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CÂMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

13.ª SESSÃO

EM 5 DE MAIO DE 1905

SUMMARIO.- Lida e approvada a acta, deu-se conta do expediente, dez officios e dois projectos de lei em segunda leitura. Foram admittidos. - O Sr. Conde da Ribeira Grande (D. Vicente) requer a aggregação de alguns Srs. Deputados á commissão de agricultura. - Alguns Srs. Deputados fazem perguntas ao Sr. Presidente sobre a realização dos seus avisos previos. - O Sr. Homem de Gouveia realiza um aviso previo ao Sr. Ministro da Justiça sobre a sua portaria referente ao proceder do Prelado de Bragança. - Responde o Sr. Ministro da Justiça (José de Alpoim), tendo a camara consentido em prorogar a hora regimental em beneficio da continuação do debate. - São introduzidos na sala e prestam juramento os Srs. Frederico Ramires e Francisco Joaquim Fernandes. - O Sr Valerio Villaça apresenta o parecer da commissão dos negocios externos sobre a proposta de lei n.° 5-A. - Varios outros Srs. Deputados apresentam requerimentos, notas de avisos previos e interpellações.

Na ordem do dia (continuação da discussão do projecto de lei n.° 3, organização do exercito), falam, successivamente, os Srs. Rodrigues Ribeiro e Antonio Guerreiro. - O Sr. Sinel de Cordes requer que o Sr. Mathias Nunes seja aggregado á commissão de guerra. - O Sr. Valerio Villaça communica a constituição da commissão de vacaturas.

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2 DIRIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Presidencia do Exmo. Sr. Vicente Rodrigues Monteiro

Secretarios os Exmos. Srs.:
Gaspar de Abreu de Lima
Antonio Augusto Pires de Lima

Primeira chamada- Ás 2 horas da tarde.

Presentes - 7 Srs. Deputados.

Segunda chamada - As 2 l/2 horas.

Presentes - 54 Srs. Deputados.

São os seguintes: - Alberto de Castro Pereira de Almeida Navarro, Alexandre Proença de Almeida Garrett, Alfredo Pereira, Álvaro da Silva Simões, Antonio Alberto Charula Pessanha, Antonio Augusto Pereira Cardoso, Antonio Augusto Pires de Lima, Antonio Caetano de Abreu Freire Egas Moniz, Antonio Centeno, Antonio Homem de Gouveia, Antonio José Garcia Guerreiro, Antonio Maria de Carvalho de Almeida Serra, Antonio Peixoto Correia, Arthur Pinto de Miranda Montenegro, Augusto Cesar Claro da Ricca, Augusto Faustino dos Santos Crespo, Augusto Guilherme Botelho de Sousa, Conde de Carcavellos, Conde de Paçô-Vieira, Diogo Domingues Peres, Eduardo Fernandes de Oliveira, Eduardo Valerio Augusto Villaça, Euzebio David Nunes da Silva, Francisco Miranda da Costa Lobo, Francisco Xavier Cabral de Oliveira Moncada, Francisco Xavier da Silva Telles, Gaspar de Queiroz Ribeiro de Almeida e Vasconcellos, Gil de Mont'Alverne de Sequeira, João Baptista Ribeiro Coelho, João Catanho de Menezes, João Serras Conceição, João de Sousa Bandeira, João de Sousa Tavares, Joaquim Pedro Martins, José Alberto da Costa Fortuna Rosado, José Antonio Alves Ferreira de Lemos Junior, José Augusto de Lemos Peixoto, José Augusto Moreira de Almeida, José da Cruz Caldeira, José Maria de Oliveira Mattos, José Maria Pereira de Lima, José Mathias Nunes, José Vicente Madeira, José Vieira da Silva Guimarães, Luiz Eugenio Leitão, Luiz Filippe de Castro (D.), Luiz Maria de Sousa Horta e Costa, Manuel Francisco de Vargas, Manuel Joaquim Fratel, Miguel Pereira Coutinho (D.), Ovidio de Alpoim de Cerqueira Borges Cabral, Pedro Doria Nazareth, Thomaz de Almeida Manuel de Vilhena (D.), Vicente Rodrigues Monteiro.

Entraram durante a sestão os Srs.: - Albino Augusto Pacheco, Alfredo Cesar Brandão, Antonio Alves Pereira de Mattos, Antonio Cassiano Pereira de Sousa Neves, Antonio Ferreira Cabral Paes do Amaral, Antonio Maria Dias Pereira Chaves Mazziotti, Antonio Rodrigues da Costa Silveira, Antonio Rodrigues Nogueira, Antonio Rodrigues Ribeiro, Antonio de Sousa Athayde Pavão, Antonio de Sousa Horta Sarmento Osorio, Arthur da Costa Sousa Pinto Basto, Augusto de Castro Sampaio Côrte Real, Bernardo de Alpoim de Cerqueira Borges Cabral, Clemente Joaquim dos Santos Pinto, Conde do Alto Mearim, Conde de Castro e Solla, Conde de Penha Garcia, Conde da Ribeira Grande (D. Vicente), Conde de Sucena, Eduardo Burnay, Eduardo Frederico Schwalbach Lucci, Emygdio Lino da Silva, Fernando Augusto Miranda Martins de Carvalho, Fernando de Sousa Botelho e Mello (D.), Francisco Joaquim Fernandes, Francisco Limpo de Lacerda Ravasco, Francisco Pessanha Vilhegas do Casal, Francisco Xavier Correia Mendes, Frederico Alexandrino Garcia Ramirez, Gaspar de Abreu de Lima, Henrique de Carvalho Nunes da Silva Anachoreta, João da Costa Santiago de Carvalho e Sousa, João Ferreira Franco Pinto Castello Branco, João Joaquim Izidro dos Reis, João José Sinel de Cordes, João Monteiro Vieira de Castro, João Pinto Rodrigues dos Santos, Joaquim José Pimenta Tello, Jorge Guedes Gavicho, José Cabral Correia do Amaral, José Coelho da Motta Prego, José Ferreira de Sousa Junior, José Gonçalves Pereira dos Santos, José Joaquim Mendes Leal, José Joaquim de Sousa Cavalheiro, José Maria de Oliveira Simões, José Maria Queiroz Velloso, José Osorio da Gama e Castro, José Paulo Monteiro Cancella, José Simões de Oliveira Martins, Lourenço Caldeira da Gama Lobo Cayolla, Luiz José Dias, Luiz Pizarro da Cunha de Porto Carrero (D.), Mario Augusto de Miranda Monteiro, Matheus Teixeira de Azevedo, Paulo de Barros Pinto Osorio, Raul Correia de Bettencourt Furtado, Rodrigo Affonso Pequito, Sertorio do Monte Pereira, Visconde do Ameal, Visconde da Ribeira Brava, Zeferino Candido Falcão Pacheco.

Não compareceram á sessão os Srs.: - Abel Pereira de Andrade, Adriano Anthero de Sousa Pinto, Alfredo Carlos Le Cocq, Anselmo de Assis Andrade, Antonio Faustino dos Santos Crespo, Antonio José Gomes Lima, Antonio de Mattos Magalhães, Antonio Simões dos Reis, Antonio Tavares Festas, Carlos Augusto Ferreira, Conde de Agueda, Duarte Gustavo de Roboredo Sampaio e Mello, Henrique Carlos de Carvalho Kendall, João Maria Cerqueira Machado, Joaquim José Cerqueira, José Affonso Baeta Neves, Julio Dantas, Julio Ernesto de Lima Duque, Libanio Antonio Fialho Gomes, Luciano Affonso da Silva Monteiro, Luiz Vaz de Carvalho Crespei, Manuel Antonio Moreira Junior, Manuel Telles de Vasconcellos, Marianno Cyrillo de Carvalho, Marianno José da Silva Prezado, Miguel Antonio da Silveira, Visconde das Arcas, Visconde de Guilhomil, Visconde de Pedralva, Visconde da Torre.

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SESSÃO N.° 13 DE 5 DE MAIO DE 1905 3

ABERTURA DA SESSÃO - Ás 3 horas e 5 minutos da tarde

Acta - Approvada.

EXPEDIENTE

Officios

Do Ministerio da Justiça, remettendo uma nota do pessoal do Ministerio dos Negocios Ecclesiasticos e de Justiça, declarando que estes empregados não teem tido augmunto de vencimento desde o anno do 1859 e fazendo notar que esses vencimentos ainda foram diminuidos pelo aggravamento da lei de 26 de fevereiro de 1892, tudo em satisfação ao requerimento do Sr. Deputado Alfredo Cesar Brandão.

Para a secretaria.

Do Ministerio da Marinha, remettendo, em satisfação ao requerimento do Sr. Deputado José Maria Pereira de Lima, nota das importancias despendidas com o fomento agricola ultramarino, desde 1 de julho de 1904.

Para a secretaria.

Do Ministerio dos Negocios Estrangeiros, remettendo, em satisfação ao pedido do Sr. Deputado José Maria Queiroz Velloso, a copia da correspondencia originada pelas operações dos tabacos.

Para a secretaria.

Do mesmo Ministerio, remettendo; em satisfação ao pedido do Sr. Deputado Abel Pereira de Andrade, copias da correspondencia originada pelas operações dos tabacos.

Para a secretaria.

Do Ministerio das Obras Publicas, remettendo, em satisfação ao pedido do Sr. Deputado Alberto de Castro Pereira de Almeida Navarro, a relação dos commissarios do Governo que presentemente estão inscriptos na Direcção Geral do Commercio e Industria.

Para a secretaria.

Do mesmo Ministerio, remettendo, em satisfação ao requerimento do Sr. Deputado José Maria de Queiroz Velloso, uma relação dos commissarios do Governo que presentemente estão inscriptos na Direcção Geral do Commercio e Industria.

Para a secretaria.

Do Ministerio da Fazenda, enviando 120 exemplares do relatorio, proposta de lei, contrato e documentos referentes ao negocio dos tabacos, a fim de serem distribuidos pelos Srs. Deputados.

Para a secretaria.

Do Conselho da União Interparlamentar da Paz, participando que este anno a sua reunião se realiza em Bruxellas, no mez de setembro, e pedindo que a Camara se digne nomear a respectiva commissão.

Para a secretaria.

Do Sr. João de Paiva, pedindo para o Bureau da União Interparlamentar de Berne o subsidio com que a camara dos Senhores Deputados contribue annualmente para as despesas d'aquella Direcção Geral da União Interparlamentar.

Para a commissão administrativa.

Da Sra. D. Eugenia Sampaio Garrido Pinheiro, agradecendo o voto de sentimento da Camara do Senhores Deputados por occasião do fallecimento de seu marido, o antigo Deputado José Maria Gomes da Silva Pinheiro.

Para a secretaria.

Segundas leituras

Projectos de lei

Senhores.- Actualmente o concelho da Azambuja está dividido em tres assembleias eleitoraes, a primeira com sede na cabeça do concelho, composta das freguesias de Azambuja, Aveiras de Baixo e Villa Nova da Rainha, a segunda com sede em Aveiras de Cima, composta d'esta freguesia, e a terceira, com sede em Alcoentre, composta das freguesias de Alcoentre e Manique do Intendente.

Como porém esta ultima não satisfaça melhor á commodidade dos povos, porque a freguesia de Manique do Intendente fica a grande distancia da sede da respectiva assembleia, e alem d'isso é muito populosa e com maior numero de eleitores, como mostra a certidão junta, tenho a honra de submetter ao vosso esclarecido exame o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.° Para os effeitos eleitoraes é fixado em quatro o0 numero das assembleias primarias do concelho da Azambuja, devendo a primeira, com sede na cabeça do concelho, ficar composta das freguesias de Azambuja, Aveiras de Baixo e Villa Nova da Rainha; a segunda compõe-se da freguesia de Aveiras de Cima, com sede em Aveiras de Cima; a terceira ficar composta da freguesia de Alcoentre, com sede em Alcoentre; e a quarta ficar composta da freguesia de Manique do Intendente, com sede nesta povoação.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario. = Conde da Ribeira Grande (D. Vicente) = Miguel Pereira Coutinho = Luiz Eugenio Leitão.

Foi admittido e enviado á commissão de administração publica.

Renovação de iniciativa do seguinte

Projecto de lei

Artigo 1.° É o Governo auctorizado, nos termos das bases annexas a esta lei, da qual fazem parte integrante:

1.° A adquirir, durante o prazo de nove annos, contados da data d'esta lei, todos os depositos de hulhas, anthracites e lignites, todos os jazigos ferriferos, conhecidos no paiz e considerados de boa qualidade, e todos os demais depositos similares, que venham a descobrir-se, reputados da mais util e proveitosa applicação.

.° A dividir o paiz em tres regiões mineiras, denominadas: região mineira do norte, região mineira do centro e região mineira do sul.

3.º A proceder á extracção de todo o combustivel e de todo o ferro que as necessidades do paiz e o commercio externo reclamarem, feita por meio de concurso publico, segundo a lei vigente sobre arrematações, por empreitadas geraes de regiões mineiras, ou por empreitadas parciaes de minas isoladas, como mais convier aos interesses do Estado.

4.° A estabelecer officinas metallurgicas no norte, no centro e no sul do paiz, para a immediata utilização do ferro, não só na industria nacional, dispensando, quanto possivel, o producto similar estrangeiro, mas ainda no commercio de exportação na concorrencia estrangeira, feitas a sua fundição e preparação definitivas por meio de concurso publico em cada região mineira.

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4 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

5.° A alterar, para o mais rapido e economico aproveitamento dos carvões e dos ferros nacionaes, as tarifas aduaneiras da importação d'aquellas materias primas, de modo a estabelecer a mais vantajosa preferencia na sua utilização industrial.

6.° A determinar em todas aquellas regiões mineiras e industriaes um preço regulador para a venda d'aquelles productos, na sua oscillação nos mercados estrangeiros e na sua constante funcção protectora para a industria nacional; sendo esse preço para as bulhas calculado em 0,80 sobre a media dos preços normaes das hulhas, importadas na occasião e referidas á tarifa actual, - para as anthracites em 0,65 sobre aquelles preços - e para o ferro coado ou fundido, prompto para entrar no immediato aproveitamento da industria nacional, calculado com um bonus de 25 por cento sobre os preços medios, pelo que os importámos na occasião; e nos mercados estrangeiros pela media dos preços nesses mesmos mercados.

7.° A decretar a expropriação por utilidade publica de todas aquellas minas quando esgotados que sejam todos os recursos da mais justa conciliação para a acquisição dos differentes depositos mineraes a que se refere esta lei e as bases annexas e não possa, por isso, accordar se com os respectivos concessionarios.

8.° A desviar e a applicar desde já a emissão de 1.600:000$000 réis do emprestimo auctorizado pela carta de lei de 21 de junho de 1887 á acquisição e exploração das regiões mineiras do paiz, ao estabelecimento e funccionamento das suas officinas metallurgicas, á construcção de ramaes, de estradas de ligação e a outras obras a que se referem os n.ºs 1.° e 4.° da base l.ª e as alineas a), b), c), d} e e) ao n.° 1.° da base 4.ª d'esta lei.

9.° A instituir um fundo especial denominado "Fundo mineiro do Estado", destinado exclusivamente á acquisição e exploração das minas da região mineira do norte, da região mineira do centro e da região mineira do sul, ao estabelecimento e funccionamento das suas officinas metallurgicas, á construcção de ramaes, de estradas de ligação e de caminhos, á construcção de depositos de carvão e de ferro, e a todas as obras que as exigencias da exploração mineira e industrial exijam para o seu maior valimento.

10.° A promover a venda indirecta dos carvões e dos ferros nacionaes, por concurso publico, baseado na percentagem das despesas da operação da venda e da commissão ao adjudicatario, sobre o preço por tonelada de minerio vendido, determinado e regulado pelo Governo.

11.° A auxiliar e a promover o maior desenvolvimento industrial do paiz, com a maior exportação dos ferros nacionaes nos mercados estrangeiros.

Art. 2.° O Governo apresentará annualmente ás Côrtes um relatorio das receitas e despesas, e situação d'estas explorações mineraes, dando conta ao pais do uso que fez d'estas auctorizações, que podem ser modificadas, alteradas e acrescentadas, com a approvação das mesmas Côrtes, quando as exigencias d'aquella exploração e os interesses do Estado o reclamarem.

§ unico. O Governo decretará os regulamentos e providencias necessarias para a execução d'esta lei.

Art. 3.° Fica revogada toda a legislação em contrario.

Base 1.ª

A extracção e a exploração dos carvões e dos ferros nacionaes, e a sua preparação, são da exclusiva attribuição do Estado.

É o Governo auctorizado a promover no continente do reino a criação e desenvolvimento de tres regiões mineiras denominadas: região mineira do norte, região mineira do centro e região mineira do sul, destinadas á extracção, exploração e utilização industrial e economica dos carvões e dos ferros nacionaes, bem como a promover a construcção, estabelecimento e funccionamento, na sede de uma d'estas regiões, de tres officinas metallurgicas, destinadas á preparação e fundição do ferro, e á preparação de varios typos de ferro e ao fabrico do coke e de briquetes, em relação ás exigencias da industria nacional, ás nesessidades do paiz e do commercio externo.

1.º A região mineira do norte, abrangendo toda a zona territorial que se interpõe entre os rios Minho e Douro e mais uma faixa de 50 kilometros para o sul e parallelo a este rio, cuja sede será no concelho de Gondomar, e sita nas proximidades do rio Douro e do centro principal da exploração actual, comprehenderá os depositos carboniferos:

a) Das anthracites e demais carvões contidos nos jazigos da bacia mineira do Douro, na faixa comprehendida para S., entre as proximidades do Gafanhão, a 30 kilometros aproximadamente da margem esquerda do rio Douro, e as proximidades para N., para alem das margens do rio Ave, em uma extensão de 65 kilometros, situados nos districtos do Porto e de Viseu.

b) O de todos os demais carvões existentes, reputados de boa qualidade, e que venham a descobrir-se comprehendidos entre os limites d'esta região mineira e os depositos ferriferos;

c) Da zona ferrifera de Moncorvo, de uma extensão longitudinal de 10 kilometros e de uma largura de 1:000 metros, situada na latitude 41°. 10'.11" N., e na longitude 2°. 11'.23' E. de Lisboa, com a declinação magnetica de 20°.30'.16" O. (anno de 1875), comprehendendo, alem do minerio de transporte, o minerio de rocha e nas serras de Roboredo, Carvalhal, Carvalhosa, Carvalhozinha e Mira, no concelho de Moncorvo, districto de Bragança;

d) Das minas da serra de Rates, situadas a uns 8 kilometros do NE. de Villa do Conde, na extensão de 4:800 metros, no districto do Porto.

e) E de todos os ferros existentes, reputados de boa qualidade, e que venham a descobrir-se comprehendidos dentro dos limites d'esta região mineira.

2.° A região mineira do centro, abrangendo toda a zona territorial que se interpõe entre o limite sul da região mineira do norte e o rio Tejo, cuja sede será na Figueira da Foz, nas proximidades do seu porto, ou na região ferrifera de Leiria, nas proximidades das minas de carvão e de ferro, para a sua melhor utilização industrial, comprehenderá os depositos carboniferos:

a) Das hulhas do Cabo Mondego, situadas a 7 kilometros para NO. da Figueira da Foz, no districto de Coimbra;

b) Das minas do Chão Preto, situadas na margem direita do rio Leça, a 12 kilometros para S. da cidade de Leiria, no districto de Leiria;

c) Da mina do Sitio das Hortas, situada junto dos Casaes do Livramento, a 1,5 kilometro do Porto de Mós, e a 20 da estacão do caminho de ferro de Leiria, no districto de Leiria;

d) Da mina de Valle Verde, situada no valle limitado pelos contrafortes e vertentes E. da serra do Rio Maior ao Carvalho, á distancia de 33 kilometros para NO. da cidade de Santarem, no districto de Leiria;

e) Da mina do Cabeço do Veado, situada no prolongamento para NE. do jazigo do Valle Verde;

f) E de todos os demais jazigos carboniferos existentes, reputados de boa qualidade, e que venham a descobrir-se dentro dos limites d'esta região mineira.

E os depositos ferriferos:

g) Da mina do Valle Verde, adjacente á mina de hulha e de lignite do mesmo nome.

h) Da mina do Valle Pequeno, no concelho de Porto de Mós, á distancia de 10 kilometros da villa d'este nome, no districto de Leiria;

i) Da mina das Fontainhas, da extensão de 6 kilometros, sendo a sua direcção N.º 32° O., e a sua inclinação de 75° para SO. no districto de Leiria;

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j) E de todos os ferros existentes, reputados de boa qualidade e que venham a descobrir-se dentro d'esta região mineira;

3.° A região mineira do sul, abrangendo toda a zona territorial que se interpõe entre o rio Tejo e as costas da provincia do Algarve, e cuja sede será na estação do Barreiro, testa das linhas ferreas do sul e sueste, comprehenderá os jazigos ferriferos:

a) Das minas de Orada, que seguem a direcção N.º 72° E. magnetico, nas proximidades da igreja do mesmo nome, pertencentes ao concelho de Moura, no districto de Beja.

b) Das minas do Alvito na serra de S. Vicente perto de Vianna do Alemtejo e situadas perto do kilometro 119 do caminho de ferro do sul, no districto de Beja;

c) Das minas de Gamella, Monges, Castello Valle de Arca, Serrinha, Defesa e Nogueirinha, alinhadas em um comprimento de 15 kilometros nas proximidades de S. Tiago do Escoural no rumo NO. e SE. no districto de Evora;

d) Da mina da Cova do Monge, na região do Alandroal, do mesmo districto;

e) E de todos os ferros existentes e de ferro e carvões que venham a descobrir-se de reputada qualidade dentro dos limites d'esta região mineira.

4.° A criação, o estabelecimento e funccionamento d'estas tres regiões, na sua funcção mineira pela extracção do minerio e na sua funcção industrial pela preparação e fundição do ferro nas officinas metallurgicas, far-se-hão no periodo de nove annos contados da data da execução d'esta lei, seguindo as installações a ordem obrigada do N. para S. na exploração e aproveitamento immediato dos jazigos da bacia carbonifera do Douro e das zonas ferriferas de Moncorvo e de Rates, como as mais importantes e valiosas do paiz, de modo que aquellas tres regiões mineiras no fim de tres, seis e nove annos estejam em completa exploração e actividade mineira e industrial.

5.º A extracção do minerio, quer esta seja operada em poços por elevação, quer em galerias por tracção, quer a ceu aberto por cortes, será sempre feita por concurso publico ou por empreitada geral das regiões mineiras ou por empreitada parcial por cada região ou ainda por minas isoladas, tomando-se para base de preço da arrematação a media dos preços por tonelada do minerio extrahido das differentes minas da região mineira ou a media da mina isolada da mesma região.

6.º Em igualdade de preço offerecido, e tendo em conta as demais condições especiaes da arrematação, é sempre preferido o concorrente que tenha sido legitima e legalmente o concessionario da mina até á data da sua acquisição para o Estado.

7.° A construcção de edificios apropriados para as officinas de metallurgia, a montagem de machinismos, a installação de forjas de fundição e o levantamento de altos fornos em cada região mineira serão sempre feitos por concurso publico, em conformidade com as clausulas e condições geraes de empreitadas de 28 de abril de 1887, na parte que lhe for applicavel.

8.° A depuração e fundição do ferro, a preparação do coke e briquetes e os demais productos metallurgicos privativos d'estas officinas serão sempre feitos por concurso publico, dando-se a preferencia, em igualdade de preço offerecido, aos representantes da industria nacional.

Base 2.ª

É o Governo auctorizado a adquirir, por contrato amigavel dentro da mais justa e equitativa conciliação com os concessionarios das minas, que o sejam á data d'esta lei, segundo as disposições do decreto de 30 de setembro de 1892 e o regulamento para o aproveitamento das substancias mineraes, approvado por decreto de 5 de julho de 1894, todos os jazigos carboniferos e ferriferos a que se as alíneas a), b), c), d) e e) do n.º 1.°, as alineas a), b), c), d), e), f), g}, h) i) e j) do n.° 2.° e as alineas a), b), c), d) e e) do n.° 3.° da base l.ª, que faz parte integrante d'esta lei, observando se nessa apropriação a ordem estabelecida no n.° 4.º da mesma base.

1.° São considerados desde já, para todos os effeitos, sem recurso algum de contestação ou direito a qualquer indemnização, livre na sua area e havida como propriedade do Estado, todos os jazigos carboniferos e ferriferos:

a) Cujos manifestantes, no prazo de doze mezes, não tenham requerido os direitos de descoberta, segundo o artigo 13.° do decreto de 5 de julho de 1894;

b) Cujos concessionarios tenham incorrido nas penas a que se refere o artigo 52.° do mesmo decreto;

c) Cujos concessionarios tenham suspenso em toda a sua lavra os trabalhos da exploração das minas, e que assim se acharem abandonadas até a data de 31 de dezembro de 1902;

d) E todo o minerio de minas abandonadas que se encontre arrancado e espalhado nas suas galerias e poços, e no campo da sua exploração, ou ao ar livre.

2.° São applicaveis a todos os concessarios de minas as disposições do n.° 1.° e das suas alineas, ainda mesmo que até a data d'esta lei tenham satisfeito ao Estado os impostos de mineração a que se referem os artigos 1.º e 2.º do decreto de 30 de setembro de 1892.

3.° Em cada uma das regiões mineiras estabelecidas por esta lei, passado um mez depois da sua approvação, o Ministro das Obras Publicas, pela competente Repartição de Minas, mandará proceder á organização do cadastro do todos os jazigos carboniferos e ferriferos do paiz, dividindo-o em quatro agrupamentos:

a) De minas aonde ainda se não tenham feito quaesquer sondagens ou pesquisas, mas havendo pedido da sua concessão:

b) De minas aonde se tenham feito sondagens e trabalhos de pesquisa para pôr a descoberto o deposito mineral e que sejam motivo do pedido de uma concessão;

c) De minas concedidas, mas ainda não exploradas;

d) De minas em activa exploração.

4.° O Governo, feito o cadastro, mandará proceder, desde logo, ás sondagens e pesquisas do 1.° grupo de minas a que se refere o n.° 3.º d'esta base, calculando-se para as minas ainda não exploradas qual o valor d'essas sondagens ou pesquisas, e para todas as outras qual o seu valor industrial e importancia d'esses jazigos na sua utilização industrial.

5.° Para a expropriação de todos os jazigos, aos quaes se refere esta lei, o Governo nomeará uma commissão especial em cada região mineira, que será constituida do engenheiro director da circumscripção industrial aonde estiver situada a região mineira, ou mina imolada da região, do administrador do concelho, do presidente e do secretario da camara municipal, do engenheiro de minas da região e de um industrial metallurgico de reconhecida competencia, proposto pelo engenheiro director da circumscripção industrial. Este engenheiro e o secretario da camara serão o presidente e o secretario da commissão.

6.° Uma copia do cadastro, referida á região mineira que se expropria, será entregue á commissão especial de expropriações, que lhe servirá de base e de mais justa apreciação de preços e do valor industrial para o contrato de acquisição d'aquelhas minas carboniferas e ferriferas.

7.° O termo de expropriação será lavrado na administração do concelho, observando-se todas as formalidades a que se refere a lei sobre expropriações.

Base 3.ª

A administração das tres regiões mineiras do Estado será confiada, sob a auctoridade do Ministerio das Obras Publicas, Commercio e Industria, a uma inspecção geral, que será denominada Inspecção Geral das Minas do Estado.

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6 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

1.° A sede da Inspecção Geral será em Lisboa:

2.º Farão parte da Inspecção Geral: o director geral das obras publicas e minas, o director geral do commercio e industria, o engenheiro inspector do corpo de minas, o chefe da Repartição de Minas, os engenheiros directores dos caminhos de ferro do Estado, e os representantes, um do commercio e outro da industria;

3.° Todos os serviços da exploração das regiões mineiros do paiz serão commettidos a tres direcções, subordinadas á Inspecção Geral das Minas do Estado, e denominanadas Direcção Mineira do Norte, Direcção Mineira do Centro e Direcção Mineira do Sul;

4.º A sede de cada uma d'estas direcções será: para a região do norte no Porto; para a região do centro na Figueira da Foz, e para a região do sul em Lisboa;

5.° 0 pessoal do quadro de cada direcção mineira comprehenderá um engenheiro director, um engenheiro adjunto a este, dois engenheiros chefes de serviço, tres conductores e dois desenhadores.

6.° Serão destacados do corpo de engenharia civil e dos seus auxiliares aquelles engenheiros, conductores e desenhadores que as necessidades do serviço reclamarem, quando o corpo de minas os não possa satisfazer. O engenheiro director será sempre um engenheiro chefe;

7.º Os vencimentos que competem aos membros que constituem a inspecção geral, e ao pessoal das direcções, são os que percebera actualmente determinado por lei. São gratuitas as funcções dos representantes do commercio e da industria.

.° Serão destacados do quadro dos apontadores, em serviço no Ministerio das Obras Publicas, aquelles que o director da região mineira solicitar da inspecção geral, regulando se o seu numero pelo serviço no mesmo Ministerio.

Base 4.ª

É o Governo auctorizado, logo que tenha adquirido a posse dos combustiveis da bacia carbonifera do Douro e dos jazigos ferriferos das serras de Moncorvo e de Rates, na região mineira do norte, a proceder desde logo:

1.° Á construcção:

a) De dois ramaes de via reduzida, industrial, de 10 e 7 kilometros, aproximadamente, ligando a serra de Moncorvo e o centro da região mineira do norte com as estações do Pocinho e de Rio Tinto nos caminhos de ferro do Minho e Douro;

b) De estradas de serviço em toda aquella bacia carbonifera, estabelecendo a melhor ligação de todas aquellas minas com as officinas metallurgicas;

c) De dois caes no rio Douro, um na margem direita, aproximadamente a 7 kilometros do centro d'aquella região carbonifera, e outro na margem esquerda, no concelho de Castello de Paiva, a uma distancia de 2:500 metros da mina do Pejão, jazigo extremo d'aquella região carbonifera;

d) Da estrada de serviço de S. Pedro da Cova, o centro mineiro de maior producção, com a estação de Campanhã, nos caminhos de ferro do Minho e Douro;

e) De installações apropriadas para depositos de carvão e de ferro para a sua exploração industrial e commercio externo.

2.° É o Governo auctorizado a construir todos os ramaes e estradas de serviço, caes, depositos de carvões e de ferros e outras obras obrigadas nas regiões mineiras do centro e do sul do paiz, logo que os seus jazigos estejam de posse do Estado, seguindo a ordem estabelecida no n.° 4.º da base l.ª, com o fim da sua mais util e proveitosa ligação com os caminhos de ferro que lhes passam nas suas proximidades e com os primaipaes centros de consumo, e da sua mais prompta e vantajosa exploração em favor da industria nacional e dos grandes interesses do Estado.

3.° O Governo concede aos adjudicatarios das officinas metallurgicas o transporte gratuito do ferro em bruto, extrahido dos seus jazigos, nos caminhos de ferro do Estado que hoje existam, e nos que venham de futuro a pertencer-lhe, destinado aquellas officinas.

Base 5.ª

O fundo mineiro do Estado será administrado pela Inspecção Geral das Minas do Estado.

Constituem receita do fundo mineiro do Estado:

1.° O producto da emissão de 1.600:000$000 réis do emprestimo auctorizado pela carta de lei de 21 do junho da 1887, era harmonia com as disposições do n.º 8.º do artigo 1.° d'esta lei;

2.° O augmento da receita liquida, proveniente do augmento do trafego no transporte dos carvões e da ferros nos caminhos de ferro do Estado, referido á media nos annos de 1898, 1899, 1900 e 1901;

3.° O excedente da venda dos carvões nacionaes feita pelo Estado, nos termos d'esta lei, sobre a importancia de 252:000$000 réis, media dos direitos alfandegarios, arrecadados pelo Thesouro pela importação dos carvões de pedra, referida aos annos de 1898, 1899, 1900 e 1901;

.° O excedente da venda de ferros fundidos nacionaes dentro do paiz, sobre a importancia de 4:700$000 réis, media dos direitos alfandegarios arrecadados pelo Thesouro, pela importação do ferro coado ou fundido, referida aos annos de 1898, 1899, 1900 e 1901;

5.º A percentagem de 30 por cento sobre o producto liquido da venda dos ferros fundidos ou de qualquer natureza; exportados para os mercados estrangeiros;

6.° Os depositos de garantia das empreitadas da extracção e exploração dos jazigos mineraes e da exploração das officinas metallurgicas, a que se referem os n.ºs 3.° e 4.° do artigo 1.° d'esta lei, e por lei hajam de reverter para o Estado, segundo as clausulas e condições geraes de empreitadas, de 28 de abril de 1887;

7.° O producto do arrendamento de terrenos no campo da exploração de cada região mineira, feito aos adjudicatarios da exploração mineira e industrial, destinados aos estabelecimentos de depositos de materiaes e mais dependencias da extracção, e da exploração das officinas metallurgicas, que a elaboração mineira e industrial exigir no decorrer dos trabalhos;

8.° O producto da venda:

a) De terrenos que tenham sido explorados no seu minerio, e que se julguem exhaustos na sua producção, ou não remuneradora a sua extracção;

b) Do leito dos caminhos, de estradas e de ramaes de ligação com as differentes minas, que se tornarem desnecessarios no andamento da exploração e na exhaustão dos jazigos, sem prejuizo das ligações, que se julguem de interesse publico, e feitas durante a exploração mineira;

c) Do Leito de antigos caminhos existenies nos campos mineiros, que se julguem abandonados, e cuja alienação não prejudique a exploração da região.

9.º Os juros da receita a que se referem os n.ºs 1.°, 2.°, 3.°, 4.°, 5.°, 6.°, 7.° e 8.º d'esta base de lei, e que constituem receita do fundo mineiro;

10.° O fundo mineiro do Estado será arrecadado na Caixa Geral de Depositos á ordem do Ministro das Obras Publicas, Commercio e Industria, e terá a seguinte applicação:

a) Para a acquisição dos jazigos carboniferos e ferriferos das tres regiões mineiras do paiz, a que se referem os n.ºs 1.°, 2.º e 3.° da base l.ª que faz parte d'esta lei;

b) Para as despesas a fazer com a extracção do minerio, e estabelecimento e funccionamento das officinas metallurgicas, a que se referem os n.ºs 3.° e 4.° do artigo 1.° d'esta lei, e os n.ºs 7.° e 8.° da base 1.ª;

c) Para as despesas a fazer com os ramaes, estradas, caminhos, caes e outras obras, a que se referem os n.ºs 1.° e 2.° da base 4.ª, em harmonia com as disposições do n.° 4.° da base 1.ª

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d) Ao pagamento das quantias devidas aos adjudicatarios da extracção mineira, da construcção e exploração das officinas raetallurgicas e das operações e commissões de venda dos carvões é dos ferros nacionaes;

e) Ao pagamento dos juros da emissão de 1.600:000$000 réis, não podendo este encargo exceder a verba de réis 100:000$000 na percentagam de 6 1/4 por cento sobre o valor d'aquella emissão e despesas da operação financeira. Este cargo só se torna obrigatorio e effectivo para a Inspecção Geral das Minas do Estado um anno depois da exploração mineira e industrial da região mineira do norte, constituindo nos quatro annos anteriores encargo especial do Orçamento Geral do Estado, em harmonia com as disposições do n.° 4.° da base 1.ª d'esta lei;

f) E a todas as demais despesas de installação e outras que os serviços d'esta exploração mineira e industrial reclamarem.

11.° É o Governo auctorizado a decretar os regulamentos e mais providencias destinadas a estabelecer a melhor forma de regular os prazos para a entrega na Caixa Geral de Depositos das receitas que pertencerem ao fundo mineiro do Estado.

Base 6.ª

O Governo estabelecerá junto dos centros mineiros e industriaes de cada região mineira, e ainda nos centros de consumo e populosos que julgar conveniente para os interesses do Estado, installações apropriadas destinadas a depositos centraes para a venda dos carvões e dos ferros nacionaes.

1.° Serão obrigatorios os depositos:

a) Na região mineira do porte: na cidade do Porto, na estação de Rio Tinto, e em S. Pedro da Cova;

b) Na região mineira do centro: na Figueira da Foz na cidade de Leiria, e ainda no centro d'esta região mineira, procurando-se o logar, como o de Valle Verde, aonde pela associação do carvão e do ferro se facilita a exploração mineira e industrial, e nas proximidades das linhas de oeste;

c) Na região mineira do sul: na cidade de Lisboa, na estação do Barreiro, testa das linhas de sul e sueste, na cidade de Beja, e ainda na região mineira mais proxima d'aquellas linhas.

2.° A venda dos carvões e dos ferros nacionaes é exclusiva attribuição do Estado.

3.º A venda dos carvões e dos ferros nacionaes será feita indirectamente pelo Estado, por meio de agentes que por concurso publico a effectuarem na mais favoravel percentagem sobre o preço por tonelada de minerio depositado, regulada e estipulada esta pela Inspecção Geral dos Minas do Estado, como base de concurso, e destinada ás despesas da operação de venda e da commissão ao seu adjudicatario, ou depositario.

4.° Esta adjudicação, por concurso, e por meio de agencias, para a venda indirecta dos carvões e dos ferros nacionaes poderá ser feita por empreitada geral para todos os depositos de carvões e de ferro em todas as regiões mineiras do paiz, ou por empreitadas separadas de carvões e de ferros nas mesmas regiões, ou por empreitadas parciaes de carvões e de ferros ou ainda de carvões e de ferro separadamente, em cada região mineira, segundo mais convier aos mais legitimos interesses do Estado e da industria nacional;

5.º 0 preço para a venda dos carvões e dos ferros nacionaes nas differentes classes do seu agrupamento, segundo o seu destino e qualidade, será determinado pelo Ministerio das Obras Publicas, por proposta da Inspecção Geral das Minas do Estado e regulado nas seguintes condições:

a) Para as hulhas será o seu preço de 0,80 por tonelada, sobre o preço medio das hulhas que importariamos no regime actual dos carvões estrangeiros, referido á tarifa em uso, e tendo em conta em igualdade de peso a sua força motriz comparada com os carvões importados, e determinada por experiencias feitas pelo Estado nas locomotivas dos seus caminhos de ferro e nas fornalhas das caldeiras das suas officinas;

b) Para as anthracites será o seu preço, de 0,65 sobre o preço das hulhas nacionaes, assim determinado;

c) Para o ferro coado ou fundido, para entrar no immemediato aproveitamento da industria nacional, será o seu preços de 0,075 sobre os preços medios do ferro coado ou fundido na mesma natureza e qualidade, que importariamos na occasião d'este novo regime e referido á faria actual.

6.° O Governo determinará periodicamente estes preços, em harmonia com a oscillação dos preços medios nos mercados estrangeiros, com a condição, porém, de estabelecer, quanto possivel, nas crises da baixa e da alta do carvão e do ferro, um preço regulador, que só pode, então, afastar dos preços impostos pelas alineas do n.° 5.° d'esta base de lei, procurando sempre na sua cotação o dar o maior desenvolvimento e protecção á industria nacional.

7.° Esta variação de preços dos carvões e dos ferros nacionaes será publicada mensalmente no Diario do Governo e constitue, para todos os effeitos, cotações officiaes dos preços dos carvões e dos ferros nacionaes.

8.° Estes preços officiaes são os preços havidos em todos os depositos nacionaes, não podendo ser alteradas sob rigorosas penalidades estabelecidas nas clausulas e condições especiaes dos contratos pelos agentes adjudicatarios da sua venda no pais.

9.° Os adjudicatarios da venda dos carvões e dos ferros nacionaes, ou de carvão ou de ferro separadamente, serão obrigados a estabelecer em todo o pais quando a adjudicação for por empreitada geral, em todas as regiões mineiras ou dentro da area de cada região, os depositos de carvão e de ferro, ou de carvão e de ferro separadamente, segundo as disposições do n.° 4.° d'esta base de lei, que a Inspecção Geral das Minas do Estado lhes ordenar, correndo por conta dos mesmos adjudicatarios as despesas da installação e outras, e não podendo alterar o preço official cotado mensalmente no Diario do Governo.

10.° Os adjudicatarios da extracção dos carvões e dos ferros nas tres regiões mineiras do pais, e os adjudicatarios da exploração industrial das officinas metallurgicas, serão obrigados a consumir nas suas machinas os combustiveis nacionaes das referidas regiões, que o Estado lhes fornecerá com o abatimento de 10 por cento sobre os preços officiaes em todo o reino e estipulados nesta lei.

Base 7.ª

É o Governo autorizado:

1.° A conceder a importação livre de direitos:

a) Aos adjudicatarios da extracção do minerio, a que se refere o n.° 5.º da base l.ª, de todos os machinismos e material necessarios para essa extracção, e de todo o machinismo e material para o assentamento e exploração de linhas ferreas a fazer para o transporte dos carvões e dos ferros;

b) Durante o tempo de cinco annos, contados da data da execução d'esta lei, de todas as locomotivas para caminhos de ferro e de todas as machinas para as industrias nacionaes, cujo typo de construcção seja adoptado para a utilização das anthracites e lignites nacionaes;

c) Durante o mesmo prazo, das grelhas moveis, fornalhas e insufladores adaptados ás machinas actuaes para o util aproveitamento d'aquelles carvões.

§ unico. Os adjudicatarios e os demais interessados aos quaes o Governo concede aquella isenção do direitos ouvirão previamente as empresas metallurgicas nncionaes, enviando á Inspecção Geral das Minas do Estado a declaração d'aquellas officinas, e sendo preferidos os seus pro-

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8 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

ductos, em igualdade de preços, tendo-se era conta o agio do ouro e os direitos de importação.

2.° Os adjuticatarios e mais interessados a que se referem as alineas a), b) e c) d'esta base de lei sujeitar-se-hão ás disposições regulamentares que o Governo entender publicar para obstar ao abuso d'esta concessão.

3.° O Governo concede durante o tempo de 10 annos, contados da data da primeira adjudicação, a isenção de qualquer contribuição geral ou municipal:

a) Aos adjuticatarios das explorações mineiras e industriaes, a que se referem os n.ºs 5.° e 8.° da base l.ª d'esta lei;

b) E aos adjuticatarios da venda dos carvões e dos ferros nacionaes.

4.° O Governo concederá ás empresas metallurgicas do paiz e a todas as officinas da industria nacional, durante o tempo de dois annos contados de começo da venda official dos carvões e dos ferros nacionaes, um bonus de 10 por cento sobre os carvões e ferros nacionaes que consumirem na sua laboração.

Base 8.ª

Quando as officinas metallurgicas das regiões mineiras estejam montadas em harmonia com os melhores modelos que ha na Europa e as necessidades da industria nacional e o progresso moderno o exigisse, o Governo promoverá o fabrico de ferros batidos ou laminados em bruto, de vigas, cantoneiras, em U, em T simples ou duplo e de outras secções, bem como o fabrico de carris, lançando-os no mercado nacional e protegendo-os efficazmente da concorrencia estrangeira.

Sala das sessões da camara dos Senhores Deputados, 24 de abril de 1903. = 0 Deputado pelo circulo oriental do Porto, Paulo de Barros.

Foi admittido e enviado á commissão de obras publicas.

O Sr. Presidente: - Está nos corredores da Camara o Sr. Deputado eleito Frederico Alexandrino Garcia Ramirez, que deseja prestar juramento. Convido os Srs. Bernardo de Alpoim e Domingos Peres a introduzirem S. Exa. na sala.

Foi introduzido, prestou juramento e tomou assento.

O Sr. Presidente: - Está tambem nos corredores da Camara, para o mesmo fim, o Sr. Deputado eleito Francisco Joaquim Fernandes. Convido os Srs. Pedro Doria Nazareth e Joaquim Pedro Martins a introduzirem S. Exa. na sala.

Foi introduzido, prestou juramenyo e tomou assento.

O Sr. Presidente: - Vou abrir a inscripção dos Srs. Deputados que desejem usar da palavra, antes da ordem do dia.

Pedem a palavra diversos Srs. Deputados.

O Sr. Conde da Ribeira Grande (por parte da commissão de agricultura}: - Peço a V. Exa. que consulte a Camara sobre se permitte que a commissão de agricultura sejam aggregados os Srs. Chaves Mazziotti, Domingos Peres e Joaquim Pedro Martins.

Consultada a Cantara, resolve affirmativamente.

O Sr. Claro da Ricca: - Peço a V. Exa. me diga se já commuuicou ao Sr. Ministro da Fazenda o aviso previo que eu mandei para a mesa no primeiro dia em que a Camara se constituiu.

O Sr. Presidente: - Sim, senhor.

Tem a palavra o Sr. Homem de Gouveia, para realizar as perguntas que, em aviso previo, annunciou ao Sr. Ministro da Justiça, relativamente á portaria de 15 de abril ultimo.

O Sr. Mendes Leal: - V. Exa. diz-me a data d'esse aviso previo?

O Sr. Presidente: - Tem a data de 26 de abril.

O Sr. Mendes Leal: - E havia algum aviso previo antes d'esse?

O Sr. Presidente: - Havia um, com data de 6 de abril, que já se realizou.

O Sr. Claro da Ricca: - Eu peço a palavra para quando, por acaso, esteja presente o Sr. Ministro da Fazenda, antes da ordem do dia.

O Sr. Homem de Gouveia: - Sr. Presidente: Um facto grave, importantissimo, flagrante de actualidade, que sobresalta a consciencia religiosa d'este paiz eminentemente catholico, reclama por alguns momentos a esclarecida attenção de V. Exa. e da Camara.

Refiro-me á geral indisposição provocada pela portaria do Ministerio da Justiça, datada de 15 de abril proximo passado.

É questão primacial para a vida catholica do Portugal, pois a maior ou menor vitalidade religiosa de um paiz depende da maior ou menor competencia do seu clero, o que equivale a dizer da mais ou menos accurada formação ecclesiastica.

Haja zelosos sacerdotes e o povo será essencialmente bom, piedoso e crente.

Teve sempre a Igreja Catholica, no desempenho da sua divina missão, no mais alto apreço a formação dos seus sacerdotes.

Assim o exige a isenção apostolica e a liberdade evangelica, com que elles devem falar, não só aos grandes delinquentes, mas tambem aos delinquentes grandes, que a Pedro suggeriram, por entre açoites, estas heroicas palavras: "Se é licito obedecer-vos de preferencia a Deus, julga-o vós, porquanto nós não deixaremos de falar do que vimos e ouvimos!"; e a todos os seus successores até Pio X o recluso do Vaticano, o irrevogavel non possumus.

A portaria de 15 de abril, Sr. Presidente, vem vibrar golpe profundo nos direitos da Igreja Catholica, ferindo-a na fibra mais sensivel do seu coração, na pupilla dos seus olhos, na arvore da vida do seu cerebro - na formação dos candidatos ao sacerdocio. Mais uma algema a escravizá-la.

Não posso, não devo, não quero ficar silencioso ante tão iniqua invasão, perante tão audacioso ataque.

Sr. Presidente: tenho por S. Exa. o Sr. Ministro da Justiça a mais subida consideração e o mais profundo respeito; rendo o preito da minha admiração ás altas prerogativas do seu talento e presto sincera homenagem aos primores do seu caracter. Curvo-me perante o jornalista notavel, o tribuno audacissimo, o orador primoroso e o estadista abalisado; respeito o protector da Igreja e o a crente pelo cerebro e pelo coração". Felicito calorosamente o auctor da suspirada proposta de lei de responsabilidade ministerial, que, me apraz crer, será convertida em realidade.

Mas revolto-me vivamente contra o invasor dos direitos da Igreja.

E não ha incoherencia no meu proceder.

Estranhará a Camara, como alguem particularmente me tem estranhado, eu votar algumas vezes com o Governo e appaudir outras vezes a opposição. E, entretanto, eu julgo só assim cumprir o meu dever.

Não faço opposição systematica a nenhum partido, não tenho a minima aversão a qualquer agrupamento politico.

I Actos dos Apostolos, cap. IV, 19 e 20.

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SESSÃO N.° 13 DE 5 DE MAIO DE 1905 9

Nascido numa remota, aldeia, filho de lavradores modestos e honrados, tendo vivido no remanso do trabalho, avesso ás luctas politicas, pela força das circumstancias encontrei-me de improviso engolfado no turbilhão da politica, que, insensivel mas irresistivelmente, me impelliu até aqui.

Ao entrar nesta casa e ao respirar este ambiente, tão outro do que eu pensava, tão differente talvez do que devera ser, sinto-me deslocado, dépaysé, seja-me permittida a expressão.

Protesto, todavia, vehementemente, contra o que ouvi nesta Camara, apodando-nos de intrusos e contra o que na Camara dos Dignos Pares disse o Sr. Conselheiro Hintze Ribeiro acêrca das eleições da Madeira.

Estou aqui por espontanea vontade dos meus amigos madeirenses, que com toda a liberdade e legalidade me fizeram a honra de eleger-me. Occupo o meu logar. Semelhantemente posso affirmar dos meus collegas pela Madeira.

Em conformidade com o programma do meu partido e de accordo com os dictames da minha consciencia, applaudo quanto julgo bom, recto e justo e reprovo quanto me parecer mau.

Não tenho responsabilidades passadas, nem compromissos futuros: gozo perfeita liberdade de acção.

Venha o bem de onde vier, tem a minha incondicional adhesão: o mal, a injustiça, a improbidade, terão sempre em mim adversario intransigente, intransigentissimo.

Sr. Presidente: As palavras que vou proferir não são dictadas pelo odio sectario que affronta, mas suggeridas pelo amor filial que defende; não são o insulto da injustiça á falta de argumento, mas o legitimo queixume do direito offendido, que a ninguem maldiz - são clamores do fraco opprimido contra o oppressor - a força do direito levantando-se contra o direito da força.

Parece-me, entretanto, ouvir a voz da velha prudencia, austera e nobre, segredar-me com vivo interesse a dissuasão d'este passo, dizendo-me, como outrora o experimentado Saul ao joven e fraco David:

"Repara que tu és incipiente nas lides parlamentares e o nobre Ministro largamente tirocinado nellas; que tu mal te podes exprimir e elle maneja com mestria os artificios da linguagem; que tu és um dilettanti da jurisprudencia e elle diplomado nella; tu um tartamudo e elle um tribuno audaz e vehemente".

Tudo isso é verdade, Sr. Presidente, e, sem pretensões davidicas a derrubar o gigante, ouso ainda assim falar.

Impera no meu animo mais fortemente que todas essas apprehensões a voz do dever, o impulso da consciencia.

Se a não ouvira, trahiria o meu mandato, trahiria a confiança dos que me elegeram, trahiria a minha fé de catholico, trahiria o meu ministerio de sacerdote, trahiria o juramento que nas mãos de V. Exa., Sr. Presidente, prestei, prestamos todos, de ser inviolavelmente fieis á Religião Catholica Apostolica Romana, ao Rei e á Nação.

Sr. Presidente: Não cansarei a camara com a circumstanciada narração historico-ecclesiastica da fundação dos seminarios, origem, desenvolvimento e diversas phases por que passaram estes estabelecimentos através dos seculos.

Além de fastidioso seria inutil, embora erudito.

Deixo ás academias semelhante encargo.

Uma cousa desejava no entanto frisar bem, e era: que "os seminarios são tão antigos como a Igreja e que sempre até hoje tiveram os prelados a suprema direcção d'elles".

O primeiro seminario foi o Collegio Apostolico, dirigido pelo Divino Jesus.

E desde então teem sido sempre regidos pela superintendencia da Igreja.

Acho ocioso citar os canones dos diversos concilios a semelhante respeito, nomeadamente do segundo e quarto Toletanos, do primeiro Bracarense, e ainda do Tridentino, pois devem merecer á camara maior confiança as declarações do proprio Governo Portuguez, no decreto de 26 de agosto de 1859.

Entre outras cousas, diz o referido decreto:

"A missão de educar e instruir o clero encontra-se sempre a cargo do Bispo e do corpo ecclesiastico que com elle funccionava; ou se considere este até o oitavo seculo debaixo do caracter de antigo presbytèrio e clero civitatense, ou se acompanhe mais tarde tomando a forma das instituições capitulares, que tendo seguido o genio das epocas não podem perder a indole da sua origem".

Isto publicava o Governo 14 annos depois da celebre carta de lei que serviu de substracto á infeliz portaria de 15 de abril.

Confirmava o Governo Portuguez esse modo de sentir por intermedio do Ministro da Coroa, Sr. Gaspar Pereira da Silva, quando na Camara dos Dignos Pares, em resposta a uma interpellação, declarava que: "o Governo exerce a inspecção nos seminarios a respeito do ensino e instrucção do clero, para que este seja formado á altura, mas a lei de 28 de abril de 1845, dá aos prelados a importancia que lhes compete neste ponto".

Isto na sessão da Camara dos Dignos Pares, de 3 de abril de 1863. Dezasete annos depois da alludida carta de lei.

E assim o teem reconhecido os diversos Governos, recebendo annualmente os relatorios do movimento escolar e conomico de todos os seminarios, que indicam as expulsões feitas, sem nunca até hoje se lembrarem de fazer a minima reclamação.

E com justificada razão, pois em nenhum paiz do mundo se fez semelhante exigencia.

Nos Estados Unidos da America do Norte, paiz classico de liberdade, e na Inglaterra, paiz modelar de politica; na florescente Allemanha e na França jacobina; na autocrata Russia e na Turquia mussulmana, em toda a parte são os Bispos os directores natos, exclusivos e livres de seus seminarios.

Nem me argumentem com concordatas, porque ellas vêem confirmar este direito, no que se referem a seminarios; implicitamente exigem a liberdade plena dos prelados, já por ser o concilio de Trento lei da Igreja e lei portuguesa, acceito pelos decretos do 2 de maio de 1568, 1 de março e 8 de abril de 1569, já por o Governo nunca fazer exigencia em contrario.

Assim succede nos demais paizes concordatarios, pois não se encontra uma só clausula em contrario a esta asserção, nem na concordata franceza de 1801, nem na hespanhola de 1815, nem na napolitana de 1818, nem na prussiana de 1821, nem na belga de 1827, nem na russa de 1847, nem na austriaca de 1855, antes todas reconhecem o livre exercicio dos prelados nos seus seminarios, segundo o Tridentino, não só quanto á direcção, mas até quanto á escolha de professores, regulamento de estudos, policia, administração, etc.

A Baviera quiz em 1852 nomear e confirmar os professores dos seminarios, mas a breve trecho desistiu de semelhante pretenção, attendendo ás representações da Santa Sé.

Argumentarão ainda com a Suissa, onde em 1860 os cantões protestantes pretenderam ingerir-se na administração interna do Seminario de Basilea. O argumento não colhe porque, justamente por esse facto, foi o sobredito seminario fechado.

Poder-se-ha allegar, no Piemonte, o decreto de 20 de janeiro de 1861, que sujeitava estes estabelecimentos á inspecção administrativa, inspecção que aliás nunca se exercitou e se referia apenas ao ponto de vista hygienico, sanitario e policial.

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10 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Sr. Presidente: Os nossos regalistas são mais difficeis de contentar: nomeiam os professores como pretenderam baldadamente os bavaros; querem escolher e approvar os compendios como exigiam os Suissos; exercem a inspecção sanitaria, hygienica e policial como desejavam os Piemontezes, e agora pretendem só elles expulsar e até só elles perdoar. Querem fazer dos prelados uns manequins.

Seja-me permittido ler a citada portaria, limitando me, para não abusar da paciencia da Camara, ás conclusões, que aliás consubstanciam toda a doutrina.

Eil-as:

"1.° Que as aulas do seminario não podem ser encerradas sem accordo ou assentimento do Governo, ou sem que na falta d'este se lhe dê immediatamente conhecimento da resolução que determinar o encerramento;

2.° Que as resoluções que condemnarem os alumnos ás penas de exclusão, perpetua ou temporaria, devem ser precedidas das competentes investigações e da audiencia dos delinquentes, e participadas immediatamente ao Governo a fim de que sobre a applicação defesas penas possa exercer o seu direito de inspecção;

3.° Que não ha disposição legal que auctorize os reitores dos seminarios a perdoarem as penas de exclusão perpetua ou temporaria que tiverem applicado aos seus alumnos."

Vou apreciar, Sr. Presidente, o mais rapidamente possivel, estas conclusões á luz da razão, em face do direito e no seu alcance politico e social.

A portaria de 15 de abril é o que ha de mais obnoxio perante a razão humana.

Senão vejamos: Teem os prelados a direcção dos seminarios; assim lho confere toda a legislação ecclesiastica e civil e não lho nega a portaria. Podem admittir quem entenderem e nega-se-lhe o direito de expulsar!

Então o direito de expulsar não é correlativo ao direito de admittir?

Onde está então a direcção suprema que lhe confere o Tridentino e nenhuma outra lei revogou?

Hoje, Sr. Presidente, uma senhora audaciosissima, de inconcebivel força absorvente, com a prepotencia dos inconscientes, empolgou todo o poder em Portugal - é a Illma. e Exma. Sr. D. ... Politica.

Imaginemos, pois, que S. Exa. a Politica se impõe para que um alumno não seja expulso: poderá manusear o machado, empunhar o revolver e tornar-se assassino impunemente, porque aquella dama terá força bastante para mantê-lo; mantê-lo-ha no seminario e, - quem sabe? - conseguirá ordená-lo!

Isto é revoltante, Sr. Presidente.

Supponhamos, entretanto, que os seminaristas não são tão perversos que premeditem assassinatos, mas que não tenham a indispensavel vocação para o sacerdocio; que foram impellidos para o seminario por qualquer intenção menos recta que a vontade de sacrificar-se ao serviço de Deus e da Igreja: quem ha de ser o juiz d'essa causa?

Os superiores, presididos pelo Prelado, que com elles tratam e os conhecem de perto, ou o Governo, que sobre o assumpto apenas ouvirá cartas laudatorias da tal sobredita D. Politica?

Supponhamos ainda que o alumno é bem comportado, mas tem incapacidade intellectual ou mesmo physica para a vida sacerdotal. Quem o pode apreciar?

O Governo, que só o vê através dos desejos dos galopins, ou os prelados que perante Deus e a sua consciencia devem repellir aquelles a quem falta a sciencia devida?1

Quem admitte e porque admitte ?

Admitte o prelado porque julga encontrar as qualidades requeridas no admittido.

Se essas qualidades faltarem ou porventura não existirem, expulsa.

Aliás teria a Igreja menos regalias e direitos do que a infima das sociedades civis, que gozam de perfeita liberdade na escolha ou exclusão dos seus membros.

O proprio Sr. Ministro da Justiça ou qualquer de nós, pobre mortal, chama para seu serviço quem julga apto; se nos enganamos na escolha despedimol-o.

O que pode fazer o Sr. Ministro da Justiça e qualquer sociedade, por infima que seja, não o pode fazer a Igreja em Portugal!?

O mais extravagante do documento é dizer-se que os prelados não podem perdoar as faltas aos seminaristas arrependidos porque, Sr. Presidente, não ha lei que o auctorize!!

Não ha é lei que o prohiba.

Se toda a lei civil e ecclesiastica dá aos prelados a direcção d'aquelles estabelecimentos; se premios e perdões, castigos e recompensas, elogios e censuras pertencem á direcção, não necessita de legislação especial para poder premiar ou perdoar.

Aliás daria vontade de reformar a moral e o direito canonico, e dividir os peccados reservados em tres espécies: reservados ao Papa, ao Bispo e ao Sr. Ministro da Justiça!

De duas uma.

Ou os prelados podem impor castigos ou não. Se não podem é escusado negar-lhes o direito de perdoar, se podem para que lhes nega a portaria esse poder ?

Ou isto é uma contradicção ou não ha logica.

A inspecção de que trata o artigo 10.° da carta de lei de 1845, repito-o com o citado Ministro da Coroa, Gaspar Pereira da Silva, refere-se simplesmente ao ensino.

Mas, Sr. Presidente, dirá S. Exa. o Sr. Ministro da Justiça que isto são apenas frios raciocinios da intelligencia, que nada valem perante a lei positiva expressa.

Passemos a cotejar a doutrina da portaria com o disposto no Direito Civil Ecclesiastico Portuguez sobre tal assumpto.

Não preciso enumerar, Sr. Presidente, todos os concilios que se occuparam dos seminarios; citarei apenas o Tridentino, já por elle synthetisar toda a doutrina catholica, já por ser um dos mais respeitaveis sob todos os pontos de vista, já por ser adoptado em Portugal como lei do reino.

Na sessão de 23, capitulo 18.°, De reformatione, committindo aos Bispos o encargo dos seminarios, ordena-lhes que punam severamente os discolos, incorregiveis e escandalosos expulsando-os quando se torne preciso.1

Não cito o latim para não, ferir tympanos delicados e susceptiveis.

Em Direito Ecclesiastico não ha duas opiniões differentes este respeito.

Citarei apenas dois auctores.

O primeiro, muito conhecido de S. Exa. o Sr. Ministro da Justiça, deve merecer-lhe particular affeição, por ser adoptado na Universidade de Coimbra e aquelle por onde S. Exa. estudou.

Schencklej traduzido pelo Dr. Chaves.

I Quia tu scientiam repulisti repeliam te, ne sacerdócio funga-ris mihi. Oseas, IV, 6. .

1 Díscolos et incorriglbiles ac malorum morum seminatoresacri-ter punient; ens etiam, si opus fuerit, expellendo omniaque impe-dimenta auferentes, quaecumque a

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No § 29 diz o seguinte:

"Como pessoas ecclesiasticas, emquanto aos negocios e acções sagradas, estão privativamente sujeitas ao poder ecclesiastico, por isso mesmo a Igreja, por direito privativo:

1.º Ordena-as para o ministerio sagrado e juntamente approva os candidatos ás ordens sagradas e rejeita os ineptos; "cria e dirige os seminarios para se educarem e habilitarem os futuros clerigos e admitte nelles; determina e prescreve os estudos e as qualidades d'elles;

2.° Determina tambem as funcções das pessoas ecclesiasticas, e ou as nomeia ou dá-lhes pelo menos a missão espiritual e a instituição canonica;

3.º Dirige-as por meio de canones no cumprimento dos seus deveres;

4.° "Vigia por ellas, corrige-as e pune-as".

E noutra parte:

"Os regentes da Igreja teem direito a eleger, ordenar e dirigir os ministros sagrados já pela natureza independente da Igreja, já pelo exemplo dos apostolos e de toda a antiguidade.

E Soglia, o jurista eminente e afamado, diz: "Toda a jurisdicção, regimen, governo e administração dos seminarios, pertence aos Bispos". (§ 13).

Semelhantemente se exprimem o insuspeito Bernardino Carneiro, Vehring, Bouix, Salzano, Friedberg, etc.

A lei civil, nas numerosas disposições sobre o assumpto publicadas, sempre reconheceu semelhante direito aos prelados.

Se a carta de lei de 28 de abril de 1845 falou em inspecção, essa clausula foi explicada em plena camara dos Dignos Pares, como já referi, pelo Ministro da Coroa Gabriel Pereira da Silva, attribuindo essa inspecção simplesmente ao ensino.

Só depois de sessenta annos é que se vem dar uma interpretação nova á carta de lei de 1845 em opposição á pratica constantemente contraria, com a annuencia de todos os Governos.

Poderia S. Exa. o Sr. Ministro da Justiça querer interpretar, a seu paladar, essa clausula, mas a Carta Constitucional nega-lhe semelhante direito, que pertence exclusivamente ás Côrtes, como dispõe o § 6.° do artigo 15.°

Acresce, Sr. Presidente, que a Igreja, potencia alliada mas autonoma, independente mas com communidade de interesses, que são regulados pelas concordatas, devera ser ouvida no assumpto.

Os seminários são estabelecimentos ecclesiasticos, sustentados pela Igreja e actualmente estabelecidos pela concordata de 21 de outubro de 1848, a que se chamou Convenção; salvo melhor juizo, parece que se não devia modificar o regimen estabelecido, senão de accordo com ambas as partes concordatarias.

Na referida carta de lei de 1845 não viu S. Exa. o Sr. Ministro da Justiça o artigo 4.°, que manda pagar aos professores dos seminarios o maximo que se paga aos professores dos lyceus de Lisboa e Porto.

Isso não lhe convinha.

Para isso é sem duvida archaica, velha, obsoleta.

Mas a referida portaria não só é contraria aos dictames da razão, anti-legal e anti-constitucional, mas além d'isso é anti-politica e anti-social, como passaremos a ver.

Sr. Presidente: Quando de toda a parte se volvem os olhos para Roma, procurando nos principios immutaveis do Catholocismo a base solida das nações; quando Guilherme II, o grande Imperador e o grande politico, procura approximar-se da Igreja e proclama em plena cathedral de Berlim, nesse sumptuoso monumento lutherano, em presença dos protestantes dos diversos paizes, ali representados, que: "é de nenhum resultado os protestantes organizarem-se no intuito de contrapôr-se á Igreja Romana, porque a organização do Catholicismo será sempre superior á que possam apresentar os differentes ritos protestantes" (Standard, de 8 de março passado); quando Roosevelt, o grande estadista norte-americano, proclama numa reunião politica a necessidade absoluta de collocar o principio religioso como substracto de todas as nacionalidades; quando Eduardo VII vae a Roma e procura approximar-se do Papa; quando a Italia procura desfazer as incompatibilidades que existem entre o Quirinal e o Vaticano, Portugal, o Reino Fidelissimo, postergar os direitos da Santa Sé, invadir a sua esphera, desrespeitar a concordata, não é politico, Sr. Presidente.

Á França, á Inglaterra, ou á Allemanha não se faria semelhante cousa impunemente.

A Santa Sé não tem esquadras nem exercitos e, por isso, dirão, nenhum mal advirá a Portugal, mas é um pessimo precedente.

Fracos, como somos, se amanhã o leopardo bretão nos tentar esmagar com sua pata potente, ou a aguia allemã nos lançar por terra com o repellão da sua fatidica asa negra: quando algum poderoso conculcar os nossos direitos, que havemos de replicar?

É pessimo precedente, repito.

Não faças a outrem o que não quizeras que te fizessem.

Não creio que o illustre Ministro publicasse aquelle documento na ancia de avassalar influencias politicas e de angariar popularidades; seria politica de regedor de parochia, e S. Exa. tem horizontes mais largos.

Se agradou a uns poucos jacobinos, offendeu a grande classe ecclesiastica e affrontou o respeitabilissimo Episcopado Portuguez, que bem mais valem politicamente, e portanto sob este ponto de vista seria contraproducente tal documento.

Não entro, Sr. Presidente, não posso nem devo entrar na apreciação dos actos de S. Exa. o Sr. Bispo de Bragança.

Seria temeridade e fora de proposito, pois que discuto doutrinas e não factos, entrar nessa apreciação.

Não é effectivamente meu intento discriminar responsabilidades, defender innocentes, nem incriminar culpados.

Supponhamos, entretanto, por um momento, que o Prelado exorbitou, ultrapassando as bases das concordatas e do direito.

Que aconselhava a correcção, a boa politica e a manutenção da cordealidade de relações com uma potencia amiga?

Qual era o dever do Governo?

Parecia curial, diplomatico, politico, procurar, o representante da Santa Sé e de acordo regularem o que estava irregular; chamarem á legalidade quem estivesse fora d'ella; mas nunca e nunca affrontar uma classe inteira, uma classe respeitabilissima, como é o episcopado portuguez, aviltando-a, rebaixando-a, vilipendiando-a num documento publico.

Mas alem de anti-politica é anti-social a portaria de 15 de abril.

Vejamos.

Sr. Presidente: V. Exa. não ignora, assim como n8o ignora a Camara, que o principio da autoridade, já fortemente abalado, se vae alluindo progressivamente, devido aos constantes ataques dos inimigos da sociedade, que o são igualmente do throno e da nação, da familia e da propriedade, principalissimamente da religião.

Sabem elles que o mais forte baluarte contra as suas utopias é o principio religioso.

D'ahi os seus ataques constantes á Igreja e á Fé.

Nestas circumstancias é dever imperioso de todo o estadista, de todo o governante e de todo o politico manter o

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12 DIARIO DA CAMARA DOS SENHOEES DEPUTADOS

prestigio da auctoridade, nomeadamente religiosa, dar-lhe realce, brilho e força.

E preciso luctar no mesmo campo, defendendo o reducto atacado. É necessario contrapor os principios estaveis, conservadores e solidos da Igreja, que alicerçaram a familia, a sociedade e as nações actuaes, aos ideaes subversivos e deleterios da revolução e da anarchia.

Assim o comprehendem os grandes homens que na actualidade se salientam pejas suas largas vistas sociaes, Guilherme II e Roosevelt, a Inglaterra e a Italia.

Assim o entendeu o celebre pensador italiano, discipulo de Lombroso, bem insuspeito por certo, o afamado Garofalo. No seu livro A Superstição Socialista, entre muitas outras cousas dignas de menção, diz o seguinte:

"A esta revolução social, que se prevê e que, como sempre succede, conta adherentes nas espheras sociaes, que terão de soffrer-lhe o primeiro embate, é preciso que nos opponhamos por todos os meios moraes e materiaes de que dispõem ainda as classes dirigentes...

Emfim, que a burguezia se submetta a um tratamento reconstituinte, e humildemente reconheça os seus proprios erros e loucuras.

Os jacobinos ridiculos que ha trinta annos dominam as nossas communas cairam no erro grosseiro de abolir nas escolas o ensino religioso, contentando-se com evocar nos momentos de perigo um Deus abstracto, uma especie de Ser Supremo á Robespierre, que não é o Deus familiar, sempre presente á consciencia do homem religioso em cada um dos seus actos e em toda a sua vida.

Não é possivel esperar do atheismo a educação da infancia. O ensino moral não tem sentido ou, pelo menos, efficacia, sem uma base religiosa, direi mais - sem as emoções provocadas pelos mysterios da religião.
................................................................................

E os homens proprios para este ensino importa procurá-los, não entre os moços das escolas normaes, descontentes de não terem attingido uma profissão liberal e que so por necessidade acceitam o emprego de mestres elementares, que consideram humilde e inferior aos seus meritos, mas entre os homens de idade madura, entre OB pães de familia, entre os ministros do mito, uma vez que tenham sufficiente saber, e não sejam inimigos da patria. E pouco importa que não, tendo estudado as regras artificiaes da pedagogia e não sabendo de cor todo o Dante, nem mesmo possuam um diploma official de ensino".

Assim o entende Herbert Spencer, o grande pensador inglez, que na obra intitulada Da Liberdade á Escravidão prefaciada e traduzida pelo Sr. Julio de Mattos, diz o seguinte:

"Simplistas e regressivos, esses homens inferiores quando pensam voltar-se para o futuro reproduzem o passado e quando julgam construir um novo ideal é sempre um velho estadio evolutivo que estão subjectivamente resuscitando, como o denunciam os seus estridentes programmas radicaes".

E noutra parte: "A minha opposição ao socialismo resulta do convencimento de que elle sustaria a civilização, fazendo-a regressar ás mais longinquas origens"... "Não é no interesse particular das classes proprietarias mas no proprio interesse dos proletarios que o socialismo deve ser combatido".

Conheço bem que as citações fatigam mas preciso apresentar ideias de corypheus liberaes e não minhas, que poderiam ser acoimadas de reaccionarias.

Victor Hugo, no discurso pronunciado na Camara dos Deputados, em 1848, dizia: "as profundas commoções sociaes são devidas á falta de sentimentos religiosos".

"Quanto mais o homem progride, tanto mais deve crer".

"Eu quero, continua Victor Hugo, eu quero, não digo simplesmente com sinceridade, porque a expressão é fraca, eu quero, com o mais inexprimivel ardor e por todos os meios possiveis, melhorar a sorte dos que soffrem..."

"O dever de todos nós, legisladores ou bispos, padres ou escriptores, publicistas ou philosophos, é prodigalizar debaixo de todos os pontos de vista a "energia social" para combater e destruir a miseria e ao mesmo tempo levantar as frontes para o Ceu".

"Digamo-lo bem alto, ninguem soffre inutil nem injustamente. A morte é uma resurreição. A lei do mundo material é o equilibrio; a do mundo moral a equidade, e Deus paira por sobre tudo".

O Sr. Presidente: - Previno o Sr. Deputado que faltam cinco minutos para se entrar na ordem do dia.

O Orador: - Procurarei resumir quanto puder as minhas considerações.

E Honoré de Balsac escreveu:

"É preciso defender a Igreja. Todo o homem que pensa deve marchar sob a bandeira de Christo...

"O catholicismo é o maior elemento de "ordem social..." "O christianismo creou os povos modernos: é elle que os ha de conservar".

"Toda a regeneração moral que se não associar a um forte sentimento religioso, haurido no seio da Igreja, tem alicerces de areia".

"O ensino, ou melhor a educação pelas corporações religiosas, é o grande principio da existencia dos povos".

E Thiers diz:

"Defendi com convicção a religião christã no interesse da grandeza da França e da liberdade bem entendida de toda a sociedade, que sem o catholicismo cairia num horroroso chaos".

"Os tolos preconceitos não me arreceiam e nunca hesitaria provocá-los em face de tão grandes e de tão nobres interesses.

"O materialismo é uma tolice e ao mesmo tempo um perigo". (Irénée Pirmez).

Não o comprehende porém assim o nosso Governo, que pela portaria de 15 de abril fomenta a indisciplina e a anarchia, exautora o ensino religioso e seminaristico, preconiza o revolver e o machado e censura acremente a auctoridade religiosa.

Por isso, repito, a portaria de 15 de abril, alem de inconstitucional e de illegal, de anti-racional e impolitica é ao mesmo tempo anti-social, representa uma affronta ao episcopado, o ultimo baldão irrogado á face veneranda da Igreja.

Deus queira que não venham a arrepender-se, pois isto, Sr. Presidente, resente-se nas espheras inferiores.

Ainda não ha muito que um influentão da parochia de Casaes, concelho de Thomar, quiz forçar a igreja para ali fazer entrar um cortejo socialista. De nada serviram os protestos do zeloso parocho, senão para exacerbar as iras do jacobino que o persegue á outrance, inclusive na administração interna da Igreja.

Este assumpto porém será objecto de uma interpellação a S. Exa. o Sr. Ministro do Reino, visto o Sr. Governador Civil de Santarem até hoje não ter dado as providencias reclamadas.

O Sr. Presidente: - Deu a hora de se passar á ordem do dia.

O Orador: - Peço a V. Exa. que consulte a Camara sobre se permitte que eu continue no uso da palavra.

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SESSÃO N.° 13 DE 5 DE MAIO DE 1905 13

O Sr. Presidente: - Eu consulto a Camara sobre o pedido de S. Exa. e aproveito já o ensejo para ver se a camara consente que o Sr. Ministro da Justiça lhe responda.

Assim se resolveu.

O Orador: - Antes de tudo cumpre-me agradecer a V. Exa. e á Camara a gentileza de ter permittido que continue no uso da palavra.

Pelo exposto, Sr. Presidente, vê-se que é insupportavel a situação da Igreja em Portugal. Um jugo ferreo de feroz escravidão a traz acorrentada de ha annos a esta parte.

Suffocam-na e Ella soffre de asphixia lenta mas progressiva. Cada qual se compraz em dar-lhe um apertão ao laço de canhamo com que lhe circumvolveram o pescoço.

Começaram pela guerra ignominiosa ás ordens religiosas, dificultando assim o apostolado.

Votaram, Sr. Presidente, os ministros da Igreja ao mais completo desprezo, depois de pelo confisco dos bens ecclesiasticos os collocarem na sua dependencia.

Prometteram-lhe fementidas garantias e dotações, que, alem de irrisorias, não cumpriram nem cumprirão.

É ridiculo, Sr. Presidente, enviar um joven padre para uma pobre aldeia, ás vezes sertaneja, invia, isolada, inhospita, para entre camponeses miseraveis que d'elle esperam não só o soccorro espiritual, mas tambem temporal, dando-lhe como congrua oito a dez mil réis mensaes!

Um modesto marçano não se contenta com tão pouco.

E nem lhe bastam os enormes encargos do seu munus pastoral, deve sujeitar-se a quanto d'elle queiram exigir.

Ha de ser o servo de todos: do cabo de policia e do regedor de parochia; do administrador do concelho e do presidente da camara; do sub-delegado de saude e do escrivão de fazenda; do recebedor do concelho e do thesoureiro da camara; do delegado do procurador regio e do juiz de direito; da junta de matrizes e dos fiscaes do sêllo; do governador civil e do commandante militar; do commandante do districto de reserva e do commandante da guarda fiscal, e de quantos aguasis o démo se lembra, até do regente silvicola que por elle transmitte suas ordens e o expõe ás iras do povo que ainda julga ser livre.

Todos usam e abusam d'elle.

Haja vista o que se passa em Casaes, onde por edital do Sr. Administrador do concelho de Thomar o parocho não pode dar execução ás ordens superiores.

E assim passa a vida o grande obreiro da civilização, do progresso, da paz e da ordem, allumiando as rudes intelligencias, facetando corações incultos, sepultando-se vivo nas mais tetricas serranias, até que impossibilitado pelos annos e pelas fadigas o lançam fora do presbyterio, se presbyterio ha, e lhe dão como recompensa de tantos serviços o terço do seu vencimento, isto é, cêrca de tres mil réis mensaes!... quando ha congrua, porque freguesias ha onde nem congrua existe.

E nem se pode queixar, Sr. Presidente, porque isso não é permittido ao padre.

A situação da Igreja ainda é mais afflictiva na sua acção.

Apesar de independente por natureza, não lhe consentem a publicação das bulias, encyclicas, rescriptos, etc., sem o odioso placet; não pode eleger um bispo nem escolher um vigario capitular; não pode nomear um parocho nem ordenar um clerigo; não pode instituir um professor nem adoptar um compendio; não pode expulsar um seminarista rebelde e assassino nem perdoar ao culpado arrependido... sem licença do Governo.

Isto não é liberdade, é "escravidão".

Pode em Portugal qualquer individuo seguir livremente a carreira que lhe aprouver sem licença do Governo, só não pode ordenar-se sem o jube domne do Ministerio da Justiça. E até nisto, Sr. Presidente, se mostra a liberalidade dos nossos Governos, que exigem lhe sejam solicitadas duas portarias - uma para sub-diacono e diacono, e outra para presbytero - e isto acompanhado, bem entendido, de um arsenal de documentos, enorme papelada, como os nossos regulamentos costumam exigir.

Tudo isto em nome da liberdade e por entre hossanas á liberdade.

Não pode a Igreja baptizar sem sellos, não pode casar sem sellos, não pode ordenar sem sellos, e nem o Sacramento Augustissimo pode expor-se á adoração dos fieis sem sellos!...

Isto num paiz catholico é simplesmente revoltante - abominavel.

É uma escravidão ominosissima.

Appello, Sr. Presidente, para V. Exa. e para a Camara, - "todos juramos ser inviolavelmente fieis á Religião Catholica Bomana, ao Rei e á Nação", - appello para os Srs. Deputados catholicos, sem distincção de partidos, porque os ha em todos os agrupamentos politicos.

Progressistas, regeneradores, regeneradores-liberaes, nacionalistas, empenhemo-nos todos na defesa da nossa Fé e das liberdades da Igreja.

A causa é commum.

A nossa obediencia e sujeição devem ser racionaes, aliás degenerariam em subserviencia e servilismo.

"A Deus o que é de Deus e a Cesar o que é de Cesar. Como outr'ora o valente Machabeu, eu clamo com todo o enthusiasmo da minha alma - Quem é de Deus que se una a mim -, e, numa cruzada santa a favor da Igreja, estilhacemos os grilhões que impedem a sua acção; despedacemos as ferropeas que lhe tolhem o passo; quebremos as gargalheiras que a captivam e esterilizam, e seremos benemeritos da Igreja e da Patria, da civilização e do progresso.

Não estamos sós, - temos ao nosso lado a pleiade respeitabilissima dos nossos prelados, que na outra casa do Parlamento vão certamente repellir a affronta e vingar os seus direitos e os da Igreja; temos o exercito sagrado do clero lusitano, que, mercê de Deus, comprehende a sublimidade da sua missão; temos a quasi totalidade do povo portuguez, que é eminentemente catholico; e temos sobretudo Deus ao nosso lado. E, se Deus é por nós, quem será contra nós? !

É preciso sacrificios: façamo-los.

Avante! Por Deus e pela Patria.

Disse.

O Sr. Ministro da Justiça (José de Alpoim): - Sr. Presidente: vou responder ao illustre Deputado, mas antes de dar a minha resposta permitta-me V. Exa. que eu agradeça ao Sr. Homem de Gouveia as palavras que me dirigiu. Eu não sou nem orador brilhante, nem jornalista poderoso, nem jurisconsulto abalisado, como S. Exa. disse; sou apenas um servidor fiel do meu paiz e do meu Rei, sou combatente apaixonado, loucamente apaixonado pelo meu partido, pelo meu paiz, e pelo meu Rei, e ao meu paiz, e ao meu Rei tenho consagrado, e consagrarei, a minha palavra apagada, a minha penna quebradiça.

Posto isto, vou responder a S. Exa., começando por felicitá-lo, porque deve estar agora moral e physicamente mais tranquillo. Dizia um grande escriptor que os discursos são medicos que curam a alma, porque limpam a colera; e S. Exa. falou com tanto calor, com tanta paixão, que deve ter ficado curado, embora para tomar o remedio, por vezes, destoasse da sua funcção sacerdotal, toda de paz e de cordura. (Apoiados).

O illustre Deputado começou por dizer que "a minha portaria" impressionou a consciencia publica.

Esta portaria, que tive a honra de publicar, não é um

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acto do Ministro da Justiça: é um acto de todo o Governo, e nelle esteve de acordo commigo o illustre chefe do Gabinete, o Sr. José Luciano de Castro, que é um espirito eminentemente liberal, e que tantos e tão relevantes serviços prestou ao paiz na sua passagem pelo Ministerio da Justiça. (Apoiados).

Esta portaria, disse S. Exa., impressionou a consciencia publica. O que impressionou, permitta-me S. Exa. que lhe diga, foi a consciencia dos liberaes, que tinham sido feridos, em pleno peito, com o procedimento arbitrario do Sr. Bispo de Bragança; o que impressionou foi a consciencia dos verdadeiros catholicos, que sabem quanto em Portugal a Igreja goza de tolerancia.

S. Exa. leu só as conclusões da minha portaria, e fez muito bem, porque se tivesse lido o resto teria então de referir-se aos actos estranhos praticados por um prelado que esqueceu o que deve ás leis do seu paiz.

Eu vou fazer á Camara, com toda a sinceridade e lealdade, a historia dos acontecimentos, e ao começar direi se era possivel continuar a anarchia, o tumulto que se estava dando na diocese de Bragança.

Os factos são estes: na noite de 13 de dezembro nas das e largos circumjacentes ao Seminario de Bragança sentiu-se um grande tumulto.

Acudiu a policia, acudiram os transeuntes, e entraram dentro. Estavam apagadas as luzes, mas accesas viu-se o seguinte: tinham sido arrombadas algumas portas, e havido actos vandalicos praticados por alguns estudantes d'esse seminario, -actos que eu não approvo, actos que eu condemno, mas que não podiam de maneira nenhuma originar o procedimento de que usou o reverendo prelado!

Imagine a Camara perante esses factos o que se fez: o poder judicial e o poder administrativo tomaram conta de semelhante acontecimento, e o reverendo prelado immediatamente encerrou o seminario.

Decorreram muitos dias, mais de um mez, sem que o Sr. Bispo de Bragança dissesse ao seu Governo o acto que praticara! E em 23 de janeiro, por um edito, sentença, ou edital, - estes tres nomes lhe dá o reverendo prelado, - confirma o encerramento do seminario, expulsa d'elle 24 estudantes, dos quaes alguns teem ordens sacras, e expulsa durante um anno mais 38 estudantes, ficando para esses perdidos os trabalhos annuaes, e dizendo-lhes que, se até ao fim do mez de julho não viessem pedir-lhe perdão, seriam expulsos para sempre, como todos os outros! Se esses rapazes se não viessem rojar aos pés do prelado pedindo perdão, para sempre seriam riscados do seminario!

E como imagina a Camara que procedeu ainda depois o illustre prelado? Cuida que esperou pela resolução das auctoridades administrativa e judicial? Não.

Por um simples acto da sua consciencia, estando na sua quinta de Coimbra lançou de lá essa provisão - e atirou para a miseria perto de cem estudantes, enchendo de luto e de dor as suas familias! E, Sr. Presidente, nomeadamente a alguns condemnava-os a uma especie de ostracismo, porque sairiam para, a rua aquelles que já tinham ordens sacras (Apoiados); condemnava-os assim a uma especie de hermaphrodismo moral, deixava-os incapazes de exercer novas funcções para defender a patria (Apoiados); lançava sobre elles o estigma de reprobos!...

Aqui teem S. Exas. o que occorreu ao Sr. Bispo de Bragança, que praticou isto tudo sem dizer nada ao Governo,! Apenas um mez depois, em 17 de fevereiro, é que communicou que tinha a certeza de que entre os que condemnara havia innocentes, mas que não, tendo elles indicado quem tinha commettido esse crime, sómente pelas averiguações superficiaes a que procedera é que os riscara e os condemnara a todos a uma eterna vergonha!

Mais de um mez depois foi que o Governo teve conhecimento do acto; um mez depois é que este prelado declarou que sem processo, unicamente por informações vagas,

endo a certeza de que havia innocentes, condemnara os estudantes á miseria e á vergonha! (Apoiados).

Isto é só uma parca narrativa do muito que occorreu.

Não ficou aqui. Chegada a Semana Santa, o Sr. Bispo de Bragança, desejando aproveitar essa occasião para usar de um acto de benevolencia e de piedade, o que fez? No espaço decorrido de trinta e tantos dias, a estes seminaristas que elle condemnara, sem processo, á mais infamante das penas, diz que lhes perdoa; a esses estudantes que expulsara do seminario, diz-lhes que entrem; e esse seminario que encerrou, abre. Mas não manda dizer ao Governo nada d'isto senão passados bastantes dias depois! De maneira que peço á Camara que ponha em confronto estas duas provisões: numa, sem processo, por alvedrio seu, por uma verdadeira aberração de arbitrio, o Sr. Bispo de Bragança encerrou o seminario, expulsou os estudantes, unicamente pela sua consciência, sem forma de processo: pela outra, um mez depois, os meemos estudantes, simplesmente por seu alvedrio, são considerados perdoados, e o seminario é reaberto!

Veja a Camara se o poder civil podia ficar indifferente perante um acto d'estes! (Muitos apoiados).

Disse o nobre Deputado que quem pode admittir pode expulsar e que quem pode expulsar pode admittir.

Extraordinaria e celeberrima doutrina!

Então em todos os outros estabelecimentos de ensino o que succede?

Então todos aquelles que admittem teem o direito de expulsar, teem direito de perdoar penas?

Então da Universidade não teem sido expulsos estudantes?

Por certo que esse caso se tem dado. Mas quem perdoa? É ella? Não. É sómente EI-Rei que pode perdoar.

E não diga o nobre Deputado que esta doutrina não é reconhecida - e que é uma lei obsoleta e antiga aquella que a consigna.

E não o diga porque o proprio Sr. Bispo de Bragança pediu perdão e desculpa pelos actos que praticou - e por ter sómente mezes e semanas depois de praticados esses actos cumprido o seu dever.

Será obsoleta e antiga esta lei para o nobre Deputado nacionalista, mas está de pé para o prelado.

A lei de 1845 obsoleta e antiga!... Mas não é obsoleta para os prelados e seminarios se gozarem dos edificios que essa lei lhes concede!

É obsoleta e antiga para a respeitar e cumprir; não o é para se gozar de todas as immunidades e prerogativas que ahi lhe são concedidas!

Que fiz eu? Que fez o Governo apenas teve conhecimento de todos estes actos e ainda antes de ser aberto o seminario?

Eu declaro-o á Camara com toda a hombridade. Procurei o Sr. Presidente do Conselho, expuz-lhe os factos e, em plena conformidade de vistas, e para evitar um facto que podia ser - e era, decerto -- desagradavel para os catholicos portuguezes, - para os verdadeiros catholicos, que se podiam doer de que um prelado da Igreja arrastasse a Igreja a um acto inconsiderado e violento, - mandámos pedir ao Sr. Bispo de Bragança que viesse a esta cidade. Exhortámo-lo e pedimos-lhe que procedesse com circumspecção e cordura.

Não foram attendidos os nossos rogos.

Estava para ser publicada no Diario do Governo uma portaria, rigorosissima, convidando o prelado a abrir immediatamente o seminario e a admittir os estudantes que tinham sido expulsos. Foi então que appareceu a nova e famosa provisão - e alguem houve que disse, o que eu não quero acreditar, - que o Sr. Bispo de Bragança a antedatara.

Nessa provisão o Sr. Bispo de Bragança, penitenciando-se dos actos que praticara, abria os seus braços carido-

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sos e, levado pela sua piedade e pela sua resignação christã, que tantas vezes cita nas suas provisões, perdoava, alfim!

Mas ao mesmo tempo que dizia aos estudantes - eu perdou-lhes, venham a mim, entrem neste estabelecimento, logar de paz e de amor - dizia-lhes, tambem, que... se dentro de algum tempo não lhe fossem pedir perdão, tornariam a ser expulsos!

Vozes: - Ouçam, ouçam.

O Orador: - Perdoou-lhes, a sua alma é cheia de caridade e ternura, mas acrescentou: - os senhores... hão de vir de rojo pedir-me perdão!

Não pára tudo isto aqui. O mais extraordinario é que depois de ter perdoado aos seminaristas, declarou lhes... que ia abrir o siminario, mas que ia continuar o processo!

Para provar a V. Exa. e á camara o respeito que tenho pelo logar que occupo, omitto algumas circumstancias das mais aggravantes do procedimento do Sr. Bispo, - tanto mais que o que acabo de citar á Camara é sufficiente para se avaliar a justiça que houve no procedimento do Governo.

O illustre deputado falou muito em liberdade, no abuso d'ella, na theoria dos anarchistas, nos revolucionarios, parecendo que neste paiz, pacifico e doce, a Igreja soffre, agora, perseguições e vexames, quando todos nós sabemos que, mesmo nos antigos tempos, nunca o poder civil se curvou perante a Igreja.

Não! Nunca ninguem em Portugal teve medo de arcar com um bispo quando elle esquece os seus deveres, quando esquece que o seu coração deve ser de ouro, -como a cruz que lhe refulge no peito - e nunca de aço - como a que tinham alguns prelados da idade media.

O illustre Deputado deve lembrar-se que houve um rei portuguez que inundou metter um prelado numa masmorra, por elle ter attentado contra o poder real. O illustre Deputado tambem se deve recordar que houve um outro rei portuguez, - rei que fui tão nobre, tão magnanimo e tão grande! - mas que num impeto de colera esfarrapou as vestes de um prelado audacioso e quis azorragar-lhe as carnes, sómente por elle ter commettido um attentado contra a moral.

Era assim que se procedia em outros tempos. Hoje por uma simples portaria não se ha de corrigir um prelado? (Apoiados).

Neste tempo de liberdades, que situação tão differente! Hoje o poder civil limita-se a uma acção como esta: lembrar a um prelado o cumprimento da lei. (Apoiados).

De resto não ha nada mais claro que essa lei que estabelece e preceitua que a direcção dos siminarios fica sujeita á inspecção do Governo.

Que inspecção seria essa se se pudesse encerrar os siminarios e os prelados expulsar os estudantes e readmitti-los no dia immediato? (Apoiados).

Então o Governo, era pleno uso d'essa lei, que o illustre Deputado chama obsoleta, não havia de exercer a sua acção? (Apoiados).

Então o illustre Deputado ousa vir ao Parlamento portuguez falar no direito e na justiça, e esquece que nós também temos o nosso direito e a nossa justiça? (Apoiados).

Eu, emquanto estiver neste logar, muito ou pouco tempo, - ou porque a minha saude não me deixe continuar nelle, ou por esses acasos da politica, ou por essas pequenas e mesquinhas cousas que fazem desapparecer os homens politicos, - eu hei de cumprir o meu dever. Apaixonado pelos direitos do poder civil, affirmo que se porventura houver um prelado portuguez, - apesar do muito respeito que lhes tenho e de contar entre elles amigos, - que não cumpra o seu dever, tenho na minha mão faculdades para, os fazer respeitar a lei e obrigá-los a cumprir a sua obrigação.

Tenho dito.

(Vozes - Muito bem).

(O orador foi muito cumprimentado).

(Não reviu as notas do seu discurso).

O Sr. Valerio Villaça: - Mando para a mesa o parecer da commissão de negocios estrangeiros e internacionaes sobre a proposta de lei n.° 5-A, que auctoriza o Governo a ratificar a declaração commercial assignada entre Portugal e a Suecia aos 16 de abril de 1904.

Mandou-se imprimir.

O Sr. Presidente: - A pedido do Sr. Homem de Gouveia consulto a Camara sobre se permitte que o illustre Deputado responda ao Sr. Ministro.

Não foi auctorizado.

O Sr. Homem de Gouveia: - Não posso então falar! Pois em outra occasião responderei ao Sr. Ministro da Justiça!

O Sr. Ministro da Justiça (José Maria de Alpoim): - E eu replicarei immediatamente a V. Exa.

O Sr. Presidente: - Consulto a Camara sobre se permitte que a commissão de vacaturas se reuna durante a sessão.

Foi autorizado.

O Sr. Presidente: - Vae passar-se á ordem do dia; os Srs. Deputados que pediram a palavra e tiverem papeis a mandar para a mesa, podem fazê-lo.

O Sr. Mario Monteiro: - Mando para a mesa o seguinte

Aviso previo

Desejo interrogar o Sr. Ministro do Reino sobro a attitude que S. Exa. tenciona adoptar, em face da maneira como tem sido executado o contrato celebrado entre a Camara Municipal de Lisboa e o actual arrematante ou fornecedor do carnes verdes para o abastecimento da cidade. = Mario Monteiro.

Mandou-se expedir.

O Sr. Manoel Francisco de Vargas: - Mando para a mesa os seguintes

Requerimentos

Requeiro que, pelo Ministerio das Obras Publicas, Commercio e Industria me seja enviada, com urgencia uma nota indicando as variantes do traçado do caminho de ferro de Mirandella a Bragança, que teem sido submettidas á approvação superior do Ministerio, especificando:

a) Por quem propostas, se pelo Governo, se pelo concessionario;

b) Extensão kilometrica de cada variante;

c) Extensão do projecto substituido por cada variante;

d) Orçamento de cada variante;

e) Orçamento da parte do projecto substituido por cada variante. = 0 Deputado pelo circulo oriental de Lisboa, Manoel de Vargas.

Requeiro que, pelo Ministerio das Obras Publicas, Commercio e Industria, me seja enviada com urgencia uma nota indicando:

a) Lista nominal dos engenheiros, referida a 28 de fevereiro de 1903, em serviço na administração, exploração, construcção e estudos dos caminhos de ferro do Estado, com indicação das commissões que desempenharam;
b) Lista identica, e com igual indicação, referida a 30 de abril de 1905. = Manoel F. Vargas.

Mandaram-se expedir.

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16 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

O Sr. Peixoto Correia: - Mando para a mesa a seguinte

Nota de interpellação

Desejo interpellar o Governo, nas pessoas do Sr. Presidente do Conselho e Ministro da Justiça, sobre a portaria de 15 de abril ultimo. = Antonio Peixoto Correia.

Mando tambem para a mesa o seguinte

Requerimento

Tencionando interpellar o nobre Ministro da Justiça e Negocios Ecclesiasticos sobre a portaria de 15 de abril ultimo, requeiro me sejam enviados com urgencia copias dos seguintes documentos:

1.° Relatorio do Sr. Governador Civil de Bragança de 24 de dezembro de 1904 e de 1 de janeiro ultimo;

2.° Officios do Sr. Bispo de Bragança de 30 de janeiro, 17 de fevereiro e 7 de abril findos;

3.° Representação do comicio celebrado em Bragança no dia 12 de janeiro;

4.° Bulla Gravissimum Christi Ecclesiam de 30 de setembro de 1881;

5.° Sentença do Sr. Bispo de Bragança de 23 de janeiro de 1905 e provisão de 19 de março ultimo.

O Deputado. = Antonio Peixoto Correia.

Mandaram-se expedir.

ORDEM DO DIA

Continuação da discussão do projecto de lei n.° 3 (organização do exercito)

O Sr. Rodrigues Ribeiro: - Sr. Presidente: antes de entrar no debate, permitia V. Exa. que eu peça, em nome da minoria regeneradora, para ser dada para ordem do dia a interpellação annunciada pelo leader da minoria o meu amigo e illustre collega o Sr. Conselheiro Pereira dos Santos, dirigida aos Srs. Ministros do Reino, Justiça e Obras Publicas.

O nobre Presidente do Conselho prometteu a esta Camara que a interpellação se realizaria logo depois da discussão do Discurso da Coroa. O Discurso da Coroa já foi votado; de permeio vem para ordem do dia o projecto de lei que interessa á organização do exercito, sem motivo algum, que justifique a sua urgencia.

Na altura em que se encontra o debate cabe-me a honra de responder ao nobre Ministro da Guerra; e por isso neste momento não posso deixar de recordar as antigas relações de amizade e camaradagem que, durante annos e em todas as circumstancias, mantive com S. Exa. e manifestar a minha homenagem pela lealdade do seu caracter.

Da mesma forma não posso retrahir-me a fazer perante a Camara, e com a lealdade que me caracteriza, a affirmaçãío de que, em assumptos militares, não enveredarei nunca pelo caminho das retaliações politicas ou partidarias.

O exercito não é d'este ou d'aquelle partido. O exercito é da nação.

Impõe-me esta orientação o meu modo de ver a respeito do exercito, a que tenho a honra de pertencer, e que eu entendo deve manter-se constantemente indifferente á politica.

Sr. Presidente: o mysterio e a reserva, em que se manteve envolvida a obra do nobre Ministro da Guerra, durante os mezes, que precederam a abertura do Parlamento, foi tão grande, como extraordinaria foi a surpresa, para não dizer decepção, causada no nosso meio militar no dia 11 de abril passado, ao ser conhecido o criterio, que presidiu ao conjunto de medidas apresentadas por S. Exa. nesta Camara.

A minha surpresa excedeu todos os limites: o conhecimento, que tenho das faculdades de intelligencia e trabalho do nobre Ministro, a quem venho prestando homenagem de longa data, e a presumpção de que S. Exa. no intervallo de tempo, que mediou entre a sua saida dos Conselhos da Coroa e o seu regresso á mesma situação, empenharia essas faculdades no estudo dos meios para o desenvolvimento progressivo das instituições militares, tanto no que diz respeito á sua constituição organica, como ao fomento da instrucção, fizeram em mim a convicção de que obra seria feita á altura dos merecimentos do seu auctor, e que seriam attendidas as mais instantes aspirações do exercito.

As minhas esperanças cairam por terra.

O nobre Ministro durante aquelle tempo nada mais fez do que ceder a um sentimento de vaidade, como já aqui affirmou o meu illustre collega e amigo, o Sr. Conselheiro João Franco, com o prurido exclusivo de desfazer a obra do seu antecessor.

Este não é o caminho que se offerecia a um estadista da envergadura do actual titular da pasta da Guerra.

Registei a resposta dada por S. Exa. na ultima sessão ao Sr. Conselheiro João Franco dizendo: que não destruia a obra do seu antecessor; que essa obra constava de dezaseis decretos, e que S. Exa. apenas tinha invalidado seis d'esses decretos. Esta affirmação surprehendeu-me pela falta de lealdade e de franqueza.

Quero dizer a intenção do illustre Ministro, não se afere pelo numero de decretos que vae revogar; o numero de decretos é para o caso absolutamente indifferente; a questão toda reside na natureza d'esses decretos.

Ora é necessario não esquecer que, alem dos seis decretos que constam do projecto de lei em discussão, já S. Exa. trouxe á Camara mais duas propostas de lei, que invalidam outros tantos decretos, taes são as referentes á promoção e ao recrutamento.

O conjunto d'esses decretos que S. Exa. se propõe annullar abrange tudo o que interessa á organização do exercito, tendo apenas deixado de pé, certamente por generosidade para com o seu antecessor, os decretos relativos á artilharia de guarnição e campo entrincheirado, aos torpedos fixos, e ás direcções geraes de cavallaria e infantaria. Estes ficaram de reserva para a primeira opportunidade, se isso couber no tempo e no espaço da sua promettedora gerencia.

Ora tal systema é absolutamente incompativel com a seriedade do exercito e com a nobre e elevada missão, que lhe está confiada, na defesa da integridade do solo da patria, na defesa das instituições e na manutenção da ordem publica.

O illustre Ministro propondo-se fazer o regresso á organização anterior da sua iniciativa e desinteressando-se de circumstancias, que se impunham para serem ponderadas e tomadas em consideração na constituição do exercito em todo e qualquer projecto de organização ou de modificação de organização de que S. Exa. tratasse, perdeu uma excellente occasião de prestar um bom serviço ao paiz e ao exercito.

Eu menciono essas circumstancias: umas são de ordem moral e outras de ordem material.

As circumstancias de ordem moral, que se impunham para serem ponderadas e tomadas em consideração, occorreram desde que S. Exa. saiu dos conselhos da Coroa; uma d'ellas - e a mais importante para mim - é a que impunha a S. Exa., como estadista, a obrigação de acabar de vez ou pôr termo á fluctuação constante e periodica das organizações militares, o que constituo uma situação incompativel com a boa ordem, base fundamental da instituição militar, e com a nobre e briosa missão confiada ao exercito.

Da falta de ordem resulta a desordem e perturbação nos serviços, e chega-se a não se saber qual a lei que vigora, o que é attentatorio da disciplina.

Esta alternativa exercida pelo Sr. Conselheiro Sebas-

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SESSÃO N.º 13 DE 5 DE MAIO DE 1905 17

tião Telles, Ministro da Guerra, e pelo Sr. Pimentel Pinto, seu antecessor, é attentatoria por egual dos creditos do exercito. (Apoiados).

Uma outra circumstancia de ordem moral, que devia ser levada em consideração, é a alliança com a Inglaterra.

Do seu revigoramento occorrido nos ultimos tempos resultaram para nós deveres de ordem superior, que eu reputo tão sagrados como os que dizem respeito á defesa do solo da Patria.

Para corresponder devidamente á consideração, que nos foi dispensada, e que tem tido reflexo em factos subsequentes do conhecimento de todos, carecemos de nos valorizar para nos constituirmos no direito a essa consideração.

Para esse a fim impõe-se naturalmente uma longa e ponderada preparação contra as surpresas da ultima hora. (Apoiados).

Vozes : - Muito bem.

O Orador (continuando): - Sr. Presidente: quando os ventos soprarem menos propicios do lado de Marrocos, ou de qualquer outra parte, sabe o illustre Ministro da Guerra que o nosso concurso pode ser solicitado, e nós não estamos em condições de satisfazer aos encargos, que nos podem pedir por essa occasião.

Eu podia referir-me ao momento psychologico, que se constituiu n'um verdadeiro periodo agudo para alguns dos Estados da Europa, com quem estamos nas melhores relações; á decepção por que passámos durante dias ao proceder a inventario dos nossos recursos, e a que felizmente veio pôr termo a benefica intervenção de um dos chefes d'esses Estados: mas assumpto por tal forma grave, que se impõe para ser mantido em reserva, não se impoz ao animo do nobre Ministro da Guerra, para ser tomado em consideração no momento em que se propu/esse efFtctuar modificações na constituição organica do nosso exercito.

Ha uma outra circumstancia ainda que occorria, embora seja de ordem material, para ser tomada em consideração, é a compra de armamento com que o exercito vae ser dotado.

Nós ha muitos, annos que não temos uma dotação de armamento tão lata; constitue-se mesmo num facto notavel nos nossos annaes militares o alargamento dado ultimamente aos nossos meios de fazer a guerra; pois um facto d'esta ordem, que se tornou effectivo depois da organização do exercito decretada em 1899, tambem não imperou no animo de S. Exa. para o levar a sair dos moldes, em que foi vasada aquella organização.

Pelo contrario S. Exa. confessa que reputa o contrato superior ás forças do Thesouro e propõe-se fazer-lhe uma reducção no material de artilharia de campanha.

Outras circuinstancias eu poderia mencionar, mas o nobre Ministro desinteressando-se d'estas, que são as principaes, põe a descoberto o seu firme proposito de se restringir a annullar por completo a obra do seu antecessor, e perfilhar a sua.

A organização de 1901 não é perfeita, como imperfeita é tambem a de 1899, porque neste paiz e nas nossas circumstancias não podemos ter organisação que satisfaça por completo a todos os requisitos que se impõem aos exercitos modernos para realizarem os fins para que são destinados.

Entre duas organizações imperfeitas, o bom criterio e o desejo de fazer algum serviço util ao exercito só indicavam dois caminhos a seguir: ou fazer uma organização inteiramente nova, em que fossem tomadas em consideração as circumstancias a que me venho referindo, ou limitar-se a aproveitar o esqueleto da organização de 1901, e sobre elle effectuar as modificações, de que é susceptivel em presença d'aquellas circumstancias.

O regresso á organização de 1899 constitue um facto anormal e injustificavel, que muito prejudica e desgosta o exercito.

Parece ter sido este um proposito do nobre Ministro da Guerra.

No conjunto das suas medidas collocou-se S. Exa. em situação diametralmente opposta á dos seus antecessores, que procuraram sempre com prudencia, e não deixando de zelar os interesses do Thesouro, não aggravar a situação dos seus camaradas, cortando-lhes vantagens concedidas ao abrigo dá legislação em vigor.

No regresso á organização anterior evidenceia-se S. Exa. em opposição com o illustre Ministro que o precedeu na gerencia da pasta da Guerra, cortando pequenos beneficios concedidos ao abrigo da lei, sem compensações nem motivos que justifiquem tal proceder. Todos se interessaram mais ou menos pelo desenvolvimento progressivo do exercito, principio seguido por todas as nações que teem exercitos regularmente constituidos.

O illustre Ministro para ser diametralmente opposto ao seu antecessor até esse principio põe de parte, esquecendo-se de que, no desenvolvimento progressivo a que deve estar submettida a instituição militar, se o parar é morrer, o retrogradar representa o sacriticio da propria instituição.

D'ahi procede o descontentamento que vae alastrando na classe militar de um ao outro extremo do paiz. (Apoiados).

Sr. Presidente: nos exercitos regularmente constituidos teem sido banidas as transformações rapidas e bruscas das respectivas instituições militares pelos effeitos nocivos que produzem no seu regular funccionamonto, e na disciplina, base fundamental de toda a ordem. Todos teem julgado preferivel submetter as instituições militares a um desenvolvimento progressivo e regular, como as circumstancias aconselham.

Entre nós este principio foi abandonado visto que no curto periodo de seis annos podemos já contar tres organizações successivas e todas incompletas. As faculdades dos nossos Ministros da Guerra esgotam-se a iniciar as suas organizações, que não chegam a tornar se effecivas na pratica no curto periodo das suas respectivas gerencias.

D'ahi veem consequencias desastradas para a disciplina na instabilidade da legislação, e na falta de respeito pela lei.

Chega-se a não se saber qual a lei que num dado momento está em vigor.

As instituições militares teem na sua constituição intima um modo de ser, que as distancciam muito das instituições politicas e administrativas. Estas podem mudar conforme as circumstancias de momento e as conveniencias dos Governos; aquellas impõem-se para se manterem firmes nas suas bases geraes.

Basta attentar aos factores principacs, que presidem á constituição dos exercitos dos differentes paizes, para se concluir a necessidade de manter firme a instituição militar de qualquer paiz.

Os factores a que me venho referindo são: a situação geographica do territorio; o estado do Thesouro e da Fazenda publica; a maior ou menor facilidade das leis para a mobilização de todas as forças; as allianças; o caracter dos habitantes e as suas forças physicas e os meios de guerra de que se dispõe.

São estes factores importantes que presidem á constituição dos exercitos. (Apoiados). Entre elles ha uns que são permanentes e predominam: outros, os menos importantes, são susceptiveis de variar. D'ahi provém a necessidade de manter uma certa estabilidade na instituição militar, e não entrar em novas organizações ou modos de ser da mesma instituição senão com muita prudencia o quando circumstancias extraordinarias o aconselhem.

A estes factores, cuja alta importancia é indiscutível,

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poderiamos nós no nosso paiz accrescentar mais um: a mudança de Ministro da Guerra.

Sempre que se verifica não digo uma mudança de Governo, mas sómente a de Ministro da Guerra, temos nova organização do exercito, ou uma tentativa no mesmo sentido. (Apoiados).

Em abono da minha asserção com respeito á estabilidade, que deve affectar a instituição militar, devo referir que: uns consideram os exercitos modernos como machinas muito complexas, constituidas por engrenagens, que precisam de ajustar-se rigorosamente, conservando-se desmontadas em tempo de paz e regularmente dispostas para poderem entrar em funcção durante o tempo de guerra.

Outros comparam os exercitos modernos a seres animados, em que a artilharia constitue o esqueleto, a infantaria os musculos, a cavallaria os olhos, o estado maior a cabeça dirigente e pensante, que tranismitte, dá vida e orientação a todos os movimentos e operações.

Machina ou ser animado, facil é de ver quanto se torna melindroso substituir ou alterar qualquer das suas rodagens, sem attender ás outras; ou alargar ou encurtar qualquer dos orgãos do ser animado sem ir affectar todos os outros. (Apoiados).

O Sr. Ministro da Guerra, obedecendo exclusivamente ao prurido de fazer o contrario do seu antecessor - só assim se comprehende que S. Exa. queira regressar á organização anterior - propõe-se modificar o esqueleto, os musculos e os olhos, desinteressando-se por completo da cabeça. Pois o estado maior, corporação a que tenho a honra de pertencer, impunha-se no momento actual para serem attendidas circumstancias, que difficultam o seu regular funccionamento.

Não foi attendido pelo seu antecessor porque os factos recentes puseram em evidencia essas circunstancias.

Para o serviço do estado maior concorrem, ao abrigo da legislação em vigor, officiaes das differentes armas, sendo a primeira entrada ou admissão feita no posto de tenente.

Succede porém que o accesso, sendo desigual de arma para arma, dá em resultado que os tenentes de artilharia hoje antigos no serviço são preteridos pelos tenentes de infantaria e cavallaria mais modernos, que são promovidos a capitães mais cedo pelo quadro das respectivas armas. Resulta d'ahi que os subordinados ou subalternos do hoje passam no dia mmediato a chefes dos officiaes sob cujo marido serviram anteriormente.

Isto impõe se para ser regularizado, e lauto mais que, o grupo de officiaes admittidos ao serviço do estado maior, sendo dos mais distinctos do exercito, ainda não desmereceram do conceito, que lhes deu direito á admissão e teem-se tornado merecedores da maior consideração por parte dos seus chefes.

Ora esta situação é absolutamente insustentavel e incompativel com os bons principios, que impõem a S. Exa. a necessidade urgente de dispensar a sua attenção para este assumpto.

Devo dizer ainda, em abono da minha affirmação, que as transformações duraveis nos exercitos só se fazem de longe em longe, e foi a partir de uma certa epoca que essas transformações se effectuaram por uma forma positiva.

A campanha de 1866, tendo sido de um grande ensinamento, é considerada a precursora da tactica moderna, que teve a sua sequencia logica na campanha de 1870-1871. No periodo que se lhe seguiu as questões de recrutamento, estrategia e tactica, organização e armamento foram o objecto do estudo dos exercitos adeantados da Europa, podendo affirmar-se que, nos ultimos quarenta annos os progressos no armamento, na tactica e methodos de combate progrediram mais do que em todos os seculos anteriores.

D'ahi proveio por esta circumstancia extraordinaria de tanta ponderação, e que se impunha á consideração de todos, uma transformação dos exercitos europeus.

Effectuada esta transformação, todos se entregaram ao exclusivo desenvolvimento progressivo da instituição militar, trabalho incessante de todos os dias e de todas as horas, para que ella se mantenha á altura de satisfazer á nobre e elevada missão, que lhe está confiada.

A esta orientação se subordinou o illustre antecessor do Sr. Conselheiro Sebastião Telles na gerencia da pasta da Guerra. Desde que introduziu as alterações que julgou opportunas, necessarias e convenientes na organização decretada em 1899, nada mais fez do que melhorar gradual e successivamente os serviços, o material e o fomento da instrucção.

A sua obra não ficou completa, porque nunca pode tornar-se effectiva rapida e immediatamente no nosso paiz, com as circumstancias e meios de que dispomos, qualquer organização militar por mais simples que seja no seu conjunto.

Isso porém não obsta a que o seu esqueleto, porque em esqueleto se manteem todos os exercitos no pé de paz, se encontre disposto regularmente para ser mobilizado e adequado ás circumstancias precisas para o pé de guerra. Facil me seria demonstrar que a obra do illustre Ministro a que me venho referindo não passou de modificações introduzidas na organização anterior; mas dispenso-me d'esse encargo visto que o parecer o reconhece. O que devo affirmar é que o illustre Ministro de 1901 se restringiu á norma seguida nos outros paizes orientando-se pelo desenvolvimento progressivo do exercito. (Apoiados).

Sr. Presidente: reatando as considerações anteriores e para entrar no assumpto propriamente dito; resta-me dizer que as transformações a operar na instituição militarr carecem sempre de opportunidade, e de apoio na opinião do exercito.

Não são praticas, nem solidas, nem viaveis, desde que teem só o exclusivo apoio das maiorias parlamentares.

Nem podia deixar de ser assim, desde que nos exercitos modernos a victoria não é já um previlegio exclusivo de um genio, mas sim a resultante do esforço de muitos. É uma conquista moderna, que representa bem os progressos da civilização e da instrucção que affectam a instituição militar.

Para abono da minha asserção, de que é preciso o apoio da opinião para as reformas militares, devo narrar á Camara um facto recente.

No Senado do país visinho discutia-se no anno findo, durante muitas sessões, um projecto militar relativo á criação de um estado maior central, como orgão de transmissão e organização junto do Ministro e um outro relativo a criação de uma direcção geral de remonta, serviço que corria com certa irregularidade, visto que cada arma fazia a remonta dos solipedes necessarios para o seu serviço, o que dava resultados dispares para o bem do exercito e para a sua administração economica.

As sessões dilataram-se por uma forma extraordinaria e o Ministro da Guerra, General Liñares, era increpado de fazer o contrario do que havia sido determinado por um dos seus antecessores, o General Weyler.

Parece que a doença de fazer e desfazer se vae alastrando por toda a Peninsula.

Fez-se muita rhetorica a proposito das orientações oppostas dos dois Ministros.

O illustre Ministro da Guerra d'aquelle paiz, General Liñares, depois de muitas considerações para justificar os seus projectos, recorreu ao argumento de que, tanto eram bons, necessarios e opportunos, que sobre elles incidia a opinião favoravel do exercito, verificada em toda a imprensa militar do paiz.

O nosso illustre Ministro da Guerra, isolando-se da opinião, deve a estas horas estar convencido de que, pelas reclamações feitas em varios jornaes, suscitadas contra o

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modo de proceder e orientação de S. Exa., é preferivel a publicidade ao mysterio e que o apoio da opinião dá força.

Não se consulta a corporação do exercito em forma de plebiscito: mas assumptos de certa ordem; entregam-se ao estudo dos technicos, que os aperfeiçoam e accomodam ás circumstancias, como já aqui se disse na sessão anterior.

A justificação apresentada por S. Exa. contraria a esta indicação e fundada no procedimento da commissão superior de guerra, quando foi solicitada para dar parecer sobre o projecto da organização do exercito de 1890, é improcedente.

Aquella commissão tem-se mantido até ao presente constantemente alheia aos interesses politicos de qualquer facção ou partido.

D'isso deve dar prova o seu antigo secretario geral, que durante annos foi a alma e a vida da commissão com o seu constante esforço e estudo. O projecto submettido á apreciação da commissão encontrou attritos e teve seria opposição por parte dos antigos auctores da organização de 1884, embora estranhos a ella, que não queriam ver a sua obra prejudicada: não vingou o projecto porque a acção do Governo, que nelle se interessara, se retrahiu desde que foi debellada a crise do periodo agudo, que impuzera o proprio projecto.

Pode affirmar-se por uma forma clara e terminante que do trabalho da commissão superior de guerra em 1890 nem tudo se perdeu: muitas das disposições exaradas naquelle projecto de reforma tornaram-se effectivas mais tarde, e nomeadamente as que dizem respeito á lei do recrutamento.

Começou nessa occasião a grande campanha para subtrahir as operações do recrutamento das mãos da auctoridade civil, que as explorava largamente, como arma politica.

Depois de varias tentativas, tornou-se effectiva uma lei de recrutamento nos termos que mais conveem ao exercito, suavizando, tanto quanto possivel, o pesado tributo do imposto de sangue, e passando as operações principaes para as mãos da autoridade militar.

Nestes termos podemos concluir que a orientação de consultar os technicos em assumptos de certa ordem é sempre conveniente para preparar a opinião.

Sr. Presidente: Vou agora propriamente entrar na analyse do projecto de lei, mas antes d'isso tenho que me referir a alguns argumentos e affirmações constantes do parecer que o acompanha: procurarei simultaneamente responder ás considerações expendidas pelo nobre Ministro da Guerra na ultima sessão.

No parecer propõe-se a illustre commissão de guerra justificar o regresso á legislação de 1899 com o fundamento de que, esta é originaria do poder legislativo, emquanto que a que está em vigor proveio do poder executivo. Isto não é argumento, é uma futilidade.

A legislação de 1899 provém de uma auctorização dada pelas Camaras Legislativas: a de 1901 provém de um acto do poder executivo sanccionado pelas mesmas Camaras.

Uma e outra teem igual valor, e não teem a mesma origem porque em 1891 se deu inesperadamente a dissolução da Camara dos Deputados, em que o Governo tinha maioria segura.

Justifica-se o procedimento do Governo de 1901 porque se lhe impunha a necessidade de attender ás reclamações feitas no Parlamento durante a discussão das bases para a organização de 1899, e nomeadamente contra a base 17.ª que absorveu por completo a attenção das Camaras com prejuizo manifesto para a discussão das outras bases.

Essas reclamações do Parlamento propagaram-se para o exercito, dando origem a uma campanha memoravel e perniciosa pelos seus effeitos sobre a disciplina; e foram attendidas na legislação de 1901, que está em vigor desde aquella epoca até ao presente.

São porém desconhecidas quaesquer reclamações contra o actual estado de coisas e contra os effeitos produzidos durante este largo periodo pela legislação em vigor.

Como explica o nobre Ministro o seu procedimento actual, a não ser pelo prurido exclusivo de desfazer a obra do seu antecessor?

O exercito não pode nem deve estar dependente e á mercê d'estes caprichos ou ruins sentimentos de vaidade que se não justificam.

Analysando o projecto de lei na sua redacção não posso deixar de o classificar um verdadeiro monstro.

Num artigo unico e por uma forma summaria o illustre Ministro destroe desde os seus fundamentos toda a organização de 1901 para restabelecer a de 1899; mais simples poderia ser a sua redacção e mais coherente com a intenção do seu auctor. Poderia dizer o fica revogada toda a legislação de 1901 e restabelecida a de 1899".

Os effeitos moraes produzidos no meio especial a que interessa este projecto são desastrosos.

Fomenta-se com elle a falta de respeito pelas leis, e provoca-se portanto a
indisciplina.

A instabilidade produzida na nossa legislação militar desprestigia os chefes e leva á anarchia mental, não se podendo nunca discriminar afoitamente qual a lei em vigor.

A situação criada por tal forma não se accomoda em caso algum com a nobreza da instituição militar nem com a elevada missão que lhe está confiada.

Considerado ainda na sua redacção briga o projecto com o disposto no artigo 122.° do regimento interno em vigor nesta casa do Parlamento, que diz: "Os projectos de lei serão divididos em artigos, e estes reduzidos quanto for possivel a proposições simples, e deduzidas por ordem racional".

Facil é de reconhecer a simplicidade da proposição que num simples artigo revoga toda a legislação em vigor referente á constituição organica do exercito.

E não poderá ser interpretado o projecto senão com mais uma auctorização pedida pelo illustre Ministro da Guerra, mas esta muito mais lata da que a de 1889. Em 1899 a organização resultava de bases certas e definidas; nesta auctorização resultará da conjugação das leis de 1899 e 1901, que abrirão ao illustre Ministro porta franca para todas as alterações, que queria introduzir na organização.

Mais uma auctorização, menos uma auctorização, nada influe para aggravar a incoherencia do illustre partido que se encontra no Governo, pois o Sr. Ministro da Fazenda pela sua parte já inseriu o pedido de doze auctorizações na proposta de lei do orçamento submettida á Camara.

Estas pelo menos são francas e claras, emquanto que a do nobre Ministro da Guerra é dissimulada com o fim de mystificar a discussão, não dando largas para a discussão isolada de cada um dos decretos revogados e a sua comparação com os restabelecidos.

Isso seria empresa para uma sessão parlamentar completa, tal é a largueza dos assumptos envolvidos no projecto.

Sr. Presidente: o parecer da illustre commissão de guerra tambem não justifica a opportunidade do projecto em face das circumstancias do Thesouro e da Fazenda Publica, das reclamações do exercito e da situação politica do Governo.

As circumstancias do Thesouro e da Fazenda Publica parece terem melhorado consideravelmente, visto que pelas declarações do Governo estamos entrando no caminho da nossa regeneração economica e financeira a ponto de se annuciarem já beneficios a realizar nas deducções dos vencimentos e nos subsidios do exercito.

As reclamações do exercito contra a organização era vigor não são conhecidas; o exercito, atravessando um periodo do longa paz, só de longe em longe quebrado ou in-

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terrompido pelas campanhas de Africa, entregava-se á sua faina quotidiana e incessante da iustrucção em todos os seus ramos, uma verdadeira campanha da paz na preparação para a guerra; não fazia reclamações.

A situação politica do Governo não se pode affirmar que seja muito desafogada no momento actual; ao cabo de seis mezes de existencia dá indicios de força, que são accnsados por outros ao fim de seis annos de administração; os trabalhos parlamentares caminham com uma velocidade vertiginosa, foi preciso despender um terço do tempo destinado á sessão parlamentar para se fazer a eleição das commissões! A recomposição determinada pela saida de um dos invalidos da situação levou oito dias a resolver, quando o mundo foi feito em menos tempo; o contrato dos tabacos arrancado a ferros das mãos do Sr. Presidente do Conselho parece dar poucos signaes de vida, e está destinado a constituir o coroamento ou fecho da obra do Governo.

O futuro se encarregará de esclarecer esta minha asserção.

Nestas circumstancias como se explica a actividade e urgencia do nobre Ministro da Guerra com a discussão dos seus projectos?

É para bem servir o exercito, lançando nelle a discordia e o descontentamento, fomentando as rivalidades das differentes armas, e criando uma atmosphera que poderá ser muito prejudicial a S. Exa. e ao Governo.

Um outro argumento que vem no parecer que acompanha o projecto de lei é deveras um argumento sui generis, um tanto ou quanto pueril: refere-se á organização militar em vigor, que teve de ser abandonada na sua sequencia, não registando os trechos dessa organização que foram postos de parte.

A illustre commissão tem como principio que, qualquer organização deve ser levada á pratica com rapidez e precipitação, não aguardando que as circumstancias se disponham para o seu complemento. Com tal modo dever tambem a organização de 1899 podia ser julgada abandonada na organização dos esquadrões e baterias de deposito, nas disposições para os quadros das reservas, e na organização que devem ter as columnas de munições, que foram simplesmente mencionadas sem o mais ligeiro esboço para a sua formação e constituição.

Não impugna o parecer da commissão de guerra a necessidade das seis divisões activas criadas pela organização de 1892, como indispensaveis para a defesa do nosso territorio e para o systema de guerra que se impõe ás nossas circumstancias; mas affirma o illustre Ministro que o seu projecto de organização obedece aos verdadeiros principios scientificos.

É uma affirmação gratuita.

A commissão procede com mais sinceridade relativa quando se propõe justificar as quatro divisões activas em face dos encargos do Thesouro, que não comportam as seis divisões activas, e em face da redacção dos effectivos, e tenta justificar-se com um trabalho de uma sub-commis são da commissão superior de guerra, que se propunha organizar quatro divisões activas e quatro de reservas, trabalho este que nunca passou de uma aspiração ou estudo dessa sub-commissão, e que, como muitas outras, nunca foi sanccionado pelas estações superiores.

E esta a unica justificação a que o parecer recorreu para affirmar a constituição do nosso exercito de campanha em quatro divisões activas.

Sr. Presidente: para esclarecimento da Camara terei de recorrer a algumas considerações de ordem technica, que mal cabem nesta casa do Parlamento, para justificar a necessidade das seis divisões militares activas previstas e criadas pela organização de 1901 em vigor.

Sr. Presidente: a divisão activa do exercito é officialmente a nossa unidade estrategica, ou unidade fundamental da ordem de batalha.

A unidade de ordem superior, o corpo de exercito, não se accommoda ás nossas condições financeiras, nem ao nosso systema de guerra.

Todos estamos de acordo em que o territorio do paiz seja dividido em tantas circumscripções de divisão, quantas as divisões activas que pudermos constituir.

A divergencia reside no numero d'essas unidades.

Em todas as commissões que se teem empenhado em trabalhos refurentes á organização do exercito e á defesa do paiz tem prevalecido a base de seis divisões militares, apenas hypotheticamente alterada no proposito de formar quatro divisões activas e quatro de reserva. Tem sido sempre um numero superior ao prefixado pela organização de 1899.

Mas devo declarar tambem que essas commissões teem sido levadas a restringir se ao numero de quatro divisões para evitar o augmento de despesa, que importa a constituição de mais duas divisões, e pela escassez dos offectivos que as devem formar.

O numero de seis divisões tem sido a base fundamental e official sobre que teem sido lançados todos os trabalhos da commissão superior de guerra, interessantes á defesa desde 1887, e que nunca foi alterada pela serie dos Ministros, que d'aquella epoca até ao presente, teem gerido a pasta da Guerra.

Esta base não é arbitraria, mas deriva da propria configuração geographica do nosso territorio, da natureza das fronteiras que o extremam, das nossas relações com o paiz vizinho, e do nosso systema de guerra.

O territorio do paiz considerado nos seus variados accidentes tem sido por todos, e em todos os tempos, considerado dividido em tres grandes theatros de operações, limitados por fronteira terrestre ou maritima, permittindo áquella, por ser aberta em toda a extensão a entrada no paiz em varios pontos, e offerecendo esta diversos portos para desembarque.

As nossas relações ou communicações com o paiz vizinho augmentam de dia para dia com o grande desenvolvimento que naquelle paiz tem tido a viação accelerada.

D'ahi provém a necessidade de attender por igual ás necessidades da defesa em qualquer dos tres theatros de operação, por tenderem a desappareccr as maiores probabilidades da invasão em um dos theatros, com preferencia aos outros dois.

Achando-se restricto o nosso systema de guerra á defensiva activa, carecemos de multiplicar os centros de resistencia, e apoio da defesa em qualquer dos tres theatros considerados de operações militares.

Facil é de ver que, se a l.ª divisão militar (Lisboa) pode conjugar os seus esforços com a 4.ª (Evora) na defesa do theatro de operações do sul, a 2.ª divisão militar (Viseu) é insufficiente para a defesa do theatro central, Beira Alta, sempre reputado o mais provavel da invasão, assim como a 3.ª divisão (Porto) não pode occorrer por uma forma efficaz á defesa do theatro do norte, circumscripto a toda a região transmontana e do Alto Minho, ao norte do rio Douro.

As duas novas divisões criadas, Coimbra e Villa Real, serviram e teem justificação para conjugar os seus esforços com a 2.ª e 3.ª divisões militares na defesa dos seus respectivos theatros de operações.

Estes é que são os verdadeiros principios, que tornam efficaz a defesa do paiz. E constituindo elles a base da nossa organização militar, onde irão encontrar apoio os principios scientificos apregoados pelo nobre Ministro da Guerra?

Por todas estas razões e orientando-se pelo principio do desenvolvimento progressivo que convem imprimir ás instituições militares, foi levado o illustre Ministro da Guerra de 1901 á organização das seis divisões militares, e correspondentes circumscripções territoriaes de divisão.

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Não se restringiu a este ponto a orientação do referido Ministro.

Nas disposições em vigor na nossa lei organica do exercito encontrou base para o augmento dos effectivos, cuja deficiencia se oppunha á constituição das seis divisões actuaes.

Estas disposições são as da instrucção da l.ª e 2.ª reserva; a lei do recrutamento em vigor; a reducção do tempo de serviço a dois annos; e os regulamentos de instrucção das tropas das differentes armas.

Estas disposições, umas da iniciativa do actual titular da pasta da Guerra, outras da iniciativa do seu antecessor, fazem por igual honra aos seus respectivos auctores.

A pratica tem demonstrado que os periodos regulamentares designados para a instrucção das tropas das differentes armas, e nomeadamente para a infantaria, são susceptiveis de serem reduzidos.

Combinada esta disposição com a redacção do tempo de serviço a dois annos, rcconhece-se que os licenceamentos no 2.º anno de alistamento são susceptiveis de serem alargados; e combinando este licenceamento com a dispensa legal das praças no 3.° anno de alistamento chega-se á conclusão de que ha uma folga, que permitte o augmento do contingente annual, sem sobrecarregar a verba orçamental destinada ao custeio de um determinado numero de praças de pret na fileira.

Do augmento do contingente resultará em periodo curto um augmento do effectivo necessario para a constituição das seis divisões activas.

A instruccao dada á 1 .ª reserva pelos effeitos reconhecidos assegura e concorre para a constituição regular das unidades activas; da mesma forma a instrucção da 2.ª reserva, quando se torne effectiva em todas as suas disposições regulamentares, assegura por igual a constituição das unidades destinadas á 2.ª linha.

Podia demonstrar que, se os effectivos actuaes são deficientes para a constituição das seis divisões activas, esses effectivos sobram quando se organizem tão somente as quatro. Assim o accusam as estatisticas.

O augmento dos effectivos necessarios para as seis divisões, não podendo realizar-se immediatamente, demandava um certo prazo, dentro do qual seria resolvida a questão dos quadros respectivos e necessarios, com uma lei de quadros, depois de feito o aproveitamento e melhor adaptação dos existentes.

Foi este o modo de proceder e a orientação seguida pelo illustre Conselheiro Pimentel Pinto na gerencia da pasta da Guerra.

Mas, Sr. Presidente, o augmento do contingente, resolvendo a difficuldade da deficiencia do effectivo em praças de pret para a constituição das seis divisões militares, tornou-se um recurso absolutamente prejudicado, desde que a illustre commissão de guerra, formada por officiaes distinctos do exercito, cedeu a sentimentos humanitarios para se pronunciar no parecer por uma forma clara e positiva contra o aggravamento do imposto de sangue.

Esqueceu-se a illustre commissão de que esse tributo ou imposto tem sido considerado nos ultimos annos na sua attenuação, que as repugnancias pelo serviço no exercito se acham debelladas até certo ponto, e que nessa attenuação visa a ordem de ideias que venho defendendo.

Esqueceu-se tambem que em todos os paizes modernamente se procura diffundir a instrucção militar pelas classes populares por forma a conseguir as maiores massas habilitadas para a defesa, e com o fim de educar o povo, visto que os exercitos modernos se vão gradual e successivamente constituindo em escolas de civilização.

Podiam estas circumstancias, a que me venho referindo, aconselhar a sobrestar na organização de 1901, e nunca á sua demolição.

Entre as faculdades criadoras de um dos Ministros as demolidoras do outro, o paiz e o exercito formarão o seu juizo.

Facil me seria ainda demonstrar que o augmento de despesa allegado contra a base das seis divisões militares não é immediato, e que de futuro se não tornaria tão pesado, como se allega no parecer. E quando as circumstancias não permitiam esse pequeno alargamento num periodo mais ou menos proximo, a instituição militar entrará, no caminho do seu aniquilamento, em presença das intenções menos generosas de quem a ella preside.

Ninguem aconselha o augmento das despesas do exercito. O augmento ha de impor-se, porque quando se começa a attentar na organização do exercito, depois de uma mobilização, é que se vê até que ponto chegam as nossas faltas.

Vou terminar, Sr. Presidente, porque a hora está a dar, e mesmo porque o assumpto é tão complexo que terá uma larga discussão nesta casa do Parlamento, e a ella voltarei opportunamente.

Quando foi conhecido o conjunto das medidas do nobre Ministro da Guerra e a intenção que a ellas presidiu, occorreu ao partido regenerador o alvitre de as não discutir e reservar-se para proceder opportunamente como fosse julgado mais conveniente.

Este alvitre foi posto de parte para não fomentar a alternativa, que eu venho stigmatisando, e que tão prejudicial se torna para as instituições militares.

Por outro lado não podiamos renunciar a discussão d'este projecto porque temos pelo exercito muita consideração e respeito, e fazemos votos para que o nobre Ministro da Guerra não continue com os seus actos a fomentar a politica na classe militar. O exercito é do paiz, é da nação, e não de qualquer partido.

Tenho dito. (Vozes: - Muito bem).

(O orador foi muito cumprimentado).

O Sr. Eduardo Valerio Augusto Villaça: - Mando para a mesa a seguinte

Communicação

Communico a V. Exa. que se constituiu a commissão de vacaturas, tendo escolhido para seu presidente o Exmo. Sr. Antonio Tavares Festas e a mim participante para secretario. - Eduardo Valeria Augusto Villaça.

Para a secretaria.

O Sr. João José Sinel de Cordes: - Mando para a mesa a seguinte

Proposta

Nos termos do artigo 85.° do Regimento d'esta Camara, proponho para ser aggregado á commissão de guerra o Sr. Deputado José Mathias Nunes. = O Secretario da commissão, João José Sinel de Cordes.

Foi approvada.

O Sr. Antonio Guerreiro: - Sr. Presidente: é a primeira vez que tenho a honra de falar no Parlamento, e quiz o acaso que me coubesse essa honra precisamente para responder ao meu illustre amigo o Sr. Antonio Rodrigues Ribeiro, o distincto orador que a Camara acaba de ouvir.

Certamente o illustre Deputado far-me-ha a justiça de acreditar nos meus sentimentos do muito respeito e profunda sympathia e calculará quanto me lisonjeia o facto de effectuar a minha estreia parlamentar, respondendo ás observações que S. Exa. tão brilhantemente acaba de expor.

A muita consideração que me merecem todos os Srs. Deputados de um e outro lado da Camara, accresce, pelo que pessoalmente diz respeito ao Sr. coronel Ribeiro, toda aquella que é devida ao superior hierarchico, ao antigo chefe que sempre me dispensou provas de amizade

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e de estima, e a cujo talento, desde ha muito, me habituei a prestar homenagem, e ainda, Sr. Presidente, a que é imposta pela situação proeminente que S. Exa. occupa no exercito, como chefe do estado maior da corporação a que muito me honro de pertencer.

Mas, Sr. Presidente, precisamente porque S. Exa. occupa uma posição tão elevada, pelo effeito que as suas observações podem produzir, não só nesta camara como fora d'ella, é que tenho o encargo difficil e a necessidade de rebater um a um todos os argumentos que S. Exa. apresentou, e que poderiam deixar a impressão de que o Governo vem pedir a approvação de um projecto prejudicial ou, na melhor hypothese, de um projecto que apenas visa a satisfazer a vaidade do Sr. Ministro da Guerra. (Apoiados).

Devo dizer, com toda a sinceridade, que quando fui indigitado para relatar este projecto, não acceitei esse encargo no simples cumprimento de um dever, como militar obediente que não podia recusar-se a acceitar o posto de combate que lhe fora designado. Acceitei-o, convicto de que vinha defender uma causa justa, e de que poderia talvez contribuir, quanto em minhas escassas forças coubesse, para a approvação de um projecto de impreterivel necessidade para o exercito. Tanto bastava para que o acceitasse com prazer. (Apoiados).

E folgo em accrescentar: estou ainda convencido, neste momento, de que não me enganei no modo como pensava.

Eu gostaria, Sr. Presidente, de responder methodicamente ás observações do illustre Deputado que me precedeu, e, visto que se pretende substituir a organização actual, de 1901, pela anterior, de 1899, preferiria discutir os argumentos que S. Exa. houvesse apresentado, tendentes a demonstrar, por um lado, as vantagens e a exequihilidade da organização de 1901, por outro lado os inconvenientes e os varios defeitos da organização de 1899.

Mas, Sr. Presidente, sobre estes pontos restrictos pouco disse S. Exa., ao passo que as suas considerações poderiam constituir um outro grande grupo, muitissimo maior que os dois primeiros, em que englobou varias razões, na sua maioria de ordem politica, taes como inopportunidade da reforma projectada, pelos prejuizos resultantes da instabilidade das instituições militares, forma irritante e ardilosa pela qual se acha redigido o projecto de lei em discussão, etc.

Approvado que elle seja, na opinião de S. Exa., o Sr. Ministro da Guerra poderá modificar a seu bello talante toda a organização do exercito, sem se ter dado ao trabalho de pedir auctorização ao Parlamento!

Socegue o illustre Deputado e socegue a Camara, pois que o Governo diz claramente qual a legislação que pretende revogar e qual a que pretende restabelecer!

Tendo passado a um segundo plano as considerações technicas, terei de referir-me primeiro ás que teem caracter politico, embora - devo confessá-lo - não me considere muito preparado para isso, porque sou novo no Parlamento.

Vejo que d'aquelle lado da Camara se quer principalmente defender uma organização militar que era da responsabilidade do Governo regenerador, o que é natural. Mas vejo tambem que o illustre Deputado que abriu o debate, por parte do partido regenerador, não vem adduzir argumentos de valor sobre, a opportunidade de modificar o que está. O que apenas se diz e repete é que é absolutamente prejudicial a instabilidade que se pretende estabelecer, como norma, nas instituições militares.

Ora eu pergunto a S. Exa.: de quem é a culpa de que as instituições militares não sejam estaveis? A quem cabe a responsabilidade de ter sido o actual Governo forçado a trazer á Camara um projecto de lei, pedindo a, revogação dos decretos de 1901? (Apoiados).

Pois, Sr. Presidente, depois de terem decorrido quinze annos desde a reforma de 1884, o Governo progressista apresentou á consideração da camara uma proposta de lei para organizar o exercito. Indicava-se claramente na proposta quaes as bases em que se pretendia assentar essa organização, e essas bases foram amplamente discutidas no Parlamento (Apoiados), tanto nesta Camara, como na camara dos Dignos Pares.

Disse o illustre Deputado Sr. Antonio Rodrigues Ribeiro, e eu devo acreditá-lo, que todas as attenções convergiram para a base 17.ª e que as restantes bases quasi passaram despercebidas.

Francamente, se na occasião todas as attenções se voltaram para a base 17.ª, não se discutindo convenientemente as outras bases, a responsabilidade não é do Governo de então, nem das maiorias parlamentares. (Apoiados).

É até pouco explicavel esse procedimento da parte da minoria regeneradora, que reclamava nessa epoca contra a extrema concisão, que assim se dizia, das bases apresentadas, pedindo ampla discussão sobre as minuciosidades da reforma projectada.

Mas a verdade é que ás bases eram claras e precisas, e que a discussão teve toda a largueza que a opposição lhe quiz dar.

E a proposito, entre parenthesis, seja-me permittido estranhar que essa base 17.ª, que em 1899 o partido regenerador tanto condemnou, e que, pelo que a Camara acabou de ouvir, parece ter sido então, o principio mais altamente condemnavel, viesse a figurar mais ou menos disfarçadamente na organização de 1901.

Estranha contradição!

Devemos concluir que S. Exas. fizeram amende honorable de tudo quanto consideravam prejudicial na base 17.ª (Apoiados).

Mas, - voltando ao assumpto - menos de dois annos depois de decretada a organização de 1899, o Governo regenerador, sem se preoccupar com a estabilidade das instituições militares, remodelava-a fundamentalmente e por processo inteiramente diverso do que precedentemente fora seguido.

Disse o illustre orador que em assumptos militares não admitte retaliações politicas; tambem eu não desejaria enveredar por esse caminho; mas é forçoso destrinçar responsabilidades, e ver em primeiro logar quem as tem, e até que ponto ellas sejam graves, pelo que toca a instabilidade em materia de organização. Sou obrigado a fazê-lo, tanto mais que, pelo illustre Deputado que me precedeu, fui por assim dizer reptado a defender algumas das considerações expostas no parecer da commissão de guerra, do qual tive a honra de ser relator, e principalmente aquellas considerações pelas quaes o parecer denota querer accentuar uma certa differença entre a legislação originaria do poder legislativo e a legislação que originariamente foi promulgada pelo poder executivo. Hoje, disse S. Exa., tanto uma como outra é lei do paiz. Mas quem põe isto em duvida? Pois não é reconhecimento formal de que a legislação de 1901 constitue lei do paiz, o facto do Governo trazer actualmente ao Parlamento uma proposta para a sua revogação?

Não ha duvida de que assim é.

Mas, Sr. Presidente, ha uma differença essencial; e com razão o parecer allude expressamente a esse facto. É necessario que esta camara saiba que se não pretende entrar num periodo de constante revisão de legislação militar, menos cautelosamente estudada e menos cuidadosamente discutida no Parlamento.

Como já tive occasião de dizer, a organização de 1899 assentou em bases amplamente discutiveis e discutidas, emquanto que a legislação de 1901 assentou num decreto de auctorização que não apresentava uma unica base. (Apoiados).

Nesse ponto, permitta-se-me contradizer o illustre Deputado.

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O alludido decreto de auctorização dizia assim:. "Fica o Governo auctorizado a reformar taes e taes serviços".

E nada mais. Eram muitos os serviços que se julgava urgente reformar, apesar de que muitos d'elles ficaram até a queda do Gabinete som que soffressem tão reclamada reforma.

Invocavam-se conveniencias dos povos, reclamações instantes, principios da sciencia da guerra, mas a respeito de bases, que tal nome pudessem merecer, nem uma só. Ou, para melhor dizer, havia uma unica clausula que limitava o livre alvedrio do Governo, e era a seguinte:

"Não poderá ser excedida a verba orçamental do Ministerio da Guerra consignada no actual orçamento do Estado, acrescida d'aquella que figura no Ministerio da Marinha, com o serviço dos torpedos fixos". Pois esta unica base, Sr. Presidente, que apresentava o projecto de 1901, foi immediatamente contrariada! (Apoiados).

Na organização que veio a decretar-se, dizia-se-que novas unidades seriam criadas á medida que os recursos do Thesouro o permittissem: quer dizer, decretou-se uma organização fundada numa autorização que não permittia angmentar as despesas do Thesouro, e essa organização reconhecia, desde logo, que não se podia completar sem o augmento gradual e progressivo d'essas despesas.

Era por esta forma que se respeitava a unica restricção estabelecida no decreto de auctorização!

Eis uma das razões que obrigaram a deixar incompleta a organização de 1901, que se somma a outras que a tornam inexequivel. E aqui estão os motivos por que o Governo se vê na necessidade de pedir a sua revogação.

A outros pontos do relatorio se referiu ainda o illustre Deputado.

Disse S. Exa. que o parecer da commissão pretendia, embora cautelosamente, justificar a constituição das quatro divisões activas com um projecto que nunca tinha chegado a sair da commissão de guerra, na qual os officiaes d'essa commissão se haviam entretido em estudar uma organização das forças militares do paiz fundada em quatro divisões activas e quatro divisões de reserva, e que esse trabalho não tinha tido a sancção parlamentar.

Ora, Sr. Presidente, para quem tem ouvido advogar tão calorosamente a necessidade de escutar a opinião das estações competentes e dos entendidos, antes de se decretar qualquer organização militar, ficará realmente surprehendido da pouca attenção que S. Exa. dedicou a um trabalho formulado pela commissão superior de guerra e que assentava sensivelmente nas mesmas bases em que foi apresentada a organização militar de 1899.

E ainda o mesmo illustre Deputado rapidamente se referiu a um outro ponto do parecer da commissão de guerra, do qual, na opinião de S. Exa., se deprehenderia que as instituições militares estavam condemnadas a morrer, pois que o mesmo seria parar, porque não só havia um retrocesso nesta organização de 1899 em relação á organização de 1901, mas, sobretudo, porque se indicava no referido parecer que não mais seria possivel fazer progredir as instituições militares.

Direi a S. Exa. que realmente se sustenta no parecer que nas actuaes circunstancias do paiz a unica organização militar ainda possivel é a organização em quatro divisões militares, como era em 1899; e accrescenta-se que passar d'essa organização em quatro divisões para uma organização em numero superior importaria um aggravamento de despesa incomportavel nas actuaes circumstancias, assim como um aggravamento bastante pesado no tributo de sangue.

Eu talvez ainda tenha de voltar mais detidamente a este ponto, mas para provar a verdade do que deixo dito e do que a commissão de guerra diz no parecer, bastar-me-ha affirmar á Camara que para ser possivel uma organização militar em seis divisões reaes, e não attenuadas ou ficticias, seria necessario que o effectivo orçamental de praças de pret fosse de uns 30:000 homens, ficando ainda assim inferior ao estabelecido em paizes que possuem exercitos de caracter semi-permanente.

Refiro-me ao effectivo auctorizado pelo orçamento, isto é, de praças com vencimento, e não áquelle que annualmente é fixado pela lei constitucional correspondente, para o exercito em pé de paz, e que desde longa data é sempre o mesmo - 30:000 praças de pret -, o que, diga-se de passagem, representa uma estranha anomalia.

Sabe a Camara qual tem sido nos ultimos annos o effectivo orçamental para um effectivo de paz de 30:000 homens? Tem sido de 18 a 20:000 homens.

Ninguem contestará que um augmento de 10 a 12:000 homens representará um gravame consideravel para o Thesouro, porque cada homem custa, em media, 80:000 réis por anno.

Devo tambem dizer a S. Exa., e isto a não querermos que se repetisse o milagre das bodas de Canaan, a que na ultima sessão se referiu o illustre orador Sr. Conselheiro João Franco, que para se passar de quatro a seis divisões seria indispensavel augmentar o numero de recrutas, o qual, por outra anomalia bem inexplicavel, se tem conservado sensivelmente o mesmo, 16:000 homens, desde 1896 até esta data; seria indispensavel encorporar annualmente mais de 20:000 homens, e isto para manter um effectivo, aliás escasso, nas seis divisões. Para se lhes dar a devida consistencia, e para termos um exercito de caracter semi-permanente, como nos convem, devia o numero de homens sujeitos á obrigação do serviço militar ser elevado a perto de 30:000.

É necessario accrescentar que 30:000 homens é, em media, o total de homens validos que o nosso paiz fornece annualmente; portanto, para manter a organização de 1901, não podem em seis divisões activas, com as unidades de reserva que deixar de existir, porque a defesa do paiz não pode assentar apenas em unidades de primeira linha (Apoiados), seria necessario encorporar annualmente a quasi totalidade dos mancebos validos, apurados nas commissões de recrutamento.

Isto representa um aggravameuto consideravel para o pagamento do imposto de sangue, alem de que representaria - o que S. Exa. por certo não quer - o engrandecimento do exercito em detrimento das outras instituições sociaes.

Ainda S. Exa. ponderou que a defesa do paiz exige a existencia de seis divisões militares.

Nesta parte eu devo dizer a S. Exa. que seria muito para desejar que nós tivessemos seis divisões militares (Apoiados) e melhor seria ainda que tivessemos oito; (Apoiados) mas desde que isso seja impossivel, como é por emquanto, tratemos de contentar-nos com o que ha, com aperfeiçoar o existente e com remediar, quanto seja possivel, as deficiencias.

Ora a organização do exercito de 1899 permittia organizar quatro divisões de primeira linha, e, talvez com alguma difficuldade, as unidades necessarias para a formação de quatro divisões de reserva, mas permittia com certeza a de duas. As providencias que a acompanharam, facultariam, com o tempo, augmentar o numero d'estas ultimas; mas a organização de 1901 veio totalmente desacompanhada de quaesquer providencias d'esta especie.

O illustre Deputado o Sr. Rodrigues Ribeiro quiz defender as tres circumscripções em que se tinha dividido o nosso paiz, quando eu poderia talvez dizer a S. Exa. que esse é um dos grandes inconvenientes da organização de 1901. (Apoiados).

Pode-se defender tudo, mas o que é certo é que S. Exa. não sustentaria por muito tempo, e nisso só lhe faço justiça, a sua opinião do fraccionamento das forças defensivas do nosso paiz, em caso de guerra, em tres grupos, ou antes em seis, tres á retaguarda de outros tres, subordinando o

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emprego dos tres grupos mais afastados da fronteira a reforçar os que respectivamente lhes correspondessem mais proximos d'ella.

Julgo indispensavel seguir toda a argumentação de S. Exa. é referir-me a estas suas considerações, para que a Camara se convença de que o que o Governo vae pedir-lhe não obedece a um simples capricho, mas sim a uma necessidade imperiosa. (Apoiados).

Julgo poder affirmar á Camara que, mesmo num largo periodo, as circumstancias actuaes não permittiriam inobilisar seis divisões militares activas, e nada se fez para as modificar; o que se fez em materia de recrutamento foi, pelo contrario, contraproducente.

Disse eu, ha pouco, que desde 1896 o contingente animal de recrutas regula pouco mais ou menos por 16:000 homens.

Note-se que antes d'isso não excedia a media de 13:000 homens, e posso tambem dizer que só desde 1900 os diversos contingentes encorporados passaram a ser obrigados a servir quinze annos. Foi mais uma medida fio actual Sr. Ministro da Guerra. Os encorporados até então tinham apenas a obrigação de servir doze annos.

Ora V. Exa. e a camara sabem perfeitamente que o exercito é constituido e alimentado pelos recrutas e voluntarios que annualmente se encorporam. Sabem tambem que para as tropas activas se exigem homens com instrucção militar completa, isto é, que tenham servido nas fileiras, homens cujo valor, aliás, vae diminuindo á medida que envelhecem e que por mais tempo teem estado afastados do serviço.

onsiderando em primeiro logar os recrutas, devemos contar com os contingentes annuaes; mas não se julgue que os 16:000 homens de contingente são na realidade encorporadòs.

Ha o desfalque consideravel devido á remissão; e, coisa curiosa, ao mesmo tempo que em 1901 se pretendia augmentar o numero de unidades do exercito, tomavam-se outras providencias, que o actual Governo terá de revogar, em virtude das quaes o numero de remidos augmentava consideravelmente; refiro-me á remissão a prestações.

O numero de remidos antes do alistamento, que era em media de 2:500, passou a ser de 3:400. E já não quero referir-me aos remidoo ao fim de seis mezes, homens que deixam de ter qualquer obrigação militar em tempo de paz sem que possam ser considerados soldados solidamente instruidos, tão curta foi a sua passagem pelas fileiras. Esse numero foi em 1902 de 899; em 1904 ascendeu já a 2:634.

Quanto a voluntarios, regulam elles por 1:000 annualmente; mas muitos seguem a carreira como officiaes, e outros passam posteriormente a ser incluidos no contingente annual como recrutados.

Pode a Camara convencer-se de que não erra, se computar em 13:000 o numero de individuos que annualmente se alistam no exercito como praças de pret. Isto, conforme já dissemos, depois de 1896.

E convem não esquecer que, de momento, poderiamos contar para a mobilização com 12 classes apenas. Só em 1915 poderemos contar com 15.

Por motivos obvios não apresentarei calculos sobre a actualidade. Prefiro referir-me ao que poderia succeder naquelle prazo bastante largo.

Reunindo quinze contingentes, é preciso não contar que elles fiquem subsistindo na sua totalidade; o seu effectivo soffre successivos desfalques, devidos a causas variadissimas que actualmente são faceis de calcular, visto que em todos os paizes existem tabellas para este effeito. Pode dizer-se que em 1915 quinze contingentes de 13:000 homens produziriam um total, numeros redondos, de 165:000 homens.

Se V. Exa. e a Camara quisessem dar-se ao trabalho de calcular as perdas provenientes da mobilização e as que se dão em seguida ás primeiras operações, podiam encontrar-se com 120:000 homens.

Nestas quebras não ha nada de exagerado. Pelo contrario, o numero de 165:000 homens foi calculado admittindo no contingente uma quebra normal de 4 por cento ao fim do primeiro anno de alistamento, quando a lei de recrutamento de 1901, por um excesso de zêlo, contribuiu para augmentar consideravelmente o numero de mancebos indevidamente apurados e que ficaram obrigados a permanecer nas fileiras por seis meses, sem vantagem para o serviço, com prejuizo para o Thesouro, e em expiação de uma falta de que não eram responsaveis; em virtude da referida lei a quebra no primeiro anno deve ser superior á normal.

Pois sabe a camara qual é o effectivo exigido pela organização de 1901, só no que diz respeito ás praças de pret, para completar as unidades em pé de guerra? Só as unidades de l.ª linha, não comprehendendo serviços de saude, equipagens, nem subsistencias? Esse effectivo é de 109:000 homens, numeros redondos.

Suppondo que era possivel empregar a totalidade dos homens que passaram pelas fileiras, para a mobilização d'aquellas unidades, ficaria um excesso insignificante, certamente insufficiente para os serviços accessorios. É preciso que a camara não esqueça que uma cousa é elevar ao pé de guerra as unidades existentes do tempo de paz, outra cousa é constituir as grandes unidades, mobilizar o exercito, emfim, dotando-o com todos os serviços necessarios.

A mobilização de seis divisões de l.ª linha o mais as tropas não indivisionadas exigiria de certo mais de 120:000 homens.

Portanto não teriamos gente bastante para as mobilizar.

Referiu-se ainda o Sr. Rodrigues Ribeiro aos homens da segunda reserva com instrucção, e eu folguei de ouvir as referencias agradaveis que fez a um principio devido tambem ao actual Sr. Ministro da Guerra, e que por signal foi bastante atacado em 1899.

Mas quererá S. Exa. incluir tambem esses homens na l.ª linha, juntamente com todos os outros que passaram pelas fileiras?

S. Exa. não se esquece decerto da necessidade dos depositos. Não quererá que fiquemos sem unidades de reserva e sem depositos.

Por isso, provavelmente, é que S. Exa. disse "que esses homens são para preencher as lacunas que successivamente se vão dando". De certo: esses e muitos outros homens, cuja instrucção deverá ser considerada bastante rudimentar, devem passar pelos depositos, e, se quisermos constituir novas unidades, podem elles talvez servir para enquadrá-las.

Em todo o caso, ou deveremos aproveitar esses, ou outros que terão de ser desfalcados ás formações de primeira linha.

Sr. Presidente: este assumpto é fatigante para a Camara, e eu peço desculpa de assim estar a teimar tempo com a apresentação de numeros que a poucos conseguirá interessar; mas em todo o caso perece-me demonstrada a justeza da asserção que fiz. A organização do 1901 nem mesmo num periodo de tempo bastante largo podia ser exequivel, sem graves encargos para o Thesouro e sem modificações importantes no recrutamento.

Disse mais o illustre Deputado que a organização de 1901 gradualments se iria completando, assim que as circumstancias de melhoria do Thesouro permittissem criar novas unidades.

Perguntarei eu a S. Exa.: Então a organização de 1899 não se prestaria ao mesmo fim? Nós temos na organização de 1899 regimentos de infantaria a dois batalhões; não será muito facil prever que, logo que as circunstancias do

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SESSÃO Nº 13 DE 5 DE MAIO DE 1905 25

Thesouro o permittirem, os regimentos irão sendo gradualmente constituidos a tres batalhões?

Evidentemente que sim.

O numero de batalhões augmentará, e, a seu tempo, se constituirão novas unidades de ordem superior, sem se pretender começar pelo fim.

Na artilharia propõe-se a constituição de grupos a tres e a duas baterias. Poderá perguntar-se; O que significa isso, para que é essa diversidade de typos?

A resposta é simples; estamos num periodo de transição; desde que possam constituir-se mais quatro baterias, quando os recursos do Thesouro o permittirem, essa anomalia cessará e todos os grupos ficarão a quatro baterias.

Por consequencia, estamos exactamente nas condições que S. Exa. indicou, com a differença de que o que actualmente temos é exequivel.

E, a proposito, devo dizer a S. Exa. que a organização de 1899 se executou.

Disse S. Exa. que nem uma nem outra organização era perfeita e que nenhuma d'ellas se tinha executado! É puro engano.

A organização de 1899 executou-se, apesar de ter vivido o que vivem as rosas; a organização de 1901 é que esteve no papel durante annos e nunca se chegou a executar.

Ora, Sr. Presidente, ameaçou-se já d'aquelle lado da Camara com uma nova organização do exercito, porque S. Exa. disse: "A de 1899 não vingou, a de 1901 hão vingou, esta tambem não vingará".

Mas esta, Sr. Presidente, é sensivelmente a de 1899.

Já foi ella accusada de representar um retrocesso, e, peor do que isso, de não permittir aperfeiçoamentos posteriores.

Vimos que isto não era verdade; mas em que ficamos? A instabilidade provem ou não provem da organização de 1901, que era inexequivel?

Volta-se á organização de 1899, isto é, ha retrocesso, ou propõe-se uma organização nova?

Eu devo dizer que d'este lado da Camara se reconhece, como o reconhece a opposição, o grandissimo inconveniente da instabilidade da organização militar, e se eu pudesse ter a pretensão de que as minhas palavras, que mal serão escutadas por aquelles que fazem, a honra de ouvir-me, pudessem ser de futuro relembradas, eu faria um caloroso appello para que o Parlamento tivesse sempre a maior cautela, quando lhe fossem apresentadas propostas de modificação na organização militar. E esta uma instituição que na realidade não pode estar sempre a mudar. (Apoiados).

É preciso que haja motivos fortes que justifiquem essa mudança; e quaes foram os motivos que provocaram a organização de 1901? Eu não os conheço.

Falou-se nas reclamações dos povos, no aspecto do solo do paiz, na opinião das auctoridades superiores.

Mas então tudo isso appareceu um anno depois de posta em vigor a reforma de 1899?

Tudo isso exigiu uma reforma dictatorialmente executada, não permittindo sequer esperar pela sessão parlamentar seguinte para entrar em discussão?

Hoje sim; hoje vejo esses motivos, porque o exercito não está organizado e necessario é organizá-lo.

Ouvi dizer ao illustre parlamentar o Sr. João Franco, e é a segunda vez que S. Exa. dá este conselho, que o Sr. Ministro deveria contentar-se em ser bom administrador.

Eu entendo que para se administrar é necessario primeiro estabelecer a ordem naquillo que se quer administrar; não se pode administrar bem sem se estabelecer uma organização regular. (Apoiados).

Sr. Presidente: a hora está bastante adeantada, a Camara está talvez fatigada, e eu vejo que, em boa verdade, a organização de 1899 não foi atacada, como a organização de 1901 não foi defendida. (Apoiados}. Parece-me que posso dispensar-me do entrar no caminho que esperava ver trilhado pelo adversario, qual era o atacar a organização antiga para defender a actual.

Não me deterei tambem a contraditar o que o illustre Deputado da opposição apontou como lacunas ou deficiencias graves na organização de 1899 ou nas actuaes propostas do Governo; se aquella organização não tratou com o desenvolvimento que o illustre Deputado desejaria, das columnas de munições, a de 1901 nem d'ellas falou. O problema, aliás importante, do estado maior não encontrou solução alguma da parte do Governo que S. Exa. apoiou, apesar de, para esse effeito, se haver habilitado com uma auctorização.

Tambem, fazendo aliás justiça ás boas intenções de todos, ser-me-hia facil demonstrar que a organização de 1901 viola flagrantemente principios fundamentaes da sciencia militar. Não o farei.

Referir-me-hei apenas, para terminar, ás criticas formuladas contra o facto de não serem ouvidas entidades competentes sobre as reorganizações projectadas se bem que ignore quaes as estações consultadas acêrca da organização de 1901.

Quanto a mim, a unica forma de acautelar os interesses do exercito, será interessar vivamente o Parlamento nas propostas de caracter militar submettidas ao seu exame.

Ouvi na ultima sessão as considerações brilhantemente expostas pelo Sr. Conselheiro João Franco sobre este assumpto. Permitia me V. Exa. que, neste ponto, eu, um novato em politica, me atreva a fazer observações ao que tão illustre parlamentar e estadista aqui declarou.

Disse S. Exa. que este processo de fazer reformas seria talvez applicavel nas monarchias absolutas, mas que não o era nas monarchias constitucionaes, nem nas republicas.

Eu sei que S. Exa. explicou estas palavras, proferindo literalmente a seguinte expressão: que as reformas do exercito pelo proprio exercito deviam ser feitas. Ora eu, não com a ideia de ampliar o que disse o illustre Ministro da Guerra - não poderia nem saberia fazê-lo -, mas porque naturalmente sou levado a tratar d'este assumpto, devo dizer que sobre commissões, tanto no regimen absoluto como no regimen constitucional, poderei apresentar exemplos que não serão de molde a tentar quem quer que seja a recorrer a ellas para obter uma organização perfeita. Aliás, tambem não era propriamente a commissões que S. Exa. desejaria que se recorresse; mas qualquer corporação de muitos individuos; como poderia ser a actual commissão superior de guerra, apresentará sensivelmente os mesmos defeitos.

Depois do grande desastre que soffremos em 1801 pensou-se no futuro, como em geral succede em todas as nações, em seguida aos desastres; achou-se que não se estava bem e que era necessario reformar as instituições militares.

O que se fez então? Nomeou-se um conselho militar, composto de nove membros, dos mais distinctos officiaes que no exercito existiam na epoca. Officiaes estrangeiros e officiaes portuguezes, taes como os marechaes. Conde de Goltz e de Viomenil, os conde de Aveiras, Sampaio e S. Lourenço, Skellater, D. Miguel Pereira Forjaz e outros, formaram esse conselho, que trabalhou assiduamente sobre umas Memorias apresentadas pelo general Forbes Skellater; mas cada um dos seus membros discordou do que era proposto, apresentando novos relatorios, e, por fim, o Ministro da Guerra Mello e Castro, chamou a si todos os trabalhos. Não conseguindo apurar quem tinha razão, procedeu a uma especie de plebiscito, organizado por um systema realmente curioso. Fez publicar uma serie de folhetos que comprehendiam um projecto de organização militar, e mandou-os distribuir pelo exercito, fazendo constar que

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26 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

acceitava qualquer observação que a leitura e estudo dos folhetos suggerissem.

Obteve provavelmente maços de observações. Não acceitou nenhuma; deixou correr annos e, finalmente, publicou, de sua iniciativa, a organização de 1806, que a muito pouco se limitava, e que tambem não viveu muito tempo.

Houve despeitados e ao despeito se attribuem os projectos de organização militar elaborados pelo Marquez de Alorna e por Gomes Freire.

Isto succedeu no regimen absoluto, quando o Ministro da Guerra sabia bem que, se resolvesse qualquer providencia, ella seria admittida pelo exercito sem reagir.

Hoje estou persuadido de que assim succederia tambem; mas o Parlamento é que podia tomar-lhe contas e revogar as providencias adoptadas.

Pelo que diz respeito ao regimen constitucional, S. Exa. sabe a serie de reformas que tem havido desde 1806, a maior parte das quaes naquelle regimen; sabe muito bem como, desde 1834 a 1868, as reformas militares se succederam.

Houve depois um periodo de acalmação até 1884. Todavia, em 1871, fôra nomeada uma commissão para estudar um projecto de organização militar. Essa commissão fraccionou-se em sub-commissões por armas, que apresentaram trabalhos de valor, cada um dos quaes tendente a valorizar a sua arma.

Também não deu resultado.

A organização militar de 1884 é já do meu tempo. Foi estudada por uma commissão onde havia officiaes distinctos de todas as armas.

Li no extracto das sessões das Camaras affirmações extraordinarias que então se fizeram, de que ella não era senão um beneficio; chegou mesmo a dizer-se que era um jubileu para a arma de infantaria.

Como se pretenderá, pois constituir o tal orgão especial que, representando o exercito, deverá fixar a organização que a este mais convenha? Pretende-se criar o commando em chefe?

Devo declarar a V. Exa. e á Camara que a mim, individualmente, me agradaria a ideia do commando em chefe, quando esse commando fosse exercido pelo Rei.

Só assim lhe reconheceria vantagem, e grande nesse caso, por permittir uma acção mais directa e certamente proveitosa do Chefe do Estado sobre as instituições militares.

Não entro na apreciação politica d'este facto; mas o que desejo apenas dizer é que, mesmo que existisse esse commando, a responsabilidade continuaria a ser do Ministro da Guerra; este deveria assumir a paternidade do trabalho apresentado ás Camaras e defendê-lo como seu; ficaria elle, Ministro, subordinado ao commando em chefe, e esta é mais uma razão para só admittir o commando em chefe exercido pelo Chefe do Estado.

A existencia d'esse orgão superior não representava de forma alguma a abdicação dos direitos de fiscalização e intervenção do Parlamento nos assumptos militares.

O Sr. João Franco: - Quem diz o contrario?

O Orador: - Creio bem que S. Exa. o não pretenderia nunca dizer. O exemplo da França e da Allemanha, em cujos parlamentos são discutidas as questões militares com o maior desenvolvimento, é bem frisante. Todos sabem que magnificos relatorios, verdadeiramente instructivos, são elaborados no Parlamento Francez a proposito de questões militares interessantes, a proposito mesmo da discussão annual do orçamento da guerra. São conhecidos os relatorios do Deputado Bertaux, do Senador Roland e de outros.

Que possibilidade havia de tornar responsavel perante o Parlamento outra entidade que não fosse o Ministro da Guerra?

O Parlamento discute, approva, rejeita e procede como entende, não reconhecendo outra responsabilidade que não seja a do Governo, exista ou não exista um commando em chefe. Todos sabemos as difficuldades com que lucta muitas vezes o Ministro da Guerra na Allemanha, para conseguir do Parlamento a approvação de projectos militares reputados necessarios e que obedecem a um plano bem definido e orientado.

Nem de outra forma poderia ser.

Se o Parlamento recusa uma providencia reclamada pelo Ministro, sob sua responsabilidade, o conflicto pode ser facilmente resolvido com o abandono do poder por parte do Ministro.

Se a responsabilidade pudesse ostensivamente caber no exercito, ou, por outra, se o Parlamento recusasse uma providencia que ostensivamente o exercito julgasse indispensavel para melhorar as instituições militares, o conflicto seria bem mais grave; seria o Parlamento em lucta com o exercito.

O Sr. Presidente: - A hora está muito adeantada e então talvez o illustre Deputado queira ficar com a palavra reservada.

O Orador: - Agradeço a V. Exa., mas poucas considerações teria que juntar ás que já fiz, e por isso as dou por terminadas.

(Vozes: - Muito bem).

(O orador foi muito cumprimentado).

O Sr. Presidente: - A ordem do dia para amanhã é a mesma que estava dada para hoje.

Está levantada a sessão.

Eram 6 horas e meia da tarde.

O REDACTOR = Barbosa Colen.

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