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N.º 13. Sessão em 17 de Janeiro 1849.

Presidencia do Sr. Rebello Cabral.

Chamada — Presentes 50 Srs. Deputados.

Abertura — Á meia hora depois do meio dia.

Acta — Approvada sem discussão.

O Sr. Presidente: — Sobre a Mesa não ha correspondencia alguma; ignoro com tudo se no intervallo da Sessão de hontem para a de hoje o Sr. Primeiro Secretario tem alguma correspondencia em seu poder; como ainda não está presente o Sr. Secretario, depois a Mesa dará conta do que houver.

O Sr. Avila: — Sr. Presidente, no Discurso que fez hontem o ultimo Orador que fallou sobre a Resposta ao Discurso da Corôa, citaram-se factos que me dizem respeito com a maior inexactidão: eu pedi immediatamente a palavra a V. Ex.ª sobre a materia, e a pedi egualmente para dar uma Explicação pessoal no caso que me não chegasse a palavra; entretanto a minha intenção era requerer á Camara que antes de se fechar a Sessão me permittisse rectificar as asserções do illustre Deputado; mas como o Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros pertendendo o mesmo não o pôde obter, e o nobre Deputado teve a pouca generosidade de se oppôr a que S. Ex.ª desse uma Explicação, que julgava necessaria; falta de generosidade que não tem havido para com o nobre Deputado, pois que S. Ex.ª em Discursos que aqui se tem proferido, e mesmo em Discursos pronunciados por mim tem-me interrompido, e eu tenho consentido que S. Ex.ª explique o sentido de uma ou outra frase: neste caso, Sr. Presidente, e vendo eu, que a hora estava adiantada, e a Camara fatigada, não quiz fazer o meu Requerimento; mas faço-o agora, para pedir a V. Ex.ª, que certamente não póde deixar de cumprir o Regimento, que pergunte á Camara, se me permitte que dê a minha Explicação antes que se entre na Ordem do Dia; e lembrarei á Camara que ella pela sua propria dignidade, não póde consentir que um dos seus Membros em uma occasião em que é tão violentamente atacado, fique debaixo da influencia de uma asserção que ataca a sua honra e melindre; a Camara não póde sem desconhecer a sua propria dignidade consentir que um dos seus Membros fique debaixo do

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pêso dessa imputação. Espero por consequencia da justiça da Camara, que defira ao meu Requerimento, e desde já declaro a Camara que sem embargo de que as explicações em que entrarei me levarão algum tempo, farei tudo quanto poder para ser breve: o meu fim é provar que a accusação que se pertende intentar ao Governo, tanto aos Srs. Ministros actuaes, como ao Ministerio, que me encarregou de uma, Commissão, que aqui se chamou emprego; a minha obrigação consiste em demonstrar que esses factos foram descriptos com summa inexactidão pelo nobre Orador, que conhecia perfeitamente bem que assim se não tinham elles passado, e eu ainda que não tenha a responsabilidade de nenhum desses actos, entendo comtudo que pela minha posição especial, pela minha situação de Representante da Nação, era egualmente criminoso, se por ventura tivesse consentido que a Carta, pela manutenção da qual eu devo velar, tivesse sido violada, e violada em proveito meu.

Ora, Sr. Presidente, a necessidade desta Explicação ganha mais força em vista da maneira por que o Discurso do illustre Deputado foi extractado pelos Jornaes; talvez o nobre Deputado tivesse dicto as cousas que em alguns Jornaes são referidas a S. Ex.ª eu não as ouvi: os Jornaes dizem que o illustre Deputado asseverara que eu accumulava o subsidio de Deputado com o vencimento, que tinha pela Commissão, e que eu recebo esse vencimento com um cambio tão vantajoso que tenho recebido o dobro: ambos os factos não são verdadeiros, são completamente falsos, torno a repetir.

Sr. Presidente, eu peço a V. Ex.ª a graça de consultar a Camara, e peço á Camara que permitta que eu de a minha Explicação, antes que se entre na Ordem do dia: julgo que mereço á Camara esta benevolencia.

O Sr. Presidente: — O Sr. Deputado tinha hontem pedido a palavra sobre a materia com a declaração, de que não lhe chegando a palavra para esse fim, a reservava para uma Explicação pessoal: o illustre Deputado sabe que as Explicações pessoaes estão prohibidas pelo Regimento, disposição 8.ª; mas na mesma disposição se declara que quando por algum caso extraordinario se permittam as Explicações, sómente terão logar na hora da prorogação da Sessão. No presente caso, além desta disposição regimental relativa ás Explicações na hora da prorogação, ha a especialidade de ainda não haver concluido o seu Discurso o illustre Deputado que estava fallando: por consequencia se o illustre Deputado quer que eu consulte a Camara, não só para que lhe conceda desde já a palavra, mas para que se alteie a practica estabelecida com referencia a esses factos que acabo de enunciar, não tenho duvída nenhuma, e a Camara ha de ser Juiz. Mas observo ao illustre Deputado que em quanto a referencias a Jornaes, desejava que nunca se fizessem nesta Casa. Em alguns Jornaes ha parcialidade no modo de ver as cousas, e a Meza, se désse attenção ao que alguns têem] escripto, dizendo que ella e parcial na contagem dos votos, tambem teria de se queixar; porém a Meza não quer conhecer isso que se passa lá fóra, porque aqui pertence só o que é desta Casa. Portanto peço ao illustre Deputado que diga se quer que eu consulte a Camara sobre se dispensa o Regimento para os dois casos, quero dizer, não só para ter logar já a Explicação, mas mesmo para a poder dar, visto ser pessoal.

O Sr. Avila: — Pedirei licença a V. Ex.ª para fazer uma unica consideração: eu não dou muita importancia as injustiças, de que possa ser victima por parte dos Jornaes; mas V. Ex.ª e a Camara convirão em que, quando as injustiças são deste genero, eu, Sr. Presidente, seria altamente criminoso se não aproveitasse a minha situação, o logar que tenho nesta Camara, para as repellir; a situação é muito diversa; eu peço a V. Ex.ª que a avalie bem, e peço á Camara que a avalie igualmente.

O Sr. Presidente: — A Camara ouviu o que disse o illustre Deputado: o seu pedido reduz-se a dispensado Regimento para ter logar a sua Explicação pessoal desde já; por consequencia a dispensa tem duas partes, a primeira é a dispensa do Regimento para ter logar a Explicação pessoal: os Srs. concedem...

O Sr. Jeronymo José de Mello: — Eu peço a palavra sobre a Ordem.

O Sr. Presidente: — Sobre este objecto não costuma haver discussão: concede se ou não se concede a dispensa

O Sr. Jeronymo José de Melo: — Era só sobre o modo, porque V. Ex.ª quer propôr.

(Algum outros Srs. Deputados pediram tambem a palavra)

O Sr. Presidente: — A votação é sobre a dispensa do Regimento, não só para se permittir uma Explicação pessoal, mas para que possa ter logar desde já; são por consequencia duas dispensas. Torno a dizer: o Regimento não permitte nenhuma Explicação pessoal, proscreveu-as, só as permitte no caso de urgencia, e ainda assim só na hora da prorogação: por tanto ha a dispensar o Regimento, primeiro para ter logar a Explicação pessoal, e em segundo logar para se verificar desde já e com interrupção do Discurso do illustre Deputado que está fallando; porém como alguns Srs. Deputados pediram a palavra para fallar sobre este objecto, começo propondo á Camara, se admitte á discussão a Proposta do Sr. Avila.

Foi admittida

O Sr. Jeronymo José de Mello: — Sr. Presidente, eu tambem entendo que se dispense nesta parte o Regimento, fazendo-se a concessão que o illustre Deputado pede. O illustre Deputado não pediu, fundado no Regimento, a palavra para explicar; pediu que se dispensasse o Regimento, e é a fallar a verdade um caso tão grave e importante, que eu entendo que se deve dispensar; mas limitando-se o nobre Deputado unicamente ao facto que lhe diz respeito. Na verdade desde hontem pésa sobre S. Ex.ª uma gravissima accusação, porque se diz que foi violada a Carta, e que foi violada a Carta por causa do illustre Deputado: ora isto dicto a um homem que occupa um logar eminente no Estado, e um logar nesta Camara, é uma accusação mui forte, e a esta accusação a defeza deve ser immediata, porque quanto mais tempo mediar entre a accusação e a defeza, tanto mais enfraquece esta, porque póde até suppor-se que foi estudada a resposta. Entendo portanto que é justo conceder se a Explicação para um caso tão grave como este, mas que seja limitada unicamente ao facto que se refere a S. Ex.ª

O Sr. Gorjão Henriques: — Pedi a palavra, quando V. Ex.ª propunha á votação a Proposta nos seus difficientes artigos sobre que se ía votar, para dizer

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que me parece que devia haver tres votações; primeira — se se dispensada o Regimento, permittindo-se Explicações pessoaes; segunda — se se dispensava o Regimento quanto ao tempo em que são permittidas essas Explicações; e que se devia addiccionar a estas Propostas uma outra: se se devia permittir que um Deputado désse uma Explicação interrompendo o Discurso de um Orador: esta alteração, quanto a mim, é a mais flagrante, porque hontem a Gamara não o consentiu a respeito do Sr..Ministro dos Negocios Estrangeiros, e portanto parece-me que é mudar de practica, o entender hoje outra cousa. Preciso prevenir qual será o meu voto a respeito dos dois primeiros quisitos, declarar comtudo desde já que não entendo que esteja na forca a honra do Sr. Deputado, e que seja necessario ir livral-a desde já dessa posição, interrompendo um Discurso do dador, que poderá levar duas horas, duas e meia ou tres horas. O Publico faz toda a justiça ao illustre Deputado, e de cesto máo hesita em espetar que S. Ex.ª poderá desfazer as arguições que lhe são feitas. Portanto parece-me que uma excepção contra o practicado, e negado hontem, não é do decoto desta Camara concedel-a.

Quanto ao terceiro quisito, entendo que se deve submetter á approvação da Camara.

O Sr. Silva Cabral: — Sr. Presidente, já se vê qual é a minha posição especial neste negocio, já se vê que qualquer que seja a minha opinião a respeito do Regimento, havia de implorar a V. Ex.ª e á Camara que concedessem a licença que o illustre Deputado pede. Entendo que o passo que se vai dar sobre este importante negocio, é gravissimo para o andamento dos trabalhos da Camara; a minha opinião pois, em vista das disposições do Regimento, em vista das consequencias funestas que podem seguir-se, admittido um tal precedente, não póde deixar de ser «outra a admissão. Mas quando eu vejo o illustre Deputado tão empenhado em estabelecer o contrario de um facto que julgo na minha consciencia ser exactissimo, e que o illustre Deputado com toda a sua eloquencia não ha de destruir, no sentido em que eu o apresentei, porque seria preciso dar-lhe uma nova fórma differente daquela em que eu o apresentei para se poder desviar á responsabilidade, não posso de maneira nenhuma deixar de implorar a V. Ex.ª e á Camara que conceda ao illustre Deputado a licença pedida.

Sr. Presidente, não me importa o que dizem os Jornaes; o facto que eu estabeleci, torno a estabelece lo para o Sr. Deputado melhor o poder desfazer. — É verdade (e é exactamente o estylo em que eu o apresentei) é verdade que por um Decreto de 7 de Novembro de 1846 se estabeleceu ao illustre Deputado uma quantia, chame-se-lhe ordenado, ou o que quizer, uma quantia saida do Thesouro de um conto e seiscentos mil réis, é titulo de uma Commissão? Eu podia dizer mais alguma cousa, porque podia dizer que o motivo porque se deu ao illustre Deputado esta quantia, não foi o ostensivo da Commissão, foi por pie tendo sido demittido do Tribunal de Contas, em consequencia dos acontecimentos de Novembro, o quizeram por essa maneira fazer sair do Paiz; essa é que é a verdade do facto, que não póde de maneira nenhuma contestar. Accrescente mais. — É verdade que o illustre Deputado depois de estar aqui e uno Deputado, continuou a vencer esse ordenado

A respeito do cambio não disse cousa alguma, disse só, e puz em duvida se o tinha recebido como os Empregados do Paiz, ou se o tinha recebido pelo cambio de Londres a par dos Diplomaticos; mas que sobre este ponto não podia dizer nada, porque effectivamente não tinha uma precisa informação, como tenho a respeito dos outros factos.

Accrescentei ainda que o illustre Deputado, não obstante a Lei de 23 de Agosto, continuou (e é este facto o que diz relação ao actual Governo), a receber este ordenado, mandado continuar por este Ministerio. Por consequencia o facto diz relação ao antigo Ministerio na providencia, e diz relação a estar na continuação. Estes são os factos que eu apresentei; porque das convicções que tenho, á vista de factos que mencionei, as consequencias não são outras.

Por consequencia eu fiz justiça ao merecimento do illustre Deputado, e ás suas qualidades, mas o facto existia, não podia deixar de ser examinado por mim; porque como Deputado da Nação Portugueza tenho obrigação de examinar se o Ministerio cumpriu a Lei (Apoiados)

Está claro pois o meu voto a este respeito, e peço á Camara que vote por esta excepção; mas digo tambem á Camara que este precedente ha de trazer comsigo inconvenientes, que mais tarde não se hão de poder remediar. (Apoiados.)

O Sr. Avila. — Sr. Presidente, não ha de ser este precedente, que ha de trazer á Camara os inconvenientes, que o nobre Deputado apresenta, mais depressa ha de ser o lançar-se suspeitas sobre a reputação e honestidade dos seus Membros, que ha de trazer esses inconvenientes. (Apoiados) Não agradeço ao illustre Deputado o voto que me quiz dar, porque fez o que póde para a Camara rejeitar o meu Requerimento.

Sr. Presidente, o que depois disse o nobre Deputado é razão de mais para a Camara me permittir de fallar; se me não permitte, assassina-me moralmente: que certeza tem a Camara que o Sr. Deputado acabe de fallar hoje, para eu fallar? E sou eu senhor da minha saude e da minha vida? Sr. Presidente, como homem que não tenho outro patrimonio, senão uma vida illibada e sem mancha, para manter a qual tenho feito todos os sacrificios, torno a repetir, reputo um assassinio moral que o nobre Deputado commetteu na minha pessoa, e por consequencia não posso por mais tempo estar debaixo deste pezo que me opprime: o Sr. Deputado fez-me tanto mal quanto me podia fazer; hoje mesmo de eu as razões que der, alguem ha de registar as expressões do nobre Deputado, e ha de esquecer-se da minha resposta. A questão não é comigo, é com o Governo? E que sou eu no Paiz? Não sou um Representante do Povo? Não sou um dos primeiros veladores da Constituição? E então a questão não e comigo? O Sr. Deputado disse mais alguma coisa, disse — É preciso resistir a amigos — que quer isto dizer senão que fui eu que solicitei do Ministerio a Commissão de que fui encarregado? E não será comigo a questão? E sim, Senhor: Sr. Presidente, o facto, que citou o illustre Deputado, o Sr. Gorjão, não é exacto: o Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros para se explicar por parte fio Governo appellei para V. Ex.ª V. Ex.ª não lhe podia dar a palavra sem resolução da Camara, mas eu vendo que V. Ex.ª não podia deferir o meu Requerimento

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appello para a Camara, e acredito que a Camara será ciosa do seu decoro para não consentir que um Deputado, cuja reputação se pertendeu assassinar, se não defenda perante os seus Pares, no unico logar em que o póde fazer. (Apoiados)

O Sr. Rebello da Silva: — Sr. Presidente, pedi a palavra, porque entendo, como acaba de dizer o illustre Deputado, que este negocio é um daquellas que exíge que a Camara dispense a inflexibilidade cio Regimento. Se o Regimento não é inflexivel, quando algum Deputado suppõe uma crise Ministerial, muito menos o deve ser para deixar suspensa a honra de um Representante da Nação, como foi a do illustre Deputado, de quem sou Amigo. Eu não sei qual será a posição desta Camara depois do que é tem passado se, pedindo vim Deputado para fallar, a Camara negasse a este Deputado appellar para o juizo do Povo e da Nação, defendendo uma vida que até hoje está sem mancha, uma vida illibada, uma vida que ainda se não manchou com algum desses negocios vis e ruinosos, que fazem corar o Paiz e os Govêrnos. Sr. Presidente, este negocio, torno a dize, envolve a dignidade da Camara; é um dos seus Membros que geme debaixo do pezo de uma grave accusação; este illustre Deputado appella para a Camara, e eu espero que ella não ha de neste caso antepor a inflexibilidade do Regimento, já que a não antepõe, quando algum Deputado suppõe uma crize Ministerial; porque o de que se tracta agora, é mais alguma cousa.

O Sr. Vaz Preto: — Parece-me que a Camara não deve hesitar em conceder a palavra ao Sr. Deputado, que pede se lhe permitta explicar-se sobre os factos que pesam sobre elle, e nem devem temer-se pelas consequencias; porque eu entendo que se qualquer Deputado vergar debaixo de igual prazo e circumstancias, se lhe deve conceder o mesmo; mas sr não estiver nessas circumstancias, não se lhe póde conceder. Por consequencia para não gastar mais tempo, peço que se consulte a Camara sobre isto.

O Sr. Presidente — Uma vez que a Proposta está em discussão, não póde deixar de continuar, e não é costume, depois de se fallar na questão, pedir — se que se julgue a materia discutida, por consequencia não posso pôr a votação o requerimento do Sr. Deputado.

O Sr. Gorjão Henriques: — Eu expliquei-me bem quanto aos dois primeiros quesitos da Proposta; parece-me que dei bem a entender qual era a minha opinião; é natural que ella seja segundo a justiça o reclama; mas em quanto ao terceiro quesito, disse, que não seria conveniente dispensar-se o Regimento. O illustre Deputado com razão está sensibilisado, porque suppõe a sua reputação manchada, e a sua impaciencia não lhe permitte esperar uma ou duas hora; quer interromper o discurso de um Orador que tem a palavra sobre a Ordem do Dia, e da qual começou hontem a gozar, e este é verdadeiramente o caso em que está collocada a questão; mas se o Orador, depois de o illustre Deputado responder sobre este ponto, apresentar outros factos, em que o illustre Deputado se julgue offendido, quererá interromper pela terceira vez o Orador para se justificar. Foi consequencia perdoe-se-me que diga que é uma especie de frenezi da parte do illustre Deputado querer dar a explicação sem acabar o discurso do illustre Deputado, que está fallando.

Tambem é preciso que responda ao illustre Deputado, quando disse que não era exacto o que eu tinha apresentado a respeito do que aconteceu com o Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros. O Sr. Ministro não fez uma Proposta que mandasse para a Mesa, para ser consultada a Camara: mas o Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros levantou-se, dirigiu-se V. Ex.ª dizendo que desejava desde logo dar uma Explicação, e V. Ex.ª sem consultar a Camara, como era do seu dever... (O Sr. Presidente — Nego). O Orador: — Nega? Faz V. Ex.ª favor de me indicar o que eu vou dizer? V. Ex.ª sem consultar a Camara, como era do seu dever, disse: — o Regimento diz isto, e as prescripções do Regimento são estas — a Camara apoiou a resposta que V. Ex.ª deu ao Sr. Ministro, e não apoiou a Proposta do Sr. Ministro; nem disse — falle, falle, que é o modo porque costuma expressar o seu voto neste caso, mas a Camara não apoiou a S. Ex.ª, logo sanccionou o que V. Ex.ª fez. Este o que é o facto.

O Sr. Presidente: — O Presidente não precisa propôr a Camara o que é da sua competencia, executa o Regimento, e nunca propõe a sua execução ou rejeição. Não houve uma Proposta, o Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros dirigiu-se á Mesa, pedindo para dar uma Explicação; o Presidente com o Regimento na mão disse que não tinha logar; o Sr. Ministro não fez Proposta, por consequencia o Presidente não a podia fazer (O Sr. Gorjão Henrique: — V. Ex.ª está confirmando exactamente o que eu disse). O Orador: — O Presidente não o podia fazer, digo, nem os Srs. Deputados hão de querer que o Presidente tome sobre si o alterar o Regimento. O Presidente e o fiel e rigoroso executor do mesmo Regimento (Apoiados).

O Sr. Cunha Sotto-Maior: — O Sr. Avila não póde duvidar um momento da consideração que tenho por S. Ex.ª; tome» porém a palavra, porque sou um Deputado que não tem medo, que nem a calumnia possa dizer que eu tenha na minha vida publica um só acto que me deslustre e deshonre; por consequencia poso pedir a palavra e usar della. E exacto que o Sr. Silva Cabral não desconsiderou o Sr. Avila, atacou o Governo por um facto notorio, e ainda pende um Discurso, e desse Discurso, pendem manifestações e revelações para fazer estremecer o Governo. Não é conveniente pois que se suspenda o debate para ouvir um Deputado; antes do Sr. Avila está o Paiz; primeiro o Paiz, depois o Sr. Deputado. Se a cada passo um Deputado que fosse injuriado pedisse a concessão da palavra, então tinha eu constantemente de a pedir, porque constantemente sou aqui injuriado; mas despreso as injurias, e sou superior aos seus ataques. Portanto, sem desconsiderar o Sr. Avila, entendo que primeiro está o Pai?, entendo que primeiro a Camara deve ouvir as accusações que se vão fazer ao Ministerio, entendo que primeiro, o Ministerio deve pedir a palavra para se defender dessas accusações que o esmagam, e por isso voto contra a Proposta do Sr. Avila.

O Sr. Presidente — Não ha quem mais lenha a palavra, por consequencia vou propôr á votação a Proposta dividida em partes. Em primeiro logar pergunto á Camara se dispensa o Regimento para poder ter logar a Explicação pessoal, visto que o Regimento prescreveu as Explicações pessoaes A Camara resolveu affirmativamente

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O Sr. Presidente: — Proponho a segunda parte, e é, se é a Explicação deve ter desde já logar, visto que o Regimento só permitte Explicações em hora de prorogação; e depois proporei se se ha de verificar com interrupção do Discurso do Sr. Deputado.

O Sr. Avila: — É na primeira parte da Ordem do Dia, não ha interrupção.....

O Sr. Agostinho Albano: — Peço a palavra sobre a ordem da votação....

O Sr. Presidente: — Agora não póde haver discussão....

O Sr. Agostinho Albano: — Mas é sobre a votação.... (O Sr. Gorjão Henriques: — Apoiado.)

O Sr. Presidente: — Peço que se note que a votação já principiou, e não se póde interromper; os Srs. Deputados que teem occupado esta Cadeira, melhor devem conhecer qual é o seu dever. (O Sr. Gorjão Henriques: — Peço a palavra.) Proponho pois á Camara, se ha de já ter logar a Explicação sem prejudicar a terceira parte.

A Camara resolveu affirmativamente.

O Sr. Presidente: — Agora proponho á Camara, se se ha interromper o Discurso do Sr. Deputado.

(O Sr. Avila: — Não é interromper.....) Mas ha Srs. Deputados, que desejam que se vote sobre esta parte, por consequencia não posso deixar de consultar a Camara.

A Camara resolveu que a Explicação tivesse logar com interrupção do Discurso do Sr. Silva Cabral.

O Sr. Presidente: — Tem pois a palavra o Sr. Avila para uma Explicação pessoal, mas peço ao Sr. Deputado que se limite ao facto

O Sr. Avila: — Eu agradeço á Camara a benevolencia que teve para comigo, e entendo que officio de ser reconhecido a essa benevolencia, é abbreviar o mais que poder a minha Explicação, ainda que, depois das considerações, que acabou de fazer o illustre Deputado, sou ainda obrigado a estendel-a um pouco mais do que desejava.

Eu não estava em Portugal -quando tiveram logar os acontecimentos do Minho. A crise financeira, porque passámos, compromettendo-me tambem um pouco, obrigou-me a vir a Lisboa. Achei o Ministerio presidido pelo Duque de Palmella; esse Ministerio fez-me a honra de nomear-me Membro da Commissão de Fazenda, que havia creado. Ao Sr. Duque de Palmella (cujo testemunho não posso invocar aqui) disse eu, que não precisava de nomeação especial para essa Commissão, porque eu fazia tenção de me demorar no paiz em consequencia do meu estado de saude, e que não era preciso um Decreto para o Governo me chamar para qualquer Commissão em que julgasse eu podia ser de utilidade, porque Sua Magestade tinha-me feito a honra de me conceder uma carta do seu Conselho, e nomeando-me depois seu Ministro, e conservando-me mais tarde as honras desse cargo, me impuzera o dever de dar ao Governo a minha opinião sobre todas as questões, sobre que elle quizesse ouvir-me. Esse mesmo Ministerio nomeou-me Conselheiro do Tribunal de Contas, e pouco tempo depois encarregou-me de uma Commissão importantissima na Ilha da Madeira. Não podia eu ter solicitado tal Commissão, porque não podia ter adivinhado, que o Governo tinha precisão de mandar alguem á Ilha da Madeira revestido de Poderes Extraordinarios; recaiu em mim a escolha do Governo; acceitei-a porque em occasiões de perigo, não tenho nunca a coragem de recusar o meu fraco contingente ao Governo. Abbreviei quanto pude essa Commissão; cheguei a Portugal; as cousas tinham mudado; tinha caido o Ministerio; achei um outro Systema Politico; os acontecimentos de 6 de Outubro tinham tido logar. Apresentei ao Ministerio o meu Relatorio, e se desempenhei bem ou mal essa Commissão, não o diga eu, diga-o o Ministerio que achei em Portugal, cuja Politica se devia considerar opposta á do Ministerio que me tinha mandado, e por consequencia se devia suppor não muito conforme com o objecto dessa Commissão.... A allusão do nobre Deputado obriga-me a fallar mais de mim do que eu esperava; peço á Camara desculpa por isso; não ha nada tão desagradavel como vir occupar o Parlamento com Explicações meramente pessoaes; mas essas Explicações são necessarias visto o mysterio com que o nobre Deputado involveu a minha nomeação para a Commissão do Cadastro, e a vontade, que disse ter tido o Governo de me fazer sair do Reino. Isto faz-me entrar em promenores, que eu desejaria poupar á Camara.

Aqui está o Officio que o Ministerio do Reino me fez a honra de me dirigir por occasião da minha chegada a Lisboa, e por ter terminado a Commissão. (Leu)

«Ill.mo e Ex.mo Sr. — Sua Magestade a Rainha, a quem foi presente a correspondencia de V. Ex.ª com o Governo sobre a importante missão, de que V. Ex.ª foi encarregado na ilha da Madeira: Manda declarar a V. Ex.ª para sua satisfação, que foi cabal, como se esperava do reconhecimento e zelo de V. Ex.ª, o seu desempenho, vencendo a prudencia e capacidade de V. Ex.ª a difficuldade e melindre das circumstancias; e para que V. Ex.ª tenha uma prova do aprêço, que Sua Magestade faz do serviço, que V. Ex.ª acaba de prestar, Ordenou-me que lhe dirigisse esta communicação.

Deos guarde a V. Ex.ª — Paço das Necessidades, em 28 de Outubro de 1846. — Ill.mo e Ex.mo Sr. Antonio José d'Avila. — Visconde de Oliveira.

No mesmo dia, na mesma hora, pelo mesmo Correio que me trouxe este honroso Officio, recebi eu o Decreto da minha demissão de Conselheiro do Tribunal de Contas, e um outro Decreto, pelo qual Sua Magestade me nomeava Governador Civil do Funchal; escuso dizer á Camara os motivos que tive para não acceitar esta nomeação; não foi despeito pela minha demissão de Conselheiro do Tribunal de Contas; não foi vontade de recusar ao Governo o meu concurso em circumstancias difficeis; foi porque entendi na minha consciencia que, acabando de exercer um alto Emprego na Ilha da Madeira, tendo tido necessidade, por virtude das obrigações duras desse Emprêgo, de trazer o Governador Civil que lá achei (homem honrado, e cavalheiro distincto daquella terra) a pedir a sua demissão, e lendo deixado este logar preenchido por outro cavalheiro que faz parte do Parlamento, e que tive a fortuna de ter por Ajudante e Secretario na Commissão que ali exerci, tendo deixado o Sr. Silvestre Ribeiro no exercicio desse Emprêgo, entendi que me collocaria n'uma situação muitissimo triste na Ilha da Madeira, se fosse lá apparecer de repente feito Governador Civil, por que pareceria que tudo b que eu tinha feito, tinha tido por fim o arranjar para mim aquelle Emprêgo; por consequencia ain-

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era que eu estivesse em circumstancias mais apuradas de que estava (e seria difficil, que o estivesse, porque não me envergonho de dizer, que não tenho meios de fortuna, que preciso de trabalhar para vivei) eu não aceitava esse Emprego. Não acceitei pois esse Emprego, e dirigi-me ao Sr. Duque de Saldanha, que era então Ministro dos Negocios Estrangeiros, e pedi a S. Ex.ª um passaporte para sair do Reino, onde não tinha que fazer, porque não era Empregado aqui, por que não tinha aqui nem fortuna nem familia, por que preciso, como já disse, trabalhar para viver, por que ía procurar trabalho, e se o não achasse, recolhia-me a casa de meu pai, que ainda tenho a fortuna de possuir, onde havia de achar o asylo e amisade, que se encontra sempre junto d'um pai.

O Governo então julgou conveniente aproveitar a minha saida para França, assim como o Ministerio anterior o tinha feito, porque quando fui nomeado Conselheiro do Tribunal de Contas tinha immediatamente pedido licença para saír do Reino, porque o estado da minha saude então o exigia, e o Ministerio de então encarregou-me de ir estudar os methodos de contabilidade em França e na Belgica para os vir pôr em pratica no Paiz: o Ministerio posterior fez o mesmo: vendo que eu insistia pelo passaporte para sair do Reino, que o Sr. Duque de Saldanha me recusou mais de uma vez, (O Sr. Duque de Saldanha: — Apoiado) o Ministerio encarregou-me de uma Commissão sobre o Cadastro, attendendo a que eu tinha empregado o tempo das minhas viagens á Italia e á França em estudar essa questão. Não lerei á Camara todo o Decreto da minha nomeação, lerei unicamente a parte que diz respeito a creação do Emprego, porque embora o nobre Deputado ha pouco corrigisse esta expressão, e certo que hontem adisse terminantemente, porque até citou o art. 15.º § 14.º da Carta Constitucional, e disse que o Governo tinha violado a Carta Constitucional, porque ella lhe prohibia crear Empregos, e estabelecer-lhes ordenados, portanto o nobre Deputado chamou Emprego á Commissão interna, transitoria (como são todas as Commissões) de Cadastro, e chamou ordenado ao vencimento que o Governo me deu em quanto exercesse essa Commissão... (O Sr. Silva Cabral: — Não é assim) Então não foi isto o que o nobre Deputado disse? (O Sr. Silva Cabral: — Eu logo explico.) E eu desejarei ouvir a sua explicação

É o art. 3.º do Decreto de 8 de Novembro, e que o nobre Deputado disse que era de 7, enganou-se, é de 8, o nobre Deputado perguntou se era verdade, que existia aquelle Decreto, e o nobre Deputado podia responder a si mesmo, porque esse Decreto está citado no meu Relatorio, que anda na mão dos nobres Deputados: o nobre Deputado veio aqui apresentar como uma descoberta, como uma cousa, de que ninguem tinha conhecimento, aquillo, que está escripto no Relatorio, que o Governo mandou publicar; que distribuiu em ambas as Casas do Parlamento e pelo Reino todo, porque o mandou aos Governadores Civís, as Juntas Geraes de Districto, e a quasi todos os Administradores de Concelho; por consequencia peço perdão para lhe dizer que, sem embargo de não ser sua intenção offender-me, veio apresentar em frazes, que inculcavam, haver um mysterio negro neste negocio, aquillo, que estava publico em toda a parte, e de que não se tinha leito mysterio nenhum. Eu vou ler á Camara a parte respectiva do Decreto a que já alludi, e que, como disse, é de 8 de Novembro e não de 7, como disse o nobre Deputado.

«Artigo 3.º Em quanto durar a sua commissão o Conselheiro Antonio José d'Avila, haverá o mesmo vencimento que tinha na qualidade de Membro do Tribunal do Conselho Fiscal de Contas.»

Mas podia o Governo crear esta Commissão. Eis-aqui o ponto. Sr. Presidente, porque vieram agora estes escrupulos ao nobre Deputado? O nobre Deputado ignora que esse Ministerio estava em plena Dictadura, e que tanto direito tinha para crear esta Commissão, como para dar outra ao nobre Deputado, que se senta ao lado de S. Ex.ª? (Apoiados) Pois na Sessão passada o nobre Deputado não soube accusar o Ministerio por estes factos, que elle praticou no pleno exercicio da mais larga Dictadura, e só agora -e lembra de o fazer?. (Apoiados) Mas não é só isso, Ministerios mesmo de que o nobre Deputado fez parte ou que aqui sustentou, teem dado Commissões da natureza d'aquella de que fui encarregado. Quererá que lhe cite a Comissão dada ao meu nunca assaz chorado Amigo o Sr. José Frederico Marecos, um dos homens mais dignos e mais honestos deste Paiz, que tivemos a desgraça de perder na flôr da sua idade? Quer que lhe lembre a nomeação pela qual este illustre Cavalheiro foi encarregado de estudar o estado das Typografias na França e na Belgica? (O Sr. Silva Cabral: — Não é a mesma cousa.) Pois se não é o mesmo, então é preciso que eu leia para responder ao nobre Deputado o Decreto da creação da minha Commissão (Leu)

«Considerando, que a formação d'um Cadastro geral, em que se descrevam, qualifiquem e distingam os valores que a Nação possue na superficie dos seus dominios, e condição fundamental, e uma bise essencialissima assim para habilitar o Poder Administrativo a proceder, com justiça e equidade, no estabelecimento e repartição dos impostos publicos, qualquer que seja o systema da sua creação, como porque serve para dar a conveniente acção e desenvolvimento a todos os mais actos e providencias governativas. Considerando tambem, que para se effectuar a organisação do Cadastro, muito importa adiantar e ter promptos os diversos trabalhos preparatorios e os esclarecimentos e materiaes indispensaveis para o aperfeiçoamento daquella obra, estudada nos Paizes mais cultos, por pessoa que remia os precisos conhecimentos theoricos e practicos da materia, e sendo notorio, que o Conselheiro Antonio José d'Avila, Ministro e Secretario d'Estado Honorario nas soas recentes viagens á Inglaterra, França, e Italia se dedicara com particular attenção aos estudos desta natureza, e que a illustração e zêlo com que elle tanto se tem distinguido no serviço do Estalo, dão seguro abono do cabal desempenho de qualquer Commissão que a tal respeito lhe seja encarregada:

Hei por bem, ouvido o Conselho de Ministros, Decretar o seguinte:

Art. 1.º É nomeado o Conselheiro Antonio José d'Avila, para nos Paizes mais adiantados na Sciencia Administrativa, investigar, collegir e co-ordenar os trabalhos, esclarecimentos, e materiaes preparatoria que forem indispensaveis e por ventura neces-

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sarios e mais adaptados para a formação e progressivo aperfeiçoamento d'um Cadastro Geral do Reino, estudando e comparando entre si os diversos methodos e series das operações Cadastraes.

Art. 2.º A proporção que se apurarem e ficarem definitivamente promptos alguns dos trabalhos, mencionados no artigo antecedente, o encarregado delles os remetterá ao Governo, pelo Ministerio do Reino ou da Fazenda acompanhados do seu parecer e juizo particular sobre a applicação pratica, que possam ter ao projectado Cadastro cota respeito á situação, circumstancias e localidades do nosso Paiz. 55

Segue-se o art. 3.º, que já li.

Pois então não é esta Commissão analoga á Commissão, dada áquelle illustre Cavalheiro para ir estudar o estado de aperfeiçoamento das Typografias na França, na Inglaterra e na Belgica, e para trazer esses aperfeiçoamentos para o Paiz, o que fez, e publicou, as suas contas; e o Sr. Conde de Thomar que era o Ministro, que o tinha encarregado dessa Commissão, approvou as despezas todas que elle fez, porque o Sr. Conde de Thomar tinha a devida e merecida confiança nesse Cavalheiro, e deu-lhe carta branca para as despezas que tivesse precisão de fazer, e o Relatorio, que elle publicou, mostra, que nos cinco mezes que durou a sua Commissão, gastou um conto duzentos e tantos mil réis, quantia muito moderada, mas ainda proporcionalmente superior á do vencimento que me foi arbitrado. Foram e deviam ser approvadas as suas contas, e havia no Orçamento alguma verba especialmente designada para esse objecto? Havia alguma verba no Orçamento de 1844 para se encarregar o Sr. Mousinho da Silveira para organisar em Pariz o Regulamento das Alfandegas, Commissão que durou, pelo menos, quatro annos? (Apoiados) Havia alguma verba no Orçamento para que um Militar do Exercito Portuguez fosse estudar a organisação da arma de cavallaria na Prussia, Commissão que durou, pelo menos, dois annos? (Apoiados — muito bem.)

Eu não quero citar mais outras Commissões; podia citar centos dellas; basta citar algumas das que foram creadas por Ministerios, de que o nobre Deputado fez parte, ou que sustentou; então os seus escrupulos vieram só a respeito da Commissão, que demais foi creada por uma Dictadura em circumstancias extraordinarias?

Não entendi pois dever recusar a Commissão, e entendi que acceitando-a fazia um grande serviço no meu Paiz, se a podesse desempenhar como desejava. Não o pude, e a Camara sabe a razão porque, ella está no meu Relatorio; foi porque não tinha meios para isso, e o Governo não m'os deu. Em Setembro dei conta ao Governo do que tinha feito, e do que se podia fazer; porém não tive resposta: poucos mezes depois fui obrigado avir a Lisboa, visto ter sido eleito Deputado pela Provincia da Beira Alta. Chegando aqui qual é o meu primeiro acto? É o de dar parte ao Sr. Ministro do Reino, e ao Sr. Ministro da Fazendo, e então estava no Ministerio do Reino o Sr. Gorjão Henriques, da minha chegada a Lisboa, e dizer a S. Ex.ª, que eu entendia que a minha Commissão devia acabar, que a respeito do que havia feito por virtude della me referia ao meu Relatorio de Setembro do anno antecedente; e accrescentava, que se o Governo quizesse dar alguma consideração ás idéas alli emittidas, eu poria á sua disposição uma collecção de Notas, cuja redacção tinha quasi concluida, e em que eu procurava desenvolver algumas das proposições, que só tinha tocado naquelle Relatorio; o resultado foi receber eu um Officio do Sr. Gorjão Henriques, escripto com muita delicadesa, que julgo dever ler á Camara.

«Ill.mo e Ex.mo Sr. — Tenho presente o officio que V. Ex.ª se serviu dtiigir-me com data de 28 de Janeiro ultimo, dando conta do modo porque se houve no desempenho da Commissão sobre trabalhos Estatisticos, de que fóra encarregado por Decreto de 28 de Novembro de 1846: — offerecendo uma collecção de Notas que diz tem quasi terminada, as quaes desenvolvendo as proposições mais importantes na materia, tocadas apenas de passagem no seu Relatorio, remettido ao Ministerio da Fazenda, podem ser de utilidade para o estabelecimento de medidas ulteriores; — e pedindo por fim que se dê por concluida a mencionada Commissão: e em resposta tenho a honra de declarar a V. Ex.ª que receberei com muito gosto essa collecção de Notas, e quaesquer outros trabalhos, que por ventura V. Ex.ª possa ainda apresentar ácerca de tão importante objecto, e que em vista dellas, e do referido Relatorio, de que por ora não ha conhecimento neste Ministerio, se resolvêra o que parecer conveniente. — Deos Guarde a V. Ex.ª — Secretaria d'Estado dos Negocios do Reino em 3 de Fevereiro de 1848. — Bernardo Gorjão Henriques.

Daqui se vê que sou eu mesmo o primeiro que entendo que a Commissão deve acabar, e que devo ser exonerado della, e é o Ministerio que julga não me dever dar desde logo essa demissão.

O Relatorio e as Notas de que fallei, foram mandadas imprimir pelo Governo, e distribuir nas duas Camaras. Alguns Srs. Deputados me fizeram a honra de citar aqui esses trabalhos, e de recommendar a organisação do Cadastro. A propria Commissão de Fazenda, da qual era Presidente o digno Deputado, não só reconheceu tambem no seu Relatorio, que precede o Projecto de Lei do Orçamento, que era necessario levar á execução o Cadastro; mas auctorisou o Governo para esse fim. Eis o que a Commissão disse a este respeito — art. 45. — O Governo tomava desde já todas as medidas precisas para dar principio aos trabalhos Cadastraes do Reino, a fim de servirem de base á Repartição de contribuição directa etc. Este artigo foi convertido em Lei, é o 50 da Lei de 26 de Agosto do anno passado. Para dar cumprimento a esta prescripção da Lei entendeu o Governo, entendeu bem, que era necessario crear uma Commissão, que fosse encarregada de redigir as instrucções indispensaveis para as diversas operações, que constituem o Cadastro, e que me devia fazer a honra de me nomear Presidente dessa Commissão. E podia eu acceitar esse encargo, dedicar-me exclusivamente ao seu desempenho, sem a menor remuneração,? Sinto dizer á Camara, que o não poderia. Já disse, que nem sou Empregado Publico, nem tenho bens de fortuna, e que preciso por consequencia trabalhar para mim. Devo ajuntar, que não houve da minha parte para com os Srs. Ministros a menor intelligencia a este respeito. (O Sr. Presidente do Conselho de Ministros — Apoiado) apenas o Sr. Ministro do Reino me disse um dia, que o Governo queria nomear uma Commissão para levar a effeito o Cadastro, e queria, que eu lhe dissesse

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quaes eram os homens, que eu julgava deverem compôr essa Commissão: respondi ao nobre Ministro — quer V. Ex.ª uma Commissão composta dos homens, que eu reputo competentes para se occuparem dos trabalhos do Cadastro sem que lhe importe a sua côr politica, eu faço a lista; porém se V. Ex.ª quer uma lista politica, então não me encarrego de a fazer — o Sr. Ministro respondeu-me, que queria uma Commissão para se occupar do objecto do Cadastro, não lhe importando a côr politica dos individuos, que a deviam compôr. (O Sr. Presidente do Conselho de Ministros: — Apoiado.) Então fiz a lista, que o Governo approvou sem a menor alteração, e cuja responsabilidade tomou sobre mim. Basta lêr essa lista para ver que pensamento a dictou. (Apoiados); porém desgraçadamente um espirito de partido mal entendido fez que muitos dos Cavalheiros nomeados julgassem não dever acceitar esse encargo.

Eu entendi, e entendo, Sr. Presidente, que houve neste negocio da parte do Governo um pensamento de conciliação, que lhe devia merecer os louvores da Camara, e do Paiz (Apoiados): o Governo encarregando esta Commissão tão importante a homens de differentes côres politicas, dava um passo agigantado de conciliação, de que tanto carecemos, de que tanta necessidade temos (Apoiados.) Eis-aqui a unica intelligencia que houve entre mim, e o Governo, a este respeito. Quanto ao vencimento não o pedi, foram os Srs. Ministros que o estabeleceram, e podiam estabelecer, em vista do artigo da Lei do Orçamento, que já citei. Os Srs. Ministros entenderam, que me deviam continuar o vencimento da Commissão, de que eu estava ainda encarregado, visto que esta continuava ainda por virtude da minha nomeação de Presidente da Commissão do Cadastro.

Eis o que o illustre Deputado chamou creação d'um Emprego, sem reflectir, que se na Lei do Orçamento, que fizermos nesta Sessão, não comprehendermos a auctorisação, que vinha na que votámos no anno findo, cessa essa Commissão.

Nem sei tambem como o illustre Deputado se esqueceu dos precedentes, que citei. Nem diga, que essas Commissões duravam pouco tempo; porque uma durou mais de dois annos, e outra mais de quatro. E todas ellas custariam muito mais do que a minha, porque os vencimentos dados para esse fim aos illustres Cavalheiros, que os exerceram, foram superiores aos que me foram concedidos, além dos soldos, ou ordenados, que continuavam a perceber, é que eu não tinha.

O nobre Deputado, que tem viajado sabe perfeitamente quaes são as despezas que demanda uma Commissão desta ordem; tinha que satisfazer a exigencias inherentes á posição que occupo: não é um acto de vaidade: tinha de apresentar-me em differentes estações publicas, para que se me franqueassem os documentos, que diziam respeito á minha Commissão, era preciso que me apresentasse como encarregado pelo Governo dessa Commissão, de maneira a não envergonhar quem me mandava, nem faltar ao que exigia a cathegoria, que eu representava. (Apoiados)

Em quanto á imputação de accumulação, já o nobre Deputado a retirou. (O Sr. Silva Cabral: — Apoiado.) E posso asseverar á Camara que esta nunca existiu. Agora em quanto ao cambio direi duas palavras. Eu quando me achei em París, sem recursos nenhuns, porque nos primeiros tres mexes nada recebi, escrevi ao Sr. Conde do Tojal pedindo-lhe, que me mandasse pagar, a exemplo do que se tinha feito a todos nas mesmas circumstancias pela Agencia Financeira em Londres, a cuja frente se achava um homem de quem tinha recebido sempre provas de affeição e amisade; amisade, de que me honro, porque o Sr. Conselheiro João Maria de Carvalho e Oliveira, a quem alludo, é um dos mais habeis, e mais dignos funccionarios publicos, que eu conheço. Escrevi pois como disse, ao Sr. Conde do Tojal; mas não lhe fallei em cambios; pedi só que me mandasse pagar os meus vencimentos em París. Aqui tenho a resposta de S. Ex.ª que posso lêr á Camara, e que fixa o: cambio para os meus pagamentos a 54 dinheiros por mil réis, cambio, em que como o illustre Deputado vê, não ha favor. Talvez fosse eu o unico, a favor de quem senão estabeleceu o cambio, a que alludiu o illustre Deputado.

Sr. Presidente, vou acabar porque não quero sair dos limites de uma explicação. Tractei sómente de demonstrar quaes as circumstancias em que acceitei a Commissão de que se fallou; de justificar o Governo que me nomeou, e de justificar o Ministerio que creou a Commissão do Cadastro: em logar de censuras por este acto, entendo que a Camara deve dar-lhe louvores; porque emquanto não tivermos um Cadastro, não é possivel organisar nem economica, nem financeiramente o Paiz. E o Governo mostrou plenamente o seu espirito de conciliação na escolha, que fez dos homens, que chamou para essa Commissão. (Apoiados) Diga-se o que se quizer: um dia se fará a devida justiça á Administração, que comprehendeu um tão importante trabalho. (Apoiados)

O Sr. Presidente: — Estão sobre a Mesa os Diplomas de dois Deputados eleitos por Gôa, os quaes vão ser remettidos á Commissão de Poderes.

ORDEM DO DIA.

Seguimento da discussão da Resposta ao Discurso da Corôa.

O Sr. Presidente: — Continúa com a palavra o Sr. Silva Cabral.

O Sr. Silva Cabral: — Sr. Presidente, eu dou-me os parabens, e á Nação, pela explicação que o Sr. Deputado acaba de fazer; porque se eu desejasse outra prova, ou precisasse de testimunho mais authentico do que as minhas palavras, e os factos, com que as auctorisei, para confirmação do que tinha asseverado, o Sr. Deputado havia offerecido o documento irrecusavel da verdade com que eu vim ao Parlamento referir não uma ficção, ou mesmo uma probabilidade, mas um facto, infelizmente verdadeiro. O Sr. Deputado com a sua habilidade costumada, quiz desviar de si a responsabilidade, que eu tinha lançado sobre o Governo por esse mesmo facto; mas o que é verdade, é que o mesmo illustre Orador veiu com as suas bem explicitas declarações aggravar de mais a mais a situação da questão. Eu enganei-me na data; disse o illustre Deputado; enganar-me-ia; mas quem sabe se eu assim procedi com premeditação para que os Srs. Ministros, ou o Sr. Deputado viessem, pela sua propria bocca fazer á Camara a confirmação daquillo que eu affirmava? Eu entendo, como entendi sempre, que não dava no-

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Vidado ao Paiz referindo a data, ou existencia do Decreto, mas no que eu entendo, que vim dar-lhe uma grande novidade, foi sobre a existencia do ordenado; porque nesse Relatorio não está uma só palavra, que diga, que por esta Commissão o Sr. Deputado recebia 1:600$000 réis; e foi justamente esse o motivo principal porque eu censurei, e censuro Ainda o Ministerio. Para que é vir argumentar contra a bem merecida censura feita a esse Ministerio com o Decreto, se este é a prova mais completa de que eu tinha feito uma applicação seguia, e rigorosa da douctrina do art. 15.º, § 14.º da Carta Constitucional? (Apoiados.)

Não se diz naquelle Decreto bem claramente, que o illustre Deputado vencêra o ordenado, que compete aos Conselheiros do Tribunal de Contas? E que é isto senão offender directa, e claramente a lettra, e espirito da segunda parte do citado art. 15.º, § 14.º da Carta Constitucional?

Como a offensa á Carta era manifesta, o illustre Deputado argumentou com exemplos; e citou o do Sr. José Frederico Marecos; mas eu peço licença para dizer, que entre o caso do Sr. Deputado, e do Sr. Marecos ha uma grande differença. O logar deste não foi substituido, a sua ausencia não foi senão uma consequencia immediata da Commissão de que fôra encarregado em favor, augmento, e utilidade da Imprensa Nacional: o ordenado continuou, pois, e devia continuar nas folhas dos pagamentos; mas o logar que no Tribunal de Contas tinha o Sr. Deputado, foi preenchido com a reintegração do Sr. Barão de Porto de Moz, por consequencia vê-se, que em quanto com o Sr. Marecos não se alterou o estado das cousas, para o Sr. Deputado foi creado um logar novo, que a Lei não reconhecia. Frederico Marecos foi a França em serviço seu? Não; foi para enriquecer o estabelecimento da Imprensa Nacional, foi para comprar objectos para essa Officina, e a respectiva despeza vem demonstrada na conta que se deu dessa Commissão.

Mencionou-se em segundo logar o Sr. Mousinho da Silveira. Quem é que mandou esse Cavalheiro em Commissão das Alfandegas? Não sei, nem me pertence examinar, mas o que devo referir á Camara, em cumprimento de um dever, é que assim que eu entrei no Tribunal do Thesouro, e tive conhecimento de similhante assumpto, tive a mesma coragem, que já havia exercicio a respeito de dois Conselheiros de Estado, não consenti que fosse processada a competente verba na respectiva Folha, porque entendi, que o Governo não podia dar uma similhante Commissão. (O Sr. Avila — Porque o não disse então!)

O Orador — Porque nunca me lembrei, nem podia passar pela cabeça de nenhuma pessoa... modesta, que qualquer tivesse necessidade de vir dizer a Camara, que tinha feito justiça: nem eu costumo occupar a Camara com cousas, que me digam respeito.

Fallou-se tambem no Sr. D Antonio de Mello. Lia eu por ventura Ministro, quando foi mandado este Cavalheiro para a Commissão que se referiu?... (O Sr. Avila: — Mas era Deputado.)

O Orador — Ela Deputado, e verdade, e por isso cumpri com o meu dever de Membro da Maioria, que então era, declarando a algum dos Ministros, que aquella Commissão, com quanto não tenha paridade com a que o illustre Deputado actualmente exerce, não podia reputar-se legal, visto que a despeza, que reclamava, não estava devidamente auctorisada, além de outras razões, que é mui facil adivinhar, e que não é necessario referir.

Disse o nobre Deputado, que logo que chegou a Lisboa pediu escusa da Commissão, é possivel: mas seria esse pedido por cumprimento, ou para produzir o seu effeito? Não entro nessa questão, nem posso entrar, nem isso é necessario, quando todas as palavras do illustre Deputado provam, que a Commissão foi continuada ainda depois de Agosto preterito com o mesmo ordenado, que eu apontei. Que mais é necessario?

Quanto á differença de cambio, e accumulação direi — que da primeira fallei em hypothese, e que quanto á segunda nem uma só palavra proferi hontem a tal respeito. Notarei por ultimo, que quando sobre este objecto eu fallei ha pouco, disse que não era minha intenção tractar do acto anterior a Agosto de 1848, porque eu reconhecia que o Decreto era resultado do estado anomalo das circumstancias, e que por isso se poderia salvar a responsabilidade por esse lado; mas desde que se publicou a Lei de 26 d'Agosto de 1818, era impossivel que o Ministerio continuasse aquelle ordenado, ou aquella gratificação, (chamem-lhe como lhe quizerem) porque é um verdadeiro desvio dos dinheiros publicos. Quem poderá affirmar ser legal a continuação do ordenado do nobre Deputado na qualidade de Presidente da Commissão do Cadastro? Se o Governo tinha necessidade de servir o illustre Deputado, devia ter a franqueza de vir pedir ao Parlamento os meios precisos para o logar em que desejava collocal-o. Fóra d'ahi qualquer alvitre que fosse adoptado, era uma arbitrariedade. Esta foi a razão, porque, na Lei do Meios, se pozeram tantas precauções, que o tempo todavia tem mostrado insufficientes diante da marcha caprichosa, e illegal do presente Ministerio (Apoiados). E nem o illustre Deputado fez bem em recorrer ao Parecer da Commissão de Fazenda, porque o ahi mesmo, e no art. 50 da Lei de 26 d'Agosto aonde está o principal, e mais conveniente motivo do acto, que eu censurei. Ahi manda-se, é verdade, que o Governo tomará desde já as providencias, ou todas as medidas precisas para dar principio aos trabalhos cadastraes do Reino, a fim de servirem de base á Repartição de contribuição directa; e que procurára conhecer as causas da diminuição dos direitos de sisa e transmissão de propriedade, para propôr ás Côrtes as providencias de que precisar, para melhorar e regular a arrecadação destes importantes rendimentos mas o illustre Deputado devia saber, que pouco distante désse artigo se acham outros dois, n'um dos quaes se prohibe o fazer despezas que não estão consignadas nesta Lei; e doutro, que foi aqui objecto de grandes discussões, se declaram concussionarios os Ministros que desviarem os rendimentos, votados ao Governo, da applicação designada na mesma Lei? Desalojado de todas as posições, sem a plausibilidade até ao subterfugio, veio o illustre Deputado argumentar com os Creditos Supplementares; como se dos artigos dos Creditos Supplementares podesse nem remotamente deprehender-se, que o Governo ficava auctorisado a estabelecer ordenado ou gratificação. E note-se bem, que eu não nego, nem mesmo negarei a importancia da Commissão Cadastral — é objecto que puz fóra da ques-

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tão, não nego tambem a proficiencia do Presidente da Commissão de Cadastro, não foi isso objecto da questão que apresente; não entrei na appreciação da maneira porque o Governo se houve na nomeação dos seus Membros, excluindo della, provavelmente por tolerancia, os dois homens reconhecidos entre nós por mais competentes no assumpto, que são os Srs. Franzini, e Claudio Adriano da Costa: talvez fosse porque elles teriam de dizer algumas verdades amargas sobre a materia, que desagradassem a. alguem. Para que é trazer pois ao debate todos estes objectos a elle estranhos? A Camara o avaliará; assim como conhece desde já que o facto, por mim apresentado, ficou exactamente no estado de lucidez em que eu o colloquei, accrescendo, que a confissão do Sr. Deputado ainda veio dar relêvo, se disso se carecesse, ao que já era tão incontestavel.

Continúo, Sr. Presidente, com o objecto a que me tinha proposto: penso que a Camara estará lembrada, que eu depois de fazer algumas reflexões sobre a incuria, e inconveniencia da Politica externa, tractara de combater os actos da Politica interna do Gabinete; julgo que tambem senão terá esquecido de que eu estava analisando o paragrafo da Resposta, que parafraseou igual paragrafo do Discurso em que se assevera, que a Carta tinha sido plenamente guardada; mantidos em toda a sua plenitude os Direitos Politicos, e individuaes, garantidos na Carta; bem como executadas as Leis, que o Parlamento tinha votado na Se são antecedente. Eu tinha já demonstrado com alguns factos a inexactidão com que se faziam estas asserções; continuarei nesta tarefa, ardua para as minhas forças, desagradavel mesmo ao meu coração; mas em todo o caso, imposta por um dever, a que eu não sei, nem devo faltar.

Sr. Presidente, a Carta não tem sido guardada pelo actual Ministerio; pelo contrario, tem sido violada nos seus artigos mais essenciaes! Um exemplo vivo dessa verdade tenho eu ao meu lado direito; peço licença ao illustre Deputado para dizer o seu nome; e o Sr. Antonio Pereira dos Reis, Deputado da Nação Portugueza, ex-Official Maior Graduado da Secretaria d'Estado dos Negocios Ecclesiasticos e de Justiça.

Sr. Presidente, publicou-se um Decreto que o exonerou, não digo bem, que o demittiu deste emprego, por não convir ao Serviço! E este Decreto vinha assignado pelo Sr. Ministro dos Negocios Ecclesiasticos e de Justiça, o Sr. João Elias da Costa Faria e Silva; o mesmo, creio eu. que n'umas das contas da Misericordia, aqui distribuidas nos dias passados, vem assignado como Escrivão da mesma Santa Casa! (Riso).

Sr. Presidente, o que foi ferido por este acto não foi tanto o Sr. Antonio Pereira dos Reis, Deputado da Nação, não foi o Empregado zeloso pelo Serviço Publico, e provado em sua experiencia e conhecimentos... O que mais foi ferido com aquelle acto, não foi tanto o Cartista extreme, que tinha passado dias de angustia a bordo da Presiganga em 1837, nessa mesma época em que o illustre Presidente do Conselho saía condemnado ao Ostracismo, pela mesma causa, depois dos acontecimentos da Convenção de Chaves; quem foi fendo neste acto não foi tanto o Sr. Antonio Pereira dos Reis, como Restaurador da Carta em 1842, dessa Carta que uma e duas vezes tinha intentado restaurar o mesmo illustre Presidente do Conselho, mas que de ambas as vezes vir malograda a sua tentativa; quem foi ferido neste acto não foi tanto o Sr. Antonio Pereira dos Reis, o Campeão da Ordem contra a anarchia em 1846 e 1847; o Commissario Regio mas Provincias do Norte, combatendo pela integridade da Monarchia, e pela salvação do Throno no Noite do Reino, ao mesmo passo que, por uma coincidencia notavel, estava combatendo pela mesma causa em Oliveira d'Azemeis o mesmo illustre Presidente do Conselho: não foi tanto o Sr. Antonio Pereira dos Reis... não!,.. O que foi ferido muito principalmente, foi o principio, a base da liberdade publica, porque na presença destes actos, a liberdade da opinião o uma ficção, é uma chimera, uma pura chimera a liberdade publica, e as instituições liberaes. (Longos apoiados)

Pelo art. 145, § 3.º da Carta Constitucional, estabelece-se não só essa liberdade de opinião, mas a maior ampliação na sua communicação, pelos tres meios possiveis, que são a palavra, o escripto, e a imprensa: estes direitos ligam necessariamente a obrigações correlativas, e estas, quanto aos direitos individuaes hão de estar infallivelmente nos Corpos constituidos, e nos Poderes do Estado. O Poder Executivo pois, tinha e tem obrigação absoluta, obrigação rigorosa de sustentar e guardar estes direitos. Por tanto, ou foi fulminado o Sr. Antonio Pereira dos Reis, como cidadão, e nesse caso feriu-se o art. 145, § 3.º da Carta Constitucional, ou foi perseguido, como Deputado, e então não póde o Ministerio escapar á disposição do art. 25 da mesma Carta, sendo certo que um Deputado além da liberdade de opinião, como cidadão, tem de mais a mais a inviolabilidade. Ignorar isto é desconhecer os principios mais elementares de Direito Politico.

Mas o Ministerio com este acto fez mais alguma cousa; preveniu uma das maiores questões, que hoje se agita, entre os Politicos; fallo da incompatibilidade dos Empregados Publicos com as fancções de Deputados; porque desde o momento em que o Ministerio elevou á classe de crime a liberdade de opinião, desde o momento em que declarou que a expressão por palavras, ou por escripto de um individuo, podia ser stygmatisada por outros meios, que não fôssem os que as Leis marcam para o abuso do direito, torna impossivel absolutamente, que os Empregados Publicos que não sejam inamoviveis, que não sejam vitalicios pela Carta, possam ter assento neste Parlamento, porque a Carta, as Leis, e Os principios querem que os Deputados votem com consciencia e conhecimento de causa, e por esta maneira tornavam-se uns perfeitos automatos do Gabinete (Apoiados geraes).

Com isto não quero dizer, e fallo bem alto, que o Ministerio», não tivesse o direito de demittir o Sr. Antonio Pereira dos Reis, de Inspector Geral dos Theatros (Apoiados): nem uma palavra só de queixa, ou de censura, honro-me de não lançar por a parte dos homens, que querem os principios, contra este acto, porque entendemos ser das attribuições do Executivo; nem se levantariam tambem queixumes nem accusações, se o Ministerio demittisse o meu nobre Amigo... de Chefe de Repartição da Secretaria d'Estado dos Negocios Ecclesiasticos e de Justiça; eram logares de confiança, e como taes estava o Ministerio no direito de o demittir sem dar satisfação da razão, porque o fazia; mas confundir este

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logar de confiança com o logar de Official Maior Graduado, que effectivamente era, da Secretaria de d'Estado dos Negocios-Ecclesiasticos e de Justiça, e retrogradarmos a uma época anterior a 24 de Agosto de 1820! (Apoiados). Pois nem ao menos o Ministerio teve quem lhe lêsse a Lei de 12 de Junho de 1822 7... Pois não está estabelecido nesta Lei, que ainda e hoje observada por todas as Secretaria, que os logares de Officiaes Maiores de Secretaria, Officiaes Ordinarios, e Amanuenses de primeira Classe, sejam considerados vitalicios? — Se por ventura houvesse alguma duvída a respeito do rigor da Lei, não bastavam os principios, em que a mesma Lei se funda, para fazer lembrar ao Sr. Ministro que o anno de 1848 não devia ficar atraz do de 1820 —!... Como pois se dão passos similhantes, e se proclama a tolerancia e a justiça... Tantos como este em nenhum Ministerio se tem praticado, e desafio cada um dos Srs. Ministros para me provar em que Ministerio se praticaram!...

Nós vimos aqui, durante a Sessão de 1840 a 1842, um Official Maior da Secretaria dos Negocios da Marinha e Ultramar, em constante opposição ao Governo, e nenhum dos Ministros se lembrou de o demittir. Vimos tambem um illustre Deputado, digno de todo o elogio pela sua independencia, no fim de 1845, ou principios de 1846 declarar-se em opposição, contra o Governo, e lembrou-se alguem de o demittir?.. E preciso notar que o mesmo Sr. Antonio Pereira dos Reis, que em 1837 tinha sido lançado na Presiganga, não foi ferido. Com o anathema insigne, com que agora o foi, e apesar de inimigo politico dos Cavalheiros, que estavam á testa dos Negocios não deixou de exercer o seu logar de confiança na Secretaria d'Estado dos Negocios Ecclesiasticos e da Justiça. (Movimento de admiração) Comparem agora o procedimento do Ministerio actual com o de então, e vejam se este, ou o que se dizia Radical, merece a applicação da palavra — tolerancia. Ainda mais, o Sr. Antonio Pereira dos Reis, não obstante os seus principios estarem em opposição ao Ministerio de 1846, não foi demittido por este; tiraram-lhe a commissão de confiança, mas o emprego de Official Maior graduado lá o continuou a servir. E que o Sr. Joaquim Antonio de Aguiar conhecia a differença, por que tinha estudado as Leis, e o actual ignora até as disposições das que faz, ou daquellas para cuja feitura concorre. (apoiados) Era preciso.. estava guardado para um Ministerio que se diz Cartista e tolerante, apresentar um acto da mais flagrante intolerancia, como nunca apresentou Ministerio algum....

Houve differentes demissões, é verdade, na época anterior áquella em que tive a honra de estar, como Ministro, nos Conselhos da Rainha; posteriormente não me recordo de ter feito alguma em circumstancias analogas. Naquella primeira época porém, as que tiveram logar, foram dadas exactamente nos precisos termos de verdadeira e solida douctrina que acima mencionei, por exemplo, a do Sr. Cezar d Vasconcellos, de Commandante da Guarda Municipal, a do Si Almeida Garret, do logar de Inspector Geral dos Theatros, de que o Sr. Reis foi tambem demittido, e a do Sr. Mousinho de Albuquerque, de Inspector das Obras Publicas. Em todos estes Empregos ha uma delegação do Governo, com confiança no exercicio pleno das funcções respectivas: aqui não ha senão mero executores das vontades ministeriaes, com o prudente arbitrio na maxima parte dos negocios: nisto é que está a grande differença, differença que os Srs. Ministros não quizeram perceber, porque era necessario satisfazer uma paixão violenta. (Apoiados)

A ordem natural das idéas, Sr. Presidente, leva-me a considerar a Politica do Gabinete debaixo de outro ponto de vista, isto é, pelo lado das ommissõos culposas practicadas pelo Governo, e pelo lado do excesso do Poder, a respeito das auctorisações dadas pela Camara. No primeiro sentido, não obstante a urgencia da materia, e aquella com que foram pedidas as providencias legislativas, o abandono de todo o pensamento é o caracter da Administração. No segundo sentido o Ministerio, excedendo as auctorisações que lhe tinham sido concedidas, não fez senão lançar-se no caminho da violação das Leis, e da Carta

Sr. Presidente, a Lei de 26 de Agosto de 1816, diz nos artigos 44.º, 45.º e 46.º que — «Para assegurar a receita dos impostos indirectos, auctorisava o Governo a prover ao expediente das Alfandegas, a proceder á centralisação da acção administrativa e fiscal, e a dar as mais necessarias providencias para proteger o commercio licito contra o commercio subrepticio, e illicito, ou o que é o mesmo, contra os contrabandistas.» — Estes artigos que comprehendem uma auctorisação tão importante, quanto é evidente, que ella abrange na sua maior amplitude tudo o que póde ter logar com os impostos; esta auctorisação, pedida com urgencia, e que todos devem reconhecer, comprehende ella um elemento de receita publica, porque ninguem ignora que da melhor fiscalisação provêm necessariamente o augmento do imposto fiscalisado; esta auctorisação, repito, teve alguma execução que o Publico visse? Não, não vimos publicada cousa alguma, pela qual constasse que este importantissimo objecto tinha merecido a attenção, e o desvelo do Governo (Apoiados), do Governo, Sr. Presidente, que precisava de receita, do Governo que se estava lançando no caminho de emprestimos ruinosissimos, que elle mesmo tinha declarado inexequiveis; mas que, ainda não eram passados 16 dias depois do encerramento do Parlamento, elle, estava practicando, com um elle, actividade, e perseverança, que eram dignos de invejar-se, para negocios que fossem uteis para o Paiz! E que para isso não se precisa de tino governativo!!!

A similhança da incuria com que o Ministerio se houve neste objecto de fiscalisação, tractou tambem outro assumpto que não podia deixar da merecer a attenção do Governo, se o Governo com sincero zêlo, se quizesse empregar no melhoramento da Religião. Tinha-se approvado pelo Parlamento a Lei das Collegiadas, esta Lei apresentou-se aqui com dois fins conhecidos, primeiro o de arrancar aquelles estabelecimentos a uma especie de devastação a que estavam entregues, e em segundo logar estabelecer um meio de receita para se poderem organisar os Seminarios... os Seminarios sim foram a grande bandeira que aqui se levantou para que aquella Lei não tivesse maior resistencia; os Seminarios prégou-se aqui muito alto e com toda razão... eram da primeira necessidade, porque está quasi a passar a geração que nos ha de deixar sem um Clero instruido. (Apoiados) Sr. Presidente, o baixo Clero está n'um contacto immediato com os povos, não sómente lhes

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dirige as consciencias, mas, em grande parte das localidades, instrue a sua intelligencia, e póde alguem duvidar que no estabelecimento dos Seminarios e na instrucção do Clero se acham empenhados não só o decoro da Religião, mas o interesse da Patria?.... (Apoiados) Ninguem: que por falta de Seminarios o Cléro vai caminhando para uma decadencia sensivel, e que, passados mais oito ou nove annos, se impossibilitarão completamente todos aquelles egressos que ainda restam? Póde algum hesitar em convir que havemos de ver-nos na necessidade de ter Clero que não saiba nem ler o Breviario?... E e a este Clero que ha de ser entregue a direcção da consciencia das almas, e a este Cléro que se deve commetter a moralisação do Povo, elemento necessario para todo o bom governo? (Apoiados) E quando, Sr. Presidente, em um objecto destes tão grave o Governo dormiu o somno da negligencia, que conceito havemos de formar delle?... O Governo não deu um só passo... não digo bem, deu um passo só, nesta materia importante; mas esse passo foi o da indolencia, foi o da nomeação d'uma Commissão para fazer figurar no Diario os nomes dos nomeados, e com isto intendeu estar satisfeito o preceito da Lei. (Hilaridade)

Mais grave ainda (em diverso sentido) e a missão, que o Governo praticou em relação á fiscalisação geral dos impostos. Sr. Presidente, nos memoraveis Discursos, memoraveis porque assim lhe chamava o Diario, (Riso) nos memoraveis Discursos do Sr. Ministro da Fazenda de 27 de Junho e 3 de Agosto de 1848, quando se tractou aqui o importante objecto da substituição da dotação da Junta do Credito Publico em 500 contos de réis, e quando se tractava da penalidade que devia competir aos Ministros, quando desviassem os dinheiros publicos dos destinos ou serviços para que a Lei os estabelecia, disse o Sr. Ministro da Fazenda que tudo havia de ir ás mil maravilhas, que não podia restar duvida que os impostos se haviam de cobrar perfeitamente, porque elle ia dar todas as providencias para que a cobrança o fiscalisação dos impostos fosse a mais perfeita, e considerando-se então auctorisado para espalhar tantos bens, invocou a diligencia e cooperação dos Srs. Conselheiros do Tribunal do Thesouro o do Tribunal de Contas, com quem disse que contava. Estou certo que se por ventura o illustre Ministro procurasse o zêlo daquelles illustres Cavalheiros, os havia de encontrar. (Apoiados) Mas fez alguma cousa o Sr. Ministro da Fazenda no genero de evitar a fiscalisação o tardia arrecadação da Fazenda Publica?... Quaes foram as providencias que nós vimos tomar?... Nenhuma. (Sensação) E quer a Camara saber, e o Paiz o estado em que se acha este importantissimo negocio?... Vão todos pasmar: desde 1846 (Julho) á excepção de dois Governadores Civis, nenhum delles tem enviado as tabellas para o Thesouro; ha 31 mez está o Thesouro Publico sem tabellas, e por consequencia ha 31 mez ternos um Thesouro sem escripturação! (Signaes de profunda sensação). Eu tenho compaixão dos illustres Deputados, que levados do seu zêlo pelo Bem Publico vieram aqui propôr uma Commissão de Contabilidade, e pediram certos documentos. Como lhos hão de dar, se lá não estão?. (O Sr. Cunha Sotto-Maior: — Ouçam, ouçam).

Sr. Presidente, eu hei de entrar neste negocio da Fazenda de uma maneira muito ampla e positiva, mas quero ligar a ordem das minhas idéas, e com os factos e documentos é que hei de mostrar que o Governo está muito áquem da sua missão.

E serão só estas as omissões?... Quantas teria eu de apresentar!... Quantas, Sr. Presidente, se eu tivesse tempo de ser historiador universal das providencias ministeriaes. Não é isso possivel. Não poderei com tudo sair deste capitulo sem apresentar ainda outras duas omissões. E uma, a que se verifica relativamente ás Minas de Carvão de pedra de S. Pedro da Cova.

Sr. Presidente, depois de varias conferencias e de algumas consultas de tribunal competente, veiu o Ministerio trazer aqui uma Proposta de Lei, pela qual pedia auctorisação á Camara para continuar a lavrar por conta do Estado aquellas Minas. Esta Lei passou na Camara Electiva, e foi mandada seguidamente á Camara dos Pares. Fez por ventura o Governo alguma diligencia para que aquella Lei, que continha um meio de receita, passasse no Parlamento? Não. (Apoiados) E em vez disto que aconteceu? Aproveitou o intervallo da Sessão para conceder um Decreto (que não devia ter explicação alguma) as Minas áquelles mesmos que as tinham lavrado até esse tempo! Daqui provieram dois cri os, (quanto a mim) cada qual mais grave. O primeiro foi, que o Governo veiu assim arrancar á competencia do Parlamento, ao qual tinha entregado este negocia, um ponto sobre maneira importante. O segundo foi que desta sorte a Fazenda Publica veiu por ventura a ser prejudicada n'uma quantia enorme, porque, se é verdade que se concedeu illimitadamente aquella lavra, é claro que ainda mesmo que se calcule sómente sobre uma quantidade de annos igual áquella, porque os Empresarios as têem possuido (por 20 annos) e tomando por base o mesmo preço, que até aqui pagavam ao Estado, o prejuiso será para a Fazenda pouco mais ou menos de 200 contos de réis, Mas se fôr ainda verdade, que estava pendente uma Proposta que offerecia 14 contos de réis annuaes para o Estado, isto é mais 4 contos de réis que a quantia estabelecida pelo Governo, lemos uma perda pelo mesmo tempo não de 200 contos de réis, mas de 280 contos de réis. (Ouçam) Em todo o caso não póde ser justificado que este objecto se desse, como se informa, aos mesmos arrematantes ou outros quaesquer sem que houvesse uma devida indemnisação para o Estado. (Apoiados)

O outro facto, Sr. Presidente, é uma Lei Eleitoral. Este objecto tractou-se hontem aqui como um objecto secundario. Eu devia dizer a minha opinião, para que a minha Politica a tal respeito seja reconhecida, e entendo que elle é tão grave de sua natureza, que merecia mesmo occupar um paragrafo do Discurso da Corôa. (Apoiados) Como um principio elementar dos Govêrnos Constitucionaes, cuja practica devidamente regularisada é uma verdadeira garantia contra os excessos do Poder, nunca me atreveria a considera-lo em logar secundario, e menos como incidente. O Systema Eleitoral em todos os tempos, e em todos os povos livres tem sido sempre objecto que mui particularmente tem occupado os Governos. Elle é a base do Direito Politico dos cidadão;, e da maneira de exercer um dos direitos mais importantes. Porque não havia pois, o Discurso da Corôa, dignar-se de fallar nelle? (Apoiados) Eu questionei na Sessão Legislativa antecedente o methodo eleitoral, mas não a necessidade da Lei, im-

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pugnei a opportunidade, e legalidade da these, que veiu trazida ao Parlamento; mas nem a occasião e a mesma, nem estou convencido que a Camara queira presistir na decisão tomada, porque nada com isso utilisa no fim que queremos attingir, a maior liberdade, e sinceridade nas eleições. (Apoiados) E por tanto do decoro do Partido Cartista, é do decoro de todos os Liberaes, unirem os seus esforços para que tenhamos uma Lei Eleitoral. E, note-se bem que eu especialisei o Partido Cartista, porque a honra deste está mais especialmente compromettida neste negocio. (Apoiados de todos os lados) A Carta Constitucional existe desde 1826; e ainda não temos uma Lei Eleitoral. Todos os actos eleitoraes não teem sido senão providencias do Executivo, que não teem nem podem ter a mesma authenticidade, que as Leis saídas do Parlamento.

O Partido Radical subiu ao Poder em 1836, e não se apartou do Parlamento sem dotar o Paiz com uma Lei Eleitoral. O Partido Cartista ha tanto tempo no Poder, e por tantas vezes, e sempre este negocio tem ficado no esquecimento. É tempo de segui-lo. Temos muitos elementos para fazer uma boa Lei Eleitoral, na mesma Lei de 1838 ha consignados muito bons principios, delles o das incompatibilidades hei de adopta-lo com todo o meu coração salvas as declarações competentes. (Apoiados) Porque o, pois, que hoje parece já tremer-se diante da idéa de uma Lei Eleitoral?.... Trema quem quizer, que nós não. Queremo-la, e com todas as precauções contra os abusos do Poder. (Apoiados) No Ministerio, ou fóra, serei sempre da mesma opinião, a experiencia tem-me esclarecido, e para um Ministerio como aquelle que preside actualmente aos destinos da Nação, são poucas todas as prescripções contra a violação da Lei. (O Sr. Cunha Sotto-Maior. — Apoiado, é já tempo disso.)

Se das omissões passamos aos factos, e contemplamos a maneira, porque o Governo executou algumas Leis, ou Auctorisações que sairam do Parlamento, parece-me incrivel, Sr. Presidente, como o Ministerio que assistiu ás discussões, e que não podia deixar de consultar em toda a sua plenitude o Parlamento, poucos dias depois violasse esse pensamento, com manifesta informação da boa fé publica.

Sr. Presidente, fallarei do Decreto de 11 de Setembro de 1848. Neste Decreto estabeleceu o Sr. Ministro da Fazenda, que os credores do Estado, além dos 25 por cento de sacrificios, que o Parlamento lhes tinha lançado, fôssem obrigados a pagar 10 por cento mais, servindo-se para isto da Lei de 6 de Novembro de 1815. Foi uma cavillação contra o pensamento da Lei.

Todos sabem, (e fallo diante dos mesmos illustres Deputados, que assistiram comigo á discussão) todos sabem como este negocio se tractou tanto na Commissão como no Parlamento: mas se por ventura a memoria lhes falhasse, tio Discurso já citado do Sr. Ministro da Fazenda de 27 de Junho, encontrariam um excellente despertador. Aí quando S. Ex.ª foi censurado pela desigualdade que havia entre os sacrificios impostos á divida interna, e externa, (foi um Deputado que hoje é Campeão do Governo, que lhe dirigiu esta censura) quando, digo, era censurado sobre esta materia, o Sr. Ministro da Fazenda explicou o seu pensamento da seguinte maneira. O Governo, disse, propoz 40 por cento de sacrificios

para a divida interna, e 25 para a externa, porque entendeu que desta maneira havia uma perfeita equação; mas a Commissão entendeu o negocio de outra maneira, e por isso deliberou de accôrdo com o Governo, que em vez desta differença, o sacrificio lançado tanto á divida interna como externa fosse todo igual, e de 25 por cento.» Este é o mesmo pensamento que vem claramente desenvolvido no respectivo Parecer da Commissão. Mas que se fez?.......

Em 14 de Agosto encerrou-se a Camara, e no dia 11 de Setembro mandava o Sr. Ministro da Fazenda, que o sacrificio da divida externa fosse menor que o sacrificio da divida interna, quero dizer, que além do sacrificio de 25 por cento, se lançasse á divida interna a decima que se entendera subsistente pela Lei de 6 de Novembro de 1845.

Ora eu vou mostrar, que este é um perfeito absurdo apresentando á consideração dos Srs. Deputados um dilemma, de que sempre (me parece) não poderá sair.

Quaes são os artigos da Lei de 26 de Agosto respectivos á materia?... E o 12.º, e o 41.º; o 12.º que marca a quantidade do sacrificio, e o 41.º que estabelece, ou devia estabelecer a fórma practica de o exigir. Que diz o art. 12.º? Eis aqui as suas palavras.

«Os juros da divida fundada interna, e bem assim os juros da divida fundada externa, que se 44 vencerem no anno economico de 1848-1849 soffrerão um sacrificio extraordinario, e temporario de «25 por cento, sem nenhum outro encargo.»

Que determina o art. 41? Eis aqui tambem a sua lettra.

«Para que possa fazer-se effectiva a diminuição temporaria, e extraordinaria auctorisada nos juros da divida fundada externa, ou interna, o Governo capitalisará dos juros vencidos uma quantia igual a essa reducção, que será deduzida na somma do liquido, que cada um receber.»

Em nenhum outro artigo da Lei se falla desta materia, sendo ainda para notar com muita reflexão, que o anno de que se tracta, é verdadeiramente o anno de 1818 — 1819. Portanto uma de duas; ou o Governo queria seguir o espirito da Lei, ou a sua lettra; se queria seguir o espirito da Lei, necessariamente ha de conceder, que os 25 por cento eram o sacrificio unico, e igual lançado á divida interna e externa, porque o art. 12.º se explica sem nenhum outro encargo mais; se queria seguir a lettra da Lei, então era impossivel lançar 25 por cento á divida preterita, e anterior a 1848 e 1849; porque nenhum artigo da Lei declara, e exprime, que essa divida soffra tal sacrificio. Os Juristas, que tinham ouvido a discussão, podiam calar-se relativamente aos 25 por cento; mas, em verdade, quando, em vez disto, foram injustamente onerados não só com 25 por cento, mas com 10 por cento mais, a pretexto, de decima, não sei como era possivel esperar uma resignação, que tão mal foi sempre compensada pela parte do Ministerio? Os art.ºs 62.º e 63.º da Lei são muito claros, e, conforme as suas disposições, o Governo não sómente não póde pagar além das despezas auctorisadas na Lei, mas tambem não póde receber outros impostos, além dos declarados na mesma Lei. Veja pois bem o Ministerio como se póde livrar das consequencias do passo iniquo, que se deu. Quer seguir a lettra da Lei, não póde exigir 25 por

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cento dos juros da divida anterior a 1848, porque em nenhum artigo, ou palavra está expresso este imposto. Quer seguir a historia, e pensamento da Lei, então teremos os 25 por cento; mas sem nenhum outro encargo mais; e por consequencia sem a decima, com que injustamente foi onerada a divida interna. Fóra daqui não ha sair. (O Sr. Visconde de Castellões: — Eu lhe mostrarei que vem.) O Orador: — Estimarei que sáia a defender a sua obra, que eu lhe responderei, até com as suas proprias palavra, que não ha outra intelligencia a seguir. O sacrificio que se lançou para a divida interna e externa, declarou-se de ver ser em tudo igual; este é o fundamento do qual se deveriam tirar todas as conclusões, é ainda o mesmo fundamento, com que, sem optar pelos sacrificios impostos sobre os Empregados Publico, se declarou, que nunca estes sacrificios subiriam a mais de 25 por cento, com duas, ou quatro excepções. O Governo e que illudiu esse pensamento uniforme, que um pouco attenuava a inconveniencia do sacrificio, publicando esse Decreto de 11 de Setembro, com o qual onerou esta divida com mais de 10 por cento. E fez com isso algum bem á Causa Publica Não; porque quando um Governo marcha por este caminho, não póde achar as sympathias da opinião publica Não era melhor, em caso de duvída) seguir a opinião mais favoravel aos contribuintes? O que perdesse materialmente em alguns contos de réis, não o ganharia na opinião publica, não o conseguiria no augumento do credito? (Apoiados.)

Vou agora tracta! de outro objecto importantissimo, e o Decreto de 26 de Dezembro, publicado em execução da Lei de 28 de Julho do anno preterito. Tracta-se nelle das Tabellas. Esse assumpto que foi aqui trazido pela diligencia e zêlo de muitos Srs. Deputados, que, informados dos abusos que, á sombra da Tabella, ou, com a Tabella, se commettiam, acharam ingente reclamar justiça a favor do Povo — esse objecto a cuja discussão assistiu o Governo que prometteu de desenvolve lo conforme o pensamento da Camara — essa materia a respeito da qual o pensamento da Camara tinha em geral sido a diminuição dos emolumentos, principalmente nos negocios orfanologicos, porque se reconheceu geralmente que os bens dos orfãos ficavam, pela maior parte, no poder da justiça, foi tudo, tudo completamente illudido, e burlado pela execução que o Ministerio deu a Lei de 28 de Julho Esta auctorisou o Governo para reformar as Tabellas, tendo em vista a boa administração da Justiça, e maior commodidade dos Povos, o que significava esse pensamento que se levava em vista de aliviar os Povos dos excessivos emolumentos que lhes exigiam, e o Governo, pelo trabalho, que publicou, o citado Decreto de 26 de Dezembro, em vez de melhorar, peiorou a sorte dos Povos: nada ou quasi nada se diminuiu aos orfãos, e muito se augmentaram os salarios nos outros actos de justiça civil, ou criminal, a favor dos altos Empregados Eis-aqui a prova da minha asserção nos seguintes resultados

Primeiramente os orfãos unicamente foram favorecidos na classe de presidencias aos conselhos de familia. Feito o calculo pelos 19 actos, que ahi podem ter logar, e a quantia de favor 2$280 réis que é a differença que vai de réis 19$980, para réis 17$700 em que actualmente fica; a qual quantia de 2$280 dividida juntos 19 actos dá o resultado de 172 réis por cada um Em segundo logar, os Empregados subalternos da Justiça ficaram com menos de metade, os Juizes de Direito foram augmentados com uma pequena differença; aos Juizes da Relação elevaram-se os seus emolumentos a mais de metade; e os do Supremo Tribunal de Justiça tambem foram augmentados em 30 por cento!...

Vou referir alguns exemplos para tornar mais palpavel a verdade do que affirmo.

No Supremo Tribunal de Justiça, feito um calculo sobre as differentes qualidades do processo, apparece um resultado de 1$600 contra as partes; mas augmentaram-se além disso dois emolumentos que não havia, um de 17$936 nos embargos chamados de falsa causa, e outro de 7$200 pela assignatura da petição para licença para se demandarem os differentes Empregados de Justiça por percas e damnos. Daqui resulta que o Supremo Tribunal de Justiça teve um augmento de quasi 27$000 réis, o que na hypothese dada, póde calcular-se pouco mais ou menos 30 por cento para os Conselheiros do Supremo Tribunal de Justiça! (Movimentos de admiração) Ora peço aos Illustres Deputados que me digam se, em alguma das nossas imaginações, entrou já mais a idéa de augmentar os salarios daquelle Tribunal Impondo um novo onus ás partes, que aliás se teve em vista aliviai

Mas este excesso é muito mais reparavel, muito mais inqualificavel nos Tribunaes de 2.ª Instancia. O que na mesma hypothese era no augmento de 1$600 réis para o Supremo Tribunal, e na Relação logo de 9$400 réis!... No caso de haver embargos nas causas, ha um excesso, a maior, de 4$700 réis. Na antiga Tabella por causas crimes pagava-se 2$400 réis de assignatura, agora não se contentaram com isto, quizeram 4$800 réis por assignatura!... (Novos signaes de surpreza) pelo accordão de conferencia, pela antiga Tabella, só se devia pagar uma assignatura de 600 íeis, quer saber a Camara, quer saber o Paiz o que a Tabella hoje dispõe? Esses accordãos de conferencia podem ser multiplicados até ao infinito, e por consequencia os emolumentos augmentados nessa proporção: a necessidade de accordãos creou-se para casos onde nunca haviam intervindo, como por exemplo, para mandar o processo para a 1.ª Instancia.

Passando das relações para os Juizes de Direito, ahi a differença é menor, porque e sómente de 1$700 réis, feito o calculo pela somma de todos os actos, e assim mesmo não é em todas as Varas Mas a Orfanologia! Que era o objecto principal, a favor do qual se levantaram clamores bem justos e fundados, por que os orfãos em verdade devem merecer uma particular protecção dos Corpos constituidos, pelo seu desamparo, e porque ordinariamente os seus bens são mal administrados!... (Apoiados) Os orfãos, na primeira classe, quero dizer, na hypothese do sorteamento para partilha, em vez de diminuírem nos emolumentos, tiveram 500 réis de augmento, e unicamente nas Presidencias dos Conselhos de familia, como já disse, houve a tal differença de 2$280 réis a favor delles, que, divididos pelas classes cabe a cada uma Os 172 réis já mencionados. Ora eis aqui está o grande effeito, o importantissimo effeito que se tirou de um objecto que se apresentou aqui com tanta solemnidade e em que o Parlamento se decla-

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rou do modo mais positivo na intenção de diminuir aquelles emolumentos!... Diminuiram se para os desgraçados, e augmentaram-se para as Classes que eram poderosas!... (Apoiados).

Mas, Sr. Presidente, o excesso das Tabellas não está unicamente neste ponto; está nas disposições geraes que as acompanham, disposições que em verdade fariam estremecer o homem menos susceptivel de medo, o homem menos conhecedor da gravidade d'essas disposições. Eu vou lêr a Camara os artigos penaes que contém as Tabellas, para vêr a nova Jurisprudencia e as novas regias de responsabilidade que nos trouxe o anno do 1848.

Sr. Presidente, nesses artigos não se tracta unicamente de regular por normas certas, e definidas, a marcha, a procedencia, e a contabilidade dos salarios, e emolumentos; estabelecem-se regras, e preceitos de responsabilidade civil, de responsabilidade criminal; estabelecem-se penas, e até com a Lei dos Meios veio implicar-se. Em tudo isto ainda ha certa novidade, que não era para se introduzir na Jurisprudencia Criminal pelo meio d'umas disposições geraes de Tabellas, como por exemplo a perda do logar ao Juiz que mandar contar salarios demais, sem outra gradação; e a corresponsabilidade, entre elle, Contador, e Escrivão no caso de excesso, e não obstante ordem, ou despacho judiciario, que mande proceder a contagem!! E a materia dos artigo» 3.º, 4.º e 5.º das ditas disposições geraes; mas não e tudo, porque no art. 45 contem-se uma providencia, que altera demais a mais a Lei dos Meios num artigo de receita, mencionada no Mappa B. É a disposição do art. 45.º que ordena que as multas, que não excederem a 5$000 réis sejam applicadas para o aceio etc. dos tribunaes. O rendimento das multas, pela sua constante defraudação já está redusido a 16:580$000 réis como se vê do referido Mappa, por aquella providencia conte-se em se riscar quasi toda a verba. (Apoiados).

Sr. Presidente, em cada um destes artigos se veem disposições que não estavam nem nos termos, nem no espirito da auctorisação. Todas as providencias que teem acompanhado as differentes Tabellas, são regulamentares dos salarios e emolumentos; marcam a forma pratíca porque se ha de proceder, mas a criminalidade destes actos sempre pertenceu e deve pertencer a Lei respectiva, a Penal. E nessa que se devem procurar estabelecer as necessarias disposições, mas guardando os preceitos daquella Filosofia Criminal, que é propria da época, e do progresso das idéas. Na actualidade cumpria contentar-nos com o que existe nas nossas Leis penaes, ou propol-as novas no Parlamento. É fóra de duvida que este não teve em vista dar authorisação ao Governo para estabelecer novas penas, ou inverter todas as conhecidas regras de responsabilidade. Para que pois o Governo se metteu nesse assumpto, em vez de regular melhor o que lhe cumpria? Não póde explicar-se senão pela fatalidade d'essa estrella com que faz tudo o que não deve, e deixa de fazer o que mais util é a sociedade.

Prova mais que o Ministerio publicou um acto destes sem a devida attenção, não se lembrando que elle ía desde logo actuar sobre os Povos, e onera-los com manifesta infracção do pensamento da Lei, e intenções do Parlamento, com salarios e emolumentos que não se lhes devia levar (Apoiados)

Tenho de me occupar seguidamente do objecto grave das Sele Casas. Sr. Presidente, se existisse um Ministerio que tivesse bem merecido do Paiz, por meio das providencias uteis que houvesse adoptado a favor dos melhoramentos do mesmo Paiz, se houvesse um Ministerio que tivesse respeitado a Carta Constitucional, sabido manter os direitos individuaes do cidadão, e concorrido em tudo para a felicidade do Paiz, se houvesse esse Ministerio, e no catalogo dos actos de gerencia apparecesse um acto similhante á arrematação das Sete Casas, tinha, no meu modo de pensar, riscado todas as paginas da sua gloria, e tinha-se tornado altamente réo de infracção, contra os principios e contra a Lei, perante a Nação a que elle presidisse.

Depois do Sr. Ministro da Fazenda nos ter vindo aqui dizer, que as Leis que elle tinha proposto na Sessão antecedente, não tinham sido da efficacia que elle esperava; depois de nos ter dicto que havia de pagar aos Empregados em dia, entenda-se na ordem em que progressivamente se serviu dessa circumstancia, como razão para levar a Camara a approvar-lhe a substituição da dotação da Junta do Credito Publico; depois de ter faltado a esta promessa, visto que em vez dos pagamentos serem levados a regularidade promettida, se atrazaram e atrazaram muito, era preciso um acto muito mais celebre do que tudo isto para immortalisar o Ministerio actual, este acto é, como já disse, o contracto sobre as Sete Casas. A arrematação das Sete Casas considerada nos limites da Lei, e uma violação de muitas Leis, considerada nos limittes e campo da economia, é um erro fatal, considerada no caminho da Politica e Moral, não é simplesmente fatal, e perigosissima. (Apoiados)

O Governo, concedida a fórma practica porque dirigem este negocio, faltou, no meu modo de vêr, ás considerações do Parlamento, e aos deveres para com a opinião publica. O Governo quando estabeleceu este negocio, disse na primeira condição, que a arrematação seria feita por annos civis começando de 1849 a 1853, quer dizer, que havia de principiar no 1.º de Janeiro deste anno: e no artigo ultimo da Portaria de 14 de Dezembro determina tambem, que este contracto ficaria dependente da approvação das Côrtes. Uma de duas, ou o Governo fazia conta de esperar pela approvação das Côrtes, e o art. 1.º era inutil, ou tinha em vista que os Contractador entrassem no 1.º de Janeiro; e neste caso havia de fallar as disposições do ultimo artigo, por isso mesmo que as Côrtes não se podiam reunir neste tempo para legalisa! um acto similhante. Este argumento não podia deixar de entrar na consideração dos Arrematantes, porque era uma manifesta decepção contra a hasta publica, e contra as regras da boa coherencia, mui necessarias para Os effeitos moraes da confiança publica.

Mas, Sr. Presidente, que auctoridade tinha o Governo para proceder a um similhante Contracto Para que havia o Governo pôr em Praça, em 26 de Dezembro, um objecto que não havia de levar a execução, sem approvação das Côrtes, e quando as Côrtes tinham de reunir-se em menos de oito dias? Que desejo e este de se apresentarem os Ministros sempre no campo da illegalidade ou inconstitucionalidade? Não se póde duvidar da existencia de muitas Leis, que prohibem o Ministerio ter dado um similhante

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passo: abrindo-se o Codigo das nossas Leis Financeiras do tempo de um Grande Homem, aí achará a de 22 de Dezembro de 1761, titulo 2. § 9.º; quem abrir o mesmo Codigo n'uma data mais moderna, não encontrára menos explicita a Lei de 12 de Junho de 1800, no § 7.º; quem ainda quizer uma data mais moderna, data já posterior á Restauração da Carta dada pelo Immortal Dador della, aí tinha um Decreto de 27 de Dezembro de 33, no titulo 7.º, art. 1.º; mas queria o Ministerio ainda outra Lei mais moderna do que todas estas? Porque não estudou a mesma Lei de 26 de Agosto de 48, para cuja factura elle tinha cooperado?

Em vou mostrar, á vista da Lei, que os Sr. Ministros estão visivelmente incursos nas suas disposições penaes; e que não póde nem deve salval-os, esse subterfugio banal de appellar para a approvação das Côrtes, porque isto é um meio de violar todas as disposições legaes, attendendo a que a approvação das Côrtes deve procurar-se antes e não depois. (Apoiados) Eu peço á Camara preste attenção ao mesmo art. 14 que ha pouco acabei de citar, e ahi verá implicitamente o pensamento de condemnação do acto praticado pelo Governo. Naquelle artigo diz-se «Que fica o Governo auctorisado para providenciar ao expediente das Alfandegas, e para centralisar a acção fiscal e administrativa das mesmas Alfandegas.» Pergunto — será ou não isto uma base inteiramente opposta áquella da arrematação a que o Governo mandou proceder? Pois não foi o Governo que teve a bondade, ou não sei se leveza, de dizer que queria a arrematação das Sele Casas, porque desta maneira esperava que a fiscalisação melhorasse? Realmente e o maior epigramma que se póde fazer á gerencia do Ministerio e seus proprios Empregados. É o proprio Governo que se declara inhabil para administrar, e os seus Empregados inhabeis para fiscalisarem!! (Sensação) Em que Paiz do Mundo se vê adoptar um similhante principio á face de um Governo Representativo, a não serem logo completamente stigmatisados os seus autores? Mas não é só o pensamento implicito da Lei; se os Srs. Ministros tivessem lido o art. 6.º dessa mesma Lei de 26 de Agosto, aí veriam que estava expressamente excluida a idéa de arrematação. Porém o Sr. Ministro da Fazenda quando não quizesse, em consequencia das suas occupações, dar-se ao estudo das Leis, (Riso) não tinha mais que seguir o seu exemplo. Pois o Sr. Ministro da Fazenda não tinha já um acto na sua gerencia como Governo; não tinha já excluido a idéa funesta de arrematação? Pois ignora alguem o que se passou durante o Ministerio do Sr. Conde do Tojal. Pois ignora alguem que nesse tempo S. Ex.ª com as melhores intenções, mandara annunciar as arrematações, ordenando comtudo que se tomasse só condicionalmente o lanço? Pois não se sabe que sobre este negocio foi consultado o Procurador da Corôa, e o Procurador da Fazenda! O Procurador da Corôa que foi sempre constante em declarar que o Governo não tinha tal auctorisação, e o Procurador da Fazenda, que, sendo de opinião contraria, chamado ao Tribunal do Thesouro, aí reformou a sua primeira opinião, conformando-se com a do Procurador da Corôa, e do Tribunal? Pois o Sr. Ministro da Fazenda não sabia que o Tribunal do Thesouro Publico, nessa época, apesar da sua Politica ser conforme com a do Governo d'então,

apesar de haver relações de amisade entre os seus Membros e o Governo, sendo consultado sobre essa arrematação, consultou que ella nem moral, nem politica, nem economicamente podia ser admittida? (O Sr. Albano: — É verdade) A Consulta subiu em 23 de Maio, e o Governo conformou-se com ella, fazendo retirar todas as arrematações. Mas se ainda era preciso outra auctoridade, não a tinha o Ministerio nas Côrtes Constituintes de 38? Este negocio veio alli trazido por uma igual occasião, e o Congresso declarou-se contra elle ressentindo-se d'aquillo que estava feito. Actos tão repetidos não deveriam servir para esclarecer a intelligencia do Ministerio?

Sancto Deos! Aonde é que se viu levantado em douctrina, que o Publicanismo era util aos Estados, e mais conveniente aos Povos? Na Historia? Mas a Historia é contraria. Na Sciencia? Mas a Sciencia e conforme com a Historia, e uma e outra com a experiencia, que não tem tornado menos proverbial a avareza dos arrematantes, do que sensivel o prejuiso de auematar direitos certos, de uma cobrança diaria, e de mais sob a inspecção do Governo! Os principios com que distinctos Legisladores em 1761, 1800 e 1833 fizeram estabelecer como defeza a arrematação de taes rendimentos ainda são os mesmos: sómente o Ministerio não os póde entender. (Apoiados)

O bem-estar dos Povos, Sr. Presidente, deve ser o primeiro cuidado do Governo, e nesta expressão Governo não comprehendo só o Ministerio, comprehendo todos os Poderes do Estado; porque todos os Poderes do Estado têem absoluta necessidade e obrigação de concorrer para este bem-estar, que é o fim das Sociedades. Ora este acto de arrematação que é de tristissimos resultados para o Povo em geral, o que será elle para o Povo de Lisboa, e seu Termo?....

Traz no seu ventre a oppressão e o monopolio. Os arrematantes, por natureza das cousas, hão-de vexar a titulo de fiscalisar; perseguir para augmentarem o capitulo das multas O cidadão não tem segurança em sua casa, estando a avarea em facção, e auctorisada para invadir o seu domicilio. Este direito individual póde reputar-se riscado da Carta contra os habitantes de Lisboa, e Termo Fiscal das Sete Casas. (Muitas vozes. E assim, é verdade). E dê o Governo as providencias que quizer para o evitar, serão sempre inuteis, a experiencia tem-no mostrado em todos os tempos. Os Romanos, para evitar as extorsões dos Publicanos, fizeram innumeraveis Leis: nunca foi possivel evitar que elles vexassem os Povos. Em Franca deu-se a mesma hypothese; appareceram os mesmos effeitos. Os fermiers generaux vexaram, como os Publicanos, e os vexames sómente acabaram com os primeiros actos da revolução de 1789. Acabaram, acabando os fermiers generaux. Muitas Leis foram tambem publicadas entre nós contra os excessos dos Contractadores ou Arrematantes, e viu-se jámais colhêr d'ellas algum fructo?... Todas as providencias tomadas no tempo de El-Rei D. José I. e todas as que se adoptaram posteriormente, teem sido insufficientes para evitar os vexames, que aos Povos apresentaram os Arrematantes (Apoiados).

E o monopolio?... Sr. Presidente, desde que se admittir este Contracto, todo o Commercio de retalho ficará inteiramente perdido, e centenares, e milhares até de familias de Lisboa e seu Termo reduzi-

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das á mais completa miseria. A demonstração não é difficil de fazer-se, considerando; 1.º que a nova fiscalisação ha de necessariamente tornar mais difficil o Commercio; 2.º que os mesmos Arrematantes interessam n'essas difficuldades, quando teem os meios de fazer seu todo o Commercio miudo, ou de retalho em Lisboa, constituindo depositos por sua conta, do que resultará, já o prejuiso da terça parte dos rendimentos da Fazenda, a impossibilidade do Commercio n'outras pessoas, que não sejam seus Commissarios, ou Dependentes, pois com uma pequena baixa no preço tornam impossivel a concorrencia (Apoiados, é verdade.)

Sr. Presidente, este objecto e digno d'alteração, não só pelo lado da ordem publica, porque é impossivel que a ordem deixasse de resentir-se de actos tão violento, mas tambem pelo lado da moral. Para que se hão-de lançar tantas familias na miseria e na desesperação?... E eu receio que taes actos dêem causa a algum excesso, que não deve esperar-se em estado regular, em consequencia do bom senso com que sempre este Povo costuma proceder. (Apoiados.)

Já se viu, em algum tempo, que um pai de familia, um administrador para colher os fructos côrte a arvore?,.. Já se viu que para um pai de familia colher o grao, lance fogo á seara!... Pois o exactamente o que faz o Ministerio arrematando as Sete Casas

Não é possivel deixar de reconhecer os seus inconvenientes, e o Ministerio conheceu os tanto, que, no Relatorio, que precede o Decreto de 30 de Dezembro, com o qual approvou um Contracto, ahi se diz n'um dos paragrafos, que os inconvenientes são palpaveis, mas que era necessario remediar outros inconvenientes, quaes os do atraso dos pagamentos aos Empregados do Estado. Sr. Presidente, tambem eu quero, e todo> queremos, o pagamento aos Empregados Publicos, todos queremos que se lhes pague e sem excepções odiosas (Apoia los), mas queremos que se pague economisando, e não desviando da sua verdadeira applicação os rendimentos publicos. Que importa pagar aos Empregados e ao Exercito um mez, se para isso ficarem sacrificados os rendimentos de 3 ou 4 mezes? (Vozes — Muito bem). O resultado será que, passado esse mez, ficam em maior atrazo, e ficarão reduzidos a não terem quem lhes dê nem um real por esse, pobres papeis que se lhes entregam, que ninguem os descontará por preço algum por não se ver a possibilidade de pagamento por parte do Governo.

Agora tractarei deste Contracto pelo lado dos algarismos, e mostrarei que ha delle um prejuiso enormissimo para o Thesouro Publico

Sr. Presidente, o rendimento das Sete Casss foi orçado no anno de 40 a 41 em 835 contos, e as refeitas recebidas foram de 791 contos; no anno de 41 a 42 foi orçado em 819 contos, e recebido 796 contos; no de 42 a 43 foi orçado em 791 contos, receita verificada 713 contos; no de 43 a 44, o orça ti o em 865 contos, e o realisado foi muito mais, porque a receita recebida foi de 878 contos; no anno do 44 a 45, o orçado em só 784 contos, e o recebido foi 858 contos; no anno de 45 a 46 foi só orçado em 728 contos, recebido 885 contos; no de 46 a 47, orçado 745 contos, recebido 708 contos; no anno de 17 a 48, orçado em 715 contos, recebido 827 contos; ora, Sr. Presidente, tomando o têrmo medio deste calculo, excluindo o ultimo anno, temos que o termo medio do rendimento é de 810 contos, sem o producto dos rendimentos do Pescado, que se póde calcular, termo medio, em 60 contos de réis, os quaes juntos a 810 contos, produzem 870 contos; os dous terços desta quantia são 580. No primeiro anno o desembolso deveria ser de 720 contos, ou de 726 contos, (accrescentando-lhe o que se fez aporta fechada sem a concorrencia do Publico:) recebem os Arrematantes dous terços do rendimento proposto, que como já disse são 580 contos; ficam nesse anno com o desembolso de 140 contos. No segundo anno: pagam durante esse segundo anno 360 contos; segundo o Contracto, o total que desembolsam vem a ser 500 contos; recebem, durante esse, 580 contos; saido que entra já no terceiro anno, 80 contos. Pagam nesse terceiro anno 360 contos; desembolsam 280, recebendo 580; tem o lucro certo de 300 contos nesse terceiro anno; mas a isto tem de accrescentar-se as duas verbas que não entraram nos Contractos antecedentes, nem nas Propostas, durante o Ministerio do Sr. Conde do Tojal, nem nos subsequentes, com são o Subsidio Litterario, e as Sizas das herdades, as quaes verbas se podem calcular têrmo medio, em 24 a 26 contos. Estas duas verbas não tinham entrado nunca em transacção alguma, porque iam para a Junta do Credito Publico. Temos pois a accrescentar a totalidade desta quantia, que são pelos tres annos, 48 contos, pouco mais ou menos, e por consequencia em vez de 300 contos, são 348. Ora eis-aqui estão os bens que offerecia á Fezenda este Contracto, que, como se disse, era feito para pagar aos Empregados Publicos, como se elles, o Exercito, e, em geral, todos os Servidores do Estado, não vissem que, marchando nesta progressão de desvario a respeito dos rendimentos Publicos, era absolutamente impossivel que, na especie dada, o Thesouro tivesse um só real por onde fossem pagos: por tanto, sobre o objecto das Sete Casas direi, debaixo do ponto de vista, que referi, relativamente á Politica do Governo, e ao zêlo e diligencia com que tracta as cousas de Fazenda, que me parece ter levado á evidencia que este Contracto não sómente foi feito contra a expressa determinação da Lei, mas contra os principios da Sciencia, e com manifesto prejuiso da Fazenda.

Mas, Sr. Presidente, quer ainda a Camara mais exemplos deste zêlo com que o Ministerio tracta as cousas publicas? Para isso basta ver a Lei de 3 de Abril de 1848; esta Lei que passou aqui, em horas da maior angustia, e á qual o Parlamento annuiu em consequencia da grave mudança que tinha occorrido em França; essa Lei a respeito da qual eu disse, que jamais annuiria, uma vez que não existissem aquellas circumstancias determinadas, porque eu não podia concordar em que o Governo podesse tirar das dotações, que tinham uma applicação especial, a quantia de 250 contos, que não escapou tambem á negligencia Ministerial. Bem o previa a Commissão, e por isso estabeleceu algumas providencias, tendentes a evitar o abuso, determinando se, no art. 3., que os rendimentos applicados para o pagamento da quantia votada fôssem directa, e successivamente mandados para os Cofres da Junta do Credito Publicos pelos respectivos Exactores. Mas, Sr. Presidente, tem-se passado quasi um anno, e tem o Go-

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verno satisfeito a esta divida de brio; a este compromisso de honra para com a Junta do Credito Publico, que acudiu ao Governo com prejuizo dos Juristas? Tem o Governo providenciado para que aquelles rendimentos das Decimas do anno de 1847 — 1848 entrassem nos Cofies da Junta successivamente, e sem interrupção? Não, Sr. Presidente; estamos hoje ha quasi um anno, e ainda a Junta do Credito Publico não tem recebido senão 24 contos, pouco mais, ou menos. O anno passado, quando eu aqui fallei contra o desvio daquella dotação, disse que a Junta tinha recebido 21 contos: dizia isto em Agosto; passou todo este tempo até ao presente, e ainda não foi mais para a Junta do Credito Publico, senão a somma de tres contos de réis! Podem por ventura, factos taes deixar de influir no Credito do Governo, e na confiança publica! Póde o Governo queixar-se á vista delles da falta dessa mesma confiança!

Mas, Sr. Presidente, eu tenho de entrar agora no objecto talvez mais grave do meu Discurso; tenho de entrar no ponto mais importante; naquelle que se liga com os pagamentos aos Servidores do Estado; naquelle que tem relação com a administração do Thesouro Publico; naquelle que tem relação com a gerencia do Ministerio a respeito desses fundos publicos, e hei de desenvolver este ponto de maneira, que não fique duvida alguma ao Publico de que effectivamente a Lei se não tem cumprido, e que foram inuteis as providencias, que, com certa previsão, foram estabelecidas nos art.ºs 62.º e 63.º da Lei de 26 de Agosto de 1848, prohibindo que o Governo, não sómente desviasse as quantias, que lhe foram votadas, applicando-as para serviço differente daquelle para que estavam designadas no Orçamento, mas prohibindo, que ellas podessem até ser transferidas de capitulo para capitulo; isto para evitar os abusos, que com similhantes transferencias se costuma fazer.

Naquella Lei determinou-se muito positivamente, que o Governo não podesse practicar nem uma, nem outra cousa; que não podesse dar applicação de um só real da receita, que lhe era votada, senão para os serviços, que eram designados na mesma Lei: e o Governo cumpriu por ventura assim as disposições desta Lei?

Sr. Presidente, será um facto, que o Governo não tem pago em dia aos Empregados Publicos, e mais Servidores do Estado? Em dia, já disse, que entendo ser na ordem chronologica, em que vinham os pagamentos. E um facto que, não só senão tem pago, como se promettêra, mas que esses pagamentos se teem atrasado consideravelmente.

Eu vou mostrar, por factos irrecusaveis para o Ministerio, este atraso immenso dos pagamentos. Quer saber a Camara qual é o estado dos pagamentos ás Classes em serviço activo? O ultimo pagamento, foi mandado annunciar em 13 de Novembro preterito; de sorte que ha 60 dias, que é tão estas Classes sem pagamento, e, ainda mais, não está concluido o pagamento do mez, que se mandou annunciar, que foi o de Agosto, faltando ainda 24 Classes, na importancia de 21:009$300 réis.

Quer saber a Camara, e o Paiz, o estado dos pagamentos relativos ás desgraçadas Classes inactivas? Sr. Presidente, em 7 de Outubro de 1848 mandou-se annunciar o pagamento do mez de Maio para as chamadas — de consideração — e Fevereiro, e Março para as outras, que são de — não consideração — de sorte, que umas estão no atraso, que vai desde Maio até ao presente, e outras desde Fevereiro.... Mas quer-se saber como se mandaram annunciar estes pagamentos? Estavam muito ricas, era preciso que se onerassem ainda com um imposto; mandavam-se annunciar dois mezes para as pobres Classes inactivas sem consideração, para poder fazer-se entrar na totalidade um quarto em Notas. (Signaes de admiração.) Quer mais a Camara saber o estado desses pagamentos? Eis aqui uma verdade, que tambem não póde ser contestada, e é que o pagamento do mez annunciado em 7 de Outubro precipitou-se antes de estar pago aquelle, que se tinha annunciado em 20 de Setembro, porque ainda ha muitos titulos desse primeiro mez annunciado, que não estão pagos. (Apoiados.)

E assim como isto se practica com os Servidores do Estado em activo serviço, e com as pobres Classes inactivas, se practica com o Exercito. Quer a Camara saber o estado dos pagamentos do Exercito, desse Exercito que a nós todos merece toda a consideração, todo o elogio pela sua fidelidade, (Apoiados) merece todo o elogio pelo seu soffrimento, (Apoiados) merece todo o elogio pela sua disciplina; (Apoiados) merece-o de nós sinceramente, sem o mandarmos apregoar nos Jornaes. Quer a Camara saber, quer saber a Nação o estado em que está o pagamento do Exercito? Eu vou tambem apresentar uma pequena resenha:

A 1.ª Divisão Militar pagou-se ultimamente a 2.ª quinzena de Setembro, e soldos de Outubro.

A 2.ª — 2.ª quinzena de Agosto, e soldos de Setembro.

A 3.ª — 1.ª » de Dezembro »»

A 4.ª — 2.ª » de Novembro »»

A 5.ª — 1.ª » de Setembro »»

A 6.ª — 1.ª » de Outubro »»

A 7.ª — 1.ª » de » »»

Á 8.ª — 1.ª » de Agosto »»

(Sensação.) — É exactamente esta a consideração que merecem todas estas classes ao Governo.

Estabelecidos estes factos, porque quero levar a minha demonstração rigorosamente, estabelecidos estes factos que se não podem contestar, pergunto eu — qual é a despeza do Estado em cada mez? A despeza do Estado e mensalmente de 540 contos, termo medio (fallo da despeza ordinaria). Não sou eu que o digo, é o proprio Sr. Ministro da Fazenda nesse seu Discurso de 27 de Junho, que já citei por tres vezes, e publicado no Diario do Governo; é o Orçamento que o diz tambem, são todos os documentos officiaes apresentados pelo Governo: é pois esta a base sobre que devemos fazer os nossos calculos. E porque se não tem pago? Será porque se não tem recebido?... Eu acredito que se não terá recebido tanto como aquillo que está marcado na Lei de Meios, acredito isto muito sinceramente, mas os factos desgraçadamente mostram que se tem recebido muito mais do que aquillo que era necessario para pagar, não digo já até ao mez de Agosto, mas até ao mez de Novembro integralmente, e ainda parte de Dezembro. Quereis saber se eu fallo verdade?... Eu vou responder-vos com os documentos do Governo, e vou instruir-vos com os mesmos documentos, fazendo todas as deducções, e contando só as quantias liquidas para o Thesouro Publico.

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«Receita do ultimo semestre, total á disposição do Governo liquido do rebate das Notas.

Peço que se tome nota do Diario n.º 190, ahi no respectivo Balancete se vê que a receita, dada pelo proprio Governo, do mez de Julho, liquida para o Thesouro é de 460:085$606. Tome-se nota do Diario n.º 235 e ahi se verá que a receita tambem liquida dada pelo Ministro para o Thesouro respectivamente ao mez de Agosto é de 536:292195. Tome-se nota do Diario n.º 266 com relação ao mez de Setembro, e ver-se-ha que a quantia respectiva liquida para o Thesouro é de 499:253$305. Tome-se nota do Diario n.º 280 com respeito ao mez de Outubro, e ahi se verá que a receita liquida e de 554:811$201. Tome-se nota do Diario n.º 290 com referencia ao mez de Novembro, e ahi se verá que a receita para o Thesouro e 417:596$827. Somma total 2.468:039$134.

Ora, Sr. Presidente, eu sei que se deve deduzir desta quantia 590 contos para supprimentos e transferencias; mas tambem para fazer face a estas despezas eu não metto no calculo, primeiramente as mezadas do Contracto do Tabaco na parte em que não estão applicadas para a Junta do Credito Publico, o rendimento do Pescado, as transferencias, e saques sobre os Cofies dos 16 Districtos do Reino e Ilhas Adjacentes, o Subsidio Litterario, os Proprios Nacionaes, e outros rendimentos diversos, o que tudo sobe á quantia de 900 contos de réis, que dão bem para os 588. Ora agora calculando o mez de Dezembro pelo minimo, visto que não lemos ainda Balancete, teremos para este mez 400 contos dos Cofres de Lisboa, 700 contos dos rendimentos de todo o semestre da Alfandega do Porto, e 70 contos das Alfandegas menores por todo o semestre. Total de todas as verbas 3.638:039$000 réis.

E não se queira argumentar de maneira nenhuma com a diminuição do rendimento da Alfandega das Sete Casas; é verdade que diminuiu alguma cousa neste anno, mas tambem por outro lado o rendimento das outras teve augmento consideravel: só a Alfandega de Lisboa teve 140 contos de réis de augmento n'um semestre. Temos pois a prova completa de que o Governo recebeu 3$600 contos, e recebeu só isto perguntarei eu?.. Não; ainda lhe havemos de accrescentar mais outra quantia, havemos de lhe accrescentar 250 contos, em que importam os emprestimos ruinosos, os emprestimos ruinosissimos, feitos o primeiro em 26 de Agosto, que a instancias da Imprensa o Sr. Ministro da Fazenda publicou no Diario do Governo, e mais alguns contracto sitos, repetidos todos os mezes para acudir ás obrigações do primeiro, sommando já todos aquella quantia de 250 contos de réis pouco mais ou menos, ao que ajunto ainda mais a de 40 contos de réis que o Governo recebeu da projectada arrematação das Sete Casas, a titulo de ser indemnisado pelos rendimentos daquella Repartição!

(O Sr. Cunha Sotto-Maior: — Ouçam, ouçam.) Temos a de 3.890:319$134 réis.

Ora vamos a ver quaes são os pagamentos que o Governo fez, e vamos a ver a immensa quantia que lhe sobra, e vamos tambem ver em que a gastou.

Sr. Presidente, o Governo tem pago desde Agosto em diante as seguintes quantias: tem pago a quinzena de Abril, a quinzena de Maio, e a quinzena de Junho, tem pago além disto; Julho, e tem pago póde-se dizer metade de Agosto, attendendo a que elle tem deixado de pagar, tanto ás Classes Inactivas, como ao Exercito, como mesmo aos Empregados effectivos; totalidade dos mezes que o Governo tem pago tres; que fique muito obrigado o Publico (Hilaridade). Quanto é que sommam estas quantias?... 1620 contos de réis: deduzamos esta quantia da importancia dos rendimentos que eu tenho demonstrado que o Governo recebeu, e achamos que tendo recebido 3890 contos (quantia redonda), e tendo despendido 1620 com a despeza ordinaria, segue-se que lhe deviam ficar 270 contos.

Sr. Presidente, o Governo apresentou nos aqui como motivo para diminuir esta quantia as despezas com Inglaterra; admitto as todas, e admitto mais tambem as de Macáo: quanto são as quantias, que pelo Mappa da Lei de Meios estão designadas para o pagamento destas dividas em Londres tanto ao» Officiaes da Guerra Peninsular, como ás duas Casas de Commercio com que tinha contractado? Importam em 355:47$688 réis: deduzamos esta quantia de 2:270$000 contos acima liquidados, e teremos — 1:815 contos ou peito de seis milhões de cruzados. Em que consumiu o Governo esta quantia, pergunto eu? Não sei, Sr. Presidente, nem o Paiz sabe; mas por uma collecção de factos, que o Governo me não poderá contestar; por uma collecção de factos, que eu vou apresentar á consideração do Paiz e da Camara, julgo, com sobeja razão, que esses rendimentos publicos tiveram uma applicação muito illegal.

Vou lêr os artigos 62 e 63 da Lei, porque é preciso, que o Parlamento se recorde d'uma destas materias, que aqui tanta irritação produziu na Sessão passada, fallo da maneira d'impor responsabilidade aos Srs. Ministros. O artigo 62 diz:

As contribuições publicas auctorisadas pela pressente Lei, não poderão ser distrahidos da sua devida applicação; o Ministro ou Ministros, que o contrario fizerem, serão processados e punidos como réos do crime de peculato, e concessão — Artigo 63.º Ficam expressamente prohibidas as contribuições publicas de qualquer titulo ou denominação, que sejam, além daquelles auctorisadas por esta Lei.«»

Será verdade, que o Governo violou o preceito que a Lei lhe impõe, que elle mesmo se impoz a si? Será verdade, que elle desviou as consignações, que lhe dá a Lei do Orçamento, do serviço do anno economico de 1848 a 1849? Ora tomem 00 Srs. Ministros nota deste facto, para esclarecerem a Camara, como lhes cumpre, porque eu desejo muito, que se esclareça.

Primeiro — dividas atrasadas, que foram pagas de 33 a 34 e dahi por diante nos annos subsequentes até 45, réis 76:300$314; pergunto, estariam estas dividas designadas no Orçamento? Pertenceriam ao anno economico de 1848-1849, para que o Governo as podesse pagar? Nau. É logo o seu pagamento uma completa infracção do artigo 62 da Lei. Póde haver confiança n'um Ministerio, que estabelece um artigo, e vai logo depois viola-lo? E que ha de fazer nisto o Tribunal de Contas? Que poderá fazer o Tribunal de Contas, pergunta-se, depois do exemplo do Sr. Antonio Pereira dos Reis? Eis a razão, porque é da primeira necessidade, que a independencia acompanhe os Magistrados daquelle Tribunal; de outra sorte é excrecencia, é uma anomalia do Governo Constitucional. (Apoiados)

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Mas, Sr. Presidente, será sómente está quantia de 76 contos de dividas atrasadas? Havera sómente isto? Todos ouviram fallar n'umas certas contestações, que houve com o Sr. Ministro da Fazenda Franzini e Conde do Tojal sobre certos pagamentos, dividas feitas no anno de 1847, durante as ultimas operações militares: é sabido, que aquelles Srs. Ministros recusaram sempre mandar pagar aquella divida; porque naturalmente intenderam remette la ao Parlamento para a auctorisação competente; a Lei de Meios não lhe tinha dado meios, pois não obstante isso o Sr. Ministro da Fazenda mandou-a satisfazer pelos meios votados para o corrente exercicio. A divida e de 194 900000 réis. e o pagamento mandou-se effectuar desta maneira: 89 contos em letras sobre as contribuições dos differentes Districtos do Remo a vencer desde ocorrente Janeiro até Dezembro de 1849, e 75 contos apuram-se mensalmente a razão de cinco contos por mez pela Thesouraria do Ministerio da Fazenda. Podia tambem o Governo fazer um semilhante pagamento, sem estar auctorisado? Não podia, porque era infringir a Lei dos Meios. Ella não tractava disto, não vinha como despeza corrente; o pagamento pois foi uma infracção? (Apoiados) Mas é sómente isto, que se mandou pagar illegalmente? É sómente esta a despeza que se determinou contra a expressa determinação da Lei? Não é. Todos sabem, que nós votámos aqui pela Lei de 26 d'Abril 24> mil homens, para o Exercito de terra, dos quaes seis mil deviam ser licenciados, porque não era possivel pagar a um Exercito de 24 mil homens em serviço, segundo as nossas circumstancias. Em França acabava de ter logar um successo extraordinario, mas não obstante o Parlamento sustentou a providencia das Leis anteriores, e não julgou necessario augmentar a força: mas que fez o Governo pela sua parte?... E em que época? Em Novembro de 1848, intendeu que devia de seu mótu-próprio augmentar mais a despeza publica com 170 contos déreis, elevando o Exercito em sei» viço a 22:520 praças. (Sensação)

O Decreto pelo qual o Governo ordenou este augmento de despeza, tenho-o na mão, é de 7 de Novembro de 1848; este Decreto, não obstante a importancia da quantia, e a importancia do objecto, não obstante a Lei exigir para outras despezas menos graves a consulta do Conselho de Estado, pergunto ainda, consultou o Governo porventura o Conselho de Estado? Podia n'um objecto de tanta gravidade, deixar de o fazer? Temem-se por ventura os votos do Conselho de Estado como um espectro?

Oh! Sr. Presidente, não é possivel, tanto em vista da Lei, como em vista de todos os principios da conveniencia governativa, deixar um acto tal em silencio? Que importa que o Ministerio diga que decreta, e que fará sciente ás Côrtes? Esta uma boa fórma de executar a Lei! Accresce a consideração de que o Ministerio praticou estes e outros factos, quando se mandava escrever que havia santa e profunda paz em todo o Paiz!!! Sabe a Camara quanto importam estas tres quantias Em 400 contos de augmento extra-legal.

Mas será sómente isto, Sr. Presidente? Não é, e eu considero ainda debaixo do mesmo ponto de vista certo luxo de despeza, que nunca foi practicavel, creio eu, em tempos constitucionaes.

Sr. Presidente, abrindo o Orçamento, eu vejo que pelo Ministerio do Reino vem marcado um artigo — Guarda Municipal — os soldos competentes, não só para os Officiaes, mas os prets para os Soldados; mas será verdade que a Guarda Municipal de Lisboa tem só seis companhias? Será verdade que este facto era ignorado pelo Governo antes de nos apresentar o Orçamento? Mas quando eu disser á Camara e ao Paiz que a Guarda Municipal de Lisboa não tem seis companhias, mas sete, e que para as despezas desta septima não foi votada cousa alguma no Orçamento anterior á Lei dos Meios, que me respondêra a Camara, e que julgará ou ajuizará a Nação? Quer V. Ex.ª saber a despeza que faz com essa companhia, igualmente conservada extra-legal e inconstitucionalmente? Eis-aqui está:

[VER DIARIO ORIGINAL]

Eis-aqui está como se tracta com respeito ao Parlamento, aos principios constitucionaes, e como o Governo administra os bens publicos!! A setima companhia da Guarda Municipal era necessaria Nessa questão não entro eu agora, mas o Governo tinha o meio de vir ao Parlamento pedir auctorisação. Tinha o meio de apresentar a despeza no Orçamento. Era preciso que não se importasse com a falta de respeito aos principios constitucionaes para assim procedei!

Junta esta quantia aos 411 contos somma 426:200$ réis, que tenho mostrado que o Governo tem desviado da applicação legal.

Ora, em quanto isto se passa desta maneira, que acontece, Sr. Presidente com a Policia Preventiva em Lisboa? Que é o que se gasta com esta Repartição, e em que proporção está o que se gasta, com o que se gastou em todo o tempo? Quando eu tive conhecimento deste facto não pude deixar de me admirar!

Quer saber V. Ex.ª e a Camara quanto se deu para a Policia Preventiva em Lisboa no mez de Julho? 975$000 réis!

Quer saber quanto se gastou em Agosto? 1:500$ réis!

Quer saber quanto se gastou em Setembro? 750$ réis!

Quer saber quanto se gastou em Outubro? 500$ réis!

Total destes mezes 3.725$000 réis! Além disto accresce um Aviso de Credito, que tem a nota — Para o Ministerio — da quantia de 825$000 réis. Quer saber quanto se gastou em Novembro com a mesma Policia Preventiva? 1:350$000 réis! Quer saber quanto se gastou em Dezembro? 850$500 réis! E em Janeiro corrente, creio que estamos a 17, já se tem gasto 1.150$000 réis! Quer saber quanto custa esta policia em seis mezes 7.900$000 réis! (Sensação geral)

Sr. Presidente, eu admiro, porque no tempo em que alli servi, que foram nada menos que 16 mezes,

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nunca a verba para a Policia Preventiva do Governo Civil de Lisboa excedeu a 200$000 réis mensaes; e eu peço que se compare a Policia de então com a Policia de agora. E não se entenda de maneira alguma que eu alludo, nem levemente, de um modo desfavoravel, ao nobre Chefe que alli serve, cuja honra e probidade todos conhecem, mas é fóra de duvida que S. Ex.ª póde ser enganado.

A verba marcada no Orçamento para este artigo é de 10 contos de réis; tem-se dado para os Districtos peito de um conto e tanto, logo tem-se quasi até Janeiro absorvido a quantia que devia chegar infallivelmente até ao fim do anno economico ou financeiro. E então, Sr. Presidente, póde haver admiração de que se não pague aos Empregados Publicos? E então póde haver admiração de que os pagamentos em geral estejam tão atrasados? Não de certo. Por estes factos podémos julgar do resto da applicação; o êrro está visivelmente demonstrado, a falta do Ministerio de não applicar as quantias que lhe foram votadas da maneira que a Lei as estabeleceu, está conhecida.

E aquelle mesmo Retrato, se fallasse, Sr. Presidente, não faria uma accusação contra o Ministerio? Um meu Amigo hontem fallou deste negocio, e apresentou-o á Camara, censurando o Ministerio por não o ter mandado fazer pela Academia das Bellas Artes. (O Sr. Cunha Sotto-Maior: — Perdôe-me V. Ex.ª, não foi isso que eu disse.) O Orador: — Supponhamos que disse, isso é questão de nome; e accrescentou que aquelle Retrato tinha custado 100$ réis; não é exacto; eu posso informar mais exactamente a Camara da historia do Retrato. O Retrato custou 180$000 réis (O Sr. Presidente do Conselho: — É exacto) O Orador: — Foi aquillo porque se ajustou, mas a ordem que se passou na Secretaria do Reino é de 400$000 réis; agora peço a S. Ex.ª que me diga se é exacto; e como se explica isto? (O Sr. Presidente do Conselho: — Muito facilmente) O Orador: — Não sei; a explicação está talvez em que ao lado do Retrato havia segundo me informam dous outros, e estes dous outros não eram de certo pertencentes á mesma Augusta Familia a que aquelle pertence. São estas, Sr. Presidente, as informações que me deram, porque todos tem ouvidos, e todos tem olhos, quando se tracta de auxiliar a verdade. Mas eu desejarei que neste e nos mais assumptos, que pelo lado da Opposição aqui venho apresentar, os Srs. Ministros da sua parte lhes opponham materia triunfante. (O Sr. Presidente de Conselho: — Havemos de ter.) Não e do meu interesse apresentar accusações, mas é do meu dever promover emenda. (O Sr. Presidente do Conselho: — Tambem eu as promoverei) O Orador: — É o que devia ter feito ha muito.

E dir-se-ha ainda, Sr. Presidente, que é o despeito, ou a ambição que dirige a Opposição, ou que é o amor da verdade, ou que é o desejo de que o Ministerio marche pelo caminho que deve marchar, e como convem ao Paiz? Sr. Presidente, um sabio Economista dizia, que a incerteza do futuro é um dos peiores males; ao homem para quem não ha esperança do dia seguinte, a vida é um supplicio, e a faculdade da previsão é uma tortura. O Ministerio,

Sr. Presidente, depois de nos mortificar e ao Paiz com os seus actos da administração passada, quer-nos até tirar a esperança do futuro; nos actos que apresenta á Camara, quer-nos condemnar ao inferno de Dante, quer-nos deixar sem esperança.

Sr. Presidente, eu não vejo alli (Apontando para os Ministros) pessoas, vejo só principios de administração, e é aos principios de administração que eu constantemente tenho fallado, e igualmente aos actos governativos dessa mesma Administração; uma Administração qualquer que seguir os principios da justiça, da moderação, da economia e da verdade, que alli se sentar, sejam quem forem os Cavalheiros, hão de ter o meu apoio, em quanto eu tiver assento neste Parlamento: não regatearei esforços, hei de apoial-a com todas as minhas forças; mas quando em vez disto se seguir o caminho opposto, e não se der satisfação á opinião do Paiz, e não se der cumprimento ao pensamento do Parlamento, a minha guerra será franca como o meu coração, leal como o meu procedimento, claro como o meu dever, esse Ministerio hei de hostilisal-o por todos os meios constitucionaes, legitimos, e honestos.

Não corre nas minhas veas o sangue de Castros, nem dos Albuquerques, mas devo a existencia a um pai que symbolisa a honra e a probidade, e nesse ponto não cede nem a uns, nem a outros; transmittiu-ma por nascimento, e soube robustecel-a pela educação, é essa origem, são os serviços, que a educação me habilitou a fazer ao meu Paiz, que eu estimo mais do que os titulos vãos, e nem se intenda que elles me podem jámais fascinar; não, Sr. Presidente; hei de viver, e hei de morrer, e protesto-o na presença do Paiz, José Bernardo da Silva Cabral. Estimo mais o meu nome do que todos esses titulos, que a vangloria, ou o orgulho procuram com tanto empenho (Apoiados numerosos).

Se. Presidente, repito, eu desejo um Ministerio que tenha força, mas força com a Lei. Desejo que tenha economia, mas que a mostre pelos seus actos. Que tenha moderação, mas que não seja só em palavra; mas que seja justificada por seus actos. Que tenha tolerancia, mas que esta tolerancia não seja traduzida em perseguição de opiniões e de individuos (Apoiados). Se um Ministerio, este ou outro qualquer, reunisse essas qualidades, seria o meu Ministerio, seria aquelle a quem eu daria franco apoio: (Apoiados.) mas como estou persuadido, pelos actos que referi e analysei, que o Ministerio actual segue uma vereda differente (Apoiados); como a falla do Throno é dirigida inteiramente a justificar esta vereda a cuja sancção repugna o meu coração e dever, eu não posso deixar de votar contra a Resposta ao Discurso do Throno, porque intendo que sanctifica uma Politica, que é altamente nociva ao Paiz e ao Throno. (Voes: — Apoiados, muito bem, muito bem, excellentemente)

O Sr. Presidente: — A Ordem do Dia para ámanhã e a continuação da mesma. Está levantada a Sessão. — Eram 4 horas e meia da tarde.

O Redactor,

JOSÉ DE CASTRO FREIRE DE MACEDO.

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