nos meus habitos, nem no meu caracter, nem nos meus intentos. Vejo no Ministerio muitos Cavalheiros de quem sou amigo, respeito-os a todos, e S. Ex.ª o Sr. Presidente do Conselho sabe que eu tenho por elle uma quasi devoção; mas isto não passa de um affecto particular que tenho por S. Ex.ª, são sentimentos de homem para homem, que não me inhibem de maneira alguma de expressar aqui o meu voto; e estou persuadido de que S. Ex.ª é Cavalheiro de mais para não só tolerar sem quebra de amizade esta expressão do meu voto, porém mesmo que talvez até me aconselharia a que eu não deixasse de cumprir o meu mandato por essa circumstancia particular.

No anno que acabou houve na Europa um grande acontecimento que todos sabem — o acontecimento de Fevereiro — acontecimento que não era esperado, pelo menos com consequencias que leve: este acontecimento, póde-se dizer affoutamente, trouxe o triumfo da Democracia Pura no centro da Europa, e nasceu uma grande Republica. Cada um dos Govêrnos dos outros Paizes, aterrados até certo ponto pelo contagio que podia vir daquellas idéas democraticas, desenvolvidas no centro da Europa, em um paiz tão grande como a França pela sua immensa população comparativa aos outros paizes, procuraram prevenir-se, e acharam que não havia senão dois systemas a seguir: — o da resistencia, e o da prevenção; — o systema da resistencia seguiu-se em Hespanha, e porque? Porque apenas rebentou a revolução de Fevereiro em Paris, o General Narvaez pediu immediatamente ao Parlamento poderes extraordinarios e discricionarios, e auctorisação para poder levantar 20 milhões de reales; e investiu-se desses poderes para debellar a revolução, se apparecesse. Que aconteceu, Sr. Presidente? A revolução, que em Março desse mesmo anno rebentou em Madrid, que foi suffocada pela coragem do Governo, e pela força publica de que elle dispunha, mas que não deixou de causar uma immensidade de victimas. Mãis ainda; a revolução progrediu, propagou-se em Sevilha, e depois na Catalunha, e existe ainda, porque todos sabem que continua infestando a bella provincia do Principado.

Mas, Sr. Presidente, outras Nações estavam tanto ou mais arriscadas do que a Hespanha nesta questão; van) os a ver o que fizeram, e qual foi o resultado que colheram: a Belgica, por exemplo, que estava em contacto immediato com a França, que tinha o contacto da Lingoa, que é o maior que eu conheço; que estava ligada pelas suas fronteiras com a França; e além disso naturalmente disposta por uma Opposição forte e vigorosa que havia naquelle paiz, para abraçar as idéas revolucionarias da França — que fez? Seguiu o meio da prevenção; — mas como? Foi o Governo que fez a revolução, e é assim que eu a entendo; o Governo conheceu que na posição em que estava, era difficil, talvez impossivel, evitar d revolução; foi ás Camaras, e propoz a reforma eleitoral, a reforma do censo, a reforma parlamentar, a reforma municipal, em uma palavra satisfez ás necessidades publicas, que é em geral o que querem as Opposições; isto é, as Opposições propriamente dietas, porque ha Opposições que se não

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devem ter em conta, porque não tem principios, são unicamente Opposições de pessoas.

Na Belgica a Opposição tornou-se immediatamente Maioria, o Governo viu-se forte com a opinião publica, e tem caminhado de tal sorte, que até agora, apezar da propaganda revolucionaria que a França lhe tem mettido dentro, ainda lá não houve abalo algum. Na Hollanda aconteceu o mesmo.

Ora, Sr. Presidente, em Portugal não se seguiu nem um systema, nem outro, se houve systema foi de não ter systema, e talvez tambem isso seja um; mas peço licença para dizer, como qualifico o pensamento do Governo, ainda talvez não o veja bem, mas parece-me que elle não é muito difficil de perceber. — Apenas a revolução rebentou em França, o Governo entendeu, e muito bem na minha opinião, prevenir a revolução como a preveniram a Belgica e a Hollanda, e apresentou-se ao Parlamento propondo a Lei eleitoral; nesta parte entendo eu que o Governo obrou perfeitamente, (Uma voz: — Não propoz) mas contribuiu para que ella viesse, o Governo estava naquellas idéas; sé não era do Governo, ao menos S. Ex.ª o Sr. Presidente do Conselho declarou aqui cathegoricamente na Camara que partilhava completamente aquellas idéas, que queria a Lei eleitoral tal qual a Commissão a apresentou... ou que adoptava o pensamento. — Mas desde que o perigo cessou, o Governo entendeu que não devia dar mais um passo naquelle caminho, e a Lei eleitoral ficou debaixo de uma pedra immensa, e ainda não foi possivel trazel-a á luz; apesar de que eu já em um logar publico ouvi dizer a S. Ex.ª o Sr. Ministro do Reino que a Lei se discutiria nesta Sessão, e por isso lhe dou os meus emboras. Mas em fim o Governo não adoptou nenhum dos dois systemas, adoptou o systema de não ter systema, seguiu este caminho. Não posso dizer que o Governo obrou mal, e ainda menos posso dizer que o Governo é intolerante e perseguidor; reconheço que o Governo tem practicado alguns actos de intolerancia, mas estou persuadido que se não póde qualificar de intolerante, quando a maior somma dos seus actos não vem impregnada com o typo e caracter de intolerancia, e ainda que concordo em ter practicado alguns desses actos, que não mencionarei, porque estou persuadido que ha de haver muito quem se encarregue disso; entretanto não posso deixar de notar um facto a que alludiu ha pouco o illustre Deputado o Sr. Sotto-Maior, a respeito do concurso que houve na Escóla Polytechnica. Talvez pareça, por se insistir nesta questão, que não ha nenhuma outra de que eu me faça cargo, e talvez quem queira defender o Governo me diga — Que a Opposição insistindo num ou dois argumentos, não tem mais nada de que lançar máo. Em primeiro logar eu não ando prescrutando o que se passa no interior das Secretarias, por consequencia não admira que não saiba por mim de outros factos; alem disto escolho os meus argumentos, segundo os meus conhecimentos me permittem, e é por isso, que conheço o objecto a que alludi, que vou fallar nelle.

A Escóla Polytechnica mandou proceder a um concurso publico para a cadeira de Zoologia, e mandou proceder a este concurso em conformidade da Lei, e por ordem do Governo. Para o concurso estavam marcadas na Lei as habilitações devidas; o Conselho da Escóla depois de ter ouvido dois concorrentes que se apresentaram, pronunciou-se completamente a favor de um, e propol-o ao Governo para aquella cadeira, para a qual lhe não faltava nenhuma das circumstancias que a Lei exigia, a que tinha direito, e direito ganho á sombra da Lei; mas não sei porque motivo o nobre Ministro da Guerra entendeu que aquelle individuo não devia ser Lente da Escóla.

S. Ex.ª expediu uma Portaria, dizendo, que por motivos alheios a Sciencia (entenda-se bem) não podia aquelle individuo occupar a Cadeira, e que se devia proceder a novo concurso. É preciso dizer a Camara, que o Conselho da Escóla Polytechnica tinha votado primeiro nas qualidades moraes do individuo, porque ha sempre estas duas votações, ha votação sobre as qualidades particulares do individuo, e ha votação sobre as condições scientificas; todos votaram o individuo, e foi approvado. Ora depois de ser approvado, e de ser approvado pelo unico Tribunal competente para approvar, ou rejeitar, estou convencido de que não e só um acto de intolerancia, mas que é uma infracção de Lei, a que commetteu o Sr. Ministro da Guerra em não prover o logar no individuo, approvado pelo Conselho. Fallo nestas cousas com lealdade, e franqueza de soldado. Mas o Governo não só não proveu, mas deu ordem á Escóla para que procedesse a novo concurso; a Escóla representou, e eu não sei qual é a resolução do Governo; mas o que me parece é que não é favoravel ao individuo de que se tractava. Este acto, como já disse, não me parece só de intolerancia, mas de infracção de Lei; e digo a verdade, entendo que não valia a pena, acho que é uma cousa realmente pequena, não porque a importancia do Professorado seja pequena, mas porque não tinha uma grande importancia Politica, para que em virtude de acontecimentos, que diziam respeito áquelle individuo, se deixasse de cumprir a Lei... ainda que nunca ha direito de não cumprir a Lei; mas entendo que não havia inconveniencia no sentido Politico.

Passando por este acontecimento, direi, que a respeito de Politica tenho uma idéa, que não sei se será exacta; estou convencido de que a Politica do nosso Paiz é a organisação. Esta é que é a grande questão Politica; a Politica que querem todos os Partidos, a que querem os homens de boa fé, que partilham diversas opiniões Politicas, é a organisação da Fazenda, e a organisação Administrativa, em fim, a organisação do Paiz (Apoiados); este é o ponto onde bate toda a Politica Ministerial, e a organisação Financeira é precisamente o lado mais fraco, e vulneravel dessa Politica. Custa-me agora entrar neste ponto, e reservo-me para o fazer mais largamente, quando tractar dos artigos da Resposta, mas para que a Camara se não assuste, julgando que eu vou fazer um longo Discurso, passo a analysar os differentes paragrafos da Resposta, e peço desculpa á Camara, se lhe tenho tomado muito tempo; mas julguei do meu dever apresentar primeiro algumas considerações em relação á minha posição especial, e em relação a Politica do Governo.

Sr. Presidente, agora hei seguindo a Resposta ao Discurso da Corôa, analysando os seus differentes paragrafos pela sua ordem.

Quanto ao § 1.º nada tenho a dizer. A Camara não podia deixar de responder com o respeito, e consideração devida ao Discurso do Chefe do Estado; por consequencia nada direi a respeito deste pa-

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ragrafo da Resposta; porém o § 2.º, que é relativo ao § 2.º do Discurso da Corôa, diz o seguintes A Camara muito apraz ver, que depois do encerramento da Sessão o socego publico se conservou inalteravel sem a dolorosa necessidade de suspender o uso dos direitos garantidos na Carta Constitucional. Confiando no imperio das Leis, e na virtude dos principios Monarchicos, o Governo de Vossa Magestade deu um exemplo honroso, dignamente correspondido pela Nação, cujo amor da Corôa, e da Religião de seus maiores fôra injusto pôr em dúvida com providencias extraordinarias no seio da paz. = etc.

Eu peço licença para dizer, que vejo aqui uma contradicção, ou contrasenso, porque diz a Resposta = Sem a dolorosa necessidade de suspender o uso dos direitos garantidos na Carta Constitucional. = A Camara por este modo de expressar presta um tributo de homenagem, e de louvor ao Governo por não ter suspendido os direitos consignados na Carta Constitucional, e presta-lh'o quando diz mais abaixo = Confiando no imperio das Leis, e na virtude dos principios Monarchicos, o Governo de Vossa Magestade deu um exemplo honroso, dignamente correspondido pela Nação, cujo amor da Corôa, e da Religião de seus maiores fôra injusto pôr em duvida com providencias extraordinarias no seio da paz. = etc.

Pois, Sr. Presidente, se a Commissão entende que era injusto pôr em duvida o amor da Nação Portugueza pela Corôa, e pelo socego publico; isto é, que era injusto tomar providencias extraordinarias no seio da paz, como é que ella agradece ao Governo não ter commettido essa injustiça? Pois emotivo de louvor para o Governo não commetter uma injustiça? Não me parece; creio que houve aqui um lapso; parece-me que não se suspenderem as garantias, quando tudo está em paz podre, não é motivo de louvor. Podia dizer mais alguma cousa sobre este objecto; mas para não estar a fatigar a Camara, limito-me a mostrar esta contradicção, e a mandar uma Emenda para a Mesa, que apresentarei no fim do meu Discurso, com outras que tenciono apresentar.

A respeito dos 3.º, 4.º, e 5.º nada tenho a dizer, e por consequencia para não cançar a Camara, repito, passarei adiante, e só lerei aquelles paragrafos em que tiver algumas observações a fazer.

No § 6.º diz-se = A Camara, nesta occasião, não póde deixar de significar a Vossa Magestade a mágoa que sente pelos tristes acontecimentos que ameaçaram em alguns pontos do imperio do Brasil, a existencia e os interesses dos Subditos Portuguezes alli residentes. Apreciando os motivos que levaram o Governo de Vossa Magestade a não avivar a recordação de tão lastimosos factos, cumpre todavia á Camara declarar, que o Governo de Vossa Magestade, acudindo com providencias opportunas a fazer respeitar a Bandeira Portugueza, correspondeu dignamente á sua missão, etc.

Ora, Sr. Presidente, aqui tambem eu vejo louvor, e ao mesmo tempo uma especie de censura ao Governo; porque a primeira cousa que ha a notar, é que o Governo nada diz a este respeito na Falla do Throno, e a illustre Commissão apresenta um paragrafo elogiando o Governo por aquillo que fez, e por isso eu digo que não me parece ser isto muito lisongeiro para o Ministerio. Eu não posso louvar o Governo pelo que fez; não posso louvar o Governo porque mandou para alli um Navio ou dois; os Govêrnos devem ser previdentes; devem fazer mais alguma cousa a bem dos povos. No anno passado, quando se tractou aqui da força de mar, disse ao Ministerio muito claramente que achava a força que propunha muito diminuia, e insuficiente para corresponder ao serviço que della se exige; mas a illustre Commissão de Marinha propoz uma força ainda menor do que aquella que o Governo pediu. Eu disse nessa occasião, que nós deviamos ter Estações na Africa; que deviamos ter Navios no Brasil, para dar protecção aos Subditos Portuguezes; que esta força, que estes Navios no Brasil não era uma cousa nova, que já alli tinham estado Navios em Pernambuco, no Pará, e no Rio de Janeiro; e o Governo respondeu que sabia bem tudo isto, mas que era necessario attender ás despezas, e que os meios obstavam a que se exigisse mais; entretanto que era sufficiente aquella força que pedia, para fazer o serviço, e para manter o decoro nacional. Mas, Sr. Presidente, o Governo pediu para o Exercito a força de que precisou, e para isso não attendeu ás despezas, porque era preciso primeiro que tudo saber os meios que haviam para occorrer a ellas; e por consequencia já se vê que o pensamento que presidiu ao Governo, quando pediu a força para o Exercito, não foi um pensamento economico, foi a attenção pelas necessidades do serviço do Estado, e da segurança publica.

É por isto pois que eu entendo que o Governo não podia merecer louvor pelo que fez; pelo contrario, se eu fosse Ministro, oppunha-me a isso; mas como o não sou, não me opponho a que vá o paragrafo como está.

Segue-se a gora o §8.º, e este é que, é demasiadamente melindroso e vulneravel. Diz elle — O Orçamento da Receita e Despeza publica será examinado com a maior attenção etc. Diz abaixo. — Em presença da execução dada ás Leis ultimamente votadas, espera a Camara, que o estado presente da Fazenda deva só attribuir-se á necessidade de amplas reformas, combinadas em todos os ramos do serviço, para as receitas se realisarem, e as economias serem fecundas.

A Commissão parece que teve o pensamento de lançar uma pequena e immediata censura sobre o Governo; parece, (não digo que o fizesse) que teve um pensamento remoto de lançar uma pequena censura ao Governo; mas se foi esse o pensamento da illustre Commissão, ficou muito áquem do que devia ser. Eu, Sr. Presidente, acho até irrisorio que depois do estado, em que se acha a Fazenda Publica, se diga que isto depende só da necessidade de Leis organicas, da necessidade de amplas reformas. Em presença da execução dada ás Leis ultimamente votadas, espera a Camara, que o estado presente da Fazenda deva só attribuir-se á necessidade de amplas reformas etc. Isto mostra que a gerencia tem sido optima, que não tem faltado nada, que se tem cumprido perfeitamente a Lei; desgraçadamente estou na persuasão contraria, e por isso voto contra o paragrafo. Pois não haverá outra cousa que tenha produsido este desgraçado estado em que está a Fazenda publica senão a necessidade, senão a falta de Leis organicas? Tem o Governo deixado de prover

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os empregos que tem vagado nas Repartições publicas, como lhe cumpria? Não, Senhor. Pois não e isto concorrer para o estado em que temos a Fazenda Publica? Tem o Governo deixado de fazer operações mixtas, operações ruinosissimas em minha opinião! E não será isto concorrer para o máo estado da Fezenda Publica? Pois com este procedimento do Governo póde dizer-se, que to se póde attribuir o estado da Fazenda Publica a falla de Leis organicas? Não me parece, que seja verdadeiro o motivo. Por ventura é novo o Systema de arrecadação, de cobrança, e de lançamento. É cousa nova este Systema geral? É só deste anno? Não, só agora e que se conhece, que este Systema e a causa unica do máo estado da Fazenda Publica? Pois é só este anno que existe este Systema de Fazenda? Não de certo, ha muitos annos que existe, por consequencia, não sei que se deva attribuir o descredito só a falta de algumas Leis.

Mas o descredito existe, e não sou eu que o digo, e o Ministerio, que ainda ha pouco aqui apresentou um Relatorio, em que diz que a desconfiança e geral. Pois de que procede a desconfiança, e da situação politica da Austria, ou da marcha de tropas sobre a Hungria! Procede da má Administração; (apoiados) não póde ser d'outra cousa.

Sr. Presidente, e a primeira vez que vejo em um relatorio do Ministerio apresentar-se uma frase semilhante e a primeira vez, nunca ouvi dizer a Ministerio algum que a desconfiança era geral, e deixar-se ficar sentado naquellas Cadeiras! A desconfiança é geral, e sabe V. Ex.ª ao remedio que se da a isso? Sabe V. Ex.ª qual e o meio que o Governo apresenta para acabar com essa desconfiança geral? E a arrematação das Sete Casas!!... Eu não quero agora prejudicar essa questão, porque se quizesse, já podia dizer alguma cousa sobre ella; direi só que quando o Governo vai fazer a circunvallação da Capital, que importa em nada menos de 30 contos de réis, para melhorar a fiscalisação da cobrança dos direitos das Sete Casas, é que se lembre de arrematar estes direitos, que importa o mesmo que dar aos Contractadores este 30 contos de réis!

Fallei de operações mixtas, e a este respeito é preciso dizer mais alguma cousa; é preciso fulmina-la A operações mixtas, Sr. Presidente, hão um foco de agiotagem, eu não sei se isto é violento, mas não posso empregar outras expressões; tal é a aversão que tenho a esta especie de contractos! A operação mixta e uma operação da alta agiotagem; o Governo paga os seus encargo, não ao proprio que perdeu a quarta parte do que devia receber, mas ao agiota que o comprou com o ouro que tem na sua bôlsa, adquirido sabe Deos como! Paga-o áquelle que não dispende nada para o augmento do Paiz, aquelle que emprega os seus capitaes em um trafico desgraçado para o Paiz, porque aquelles capitaes podiam converter-se em elementos de prosperidade publica, podiam formar-se Companhias de Commercio, de Agricultura; Companhias de prosperidade publica, mas em quanto houverem operações mixtas, não póde haver prosperidade publica. São pois as operações mixtas que eu mais desejo fulminar, e tenho pena de que a minha voz não tenha mais força para melhor o poder fazer. Mas ainda ha mais alguma cousa, e é, que nestas operações mixtas affasta-se a concorrencia; é uma cousa espantosa!. Sabe-se que houve uma operação mixta oito das depois; — vai a gente pela rua, e ouve dizer » Você não sabe que Houve uma operação mixta (Riso) em que entraram tantos contos de réis de quinzenas?» O Diario não diz nada, apenas diz de vez em quando que foi um Escrivão para o logar de tal, ou um Administrador de Concelho (Uma voz: — Do Administrador não diz nada) sim, nem do Administrador falla, é só do Escrivão, e no mais é sempre mudo; ma se se querem fazer operações mixtas, se se quer converter isto em Systema, porque não se annunciam no Diario do Governo para que todos concorram? (Apoiados) Eu intendia mais, intendia que era preciso que a Camara se pronunciasse a este respeito, e que declarasse que taes contractos são nullos, porque são feitos sem concorrencia... (Vozes,: — Não póde ser) E minha opinião, um contracto feito sem concorrencia, em minha opinião, e nullo, o Governo que responda por elle, e um acto particular entre os Contractadores e o Governo, se o Governo fez o que não podia fazer, o Governo é responsavel, e Os Contractadores que o demandem pelos termos ordinarios, (Uma voz: — Não e possivel) mas o Paiz não tem obrigação de pagar uma despeza feita desta mineira; não era isto possivel, mas então digo mais, estou persuadido (faço esta pequena profecia) que em quanto isto se não fizer, em quanto se não determinar por uma Lei que os contractos, feitos as portas fechadas no Thesouro, são nullo, estes contractos hão de continuar, não será possivel, porém é uma desgraçada impossibilidade

Ora, Sr. Presidente, fallei no Orçamento e preciso dizer mais alguma cousa a respeito delle. Maravilha me o ver como na cousa mais prosaica que ha neste mundo, que são as cifras, como de prosa pura, de prosa rasteira se faz poezia! Isto e proprio do clima, estamos em um china ardente em que se faz poesia de tudo, este das cifras!... O Orçamento e um romance; e não sou eu que o digo, e o Sr. Ministro da Fazenda, que diz no seu Relatorio que o Orçamento é um romance!. Eu não fallarei de leve a este respeito, e não tenho precisão mais do que pegar no Relatorio, e sinto muito que S. Ex.ª não esteja presente, mas é o mesmo, as minhas observações são geraes, e estão presentes outros Membros do Ministerio, por consequencia posso fazel-as sem quebra de cavalheirismo, e de mais a mais as minhas observações não se referem nunca aos homens, e até sou amigo de S. Ex.ª o Sr. Ministro da fazenda, a quem conheço ha muitos annos. Diz S. Ex.ª no seu Relatorio — Que houve algumas falhas com alguns dos recursos, e entre elles a de 148 contos que os Contractadores do Tabaco deixaram de entregar, fundando-se no Decreto de 27 de Outubro de 1846 — Pois, Sr. Presidente, perguntarei uma cousa, isto foi uma novidade que os Srs. Ministros agora souberam? Pois os Srs. Ministros agora e que souberam que os Contractadores do Tabaco tinham este Decreto, em que se fundaram para não entregar aquella quota? (Apoiados) Declaro que não folheei o Diario da Camara desse tempo, e por isso posso estar em êrro, mas tenho uma lembrança não muito confusa, de que o Decreto de 7 de Outubro foi approvado a pedido do Governo, quando se approvaram as Leis da Dictadura; (O Sr. Carlos Bento — É verdade) pui consequencia foi o Governo que veiu pedir a Camara que lhe approvasse o Decreto, pelo

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que são auctorisados os Caixas Gerais do Contracto do Tabaco a não entrarem com aquella somma. Depois o Governo faz um Orçamento, e Orçamento de poesia, põem cifras de um lado, cifras do outro, equipara uma cousa com outra, parece um Orçamento perfeitissimo, contam-se até fracções de real, mas escapam 148 contos, e 148 contos que o Governo sabia tão bem que não entravam na receita publica, que foi o proprio Governo (note-se bem) que veiu pedir ao Parlamento que lhe approvasse o Decreto, que auctorisava a não entrada desses 148 contos, e depois diz que se não receberam, porque os Caixas Geraes se fundam neste Decreto, e que pende o negocio no Thesouro!... Isto pelo menos e curioso, e não farei outra observação.

Diz mais o Relatorio — Que ha 140 contos que a Alfandega das Sete Casas renderá para menos no actual anno — agora aqui fico eu mais admirado!... Pergunto aos Srs. Ministros, quando é que isto e exacto; e agora que ha estes 140 contos para menos, ou era no Orçamento do anno passado? O Sr. Ministro diz — Que ha de render menos; ora, este ha de render menos não póde vir senão da convicção de que se orçou de mais, porque o Governo creio que não é profeta; não tem a qualidade de prever o futuro; por consequencia perguntarei eu se e agora que isto é exacto, ou se o foi então? Em todo o caso o Orçamento continua a ser poesia.

Mais 50 contos que as reducções nos soldos e ordenados produziram para menos no actual anno, comparada a sua receita provavel com a quantia que foi orçada? — Isto é mais alguma cousa, é um erro de calculo, e um êrro de calculo sobre objecto preciso, sobre os quadros dos Empregados Publicos, e sobre os quadros do Exercito; isto é, sobre individuos determinados; parece incrivel que em tal objecto houvesse um erro de calculo de 50 contos de réis! E esta, não é a questão das vacaturas nas classes inactivas. A esse respeito lembra-me perfeitamente que propondo-se uma reducção parece-me que de 4 contos de réis no Ministerio da Marinha, eu perguntei á Camara, se acaso não morressem alguns Empregados, o Governo ficava auctorisado para os mandar matai, porque era o unico caso, em que se podia contar com aquella economia? A esta pergunta não se podia responder; ella era um pouco ironica, mas a reducção comprehendia um pensamento tambem ironico.

Apparecem depois 250 contos (e diz-se pelo menos!) Que se perderam com desconto das Notas. Isto, Sr. Presidente, veiu confirmar algumas das apprehensões, que tinham diversos Deputados, que votaram contra aquella Lei. O Governo então declarava que pouco se perdia, e declarava-o em virtude dos calculos que fez nessa occasião; elaborou o seu Orçamento nessa conformidade; depois é que vê que se perdem 250 contos!.... Não entro na questão se acaso este resultado é real, se e determinado por outras considerações, porque a dizer a verdade não me tenho dedicado ao ramo de Finança; com tudo sei calcular, e permitta-me a Camara que diga que tenho obrigação disso; levei muitos annos a calcular, e alguma cousa mais difficil que uma feria ou um jornal; mas, a dizer a verdade, não me dediquei especialmente a esta questão; porém o que me fere, é que o Governo contasse que errou em 250 contos, que não calculou que o desconto das Notas havia de produzir 250 para menos!....

Tenho-me alargado neste ponto, e por consequencia nada mais direi sobre a questão de Fazenda, quero tambem deixar alguma cousa para os meus Collegas, que espero hão de fallar nesta materia; passarei adiante.

Saltando por cima do paragrafo que tracta da fixação da força armada, vou entrar em outro tambem muito importante; é o que diz respeito ao Ultramar. Este paragrafo, permitta-me a Camara que lhe diga, foi talvez o objecto especial que me moveu a pedir a palavra, aliás, talvez eu deixasse passar esta discussão como tenho deixado passar algumas outras; mas tendo a honra de ser Representante de uma Provincia Ultramarina, não podia, sem rasgar o meu mandato, (como e costume dizer-se) deixar de tomar a palavra, e fallar sobre este objecto.

Os illustres Deputados que redigiram a Resposta ao Discurso da Corôa, e pelos quaes tenho a maior inconsideração, dizem relativamente ás Provincias Ultramarinas.

As Provincias Ultramarinas, tão preciosas para Portugal pelas recordações de gloria, e pelos seus immensos recursos, com razão mereceram a attenção do Governo e a Camara, esperando que as providencias propostas hão de ser cabaes para desenvolver o incremento da sua riqueza, está disposta a prestar a tão louvavel intento a mais activa cooperarão. E necessario que a industria e o Commercio floresçam, pelo impulso da Mãi Patria, nesta:, Regiões, onde a civilisação entrou com as Quinas Portuguez.

Realmente este paragrafo está bonito, não se pode negar que tem, uma bella redacção, mas tem o desmerito (permitta-se-me a expressão) de dizer o que se diz todos os annos sem nunca se fazer cousa alguma; [Apoiados) tem este extraordinario desmerito, mas tem mais alguma cousa, não diz realmente a verdade; sinto dize-lo, mas isto é exacto. A illustre Commissão diz — Que as Provincias Ultramarinas com razão mereceram a attenção do Governo «. — Quer a illustre Commissão ter a bondade de me dizer o que tem o Governo feito a respeito da Provincias Ultramarinas? Eu pela minha parte sou Deputado pelo Ultramar; não conheço especialmente todas as Provincias Ultramarinas, não as conheço senão pelo que tenho lido, mas uma conheço eu bem; e para essa que eu conheço bem, não tem Governo feito nada. Propuz aqui um Projecto para se construir um caes na Villa da Praia em S. Thiago, Projecto que o Governo approvou, se isso é bem merecer das Provincias Ultramarina, então tem feito muito o Governo; fez o favor de senão oppôr á construcção de uma obra publica nas Provincia Ultramarinas!....

Apresentei outro Projecto sobre melhoramento da cultura do café; esse Projecto está ainda pendente na Commissão, mas o Governo teve a bondade senão oppôr, de não dizer que fulminava este projecto; e notem bem os Srs. Ministros que estas cousas não são tanto como SS. Ex.ªs, como com os illustres Cavalheiros Redactores da Resposta ao discurso da Corôa; deve-se dar o seu a seu dono, porque, a dizer a verdade, o Governo teve a modestia de nada dizer; foi a Commissão que no excesso do seu zêlo, foi elogiar o Governo por aquillo que não tinha feito, nem julgava ter feito O Governo diz apenas. «Todas as Provincias Ultramarinas se conservam em perfeito socego» (isto é a paz que reina

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lá e cá, é a mesma cousa) o seu estado senão é tão prospero, etc. (Leu) Mas, note-se bem, que o Governo não diz que tem melhorado aquellas Provincias, não diz nada disso, porque o Governo não havia de dizer uma cousa que não era verdade, não havia de dizer que tinha tomado providencias para o Ultramar, sem ter pegado na penna, e no papel para tomar uma só providencia!... Então, Sr. Presidente, porque é que o Governo merece louvores nesta parte? Será por não ter entorpecido os melhoramentos nas Provincias Ultramarinas? Se isso e objecto para louvores, o Governo é digno delles, e eu sou o primeiro a dar esse pleno testimunho; — o Governo não tem entorpecido os melhoramentos nas Provincias Ultramarinas; mas em quanto a providencias que o Governo tenha tomado, declaro que não sei dellas, e se ha algumas, então não as tem publicado no Diario do Governo, e parece-me que era uma cousa interessante, devia ser publica.

As Provincias Ultramarinas que em todos os Projectos de Resposta ao Discurso da Corôa teem sempre um paragrafo cheio de tão bellas palavras, tão bem escripto, tão elegantemente dictado, não teem obras algumas; desgraçadamente teem tantas palavras, mas não teem obras, conservam-se n'uma posição especial, e é preciso confessar que aquellas Provincias teem tanto direito a gozar dos beneficios que ha nesta Terra, como ella (Apoiados); aliás é melhor abandona-las. Ellas teem prosperado alguma cousa, é verdade, mas isso é devido á natureza das cousas, ha nellas paz e socego, e alem disso dá-se a circumstancia de que os capitaes que se empregavam na escravatura, do mesmo modo que aqui se empregam na agiotagem, em consequencia da repressão desse trafico teem confluido a certos melhoramentos, e então effectivamente se tem feito alguma cousa util; mas não o Governo, o Governo nessa parte não tem de que se lhe dar louvores, e eu na verdade não lh'os posso dar, porque não vejo motivo para isso. É verdade que o Governo ha pouco tempo mandou uma porção de paramentos para a Provincia de Cabo Verde, mas fui eu quem os pediu a Sua Magestade por intervenção de S. Ex.ª o Sr. D. Marcos, e fui beijar a mão a Sua Magestade, e agradecer-lhe pessoalmente o ter concedido esses paramentos para aquellas desgraçadas Igrejas; por consequencia nem isso mesmo pertence ao Governo. Póde ser que a illustre Commissão se quizesse referir a umas duas, ou tres providencias que appareceram no Diario do Governo ha poucos dias, assignadas pelo Sr. Ministro da Marinha, e que effectivamente são providencias para o Ultramar; eu peço licença para dizer a V. Ex.ª e á Camara, que se acaso eu tivesse tido a honra de redigir esta Resposta ao Discurso da Corôa, teria notado que aquellas providencias eram motivo de censura. Eu não tracto a questão a fundo, porque não estou habilitado para isso, porque é um objecto de direito, mas tracto a questão pelo modo que a entendo só relativamente á auctorisação; e digo que o Governo não estava auctorisado para assignar aquellas providencias: o Governo pega-se a uma auctorisação que caducou; é a Lei de 2 de Maio de 43. Eu vou lêr á Camara o artigo a que o Governo se refere, e o que declara expressamente a mesma Lei. Que diz a Lei de 2 de Maio de 43? Diz o seguinte (Leu.) Parece-me que a Lei e uma cousa tão especial, que devia ter uma menção especialissima. (Uma voz: — O Governo não precisava de auctorisação.)

O Orador — Pois o Governo não precisa de auctorisação, e invoca o Decreto de 2 de Maio de 43. Então é este Decreto uma futilidade. (Continuou a lêr) Por consequencia o Governo resolveu esta questão pegando-se á Lei de 2 de Maio; mas eu provo que esta Carta de Lei caducou, não só pela natureza das cousas, como pelos principios constitucionaes. Qual é o Parlamento que tem direito de dizer aos Parlamentos futuros que não teem direito de legislar sobre qualquer objecto? Esta claro que esta disposição de Lei é especial para o intervallo das Sessões daquella Legislatura; do contrario seguir-se-ía um absurdo; e uma disposição de que se segue absurdo, não se póde nunca adduzir para argumento (Apoiados.) A Carta de Lei de 2 de Maio não está escripta d'uma maneira muito clara; mas o que é claro, e o sentido della; este não é só deduzido da practica dos Systemas Representativos, mas tambem da sua organisação. Pois nós podemos determinar, que as Camaras que vierem daqui a 10 annos estejam ligadas a um Systema qualquer? Pois nós temos direito de restringir o Poder d'um Parlamento investido e armado de um mandato do Povo, e que tem tanto direito para legislar, como nós temos? Isto é evidentemente um absurdo. (Continuou a lêr) Ora esse Parlamento legislou em Maio de 43; está claro que na Sessão immediata, na Sessão de 44, o Governo devia apresentar-se dando contas; não sei se as deu, porque então não me achava aqui, mas desse ou não desse, o caso é que o meu argumento fica em pé.

Mas perguntarei eu agora, estas providencias que o Governo tem tomado para o Ultramar, são proficuas? Que resultado teem ellas produsido? Eu vejo a instrucção publica no Ultramar continuar como estava; vejo os edificios publicos no mesmo estado em que estavam; vejo que não ha nenhuma disposição para o Commercio, excepto se a Commissão se refere á disposição, que vem no Diario do Governo para as Provincias de Angola; mas isto é uma disposição do Governador do Conselho d'Angola, isto mesmo não é do Governo; agora o que o Governo fez, foi o favor de não impugnar aquella disposição; mas isto parece-me que não merece elogios, e que não se póde louvar o Governo por não ter entorpecido disposições beneficas para o Ultramar.

Declaro sinceramente que o papel que estou desempenhando neste momento, é muito incommodo e desagradavel para mim; o meu desejo seria ter bastantes motivos para elogiar o Governo pelos seus actos, tinha vontade d'isso, e estou persuadido de que a Maioria da Camara me faz a justiça de acreditar; nas questões de que me occupo, procuro e faço sempre a diligencia para apresentar as minhas razões de tal forma, que espero a Camara me fará justiça ás minhas intenções. Faço isto pelo dever da minha posição; o meu fim não é outro senão provar que a Commissão da Resposta não andou bem em elogiar o Governo por aquillo que não fez.

Ora, Sr. Presidente, ha mais alguma cousa; o Governo além de não promover os melhoramentos materiaes e intellectuaes no Ultramar, além de não desenvolver a instrucção publica, e é necessario dizer que os individuos que habitam as Provincias Ultramarinas são Cidadãos Portuguezes, e tem todo o di-

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reito a serem contemplados como parte da Nação a que pertencem (Apoiados) além de tudo isto, o Governo manda para o ultramar constantemente uma alluvião de Empregados Civis e Militares, que vão sobrecarregar, sem proveito algum do listado, as despezas d'aquellas Provincias: e raro o Ministerio que não felicite aquellas Provincia com uma porção de Empregados de diversas Classes e Cathegorias ha poucos dias fiz eu um Requerimento para que o Sr. Ministro da Marinha tivesse a bondade de responder officialmente, quaes os empregados que tendo sido despachados para o Ultramar se tem apresentado, e se estes Empregados tinham sido reclamados pelos respectivos Governadores. Eu não entro no que se passa nas Secretarias; mas parece-me que a maior parte d'estes Empregados não se apresentam; por que a maior parte dos Govêrnos teem despachado para la estes Empregado Civis, porque, até certo ponto, querem ver-se livres d'elles, isto é um facto; os individuos perseguem os Sr. Ministros, aqui ha muito pouco em que se empreguem, ha uma immensidade de pertendentes, e ha ao mesmo tempo um numero limitado de empregos, os Ministros que se veem atrapalhados com empenhos, despacham estes individuos para o Ultramar, e lá vão sobrecarregar as pobres povoações Ultramarinas. Esta censura não é dirigida ao Sr. Ministro actual, conheço que quasi todos os Ministros, e será raro aquelle que o não tenha feito, teem mandado para o Ultramar individuos, dos quaes lá se póde dispensar.

Agora vou fazer a Camara, não digo uma revelação, porque já o disse aqui o anno passado, mas uma declaração: a Marinha de Guerra tem constantemente uma esquadrilha (porque não se lhe póde chamar esquadra) nas Possessões da Africa; esta esquadrilha é paga pelos rendimentos das Provincias Ultramarinas. Ora estas Provincias não teem os rendimentos sufficientes para satisfazerem os encargos, que resultam desta esquadrilha, porque os seus rendimentos são muito limitados. E que é o que se faz, quando elles não chegam, depois de terem esgotado até ao ultimo real? Sacam sobre o Governo, porque o Governo auctorisa para isto; porém o Governo não paga, e as Letras chegam cá, e estão annos na Praça protestadas, sem serem pagas. Mas note-se bem, que o Ministerio da Malinha recebe do Ministerio da Fazenda, ou em dinheiro, ou em credito, a quantia necessaria para costear aquella esquadrilha, porque são despezas que estão dentro da cifra do Orçamento, e que se denominam — Armamento Naval — de maneira que a Camara vota, por exemplo, 700 contos para certos, e determinados objectos, tanto para Armamento Naval, que ha de ser de tantas Náos, tantas Fragatas, etc, ainda que o Governo é auctorisado para ter, em logar de Náos, Fragatas, em logar de Fragatas, Curvetas, etc.; mas o Governo que faz? Manda para o ultramar estes vasos, e diz — Paguem-lhe lá. — Ora em quanto o Ultramar tem substancia vai pagando, e não saca, isto vai até certo ponto, até que se vê na necessidade de sacar sobre o Governo. (Uma Voz: — Mas talvez que se faça abatimento.) Não me consta que se abata cousa nenhuma, nem vejo nas contas, que se va abatendo. Mas ainda ha uma cousa extraordinaria: dizem que eu sou Deputado da Opposição, o facto é que fiz o anno passado uma Proposta, para que o Governo fosse auctorisado a satisfazer aquellas Letras: o Sr. Ministro da Fazenda levantou-se, é disse — Que não era preciso auctorisação para se pagarem, porque era uma divida fluctuante. — Ora eu não sei se a divida é, ou não fluctuante, o que sei é que não se paga, e que a divida continua a fluctuar. (Riso.) Eu fiz esta Proposta; mas o Governo por que a não acceitou? Pois é o Parlamento que offerece dar ao Governo esta somma, não e o Governo que a pede, são os Deputados, que dizem ser da Opposição, que fazem a Proposta, e o Governo não acceita a auctorisação Se o Governo a acceitasse, não era a Maioria da Camara, que devia negar este apoio ao Ministerio. Eu ha poucos dias fiz um Requerimento, para que o Sr. Ministro da Fazenda dissesse a esta Camara qual a somma de Letras protestadas, e não pagas, que existem na Praça de Lisboa, provenientes de saques das Provincias Ultramarinas, e ainda não veiu resposta, apezar de se podér dar em cinco minutos, porque a Contadoria da Marinha está muitissimo bem montada; as contas alli estão claras, e apezar de ser uma operação muito simples satisfazer ao que peço no meu Requerimento, infelizmente ainda não vieram os esclarecimentos que pedi. Ainda que viessem, não me habilitavam nem mais nem menos; mas habilitavam a Camara, e eu queria estar habilitado com esses esclarecimentos para poder bem justificar o meu argumento.

Eu podia dizer muita cousa sobre Seminarios, e o Cléro das Provincias Ultramarinas é negocio muito importante para aquellas Provincias, porém eu declaro, que estou fatigado, e a Camara o está mais. Passo rapidamente ao ultimo paragrafo, e serei breve.

Não me parece absolutamente digno de censura, mas entendo que seria mais conveniente que fosse redigido d'outro modo; não quero fazer largas considerações sobre este objecto, mas não me parece que esta redacção, que aliás está bella, seja a mais adoptavel — contêm uma expressão, que eu não quizera vêr aqui, e é — a Camara não teme — parece-me que a Camara não teme nada; declaro por mim que não temo nada, repito, não me parece que este paragrafo esteja redigido da fórma mais conveniente: os principios que estão exarados no paragrafo desejo eu que vão na Resposta, e por isso eu vou mandar para a Mesa uma Emenda a este paragrafo.

Por ultimo direi a V. Ex.ª e á Camara, que desejava muito poder apoiar o Governo; desejava-o sinceramente: mas o que é certo é que o verdadeiro apoio ao Governo não lh'o dá a Camara, nem lh'o dou eu; o verdadeiro apoio dá-o o Ministerio a si mesmo todas as vezes que se funde nos principios de justiça. Não nego cousa nenhuma no Ministerio; precisa de força, a força de que precisa não depende de mim, depende delle só, depende dos seus actos, e do modo porque os satisfaz. Não nego nada ao Governo, nego só aquillo que os factos me fazem negar.

Sr. Presidente, vou mandar para a Mesa quatro Emendas; uma ao § 2.º, outra ao § 8.º, outra ao § 10.º, e outra ao § 12.º; e são ellas as seguintes

Emenda (ao §2.º): — A Camara muito apraz vêr, que, depois do encerramento da Sessão, o socego publico se conservou inalteravel Confiando no imperio das Leis, e na virtude dos principios monarchicos, o Governo de Vossa Magestade foi dignamente correspondido pela Nação

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Emenda (ao §2.º): — Em logar de se dizer — deva só attribuir-se — o seguinte — deve em grande parte.

Emenda (ao § 10.º): — Em vez de — com razão mereceram a attenção do Governo — se diga — são dignos de merecer a attenção do Governo.

Emenda (ao § 13.º): — Senhora! A Camara dos Deputados ha de cumprir fielmente a sua missão, e nessa conformidade prestará ao Governo de Vossa Magestade a mais efficaz cooperação no desenvolvimento de todas as reformas uteis a este Paiz, com a liberdade do qual se acha vinculado, por maneira indossoluvel, o Throno Constitucional de Vossa Magestade. — A. M. Fontes Pereira de Mello.

Depois de lidas na Mena estas Emendas, foram successivamente admittidas á discussão as duas primeiras, e não admittidas as duas ultimas.

O Sr. Ferreira Pontes. — Sr. Presidente, pedi a palavra não tanto para combater o Projecto da Resposta que se acha em discussão, porque hei-de votar por elle, com algumas modificações, como para, nesta occasião solemne, offerecer a consideração da Camara e do Governo algumas observações sobre o estado dos principaes ramos da nossa Administração Publica.

Sr. Presidente, a situação da actual Administração na abertura da presente Sessão é, a meu vêr, em presença do Paiz e do Parlamento bem menos vantajosa, que no principio da Sessão passada. Então havia pouco tempo que se havia formado, e que tinha tomado as redeas do Governo. Não era ella responsavel pelos actos das anteriores Administrações, pelos erros que se houvessem commettido, nem pelo máo estado em que encontrasse os negocios publicos: foi por este motivo que tendo fallado nessa occasião sobre a Resposta ao Discurso da Corôa me abstive de a louvar, onde a censurar por esses actos, em que ella não tinha tido parte, e me limitei a fazer algumas reflexões sobre a marcha que me parecia que o Governo devia seguir; mas estando ha mais de um anno no Poder, e tendo-se o Parlamento prestado a votar todas as medidas que propoz, ou em que conveio, para melhorar os diversos ramos de administração (eu disse — o Parlamento, porque eu votei, e combati a maior parte dessas medidas, e não estou arrependido; porque os resultados teem justificado as minhas apprehensões, e que dellas não haviam de resultar as vantagens que se apregoavam) e lendo-se-nos affiançado que se com ellas os negocios publicos se não collocassem no estado de perfeição, ao menos que haviam de melhorar consideravelmente; que observamos nós? Ter-se hão por ventura conseguido esses promettidos melhoramentos? Ninguem ousará affirma-lo. E esta falta procederá de terem sido essas medidas mal pensadas, e de se terem feito crioulos errados, ou exaggerados de proposito, ou da falta de uma boa e prompta execução? Talvez proceda de uma e outra cousa. O proprio Governo já confessou que se havia enganado no calculo que fizera sobre o desfalque, que a quarta parte do pagamento dos tributos e as Notas havia de trazer á Fazenda Publica, e louvando muito esta franqueza assunto não fica muito acreditado, tendo feito um calculo tão diminuto, e muito menor de metade do que se perdeu. E quando apresentar os Relatorios das diversas Repartições, confio em que usará da mesma franqueza e lealdade, e que não ha de pertender illudir o Paiz e a Camara com bellas pinturas e descripções exaggeradas do estado das nossas cousas, como se costuma praticar, aliás será melhor não haver o trabalho de os fazer de novo, podem offerecer-se alguns dos dos annos anteriores, que, como as Folhinhas, bem podem servir de um para outro anno. Eu tambem não pintarei com negras côres o quadro da nossa situação actual, direi sómente a verdade simples o singella como ella é, sem ornato, nem figuras.

Sr. Presidente, sinto a maior satisfação em que a Ordem Publica se tenha conservado inalteravel e faço fervorosos votos ao Ceo para que assim continue; porque entendo que a anarchia e a guerra civil e o maior flagello que uma nação póde experimentar, e cujas consequencias fataes se sentem por muito tempo; a ordem é a primeira necessidade publica, sem ella tudo paraliza, a Agricultura, o Commercio, e as Artes só podem prosperar á sombra das Leis, e estas não teem força, quando em logar dellas impera o arbitrio e o despotismo, quer de um, quer de muitos; porém não basta só que se evite a guerra civil; a segurança individual o de propriedade deve tambem merecer a particular attenção da Camara e do Governo, porque tanto importa ser assassinado no meio das praças e das ruas publicas, pelas turbas, ao som de um tambor e de vivas e morras, com uma bandeira vermelha, a sul, ou branca na frente, como nas estradas á luz do dia, ou de noite no centro das proprias casas, aos golpes dos assassinos. O Governo deve aos cidadãos protecção e segurança, e parece-me não ter prestado a este importante objecto o cuidado e disvello que elle demanda. Os roubos violentos e os assassinatos commettem-se com a maior frequencia, tinto no ermo como no centro de freguezias populosas, os perpetradores destes crimes passeiam livremente, e a maior parte ficam impunes; nas aldeãs, principalmente da rica provincia do Minho, que tantos recursos da ao Governo, é preciso viver acastellado, e nem assim se vive seguro; e para provar, e que digo só a verdade, e que não exaggero, invoco o testemunho dos Srs. Deputados que vem das provincias, e elles que digam os sustos e perigos, a que vivem expostos os pacificos habitantes do campo que tem alguma cousa.

Não quero lançar sobre o Governo toda a responsabilidade desta falta de segurança, parte talvez proceda das Leis, mas de certo sobre elle recae uma grande parte, e até parece desconhecer um similhante odiado, aliás não deixaria de no Discurso da Corôa fazer alguma allusão a elle, pois que bem o merecia pela sua importancia, e prometteria propôr algumas providencias para o melhorar, se entendesse que eram precisas, e que as, que se contém nas Leis actuaes, não eram sufficientes. E que tem até agora feito o Governo, quando quasi diariamente recebe participações de crimes gravissimos? Contenta-se com urnas Portarias de tarifa a recommendar ás Auctoridade que procedam contra os criminosos, e os façam processar na conformidade das Leis, como se fosse preciso estar todos os dias a lembrar-lhes esta sua obrigação. Que demonstrações tem dado contra os que tem sido ommissos ou negligentes na formação dos processos, e na prisão dos delinquentes? A mim não me consta que uma só tenha sido demittida, ou processada por similhante motivo, as demissões só se tem dado por motivos politicos; nem tambem me

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consta que as que tem sido activas e zelosas no cumprimento deste dever, tenham sido convenientemente remuneradas. — Algumas comarcas estão sem juizes ha perto de tres annos, e a administração da justiça entregue a homens que a uns falta o saber, e a outros a independencia necessaria para desempenhar bem as funcções daquelles logares, e o Governo convem nesta ausencia dos juizes, aliás poria em execução as medidas que cabem nas suas attribuições para a evitar.

Sr. Presidente, inteiramente me conformo com o Parecer da illustre Commissão na parte que diz respeito aos funestos acontecimentos que tiveram logar em Roma, e que encheram de luto todo o Orbe Catholico, porque entendo que exprime bem e com toda a exactidão os sentimentos da Gama ía e da Nação que representa. E dou ao Governo meus sinceros louvores pelas acertadas e promptas medidas que tornou a fim de fazer saber ao Summo Pontifice a profunda magoa, que sentiu o Chefe do Estado ao receber a noticia de tão funestas occorrencias, e a grande parte que tomou nas suas angustias e tribulações: os mesmos sentimentos de respeito e veneração que a Rainha, que sobre todas preza o Titulo de Fidelissima, possue para com a Sagrada Pessoa de Sua Santidade, possue tambem toda a Nação Portugueza, que em todas as épocas tem dado sempre decisivas provas do seu extremoso apego a Religião Catholica, e ao seu Supremo Chefe, e toda acompanha tambem a Soberana nas ferverosas supplicas que faz ao Altissimo, de quem depende a sorte das Nações, para que conserve por muitos annos o Soberano Pontifice, e que a paz e a ordem seja restituida aos seus Estados, a fim de que possa voltar para alli a exercer livremente a Soberania Temporal que lhe compete, e vigiar com a liberdade e independencia que convem ao Supremo Pastor da Igreja Universal, sobre o grande rebanho disperso por todo o Mundo, que a Divina Providencia confiou ao seu cuidado.

Sr. Presidente, creio não ser improprio deste logar, e que não se me estranhará que chame agora a attenção do Governo sobre o desgraçado estado da Igreja Portugueza: a Instrucção do Clero acha-se inteiramente abandonada, não se cuida em lhe dar uma educação appropriada ás altas funcções a que é destinado; os Seminarios aí continuam fechados, apesar da Lei das Collegiadas, e aí estão, infelizmente, verificados os prognosticos que fiz, quando aqui se discutiu (e digo isto com pesar, porque antes desejava ter-me enganado), de que ella só serviria de esbulhar algumas Igrejas da sua propriedade, sem resultado algum para aquellas casas; se o Governo tivesse uma vontade sincera de as dotar, ha muito tempo que teria posto em execução uma providencia d'onde tiraria maiores recursos, que ha annos obteve, e que tem fechada na Secretaria.

Os Prelados Diocesanos estão sem meios de se sustentarem com a decencia que demanda a sua alta Dignidade, tanto na jerarchia ecclesiastica, como na politica e civil; alem do córte que soffreram nas suas limitadas congruas, estão no mesmo atrazo em que estão os Empregados publicos.

As Cathedraes estão algumas fechadas, umas por falta de ministros, a cuja necessidade o Governo não quer attender, pois já offereci para remediar esse mal um Projecto, que elle não apoiou, e outras que tendo ministros, porque não se lhes subministram os meios necessarios para viverem com o decoro, a que são obrigados. E igualmente por não terem as fabricas meios para occorrerem ás primeiras e mais indispensaveis necessidades do Culto. Eu peço ao Governo que tome em consideração este importante objecto, e que no Orçamento que tem de apresentar á Camara, proponha uma maior verba para as fabricas das Sés do Reino, que a que propoz no Orçamento passado, pois bem sabe que um conto de íeis que foi votado para todas, mal chega para uma só: assim como ha para outras despezas, não haja economia só para o serviço da Igreja.

As congruas parochiaes estão sem se receberem em grande parte das freguezias ha muitos annos, sem que isso dê grande cuidado ás Auctoridades encarregadas da sua cobrança, e os parochos soffrendo glandes privações, e necessidades; algumas Igrejas parochiaes acham-se em um estado lastimoso, mais parecem casas destinadas para serviços profanos, do que para habitação do Deos Vivo, para alli se celebrarem as funcções ecclesiasticas, e para os Fieis alli concorrerem a receber os Sacramentos, a dar graças ao Altissimo pelos beneficios recebidos, e a implorar a sua Divina Clemencia nas suas necessidades.

Se o Governo não desenvolver a este respeito mais actividade, e lhe não merecer mais cuidado do que até agora lhe tem merecido, algumas Igrejas em breve se verão arruinadas, e outras sem Pastores que alli administrem o pasto espiritual aos Fieis.

A Administração Publica propriamente dicta terá melhorado? Responder-se-ha talvez que sim, porque já temos um Conselho d'Estado funccionando como Tribunal Administrativo. Não censuro o Governo por dar execução a uma Lei, mas entendo que principiou por onde devia acabar; primeiramente devia usando da auctorisação que lhe concede a Lei de 20 de Maio de 1844, reduzir os governos civis, e alguns concelhos, augmentando o territorio e a população dos que ficassem, de sorte que possam ser menos pesadas aos povos as despezas dos municipios, e servidos por homens de saber, e intelligencia reconhecida.

De que serve um Tribunal Superior para conhecer de recursos, se no estado em que se acha a nossa Administração inferior não ha quem saiba foi mar os processos, nem deferir ás reclamações? Eu votei contra a creação daquelle Tribunal, porque estou convencido que poderia dispensar-se, e poupar-se essa despeza sem prejuizo do serviço publico; mas uma vez que está creado, é preciso cuidar em se organisar a Administração nos gráos inferiores; e desejaria para me esclarecer sobre este ponto, e para poder votar essa despeza, que o Relatorio do Ministerio do Reino viesse acompanhado da Estatistica dos recursos, que alli teem sido julgados desde a sua instalação.

Sr. Presidente, sobre o estado da Fazenda Publica dever-me-ia abster de fazer algumas observações, porque já se tem dicto bastante, e porque Oradores de maiores conhecimentos, e mais competentes na materia, que tem pedido a palavra, o hão de fazer com mais proveito; porém como prometti fazer um esbôço do estado dos principaes ramos de Administração Publica, não posso deixar de dizei alguma cousa sobre este, que é sem duvida ornais importante. Os principaes rendimentos do Estado de meio anno, que consistem nas contribuições indirectas, estão cobrados e consumidos, tem se feito emprestimos le-

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sivos, porque todos o são, pois sem grandes lucros, não é possivel encontrar quem empreste o seu dinheiro ao Governo, e o exponha ás contingencias Politicas, e apenas se tem pago dois mezes: se vamos por este caminho não podem os Servidores do Estado esperar receber no presente anno economico mais da terça parte dos seus vencimentos; para os outros haverá um salto, uma capitalisação ou qualquer outro expediente, que nunca falta ao forte contra o fraco.

Sr. Presidente, o Governo parece dar a entender que a desorganisação da Fazenda Publica depende só dos defeitos no Systema de arrecadação, e que todos os males que nos affligem, dependem de se fazer nelle algumas modificações; porém eu reconhecendo que esse Systema tem grandes defeitos, e estando resolvido a votar por uma reforma radical, que tome a arrecadação mais prompta e menos dispendiosa, e que os dinheiros publicos estejam menos expostos a serem extraviados, entendo que não depende só dessa reforma a organisação das nossas Finanças; o Governo, segundo entendo, foi excessivamente reservado a este respeito, eu desejava fosse mais franco, que desse alguma idéa do deficit que existe, e das medidas que tem tenção de propôr para o cobrir, para a Camara se poder pronunciar sobre ellas, mas o Governo tanto sobre este importante objecto como sobre outros, foi a meu ver demasiadamente reservado, de sorte que o Discurso da Corôa não passa de um simples cumprimento, assim como o Projecto de uma respeitosa, e polida Resposta, como convem á Dignidade da Corôa, e desta Camara; é assim que eu o considero, e que voto por elle, sem que se entenda que por isso approvo a Politica do Governo, e muito menos que me comprometto anotar pelas medidas que elle apresentar.

Sr. Presidente, a organisação das nossas Finanças não depende só de algumas modificações no Systema d'arrecadação, depende de reformas fortes, e prudentes em todos os outros ramos d'Administração, d'onde sem prejuiso do serviço resulte uma grande reducção na despeza publica, porque em quanto não conseguirmos que os rendimentos realisaveis do Estado, e não em cifras, cheguem para os encargos, debalde nos cansaremos em organisar este, e os outros iamos d'Administração: não ha outro meio, pois que no augmento da receita não póde haver esperanças, as contribuições directas não podem augmentasse que o Paiz não tem meios para as satisfazer, e as indirectas estão já elevadas aonde podem subir; se augmentarem, produzirão ainda menos, já pela diminuição no consumo, já pela introducção por contrabando.

E, Sr. Presidente, para conseguirmos isto não precisamos ir procurar o remedio la fóra, na nossa antiga Legislação lemos providencias que se podem tornar a pôr em practica com algumas modificações, apropriadas ao diverso Systema Politico que hoje rege, não precisamos de que se escreva tanto, nem que os negocios passem por tantas Repartições, que longe de facilitarem o expediente, o embaraçam e difficultam; não precisamos de Repartições de trezentos e tantos Empregados. Não nos acobardemos de confessar que errámos, a experiencia tem sido demasiadamente longa e dolorosa, e ella nos tem mostrado com evidencia, que as reformas que se fizeram em todo o Systema Administrativo, Judicial, e Financeiro, foi ata além de injustas, porque atropelaram direitos os mais sagrados, mal calculadas, e que longe de nos trazerem os melhoramentos que se propunham, trouxeram ao Paiz a desordem, e o desarranjo da nossa Fazenda; a maior parte dellas foram copiadas da Legislação de outra Nação, que apezar de ser muito illustrada, tem diversos habitos e costumes, e a que por isso podem convir Instituições, que nos não convenham a nós. O negar esta verdade, e insistir por mais tempo em sustentar estas reformas, e fechar os olhos para não vêr a luz, ou vendo-a, e conhecendo-se o melhor, seguir o peior. Quando na outra Sessão enunciei que convinha aproximarmos o nosso Systema Administrativo e Financeiro ao Systema antigo quanto fosse possivel, conheci que a minha opinião fôra recebida com estranheza, talvez por ser a primeira vez que foi enunciada nesta Casa, porém o pouco tempo que tem decorrido, tem feito unis que eu pude fazer; e tenho a satisfação de observar, que agora é mais bem recebida, e de vêr que alguns dos principaes Estadistas do nosso Paiz, e que teem estado á testa dos negocios publicos, reconhecem a necessidade de se reformarem as reformas, essas reformas feitas com tanta violencia, e das quaes se apregoaram vantagens, que não passaram dos pomposos Relatorios que as precederam.

Sr. Presidente, eu confio em que o Governo penetrado desta grande necessidade, se póde desprender de certas considerações, e que tendo uma vontade firme de melhorar a sorte do Paiz, ha de arrostar alguns obstaculos, e ter o valor de preparar, e apresentar ao Parlamento medidas efficazes reclamadas de toda a parte, que ponham termo aos males que estamos soffrendo, e que irão em augmento se lhes não acudirmos com um remedio prompto e efficaz.

Sr. Presidente, sobre a Politica do Governo não direi que tenha sido oppressiva e vexatoria, não; eu faço toda a justiça ao caracter conciliatorio dos actuaes Ministros, e que longe de abrigarem em seu peito sentimentos de odio ou rancor para algum Partido ou mesmo individuo, pelo contrario os possuem de humanidade, de tolerancia, e benevolencia, porém entendo que a estes sentimentos naturaes teem anteposto em algumas occasiões certas considerações Politicas, que os tem levado a practicar certos actos de intolerancia, e a não dar uma mais ampla execução ás diversas Amnistias, que se tem promulgado entre nós. A Amnistia ou o esquecimento do passado não consiste só em senão formarem processos, o imporem penas por factos preteritos e amnistiados, consiste em se lhes lançar um denso veo, e não tornarem mais a lembrar, quando se tracta de prover algum Emprêgo Publico, ou de alguem ser restituido ao que já tinha, é por isso que eu desejava que entre nós acabassem essas denominações, que só servem de renovar feridas, que todos os bons Portuguezes desejam vêr cicatrisadas, e de recordar as nossas dissensões civis, e que se attenda só ao merecimento e a virtude; a sim como todos concorrem para os encargos do Estado, tambem todos, segundo as circumstancias, devem participar das vantagens que elle offerece, aliás a Sociedade Politica em que o Systema contrario se estabeleça, como principio, bem póde appellidar-se uma Sociedade Leonina: desengane-se o Governo, que não é por similhante meio que ha de conter os Partidos, e conseguir a recon-

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ciliação da Familia Portugueza, que acredito tem muito a peito. O meio mais efficaz e mais suave é fazer justiça igual a todos, mas não é só a justiça legal, é a justiça distributiva a que obriga os que tem a seu cargo a distribuição dos Empregos Publicos, a preferir sempre os que teem melhores habilitações, mais intelligencia, probidade, e practica de negocios, pois que elles não são propriedade de nenhum Partido, nem do Governo, são da Nação; o os que ella encarrega de os distribuir, são responsaveis perante Deos, e os homens do abuso que fizerem. Se se tivesse pôsto de parte o patronato, e o espirito de parcialidade, e attendido só ao merecimento não veriamos as Repartições Publicas atulhadas de Empregados, alguns dos quaes só servem para embaraçar os que fazem o serviço. Esta censura não recae só no actual Ministerio, mas sobre todos os anteriores, que todos desde ha muitos annos teem adoptado o systema do exclusivismo em maior ou menor escala como principio governativo, do qual faziam dependente a conservação da ordem publica; e é por isso que uns se teem succedido aos outros com tanta rapidez.

Sr. Presidente, antes de concluir devo declarar que sou estranho a todas as estrategias e combinações da baixa e alta Politica, dessa Sciencia que faz que o que é injusto em um tempo e em um logar, seja injusto em outro, que faz do preto branco, e do branco preto, finalmente até faz com que cinco sejam dez, e dez sejam cinco; eu nunca me quiz metter nella, por que dizem que tem exigencias muito fortes, e ás vezes injustas, a que eu me não prestaria, porque anteponho a justiça a todas as outras considerações; tenho pois vivido separado e só, tanto antes como depois que principiei a minha carreira Parlamentar; e não se pense que ignoro a desvantagem desta minha posição, na Camara e mesmo lá fóra, mas antes prefiro esta a outra que me obrigasse a grandes sacrificios, a que entendo me não devo sujeitar. Tambem devo declarar que não conheço o Governo por injuria ou favor, que o hei de apoiar ou combater segundo entender, que as suas Propostas são uteis ou prejudiciaes ao Paiz, e sem outra alguma consideração.

Sr. Presidente, agradecendo á Camara a benevola attenção que me tem prestado, peço lhe desculpe as minhas faltas, e o ter sido demasiadamente extenso, abusando talvez da sua bondade e paciencia. Concluo dizendo que conforme as explicações que tenho dado, e as modificações que ellas contem, voto pelo Projecto.

O Sr. Presidente: — Deu a hora; a Ordem do Dia para ámanhã é a continuação da de hoje. Tenho a lembrar aos Srs. Deputados que segundo o Regimento a Sessão deve abrir as 11 horas, e por tanto convido os Srs. Deputados a reunirem-se a essa hora. Está levantada a Sessão. — Eram quatro horas da tarde.

O Redactor,

JOSÉ DE CASTRO FREIRE DE MACEDO.

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