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SESSÃO N.º 11 DE 2 DE MAIO DE 1905 5

O Sr. Pereira de Lima: - Sr. Presidente: eu não desconheço a urgencia que ha em fazer votar este projecto de lei, mas estranho que se roube o tempo já limitado, pelo nosso Regimento, para se discutirem os assumptos mais urgentes, antes da ordem do dia.

Sinto bastante que este Governo, que até agora não tinha sido presuroso em fazer discutir um unico projecto, venha agora, antes da ordem do dia, tirar-nos esta hora de liberdade.

Devo dizer francamente que não vinha prevenido para malhar em centeio verde, embora este não esteja positivamente verde, porque já está um pouco seco. Tinha pedido a palavra porque desejava conversar um pouco com o Sr. Ministro das Obras Publicas; mas, em primeiro logar, devo dizer á Camara que me congratulo por ver nas cadeiras do poder o Sr. D. João de Alarcão, meu antigo condiscipulo e velho amigo.

Nunca são para desprezar as recordações fundadas nos saudosos tempos de uma camaradagem de cinco annos nos bancos da escola, e se um dia, por acaso, entre nós as relações pessoaes tiveram que se perturbar por esta cousa que se chama intrigas da politica, o reatamento d'essas relações faz suppor que nunca mais esta senhora se metterá de permeio entre nós.

Dito isto, no cumprimento de um dever de delicadeza, que S. Exa. merece, eu começarei por dizer: importação de centeio o que significa?

Mais um attestado da miseria economica d'este paiz, mais uma declaração formal de que até agora todos os nossos Parlamentos, todos os nossos Governos e todos os nossos homens publicos teem tratado da verborchea, da rhetorica nacional, dos palavrões e das intrigas politicas e, quando muito, de uns laivos de administração em materia financeira, descurando completamente tudo quanto se chama as necessidades mais urgentes do nosso paiz.

Ora todos sabem, sem que para isso seja necessario demandar um alto intellecto e um talento vastissimo, que se podem resolver como quizevem todos os problemas financeiros que, sem se resolverem primeiro os economicos, é o mesmo que pretender encher o tonel das Danaides.

Não me demoro nesta these, já sediça, e que todos conhecem.

Mas continuando: importação de centeio, importação de trigo, de milho ou de fava, quer dizer importação de generos alimenticios indispensaveis á economia das subsistencias nacionaes.

Comprehende se, portanto, que nós que, pelas nossas condições, deviamos ser principalmente uma nação agricola, não tratamos de o ser e continuamos cavando aquillo a que se chama o nosso deficit economico.

Não pensem os illustres Deputados que isto de eu dizer deficit economico é simplesmente uma questão de phrase rhetorica.

Não é.

Como este projecto não estava dado para ordem do dia, não vim preparado com os elementos que necessitava para o poder discutir, e apenas me soccorro de alguns conhecimentos que se conservam na minha memoria.

Basta recorrer apenas a 1901-1902 para se calculra que a importancia do trigo, do milho e do centeio importado durante trinta annos equivale á somma de 134.000:000$000 réis.

Ora vejam os illustres Deputados que se nós não tivessemos a importar 134.000:000$000 réis em ouro, estava agora o Governo numa santa paz de espirito, numa santa tranquilidade, porque tenho a certeza que não teriam sobre as suas cabeças a espada de Damocles da questão dos tabacos, que está diminuindo os dias de existencia d'este Governo.

Mas, á parte isso, se houvesse essa existencia de cento e tantos mil contos de réis, com os juros accumulados, eu não teria nada mais a dirigir ao Governo a não ser as minhas sinceras felicitações porque, então, não devia ao Banco de Portugal uma cifra já bastante elevada; não teriamos todo este deficit agricola, nem tinhamos divida fluctuante externa, nem a questão dos tabacos, e o Governo poderia administrar numa santa paz. Mas os Governos do nosso paiz, que só pensam e sonham com as regedorias numero um e dois e com os discursos magnificos que veem apresentar á representação nacional para que os Srs. tachygraphos, ás vezes, estraguem as suas considerações, que vão illustrar com um pouco da sua propria casa, vieram demonstrar, nesta e na outra casa do Parlamento, que se pensa em tudo menos naquillo que é da mais urgente necessidade.

Pois, então, se porventura não fosse o descuido das medidas agricolas mais urgentes, que principalmente não dependem da iniciativa particular, mas que principalmente dependem das iniciativas governamentaes, poderia comprehender-se que houvesse successivamente tantos deficits cerealiferos, de centeio, de trigo e de milho?

E tanto mais é isto de estranhar quanto é certo que o nosso povo come geralmente uma magra fatia de pão de milho ou de centeio, á qual em dias de festa junta um bocado de carne; e só de tempos a tempos pode fazer a digestão de qualquer peixe, que a maior parte das vezes é o bacalhau.

O nosso povo é o mais sobrio da Europa (Apoiados), mas, hoje em dia, está em condições que se podem dizer não de mediania mas de fome.

Sei, portanto, que este projecto, que se pode denominar projecto da fome, não é só projecto da fome, é tambem o projecto de incuria governativa.

Ainda bem que vejo presente o Sr. Ministro do Reino, que tem a principal responsabilidade da pasta das Obras Publicas durante a sua gerencia, e essas responsabilidades são muito maiores para S. Exa., que já conhecia essa pasta, que já tinha sido um illustre Ministro do fomento nacional.

Eu tenho tambem a dizer a S. Exa., nesse ponto, que sinto muito que durante os meses em que S. Exa. governou aquella pasta, com vistas altas de estadista, como demonstrou nas medidas que foram por S. Exa. promulgadas, e que eu discutirei a seu tempo, sinto muitissimo, repito, que S. Exa. não tenha attendido principalmente a tres pontos importantissimos: ao das subsistencias publicas, ao problema cerealifero e ao problema financeiro. E, como o actual Ministro das Obras Publicas não pode nem deve dar contas d'isso porque, embora haja a solidariedade ministerial, S. Exa. não estava a esse tempo no Ministerio, é o Sr. Ministro do Reino que terá o incommodo de justificar essas medidas, quando se realizar a interpellação para a qual eu pedi a presença de S. Exa. e do Sr. Ministro das Obras Publicas.

Reservo-mo por isso, para essa occasião, para não fazer rhetorica antecipada.

Continuando: Importação do centeio:

Todos sabem que nós temos chegado a produzir centeio em tal quantidade que eu ainda me recordo de que, ha uma duzia de annos, a exportação para a Allemanha foi enorme.

Nós fomos o celleiro da Allemanha, durante um anno, em que ella soffreu uma grande crise agricola, o que fez com que grande parte dos terrenos da provincia do Alto Alemtejo fossem convertidos em baldios, para cultura de sementeira d'este cereal.

Pois nós, que ainda ha quinze annos fizemos uma exportação d'aquellas, temos empregado todos os esforços possiveis para, não só diminuir a area cultivada, mas ao mesmo tempo não prover de remedio a este ponto scientifico agricola.

Como não quero agora aqui fazer erudições, que seriam descabidas para um discurso parlamentar, deixo de alongar-me um pouco mais; vem porém a proposito dizer