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N.º 12. Sessão em 16 de Janeiro 1849.

Presidencia do Sr. Rebello Cabral.

Chamada — Presentes 52 Srs. Deputados.

Abertura — Um quarto de hora depois do meio dia.

Acta — Approvada.

Correspondencia.

Officios: — 1.º Do Ministerio da Guerra remettendo os documentos pedidos nos Requerimentos dos Sr. Carlos Bento, e Cunha Sotto-Maior, sobre o provimento da Substituição da Cadeira de Zoologia da Escóla Polytechnica. - Para a Secretaria.

2.º Do Ministerio do Reino, remettendo os esclarecimentos pedidos pelo Sr. Fontes de Mello relativos á subscripção para o monumento que se deve levantar nesta Cidade á memoria do Duque de Bragança. — Para a Secretaria.

3.º Do Ministerio da Justiça, participando que se expediram as ordens necessarias aos Governadores Civís para satisfazer aos esclarecimentos pedidos pelo Sr. Ferreira Pontes sobre o lançamento e cobrança das congruas parochiaes. — Para a Secretaria.

Representação — Dos proprietarios d'uma fabrica de vidros sua na praia de Santos, e apresentada pelo Sr. Pereira dos Reis, pedindo lhes seja concedida isenção de direitos das materias de consumo; e que se revogue a concessão que dizem ter-se feito do auxilio de 500$000 réis mensaes (além d'outros) ao

individuo que contractou com o Governo a rehabilitação da fabrica de Marinha Grande. — Á Commissão de Commercio e Artes, ouvida a de Fazenda.

O Sr. Secretario Corrêa Caldeira: — Fizeram constar na Meza os Srs. Ministro da Fazenda, que não compareceu á Sessão de hontem, nem comparece á de hoje, por doente; e Affonseca, pelo mesmo motivo, que não tem ainda podido comparecer na Camara.

O Sr. Andrade Nery: — A Commissão do Ultramar acha-se instalada, tendo nomeado para Presidente o Sr. Bispo Eleito de Malaca, para Relator o Sr. Conde de Linhares, e a mim para Secretario.

O Sr. Passos Pimentel: — Mando para a Meza um Requerimento que não tracto agora de fundamentar, Não sei se o Governo tem feito ou pertende fazer alguma cousa com relação ao objecto do meu Requerimento; por isso quando vierem as informações, eu lhe darei maior desenvolvimento, e mostrarei quanto esta obra é util para o paiz. (Leu)

O Sr. Presidente: — Na Sessão do anno passado o Sr. Corrêa Caldeira fez um Requerimento igual a este. Talvez que os esclarecimentos aqui pedidos já cá estejam. Por isso é conveniente examinar primeiro se estão, a fim de senão pedirem esclarecimentos ao Governo, que já estejam na Camara. O Requerimento fica para segunda leitura, e no entretanto manda-se proceder á competente averiguação.

O Sr. Cunha Sotto-Maior: — Sr. Presidente, vis-

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to achar-se presente o Sr. Presidente do Conselho, desejava eu, que S. Ex.ª dissesse alguma cousa sobre uma pergunta que vou fazer-lhe. Sr. Presidente, corre, e parece-me que com algum fundamento, que ha uma crise Ministerial, indigita-se o Cavalheiro que ha de sair....

O Sr. Presidente: — Queira o illustre Deputado dizer qual é o objecto preciso para que pediu a palavra, visto que o Regimento marca termos diversos segundo a diversidade das Propostas.

O Sr. Cunha Sotto-Maior: — Está já claro que é para interpellar o Sr. Presidente do Conselho sobre a crise Ministerial....

O Sr. Presidente: — Nesse caso queira fazer a sua Proposta ou Nota de Interpellação para seguir os termos do Regimento, e lembro ao Sr. Deputado o que dispõe Regimento a respeito das Interpellações

O Sr. Cunha Sotto-Maior: — Pois eu vou formular a Proposta, e mandal-a para a Mesa. É a seguinte

Proposta. — «Desejo interpellar o Sr. Presidente do Conselho de Ministros, sobre se ha ou não crise Ministerial.» — A. da Cunha.

O Sr. Presidente. — Como não requer mais nada, manda-se fazer a competente communicação nos termos do Regimento, ou dos precedentes.

(O Sr. Cunha Sotto-Maior riu-se).

O Sr. Presidente: — Eu não admitto risadas sobre isto (Apoiados) é objecto do Regimento, e este é bem claro na sua disposição 9.ª addicional..... (Apoiados)

O Sr. Cunha Sotto-Maior: — O Regimento não manda que eu chore; V. Ex.ª é Presidente....

O Sr. Presidente: — Chamo o Sr. Deputado á Ordem.... (Os Srs. Silva Cabral, Lopes Lima, Carlos Bento e outros chamaram o Sr. Presidente á Ordem e houve grande sussurro)

O Sr. Cunha Sotto-Maior: — Oh! Sr. Presidente, onde está a disposição do Regimento que prohibe rir?....

O Sr. Presidente: — Eu chamo o Sr. Deputado á Ordem...

O Sr. Cunha Sotto-Maior: — Não quero, porque não acceito, nem soffro uma injustiça....

O Sr. Presidente: — Eu chamo o Sr. Deputado á Ordem, e appello para a Camara, para tomar em conta esta intolerancia do illustre Deputado. (Muitos apoiados. — Vozes: — Não apoiado).

O Sr. Presidente: — Eu peço aos Srs. Deputados que se contenham, por conveniencia da Causa Publica, cada um nos seus limites.

O Sr. Cunha Sotto-Maior: — Eu peço a V. Ex.ª que não continue com a intolerancia que tem praticado para comigo, sou um homem bem creado, e não venho aqui para receber.... (Vozes: — Ordem, Ordem).

O Sr. Presidente: — Eu torno a chamar o Sr. Deputado á Ordem, e vou ler o Regimento na parte que lhe é applicavel pelo modo porque se tem havido, e hei de applical-a convenientemente....

O Sr. Cunha Sotto-Maior: — E eu hei de protestar contra a tyrannia de V. Ex.ª (Vozes: — Ordem, Ordem.)

O Sr. Presidente: — Farei primeiro a leitura da disposição 9.ª do Regimento: é a seguinte (Leu.) O Sr. Deputado devia mandar a sua Nota por escripto, e depois tinha esta a communicar-se ao Sr. Ministro. O Sr. Deputado, depois de admoestado pela Mesa, sobre os termos a seguir, mandou a sua Nota por escripto; disse-se da Mesa, que se mandava communicar ao Sr. Ministro, por isso mesmo que o Sr. Deputado mais nada pediu: (Apoiados) se tivesse pedido a urgencia, estava no seu direito, mas não o fez, e a Mesa não é que a havia de propôr, nem tão pouco a dispensa do Regimento para ter já logar a Interpellação; (Apoiados) era ao Sr. Deparado, que cumpria fazer esse pedido, (Apoiados) não o fez, e, em logar disso, por causa diurna observação da Mesa, descomediu-se, o sendo por esse descomedimento advertido pela Mesa, não quiz annuir ao chamamento á Ordem, que por mais de lues vezes lhe fez a Mesa; portanto eu vou ler, para este caso, a disposição dos art.ºs 30.º, 32.º e 33.º do Regimento — diz ella o seguinte (Leu.)

Vou pois mandar lançar na Acta o nome do Sr. Deputado; (Apoiados) mas no entretanto observo á Camara, que a disposição do citado art. 33.º do Regimento não é sufficiente para reprimir a intolerancia continuada, em que está o illustre Deputado. (Apoiados.) Agora vou sujeitar á decisão da Camara, se o illustre Deputado, Cunha Sotto-Maior, estava oh não na Ordem, quando fez as suas interpellações, e não acquiesceu ao chamamento á Ordem, antes muito se descomediu. E sobre isto que vou consultar a Camara....

O Sr. Carlos Bento: — Peço a palavra sobre a Ordem.

Muitos outros Srs. Deputados pediram a palavra sobre este incidente.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Carlos Bento.

O Sr. Carlos Bento: — Sr. Presidente, é bem desgraçada a questão a que se quer ligar uma importancia, que realmente ella não tem. E desgraça que o Parlamento Portuguez, que deve apresentar aos olhos do Paiz uma face de dignidade, apresente o facto, que ora teve logar. (Apoiados.) Honram-mo muito os apoiados; mas posso assegurar aos Srs. Deputados, que não tenho menos consciencia de quaes são os deveres dos Representantes do Paiz, do que teem SS. Ex.ªs Eu tenho visto os primeiros Parlamentos da Europa, e em nenhum delles se segue a lettra morta de um Regimento, quando se pertende tractar de objectos importantes tal como este, em que se apresenta uma crise Ministerial. Objectos destes, Sr. Presidente, não se devem logar ás disposições de um Regimento, que não prevê, nem póde prever similhantes casos.

Sr. Presidente, V. Ex.ª póde, e deve conservar a Ordem, tem muitos meios á sua disposição para o fazer, sem que se levem as provocações ao ponto de já ninguem poder justamente ser arguido por practicar qualquer acto, a que julga ter sido injustamente levado, e provocado. V. Ex.ª é que provocou este incidente; e eu pedi a palavra, quando V. Ex.ª disse — Que não permittia risos. — Sr. Presidente, ha uma crise Ministerial com um Ministerio, que tem Maioria, pertende-se saber o que isto é, ou significa, e não se permitte, que a questão se desenvolva, e progrida, porque as formulas frias do Regimento se lhe oppoem!

Ora, Sr. Presidente, eu não sei que o riso seja prohibido no Regimento: sei que o riso nem sempre

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significa alegria, tambem muitas vezes significa ironia. (O Sr. Corrêa Leal: — Apoiado.) Tambem ás vezes certos apoiados causam, ou desafiam um sorriso, e não sei que seja isto prohibido.

O que houve neste negocio, Sr. Presidente, não foi senão o resultado do modo, porque V. Ex.ª attendeu ao pedido do Sr. Deputado Cunha; este Sr. Deputado riu-se, é verdade, mas não se riu dos males da Patria, riu-se da direcção que se dava a um seu pedido, que versava sobre objecto importante. V. Ex.ª muitas vezes, sem querer, tem estabelecido questões, e discussões entre V. Ex.ª, e o Sr. Deputado, e em presença da força que V. Ex.ª tem pelo Regimento, não é possivel discussão entre V. Ex.ª e um Deputado, porque V. Ex.ª o póde mandar calar. O que eu peço a V. Ex.ª, e espero que o faça, e que zele todos os principios de justiça, e que attenda, com mais especialidade do que comporta o Regimento, a objectos que versam sobre cousas, que pela sua natureza sejam de certa magnitude.

O Sr. Presidente: — O illustre Deputado nem uma só palavra disse sobre a Moção d'Ordem, fallou inteiramente fóra da questão, ou do Regimento. (Apoiados) Eu devia te-lo chamado ha muito tempo á Ordem ou á questão, dei-lhe todavia inteira liberdade; mas observo ao illustre Deputado que não cumpriu o Regimento. Torno a dizer que á Mesa não pertence, ou não é proprio pedir a dispensa do Regimento: cada um dos Srs. Deputados tem direito de pedir que se dispense o Regimento; o Sr. Deputado Cunha quando fez a sua Proposta, não requereu a urgencia a fim de, dispensando-se o Regimento ou o estillo, ter logar a Interpellação. Por tanto a Mesa cumpriu o seu dever, dizendo o que disse a respeito da Proposta do Sr. Deputado. (Apoiados) Agora cumpre-me notar, que se o Regimento não prohibe o riso, prohibe no art. 32 tudo que possa indicar insulto, (Apoiados) e o riso muitas vezes indica escarneo, ou despreso. Se o Sr. Deputado não conhece a disposição do Regimento a tal respeito, devia conhece-la, assim como que o Presidente nunca deve tornar-se superior ao Regimento, que jurou cumprir e fazer cumprir.

O Sr. Cunha Sotto-Maior: — Eu lastimo que haja tido logar esta questão: ella tomou um aspecto serio, mas peço licença á Camara para dizer duas palavras. Eu tenho sido pela Mesa mais d'uma vez ameaçado que me hão de mandar pôr fóra da Sala: pois eu declaro alto e bom som, e sinto que não esteja presente o Sr. Ministro da Guerra, que não hei de sair d'esta Sala para fóra senão arrastado; quero ver se ha algum Deputado que consinta que eu seja arrastado para fóra das portas desta Casa: se se der esse caso, se por aquella porta entrarem os soldados, eu tenho bastante coragem para resistir, o em quanto tiver força para pegar n'uma cadeira, e nos tinteiros hei de atira-los á cara de quem quizer tocar-me para me lançar fóra d'esta Sala (Sensação) e hei de protestar contra a tyrannia que...

O Sr. Presidente: — Peço ao illustre Deputado que venha á questão.

O Sr. Cunha Sotto-Maior: — Bem; eu me limito á questão. Hoje ha uma crise Ministerial, tenho fundamento para assim o dizer, e direito para interpellar o Sr. Presidente do Conselho sobre isto: faltou a formula do Regimento — a urgencia — pois cumpro essa foi mula, dizendo que com urgencia quero fazer a minha Interpellação.

O Sr. Presidente: — Essa é outra questão.

O Sr. Rebello da Silva: — Sr. Presidente, as scenas que acabam de se passar são tristes (Apoiados) e são ainda mais tristes na occasião em que esta Camara deve occupar-se da grave discussão da Resposta ao Discurso da Corôa (Apoiados) a mais solemne discussão do Systema Representativo.

Sr. Presidente, eu julgo que ninguem quer tirar os direitos que -pertencem a qualquer Deputado, como Representante do Paiz, mas é preciso tambem que o Deputado respeite os direitos da Camara, (Apoiados) assim como a sua dignidade (Apoiados) n'estes termos não ha Suissos para arrastarem os Deputados, mas ha respeito ás Leis, o mais sagrado de todos, que os Deputados devem guardar, para se fazerem respeitar a si, pela dignidade que assiste ás suas funcções. Por consequencia, Sr. Presidente, pelo interesse da causa que todos estamos empenhados em sustentar, pelo interesse da solemnidade desta Casa, eu pedia a V. Ex.ª que consultasse a Camara: se devemos entrar na Ordem do Dia. (apoiados)

O Sr. Cunha Sotto-Maior: — Eu tenho um Requerimento com urgencia.

O Sr. Presidente: — A Proposta do Sr. Deputado importa o Adiamento indefinido, que é permittido nos termos do Regimento. Se o Sr. Deputado pedisse que se julgasse a materia discutida, não podia admittir-se agora o seu Requerimento, depois de ter discutido. Mas como a sua Proposta está nos termos do Regimento, consulto a Camara.

Decidiu a Camara que se passasse á Ordem do Dia.

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros: — Antes da Ordem do Dia pedia a palavra.

O Sr. Presidente: — Esta approvada a Proposta do Sr. Deputado; a Camara acaba de resolver que se passe á Ordem do Dia. O Sr. Presidente do Conselho pediu a palavra... tem a palavra.

O Sr. Presidente do Conselho: — Sr. Presidente, o meu Collega o Sr. Ministro da Fazenda não compareceu hontem na Sessão por se achar seriamente doente, hoje continua do mesmo modo com uma inflamação do peito e de garganta, que o inhibe de poder sair de casa. E se me é permittido para socegar esta agitação, direi que o Ministerio compõe-se de cinco individuos, quatro estiveram hontem presentes na Sessão; dois estão hoje presentes, os dois que faltam concorrerão logo; e o quinto não comparece por estar doente. Direi mais que o Ministerio respeita muitissimo as conveniencias Parlamentares para deixar de informar a Camara, logo que houvesse uma necessidade de assim o fazer. (Muito bem)

Ordem do dia.

Continua a discussão do Projecto de Resposta ao Discurso da Corôa. (Vide Sessão de hontem)

O Sr. Presidente: — Acha-se annunciado pela Mesa que o Sr. Ministro lhe tinha communicado a razão, por que não compareceu. — Vai entrar-se na Ordem do Dia: é a continuação da Resposta ao Discurso da Corôa. De todos os Srs. Deputados espero que não provoquem scenas desagradaveis ou pouco admissiveis, e permittam-me que em quanto estiver

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neste logar haja de sustenta-lo com dignidade (Apoiados), não hei de consentir cousas como algumas que aqui se teem passado, quando não tiver força resignarei o meu logar, mas por ora acho-me com forças bastantes para sustentar o logar a despeito de todos os despeitos. Continua a discussão, e tem a palavra o Sr. Assis de Carvalho.

O Sr. Assis de Carvalho — Debaixo das graves impressões que em mim produziram as scenas que acabam de ter logar nesta Sala, o pouco que eu teria a dizer será talvez menos convenientemente dicto, porque as minhas faculdades intellectuaes ficaram consideravelmente affectadas, e V. Ex.ª no exordio que acaba de fazer, veio ainda cobri-las com denso veo (Apoiados) que as torna mais obtusas.

Sr. Presidente, a discussão da Resposta ao Discurso da Corôa é o logar proprio, em que cada um dos Deputados póde, e deve dar os seus conselhos a respeito da Politica geral do Paiz, é a Nação reunida em conselho para deliberar sobre a Politica que lhe convem seguir; e neste Conselho Supremo em que estamos hoje collocados, darei eu tambem o meu. Não exordiarei, não narrarei, não declamarei, não perorarei, já se vê que não orarei; porém direi algumas verdades geraes, algumas proposições claras, que ainda que pareçam obsoletas, são verdades reconhecidas desde o principio das Sociedades.

Multa renascentur, quoe jam cecidere, cadentque

Oueo nunc sunt in honore.

Mas antes disso, Sr. Presidente, como os dois Srs. Deputados que principiaram a discussão da Resposta ao Discurso da Corôa, fazendo a sua profissão de fé politica tomaram para termo de comparação a minha abbreviada profissão de fé, que eu fiz em uma das Sessões passadas, preciso eu tambem, tomando para termo de comparação a profissão dos Srs. Deputados, dar explicação da minha profissão de fé antecedente, e amplifica-la na Sessão actual.

Disse eu em uma das Sessões passadas, Sr. Presidente, que não era Deputado da Opposição no sentido classico, nem era Deputado Ministerial no sentido technico; um dos Srs. Deputados entendendo esta minha expressão no sentido commum das palavras, fez a declaração de que era Deputado da Opposição no sentido classico, isto é, que era Deputado da Opposição systematica. Um outro Sr. Deputado, que se senta neste banco inferior, referindo-se tambem á minha declaração, disse, que tendo eu declarado que nem era Deputado da Opposição no sentido classico, nem era Deputado Ministerial no sentido technico, e que o meu Partido era representado por mim mesmo, e o meu circulo politico a minha consciencia, tinha a declarar, que eu ficava reduzido á individualidade, e que concordando elle aliás nos principios em que eu concordava, o seu Partido era immenso — que elle era Progressista.

Sr. Presidente, parece-me que ambos os Srs. Deputados consideraram esta profissão de fé confusamente, é preciso distinguir a posição dos Deputados relativamente á Politica — em quanto ás pessoas, e em quanto ás cousas; quando eu disse que não era Deputado da Opposição classica, nem Deputado Ministerial technico, referia-me ás pessoas; quando eu disse que o meu Partido era representado por mim mesmo, referia-me ás pessoas, isto é, não me acho incorporado, não me acho classificado, não me acho ligado a circulos politicos, aonde se fazem sacrificios de votos individuaes, para se concordar num pensamento geral, era neste sentido que eu dizia, que era representado por mim mesmo — não sacrifico o meu voto individual a pensamento nenhum commum e geral — e neste sentido é que eu dizia que a minha consciencia era o meu circulo politico.

Se porém considero esta profissão de fé no sentido relativo ás cousas, direi com o Sr. Deputado, que se senta daquelle lado, que o meu Partido é Partido de todos aquelles que não são classicos, nem technicos; que este Partido é o maior Partido da Nação Portugueza. — Já se vê que não fico reduzido a individualidade, como disse o illustre Deputado que se senta neste banco inferior, pelo que diz respeito ás cousas.

O mesmo Sr. Deputado classificou os Partidos em relação ao movimento do espirito humano, e da direcção que elle toma respectivamente á Politica, e na direcção desse movimento chamou a uns progressistas, a outros estacionarios, a outros retrogrados. Em relação a direcção désse movimento eu direi, que em Politica sou estacionario, e talvez retrogrado; isto é, no sentido commum das palavras; porque logo provarei que, sendo estacionario ou retrogrado, sou mais progressista do que os verdadeiros progressistas: em tudo ornais que não é Politica, sou um progressista extremo.

Pelo que diz respeito a principios sociaes, direi que os pontos cardeaes da minha doutrina são, ordem e paz publica, tenho horror ás revoluções; proclamarei o principio social em opposição ao que se proclamou em França na revolução de Fevereiro — que o communismo é um systema de roubo, e que o socialismo é uma utopia.

Pelo que respeita aos principios moraes, direi que respeito a Sociedade, aonde a virtude for premiada, honorificada e respeitada, e aonde o crime fôr punido sem consideração a respeitos alguns.

Pelo que diz respeito, Sr. Presidente, a principios politicos, disse que eu era estacionario e talvez retrogrado, no sentido commum das palavras, e vou demonstrar que sendo estacionario, ou retrogado, sou mais progressista pela natureza das cousas, do que os verdadeiros progressistas. Mas antes disso é preciso que eu diga que, considerados abstractamente, todos os systemas politicos são convenientes com excepção dos extremos, em uma sociedade onde houver costumes e instrucção; o que todos os systemas politicos n'uma sociedade, onde não houver costumes e instrucção, são sofismados; e é peior o bom systema politico, que com a fórma sofismada destroe a sua propria essencia, do que é aquelle que sendo máo na sua propria essencia, não é sofismado pela fórma: onde houver costumes e instrucção conveniente no povo, todos os systemas politicos que estão entre os extremos, são convenientes; em uma sociedade onde não houver costumes e instrucção, todos os systemas politicos são sofismados. Sr. Presidente, não é preciso andarmos cem annos atraz, a nossa idade representa o curso dos seculos, pelo que diz respeito a estas provas; na nossa idade, na nossa geração, passam-se factos, que são as provas authenticas destas proposições.

Se me perguntarem qual é o systema politico que adoptaria para haver costumes e instrucção (porque a cousa póde ser considerada em dois sentidos diversos, isto é, se havendo costumes e instrucção,

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qual é o systema politico que convem — ou senão havendo costumes e instrucção, que systema politico adoptaria para os haver), direi, que n'uma sociedade onde não ha costumes e instrucção, o systema politico que eu adoptaria, seria o monarchico-representativo.

A monarchia representa um principio que é a origem de toda a moralidade, quando não fôr sofismado a monarchia não tem ambições a satisfazer, não tem paixões a seguir, nem tem interesses a seguir, mais do que os que tem: está satisfeita em todas as principaes condições da vida humana, que podem inclinar o coração do homem para a direita ou para a esquerda, e que perturbam as faculdades intellectuaes, e os privam do uso das suas grandes funcções: a monarchia não deve importar senão o pensamento geral de fazer bem, de aperfeiçoar os costumes; pois que interessa á monarchia em ter um povo desmoralisado? Que interessa á monarchia em ter um povo desgraçado? Nisto interessara alguem, que queira chegar a ser monarcha, porque julgara que todos os meios são licitos para chegar a esse fim, mas que póde um monarcha interessar na infelicidade e desmoralisação publica? Que mais póde querer senão fazer permanentes os principios eternos e geraes da sociedade, isto é, que haja bons costumes, que haja instrucção publica, e falicidade geral, que não haja miseria e desgraça? E preciso ser um individuo muito mal organisado, na especie humana, para que estando nesta posição queira cousa alguma em contrario. Não acho por tanto fóra da monarchia principios mais regeneradores dos costumes publicos, principios mais pacificadores, principios mais civilisadores: accrescentando-lhe a qualidade representativa, estão prevenidos todos os defeitos da monarchia pura.

Mas tinha eu dicto, que era estacionario, ou talvez retrogrado; e não progressista em minha politica, e por isso devo demonstra-lo. Sr. Presidente, o estar parado, ou andar para traz para não caminhar mal para diante, é andar mais depressa do que caminhar por precipicios, para voltar para traz, como acontece aos progressistas.

Sr. Presidente, se o progresso é por sua natureza, em Politica, precioso, segundo as palavras do Sr. Deputado, deve ser precioso até ao infinito; mas eu demonstrarei que isto é um absurdo, eu demonstrarei, que não tem essa preciosidade que lhe inculcam os progressistas. Os pontos cardeaes a que se refere o chamado progresso, que querem os progressistas, são o suffragio universal, uma liberdade de Imprensa illimitada, que chegue a ser até licença, e jurados sem cathegoria nem qualificações Eu restringir-me-hei a estes pontos cardeaes. — É um dogma entre os senhores que pertencem ao systema do progresso, que o suffragio universal é o termo de todo o progresso do direito de eleição.

Sr. Presidente, eu como estou costumado a considerar, e a estudar a natureza das cousas, e a ver as cousas pelo que ellas são, e não com prevenções ou por prismas, considero-as no sentido seguinte. — O direito suppõe sempre uma faculdade da parte daquelle áquem se concede, de poder usar delle, quando se concede o direito a um individuo, é porque se suppõe nelle a faculdade de o exercer, aliás é um absurdo.

Pôsto este principio vejâmos, se todas as classes da sociedade estão habilitadas, ou tem a faculdade de conhecer qual é o Systema Politico que mais lhes convém para elegerem os seus Representantes em relação ao Systema, que preferem; direi que não, sem necessidade de demonstração: logo concedendo-se a todas as classes o direito de eleição, da-se-lhes um direito de que não podem usar, porque lhes falta a faculdade de o exercer, concede-se-lhes uma ficção risivel, e tão absurda como a de dar a um cego o direito de ver, a um surdo o direito de ouvir, aos peixes o direito de voar, aos reptis o direito de saltar senão forem batrachios etc.

Sujeite-se ao voto universal o merecimento de uma pintura de Rafael comparada com outra de pintor desconhecido, mas de maior impressão no colorido; o de Macbeth de Verdi comparado com o de uma musica de arraial; o dos Lusiadas de Camões com o das Trovas do Alcaide de Faro, o de uma pequena esculptura classica com um grande busto ordinario de gesso, e ver-se-ha ordinariamente que o resultado da votação é a favor da pintura desconhecida, da musica de arraial, das Trovas do Alcaide, e do busto de gesso.

Taes são os absurdos a que nos conduz o suffragio universal, suppondo que quem deve votar tem consciencia do que faz, ou faculdade devotar, porque se a não tem, não exerce mais que um acto mecanico, que não se póde chamar exercicio de um direito, e que prejudica o verdadeiro direito dos que tem a faculdade de usar delle.

Passarei a um outro ponto cardeal que fórma objecto principal da doutrina dos progressistas — o direito illimitado ou liberdade illimitada de Imprensa. Postos os mesmos principios, a sabei, que o direito suppõe sempre a faculdade ou habilitação para usar delle, segue-se, que podendo todos os individuos de todas as classes por direito ser escriptores publicos, todos devem ter a faculdade e habilitação para o ser; aliás concede-se-lhes uma ficção ou um absurdo, e como em uma sociedade mal organisada por falta de costumes e instrucção, os mais atrevidos, e menos habilitados são os mais dispostos a usar desse direito constitue essa sociedade em principio que a ignorancia deve illustrar, que a calumnia deve moralisar, e cae no parodoxo de reprimir com a privação da liberdade individual crimes leves, e permittir que se possam commetter crimes taes que possam subverter rapidamente a mesma sociedade com a unica garantia da vida e fazenda do escriptor, que abusou. Por este principio para sermos consequentes devemos concedei a todo o cidadão o direito de poder andar armado pelo modo e fórma que mais lhe convier, com tanto que responda pelos crimes que commetter. É o absurdo a que nos conduz esta doutrina.

Passarei a outro ponto cardeal da doutrina dos progressistas — Jurados em todas as causas, sem cathegorias nem capacidades ou habilitações. Se todo o cidadão tem direito de julgar do facto em todas as causas dos seus concidadãos, todos elles devem ter a faculdade de poder bem julgar.

Ninguem duvidará que a primeira condição necessaria para esta qualidade de juizes é uma consciencia recta, que suppõe sempre bons costumes, e um certo gráo de illustração que guie a sua consciencia; e como em uma grande parte da sociedade faltem ou ambas as condições, ou alguma dellas, segue-se que concedemos a essa parte da sociedade um direi-

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to, para exercer o qual nem tem as faculdades nem as habilitações necessarias, o que o resultado do exercicio désse direito será um máo julgado, que é sempre um dos mais graves males da sociedade, sujeitando a vida e fazenda dos cidadãos ao voto de pessoas sem consciencia, nem illustração que as possa garantir.

Sr. Presidente, nas camas que não são politicas o espirito humano caminha sempre em progresso sem o sentir; póde estar parado, póde não andar para diante, mas não anda para traz: e o que se vê no chamado progresso politico? Quem tem a leitura da historia sabe perfeitamente o que ha a este respeito, vê-se a lucta da ignorancia com a intelligencia, da luz com as trevas, da virtude com o crime; podem algumas vezes alcançar victoria a ignorancia, as trevas e o crime, mas como a especie humana é por natureza social, e as considerações eminentemente sociaes são as de intelligencia, illustração e virtude, o resultado final da lucta será permanentemente a favor das ultimas — Naturam repelias furca, tamen usque recurret. — Os factos de que a nossa geração está sendo testimunha, são a prova mais authentica desta proposição.

Se portanto o chamado progresso na ordem politica, levado ao infinito é um absurdo, se a especie humana póde retrogradar politicamente melhorando, segue-se que o chamado progresso na ordem politica não é progresso.

Feita esta declaração, que já vai muito extensa, e a que eu não tinha de certo tenção de dar tanta extensão, passo á Ordem do Dia muito brevemente.

Sr. Presidente, o que eu vou a dizer não tem relação alguma nem com o Ministerio actual, nem com o Ministerio que se lhe seguir, nem com o que lhe antecedeu; para mim, Sr. Presidente, as crises Ministeriaes não significam cousa alguma, quando não significam, ou mudança de systema, ou emenda de vida; e desejo até, Sr. Presidente, que os Srs. Ministros continuem, se mudarem o Systema que tem seguido, e provarem capacidade politica. Conheço em todos os Ministros qualidades individuaes muito preciosas; desejava que se chegassem a persuadir que lhes convinha adoptar um systema politico mais adaptado ás circumstancias, para mim as individualidades não significam cousa alguma. A missão principal de um Governo e de uma Camara, na época actual, é preparar uma nova geração com a qual se possa organisar a Nação Portugueza; e preparar uma nova geração onde os costumes particulares do Paiz sejam purificados, e a onde a instrucção publica seja tambem considerada e attendida. Sr. Presidente, a geração actual tem muita tendencia para se materialisa!; parece ser este o seu habito natural, e não é assim: o homem não vive só de pão — O homem é por sua natureza social; é impossivel haver uma sociedade bem constituida aonde não hajam costumes e conveniente instrucção publica. Mas como a tendencia da geração actual é para se materialisar, tem o Governo e a Camara a cumprir duas missões, que é, cumprir a missão da geração actual, e preparar a geração futura para uma nova organisação. Para cumprir a missão da geração actual, é da obrigação do Governo e da Camara cuidar dos interesses economicos e materiaes do Paiz; a tendencia da geração actual é a fruição dos bens materiaes; mas como pela tendencia do espirito humano ha de vir outra geração que dê valor a cousas que não sejam só bens materiaes; como ha de vir outra geração onde a virtude ha de ser honorificada, premiada, sanctificada, e o crime ha de ser punido, é preciso ir preparando uma nova geração para esta missão especial.

Eu já na Sessão passada tinha tenção, na occasião da discussão da Resposta ao Discurso do Throno, de mandar esta Proposta para a Mesa; não me chegou então a palavra, e por isso aproveito agora a occasião para mandar o seguinte Additamento (Leu.) Não quero entrar no desenvolvimento deste novo principio que vai enunciado neste Additamento com applicação á geração actual; mas posso asseverar a V. Ex.ª e á Camara, que eu tenho a convicção intima de que a principal causa dos nossos males vem da falta de cortumes publicos e particulares. Eu tenho no coração e não posso deixar de o dizer, com applicação ás grandes Classes da sociedade, que é preciso por uma vez em Politica punir os que mercadejam pela sua posição politica; em Jurisprudencia punir os que mercadejam com a administração da Justiça, e não direi mais das outras Classes. É preciso mesmo fazer valer a qualidade característica década uma das Classes; é preciso fazer valer no Exercito o brio, a honra, e o capricho, é preciso fazer valer no pessoal da administração da Justiça a independencia, e a imparcialidade (Apoiados) é preciso fazer valer na instrucção publica o talento e a honestidade; é preciso, Sr. Presidente, fazer valer na administração da Fazenda Publica a rigorosa probidade. Como quer V. Ex.ª e a Camara que haja contabilidade publica, como quer que não haja romances e comedias nos Orçamentos que se apresentam na Camara, senão ha contabilidade publica, porque se não quer?... Não ha nem principios de que se tirem consequencias, nem consequencias que se contenham nos principios; já não ha logica nos algarismos, quando era aonde se suppunha que ainda a havia, e todos os annos veem aqui algarismos diversos! É querer abusar muito da nossa posição, e da nossa illustração!.. Dentro de seis mezes, Sr. Presidente, estabeleceram-se principios diversos, tirando consequencias diversas!... É realmente abusar muito do nosso senso commum, e da nossa illustração!.. Não irei mais adiante sobre o estado da Fazenda Publica; par que, realmente tenho dó de quem quer ser Ministro da Fazenda, tenho dó da vulnerabilidade do individuo que está collocado n'aquella posição, porque está vulneravel em todos os sentidos. E preciso fazer valer na Classe Ecclesiastica a honestidade de costumes, e sua respectiva illustração para regeneração dos costumes religiosos do povo Portuguez, punir e remover do pasto espiritual os Ecclesiasticos mal comportados e menos illustrados, quererei antes viver em um povo fanatico pela Religião do que atheo.

Não serei mais extenso, Sr. Presidente, nem cançarei mais a Camara. Mando para a Meza o meu Additamento.

Leu-se logo na Mexa o seguinte

Additamento — «Senhora: A Camara dos Deputados está empenhada em regenerar os costumes e conveniente instrucção do Povo Portuguez, que as repetidas guerras civis lêem consideravelmente prejudicado, e espera que o Governo de Vossa Mages-

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tade concorrêra efficazmente para esta grande obra de regeneração.» — Assis de Carvalho.

Foi admittido, e ficou em discussão juntamente com o Projecto.

O Sr. Corrêa Caldeira: — Sr. Presidente, se por espontaneo impulso tomasse a palavra n'uma questão de tanta importancia e de tanta magnitude, a Camara, avaliando de certo a minha temeridade, devia comparar strictamente a desigualdade das minhas forças com a grandeza do assumpto, e ser severa no juiso que de mim formasse. Não quero dizer com isto, que aquelles que voluntariamente tomaram sobre si o entrar neste debate, devam por isso ser censurados; longe de mim essa idéa; é certo que elles fazem de si juizo mais elevado que eu faço de mim. A Camara sabe que, se me não tivesse collocado (sem facto nem desejo meu) na dura necessidade de fallar nesta questão, eu de certo não teria tido a temeridade (repito) de o fazer: mas, pois que a Camara me colocou nesta necessidade, espero que, vendo no esfôrço que vou fazer (para obedecer-lhe) o mais que póde esperar-se das minhas forças, ouvirá com benevolencia as poucas palavras que lhe direi.

Ouvi aqui dizer na Sessão de hontem — Que a Resposta ao Discurso do Throno não podia ser considerada como a expressão da Camara — e entre outras razões que se allegaram disse-se — Que era porque a sua defeza tinha sido confiada (desgraçadamente!) a um Empregado de confiança do Governo. — Espero, Sr. Presidente, que a Camara mostrará que esta asserção foi n'uma parte temeraria, e na outra injusta. Espero que mostrará que foi temeraria, dando um voto de approvação ao Projecto de Resposta ao Discurso do Throno, que se discute; o eu peço licença para dizer que foi injusta, porque já na Sessão passada eu tinha a honra a de ser Empregado de confiança do Governo, e apezar disso, na celebre questão da constitucionalidade do art. 63, o illustre Deputado sabe, e sabe a Camara, que eu não votei com o Gabinete. (Apoiados) Eu já tinha a honra de ser Empregado de confiança na Sessão passada, e o illustre Deputado sabe, e sabe a Camara, que em questões de muito interesse, de interesse vital para a Sociedade Portugueza, não votei com o Governo. Quaes foram as razões, quaes foram os principios que me guiaram neste procedimento] Foi o profundo, o arreigado das minhas convicções, foi a firmeza dos meus principios, foi talvez a minha inflexibilidade. Então contrapuz eu a inflexibilidade do meu caracter e dos meus principios ao que eu julgava demasiada e arriscada flexibilidade do Governo para com aquelles que vinham apresentar diante dos seus olhos o spectro de uma opinião de que se queriam dizer orgão unico; a esse spetro intendi eu que o Governo não devia ceder, e cedeu. Pois se o nobre Deputado não póde negar-me que, apezar da minha especial posição, nessa occasião emitti o meu voto com a independencia propria do meu caracter, porque ha de duvidar que eu o ennuncie agora do mesmo modo, quando torno sobre mim (porque a Camara assim o quiz) a defeza da Resposta ao Discurso do Throno? Não sei, Sr. Presidente, a razão porque os illustres Deputados que querem (e querem com justiça) que os outros respeitem as suas opiniões, venham pôr em duvida sem outro motivo além das suas apprehensões, a independencia das opiniões dos outros!... Não os seguirei nesse caminho.

Direi pois, Sr. Presidente, que assim como na questão que aqui se suscitou o anno passado, na questão do art. 63.º, votei contra a opinião do Gabinete, assim hoje apoio francamente a Politica sustentada pelo Gabinete, porque entendo que esta Politica no» seus pontos capitaes, quero dizer, na defeza, e na conservação da Sociedade, nas suas relações com as Potencias Estrangeiras, e na manutenção da ordem, e da paz publica dentro do Paiz, foi como cumpria; foi conveniente, foi justa. Enunciando esta opinião entro portanto em liça, como entrei o anno passado, com a mesma côr nas armas, com a mesma lettra na divisa.

O anno passado tive a honra de dizer á Camara, que não tinha mudado perante os espantosos acontecimentos, que esse anno nos trouxe; hoje repito-lhe o mesmo. Disse então á Camara, e repito hoje, que sou o mesmo defensor, não valente porque as minhas fôrças são fracas, mas defensor firme, leal, sincero, constante da Monarchia Constitucional (Apoiados) — da excelsa Dynastia com ella vinculada (Apoiados prolongados) — da Liberdade que ella assegura, e da paz, e da ordem sobre que ella assenta; da paz e da ordem sobre que ella assenta, porque invocar a Liberdade sem lhe juntar immediatamente as idéas do ordem, de paz, e de segurança, não é só invocar uma palavra oca, é fazer-se orgão da irrisão maior, que se possa fazer neste Mundo. (Apoiados.) Eu comprehendo os crimes, que a força commette em seu proprio nome; comprehendo que a força seja sempre estupida no seu desenvolvimento extraordinario; mas que se invoque o nome da Liberdade, este nome que faz estremecer de enthusiasmo os individuos, e as Nações, e á sombra désse nome se calquem todos os principios, se despresem todas as regras, se ponham em dúvida todas as virtudes, se levante uma bandeira de sangue, de desordem, e de assolação no Mundo, é Sr. Presidente, o» homens que se teem feito écco destas, e outras similhantes irrisões, são responsaveis perante a humanidade pelos estragos que ella tem soffrido, e hão de ser amaldiçoados pelo futuro. (Apoiados — muito bem)

Portanto, Sr. Presidente, vou concluir o meu exordio, dizendo, que se a Camara, quando pela primeira vez tive a honra de lhe fazer a manifestação dos meus principios Politicos, me honrou com a sua estima, com a sua benevolencia, espero que m'a continue por sua, e por minha coherencia: declaro que não sou ambicioso; mas esta benevolencia e estima é a corôa unica da minha ambição.

Persuadi-me, e estou persuadido ainda agora, que o Governo, tendo atravessado uma época cheia das mais tremendas catastrofes de que a Historia faça menção, se as considerarmos em relação á brevidade do tempo em que aconteceram, á grandeza dos principios postos em questão e das consequencias já conhecidas, que o Governo, digo, tendo atravessado uma época destas, e tendo mantido a paz, e a ordem publica, sem recorrer a meios de repressão violentos, empregados em outros Paizes, e em outras Monarchias, e que deu assim occasião a que um Paiz, que acabava de ser dilacerado por uma guerra civil de 14 ou 15 mezes, podesse, á sombra da paz, e da ordem, ver medrar a sua agricultura, ver desenvolver os diffe-

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rentes ramos de todas as industrias; o Governo que fez isto n'uma epoca em que as Sociedades mais adiantadas, mais bem constituidas, e mais florescentes caíram desse alto throno n'um abismo de desordem, de perda, de desgraça, de incerteza, e de luto, entendi eu, e entendo, que este Governo merece a continuação da confiança do Throno, as bençãos do Paiz, e por consequencia a benevolencia, e o apoio desta Camara, (Muitos apoiados) que não é mais que o centro, onde se reflectem as opiniõos, e as vontades do Paiz que ella representa.

Os meus adversarios (adversarios unicamente por differença de opiniões, e não por antagonismo de sentimentos, nem por menos ardentes desejos do bem da sua Patria de que os meus) querem contestar esta these, já diminuindo, menospresando, (deixe-se-me dizer assim) ou rebaixando as circumstancias críticas atravez das quaes passou este facto, já attribuindo a outras causas, e não áquellas que eu indico, esse mesmo resultado. Parece-me que os illustres Deputados, seguindo este caminho, attenderão) mais aos preceitos da oratoria, quizeram mais produzir effeitos brilhantes, do que acertar com a verdade; e parece-me que não será difficil demonstra-lo, se, depois de algumas considerações geraes sobre qual tem sido o estado da Europa desde o encerramento da Sessão passada até hoje, e sobre o estado interno deste Paiz, eu refutar em poucas palavras, tanto quanto em mim couber, as arguições, ou imputações feitas pelos illustres Deputados ao Governo; porque então, demonstrada a minha these, destruido o têrmo medio de todos os argumentos dos Srs. Deputados, fica clara a conclusão, de que o Governo bem mereceu do Paiz pela sua Politica illustrada, tolerante, e fecunda.

Sr. Presidente, que vimos nós no celebre dia 24 de Fevereiro de 1848? Alluir-se uma Monarchia levantada pelo impulso heroico de uma grande Nação, sustentada e dirigida 18 annos pela habilidade, e prudencia de um dos mais consummados Politicos da nossa época; e não bastaram para suste-la, nem a gloria e popularidade da sua origem, nem a incontestavel superioridade dos homens collocados á sua frente, nem os beneficios sem conta por ella trazidos á França, nem mesmo a illustração do tempo! Alluiu-se, repito, a Monarchia, que tinha conservado 18 annos o equilibrio da paz Europea, minada pelas idéas dissolventes dos communistas, e por outras exaggerações similhantes, a que sempre tem servido de thema a palavra magica da Liberdade! Por esta occasião direi que me cabe a honra de ter sido um dos primeiros, que neste Paiz combati em publico com quanta energia pude, essas theorias de socialismo e communismo, hoje eloquentemente fulminadas nesta Camara por um dos meus illustres Collegas. Mas voltando ao meu ponto; a quéda da Monarchia Franceza não foi vim acontecimento isolado. Logo outras Monarchias, que nunca tinham sido abaladas pelo vulcão revolucionario, e que descançaram seguras á sombra de tantos seculos de duração, do prestigio com ella vinculado, e dos beneficios sem conto que tinham derramado nos Povos que abrangiam; as Monarchias do Norte, a Prussia, e a Austria, que tinham feito chegar a Instrucção Publica, as Artes, a industria dos transpores, todos os ramos em fim da actividade individual e collectiva, todo o progresso moral e material, a um gráo, que talvez não possa exceder-se, essas Monarchias, digo, não tardou que arcassem braço a braço com todos os horrores da anarchia! Que devia esperar-se que acontecesse naquellas onde não existiam nem iguaes, nem aproximados elementos de confiança e estabilidade? A Hespanha cortada ha pouco por dissenções civis, estremeceu diante do futuro, e postoque tivesse por fortuna, quando soaram no Mundo os acontecimentos de Fevereiro, um Governo forte e energico, apoiado n'uma grande Maioria Nacional, amante do Throno o das idéas moderadas, e n'um Exercito numeroso, modêlo de disciplina e bravura, não julgou todavia sufficientes todos os meios ordinarios, de que dispunha, para fazer face a tão extraordinarias circumstancias; e para estar prompto a occorrer ao que sobreviesse, pediu e obteve das Camaras Legislativas, faculdades extraordinarias, com que se armou para resistir ao encontro revolucionario.

E qual era, Senhores, o estado de Portugal? Acabava de ser dilacerado por uma guerra civil de 14 ou 15 mezes, cujos desgraçados effeitos ainda todos lamentamos hoje; haviam-se atropelado todos os direitos, postergado todos os deveres, confundido e transtornado todas as idéas do justo e do honesto; ensinara-se e proclamara-se aos Povos a desobediencia e o desprezo das Leis, dos Magistrados, em fim da pessoa irresponsavel do Chefe do Estado; tinham-se posto em duvida, portanto, violado ou escarnecido todas as bases, em que a Sociedade se funda; o Thesouro Publico estava exhausto; mal organisado, e pouco numeroso o Exercito; e a Administração Publica vacilante e fraca, pelos defeitos de Organisação Administrativa ha muito conhecidos, e pelo procedimento faccioso de muitos Magistrados, fallando assim todas ou quasi todas as forças, em que uma Sociedade e um Governo póde, e deve esperar apoio contra os esforços dos desorganisadores. E todavia, Sr. Presidente, o illustre Presidente do Conselho de Ministros julgou, a despeito de tudo, que, confiando nos principios generosos da sua Politica, no patriotismo proverbial dos Portuguezes, e na sua dedicação ao Throno de seus Reis, poderia continuar a manter-se a tranquillidade e ordem publica, sem que o Governo se armasse de providencias e meios extraordinarios. E os factos, Sr. Presidente, provaram que S. Ex.ª não se havia enganado.

Eu, Sr. Presidente, (longe de mim a idéa de poder occupar um logar ião elevado) mas se occupasse, confesso que, tendo sobre mim a responsabilidade, que me impunham aquellas Cadeiras (apontando para os bancos dos Ministros) confesso, digo, que não confiaria tanto, que não procederia por similhante modo; porque, Sr. Presidente, eu não concebo bem como possa no estado actual da Sociedade, no meio dos acontecimentos de que tem sido theatro a Europa, estabelecer-se uma tal confiança, em um Paiz aonde todas as causas de incerteza, instabilidade, e perigo já referidas, são constantemente exacerbadas e agravadas por uma imprensa licenciosa, fóra de todas as regras do justo e do honesto, despresadora de todas as Leis, e de todos os principios que insulta, e injuria todos os individuos, que calumnia todas as reputações, que ataca sem excepção os objectos mais sagrados, que aconselha e provoca todos os crimes, e tudo isto impunemente. E não obstante este acervo de causas desorganisadoras,

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o Governo confiou, e o Povo Portuguez mostrou que era bem merecida a confiança do Governo, porque esses acontecimentos não tiveram echo que communicasse neste Paiz. (Apoiados)

Mas porque tem assim acontecido, segue-se que é casualidade? R eis aqui uma grande differença de opinião entre mim, e os meus illustres adversarios que, não podendo negar tão importante facto, negam com tudo que elle seja devido á Politica seguida pelo Governo. Eu o que vejo, Sr. Presidente, é que esta Politica trouxe este facto, e que sendo um problema, o que produziria a Politica aconselhada ou preferida pelos meus adversarios, tenho eu bem fundada razão para me decidir antes pelo facto, do que pelo problema. (Apoiados)

Differente fôra, Sr. Presidente, a opinião dos meus adversarios, se despidos de toda a prevenção quizessem ver e palpar todas as difficuldades vencidas pelo Governo para obter este resultado! Na verdade é muito facil a quem falla do lado da Opposição mudar de parecer sobre objectos a respeito dos quaes teve opiniões differentes em outras circumstancias, e não depende isto sómente de abuso da propria vontade, mas da nossa organisação, porque collocados n'outra situação são outras as nossas idéas, é outra a maneira de avaliar os acontecimentos, são outras as côres de que se acham revestidos, hão de ser tambem outros os nossos juisos. Poderia recorrer a muitos exemplos para demonstrar esta» verdade. Mas citarei o de uma auctoridade insuspeita. Consultem os nobres Deputados se quizerem os Discursos do Abbade Gioberti; leiam o que elle, quando Membro da Opposição dizia da necessidade de renovar immediatamente a guerra contra a Austria; e comparem comtudo isto o modo como elle tem procedido desde que é Ministro na Sardenha. Antes nem fazia caso das circumstancias, nem da desigualdade das forças, nem da falta de recursos, hoje já calcula todas as difficuldades, e diz que sustenta o principio, mas que é forçoso adiar a sua execução, e esperar pela opportunidade (Apoiados.)

Eu poderia dizer á Camara como no intervallo desta Sessão, á actividade e diligencia do Governo se deve o descobrimento de muitas tramas que se tem urdido para attentar contra tudo quanto ha de sagrado; poderia mostrar como esses projectos ficaram reduzidos ao nada, mas eu não quero roubar a occasião ao nobre Presidente do Conselho de fallar sobre estes objectos, posto que estou certo lhe ha de ser penoso, porque não ha de querer fallar de si. (O Sr. Duque de Saldanha: — Apoiado.)

Sr. Presidente, é necessario que as cousas sejam vistas só com o desejo de achar a verdade, e parece-me que os nobres Deputados que fallaram primeiro na questão, permittam-me que o diga, o fizeram com paixão. Digo isto sem animo de offensa.

Sr. Presidente, quem vê a sociedade fóra da acção governativa, tem muita liberdade de opinião: diz francamente — se fôra Governo, obraria deste modo, ou deste outro. — O Governo é tyrannico, é oppressor porque deporta um individuo; porque deixa acontecer um crime; de maneira que se attribue ao Governo o ter acontecido um crime, fazendo-o cumplice do mesmo crime. Tambem se disse — o Governo é oppressor; prende cidadãos sem culpa formada; procede contra individuos, que os Tribunaes declaram innocentes — tudo isto é facil de dizer, por quem como os nobres Deputados não tem nenhuma outra responsabilidade senão a da sua opinião, muitas vezes desvairada pelas paixões: mas o Governo que vê palpitar nas suas mãos a sociedade roida, e dilacerada pelas facções, o Governo sobre quem pésa no presente e futuro, a segurança, e a defeza d'uma sociedade que está sentada em volta do Throno, e que perecerá com elle, se elle secumbir, o Governo que tem tanta responsabilidade, não póde ser igualmente indifferente aos meios que se empregam para destrui-la, e esta responsabilidade deve influir nos seus actos d'um modo differente do que influe nos Srs. Deputados que nem a tem, nem a concebem, e vem portanto as cousas d'um modo muito diverso (Apoiados.)

Ora vejamos quaes são as accusações que os nobres Deputados dirigem ao Governo. Um Sr. Deputado disse — É verdade que a paz se tinha gosado no Paiz, mas que o Governo não se tinha aproveitado della para favorecer o desenvolvimento da instrucção, para estender a mão a todas as industrias, para, n'uma palavra, converter este sólo, aonde elle está inculto, e deshabitado, n'um terreno fertil, cheio de homens, e ricas producções. — Disse mais o Sr. Deputado, — que esta paz era só comparada a uma cousa, ao veneno dos Borgias, que matava lentamente. — Eu faço inteira justiça ao distincto talento do nobre Deputado, mas permitta-me que lhe diga, quem compara a paz publica com o veneno de Borgias, é porque não tem com que a comparar. Pois a paz publica que é a origem do desenvolvimento da sociedade, dos individuos, e das Nações, tem alguma comparação com o veneno dos Borgias? O meu Amigo explicará melhor a sua idéa, porque os recursos do seu talento são muito maiores que os meus.

O Sr. Deputado tambem disse — Que o Governo era intolerante; e citou alguns actos que dizem respeito á demissão de certos individuos: sinto que estes actos recaissem sobre pessoas por quem tenho não só consideração, mas particular amisade: o Governo de certo tomará sobre si o responder a esta parte; mas pelo que diz respeito aos empregos de commissão, ha de permittir-me o nobre Deputado que lhe diga, não entendo que o Governo possa ser arguido porque demittiu este ou aquelle empregado de commissão; o Governo entrega as suas commissões a individuos em que confia mais, e de quem espera mais efficaz e mais sincero auxilio. (Apoiados)

Disse o nobre Deputado — Que uma prova da intolerancia do Governo, era a destruição de uma imprensa na rua das Adelas — queria que o nobre Deputado me explicasse como póde este acto ser attribuido á intolerancia do Governo. Seria muito bom que o Governo podesse prevenir todos os crimes; mas está isto nas faculdades humanas? É isto possivel? Teem por ventura os Publicistas mais distinctos, ou os Filosofos mais abalisados, apresentado alguns meios, que ponham á disposição do Governo, para elle prevenir que se commetta um crime? O Governo tem a policia preventiva, é verdade, mas esta é efficaz algumas vezes, e inefficaz a maior parte.

Diz-se — Que a policia era inutil — não é assim; a policia tem evitado alguns males, mas não póde evitar todos Tambem se trouxe como prova da intolerancia do Governo, que o Governo tinha trazido para a arena da discussão, uma circular dos Commandantes dos Corpos; e até me parece que ouvi dizer, que era a tarimba trazida para argumento. O

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nobre Deputado que proferiu estas palavras, tem realmente facilidade de dicção, tem una estilo energico que eu mão posso imitai; porciíu parece-me que neste ponto tambem não tem razão.

É sabido que se fizeram diversas imputações a alguns Commandantes dos Corpos; disse-se, que o Governo estava em desintelligencia com elles, e que por esta causa os queria demittir: os Commandantes dos Corpos emendaram que, tendo-se espalhado isto a seu respeito, deviam declarar que não era exacto; eis aqui está o facto.

Mas agora pergunto eu, que tem o Governo com isto para o nobre Deputado lhe dirigir uma accusação? Tambem não é verdade que o Sr. Ministro da Guerra quizesse demittir estes Commandantes (Uma Voz: — Mas foi n'um jantar que isso se tractou).

O Orador: — (Continuando) Mas o nobre Deputado ha-de permittir que lhe diga que intolerancia seria querer que os Commandantes dos Corpos não jantassem unidos; seria barbaro querer que houvesse um regulamento militar para que os Commandantes dos Corpos se não podessem reunir para comer. (Apoiados)

O Sr. Deputado disse, como prova da intolerancia do Governo, que tinham sido presos não sei quantos individuos, sem culpa formada, que tinham sido mandados para o Limoeiro, e que a final o Poder Judicial absolvendo estes individuos os tinha julgado innocentes. Ora eu estou certo que se o nobre Deputado fosse Governo, não havia de fallar d'este modo; pois por terem uns poucos de individuos sido absolvidos pelo Poder Judicial, é isto prova de que elles estão innocentes? Pois o Poder Judicial não podia errar? Pois o Poder Judicial é infallivel? E o que lhe falta? O Governo tinha, e tem provas de que estes individuos conspiravam contra o Estado, o Throno, e a segurança publica: «o Governo que tem a responsabilidade da defeza d'esta Sociedade, que ha de responder par ella, não só perante a Cantara, mas peca mie o Paiz e a posteridade, julgou que em vista d'estas provas, não podia deixar de mandar proceder contra estes individuos; e mandou proceder em conformidade da Lei, que neste caso permittia «prisão sem culpa formada. Mas diz s: (deu-se-lhes a nota da culpa muito tarde, quando o ter-se dado a nota da culpa meia hora antes ou depois póde servir de accusação ao Governo, é na verdade muito fraca accusação. A final estes individuos entraram em processo; e foram absolvidos e soltos: ora daqui argumentar-se contra o Governo dizendo-se: que os individuos contra quem o Governo mandou proceder, estavam innocentes. O Poder Judicial avaliou como quiz este processo; por «que entendendo que as provas que havia não eram sufficientes para se declarar a procedencia da pronuncia, ordenou que os presos fossem postos em liberdade: o Poder -Judicial entendeu que, depondo 14 testimunhas d'um facto d'esta gravidade, aquellas testimunhas não deviam ser cridas. Quando o Podar Judicial em vez de desempenhar a sua missão imparcial da applicação das Leis...

O Sr. Cunha Sotto-Maior: — Ordem, Ordem: chamo o Sr. Deputado á Ordem.

O Sr. Presidente: — O Sr. Deputado queira dizer o motivo, porque chama o Orador á Ordem.

O Sr. Cunha Sotto-Maior: — O motivo é que eu entendo que o Poder Judicial é um Poder independente, e que não merece, nem deve ser atacado no Parlamento.

O Sr. Corrêa Caldeira: — Pois o nobre Deputado quer contestar-me o direito de podér moralisar um acto do Poder Judicial?

O Sr. Presidente: — Os Srs. que intendem que o nobre Deputado estava na Ordem, e que póde continuar o seu Discurso, tenham a bondade de levantar-se.

Foi approvado que o Sr. Deputado estava na Ordem, e continuasse o seu Discurso.

O Orador: — Como ía dizendo, o Poder Judicial entendeu que 14 testimunhas não eram prova sufficiente para pronunciar aquelles individuos; ora nas regras ordinarias duas testimunhas são sufficiente para que tenha logar a pronuncia, isto e a declaração do Juiz relativamente ao individuo sobre quem recae a suspeita de ter commettido um crime: e o Poder Judicial intendeu n'este caso que a asserção de 14 testimunhas nem ao menos era sufficiente par constituir suspeita vehemente de que aqueles individuos tinham conspirado contra o Estado!

Ainda se apresentou outra prova de intolerancia da parte do Governo, ou antes da Camara por ter excluido das Commissões certos individuos, sinto que isto vá tocar com pessoas que respeito, e de quem sou amigo, mas direi que a Camara compoz as suas Commissões dos Membros que lhe merecem mais confiança, nisto creio que não póde haver fundamento justo de queixa; nem sei que parte possa o Governo ter disto.

O Sr. Deputado disse tambem que diversos logares tinham vagado, e que tinham, sido providos; fallou da nomeação de um conego para o logar de outro que tinha morrido; «parece-me que disse que no Governo Civil tinha vagado um logar, e que se tinham nomeado cinco empregados. Ora «eu sou Secretario Geral do Governo Civil, e não me consta senão que mandam dous Empregados do quadro legal da Secretaria, e que estes dois Empregados foram substituidos; e foram substituidos por uma razão muito simples; a necessidade de que o serviço se faça, serviço pesado para ser feito pelo resumido quadro legal estabelecido, do qual deve deduzir-se quasi um terço de Empregadas inhabilitados ou pela sua avançada idade, ou por molestias contraídas no serviço publico, para o regular desempenho das suas obrigações; Empregados, que por isso nem o Governador Civil, nem o Governo ha de querer tomar sobre si a responsabilidade de demittir, depois de longos annos de bom serviço e do melhor tempo da sua vida nelle consumida: não era a estes homens que deveria dizer-se agora — Ide-vos embora, ide morrer de fome —, certamente um tal proceder não era nem justo, nem humano. (Apoiados)

Argumentou-se tambem contra o Governo porque em resultado d'um concurso publico não tinha despachado para Lente da Escóla Polytechnica, um candidato que fôra preferido na respectiva Proposta: ora a maneira porque se argumentou neste ponto, importa o mesmo que dizer — As Escólas pertence determinar ou designar os individuos que devem occupar as Cadeiras d'Instrucção superior, e o Governo que é o supremo Inspector da Sociedade, não tem mais nada a exercer sobre este negocio senão o officio de Chanceller das Escólas: quando a Escóla Polytechnica queira um Lente, quando a Universidade

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de Coimbra o queira tambem, póde designal-o, e o Governo ha de pôr só Fiat; isto por modo algum póde ser admissivel. (Apoiados)

Eu mesmo não sei que idéa tem os nobres Deputados argumentando assim, não sei que idéa fazem do Governo e das suas attribuições: não sabem os illustres Deputados que ao Governo pertence pela Carta a nomeação para todos os Empregos do Estado? Quererão por ventura restringir a seu arbitrio esta faculdade exceptuando della os Lentes das Escólas? Pois pergunto eu (e não tracto do actual individuo) não se póde dar o caso de que um individuo seja eminente na Sciencia, a cujo professorado se destina, e que lhe faltem não obstante outras qualidades indispensaveis para poder ser Mestre?... Pois para o professorado não se requer alguma cousa mais do que a illustração scientifica?... Pois não se deve ter em vista o porte social do individuo, quero dizer, o seu modo de proceder na Sociedade, e mesmo entre sua familia?... Pois o Governo Portuguez, ou o d'outra qualquer Nação, deve permittir que o mais importante cargo da Sociedade, o Magisterio, em vez de concorrer para o aperfeiçoamento social, concorra para a sua corrupção, consentindo que taes cargos sejam exercidos por individuos que não tenham a seu favor mais condições do que a approvação n'um concurso?... Eu não sei os motivos que o Governo teve para não consentir que o individuo a quem diz respeito este negocio da Cadeira de Zoologia fosse nelle provido, mas é certo que não póde de modo nenhum negar-se ao Governo o ser Juiz supremo da appreciação das condições indispensaveis para taes casos, isto é, de todas as qualidades dos concorrentes: isto é o principio, e creio ou intendo que não se póde fazer, por isso, inculpação fundada ao Governo por este facto. (Apoiados)

Tambem se argumentou contra o Governo por não ter despachado Alferes Alumno um alumno da Escóla do Exercito, que tinha todas as habilitações scientificas para isso. Eu não tenho presente a Lei que regula esta materia; mas é tambem evidente que se não concebe como o Governo possa ser obrigado em todos os casos, e em todas as circumstancias a nomear Officiaes individuos só porque têem concluido certo curso de estudos: applico a regra tambem, e sem me referir ao individuo a quem este negocio diz respeito. Mas pergunto eu o individuo que adquiriu certa capacidade scientifica, que lhe dê esperança legal de vir a ser Official do Exercito, não poderá ter adquirido habitos e defeitos contrarios aos que exige o serviço militar?... Não poderá ter molestias que o tornem incapaz para o serviço, e ha de o Governo ser forçado, por um lado a despacha-lo Official, e por outro a passal-o no mesmo dia á 3.ª Secção do Exercito? Querer isto é querer um absurdo. O Governo nem póde, nem deve deixar de examinar com o maior escrupulo todas as qualidades físicas e moraes, indispensaveis n'um individuo que se destina a ser Official do Exercito, porque da falta deste exame severo póde provir a inteira corrupção d'uma instituição, que absolutamente depende de que se conservem os habitos de obediencia cega, e de rigorosa disciplina. (Apoiados)

O Governo, Sr. Presidente, é provavel queira responder cathegoricamente sobre estes objectos, e eu peço desculpa á Camara de ter entrado nelles.

Sr. Presidente, o illustre Deputado achou motivo para arguir o Governo pelo que viu em 37 Diarios, que continham não sei quantas Portarias, em que exigia o cumprimento de certas ordens; e o illustre Deputado referindo essas Portarias esqueceu-se que tinha alcunhado o Governo de intolerante; por quanto essas mesmas Portarias não provam senão que o Governo é tolerante; se o Governo fosse tão intolerante como o considerou o illustre Deputado, elle teria procedido d'outra maneira: estranhou o illustre Deputado que o Governo tivesse espedido aos seus Empregados uma, duas, tres, quatro e cinco Portarias, exigindo o cumprimento de varias ordens; ora o illustre Deputado deve saber que entre esses Empregados a quem as Portarias são dirigidas, alguns póde haver que não professem os mesmos principios politicos que professa o Governo, ou a Administração actual; e não haveria motivo sufficiente para que o Governo em vez de os admoestar por meio d'algumas Portarias, se houvesse para com elles de um modo mais severo, se tivesse vontade de fazel-o. E póde-se dizer que Governo que marcha assim, é intolerante? De certo não. (Apoiados)

Sr. Presidente, o nobre Deputado tambem se queixou que não tivessem sido já remettidos pelo Governo, todos os papeis e esclarecimentos que tinha pedido apesar de nesse seu Requerimento ter copiado as proprias expressões d'uma Portaria, pela qual se exigem certos trabalhos; a este respeito direi ao illustre Deputado que é mais facil fazer Requerimentos, do que satisfaze-los; porque o que nelles muitas vezes se pede, depende d'um complexo de cousas e de factos, que não é possivel colher de prompto, e virem com aquella brevidade que o illustre Deputado queria. (Apoiados)

Ora, Sr. Presidente, tambem o illustre Deputado fez uma arguição ao Governo na parte relativa á Administração Financeira. É esta uma materia na qual declaro que não entro por incompetente; tocarei só no ponto mais claro, isto é, na arguição que o illustre Deputado faz ao Governo de não prometter no Discurso da Corôa mais diminuição de tributos.

Pois, Sr. Presidente, o mesmo Deputado que acusa o Governo de não pagar as despezas publicas nem com pontualidade nem com igualdade, é que póde exigir do Governo a diminuição dos tributos, quando essa falta de pagamentos vem da escacez da receita?... Pois d'um Governo collocado nestas circumstancias exige-se que venha dizer que é possivel uma diminuição nos tributos publicos? Se os tributos ha muitos annos estabelecidos em Portugal se não cobram integralmente como devia ser, se esses tributos são insufficientes para fazer face ás despezas do Estado, como póde esperar-se que o Governo proponha a sua reducção? Se os sacrificios votados na Sessão passada foram tão excessivamente pesados, seus rendimentos votados foram insufficientes, se o illustre Deputado sabe tudo isto, como é que queria que no Discurso do Throno se indicasse a possibilidade da diminuição dos tributos?... Não podia de modo algum fazer-se tal indicação (Apoiados.)

Sr. Presidente, o illustre Deputado mandou para a Mesa, e offereceu á Camara duas Emendas á Resposta do Discurso da Corôa, as quaes a Camara não admittio; mas não obstante isso a respeito do objecto d'uma dellas sempre direi duas palavras ao nobre Deputado; e é elle relativo aos acontecimen-

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tos de Rorna. O nobre Deputado arguio a Commissão por ella ter sido, nesta parte, ecco das palavras que do alto do Throno tinham sido dirigidas a esta Camara, lamentando o facto da saida do Santo Padre dos seus Estados. Estranhou o nobre Deputado, que se alludisse assim ao Papa que era um symbolo, e não proferisse uma só expressão de sympathia pela independencia e unidade da Italia, que era um principio; mas suppondo mesmo que essa expressão de sympathia pela independencia e unidade da Italia devesse apparecer na Resposta ao Discurso do Throno; qual é a razão por que o illustre Deputado não mostra a mesma sympathia por outras Nações que lutam por conquistar ou defender a sua unidade, independencia e nacionalidade?... (Apoiados) E se na opinião do illustre Deputado a Camara devia mostrar sympathias pela causa da Italia, e pelo principio da sua unidade politica, como não quer o nobre Deputado que a Camara as mostre pelo Papa, que é a personalisação da unidade Catholica, isto é, universal, que preside á manutenção de uma Religião, que pela confissão dos proprios socialistas, é a verdadeira origem da civilisação e da liberdade entre os homens? (Apoiados)

Agora, Sr. Presidente, eu estou cançado, mas passarei a dizer duas palavras em resposta a outro illustre Deputado do quem sou Amigo, e que respeito muito, que tambem hontem combateu a Resposta... O illustre Deputado principiou o seu Discurso fazendo uma cousa a que elle chamou profissão de fé politica; disse que era progressista, e explicou o sentido desta palavra de um tal modo, que eu não tenho duvida em dizer que sou progressista, como o illustre Deputado; e fallando assim não sou mais que o ecco das palavras ha muito proferidas por um dos mais distinctos Estadistas Francezes, — «Todos os partidos politicos, disse elle, promettem o progresso, mas só o partido conservador sabe dal-o.» — Estas palavras ditas na Tribuna Franceza tem sido hoje repetidas, e são agora justamente pela Nação Franceza depois da dolorosa crize, por que passou. Os que lhe fizeram crer momentaneamente, que o verdadeiro progresso estava nas idéas exaltadas, foram os que a Providencia encarregou de lhe dar este desengano. Hoje depois de tam as desgraças a França volta aos verdadeiros principios, aos principios do Partido Conservador; mas quando volta a elles? Depois de ver dar dentro dos muros de Pariz a mais espantosa e sanguinolenta batalha, de que ha memoria nos fastos das Nações; depois de ter visto abrir pelo Partido revolucionario em seu seio um abismo, um abismo insondavel.

Sr. Presidente, é depois de tantos desastres, que chegou o desengano á França; é só depois de passar em tão poucos mezes tantas tormentas, depois de tantas fortunas destruidas, depois de tantas desgraças, e de tanto sangue derramado, é depois de tudo isto que os Francezes reconhecem que só do Partido Conservador póde provir o verdadeiro progresso.

O illustre Deputado disse que era progressista, porque queria o aperfeiçoamento da Nação, material e moral; tambem eu o quero, a questão toda porém está nos meios. O Sr. Deputado entende, por exemplo, que para o aperfeiçoamento, e moralidade dos povos é necessaria a dissiminação da instrucção publica, e o melhoramento da educação; estou completamente de accordo; mas o illustre Deputado reconheceu como uma outra necessidade, uma cousa que eu não reconheço tanto como elle; porque o illustre Deputado disse que a reforma eleitoral era uma das necessidades moraes, a que era mais urgente satisfazer; o illustre Deputado apresentou a reforma eleitoral, como uma grande necessidade moral deste Paiz; ha de permittir-me que lhe diga que me não parece isto absolutamente exacto. Em outra occasião já eu disse nesta Camara que os individuos que vinham aqui inculcar-se legitimos orgãos da opinião do Paiz neste sentido, não eram orgãos fieis da verdadeira opinião publica, (Apoiados) Hoje ainda o repito; com isto não quero dizer que o nosso systema eleitoral seja o melhor, não digo isso; mas o que o illustre Deputado quer como melhor, tambem lhe não ha de dar o resultado que pertende; porque faça-se do modo que se fizer uma eleição, sempre se ha de dizer que o resultado foi devido ao suborno, e á peita, e que a eleição não representa as verdadeiras idéas e espirito do Paiz, e permitta-me o illustre Deputado que lhe diga, que nem mesmo com o suffragio universal, se tanto quizesse, evitaria este de ser; porque ainda assim os que não ficarem servidos, hão de dizer que houve suborno e corrupção. Veja o illustre Deputado, o que se tem passado em França depois da eleição feita pelo suffragio universal que deu em resultado a Assemblea Constituinte primeiro, e depois a eleição do Presidente da Republica; veja o que dizem os suppostos progressistas; já começam a clamar contra elle, já dizem reciprocamente, uns que a Assemblea, outros que o Presidente da Republica, não são a fiel expressão da vontade nacional. Portanto se o illustre Deputado espera satisfazer essa necessidade moral, da qual só virá á sociedade Portugueza o grande progresso, parece-me que se engana, porque o partido vencido ha de queixar-se do mesmo modo.

Ora eu tenho ainda a fazer uma observação relativamente ao systema eleitoral do nosso Paiz. Em Portugal e no estado em que está hoje o censo dos eleitores chamados a votar nas eleição de maior importancia, que são as dos Deputados, eleições que sempre são mais disputadas por serem aquellas em que ao interesse politico e luctas dos partidos accrescem as ambições individuaes; póde dizer-se que falla um têrço dos eleitores, isto é nesta eleição que mais interessa; agora nas de menos importancia, é sabido que a maior parte dos individuos chamados a essas votações, que são para Camaras Municipaes, Juizes de Paz, Juizes Eleitos, e não sei que mais; porque ha uma immensidade de cargos que são de eleição; a maior parte das vezes não vão lá, e por isso no Codigo Administrativo se prevenio, e com razão, que nesses casos o Conselho de districto umas vezes, e as Camaras Municipaes outras nomeassem os individuos que a votação devia chamar a esses cargos.

Ora aqui tem a Camara, o que é que se passa no nosso Paiz a respeito d'eleições, e o aprêço que practicamente o Povo Portuguez dá a este direito, e com isto respondo a essa sonhada necessidade moral que o illustre Deputado reputa como o melhor elixir para curar os males da Patria.

O illustre Deputado tem de certo não só muita instrucção, mas muito amor por este Paiz; porque o tem mostrado muitas vezes pelas provas que tem dado a favor da liberdade legal; mas deixa-se, tal-

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vez, contra sua vontade, impressionar da leitura que tem tido, ou do que tem ouvido, a respeito do que se discute, e do que se diz la fóra, e por isso disse que era preciso nimia cautela, para que senão desconhecesse esta necessidade, que se attendesse a este principio de civilisação e progresso, para não ser sofismado o systema representativo, porque doutra sorte lá estava o exemplo da França aonde assim se fizera, para provar o que se seguia desse sofisma.

Sr. Presidente, não ha cousa mais facil do que dizer-se isto; porque seja qual fôr o methodo pratico de uma eleição, os individuos cujas opiniões não triumfarem, nunca ficarão satisfeitos, e para o nosso caso haverá sofisma sempre que a eleição não reproduza as idéas, os desejos, e os delírios dos exaltados. Apezar dito não negarei a conveniencia de que se faça uma boa lei d'eleições.

Estas idéa porém de reforma eleitoral, tomada n'um sentido lato, inculcada indispensavel para evitar os suppostos sofismas, que se faziam do Governo Representativo, foram a bandeira á sombra da qual se promoveu a excitação publica; e a supposta necessidade de uma transacção entre o Poder e essas exigencias foi desgraçadamente que prevaleceu em França no momento do perigo, e que trouxe a queda daquella Monarchia. E poderá dizer-se que não eram previstos esses espantosos acontecimento, e que ninguem os esperava? Disse o illustre Deputado que não, e eu direi que sim. Em prova da minha asserção citarei ao illustre Deputado o eloquente discurso do Conde de Montalembert, na sessão de 14 de Janeiro de 1848 Veja o illustre Deputado a energica pintura que aquelle distincto Orador fez da revolução na Suissa, e de todos os horrores que alli se tinham commettido em nome da Liberdade, veja como nos banquete reformistas, que então se generalisaram por toda a França, o Conde aponta nos discursos sediciosos, nelles pronunciados, o echo fiel dos delírios e crimes, que se tinham perpetrado além do Jura, e dos Alpes; veja o illustre Deputado, querendo, as palavras proféticas com que aquelle Orador prediz á sua patria os males de que está ameaçada, depois que a Suissa se converteu em cidadella da demagogia.

Disse o illustre Deputado, ou me pareceu que disse, que uma concessão feita a tempo poderia ter evitado a revolução do París. Permitta-me porém que com uma convicção igual á sua eu lhe diga que se engana, porque a experiencia tem mostrado que não ha concessão que satisfaça, nem por consequencia transacção possivel, com homens e facções politicos, nos quaes nada ha de respeitavel na Sociedade (Apoiados). Não é só o Throno, a Monarchia, a fórma e os principios do Governo, é a Sociedade interna que atacam e combatem nos seus fundamentos; não é só a Liberdade que assassinam em nome da mesma Liberdade, mas querem assassinar com ella a propriedade e a familia.

Mas se isto não basta, e o illustre Deputado quer exemplos decisivos de quaes são os resultados praticos de concessões feitas a similhante partido politico, lance os olhos a Roma, e veja o que alli se passa. O Sólo Pontificio occupado por um homem, que, como com razão se diz no Projecto de Resposta em discussão, reune á magestade a santidade da virtude, tinha chamado sobre si a admiração e o culto do mal profundo respeito, não só do Mundo Catholico mas dos proprios protestantes, e o nosso seculo víra com assombro as homenagens de veneração que a orgulhosa e protestante Inglaterra, e o Sultão, chefe da religião musulmana, tinham prestado ao Successor de S. Pedro. E todavia este grande Principe, cujo primeiro cuidado ao subir ao Throno, fôra estender a mão de pai carinhoso aos seus subditos, e faze-los cidadãos livres, que não tivera outro empenho nem outra ambição senão a de os fazer felizes, viu-se em pouco cercado dentro em seu proprio palacio, insultado e ameaçado pela plebe em delirio; viu o respeitavel Ecclesiastico seu Camareiro, Monsenhor Palma, cair morto ao seu lado, e o seu primeiro Ministro assassinado por vis sicarios á entrada de uma das Camaras Legislativas! Em fim viu se reduzido á necessidade de fugir como criminoso dessa terra d'ingratos!! Veja bem o illustre Deputado se com homens taes ha transacção possivel!?

Sr. Presidente, no anno passado dizia eu nesta mesma Camara, em resposta aos que affirmavam que estar parado quando todos andam, era o mesmo que retrogradar, dizia eu, repito, que parar para não cair num abysmo equivalia a andar muito. Compare o illustre Deputado as minhas palavras com os acontecimentos, e veja qual de nós se enganava.

O illustre Deputado disse que a verdadeira questão Politica do nosso Paiz era d'Organisação. Neste ponto, Sr. Presidente, estamos completamente de accordo. A Questão Politica do nosso Paiz, direi eu tambem, é a organisação de Fazenda, e a organisação administrativa, e accrescentarei ainda mais, Sr. Presidente, é a organisação judicial (Muitos Apoiados). Sr. Presidente, nestes tres pontos se encena a verdadeira questão do Paiz, e ao repetil-o peço aos Srs. Ministros que olhem para este objecto com toda a attenção que elle demanda, certos como devem estar que o Governo que obtiver este resultado ha de vêr novamente florescer este Reino, ha de evitar a reprodução dos abalos Politicos, porque temos passado, e ha de merecer as bençãos dos presentes, e dos que lhe succederem.

Sr. Presidente, o illustre Deputado entrou depois na apreciação de alguns actos administrativos, analysando a Resposta ao Discurso da Corôa a par delles. O illustre Deputado disse, que a Commissão na redacção do segundo paragrafo da Resposta, quando diz (Leu) que a Commissão nesta redacção parecia querer dar louvores ao Governo por elle não ter commettido uma injustiça. Ora, se o illustre Deputado fosse mais benevolo para com a Commissão, e meditasse na redacção do paragrafo a que se refere, sem o desejo de achar nelle motivo para censura, parece-me não se teria exprimido do modo porque o fez. A Commissão reconhece que o Governo, confiando no imperio das Leis, e na virtude dos principios monarchicos, e dirigindo o leme do Estado em tempos tão revoltos, sem recorrer a medidas extraordinarias, deu um grande exemplo de moderação e confiança, a que a Nação correspondeu dignamente; e avaliando este facto livie da responsabilidade que pesa sobre o Governo, pareceu á Commissão que o Governo, procedendo assim, bem se houvera, porque fôra injusto pôr em duvída o amor dos Portuguezes ao Throno dos seus Reis e á Religião dos seus Maiores. Note porém o illustre Deputado que esta injustiça, que o póde ser exprimindo a Commissão em nome da Ca-

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mara a opinião e o sentimento da maioria dos Portuguezes, não póde ser entendida do mesmo modo pelo Governo, nem mesmo significar que da parte delle fosse rigorosamente injusto pensar ou proceder d'outra maneira, porque todos sabem que não basta a vontade da grande maioria d'uma Nação para que elle não caia nas garras da anarchia, até porque fôra absurdo suppôr que a maioria de uma Nação queria a sua propria destruição; mas uma minoria facciosa e atrevida, para quem nada ha sagrado póde n'um esforço desesperado, e por surpresa, lançar uma Nação inteira no abysmo da dissolução social. Ora se isto é possivel, é claro que o Governo, ainda que faça inteira justiça aos sentimento da maioria da Nação, póde acaso julgar que para defender a Sociedade lhe são indispensaveis meios extraordinarios; e como o seu primeiro dever é a salvação publica, e esta imponha na minha hypothese, aquella necessidade, o Governo procederá com justiça, no sentido rigoroso da palavra, desempenhando o principal dos seus deveres, posto que parecesse pôr em duvida, por causa da minoria, esses sentimentos da maioria dos cidadãos, a que já alludi. — E este o modo como a Commissão entendeu, e eu posso explicar este paragrafo da Resposta. E tudo quanto acabei de dizer será obvio a quem não quizer tomar a palavra injusto n'um sentido tão rigoroso. A Commissão de, e não póde deixar de crer a Camara, que a maioria dos Portuguezes são affeiçoados ao Throno de seus Reis, e á Religião de seus Maiores: a Commissão crê, que a maioria Nacional ama a Liberdade e a Ordem; mas não se segue desta crença que não haja em Portugal, como em outros Paizes da Europa uma atrevida minoria, para quem nada ha sagrado, que não tem por fim senão a satisfação de sua ambição e paixões, e que saltaria contente por cima do Throno da Liberdade legal, e por cima de nós para estabelecer aqui, o que? Os dias de Junho de París, a bandeira vermelho, que é o symbolo désse partido, se filo tem algum symbolo.

Ora o illustre Deputado com referencia ao paragrafo em que se tracta do Systema de Fazenda notou que a Commissão dissesse que nem presença da execução dada ás Leis ultimamente votadas espera a Camara que o estado presente da Fazenda deva só attribuir-se a necessidade de amplas reformas, combinadas em todos os ramos de serviço, para as receitas se realisarem e as economias ser em fecundas.» O illustre Deputado não quer que a Camara espere que a falta de execução de todas as providencias que a Camara votou deva attribuir-se a esse motivo; o illustre Deputado quer que a Camara já espere antes de entrar no exame dos actos do Governo que não foi a estas cansas aqui pontadas e inteiramente imprevistas que se deve a falta de execução das Leis votadas, quer que a Camara já saiba que houve má gerencia dos dinheiros publicos, que se não administrou bem, e que em virtude disto se diga, que não é só a estas causas, mas que a outra e outras... se deve tudo isto! Estou persuadido que nesta occasião da Resposta se póde e deve avaliar em grande a Politica do Governo em relação ás Nações estrangeiras, e ao proprio paiz; mas parece-me que não é esta a occasião de examinar todos os actos da Administração pela razão de que não podem examinai-se os documentos; por consequencia tudo é pronunciar um juiso sem fundamento, o que creio que a Camara não póde querer, e sentenciar sem provas é fazer um processo em que falta a base.

O illustre Deputado continuou a sua analyse, dizendo que a Commissão quando disse que nas Provincias Ultramarinas, tão preciosas para Portugal pelas recordações de gloria, e pelos seus immensos recursos, com razão mereceram a attenção do Governo; e a Camara esperando que as providencias propostas hão de ser cabaes para desenvolver o incremento da sua riqueza, está disposta a prestar a tão louvavel intento a mais activa cooperação. E necessario que a Industria e o Commercio floresçam pelo impulso da Mãi Patria, nestas regiões, onde a civilisação entrou com as Quinas Portuguezas.» Tinha dicto mais do que o Governo, porque o Governo só disse que as Provincias do Ultramar se achavam em perfeito socego, e que no seu estado senão é tão prospero como se deveria esperar dos seus valiosos recursos, tem com tudo geralmente melhorado. O meu Governo vos proporá as providencias que reputa mais apropriadas para o desenvolvimento das riquezas que aquellas Provincias encerram. «Oh Sr. Presidente, porque o Governo não deu um grande desenvolvimento á producção do café em todas as Colonias, e em tres mezes não fez um Palacio do Governo em cada uma dellas, e vim caes, um trapiche, uma Alfandega, e talvez illuminação a gaz em cada uma, não mereceram a attenção do Governo? Pois prescindindo de quaesquer outras considerações, o que o Governo diz no paragrafo correspondente do Discurso da Corôa, não prova que essas Provincias mereceram a sua attenção? Pois senão merecessem a attenção do Governo, teria elle feito elaborar as Propostas de Lei que lhe são relativas, e que prometteu apresentar nesta Camara? Eu sou dos que acompanham o illustre Deputado nos seus desejos, quero que a Administração olhe para as Provincias Ultramarinas, com muito mais cuidado e attenção, do que o tem feito as suas antecessoras, e espero que o Governo ha de faze-lo. Sr. Presidente, fallemos com franqueza: nós somos uma pequena lira de territorio na Europa, se podémos fazer alguma cousa, é promovendo o desenvolvimento dos immensos recursos transatlanticos que temos. Eu tenho ouvido dizer a individuos que conhecem, por exemplo, a Provincia de Moçambique, que só aquella Provincia tractada com a attenção devida por um Governo, tem recursos bastantes para nos tirar deste estado miseravel em que estamos jazendo: portanto eu associo-me aos votos do illustre Deputado, para que as providencias que o Governo tem em vista, e que annunciou que havia de propôr á Camara sejam elaboradas com todo o cuidado e attenção, com todos os conhecimentos praticos que requer a situação dessas Provincias Ultramarinas, a fim de que venha um dia em que sejam regidas e administradas como devem ser, para o desenvolvimento da sua prosperidade. Mas argumenta o illustre Deputado que por tudo isto senão ter feito, já a Commissão não fez bem em dizer o que diz; parece-me porém que a sua censura é um pouco injusta, e devo dizer que o «illustre Deputado não teve com a Commissão a benevolencia que ella lhe desejava merecer.

Ora o illustre Deputado por esta occasião fallou em diversas providencias tomadas pelo Governo para as Provincias Ultramarinas, e notou que o Governo tivesse invocado para este fim, a auctorisação que

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lhe confere a Carta de Lei de 2 de Maio de 1843; e disse o illustre Deputado que achava que uma Lei votada pela Legislatura, de 1843, não estava em vigor depois de finda essa Legislatura; o illustre Deputado sustentando isto sustenta um paradoxo, porque por este modo todas as Leis votadas pelas Legislaturas que expiraram, deram a sua demissão, e quando aqui entrámos ficou a Sociedade sem Leis e até o illustre Deputado sem garantias da sua patente, que não foi confirmada por ora: o illustre Deputado ha de permittir que lhe diga, que a paixão é máo conselheiro; quando queremos por força censurar os outros e achar motivo de censura, vamos buscar não o desenvolvimento da verdade, mas de proposito todas quantas faltas, quantos êrros de calculo, quantas pequenas imperfeições, inseparaveis das cousas humanas, existem, para de tudo isto formar um feixe, do qual façamos uma arma contra aquelles que queremos aggredir.

Não sei realmente, Sr. Presidente, se teria ainda mais alguns pontos a tocar, mas o que sei decididamente é que não posso, porque estou cançado e rouco, de modo que já se me não entendem as palavras. Mas pedirei licença para antes de terminar o meu Discurso, fazer umas breves reflexões.

Peço aos illustres Deputados, meus Collegas, que avaliando a Politica do Governo, meçam bem como homens d'Estado o melindre das circumstancias que o Governo atravessou, sem recorrer como disse a meio nenhum violento, que reconheçam que o Governo por muitos dos seus distinctos inimigos politicos é avaliado como tolerante, ao passo que outros lhe chamam intolerante e perseguidor, que estas duas imputações se destroem mutuamente, não podem subsistir; os meus Amigos que julgam, que dando valor nesta Casa ás idéas que tem voga num ou n'outro Jornal lá fóra orgão das idéas exaltadas, julgam melhorar assim a sua popularidade, e fazer á Nação Portugueza um grande serviço inoculando-lhe essas idéas, perdõem-me que lhes advirta que fazem nisto um muito máo serviço, porque em quanto os illustres Deputados se persuadirem, que por uma artificiosa combinação politica, por mais bem pensada que seja, póde melhorar-se uma Sociedade, hão-de sempre enganar-se.

Dizia Franklin — a Reuni muitos homens e tereis a somma de todos os êrros, de todas as paixões, de todos os vicios de que são susceptiveis» — Assim o digo eu: organisar uma Sociedade como quiserdes, se não tractardes de melhorar os elementos de que se compõe, senão fizerdes os homens mais instruidos e melhores, se os não ensinardes a empregar a sua = actividade de modo que não se prejudiquem a si, nem aos outros, por mais combinações que fizerdes, ou inventeis o suffragio universal, ou lhe deis tres Poderes Politicos ou cinco, uma Camara ou duas, ou lhe chameis Republica, ou Monarchia, o resultado será a desordem e a anarchia; não são as fórmas de Governo sómente, que fazem os Povos felizes. Olhem para as Republicas da America Meridional, vejam o que nellas se passa: julgaram que imitando as Instituições dos Estados Unidos, tinham attingido a mesma felicidade; e que fizeram? Hoje estão reduzidas, depois de muitos annos de lucta e de sangue, a entregarem a sua independencia aos Estados Unidos, e a pedirem-lhes que os governe, porque déram a prova mais cabal de que são incapazes para se governarem; é o que acontece a todos o Povos que se deixam seduzir; peço que entendam, que a destruição do Governo é o maior de todos os males que póde vir a uma Sociedade, peço-lhes que se lembrem de que na ordem moral não é facil que aconteça o mesmo que na ordem física; os illustres Deputados estão costumados a vêr que na ordem física da natureza as trevas tem uma hora marcada em que se dissipam, em que são substituidas pelo sol, que alumia e vivifica a natureza, mas na ordem moral não acontece assim: na ordem moral, Sr. Presidente, destroe-se a Sociedade, vem as trevas da anarchia e da desordem, o veo denso que ellas formam, leva ás vezes seculos a dissipar-se, e não ha hora marcada para se tornar ao sol da Ordem, da Lei, e da Liberdade. (Vozes — Muito bem, muito bem. O Orador foi cumprimentado.

O Sr. Silva Cabral: — Sr. Presidente, o illustre Deputado que acabou de fallar disse, em resposta a alguns dos Oradores que o tinham precedido, que elle conservava ainda o mesmo motte, o mesmo emblema nas suas armas, que havia adoptado na Sessão antecedente; não o mostrou assim em toda a marcha do seu Discurso, mas felizmente n'um ponto delle veio com as mais doces palavras lançar a mais forte censura sobre o gabinete que defende, tal é a força da razão, e da consciencia! Disse o illustre Relator da Commissão especial, que aquelles que pediam a reforma eleitoral, não sabiam o que pediam; que os que esperavam que de uma nova Lei viesse a sinceridade da eleição, estavam enganados; e em fim que aquelles que, na hora do perigo, recorriam a concessões, estavam em erradissimo caminho. Applique o illustre Deputado essas suas theses, essas verdades ao Governo que defende; e pergunte-lhe agora no meio da sua familiaridade Ministerial, a razão porque trouxe aqui, não a reforma de uma Lei eleitoral, mas a destruição de um Artigo Constitucional; pergunte-lhe mais porque razão, na occasião do perigo recorreu esse Gabinete a uma concessão daquellas, concessão que a Maioria então julgou conveniente, mas que 36 Deputados sustentando a sinceridade do dogma, declararam injusta, impolitica, e anti-cartista, e como tal inconvenientissima. (Apoiados.) A verdade é côxa, mas apparece; e apparece até pelos mesmos orgãos do Governo, ao qual agora não póde ser suspeita a posição do illustre Deputado. Que dirá a isto o Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros, quando lhe recordarmos as palavras em que para arrancar á Maioria a medida mais inconsiderada, se exprimia assim. — Concedei, concedei, e esperae tres mezes, e isto tudo será salvo!

Vão-se aproximando pela força das boas doutrinas ao verdadeiro campo em que se tem conservado a Opposição; essa Opposição, que não é a radical a que alludiu o Sr. Deputado; mas a que quer só os principios (Apoiados); que quer a rigorosa observancia da Carta Constitucional (Apoiados); que quer a verdade do Systema (Apoiados); que quer a economia em todos os ramos; e que stygmatisará qualquer Ministerio (sem lhe importar as pessoas) aonde houver menos respeito ás Leis, e menos acatamento ás fórmulas constitucionaes (Apoiados).

Tudo o que levo dito não é senão um toque de reminiscencia para o illustre Deputado, que desejo que conserve as suas convicções a tal respeito, até

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porque noto com admiração que a Maioria o apoiara nas verdades que pronunciára, que são o dogma da Opposição cartista: é tambem para o Ministerio ter remorsos do que fez, pois que nem toda a influencia sobre o illustre Relator póde fazer-lhe mudar as convicções; e para os 36 Deputados, lembrando-lhe um acto de coragem, a favor da Carta contra a pertendida conveniencia. (Muitos apoiados.)

Vou entrar na materia. (Silencio profundo na Camara e galerias.)

Sr. Presidente, nas gravissimas circumstancias»em que o Parlamento de 1849 veiu encontrar a Administração do Paiz, desnecessarios, absolutamente desnecessarios são todos os recursos da Oratoria, para fazer sobresair o estado melancolico da miseria publica, e a desgraçada situação da organização do Paiz; fallam por si, e bem alto, os factos de todos os dias, e de cada hora; é na lição severa e imparcial desses factos, e sem necessidade de outro auxilio, que se devem procurar os elementos mais seguros de uma profunda convicção.

A Divina Providencia tem-se dignado preservar-nos até ao presente dos tres mais crueis inimigos do genero humano: da peste, que assola e tem assolado varias cidades da Europa; da fome, que tem atormentado e atormenta ainda a infeliz Irlanda; e da guerra, que tem estendido os seus estragos desde o Guadalquivir até ao Sena, desde o Sena até ao Danúbio: mas em troca disso dispoz a mesma Divina Providencia que á Administração do Paiz presidisse um Ministerio que reunisse em si todos estes flagellos do genero humano. (Hilaridade)

Sr. Presidente, na guerra que este Ministerio principiou a fazer á liberdade de opiniões; no extermínio a que votou os mais santos principios de liberdade, substituindo-lhes a arbitrariedade e a confusão; no desprezo e na miseria a que reduziu os Empregados Publicos, essa classe numerosissima e benemerita da sociedade, tornando-lhes quasi impossivel o honesto exercicio das suas occupações; nisso tudo este Ministerio, repito, fez-se para com o Povo Portuguez o agente officioso dessas tristissimas calamidades. (Apoiados)

Sinto do fundo do coração ser forçado a fazer Opposição a um Gabinete que se diz Cartista. Muitos mezes esperei com os meus Amigos pela emenda dos seus actos; soldado do Partido Moderado, receiava dividi-lo; homem da Ordem, propugnava por um Governo forte; Monarchico por convicção, e juramento, comprehendi que, em face das circumstancias da Europa, era necessario soffrer por algum tempo os excessos que nasceram com o Ministerio, e que tem augmentado n'uma progressão infinita. (Apoiados)

Mas, Sr. Presidente, todos os sacrificios devem ter limites. Quando, por incuria, ou imprevisão, se compromettem os mais santos objectos que todos temos igual obrigação de defender, o silencio que se guardasse, importaria um descredito, e o suicidio politico não seguiria muito de longe a abnegação do dever., (Vozes: — Muito bem.)

É tempo de julgar o passado, e prevenir o futuro. A enfermidade da nossa Patria é sobre modo grave e assustadora para continuar a pertenção de cural-a com safados paliativos: os Auctores dessas applicações empyricas, e a efficacia de seus elixires estão já muito desacreditados para podérem fazer bem á sociedade. A intensidade do mal não soffreu diminuição com os seus repetidos alvitres, tem augmentado, e augmenta de dia para dia: é preciso pois applicar-lhe o conveniente remedio.

Não é o despeito, não; não é a ambição que falla pela minha bocca, e pela dos meus Amigos; é a voz da verdade; é o conhecimento da desgraçada situação do Paiz; é a apreciação dos factos; é a voz da opinião publica que não póde deixar de eccoar nesta casa! (Apoiados.)

Se os Eleitos do Povo não desejam ter os ouvidos surdos á verdade, os olhos cegos á evidencia e notoriedade dos factos; se os Deputados da Nação Portugueza não estão dispostos a abdicar os sentimentos de um coração Portuguez, como estou convencido que não estão, lancem de si esses que procuram prolongar a dor e os soffrimentos da mãi commum; elevem-se á altura das aspirações que o dever lhes aponta, e da missão que o Paiz lhes confiou, e a Patria será salva (Apoiados). Por ventura fomos nós aqui mandados para fazer a côrte ao Podér, ou para fazer Leis justas e sabias, e velar pela sua observancia? Somos nós emissarios do Ministerio, ou Deputados e Representantes do Paiz? Devemos obedecer ás prescripções solemnes do nosso mandato, ou andar atrellados ao carro Ministerial, embora vejamos o pricipicio diante dos olhos? Qual é, devemos perguntar á nossa consciencia, qual é a vida preterita do Ministerio, para que possa pertender o nosso apoio quanto a actos governamentaes do futuro? A Carta, as Leis foram por elle observadas, e respeitadas? As sanctas prescripções da Moral, foram a norma do seu procedimento? A justiça, a economia e a igualdade foram acatadas no interior? Foi no exterior mantida devidamente a dignidade da Nação

Não me anteciparei a dar desde já um juizo definitivo sobre cada uma d'estas importantes questões; lanço-as ao seio da Camara electiva, porque quero friamente, e com placidez, discutil-as perante o Parlamento, e perante o Paiz; mas, depois de me ouvirem, hei-de pedir á consciencia mais timorata e escrupulosa, da propria Maioria que seja ella mesma o Juiz dos actos do Ministerio; tanta é a segurança que eu tenho nas provas de má gerencia governativa, que eu vou offerecer á Nação!

Sr. Presidente, nas relações exteriores, tem sido qualidade constante da Politica do Gabinete, a imprevisão, o desleixo e o desacerto. Nos actos da Politica interna não me é possivel mesmo achar os lermos proprios para exprimir devidamente a serie de erros, que tem caracterisado a gerencia do Gabinete. A Carta tem sido posta de parte ou violada; as Leis mais claras teem sido sofismadas: foi completamente illudido o pensamento do Parlamento e cabalmente frustrada a justa expectativa da Nação inteira, e essa confiança que, para remedio de seus males, tinha pôsto nos trabalhos do Parlament!.. Se todos esses actos agrupados podem ser decifrados por um nome, eu posso sentil-o, mas os meus labios recusam-se a pronuncial-o. (Voes: — Muito bem).

Sr. Presidente, a revolução Franceza destruiu o Throno de Luiz Pilippe, em Fevereiro preterito; esse Monarcha que tinha conservado pelo decurso de 18 annos nas suas mãos a balança da paz Europea, viu

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em algumas horas cair o seu Throno diante do tufão revolucionario de París! A Europa inteira resentiu-se, como era natural, deste acontecimento tão inesperado como extraordinario. Todos os Governos deram as suas providencias tractando de se acautelar no interior, com todas as medidas de que podiam dispor, e prevenindo os seus Representantes nas differentes Côrtes Estrangeiras. E Portugal o que fez nesta crise melindrosa! Mandou para Madrid um noviço em Diplomacia, que, por grandes que fossem os seus conhecimentos, que não é minha intenção contestar neste logar, nem tinha a importancia politica que as circumstancias requeriam, nem tão pouco a experiencia sempre util, mas nestas circumstancias absolutamente indispensaveis. O Governo reconheceu a precipitação desse passo, quiz emenda-lo, e como? Mandando-lhe para acessor outro Cavalheiro despachado Encarregado dos Negocios da Suecia; e um e outro, apesar da urgencia das circumstancias, não poderam partir senão muito tarde pela falta de promptificação dos meios respectivos, emquanto despezas desnecessarias, illicitas e extra-legaes, como hei de mostrar, teem sempre achado a mais forte condescendencia no Gabinete actual. (Sensação).

O Ministerio, tractando das relações anteriores, explica-se pela maneira que vou lêr (Leu).

«Em virtude de taes occorrencias, é de recear que se demore a solução de negociações pendentes, reclamadas pelo bem espiritual dos Povos, e pelo interesse da Corôa; entretanto tenho a satisfação de vos annunciar, que de proximo se haviam tomado, de commum accordo com a Sancta Sé, algumas resoluções adequadas a promover o bem-estar religioso dos Subditos Portuguezes, das quaes opportunamente vos dará conta o Meu Governo.»

Por menos que se queira reflectir nas palavras deste paragrafo vê-se que nelle se tractam duas especies de negociações; umas pendentes, mas suspensas, em consequencia dos acontecimentos de Roma, e da saída do Summo Pontifice para Gaeta, outras consumadas pelo mutuo accordo das Altas Partes Contractantes, que são a Corôa Portugueza, e o Summo Pontifice. Não podendo eu entrar por agora na analyse da conveniencia ou inconveniencia das negociações pendentes, porque ainda não são conhecidas da Camara, seja-me comtudo permittido dizer, que a julgar pelo que o Ministerio tem feito, eu presumo com razão, que ellas não irão muito além daquellas de que fazia menção o Barão da Venda da Cruz, no seu officio de 17 de Novembro, datado de Gaeta; quero fallar da confirmação do Bispo de Cabo Verde, e a esse respeito já o Ministerio póde estar satisfeito, porque estão preenchidas as suas instrucções (Hilaridade). E na realidade para admirar, Sr. Presidente, que, quando se tractava de acontecimentos tão graves como aquelles que se passavam em roda do Chefe da Igreja, se nos viesse fallar, como cousa importante, na confirmação do Bispo de Cabo Verde!... (Sensação) Mas, sejam essas ou sejam outras mais ponderosas as negociações pendentes, como, digo, ellas não são ainda conhecidas da Camara, eu as deixo com toda a vontade no fundo da boceta Ministerial, (Riso) para passar a occupar-me das negociações que se dizem consumadas; lançando algumas breves reflexões, em quanto o posso fazer, sobre a sua marcha practica.

Sr. Presidente, a Corôa Portugueza não pedia tractar, nem de certo tractou com a Corte de Roma outros objectos senão dos da jurisdicção mixta, isto é, da competencia do Sacerdocio e do Imperio: a esta especie de convenções chamam os usos diplomaticos Concordata.

Diz-se que a Concordata de que se tracta (e que o Ministerio nos apresentou debaixo do modesto nome Convenção) tem por objecto a renovação da Bulla da Crusada, e regular outros objectos attinentes a este ponto. Diz-se mais que tracta igualmente de definir alguns ponto» (se não destruir) relativos ao Padroado da India. Sendo estes objectos de si mesmo gravissimos, não podendo eu discorrer em hypotheses, e tendo o Governo promettido trazer a respeito d'elles os necessarios documentos ao Parlamento (e já cá deviam estar para nós podermos avaliar devidamente a este respeito a Politica do Ministerio) reservo, para quando esses documentos forem apresentados, o analysar a conveniencia ou inconveniencia do modo, porque foi dirigida essa Negociação; se bem que devo dizer com a franqueza a que não sei faltar, que a fama e a voz do Publico ajuisam já muito desfavoravelmente da marcha dessa Negociação. A falta porém dos documentos não obstará a que eu tracte (como acabei de dizer) de considerar um ponto tão importante, desde já, na fórma pratica, porque o Ministerio, áquem unicamente me dirijo, conduziu esta questão.

Se é certo que existe essa Concordata, como devo deduzir da Falla do Throno; se é exacto que essa Concordata tem por objecto a renovação da Bulla da Crusada, como se diz geralmente; e é um facto que nella se regularam cousas attinentes ao Padroado da India, como tambem se esperava; que nella se estabeleceu uma especie de feudo ou tributo da Corôa Portugueza para a fabrica de S. Pedro, como tambem se refere, pergunto eu, está convencido o Ministerio de que em pontos tão graves se podia dirigir sem o concurso de outros Corpos Politicos, concurso exigido pela Lei Fundamental do Estado? Não é expresso na Carta Constitucional, art. 110.º, que o Conselho de Estado será ouvido sobre os objectos graves, medidas geraes de Publica Administração, e principalmente sobre ajustes de Paz, declarações de Guerra e quaesquer Negociações com as Potencias Estrangeiras? Pergunto, cumpriu o Ministerio este dever? E não o cumprindo, não temos direito de dizer que foi infractor da Carta Constitucional?

Determinando o Decreto de 16 de Julho de 1845, Lei pelo sacramento de auctorisação e votação de Camara, determinando no art. 22.º n.º 10 em desenvolvimento daquelle art. 110.º da Carta Constitucional, Que o Conselho de Estado será ouvido sobre as Negociações de Commercio e Navegação, sobre Concordata ou outras quaesquer Negociações feitas com as Potencias Estrangeiras «perguntarei eu, repito, estava o Ministerio no Paiz, ou fóra delle, para deixar de cumprir uma obrigação tão clara?

Mas o Governo não faltou só aos seus deveres para com aquelle permanente auxiliar do Poder Moderador, faltou tambem aos que lhe impunha a Carta para com o Poder Legislativo, e faltou ao cumprimento das suas proprias attribuições como Governo. O Ministerio não podia, sem offender o art. 15, § 8 e 13 da Carta Constitucional, tractar de objectos taes como aquelles que dizem ter tractado na Con-

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cordata, sem vir primeiramente ao Poder Legislativo buscar auctorisação. O Ministerio tinha nas suas proprias attribuições a regra, pela qual se havia de dirigir, e igualmente se esqueceu dessas attribuições. O art. 75, § 14 da Carta Constitucional diz — Que ao Podeér Executivo compete conceder Beneplacitos aos Decretos dos Concilios e Letras Apostolicas, e quaesquer outras Constituições Ecclesiasticas, uma vez que — 1.º não sejam contrarias á Carta Constitucional — 2.º que contendo providencias geraes, preceda a auctorisação das Côrtes — isto é, não quer que a auctorisação das Côrtes seja subsequente, quer que preceda. Pergunto ao Governo, satisfez a este preceito de todas as Leis vigentes, e da Lei das Leis, a Carta Constitucional, vindo informar o Parlamento de um objecto tão importante como este? Qual é pois a conclusão que se póde deduzir de todos estes artigos das Leis, e disposições da Carta Constitucional? É que, dada a verdade da hypothese que se tracta, sendo verdadeiros os artigos da Convenção tal qual se referem, existe flagrantissima violação da Carta Constitucional, e uma contravenção ás Leis.

O Ministerio diz mais (Leu)

Igualmente vos será apresentado o que se convencionou com o Imperio do Brazil, a fim de estabelecer a justa reciprocidade dos direitos de Navegação, fundados na mutua conveniencia de ambos os paizes.»

Sr. Presidente, eu não tinha duvida em responder sobre este ponto, como respondeu a illustre Commissão da Resposta ao Discurso da Corôa, isto é, com a evasiva e a esperança; reservando-me para dar o meu juizo sobre este ponto, quando pelo Governo forem apresentados os respectivos documentos. O que eu entendo porém é, que o Ministerio deu demasiado vulto ao negocio, fazendo-o figurar no Discurso da Corôa, com o nome de Convenção sobre a Navegação.

Não nego que, nos termos de Direito Internacional, a troca de duas Notas, quando se verificam os essenciaes requisitos, objecto, accordo, e poderes, se póde denominar, Convenção; mas ninguem dirá, que, quando esse accordo e resultado da execução de uma Lei sem addiccionamento de nova obrigação, se possa forçar a entrar na nomenclatura politica do § 8.º do art. 75 da Carta Constitucional.

E preciso que a Commissão saiba o que verdadeiramente é este negocio, para poder avaliar devidamente o valor das palavras do Ministerio a similhante respeito. Os nossos navios, em virtude do Tractado de 29 de Agosto de 185, e outras Convenções posteriores, eram e foram sempre considerados no Brazil, como navios nacionaes. O Governo do Brazil, em virtude dos principios de reciprocidade, entendeu que devia exigir o mesmo para os navios Brasileiros; instou, por consequencia, e tornou a instar sobre este ponto, e nunca achou deferimento do Ministerio Portuguez; até que, em 1847, um pouco anterior á entrada do actual Ministerio no Gabinete, o Governo não podendo já apresentar evasivas sobre o negocio, disse, que as Leis das Pautas se oppunham, que nestas Leis tinha passado, é verdade, por desapercebido, por diminuto o direito de tonelagem lançado aos navios Brasileiros; mas que esse mal se havia de remediar: nada mais porém se providenciou.

Nesta conjunctura o Governo do Brazil intendeu que devia providenciar por si sobre este negocio; e, em consequencia disto, pelo Decreto do 1.º de Outubro de 1847, promulgado em virtude da auctorisação, que havia recebido do Parlamento, determinou no art. 5.º que ficassem sujeitos a direitos differenciaes os navios de todas as Nações, nas quaes m navios brazileiros pagassem iguaes direitos, e marcou um praso para a execução desta providencia. O nosso Ministro do Brazil vendo o alcance do Decreto, avisou como era natural, o Governo Portuguez deste negocio, é o Governo que não tinha achado justiça neste ponto até então, no fim de 1847 decidiu este negocio favoravelmente, mandando ordens não só ao Ministerio da Marinha, mas á Alfandega para que os navios; Brazileiros fôssem tractados como até então o não tinham sido. Mandou tambem dizer ao nosso Ministro no Brazil, que estava satisfeita a materia do art. 5.º Em virtude disto aquelle nosso Diplomata passou uma Nota ao Ministro Brazileiro Limpo de Abreu, pedindo que declarasse em execução para com os navios Portuguezes o art. 5.º do citado Decreto; o Ministro dos Negocios Estrangeiros do Brazil disse quê ficava sciente, e que já mandava passar as ordens competentes. Aqui está a que se chama um» Convenção de Navegação, e o que mereceu as honras de ser incluido no Discurso da Corôa. Isso que é prova da negligencia do Ministerio, d'uma negligencia, que podia acarretar inconvenientes e males sobre a navegação Portugueza, e que não foi emendada, senão quando a ferula da retaliação foi empunhada; isso em que se não marchou como cumpria, pelo caminho da justiça, franca intelligencia, e mutua confiança; é disso que o Ministerio intendeu, á falta de outros verdadeiros, fazer um titulo de gloria.

O cumprimento e execução d'uma Lei nunca se póde chamar uma Convenção de Navegação; mas o Ministerio que na minha opinião marcha em tudo com manifesto desacerto, quiz até da negligencia ministerial fazer um paragrafo monumental no Discurso da Corôa.

Este objecto pois longe de ser de glorificação para o Ministerio, deve ser perante a Camara, e o Paiz objecto de accusação, ou censura (Apoiados).

Por este modo é bem de esperar que antes de encerrar-se a actual Sessão Legislativa, tenhamos de receber a feliz nova de uma Convenção, que — quem sabe? — Recebêra o nome de Postal, porque não sendo possivel ter-se perdido a lembrança da Lei do 1.º de Julho do anno preterito sobre portes de Jornaes; e sendo provavel que o nosso Ministro no Brazil se tenha lembrado de pedir para os Jornaes Portuguezes a execução cio art. 5.º do supracitado Decreto do 1.º de Outubro, á maneira do que a Inglaterra conseguiu para os seus Jornaes não obstante a desproporção entre estes, e os do Brazil é claro que pela theoria do Ministerio; no Discurso da Corôa, teremos nesse simplicissimo acto uma Contenção Diplomatica, que desafie especial menção (Riso). Não importa, que isso seja uma consequencia daquelle Decreto, e da Lei acima mencionada: o Ministerio insiste em que se chame Convenção; nada mais é necessario (Apoiados, apoiados).

Mas, Sr. Presidente, para que é pejar o Discurso da Corôa com estas minudencia? Acaso a querer-se locar n'outros pontos de negociações Externas, não haveria objectos mais importantes? Não poderia fallar-se mais a respeito dos nossos, que devessem pela

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sua gravidade, e possiveis consequencias attrair especialmente a attenção do Governo? Não o reclamariam as regras de reciproca civilidade, e politica confraternidade, e não haveria outros em que se correspondesse ao chamamento do Ministerio Brasileiro, procurando esclarecer não sómente este Paiz, mas o Brasil sobre o estado desses pontos controvessos, que os documentos officiaes, e os periodicos mostram ter existido, existirem ainda entre as duas Nações? Porque razão foi declarada pelo Governo Brazileiro, suspensa a execução do art. 3.º da Convenção Addicional no Tractado de 27 de Agosto de 182»?.... Não fez esta materia objecto da Falla do Throno daquelle Imperio ás Côrtes reunidas em 22 de Maio do anno passado? Não se declarou caduco esse artigo em todos os seus pontos? Não se accrescentou alli, que em razão de ter cessado a Convenção, o Governo Brasileiro tinha mandado suspender os pagamentos ao Commissario e Secretario da Commissão Mixta, ficando por consequencia inutil o pessoal Portuguez da mesma Commissão? E o objecto da busca e registo, que os Cruzeiros dos mares de Angola pertendem exercer sobre os navios Brasileiros, fóra da distancia da cortezia, não seria ainda outro assumpto importante? Não fez o primeiro objecto da Falla do Throno, como o segundo fez parte do Relatorio apresentado ás Côrtes pelo Ministro dos Negocios do imperio, Limpo de Abreu?! Mas que admira, se nem foi para o Ministerio objecto importante fazer menção no Discurso do Throno desses assassinatos, dessas atrocidades, desses espancamentos, que foram praticados em varios pontos do Brasil, contra os nossos Irmãos alli residentes!!... Foi necessario que a Commissão viesse lembrar este sentimento de confraternidade para que o Ministerio accordasse do seu profundo lethargo; e esta lembrança por mais explicações, que deem, constitue a censura mais grave, que uma Commissão póde dirigir a uma Governo que apoia! (Vozes: — Não, não; é verdade, é verdade.) Já se vê, pois, Sr. Presidente, que está demonstrada a proposição ha pouco por mim estabelecida; a saber: que nas relações externas tinha sido qualidade constante da Politica do Gabinete actual, a imprevisão, o desacerto e o desleixo. (Apoiados)

Porém se a Politica externa tem sido ou nulla ou demasiada, a Politica interna ainda se apresenta com aspecto mais lúgubre e ameaçador! Em todos os actos da administração interior tem-se introduzido do modo mais escandaloso, a anarchia é a desordem! Sr. Presidente, a machina social marcha, porque o movimento e acção é inherente a estes Corpos. Anda, porque não póde deixar de andar; mas o seu caminho não é para a ordem, não é para a organisação, não é para a economia; é para a miseria, é para a desorganisação, é para o anniquillamento do Systema Constitucional, pelo abandono dos principios mais santos da Liberdade, do brio e pundonor que formam o caracter dos Governos Constitucionaes, e sem o quid estes, em vez de serem uteis ao bem-estar dós Povos, concorrendo para o desenvolvimento dos seus melhoramentos, tornam-se um foco de intrigas mesquinhas, de enredos, e mexericos (Apoiados numerosos).

Por muito excellentes que sejam as qualidades dos Ministros, e grandes que fossem os seus recursos intellectuaes, a sua administração já não póde fazer bem ao Paiz; porque não cabe nas suas faculdades, nem no poder d'alguem, auctorisar as medidas que emanarem de tal administração. O desengano e um fortissimo reagente contra os improvisos, especialmente em finanças; e a época que tem decorrido desde o encerramento da ultima Sessão até á abertura desta, fez conhecer muita incapacidade, muita incuria, e muita arbitrariedade. (Apoiados).

O Ministerio diz-nos no Discurso do Throno que a Carta foi religiosamente guardada, que os direitos individuaes dos Cidadãos, garantidos na Carta, estiveram em plenissima observancia; diz que as Leis que sairam deste Parlamento, foram exactamente executadas, e accrescenta com certa vangloria que dará conta ás Côrtes da execução dessas Leis!

Não sei o que admire mais nesta proposição; se a falta de memoria do Ministerio, se o valor e coragem hercúlea com que lança na Camara, á face da Nação, uma asserção de similhante natureza!! A Carta religiosamente guardada!!..... Como, Sr. Presidente? Pois não acabei eu de demonstrar que o Ministerio violou a Carta, servindo-lhe de corpo de delicto actos, de que dá conhecimento ao Parlamento? A Carta religiosamente guardada! Como, Sr. Presidente?? Como se póde asseverar isto á vista dos factos de que o Ministerio deve ter sciencia e consciencia? Não dispõe o art. 15 da Carta no § 74, que só ás Côrtes compete crear empregos e estabelecer-lhes ordenados? Este preceito, principalmente na segunda parte, é ligado com a theoria da exclusiva competencia das Côrtes para a imposição dos tributos, e intendo que é uma das de maior importancia para o Governo Representativo. Ora perguntarei eu, muito friamente, para que o Ministerio possa tomar notas, e se explique sobre tão grave assumpto.....será verdade que por Decreto de 7 de Novembro de 1846, se deu a uma Notabilidade um ordenado de 1.600$000 réis, creio que a titulo de uma Commissão? Será verdade que este ordenado continuou a cobrar-se até Agosto de 1848? Será verdade que essa Notabilidade era um Deputado, e que não obstante estar aqui exercendo as suas funcções recebêra os seus ordenados pela Agencia de Londres? (Movimentos de admiração) Será verdade que depois de Agosto de 1848 se mandou continuar a pagar a este empregado o mesmo ordenado a titulo de Presidente da Commissão do Cadastro? Será verdade não existir Lei alguma que permitta similhante acto? (Apoiados).

E note-se, Sr. Presidente, que eu não questiono aqui as qualidades e merito désse empregada. São para mim respeitaveis as pessoas e as qualidades; mas a minha questão não á com o empregado, cujos merecimentos avalio, é com o Ministerio; porque quanto maior é a elevação da pessoa, a respeito da qual se commettem estes actos illegaes, tanto mais actua na moralidade e na desvirtuação do Systema Constitucional. A Fazenda Publica não é espolio de ninguem, é da communidade Portugueza: — quem não tem força para resistir aos grandes, e aos seus afilhados, não é capaz de governar nem os grandes nem os pequenos (Apoiados. — Vogues: — Isso é que é verdade).

O Sr. Avila; — Sr. Presidente, peço a palavra sobre a materia, mas se me não chegar, peço-a para uma Explicação pessoal, importante.

O Orador: — Mas, Sr. Presidente, não é preciso

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saír do mesmo Ministerio; dentro delle ha infracções tão importantes como esta. Houve uma Lei, ou um Decreto depois convertido em Lei, que é o Decreto de 30 de Julho de 1844, o qual prohibiu a accumulação de qualquer ordenado; nelle fez-se só uma excepção, a qual era relativa a duas pensões, uma do nobre Duque da Terceira, e a outra de um Cavalheiro que viveu sempre e heroicamente no gremio Cartista, e nelle morreu, e era o Sr. Visconde da Seria do Pillar. Este Decreto foi confirmado, como V. Ex.ª e toda a Camara sabe, pela Lei de 29 de Novembro de 1841. Muitas outras Leis não só anteriores, mas posteriores a elle, consagram o mesmo principio; e hoje suppunha-se regra invariavel, até porque devia intender-se que não haveria coragem para tanto, mas não obstante isto, que é o que o Ministerio praticou?.... Sr. Presidente, em Novembro passava-se pelo Ministerio dos Negocios Estrangeiros a Ordem de Credito n.º 44, pela qual se mandava pagar ao Marechal Saldanha, como Ministro Plenipotenciario de Sua Magestade Fidelissima, junto á Côrte de Madrid, o primeiro quartel do anno de 1848, importante na quantia de um conto trezentos dezóito mil o noventa réis, quando este mesmo Cavalheiro tinha recebido já os mesmos meses como Marechal do Exercito a razão de dois contos e quatrocentos mil réis de soldo, além de quatrocentos mil réis de forragens. Pergunto eu, pode-la isto actuar ou não na moralidade publica? Se um Empregado de uma Repartição fizesse o mesmo, que acção teria o Ministro para o reprehender; que acção tinha para o excluir da Folha? (Signaes de profunda sensasão.)

Eu intendo que não é possivel governar assim o Paiz. Quando eu fui Membro do Tribuna) do Thesouro achei alli algumas irregularidades semilhantes a respeito de altos ordenados; o meu primeiro empenho foi manda-los riscar da Folha: tenho ao meu lado esquerdo o meu nobre Amigo e Collega que póde prestar testimunho. (O Sr. Agostinho Albano: — É verdade, é verdade.) A minha regra invariavel nestes casos é não reconhecer amigo, nem inimigo; fazer justiça é a primeira obrigação; favor sómente quando não compromette a justiça. Não sei se por ter praticado esses actos de imparcialidade com os amigos, e inimigos, terei promovido alguns odios contra mim, creio que sim; mas, seguro da minha consciencia, e da rectidão das minhas intenções, hei-de affrontar toda essa tempestade, porque a verdade tem mais força do que as paixões. (Muitos apoiados. — Uma voz — Deu a hora.)

O Orador: — Se deu a hora, não continuarei hoje, porque nem uma terça parte tenho dito do que projecto dizer.

O Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros: — Sr. Presidente, eu preciso fazer uma declaração.

O Orador: — Sr. Presidente, se o Sr. Ministro quer fazer alguma declaração para interromper-me, então eu continuo, ainda que seja até á meia noite.

O Sr. Presidente: — Segundo os precedentes da Camara, logo que da a hora, se o Deputado que falla, não póde continuar, fica-lhe reservada a palavra para a Sessão seguinte; entretanto se o Sr. Deputado quer progredir em seu Discurso, póde faze-lo, sem necessidade de consultar a Camara para prorogação.

O Sr. Silva Cabral: — Eu peço a V. Ex.ª licença para usar do mesmo direito, que tem usado os outros Srs. Deputados.

O Sr. Presidente: — Fica por tanto reservada a palavra ao Sr. Deputado para a Sessão immediata. A Ordem do Dia para a Sessão seguinte é a continuação da mesma discussão. Está levantada a Sessão. — Eram mais de quatro horas da tarde.

O 1.º Redactor,

J. B. GASTÃO.

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