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jecto da Divisão do Territorio; porem não he essa a Ordem do Dia. Agora tracta-se simplesmente de fixar aquelles Quesitos, que algumas Commissões encarregadas de Leis Regulamentares exigem para a redacção, e discussão das mesmos Leis; e a mesma Commissão da Divisão do Territorio, a que tenho a honra de pertencer, não pode continuar os seus trabalhos, sem que a Camara manifeste a sua opinião relativamente ao Quesito 9, como farei vêr, quando lá chegarmos. E como o Senhor Deputado não tem, fallado no sentido da discussão, não he necessario responder aos seus argumentos, por serem inteiramente fora da Ordem. Observarei somente que suspender-se esta discussão vem a ser o mesmo que suspender, iodas, as Leis Regulamentares até á conclusão de um trabalho, que por sua natureza, para ser perfeito, demanda longo tempo.

O Senhor F. J. Maia: - Desejo que se declare, se o primeiro Quesito se reduz só á Divisão Geografica, ou Territorial nestas Provincias, e nas Ilhas adjacentes, porque então nada lenho que dizer; mas he necessario que se declare, se ficão salvas as Divisões Judicial, Eleitoral, e Militar.

O Senhor Miranda: - He foro de toda a dúvida que o Quesito não falla senão da Divisão Geografica.

Julgado o Quesito discutido, propoz o Senhor Vice-Presidente = Se se approvava a divisão do Reino em sete Provincias? Decidio-se que sim. = Se a Ilha da Madeira, e Porto Sancto devião formar uma Provincia? Venceo-se que sim. = Se o Additamento devia remetter-se á Commissão? Assim se decidia.

Entrou em discussão o 2.º Quesito.

"Haverá daqui em diante seis Relações, ou Tribunaes de secunda Instancia nas sele Provincias de Portugal? Os lugares, em que devem estabelecer-se filam de Lisboa, e Porto, serão Mirandella, Vizeu, Evora, e Loulé?"

O Senhor F. J. Maia: - A pergunta, que faz este Quesito, eu respondo explicita e claramente = não =. Declama-se geralmente Contra a existencia dos muitos Tribunaes, e contra o grande número do Empregados, que nelles se accumulão; e querem agora seis Relações em tão pequeno Reino como Portugal? O mal não está em haver poucas Relações, nem os Povos se queixão de ter de andar algumas legoas mais para obter o ultimo recurso nos seus litigos; o mal está em não ler este recurso breve, e prompto, e livre das delongas, e chicana do Foro. (Fez varias observações relativas á commodidade dos Povos, e ao prejuizo, que se lhe seguiria de crear Relações em todas as Provincias, e conduto dizendo): quantos mais Empregados, e Corporações ha na administração da qualquer ramo, mais confusa, e mais prejudicial, e pesada se torna aos Povos. Voto por tanto que ao Reino de Portugal não hajão mais que as duas Relações, que até agora existem, e quando muito uma na Provincia da Beira.

Sendo chegada a hora ficou adiado para a Sessão seguinte.

Dêo então conta o Senhor Deputado Secretario Paiva Pereira de um Officio do Ministro dos Negocios do Reino com informações relativas a Pesos e Medidas.. foi mandado remetter á respectiva Commissão.

Dêo igualmente conta de um Officio do senhor Deputado Luiz Jota Ribeiro, declarando que por motivo de serviço píblico não podia assistir á Sessão, ficou a Camara inteirada.

O Senhor Vice-Presidente disse que o Senhor Deputado Mozinho d'Albuquerque tambem lhe havia participando que não havia assistir á Sessão. Ficou a Camara inteirada.

Declarou mais o Senhor Vice-Presidente que a Mesa havia nomeado para a Commissão Ultramarina os Senhores Deputados Bispo de Cabo Verde - Lourenço José Moniz - Leonel Tonares Cabral - João Joaquim Pinto - Antonio José de Lima Leitão - José Joaquim Cordeiro - e Manoel Gonçalves Ferreira.

Dêo para Ordem do Dia da Sessão seguinte a continuação do mesmo Projecto; e disse que estava fechada a Sessão ás duas horas e um quarto.

OFFICIOS

Para o Ministro dos Negocios do Reino

Illustrissimo e Excellentissimo Senhor. - Tendo a camara dos Senhores Deputados da Nação Portugueza approvado em Sessão de hontem a Proposição do Senhor Deputado José Ignacio Pereira Derramado, que junto por copia conforme, para que se pedissem no Governo pelo Ministerio o cargo de V. Exca. os esclarecimentos, que constão da mencionada Proposição, assim tenho a honra de o communicar a V. Exca.

Deos guarde a V. Exca. Palacio da Camara em 18 de Janeiro de 1828. - Illustrissimo e Excellentissimo Senbor José Freire d'Andrade, Ministro e Secretario d'Estado Encarregado interinamente dos Negocios do Reino - Antonio Vicente de Carvalho e Sousa, Deputado Secretario.

Para o mesmo.

Illustrissimo e Excellentissimo Senhor. - Tendo a Camara dos Senhores Deputados da Nação Portugueza approvado em Sessão de hontem a Proposição do Senhor Deputado Visconde de Fonte Arcada, que junto por copia conforme, sobre se pedir ao Governo uma relação de todas as Mercês de Bens da Corôa e Ordem feitas desde 31 de Julho de 1826 até ao presente com declaração da sua anterior applicação, assim tenho a honra de o participar a V. Exca.

Deos guarde a V. Exca. Palacio da Camara em 18 de Janeiro de 1823. - Illustrissimo e Excellentissimo Senhor José Freire d'Andrade, Ministro e Secretario d'Estado Encarregado interinamente dos Negocios do Reino - Antonio Vicente de Carvalho e Sousa, Deputado Secretario.

N. B. Na mesma conformidade, e data, mutatis mutandis, se escreveo ao Ministro da Fazenda.

SESSÃO DE 18 DE JANEIRO.

Ás 9 horas e meis da manhã, feita a, a chamoda, achárão-se presentes 97 Senhores Deputados, faltando, alem dos que ainda se não apresentárão, 16, a

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saber: os Senhores Marciano d'Azevedo - Rodrigues de Macedo - Mascarenhas Grade - Xavierda Silva - Sanctos - Costa Rebello - Sousa Queiroga - Ferreira de Moura - Luiz José Ribeiro - Pimenta d'Aguiar - Souto Cardoso - Rocha Couto - Leomil - com causa; e sem ella os Senhores Soares d'Azevedo - Alves Diniz - e Visconde de S. Gil.

Disse então o Senhor Vice-Presidente que estava aberta a Sessão; e, sendo lida pelo Senhor Deputado Secretario Carvalho e Sousa a Acta da Sessão antecedente, foi approvada.

O mesmo Senhor Deputado Secretario declarou que a Commissão Ultramarina havia participado ter nomeado para seu Presidente o Senhor Deputado Bispo de Cabo Perde; e para Secretario Relator o Senhor Deputado Cordeiro.

O Senhor Deputado Derramado apresentou a seguinte declaração de voto - Declaro que na Sessão de hontem fui de voto que os Quesitos ácerca da divisão eleitoral, judicial, e administrativa do Território Portuguez, fossem discutidos em sua generalidade somente.

Passou-se então á Ordem do Dia, e continuou a discussão com o segundo Quesito da Commissão da Divisão do Territorio, já adiado da Sessão antecedente.

O Senhor Sousa Castello Branco: - Sr. Presidente quando hontem pedi a palavra, o meu objecto era fallar unicamente sobro a localidade, que a illustre Commissão Auctora do Projecto assignou para a Relação, que, segundo o mesmo Projecto, deve ser creada no Algarve, comprehendendo no seu Districto o Comarca do Campo d'Ourique; porem como antes tivesse tambem pedido a palavra outro Senhor Deputado, e este atacasse a Proposta da Illustre Commissão por aquelle lado, por onde eu a considerava invulnerável, direi alguma cousa antes de tractar daquelle meu primeiro objecto: na verdade, pensei que a Proposta, em discussão, por onde podia ser atacada era por diminuta no número das Relações, porque tendo-se dividido o Continente Portuguez Europeo em sete Provincias, e pertendendo-se dar a cada Provincia a sua Relação, parecia que estas, em vez de seis devião ser sete: nunca me lembrei de que a Proposta seria atacada por excessiva no número das Relações, que o Senhor Deputado quiz reduzir a tres, opinando que só uma devia crear-se para a Provincia da Beira; entretanto, tendo sido esta a sua opinião, cumpre responder-lhe. Todas as Provincias do Reino sujeitas á mesma forma de Governo, que nos rege, onde impera a Carta Constitucional, e que igualmente contribuem supportando o onus do Estado, tem um direito indisputavel a serem igualmente attendidas, e terem partilha igual na distribuição dos bens, e beneficios outorgados pelo Soberano Auctor da Carta; e entre estes bens e beneficios não pode deixar de ser contado, o de terem dentro de si os Tribunaes, onde vão tractar de suas Causas, e procurar justiça em seus pleitos. Até agora um triste Provinciano tem vindo mendigar a Lisboa, ou ao Porto, a justiça que deveria ter-se-lhe posto á porta: aquelle que não tem tido dinheiros sobrecellentes á disposição, e á intervenção de varias, pessoas, ou seja para mandar-lhe abonar as quantias precisai, em partes tão longinquas, ou seja para lhe tractarem pessoalmente de suas Causas, tem deixado de intenta-las, ou as tem perdido á revelia. Este estado oppressivo deve ter um termo; e pois se reconhece que a utilidade dos Povos requer que se criem novas Relações para as Provincias, he consequente reconhecer que essa medida deve abranger a todas as Provincias, porque em fim (servindo-me da expressão, e dicto muito usual) uns não são filhos, e outros enteados. A igualdade legal está consignada na Carta: he por isso que, convindo-se no principio, que he preciso estabelecer novas Relações, deve dar-se uma a cada Província: não se veja mais o Provinciano obrigado a ir 40 a 50 leguas procurar a sua justiça: abençoe elle as Instituições, que o libertarão de tão grande oppressão. Eu não quero com tudo concluir que sejão precisamente sete estas Relações, apesar de se terem feito sete Provincias, seguindo a Divisão Militar do Territorio; a Carta não impõe obrigação; manda só attender á utilidade dos Povos; e como a nova Provincia fica de um lado próxima á Relação de Lisboa, e do outro á do Porto, seria desnecessaria a 7.ª Relação, para commodidade dos Povos, que nesta Provincia ficão comprehendidos; e até a alteração das correspondencias existentes por ambos os lados do Districto della com Lisboa e Porto affectaria sensivelmente a commodidade dos Povos da maior parte da mesma. Já se vê pois que, approvando nesta parte a Proposta da Commissão, eu sou de parecer contrario ao Senhor Deputado, a quem me referi, e que queria só tres Relações. Este Senhor Deputado fez-lhe muito pezo a consideração das grandes despezas, que iraria ao Thesouro o estabelecimento de tantas Relações novas; porem a sua equivocação esteve em confundir o número das Relações com o dos Empregados nellas; persuadio-se que será preciso despachar novos Desembargadores, e Empregados subalternos para os quaes seria necessario Ordenados, montantes a uma som ma enorme. Não he assim. Dizer que se criem mais Relações, não he dizer que se criem maia Lugares, nem que se despachem mais Desembargadores. - Tantos são elles que bastarião para dobrado número de Relações - e quanto aos Empregados Subalternos, nessas mesmas Relações novas se poderá empregar muitos que serão de mais, onde actualmente servem estabelecidas ellas; e faltando, ha muitas Repartições em que tem de fazer-se reformas, de lá se podem tirar; por tanto com estas Relações novas o Thesouro não se gravará mais, e devem cessar os receios do Senhor Deputado a este respeito. A única despeza de mais será no material dos edificios porem isso, se he um mal absoluto, he um bem relativo. - A troco das vantagens, que lerá para a commodidade de Povos o estabelecimento das Relações Provinciaes, este sacrificio pecuniario não he para ter-se em alguma consideração, nem mesmo importais uma somma excessiva. Parece-me ter respondido suficientemente; e pondo de parte a diatribe feita pelo Senhor Deputado á Magistratura, porque he materia alheia da questão, passo ao meu primeiro objecto. A Illustre Commissão assignou para a nova Relação do Algarve o local de Loulé, com preferencia a Faro; e o fundamento foi, por ficar mais proximo á Comarca de Ourique, annexada ao Algarve para fazer o Districto daquella Relação. Quanto a mim esse fundamento he

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de pouco peso, e não posso conformar-me nesta parte com a opinião dos Honrados Membros, Collaboradores deste Projecto. Senhores, não está no capricho ou na vontade dos Legisladores estabelecerem por seu acto seu repentinamente, ou quando, e onde bem lhes pareça, a reciprocidade de interesses, e de conveniencias, que une os Povos: essa reciprocidade de interesses, e de conveniencias são laços formados na duração dos seculos, e he preciso conserva-los; respeitar esses laços, onde quer que se achem estabelecidos, he attender á commodidade dos Povos, e he essa a base, sobre que edificamos, e o objecto a que a Carta manda attender. Faro, Cidade rica e Commerciante, Capital Ecclesiastica do Algarve, centro da concorrencia de todos os Povos da Provincia, he precisamente o local, que convem para o assento da nova Relação. Estão estabelecidas já as correspondencias para alli: quem lá fôr tractar da sua demanda tractará ao mesmo tempo d'outro negocio, e de uma via fará dous mandados (como costumamos dizer) sem fazer novas jornadas, e novas despezas, que serião precisas, se a Relação se collocasse em outra terra. Loulé absolutamente não convem, porque não ha para lá correspondencias algumas, he uma terra de sertão, sem Commercio, sem offerecer motivo de concorrencia, e por tanto quem alli fôr tractor da sua demanda irá só a isso; e então quanta difficuldade de encontrar alli dinheiros! He uma terra de Proprietarios; entre estes alguns ha ricos de bens, porem pobres de dinheiro; não ha Capitalistas, nem Negociantes. Por conseguinte optando entre Faro, e Loulé, a preferencia he inquestionavelmente devida a Faro. Esta Cidade he tão central a todo o Algarve, como Loulé, e qualquer outro dos lugares proximos, e tem sobre todas as outras terras as vantagens indicadas. A consideração da maior proximidade, que tem Loulé á Comarca d'Ourique, em parte he illusão, e em parte nada convence. He illusão, em parte, porque essa differença de distancias he só para aquellas terras da dita Comarca que estão na continuidade da perpendicular, que se conceba tirada de Faro sobre a Serra de Caldeirão, que forma a divisoria entre o Algarve, e o Alemtejo, correndo do Guadiana até ao Oceano; porem para as outras terras situadas na mesma Comarca obliquamente, a distancio he igual. Nada convenço, em parte, porque essa differença, onde a ha 5 forma por junto duas legoas. O incómmodo está em passar a Serra; mas como tanto Loulé, como Faro estão na outra banda dessa Serra, já se vê que o incómmodo, q;ie a Commissão quiz poupar, não se evita. Por muito contentes se darão os que precisarem de ir tractar dos seus pleitos na Relação de andarem mais duas leguas, tendo a troco disso muitas das vantagens, que referi, e lhes serão communs com os Habitantes do Algarve. Lembro ainda uma razão nada desprezivel, e he a economia da Fazenda, porque em Furo ha edificios publicou, que podem com modica despeza apropriar-se para Casa da Relação, que se estabeleça no Algarve; e em Loulé será necessario fazer um edificio desde os alicerces; o que traz mais despesa. Concluo por estas razões que a Proposta da Commissão deve ser emendada assignando-se Faro em lugar de Loulé para assento da Relação do Algarve, approvando-se em tudo o mais.

O Senhor Moraes Sarmento: - A questão, Senhor Presidente, vem a ser a interpretação do Artigo 30 da Carta (lêo), portanto parece que a Commissão não deve ser de forma alguma arguida. Antes a Commissão cuidou que não ampliava o número de Relações, deixando de estabelecer uma, por achar mais conveniente que os Povos da Beira Baixa pertencessem á Relação de Lisboa. Um Illustre Deputado na Sessão passada argumentou contra este estabelecimento, porem grande parte dos seus argumentos já forão destruidos pelo Illustre Deputado, que acabou de fallar. Se a despeza publica crescer alguma cousa será muito pouco, e só por algum augmento de Ordenado, pelo andar do tempo ha de depender de informações estadisticas, que o Governo pode arranjar; ou saber-se, segundo o numero de Causas cada anno despachadas com cada uma das Relações, qual será o número de Desembargadores necessarios em cada uma: pode ser que na Provincia de Tras os Montes bastem 6, ou 7 Desembargadores; no Porto he que serão necessarios mais; porem isto he o que a Commissão não pode já dizer, he preciso que o tempo o mostre; porque em todas as Nações ha Povoe mais inclinados a Demandas do que outros; em França, por exemplo, os Normandos erão mais litigiosos. Em geral: a Nação Portugueza propende para ter Demandas, entretanto as nossas Leis actuaes podem emendar este erro; mas isto he effeito do tempo, e de costumes novos, que pode ser se estabeleção em a Nação por meio de uma Legislação nova, e de nova educação. Não ha dúvida que convém o estabelecimento das Relações proximas aos lugares, onde os crimes se comettem; por consequencia o estabelecimento da Justiça criminal exige as Relações em maior número do que presentemente se achão estabelecidas. Eu faria ver, senão receasse tomar o tempo á Camara, que a distribuição das Relações pode supprir de alguma maneira as Justiças ambulantes, como em outro tempo erão as Alçadas, e hoje em Inglaterra, e França são as Assizas.

O Senhor Magalhães: - Os homens submettêrâo-se á sociedade civil para que achassem na força pública a necessaria protecção contra a força individual: para que as suas differenços fossem terminadas com segurança , e que a sanctidade desta decisão fosse a mais sólida garantia dos seus mais preciosos direitos. Segue-se pois que o Administração da Justiça he uma necessidade social; e que he para os homens, e não estes, para aquella, que foi instituida. Daqui vem que a maior parte das Noções no seu estado primitivo de rudeza, preferivel talvez ao falso verniz de uma meia civilisação; daqui vem que muitas Nações verdadeiramente livras, e civilisadas tem feito a Administração da Justiça ambulante, indo leva-la aos lares do Cidadão, e não obrigando este a ir mendiga-la a travez de immensos perigos, e sacrificios, mui longe dos seus campos. E na verdade mui graves razões se apresentão para fazer um sincero elogio ao genio bemfazejo, que infundio nos Legisladores semelhante inspiração. Com tudo, parece-me que o Sublime Auctor da Carta, fazendo a Administração da Justiça sedentaria, combinou este com aquelle elemento, querendo que a sua posição fosse a mais proxima possivel dos diversos povos, de que se compõe a Monarquia; he por isso que, tirando-nos toda a occasião de duvidar, nos dêo o verdadeiro ponto de partida na

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commodidade dos mesmos Povos. He pois a commodidade dos povos, farol que deve allumiar-nos nesta questão, que, supposto pareça emaranhada, eu acho simples, e a tenho por decidida. Qual he mais cómmodo para individuo, ir a dez legoas de distancia, ou a quarenta? Qual he mais cómmodo para um individuo fazer uma jornada sem ter que expor a sua vida, luctando contra a natureza, e os elementos, ou ter de atravessar dilatados cerras, caudalosos e arrebatados rios? A resposta he tão obvia, he tão natural, que me abstenho de proferi-la.
Argumenta-se porem contra isto, que a commodidade não consiste só na posição dos Agentes, e Tribunaes, mas na economia de sua despeza; os Senhores que assim discorrem, pensão que a superficie de Portugal vai talvez encher-se de gente de toga, e que ha uma nova creação nesta especie. Enganão-se. Não ha uma nova creação: vai a haver uma melhor distribuição: e, para ser verdadeira semelhante proposição, seria preciso que estes Senhores me provassem que 60 homens divididos em fracções em 8 ou 10 cada uma não são capazes de executar o mesmo trabalho, que 60 homens reunidos; eu digo que são capazes de executar muito mais, por quanto far-se-ha maior trabalho, quando este se simplificar mais. E porque ha muitos feitos accumulados na Relação do Porto, e Lisboa? Deixando de parte as causas accidentaes, direi que provém de que para essas Relações concorrem de muitas Provincias. Ora: logo que elles lá sejão decididos, já não affluem a estas duas Relações. Isto leva-nos a resolver a primeira duvida, e he, que um menor número ainda do que aquelle que tem presentemente as Relações, será bastante para encher as seis, que pertendem estabelecer-se. Nem se diga que o número que hão de ler ainda não está fixado, porque d'ahi he que eu concluo o que levo dicto. Na nossa mão está, ou na daquelles que nos succederem, quando a Lei das Relações se discutir fixar esse número. E só poderia correr perigo, se os Senhores, que impugnão o estabelecimento das seis Relações, quizessem attribuir a cada uma sessenta Desembargadores. Faço-lhes porem justiça de suppor que de tal se não lembrão. He por tanto necessario que olhem para a igualdade da Lei, pois não he justo não querer para os outros, o que para nós queremos. Perguntara eu ao Senhor Deputado que hontem impugnou primeiro este Quesito, se gostaria que havendo só tres Relações, a do Porto fosse mudada, para Mirandella? Ignorão estes Senhores que as Correições, e Provedorias devem cessar? Não ignorão por certo. Senhores, a Administração em geral n'um Paiz bem governado constitucionalmente não he mais barata. Porem a verdadeira economia não consiste em prescindir do que he necessario; a verdadeira economia, a grande vantagem, que resulta de uma Administração bem montada, consiste em se não distrahir cousa alguma do seu destino; e para isso couvém não pôr a especie humana talvez na triste necessidade de prevaricar.

Qual será mais interessante ao Estado, ter uma Administração, embora custe dez, que faça chegar ao Thesouro os trinta contribuidos, ou uma que, não custando se não dous, não faça lá chegar mais do que dez? Qual será mais cómmodo para os Povos lerem Juizes, que não sacrifiquem a sua vida, e fortuna á sua miseria, embora lhe custem mais, ou tê-los por menos, que fortuna, e vida lhes vendão a todo o instante?

Tem dicto alguns Senhores que não he a distancia , mas sim as relações, que uns povos tem com os outros que devem ter-se em vista, pela facilidade que tem de terem alli correspondentes e procuradores; e assim que um habitante do Crato, preferirá ler um negocio no Porto a tê-lo em Vizeu. Seria preciso que um habitante do Crato fosse doudo rematado para tal querer. Ninguem manda fazer por outrem, o que que pode fazer; ninguem he mais bem servido, do que aquelle que a si proprio se serve. E ha de um individuo, que pode ir em seis horas ao lugar, onde o seu negocio se tracta, preferir que elle se, remova a dez legoas de distancia? Ha de antes querer entrega-lo a um Procurador, do que tracta-lo pessoalmente? E poderá melhor vigiar um Procurador a doze, que a quatro leguas de distancia? Que vantagens, Senhores, vão seguir-se deste estabelecimento? Vai facilitar-se a communicação do interior do Reino, vão prender-se membros, que, sendo de um só corpo, parecem desligados, e vai obstar-se de algum modo á horrivel accumulação de capitães n'um ou dons pontos somente. Senhores, a derivação das substancias extenua as partes d'onde se extrahem; ahi fica a parlezia, e por tanto a morte; e, por uma natural consequencia, a grande affluencia n'um só ponto produz a apoplexia, e por tanto a morte. A morte he só o que se annuncia por toda a parte, onde as relações do interior são desprezadas; onde a circulação dos productos reciprocos não põe o Commercio interior em acção. He horrivel a idéa, de que pouco importa isso á felicidade da Nação. Não são as grandes accummulações de capitães, que fazem uma Nação poderosa, mas sim quando uma justa proporção evita que alguém careça do necessario. As relações não são materias, ou machinas productivas, he certo, mas a sua dependencia torna-se productiva.

A acção da Justiça, Senhores, he constante sobre nós; desde o berço até á sepultura ella nos acompanha: he por isso do nosso maior interesse a sua, boa organisação. Quanto mais o podêr se affasta do Povo, mais a Justiça se concentra; aproxima-se mais do povo, quanto mais o poder se torna popular. Em Constantinopola toda a Justiça reside no Grão-Senhor.

Quando os Soberanos erão mais populares, elles mesmos andavão pelos Povos a administrar-lhes a Justiça: foi tornando a Justiça mais doce ao povo, que debellárão o monstro do Feudalismo, e os grandes Barões. Tal he a origem da Casa da Supplicação, tal a das Alçadas, tal a das Correições.

E tendo Portugal um Soberano, que, dividindo os Poderes Politicos do Estado, dêo á Nação a faculdade de se julgar, devemos por ventura afastar-nos desta base larga e filantropica, e afastar do povo, o que para bem do povo foi instituido? Ah! Não se argumente contra este com o seu silencio em não pedir isto mesmo; seria insultar a sua dor, zombar do seu soffrimento. Procuremos mitigar-lhe os males, que tem soffrido: he nossa obrigação fazer-lhe o bem.

Se pois o bem dos povos, só a sua commodidade exige que a Justiça eu aproxime de seus lures, nem tal operação he mais dispendiosa á Nação, he claro que a Commissão andou mui bem, quando propoz o número de seis Relações: e, se podesse ser taxada, seria pelo menos, bem certos da grande verdade, que

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augmentar o seu numero, não he augmentar Agentes da Lei, mas sim dar-lhe uma melhor distribuição. Por tanto voto por esta primeira parte do Quesito, e tambem pela segunda, visto que as Cidades indica» das são relativamente as mais centraes.

O Senhor Gravito: - Prevenido pelos Illustres Oradores, que me precederão, bem podia deixar de expor a minha opinião, e de combater os argumentos, com que tem sido impugnada a Proposta em discussão: files sobejamente estão destruidos; porem sendo Membro da Commissão, que leve a honra de ser encarregada do Projecto de Lei de Regimento das Relações, esta qualidade me impõe o dever de fallar a este respeito, e tanto mais, quanto a Illustre Commissão, que foi incumbida de fazer o Projecto de Lei da Divisão do Territorio, se dignou (com aquella prudencia, e juizo, que caracterizão a todos os seus Membros) de ouvir, e conferenciar sobre este assumpto com a Commissão, de que eu fiz parte. Então se acordarão ambas as Commissões, que o número das Relações no Reino devia ser o de seis, sendo por isso que elle apparece designado em ambos os Projectos. Direi agora as razões, em que a Commissão da Lei das Relações na sua maioria se fundou para fixar um semelhante número. Parecêo, Senhor Presidente, á Commissão que elle era o mais conforme, se não á letra, de certo, pelo menos, ao espirito da nossa Carta Constitucional, Artigos 125, e 130. Quando o Augusto Legislador o Senhor D. Pedro IV se exprime no Artigo 130 pela maneira seguinte = Que na Capital do Reino, alem da Relação, que deve existir, assim como nas mais Províncias = por certo quiz que se estabelecesse uma em cada Provincia; e a razão o mesmo Augusto Auctor da Carta Constitucional a declara no fim do Artigo 125, e be ella para commodidade dos Povos; tanto o Senhor D. Pedro IV nos quiz mostrar que elle se achava convencido do luminoso principio de que em uma Sociedade civilisada o interesse publico requer que a Administração da Justiça seja prompta, e facil de obter. Laborou em um equívoco o Senhor Deputado, que hontem combatêo este Artigo com o fundamento de que, estabelecendo-se o número de seis Relações, se augmentava o número dos Desembargadores, e se sobrecarregava por consequencia o Thesouro. Se este Senhor Deputado tivesse presente o Artigo 2.º do Projecto das Relações, veria o destituido da razão deste argumento da sua impugnação. Não ha ainda número designado de Desembargadores para cada uma Relação, e tanto basta para que não proceda o fundamento derivado da idéa de acarretar maiores despezas ao Thesouro com o augmento do número dos Desembargadores em razão da seis Relações. O número de Desembargadores, que tem de se assignar para cada uma das Relações, deve estar em proporção com o trabalho; e este he maior, ou menor, segundo a affluencia dos Litigios, que por via de regra prendem com o cometer, e habito dos Povos. Por exemplo, os da Província do Minho tem um genio mui singularmente rixoso, e demandista, e por isso a Relação, que se estabelecer nesta Provincia, precisa de ter para o expediente do seu Serviço maior número de Desembargadores do que qualquer das outras. Posso todavia antecipadamente prevenir no conhecimento do Senhor Deputado, e no de Ioda esta Camara, que não entrou jámais na idéa dos Membros desta Commissão augmentar o número dos Desembargadores: se esta Camara se conformar com a opinião da Commissão, as seis Relações occuparão apenas 70, ou 75 Desembargadores com os seus Presidentes; e este número já se vê que he bem menor ao de 107, que he actualmente perfixado por Lei para as duas Relações existentes no Porto, e Lisboa, comprehendendo os seus Chancelleres. Não será portanto o augmento do número de Desembargadores, que trará mais despezas ao Thesouro; estas porem podem crescer com o augmento dos seus Ordenados, mas para isso deve entrar em cálculo de desconto o número de trinta Desembargadores de menos; e não deve perder-se de vista que Magistrados, assim como Empregados Públicos, sem os meios necessarios para subsistirem cómmodamente, dificilmente lerão a virtude da incorruptibilidade; e, se nós pertendemos que a Justiça seja bem administrada aos Povos, he necessario que tenhamos sempre em vista este principio de eterna verdade. As Leis, Senhor Presidente, são o Paladio da propriedade dos Cidadãos, e a garantia da paz pública; mas não basta só que sejão em si boas, he preciso que tenhão prompta, facil, e religiosa observancia. Tanto menos dispendioso, e incómmodo fôr aos Cidadãos o conseguirem a Administração da Justiça, mais efficaz se deve reputar a garantia, que ella presta aos seus Direitos. O estabelecimento de seis Relações preenche estas indicações. Quando o Augusto Legislador o Senhor D. Pedro IV destruio o Privilegio de Fôro pessoal, quiz sem dúvida annivelar a todos os seus Subditos na fruição de seus Direitos. Neste mesmo sentido se estabelecem as seis Relações para maior commodidade dos Povos, não se podendo negar que elles recebem grande beneficio, levando-se por este modo a uma maior proximidade de seus lares os Tribunaes de Justiça para decidir os seus Pleitos em segunda, e ultima Instancia. Disse o mesmo Senhor Deputado, que hontem combatêo o Artigo, que os Povos se não queixarão da difficuldade, que tinhão em ir longe procurar o seu recurso, mas que se queixavão da má Administração da Justiça. Se o Senhor Deputado vivesse, por exemplo, em Miranda, e vivesse de seguir uma Appellação no Porto, obrigado a soffrer os incómmodos de uma longa jornada feita por caminhos intranzitaveis, tendo de passar rios, em que não ha pontes, exposto a immensos perigos, não encontrando para seu descanço senão péssimas estalagens, sendo, alem disso, obrigado a fazer enormes despezas, decerto não havia de apresentar aquella idéa, e antes quereria o recurso na sua Provincia, queixando-se tanto mais dolorosamente da sua falta, quanto se lembrasse que este beneficio lhe era permittido pela Carta Constitucional, e que por uma Lei Regulamentar se lhe negava. Tendo feito ver que o estabelecimento das seis Relações está em harmonia com o espirito da Carta, que apresenta aos Povos maior commodidade, facilitando-lhes a Administração da Justiça, não gravando o Thesouro com maior despeza em razão do augmento do número de Desembargadores, que effectivamente não ha, porque as seis Relações apenas occuparão o número de 70 a 75, que he menor do que o de 107, que ha nas duas Relações do Porto, e Lisboa; direi que, ale por uma razão politica, se deve reconhecer a conveniencia deste esta-

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belecimento, como meio de fazer refluir ás Provincias algum numerario: a sua raridade he já ião grande, que em breve só haverá permutações de generos, dando-se trigo por azeite, e pão em troca de vinho, etc. Concluo portanto em vista de todas estas razões, votando pelo número de seis Relações, que se assignão na Proposta em discussão.

O Senhor Serpa Machado: - Convertida a Pergunta da Commissão em Proposição affirmativa, trocando o ponto de interrogação em dous pontos, temos a examinar se deve haver seis Relações no Reino, e estas em que Cidades, ou Lugares? Considerarei no primeiro ponto, mas não no segundo. O Artigo 125 da Carta permitte que hajão nas Provincias do Reino aquellas Relações, que exigir a commodidade dos Povos; porem esta permissão não equivale a mandar que em cada uma das Provincias do Reino haja uma Relação: isto he perspicuo á vista dos Artigos da Carta. Vejamos pois se bastará para commodidade dos Povos o haver as duas Relações como até agora, ou mais alguma, ou as seis, que propõe o Projecto. A Monarchia Portugueza teve nos primeiros seculos uma só Relação, e com ella se governou por muito tempo, e se administrou a Justiça; augmentou-se a População; adiantou-se o Commercio, e a Industria; multiplicárão-se os negocios, as transacções, e por consequencia as controversias; e creou-se a Relação do Porto, ou antes se transferio para lá: a Casa do Civel, que estava em Lisboa, foi obra dos Filippes durante a sua usurpação, e entre muitos damnos que nos causárão, nos fizerão talvez este beneficio; e com aquella primeira, e com esta segunda Relação, ou Convento Juridico se foi governando Portugal no decurso de oito seculos; e examinando os Capitulos das nossas antigas Côrtes, e especialmente os das de 1641, em que os Povos dos differentes Concelhos pedirão muitas providencias, e remedios a muitos dos seus males não apparece uma só súpplica a pedir mais Relações que as que havia.

Estabelecêrão-se as duas Relações em Lisboa, e Porto por serem Cidades mais populosas, e de mais facil communicação com as Provincias, já do Sul, já do Norte, pela confluencia dos Rios Tejo, e Douro: nem se diga que todos os Cidadãos tem igual direito a terem as Relações ao fundo da sua escada, porque ainda que as multipliquemos, e colloquemos ao centro de cada uma das Provincias, os que habitão as extremidades dellas não podem ter o mesmo cómmodo, que ou que habitão as Capitaes; e muito mal trazido he o principio de que a Lei he igual para todos, e que todos devem ter as mesmas commodidades. Nem erradamente supponhamos que os Povos estão a suspirar por muitas Relações: o que elles ambicionão he que os Ministros dellas sejão bem escolhidos, rectos, probos, intelligentes; que os Processos sejão expeditos, e não prolongados, e eternos; e que as Sentenças sejão justas sem se importarem dos lugares, aonde são proferidas e se consultamos as preoccupações dos Povos, elles em geral querem antes a Justiça longe do que perto, muito principalmente em segundas Instancias, ás quaes muitas Causas não chegão; e assim vi entender nesta Camara um Artigo da Carta, que eu suppunha exigir duas Instancias em todas as Causas. Nem se sega que a despeza das relações Provinciaes não se augmenta por se reduzirem os Ministros dellas a menor número que o actual, isto he, a setenta Desembargadores, porque assignando-se a estes grandes Ordenados de um conto, ou dous, vem a ser a despeza muito superior á actual, e a meu vêr sem vantagens que a compensem. Parece-me pois que tomemos um caminho medio, que he sempre o melhor entre dous extremos: ou nos contentemso por ora com as duas, que temos ao Sul, e ao Norte do nosso Continente, ou creemos mais uma terceira para as Provinvias centraes do Reino. O tempo nos ensinará se ella he util, e se á sua imitação convem crear amis; porém parece-me imprudente o crear agora, seja-me licito dizer, como de pancada seis Relações; e quasi que com ellas, em vez de alliviar os Povos, os assustemos. Quanto mais que devendo o Processo Criminal ter reforma, e reduzindo-se os pontos capitaes desta á publicidade do Processo, a ser este feito por Juizes de Facto, alem dos de Direito, e a Justiça ambulante, ou de Alçadas, muito semelhante ás nossas antigas Alçadas e Correições, fica claro que das relações se hão de tirar os Ministros, que hão de compor as Alçadas e como tem de correr os differentes Districtos, menos necessidade tem as Partes de se aproximarem: dos Tribunaes sedentarios no importante ramo da Justiça Criminal. Em fim, Senhores, caminhemos passo a passo, não afoguemos o Reino em Relações, vejamos se podemos aproveitar o que já temos com mais alguma, ou sem ella. E desenganemo-nos que quem fôr capaz de fazer uma injustiça em Lisboa, ou Porto, tambem a fará em Mirandella.

Os Tribunais de appellação mais importantes de Inglaterra, e França estão collocados nas duas Capitaes de Londres, e Paris; e em uma, e outra parte se faz Justiça; não queiramos ser mais avisados que estas Noções cultas; e não levantemos em cada canto do nosso pequeno Portugal uma Relação, e uma Forca.

O Senhor Borges Carneiro: - Partirei do principio de que a Carta não fixou número certo de Relações. As palavras = Haverá nas Provincias as Relações, que forem necessarias = não exigem que haja uma em cada Provincia. Neste, e em outros muitos lugares da faustissima Carta cumpre distinguir a parte dispositiva da enunciativa, as frases taxativas das demonstrativas. Assim, quando ella diz = Haverá Camaras em todas as Villas, que ora ha, ou para o futuro houver = a sua intenção dispositiva he que cada Villa tenha Camara, que nenhuma tenha, de ir mendigar fora a sua administração interior; porem entender-se-ha que prohibio á Lei crear Villas, ou supprimir Villas? Se uma Villa existente se despovoar por causas fisicas, ou economicas haverá obrigação perpetua de a conservar? A obrigação, que ha, he de lhe conservar Camara, em quanto ella for conservada. Isto posto: venho á questão, e digo que crear Relações, he crear Desembargadores, Chancelleres, Guarda-mores e menores, Escrivães, Porteiros, e fundar Edificios, o que se não faz sem grandes despezas. Crear Empregados de crear Ordenados, e por consequencia tributos; e Ordenados quaes sejão conformes aos principios do Governo Constitucional, que considera a sufficiencia dos Ordenados como uma das necessarias precauções contra a pervaricação, é abuso do Poder, e que não se assemelha a esses Governos

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Inconsiderados, que deixando os rendimentos públicos nas mãos de ociosos, armão o laço á probidade do Empregado, não lhe dando com que sustentar-se. Todo o Empregado tem de sustentar não só as necessidades fisicas, mas a decência do seu lugar, pois aquelle, que por falta de meios não pode corresponder ao que delle se espera, nem pôr-se ao nivel com as classes, que tem de frequentar, vive em estado de privação, e constrangimento, e tira da sua dignidade os motivos, e do seu poder os meios de peccar. Onde vão pois dar comsigo os Ordenados dos Desembargadores, e mais Empregados de seis Relações? Diz a Carta = as Relações necessarias para commodidade dos Povos =. A primeira commodidade dos Povos he não pagar; he diminuirem-se-lhe os impostos. O Regimen Constitucional tende a simplificar, e não a multiplicar: tende, não a crear Empregos para pessoas, mas a crear pessoas, que bem sirvão os Empregos. A experiencia tem mostrado que duas Relações despachão os negocios de Portugal, e seus Dominios: e quanto melbor o farão depois que se tirar á de Lisboa a terceira Instancia, e algumas Ilhas, e se emendarem os dous grandes males da escuridade, e vagueza da Legislação, e da má divisão do trabalho nas Relações? Se a Relação do Porto se vê ás vezes sobrecarregada de trabalho; se os moradores do Minho, e Beira são demandistas, como se acaba de dizer, a culpa he da Legislação complicada. Basta a materia dos Prazos para embrulhar aquellas Provincias: como na Ordenação não ha mais que poucas disposições a este respeito, regem os immensos volumes de Pegas, Caldas, e Velasco, e tudo está tão incerto que não he exaggerado o dicto de um bom Advogado "que os prazos são benefícios simples, que os Desembargadores podem dar a quem quiserem.» Tudo erão demandas sobre Morgados, em quanto vogavão os volumaços de Pegas, e de Mollina: publicou-se a Lei de 1770, já não ha demandas; e se alguma resta, he por alguns casos, que nella ficarão omissos. Quando pois um Codigo preciso, claro, e accommodado á comprehensão de todos, sufficientemente publicado, quero dizer, lido pela mocidade desde as escolas, convertido mesmo em cathecismo para se lêr nas Igrejas, á maneira do Povo Hebraico, que fazia das suas Leis o Cathecismo Religioso; quando, digo, a Legislação estiver assim comprehensivel e conhecida, a fonte das demandas será entupida, e cada Cidadão as evitará, tirando suas duvidas por si mesmo, ou conferindo com os seus amigos.

"A Nação será feliz, diz o Veneravel Jurisconsulto Inglez, e a Justiça bem administrada, quando os Tribunaes de Justiça forem poucos, e poucas as pessoas, que nelles querião entrar». Tractaremos pois de multiplicar Relações, quando os Codigos vão fazer-se? Quando instituir-se Concelhos da Jurados, que tomando a si todo o conhecimento do facto, só deixão o de direito, não às Relações, mas aos Juizes de direito locaes? Quando se vão crear Juizes de Paz, que cortão no principio muitos pleitos, pelas vias de conciliação? Senhores, a creação de Empregados he sempre um mal: só uma urgente necessidade o pode justificar. Venho agora á facilidade das communiçações, e aos habitos. Que os Juizes de Facto e de Direito, quero dizer, as primeiras Instancias estejão quanto possa ser proximos aos seus respectivos Territoriaes, he esse um bem, pela frequencia e generalidade das dependencias; mas as Relações para que? Quantos passão a vida sem terem demandas, e em segunda Instancia? E os que as levão alli, por quão pouco tempo lhes durará essa fadiga, em se constituindo bem o systema Judicial? Será prudente, por estes incómmodos parciães, atacar os habitos dos Povos, deshabitua-los das Cidades a que estão costumados? Os Moradores de Lamego, de S. João da Pesqueira etc. sem dúvida, querem antes tractar, ou mandar tractar seus litigios ao Porto, na distancia de 12 a 15 leguas, do que a Viseu para onde, sem embargo da menor distancia, as communicações são raras e difficeis. Ao Porto os chamados mui varios affazeres, o fornecimento de suas casas, negocios mercantis etc.; inda mesmo quando não tem demandas. Convem attender aos habitos, ás communicações, a todo o genero de negocios. Como se manterá uma Relação na pouco populosa Tras-os-Montes? Que negocios Judiciaes terá o Reino do Algarve, que mereça uma Relação? Os Algarvios e os Alem-Tejanos dirão "Nós o que nos importa he o nosso atum, os nossos figos, e as nossas searas: nós seguimos a primitiva missão da natureza; cultivamos a terra, e não desejamos entre nós o viveiro das demandas, que sempre ha nos lugares das Relações: quando alguma tivermos em segunda Instancia, em os nossos Cahiques e Hiates, ou pela Beira-mar, mandaremos Procuração a Lisboa, que antes nos convem, do que sustentar ao pé da porta o foco das demandas." E como Desembargadores limitados a um estreito circulo de comnmnicações, a viver com 4 ou 5 familias ricas ou distinctas que haverá em Mirandella, estarão fora do alcance da influencia dellas para julgar em ultima instancia as suas Causas, e as dos seus paniguados? De tudo isto concluo que, quanto a Portugal, de que por ora se tracta, alem das duas Relações, haja somente mais uma na Beira, para remediar a interrupção, que a Serra da Estrella faz das duas Beiras, e que a Commissão, segundo a melhor commodidade dos Povos, assigne a ella, e ás actuaes os Districtos que convierem.

O Senhor Galvão Palma: - Pergunta a Illustre Commissão a esta Camara, se devem haver seis Relações nas Provincias de Portugal? Respondo affirmativamente, apezar dos argumentos, com que o honrado Membro, que hontem abrio o debate, e que hoje forão reproduzidos a pertende impugnar, limitando as Relações a Lisboa, e Porto. Senhor Presidente, os habitantes do Alem-Tejo e Algarve são membros da Familia Portugueza, iguaes perante a Lei, e com recíprocos direitos, não menos que os das outras Provincias. He pois uma injustiça que se lhe faz, não se installar Relações, que julguem em segunda Instancia as Causas, e obriga-los a ir a lugares mais remotos promoverem sua justiça. O criterio, que estabelece a Carta para a formação das Relações, he a commodidade dos povos; eis o unico, e essencial elemento, que o Augusto Auctor della nos prescreve para a organisação das Relações; e quem dirá que se preenche este fim, não concedendo esses Tribunaes ao Alem-Tejo, e Algarve? Observemos isto. O Reino do Algarve para interpor as suas appellações para esta Capital, tem os seus habitantes que transitar quarenta legoas, passando uma serra fragosa, e alcantilada, e ribeiras, a algumas das quaes faltão pontes. Que in-

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cómmodo pois! E mesmo offendido o seu capricho, pois que, tendo a cathegoria de Reino, he esbulhado da prerogativa, que se concede a Provincias e Ilhas. Duzentos e cincoenta e quatro mil habitantes, que povoão o Alem-Tejo serão vivamente incommodados, quando não tenhão no seu centro, na Cidade de Evora, uma Relação. São reaes e extraordinarios os iu-eóra modos e desvantagens, que lhe resultavão, sendo um, e mui attendivel, o triunfo que nas suas causas tirarão os poderosos, quando litigarem com os que tem pequenos capitães; acontecendo-lhe acaso, ou renunciar o seu direito, ou aliás distenderem sommas, que não equivalem ás despezas da viagem, e costeamento do pleito. Que clamores levantarão os povos, a quem negarmos este recurso! Bemdirão elles acaso o systema que nos rege, e que os não faz entrar na partilha das outras Provincias? Desengane-mo-nos, Senhores, que o Povo não tem outra logica, senão a das sensações, e quando elle não colher beneficios reaes, que veja e palpe, odeião-se as novas Instituições, pois theorias, de que não lhe resultão vantagens, produzirão nelle um clarão fugitivo, bem como o do relampago em nuvem tenebrosa. Accresce, que devem proporcionar-se, quanto possivel for, as Instituições com os usos e gozos de que estiverão de posse os nossos maiores, e que não forem offensivos á justiça. Nós tivemos as Alçadas, ou Juizos Ambulantes ate ao Reinado do Senhor D. Filippe. Os Juizes Ordinarios, os bons homens do Povo, erão os que julgavão os pleitos, e decidião nas Causas Civeis e Crimes até ao Reinado do Senhor D. João II, em que pela primeira vez apparecêrão Juizes de Fora. E qual o motivo porque os Soberanos legislarão desta maneira? Foi em vista de lhes tornar mais facil e cómmoda a Administração da Justiça, para que a não fossem procurar a pontos remotos. E seremos agora menos condescendentes, menos amantes do interesse da Sociedade, do que forão os Senhores Reis? Passemos em revista os argumentos, com que se atacou esta opinião. O primeiro se deriva da grande despela na installação destes Tribunaes. Calcula-se para o costeamento de cada um trinta e tantos mil cruzados. Mas se nos lembrarmos, que os Togados das Relações, e outros Tribunaes ora existentes, ficão sem exercicio pela extincção dos mesmos, e que aliás he não só de equidade, mas de justiça, consignarem-se-lhes ordenados para acabarem o resto de seus dias: que os Togados, digo, hão de ir ser Membros das Relações, e bem assim empregados nestas os que servirão nas outras, e que tem igual direito á sua subsistencia, fica claro que he uma despeza necessaria, e que por isso se torna modica. Mas ainda mesmo, quando grande, parece que o interesse publico deve a este respeito esquecer a economia, e ale porque os povos com os seus tributos he que satisfazem a estes empregados, e por tanto com direito de os ter em togar mais aproximado. Disse um illustre Preopinante que o Povo, longe de amar a proximidade da Justiça, antes a desejava affastada do seu lar: e em taes circumstancias que, longe de se lhes satisfazer os desejos, estava a proximidade das Relações em contradicção com a sua vontade. Não he assim, Senhor Presidente: se alguns Povos desejão viver em distancia das Authoridades, he porque encontrão em algumas, não pois da Patria, e Funccionarios observadores da Lei, mas sim despotas, que empunhando só a rara da arbitrariedade e patronato fazem a sua desgraça: he porque os Povos estão persuadidos da exaacção, com que o Governo escreveo em Outubro de 1826 ao Juiz de Fora de Miranda do Douro, dizendo = Certissima como estou da ignorancia, má vontade, e perversidade de Magistrados, tem resultado os males, que a Nação tem experimentado, e continúa a soffrer, etc. = Eis-aqui o que faz odiar estes Agentes da Authoridade. Mas como esperamos que chegue uma hora, em que os empregados preenchão as suas funcções, para que muito concorrerá a Liberdade de Imprensa, e Responsabilidade; então levantarão os mãos ao Ceo, e bemdirão o Governo Representativo, que lhes aproximou aos seus domicilios esses Tribunaes de segunda Instancia. Voto pois pelo Artigo.

O Senhor Braklami: O Artigo em questão contem duas partes, na primeira reduz-se a saber se d'ora em diante haverá no Reino seis Relações, ou Tribunaes de superior Instancia; na segunda pergunta-se se os lugares do seu estabelecimento serão os que forão marcados pela Commissão no Quesito, de que se tracta. Eu não entrarei na questão da primeira parte, pois julgo que pouco ha que accrescentar ao que se tem dicto; e por isso faltarei sómente quanto á segunda, isto he, qual a localidade, em que se deve collocar a Relação do Algarve.

A Commissão, tractando de fazer a divisão do Territorio, examinou desde logo quaes serião as Povoações mais centraes, e mais proprias para o estabelecimento das Relações, attendendo sempre ás commodidades dos Povos dos respectivos Districtos: a Commissão, quando assignalou uma Relação para o Algarve, teve em vista unir neste Districto a Comarca do Campo de Ourique, e por isso queria, quanto lhe fosse possivel, escolher um lugar central, a que podessem concorrer os Povos, tanto do Algarve, como da referida Comarca; como porem visse que nenhum existia, que satisfizesse a este desejo, e ao fim indicado, escolheo a Villa de Loulé, a qual, se bem esteja situada no Algarve, com tudo aproxima-se mais do Campo de Ourique do que Faro, na differença de duas legoas para o interior. Que dirão os Povos do Campo de Ourique, vendo que os obrigavão a ir á extremidade da Costa do Algarve para tractor os seus negocios forenses? Certamente julgarião que olhava-mos sómente para a utilidade, e commodidade dos Algarvios, e não delles. Ora: neste caso a Commissão, a que ou tenho a honra de pertencer, mostrou-lhes nesta escolha o desejo, que tinha de não dar preferencia nem a uns, nem a outros, e fez-lhes ver que sómente cedia á necessidade imperiosa, que lhe era imposta pela falta de outra qualquer Povoação grande, e central, onde se fizesse aquelle estabelecimento; e neste caso nem poderião allegar motivos de desgosto, nem apresentar causa para reclamações. Para os Habitantes do Algarve he indifferente que o local da Relação destinada para aquelle Reino seja em Faro, ou em Loulé; á commodidade, e utilidade dos da Comarca de Ourique he que se quiz attender.

De resto he um engano persuadir-se que a Villa de Loulé tem muito poucas commodidades para o estabelecimento, de que se tracta; pois he patente a todas as pessoas, que a conhecem, que se ella he inferior a Faro eu grandeza, opulencia, e luxo, en-

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cerra com tudo todos os elementos precisos para taes Repartições. De mais: he sempre util, e até politico não accumular todas as fontes de riqueza em um unico ponto de qualquer Nação, convindo fazer com que o numerario reflua para os Campos, é pequenas Povoações; pois deste modo se vai indirectamente favorecer, e fomentar a Agricultura, a Industria, e o Commercio interior; isto, que he applicavel punia aos Povos mais civilisados, e opulentos, procede muito mais a nosso respeito, visto o estado daquellas Artes, e da falta, que temos do Commercio interno. A vista do que tenho dicto voto pelo Artigo tal como está.

O Senhor Gerardo de Sampaio: - Senhor Presidente, se eu não tivesse a satisfação, e honra de ouvir as fallas dos Illustres Deputados, que nas suas discussões me percedêrão, o meu discurso partiria de outros principios; porem, tendo-se dicto tudo quanto ha de bom na materia, de forma que aquelle, que se seguir a fallar, fará sem dúvida as vezes de um verdadeiro éco, vejo-me perplexo em ceder ou não a palavra; no emtanto já que a pedi farei umas breves reflexões sobre alguns argumentos, que se apresentárão para combater o Quesito segundo do Projecto em discussão, o qual diz assim (lêo): e antes de tudo responderei affirmativamente á primeira parte, isto he, que convenho que nas sete Provincias, em que tem de ser dividido o Reino, se estabeleção seis Relações; e á segunda o mesmo, com uma restricção simplesmente relativa a Loulé, como logo melhor mostrarei. Agora, para satisfazer ao que prometti, farei menção das razões, que se patenteárão nesta Camara, e que se me apresentárão como mais salientes: disse um Senhor Deputado que para não haver beis Relações bastava a idéa dos Povos atéqui não se terem queixado deste pequeno número, e só sim das prevaricações dos Juizes; que á proporção que se fossem augmentando os meios de administrar Justiça, e os conductos para ella ser sollicitada, seria a sua marcha, e resultado mais complicado, mais cheio de chicanas, e mais moroso; que, devendo nós diminuir o número dos Empregados Publicos, iamos com esta medida augmenta-los sobre maneira: ao que respondo; que os Povos não podião queixar-se do pequeno número de duos Relações, porque nunca se lhes havia offerecido occasião de instaurar sobre este importante objecto as suas sollicitações; e menos isto lhes podia pasmar pela lembrança, e ser ansumpto das suas esperanças; que quem diz que o trabalho repartido igualmente, e com ordem por todos os Desembargadores, que tem de servir (o que he do plano), não ha de dar um melhor resultado, que dará entregue a poucos, e em desordem, solta o paradoxo de que o fraco poderá mais que o forte, e que do pouco podemos tirar mais que do muito. Por ultimo, que o argumento, de que com o tal Projecto em lugar de se diminuir a classe dos Empregados, antes sensivelmente se augmentará, he falso: por quanto, reduzindo o Alvará de 13 de Maio de 1813 o número dos Desembargadores da Relação de Lisboa, e Porto, daquella a sessenta, e desta a quarenta e cinco, temos cento e cinco para repartir pelas seis, que tem de ser organisadas, tocando assim a cada uma dezesete, e crescem tres, número aquelle, que talvez, ou antes com certeza, não lhe pertença, attenta a referencia, que elle ha de ter nos Districtos: em quanto aos mais Empregados, atrevo-me a assegurar que as duas Relações creadas terão quasi a porção necessaria de pessoas para sortir as que tem de ser creadas; podendo-se lançar mão, para as faltas, daquelles individuos, que ficarem desoccupados em virtude dos mais reformas.

Não fatigarei mais a Assemblea em repetir o que se acha sabiamente demonstrado a respeito de que esta providencia he muito accommodada aos principios da Carta Constitucional, e que reparte com igualdade pelos Povos regalias, e direitos; que lhes dá comodidades, que elles não tinhão, avisinhando-lhes os recursos; e he muito para admirar que tal medida tenha encontrado tanta opposição, e que não nos lembremos de um dicto de certo sabio Portuguez, o qual, querendo atacar os abusos da administração de Justiça, e o quanto ella era pouco accessivel aos Povos, se explicou assim = Antigamente estavão os Juizes ás portas da Cidade hoje estão as Cidades ás portas dos Juizes =. Torno a dizer, he para admirar que não sigamos as lições desses mesmos antigos Legisladores, que nos ensinarão a fazer Leis, e que as delles servem, e servirão de fonte ás nossos, os quaes assim obravão, e nos tempos de menos civilisação.

Agora, pelo que diz respeito á segunda Pergunta, direi que convenho nos lugares marcados marcados no Quesito para assento das Relações, menos no de Loulé; por quanto, se a razão, que se teve em vista, foi procurar o ponto mais central, e isto unicamente, então vamos buscar o alto da Serra, e no sitio do Ameixial, o que nunca podia lembrar á Commissão: logo não foi esta só, e sim unida ás outras circumstancias necessarios; e neste caso não podemos, sem erro, desprezar Faro, que dista só daquelle centro de Loulé duas legoas, differença que fica bem paga com tantas vantagens. Voto por tanto respondendo affirmativamente, e com a restricção ponderada.

O Senhor F. J. Maia: - A sábia discussão, que tem havido, a divergencia de opiniões em tantos Illustres Deputados, que me tem precedido e fallar, bem demonstra quanto he importante o objecto, de que se tracta neste 2.º Quesito. Quando hontem abri a discussão bem senti a necessidade de se resolverem algumas questões preliminares, o que vejo agora confirmado pelo Senhor Deputado Relator da Commissão do Projecto sobre as Relações, o qual julgou necessario chamar a attenção da Commissão sobre o mesmo Projecto. Antes do entrar no debate forçoso me he dizer que eu antes de entrar em qualquer discussão costumo ver tudo, que lhe diz respeito; e por isso não me he applicavel a advertencia do mesmo Senhor Relator, quando notou que, se tivesse presente aquelle Projecto, opinaria de outro modo. Não me cançarei em responder a alguns Illustres Deputados, que tem alterado os meus argumentos, e repetido cousas, que eu nunca disse; e desde já declaro que he falsa, e fora de lugar a expressão, de que usou um Senhor Deputado, dizendo que eu havia dirigido uma Diatribe contra a Magistratura, porque isto he absolutamente alheio no meu caracter, e ao meu modo de pensar, assás conhecido nesta Camara, e no Publico.

Differentes reflexões se tem feito para rebater os meus argumentos, os quaes eu reputo ainda em pé, porque não tenho ouvido razões, que me convenção do contrario. A Carta não manda que hajão Relações em todas as Províncias, mas sim que em todas as

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Provincias hajão as Relações necessarias, e por isso pode haver mais de uma Relação em cada Provincia, assim como pode alguma Provincia ficar sem Relação; e isto mesmo reconhecêo a Commissão quando, dividindo o Reino em 7 Provincias, estabelecêo sómente 6 Relações. He preciso, Senhores, notar que os Povos jamais requererão em tempo algum que se creassem Tribunaes, antes, pelo contrario, muitas vezes tem requerido a extincção de alguns, e constantemente recusão receber Juizes de Fora; um exemplo dos nossos tempos o demonstra: a minha Pátria, a Cidade do Porto, resistio á Ordem do Senhor Rei D. Manoel, quando creou o Lugar de Juiz de Fora; e não he muito antigo o mesmo facto em uma Villa visinha desta Capital. Eu lembro á Camara que a Carta estabelece uma nova Ordem no Poder Judicial, pelo qual os trabalhos das Relações se diminuirão consideravelmente, pois que o Juiz de Paz, e o Juizo dos Jurados, estas duas bellas Instituições, farão terminar muitos Processos nas primeiras Instancias: se ale agora bastarão duas Relações, para o futuro bastarão as mesmas. Tambem não posso deixar de dizer que he sofistico o argumento, que se produzio, de que nas novas Relações se não empregarião mais Desembargadores do que existem nas actuaes; pois que tudo quanto se disser a este respeito he indefinido, visto que no Projecto das Relações se não acha fixado o número dos Membros de coda uma das Relações. A Camara não deve perder de vista que Portugal be um Reino grande pelas suas proezas, caracter honrado, firme, e laborioso de seus habitantes, mas pequeno em extensão de territorio, e que já não se fazia maior, nem pelo número, nem pela diminuição de suas Provincias, as quaes Deão comprehendidas dentro de 120 legoas de comprido sobre 30 dê largo. Eu espero ainda que as Estradas, e communicações interiores se melhorarão devidamente; e então as distancias dos Tribunaes de segunda Instancia se tornarão menos incómmodas. Não merece resposta o argumento, que se produzio, de que todos os Povos tem direito de ser igualmente protegidos, e que por isso se devião crear Relações em todas as Provincias; pois he bem patente que os Povos das extremidades das mesmas Provincias fie ao mais distantes das Relações do que os que morão no Lugar, em que ellas residem; mas, se essa razão valesse, então devião crear-se Relações em todas as Comarcas, e em todos os Concelhos. Não posso deixar de admirar que alguns dos Membros da Commissão, que tanto amor tem manifestado pelas Instituições Inglezas, se queirão agora apartar da sua marcha constante. Concluo dizendo, que eu tenho lido os mais abalisados Escriptores de Economia Politica, e que em nenhum delles lenho encontrado = que a creação, de Tribunaes seja um dos meios para a prcducção, e augmento da riqueza Nacional =, como parece inculcar a Commissão no seu Relatorio, e que he inteiramente novo. Pergunto-me alguns Senhores Deputados, se me seria agradavel que a Relação do Porto se mudasse para Braga, ou para outro lugar mais distante? E, ainda que a minha conveniencia, ou desconveniencia não pode influir na resolução, que se haja de tomar, responderei a esses Senhores que he para mim indifferente que ella exista lá, ou em outra qualquer parte, pois fui sempre inimigo de Pleitos, e ainda não tive nem um só particularmente meu. Agora mostrarei que tal pergunta apresentada como argumento para provar a necessidade de se crear mais Relações, por tão sábios, e Illustres Deputados, he totalmente alheia da questão, e nada pode provar, a não ser o contrario do que pertendião concluir, e vem a ser, que sendo o Porto uma Cidade populosa, e com Villas, e Cidades na sua vizinhança, e não devendo as Relações estabelecer-se só relativamente ao terreno, mas relativamente aos habitantes, que as occupão em maior número, segue-se que aquella Relação está bem collocada. Estou bem persuadido que aos Illustres Membros da Commissão nunca lembrou, nem lembrará crear Tribunaes de qualquer especie, calculando unicamente as legoas quadradas do Paia, o que seria o maior absurdo. Voto pois que haja sómente duas Relações; e, quando muito, uma terceira na Provincia da Beira, ou nu lugar, que se julgar mais conveniente.

O Senhor Mozinho da Silveira: - Senhor Presidente, a Carta determina expressamente que hão de haver Jurados nas Causas Crimes e Civeis, d'onde se segue que, apenas os haja, os pleitos hão de diminuir infinitamente: ora, devendo haver Codigos conforme as disposições do Systema, he forçoso que se separem, as Causas Administrativas daquellas, que são puramente Civeis; do que tambem evidentemente se segue, que as demandas hão de ser muito menos, porque a maior parte dellas são sobre objectos puramente Administrativos, e são destas que a Casa da Supplica, cão, que toma conhecimento de tudo, está cheia; entre muitos exemplos, que poderia citar, apontarei um que alli se tractou, ou ainda se traria, e vem a ser, se pertence aos Collectores, ou Cascaveis da Alfandega, e carregarem os Fardos das respectivas Companhias: ora, á vista disto ninguem pode duvidar que os pleitos hão de diminuir muito, e muito. A idéa expendida pelo Senhor Borges Carneiro he assás brilhante, e vem a ser, que quando houver uma Legislação clara, e conhecida de todos, e não baralhada, escura, e confusa, como grande parte da existente, as demandas hão de ser muito poucas; as Relações estão entulhadas de Processos, por não haver Legislação positiva e certa, sobre quem prefere nos Morgados, se o filho natural, se a Coroa; e porque succede isto? He porque o Legislador ainda não fez uma Lei, que regule esta preferencia; mas apenas a faça, as demandas desta natureza, que são immensas, desapparecerão de uma vez, e semelhantes questões não tomarão mais o tempo aos Desembargadores na Relação. Ora: bem se vê que, verificando-se quanto exposto fica, as demandas diminuirão infinitamente. E para que serião então necessarias tantas Relações no Reino, se não tinhão que fazer? Servirião para augmentar o número da Empregados Publicos, que já são sufficientes, pois que o seu número excede a 85$000 entre Administrativos, e Civis! Responderei agora aos argumentos, que se hão feito da necessidade que ha de fazer affluir ás Provincias o numerario, que hoje se reconcentra na Capital, e Cidade do Porto. He um erro em Economia Politica suppor-se, que a riqueza de uma Nação provem de se achar o numerario dividido; haja-o elle seja aonde for; porque o ter uma fonte muita agua, he que faz a abundancia della; mas o ter, por exemplo, seis bicas, que a reparta para diversas partes, nada augmen-

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ta aquella mesma agua: he por tanto a minha opinião que se estabeleção os Jurados, que se organisem os Codigos, e depois então se conhecerá as Relações que são necessarias: finalmente, as Relações nada tem com a Divisão do Territorio. Resta-me agora dar uma satisfação á Commissão: eu hontem não a invectivei, pelo contrario a admiro muito, e lhe agradeço a grande parte que tomou em tão difficeis trabalhos, e se respondi incoherentemente, foi procedido de não ouvir melhor, porém a culpa não he minha.

O Senhor Moraes Sarmento: - Senhor Presidente: Depois que eu acabei de fallar não me veio á lembrança de fallar segunda vez, nem He incommodar a Camara; porem seguirão-se novos argumentos contra o Projecto, e compete-me como Membro d'ella mostrar a sem razão, com que se continua a atacar a doutrina do Projecto. Será talvez effeito da moda, a qual se não declara hoje em favor da Desembargadores; porem eu sou Desembargador, honro-me muito disso, e até porque a Toga tem honrado a minha familia, e por tanto vamos responder, ou antes continuar a fazer mais illustrações sobre esta materia para se esclarecer. He impossivel guardar ordem ou connexão no meu discurso, porque os argumentos tem sido varios, e he forçoso responder conforme se argumentou. O Illustre e Sabio Deputado, o Senhor Serpa Machado achou, segundo percebi, que na divisão, ou estabelecimento das Relações iriamos proceder á semelhança do procedimento de Filippe II de Castella, quando estabelecêo no Porto a Casa do Civel, que estava em Lisboa. O procedimento despotico do Invasor de Portugal não foi certamente aquelle, a que allude o Sabio Deputado, porque quando Filippe II dêo aquella determinação, elle julgou que fazia a vontade aos Portuguezes; porque foi ella uma das muitas promessas feitas por assim requererem os Portuguezes nas Côrtes juntas em Thomar. O mesmo Senhor Deputado sabe, melhor do que eu, a Jurisdicção da Casa do Civel, que era mais um Tribunal para pleitos Communs, como geralmente havia em Inglaterra, França, e outros Paizes, porque o grande Tribunal de Justiça Criminal acompanhava os nossos Reis, e daqui vem a frase jurídica de se entender por Côrte o lugar, aonde se achava a Casa da Supplicação. Os Reis julgavão que a sua principal obrigação consistia em administrarem pessoalmente a Justiça aos Povos; os Francezes ainda hoje mencionão com agradavel recordação o tempo, em que S. Luiz debaixo da sombra de um Carvalho de Vincennes assentava o seu Throno de Justiça, e reputava as horas mais importantes aquellas, que alli gastava administrando Justiça, a quem a procurava, e pedia. A distribuição das Relações conforme o Projecto tende a supprir aquillo que antigamente fazião as Alçadas em Portugal, e hoje as assizas em França, e em Inglaterra. Ella vai ser um passo para o melhoramento progressivo da Administração da Justiça. Semelhante systema ha de ter influencia em se diminuirem os crimes, porque os acostumados a crimes, vendo proximo a si o castigo, e acabada a impunidade forçosamente se hão de emendar. Acabarão de uma vez esses depositos de miseria e horror, como são as duas prisões de Lisboa e Porto, aonde se amontoão os criminosos, sem ser possivel que os parentes e amigos levem o soccorro duvido, e se achem entregues, e sem a protecção dos maridos as esposas, dos pais os filhos: eu desci a vêr essas scenas por ordem que tive do Governo, e então considerei as dificuldades de ser remediar um objecto de tanta precisão. Ha sempre precisão de considerar bem as mudanças dos tempos, quando se tracta de per tender applicar o mesmo systema a differentes tempos. Portugal não he hoje o mesmo Paiz, que em outro tempo. Pediria ao Sabio Deputado lançasse a vista sobre uma Memoria, a respeito do censo, feita no Reinado do Senhor D. João III, e que se acha publicada pelo Sabio João Pedro Ribeiro. A povoação era então mais diminuta do que hoje, e por isso bem se mostra a razão, porque bastaria uma Relação em Lisboa para todo o Reino. Isto era o mesmo nos outros Reinos: por exemplo o d'Aragão que ameaçava a França, conquistava a Sicilia, e Napoles, não tinha mais que 800 habitantes. Em quanto aos exemplos que se apontão das outras Nações não terem estabelecimentos judiciaes tão numerosos, e se citou a França e a Inglaterra, tenho á mão a Revista de Edimburgo = em uma nota leio o seguinte. A organisação Judicial em França contem 2:700 Juizes de Paz com Sallario, Tribunaes de primeira Instancia era número do trezentos e tantos, e occupão 3:300 Juizes: vinte e sete Relações, ou Tribunaes d'Appellação com perto de 1:000 Juizes. A Côrte de Cassassão com 49 Juizes Supremos, dividida em 3 Secções: 212, ou 215 Tribunaes de Commercio, com cinco Membros cada um; estes ultimos não tem Sallario. Respondendo a outro Senhor Deputado convém que se declare que, supposto haja em Inglaterra os doze Juizes, não he só por meio d'elles, que a Administração da Justiça se faz em Inglaterra. A enumeração dos differentes Tribunaes de Justiça em Inglaterra accusa as paginas em oitavo, que vai de 577 até 589 impressos em caracteres pequenos, na Obra de Colquhowa sobre a Policia da Metropole, paginas, que não he preciso agora lêr, para não enfadar a Camara. Não pertendo provar todavia a necessidade de estabelecimentos sem precisão: refiro-mo aquillo, que eu já disse a primeira vez, que fallei, de que só pela experiencia se ha de vir no conhecimento dos Juizes necessarios para o expediente de cada uma das Relações. Em Inglaterra somente se dá o nome de Juizes aos doze principaes Oraculos da Lei; a mesma pena de morte he imposta por outros Julgadores, como são os Recorders, especie de Juizes de terras privilegiadas, e ainda outros Julgadores: os Tribunaes Eclesiasticos tem Jurisdicção em alguns objectos, que não são puramente Ecclesiasticos. O mesmo que ha em Inglaterra apparece na Irlanda; e na Escocia ha um systema inteiramente differente: ahi tem o Illustre Deputado, como se deve entender, o que geralmente se diz, de que a Justiça em Inglaterra he administrada somente por 12 Juizes. Não me he possivel responder á differença que outro Illustre Deputado estabelecêo entre o Systema Administrativo, e o Judicial. Como não ha base para discussão he desnecessario fazer outra observação: alem de que, sempre desejarei que a Justiça, ou seja judicialmente, ou administrativamente se distribua com audiencia da Parte; e em collisão, antes haja delongas, do que promptidão em ter a Parte lugar, para alegar. Se por administração se entende fazer de Lisboa o centro, para destruir toda a liberdade munici-

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pal, iremos plantar entre nós o despotismo de Buona parte, o qual, despojando os Povos de toda a ingerencia, chegou ao ponto de ser preciso em Hollanda, quando aquelle Paiz se annexou a França, pedir-se a Paris licença, para se concertarem os diques, depois de se alagarem as Aldeas. Porem, isto he fora da questão: ella he simples, e se reduz a saber: se he util, que a Administração da Justiça se faça de um modo facil, e com o menor incómmodo possivel. Se eu viesse para este lugar advogar a causa dos Desembargadores somente, pela minha parte teria de parecer, que a Relação do Porto viesse tambem para Lisboa, porque vivo com mais prazer em Lisboa; porem a commodidade do Publico, e o bem dos Povos exige que em Mirandella, que eu não considero habitação agradavel, e Loulé, venhão a ser residencias para Desembargadores. O Empregado Publico está sujeito ás determinações do Governo.

O Senhor Gravito: - Eu me absteria de fallar se não fosse necessario ratificar as minhas idéas sobre a impugnação, que uma dellas merecêo. O Senhor Deputado, que hontem abrio a discussão, impugnando o número de seis Relações, estabelecêo uma idéa que, se fosse verdadeira, ou podesse demonstrar-se, não poderia sustentar o Artigo: disse o Senhor Deputado que por este modo se ia augmentar o número dos Desembargadores; e eu hoje, quando fatiei, disse que o Senhor Deputado não tinha presente o Projecto da Lei das Relações; elle diz assim (lêo). Não estando ainda determinado o número dos Desembargadores, que ha de haver, pomo pode o Senhor Deputado saber que elle se vai augmentar? Este mesmo Senhor Deputado disse que elle não achara até agora como meio de crear riquezas o estabelecimento de Relações; ou o Senhor Deputado me não entendêo, ou eu me não expliquei bem; he natural que o erro estivesse da minha parte. Eu não disse que o estabelecimento de Relações nas Provincias era um meio de crear riquezas; mas tambem não pode alguem de boa fé negar que não seja esta uma idéa reproduzida pelos que sabem que um bom systema em administração reclama a necessidade de adoptar medidas, que facão refluir á circulação no interior do Reino algumas sommas do numerario. Todos sabemos qual he o estado de ruina das Provincias, e o quanto a Agricultura tem soffrido desde que os Fidalgos, e immensas Familias ficas vierão fixar a sua residencia na Capital, aonde por isso chamão as suas rendas; resultando desta, e de outras cansas, que derivão o dinheiro das Provincias, a penuria, e escacez das especies monetarias, que em breve serão alli apenas conhecidas. Tanto mais repartidas estiverem as riquezas por uma Nação, mais próspera ella se pode considerar. Centralizar as riquezas em uma, duas, ou tres Cidades do Reino importa o mesmo, que reduzir a pobreza o resto delle. Os capitães são necessarios para as emprezas productoras; se elles se exhaurirem nas Provincias, estas deixarão em breve de fornecer productos ao consumo das grandes Cidades. São de uma verdade de primeira já intuição semelhantes idéas, e ellas são as da maior parte dos Economistas Politicos.

Outro Senhor Deputado combatendo a doutrina da Proposta com o mesmo argumento de que as seis Relações ião augmentar o número de Empregados Publicos, e não tendo provado a verdade do seu argumento, deixa em lodo o seu vigor as que tenho produzido. Não basta dizer que se engrossa por este meio a Lista dos Empregados, he preciso demonstra-lo, mas isto não se fez: antes, pelo contrario, eu já mostrei que as duas Relações de Lisboa, e Porto actualmente existentes devem ter por Lei a da Supplicação 60 Desembargadores, e a do Porto 45, que fazem, 105, e com os seus Chancelleres 107, ao mesmo passo que as seis Relações apenas podem occupar de 70 a 75, e por consequencia já vemos quanto he bem menor este número; e ainda que as seis Relações requeirão seis Guardas-mores em lugar de dous, esta maior despeza não destroe a idéa da grande economia de Empregados, devendo entrar em linha de conta que, tendo o novo systema de Administração de deixar sem emprego muita gente, justo será que se aproveite aquella, que for capaz para o Serviço publico; porque em fim, se as reformas são necessarias, preciso he que se não facão com lagrimas. Outro Senhor Deputado apresentou nesta Camara argumentos deduzidos da Lei dos Morgados, e com elles combatêo o estabelecimento das Relações nas Provincias; e eu respondo ao Senhor Deputado que nós não estamos a legislar senão em relação ao que agora parece util; quando a occorrencia de circunstancias exigirem novas providencias legislativas, nós então as faremos: he necessario que nos entendâmos; todas as Leis devem reputar-se provisorias, isto he, em quanto ellas preenchem o seu fim, que he o da conveniencia pública, e por isso ellas se alterão, se modificão, e se derogão.

Agora pois pergunto eu se he mais conveniente ao interesse publico ter 70 Desembargadores em 6 Relações, ou 107 em duas? Ninguem dirá que he melhor, as duas.

Portanto, como até agora se não destruirão os argumentos, com que se tem sustentado o Artigo, está, em pé, e na necessidade de se approvar.

O Senhor Vice-Presidente: - Tem a palavra o Senhor Aguiar.

O Senhor Gravito: - Tenho direito a que V. Exa. proponha á Camara se a materia está suficientemente discutida, porque assim mo permitte o Regimento.

O Senhor Aguiar: - Senhor Vice-Presidente, ha cousa estranha, e estranhissima, e não sei que diga mais, que o Senhor Deputado, que acabou de faltar, queira por aquelle modo pôr termo á discussão.

O Senhor Gravito: - Senhor Vice-Presidente, cedo do meu requerimento.

O Senhor Vice-Presidente: - Visto que o Senhor Deputado cede, tem a palavra o Senhor Aguiar.

O Senhor Aguiar: - Muita admiração me tem causado que os Illustres Auctores do Projecto pertendão deduzir dos Artigos 125, e 130 da Carta Constitucional a necessidade de se approvar o numero de Relações proposto, visto que alli se estabelece que este seja igual ao das Provincias. O primeiro daquelles Artigos diz = que haverá nas Provincias as Relações, que forem necessarias para commodidade dos Povos =. Creio que a boa Lógica não consente que se tire esta conclusão = logo em cada uma das Provincias ha de haver uma Relação =; assim como de se estabelecer no mesmo Artigo que para julgar as Causas em segunda e ultima Instancia haja Relações, não pode concluir-se que todas as Causas de qualquer

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natureza, qualidade, e quantidade, hão de ter uma segunda Instancia, como em uma destas Sessões disserão, concordando comigo, alguns Senhores, que hoje se servem daquelle Artigo para sustentarem a creação de mais quatro Relações, alem das que existem. Do Artigo 130 o mais que pode concluir-se he que uma das Relações ha de continuar a existir na Capital do Reino. Mas parece que a mesma Commissão não estava convencida do principio, que hoje tem estabelecido, quero dizer, de ser o numero das Relações igual ao número das Provincias, segundo a Carla; porque, se a Commissão julgasse que assim he decidido na Lei Fundamental da Monarchia, como proporia ella a divisão do Reino em sete Provincias, e em seis Distinctos de Relações? Ou pois a Commissão não entendo que a Carta estabeleceo a necessidade de igualar o número das Relações ao das Provincias, ou cahio em manifesta contradicção. Suppondo que a Carta não fixa o número das Relações (o que he indubitavel, e só pode contrariar-se torcendo muito o sentido, e a mente do Augusto Legislador nos referidos Artigos), reduz-se toda a questão a saber se a commodidade dos Povos pede que as Relações sejão seis. Quando se empregão estas expressões do Artigo 125 = commodidade dos Povos = entendo eu que ellas não significão só, e abstractamente o cómmodo, que os Povos podem tirar da mais expedita, e prompta administração de Justiça (porque se assim fosse seguir-se-ia que deveriamos estabelecer Relações em todas as Comarcas, em todos os Concelhos, e ainda em todas as Povoações, para conseguir a sua maior commodidade), mas que he necessario considerar os sacrificios, que os Povos terão de fazer, para pagarem ao grande número de Empregados, que he necessario crear, e se elles estarão em estado de supportarem novos tributos, que são indispensaveis, quando as rendas do Estado já não chegão para as despezas actuaes. A isto tem respondido alguns Membro: da Commissão, dizendo que as despezas não serão maiores do que aquellas, que actualmente se fazem com as duas Relações de Lisboa, e Porto; porque, tendo a primeira sessenta Desembargadores, e a segunda quarenta e cinco, o número total he sobejo para as seis, que, segundo o Projecto, devem existir. Pois bem: determine-se o número dos Desembargadores, que ha de ler cada Relação, e dos seus Empregados, e que despezas são necessarias para o seu expediente, e então, segundo o calculo, que se offerecer, e segundo as forças da renda publica, eu votarei que haja mais, ou menos Relações. Disse um Senhor Deputado que actualmente havia muitos Desembargadores, e muitos Empregados, e que não devendo fazer-se as reformas tirando-se a cada um os meios de subsistencia, era o Estado obrigado a pagar-lhes seus Ordenados, e por tanto podia sem augmento de despegas servir-se delles, empregando-os nas Relações novamente creadas: eu tambem não quero que as reformas tragão comsigo a miseria, a desgraça, e as lagrimas dos Cidadãos, que vivião dos seus Empregos; porem crear Relações com as vistas de occupar aquelles, cujos Cargos devem ser supprimidos, não me parece acertado. O Estado (em de pagar lhes em quanto viverem; mas se se fizerem novos estabelecimentos, os despezas existem em quanto estes existirem. Ouvi tambem dizer que poderião ser menos as Relações, se ellas fossem ambulantes, e administrasse cri Justiça nos differentes lugares do seu Districto; mas que, segundo o systema Judicial adoptado pela Carta, devem ser sedentárias: não acho na Carta lugar algum, donde possa deduzir-se semelhante proposição, e como a minha opinião he que ellas sejão ambulantes pelo principio, que os defensores das seis Relações tem expendido, e he que seria conveniente não serem os Povos obrigados a sahir longe dos seus lares para se lhes fazer Justiça, porque os Magistrados são creados para os Povos, e não constituidos os Povos para os Magistrados, principio que muito me agrada, em tal caso he evidente que não posso concordar em que se não restrinja o número proposto pela Commissão. Tambem se disse que, sendo a Lei igual para todos, cada uma Provincia devia ter a sua Relação: he um principio sanccionado na Carla, mas applicavel a lodo o Cidadão; e tomado inteiramente á letra pediria que cada Cidadão tivesse junto á sua morada uma Relação: a mesma Commissão parece ter entendido comigo que elle não podia servir de fundamento ao número das Relações, ou então infringio-o; porque propõe a divisão em sete Provincias, e só seis Relações, ficando em consequencia uma sem a sua respectiva, e a que tem direito pela pertendida igualdade. - Não me tendo convencido os argumentos, em que se fundão os defensores do Projecto, e julgando eu que a Lei da Divisão do Território pode fazer-se sem dependencia do estabelecimento do número das Relações, porque isto não he necessario para se dividir o Reino em Julgados, em Comarcas, e em Provincias, concordo com o Senhor Mocinho da Silveira, isto he, que tracte-mos da divisão do Reino em Districtos de Relações de Justiça no lugar, e occasião competente, quando se traclar da Lei das Relações, e reforma dos Juízos, e Tribunaes de Justiça, conforme a Carta. Mas se u Camara entender que agora he occasião opportuna, eu não posso votar pelo estabelecimento de seis Relações, e quero que o seu número seja mais limitado, não só pelos principios, que ponderei, mas porque a mesma Commissão reconhece que o número das demandas ha de diminuir consideravelmente estabelecidos os Juizes de Paz, e para este fim ha de ler muita influencia tambem a Instituição dos Jurados, e a reforma dos Códigos.

O Senhor Derramado: - Na minha opinião estão ainda em vigor os argumentos, com que se tem combalido a resposta affirmativa do Quesito; e com tanta clareza e boa lógica forão elles deduzidos, que eu me pouparia á tarefa de os instaurar, e ampliar, só não se insistisse tão porfiadamente em fingir a sua refutação. Tem-se combatido a negativa, ou antes o adiamento da resposta do Quesito, com duas especies de razoamentos, uns deduzidos da Carta, outros do principio da utilidade publica. Os argumentos da primeira espécie são tão fracos na propria convicção de seus Auctores, que estes ainda se não atreverão a tirar delles a conclusão legitima, e prejudicial do Quesito, que obviamente offerecião, sendo bem fundamentados: pois se a Carta dispõe que hajâo tantas Relações quantas forem as Provincias, acabada está a questão, nem ha lugar a votar. Mas a Carta tal não diz: aliás os mesmos Senhores, que fazem este argumento, a terião infringido, enumerando sete Provincias, e pro-

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pondo seis Relações. He-nos por tanto tanto livre estabelecer o numero de Relações, indispensavel para as commodidades dos Povos. Diz-se: que este principio demanda seis em Portugal, e Algarves; porque convém que os Povos tenhão a Justiça ao pé da porta; que não se augmenta a despeza; porque o número das Relações não suppõe por isso o augmento do número dos Empregados; e que he vantajoso para as Provincias este modo de fazer consumir nellas as capitaes, que d'outra guiza affluirião para a Côrte. Se com effeito se provar he indispensavel para a Administração facil, recta, e economica da Justiça devida a todos os Portugueses, que haja uma Relação em cada Provincia, eu sou o primeiro a votar por ella; mas isto, no contrario de estar provado, parece antes obter-se por outros modos já lembrados. Mas ainda mesmo que nós nos considerassemos inhibidos (o que eu hão considero) de estabelecer a Justiça Itinerante, não poderiamos por agora responder ao Quesito proposto, por falta dos convenientes dados. Só depois de estabelecidos os Juizos Conciliatorios, de organisados os Julgados de Direito, e suas competentes Alçadas: só depois do estabelecimento dos Juizes de Facto, e da reforma do Processo; n'uma palavra, só á vista de toda a organisação do Poder Judicial, em conformidade da Carta, inclusivamente a das Relações, he que nós poderemos calcular com alguns gráos de aproximação á verdade, a redundancia das demandas, que devem subir por appellação das primeiras para as segundas Instancias. Pois senão, como posso eu conhecer a regularidades, e harmonia de uma parte do Systema, se não se me quer descobrir todo o seu vulto? Ora: se mais algumas Relações são indispensaveis aos Povos para a boa Administração da Justiça, que se lhes deve, ainda que se augmentte a despeza, eu a darei por bem empregada; porem se este accrescentamento não for necessario, então ficão em seu inteiro vigor os argumentos do Senhor Mozinho, e Caducão as vantagens de fazer distribuir nas Provincias capitaes, que em tal caso serão tirados da uma algibeira da seus habitantes para lhos metter na outra, sem servirem a alguma operação productiva. Nem se diga que não ha augmento de despeza, porque não se augmenta o número dos Empregados actuaes; porque uma cousa he sustenta-los por toda a sua vida, outra mui diversa he, o constitui-los perpetuamente em pura perda (uma vez que não sejão necessarios). Que elles não sejão vicitmas das nossas reformas, será sempre o meu ardente voto: mas que não privem por isso de emendar os defeitos da organização Judiciaria, conhecidos pelo Augusto Legislador, que dêo as bases para o seu melhoramento. Escusado he declarar, que eu não sou animado de alguma antipathya para com a benemerita classe dos nossos Juizes; nunca eu attribui á classe os vidos que são do homem, e muito menos á classe os vicios da Instituição. Concluo de todas as minhas considerações, e das mais que se tem feito ao mesmo sentido, que, não podendo a materia do Quesito ser por ora contemplada debaixo das suas naturaes relações, não posso ainda responder-lhe.

O Senhor Borges Carneiro: - Qualquer que seja a pratica, e número de Empregados, com que se administre a Justiça na França e Inglaterra, a experiencia mostra que em Portugal (ainda prescindindo diminuição de pleitos, que vai resultar do estabelecimento dos Juizes de Paz, Jurados e Codigos) a Justiça na Segunda Instancia tem sido satisfeita por duas Relações, direi melhor, por alguns Desembagadores de suas Relações, pois que cousa de dous terços desse grande número de Desembargadores pouco trabalhão. Ouvimos diariamente dizer aos Corregedores da Côrte assim do Crime, como do Civel, e aos doze Aggravistas que tem muito trabalho. Assim he; mas pergunto, e os Ouvidores do Crime, os Juizes de Chancellaria, esse grande número de Desembargadores Extravangantes? Não tem quasi nada que fazer. Fallo sem exaggeração: um Extravagante de mediocre desembaraço, se se ajuntar seguidamente o que tem a fazer, o faz com uma hora de trabalho por semana, não fallando nos Feitos de tenções, que ha dous annos para cá se lhes dão. He esta uma das cousas, que passão a travez dos seculos sem exame, e só vem de traz; por onde foi a ovelha dianteira vão todas as putras. Mas eu supponho, que para o futuro o trabalho se ha de repartir por todos os Desembargadores em distribuição igual, e que se algum não be capaz de entrar nesta distribuição, tambem o não he de ser Desembargador. Ora, admittido isto já já se vê, que se duas Relações até agora desembaraçarão o trabalho, sendo este tão desigualmente repartido, quanto mais facilmente o expedirão em se repartindo igualmente por todos? Creando-se mais uma Relação, vinte Desembargadores em cada uma das tres, monta a 60 que he os que agora tem só a de Lisboa: e farão todo o serviço sem grande trabalho, e sem multiplicar o número, e a despeza demais Relações. Resumindo, digo que tractar de augmentar a seis o número das Relações agora que se vai fazer uma boa distribuição de trabalho, e diminuir os pleitos pelo estabelecimento dos Codigos, dos Jurados e dois Juizes de Paz, he notoria contradicção. Senhores, tragamos á memoria esse infinido número de Capitulos e Propostas dos Tres Estados do Reino, feitos nos Senhores Reis nas Côrtes de 1641, e nas antecedentes, e veremos que, versando sobre objectos de todas as classes, não se acha com tudo um só a pedir Relações: pois nesta materia conhecem elles bem os seus interesses, e sabem que he levar no seu seio [...] de demandas. Conta Bluteau que os Moradores de Bardez, Sulsete, e outros Povoa da India até certo tempo cuidadosos Cultores dão terras, depois que lhe chegárão lá os Magistrados Portuguezes se fizerão grandes = Demandões =. Mas, que se fará de tantos actuaes Desembargadores? Disse um Senhor Preopinante. He certo que o pezo das reformas não deve recahir sobre uma geração viva a beneficio de uma que ainda não existe; mas tambem he certo, que uma Legislação nova não deve ser modelada sobre os vicios da passada, e sobre os excessos do Governo. Esses Desembargadores superfluos serão empregados aonde poder ser, é em ultimo caso conservarão seus Ordenados, inda que não sirvão. "As Provincias estão pobres, e Lisboa mui preponderante" disse outro Senhor Deputado. Sim: porem o meio de espalhar mais a riqueza não he o de fundar Relações, e criar empregos superfluos: he melhorar as estradas, abolir impostos mal alentados, facilitar às communicações, promover o Commercio, e Industria interno. Se os Fidalgos, e grandes Proprietarios abando-

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nárão as Provincias, não foi certamente por virem seguir demandas á Côrte. Tudo o que fôr alem de tres Relações no Continente de Portugal he superfluo e gravoso.

O Senhor Miranda: - O Artigo, que se acha em discussão, contem duas partes, ou proposições. Primeira: Haverá em Portugal seis Relações? Segunda: Estas Relações serão estabelecidas, além de Lisboa, e Porto, em Mirandella, Vizeu, Evora, e Loulé? Eis a Ordem do Dia; eis o objecto da discussão que deveria ter fixado as idéas; porém todos aquelles Senhores Deputados, que tem combatido o Parecer das duas Commissões reunidas, tem-se alargado em questões vagas, tractando sómente de principios geraes, e dirigindo-se mais a combater os principios da Carto, do que afixar uma opinião ácerca da materia da Ordem do Dia.

Agora não temos a tractar se ha de, ou não ha de haver Relações nas Provincias. Esta questão está resolvida na Carla. Mo Artigo 130 da Carta acha-se estabelecido que = Na Capital do Reino, além da Relação que deve existir, assim como nas mais Provincias, haverá, etc. etc. = Ora: que quer dizer, ou qual be o sentido grammatical da expressão = Relação que deve existir, assim como nas mais Provincias -? Por ventura quererá dizer outra cousa senão que, além da Relação que deve existir em Lisboa, haverá outras Relações nas Provincia? Porém esta materia fica mais explicita, e fora de toda a dúvida, se attendermos ao que diz o Artigo 125. Eis-aqui o Artigo: diz o Artigo = Para julgar as Causas em segunda, e ultima Instancia, haverá nas Provincias do Reino as Relações, que forem necessarias para commodidade dos Povos. = Aqui acha-se a regra geral estabelecida pelo Supremo Legislador; aqui se acha o fundamento, e o motivo desta mesma regra, e por maneira que, attendendo ao espirito e letra do Artigo, com muita mais razão se deve entender que pode, em uma mesma Provincia, haver mais de uma Relação, do que uma Relação só para duas ou mais Provincias.

Alguns Senhores Deputados, que se tem opposto ao Parecer das duas Commissões reunidas, tem querido notar estas de inconsequentes porque, havendo manifestado a opinião de que houvesse em cada Provincia uma Relação, que não que ellas fossem seis em número, quando ao entender daquelles Senhores Deputados as Provincias de Portugal são sete. Mas permittão-me que eu lhes diga que se achão em alguma equivocação; porque a Beira Baixa até agora nunca foi considerada como Provincia, e sómente como uma Divisão Militar da grande, rica, e populosa Provincia da Beira. E se hontem esta Camara adoptou a opinião de que ella formasse por si só uma Provincia, foi pela consideração do incómmodo, que causaria, como tem causado, a reunião dos Eleitores da Beira em uma só Assemblêa para a Eleição dos Deputados.

Tenho demonstrado, e demonstrado o tem muitos Senhores Deputados que, segundo a Carta, deve haver Relações nas Provincias do Remo. Mas quantas serão estas Relações? Aonde deverão estabelecer-se? Este era o ponto da questão; porem a este respeito, de todos os Senhores Deputados, que impugnarão o .Parecer das Commissões reunidas, dous sómente emittirão a sua opinião. Um destes Senhores foi de opinião que, alem das Relações de Lisboa, e Porto, se creasse uma somente de novo. He necessario confessa-lo: não se pode satisfazer ao Artigo 125 da Carta, nem com mais simplicidade, nem com mais economia. Com tudo, desejaria que nos indicasse em que lugar quer estabelecer esta nova Relação, a fim de facilitar, e com igualdade, os recursos dos habitantes das Provincias, em que presentemente não ha Relações. Outro Senhor Deputado foi um pouco mais liberal comnosco; porque, em vez de uma, propoz se creassem duos Relações, alem das de Lisboa , e Porto; porem, como nos não indicou os locaes dellas, ha a mesma razão para fazer-lhe igual pergunta.

Senhores: Não he pela primeira vez que entre nós se agita esta questão. Esta questão já com muito calor foi debatida em o mez de Novembro de 1822. Então ninguém se lembrou de pôr em dúvida, ou de combater a utilidade, e mesmo a necessidade destes Estabelecimentos. Então cada um queria uma Relação na sua propria Terra, e todo o conflicto de opiniões foi sómente ácerca de localidades. Hoje porem, e na Sessão de hontem, tem-se apresentado princípios, e deduzido em contrario argumentos bem notaveis. Reduzindo-os quanto me he possivel são os seguintes: 1.° Que as Relações são desnecessarias nas Provincias. 2.° Que os Povos as não desejão, nem as querem. 3.º Que ellas são incómmodas e pesadas aos Povos. 4.º Que ellas tendem a desmoralisar os Povos infundindo-lhes o amor de pleitos e demandas. 5.º e ultimo que ellas vão sobrecarregar o Thesouro com uma grande e addicional despeza.

Ao 1.º argumento responderei: que a Administração de Justiça, ou he necessaria, ou he desnecessaria; que, em consequencia, ou são necessarios, ou desnecessarios os Tribunaes de segunda e ultima Instancia. Se são desnecessarios nas Provincias, tambem o são nas Cidades de Lisboa e Porto, e por conseguinte não deve haver Relações em parte alguma deste Reino. Porem como este argumento se refere mais á natureza e essencia destes Tribunaes, a mesma Ordem do Dia o repelle; porque da sua localidade enumero he que se está tractando na presente discussão. Diz-se tambem que os Povos não querem Relações nas Provincias, e eis o 2.º argumento, argumento de tal natureza, que, apesar do tom affirmativo e formal, com que tem sido sustentado, ainda me não posso capacitar de que elle não seja uma ironia! Os Povos não querem as Relações nas Provincias! Os Povos antes querem ir a 30 ou 40 legoas de distancia requerer sua Justiça, com grandes despezas, trabalhos e incómmodos, só pela razão de que até agora os tem tido e soffrido, do que obterem os mesmos fins com menos incómmodos, com menos trabalho e menos despeza! Na verdade seria bem para notar que até entre o Povo rustico o ignorante apparecesse um miseravel que taes desejos manifestasse! E que diremos nós quando entre nós mesmos, aqui mesmo, e dentro do recinto desta Camara, se tem querido sustentar esta opinião!!! Porem os Povos nenhum Requerimento nenhuma Representação tem apresentado a este respeito ou seja nesta Camara, ou seja na Camara dos Dignos Pares! Assim he: Mas nós Deputados da Nação Portuguezes, nós Mandatarios de nossos Constituintes, nós que temos obrigação de saber quaes são as precisões dos Povos, e occorrer ás suas

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necessidades pelos meios, que a Carta nos faculta, deveremos por ventura esperar que os Povos, pelo direito de Petição, venhão despertar o nosso zelo adormecido? Digo isto em geral, e era these; porque em hypothese, este argumento acha-se em cpntradicção com o disposto no Artigo 125 da Carta, no qual o Supremo Legislador mostra que elle tinha idéas mais exactas, e conhecimentos mais perfeitos do que he util e conveniente aos Povos, do que todos aquelles Senhores Deputados, que se tem opposto ao Parecer das duas Commissões reunidas. Não se contentou o Supremo Legislador com estabelecer a regra; apar della apresenta o motivo; porque depois da palavra = Relações = accrescenta= necessarias para a commodidade dos Povos =. Tal era a idéa, que a sabedoria do Senhor D. Pedro IV. formava ácerca das necessidades dos Povos; taes os sentimentos de seu Magnanimo Coração pelo bem ser dos Portuguezes.

Tenho respondido ao 2.° argumento; e o 3.°, que com elle tem intima correlacão, fica igualmente refutado. Passemos agora ao 4.° argumento, argumento que se torna ainda mais extraordinario por sahir da bôca de um Illustre Magistrado, em cujo peito nunca teve entrada a corrupção, nem jamais se apagou o amor da Patria. Disse este Illustre Magistrado que a sahida dos Desembargadores de Lisboa, e Porto para as Relações das Provincias, seria uma praga, seria uma peste, que exhalando-se em miasmas cabalisticos, iria corromper os corações de seus habitantes, tornando-os de mansos e pacificos Agricultores em inquietos rabulas, e eternos demandistas!!! Se tal fosse a natureza de nossos Juizes, o que eu não posso admittir, porque muitos conheço, e muitos haverá, que não conheço, os quaes farião honra, e servirião de ornamento até á propria Magistratura Ingleza, se tal fosse, torno a repetir, a natureza dos nossos Juizes, de si mesma incorregivel, e incapaz de melhoramento, apezar das garantias, que a Carta nos offerece, então outra consequencia tiraria eu, e vem a ser: que os pleitos e demandas, que entre nós tem havido, e actualmente existem, são um effeito necessario da existencia das Relações do Porto, e Lisboa, assim como de todos os Juizos, que se achão distribuidos pelas diversas Terras do Reino. Então concluiria eu que deveria extirpar-se este supposto cancro da Sociedade, mandando sahir fora do he mo todos os Desembargadores e Magistrados, bem como o Imperador Domiciano mandou exterminar do Ho III a os Filósofos , os jMedicos, e os Malliemalicos. Então concluiria, e com igual razão, que não só se não deverião estabelecer as Relações nas Provincias, mas ale que deverião ser abolidas as que actualmente existem nas Cidades do Porto, e de Lisboa.

Segue-se o 5.° argumento, aonde, a dizer a verdade, algumas razões poderião achar-se para combater o Parecer das Commissões reunidas, se elle podesse fundar-se em um facto verdadeiro. Quero dizer: se podesse provar-se que a somma das despezas de todas as Relações Provinciaes era maior do que o montante dos Ordenados dos Desembargadores, e mais despezas das duas Relações actualmente existentes em Lisboa, e Porto. Ora: isto he o que se não tem provado; antes, pelo contrario, os meus dons Illustres Collegas e Amigos, os Senhores Sarmento e Gravito, Membros das ditas Commissões reunidas, tem mostrado com toda a evidencia que o trabalho, que actualmente fazem cento e sete Desembargadores nas duas Relações do Porto, e Lisboa, pode fazer-se com setenta, e quando muito com setenta e cinco, distribuidos pelas seis Relações Provinciaes. As razões por elles expendidas accrescentarei que um determinado número de Desembargadores, distribuídos pilas seis Relações Provinciaes, expedirão no mesmo tempo, com mais vagar, e reflexão, um muito maior número de Causas, do que um igual número de Desembargadores accumulados em duas Relações fomente estabelecidas em Lisboa, e Porto. Primo: porque nos Corpos Collectivos, e numerosos a actividade de uns, pondo a coberto a negligencia, ou a indolencia de outros, faz com que o trabalho não tem proporção com o número, e que elle seja sempre muito inferior ao trabalho, que expedirião os mesmos Corpos subdivididos em duas ou mais secções. Secundo: porque os Desembargadores nas Provincias não consumirão em pura perda aquelle precioso tempo, que necessariamente, e por força de circumstancias perdem em ceremonias de etiqueta, em Theatros, funcções, e espectaculos, que nas Capitães superabundão. Podemos por tanto admittir como principio estabelecido, e que até agora ainda não vi contrariar, que a verba da despeza publica, relativa ás Relações, antes ha de diminuir do que augmentar com a creação das seis Relações estabelecidas no Projecto. Muito maior será ainda a economia pública, se por economia pública entendemos, como devemos entender, uma diminuição no consumo inutil, e improductivo dos capitães particulares de todos os individuos, que formão a grande familia do Estado. Por outros termos, e em linguagem mais clara, haverá uma economia equivalente á totalidade das despezas, que os Povos deixarão de fazer pela maior facilidade dos recursos. Não nos espante por tanto o receio, que alguns Senhores Deputados tem mostrado diante da idéa da creação das seis Relações Provinciaes. Vamos de vagar, disse um Illustre Deputado, por agora estabeleçamos uma até duas Relações mais, e se a experiencia nos mostrar que dellas podem tirar os Povos alguma utilidade ou proveito, então alguma mais poderá crear-se. Parece, ao ouvir taes receios, que o equilibrio da Terra pode perturbar-se com a deslocação das massas de oito ou nove homens, transportados de Lisboa, e Porto para os quatro pontos das Províncias, em que se querem estabelecer as quatro Relações restantes!
Tambem se tem combatido alguns argumentos a favor do Projecto, apresentados pelas Commissões reunidas, e por alguns Senhores Deputados, que tem opinado a favor das Relações. Diz a Commissão da Divisão do Territorio, no Relatorio, que precede aos Quesitos, que = ninguem pode desconhecer a necessidade, que ha de se estabelecerem nas Provindas alguns centros de circulação de riquezas, e restabelece-las doestado permanente de debilidade, a que se achão reduzidas, pela forçada, e contínua afjluencia do numerário para a Capital = Hum Illustre Deputado, que tonto interesse tem mostrado pela reputação desta Camara, á face de toda a Europa, persuadio-se, á vista do citado periodo, que a Commissão considerava o estabelecimento das Relações Provinciaes, como outros tantos mananciaes de riquezas, e cada uma dellas como um estabelecimento industrial creador de

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Calores; por outros termos: julgou que a Commissão considerava as Relações como outras tantas cornucopias da abundancia entornadas no seio das Provincias. Não he neste sentido que a Commissão considerou as Relações pelo lado economico; não as considerou como productoras de valores, considerou-as sim como um dos meios de se fixarem utilmente nas Provincias, e não por pequenas sommas, os capitaes, que annual e improductivamente vem consumir-se nas Cidades de Lisboa e Porto, cujos capitães poderião ficar em as Provincias em proveito de seus Habitantes, e melhoramento da Agricultura. Contra este principio apresentou-se um argumento, que com tanta graça, como valentia, foi repellido por meu Illustre Collega o Senhor Gravito. Quero dizer: pertendêo-se estabelecer que era indifferente, e pouco importante para a prosperidade pública da Nação, a igual ou desigual distribuição das riquezas pelas Provincias, com tanto que a somma total destas riquezas fosse invariavel e constante, Isto he: que dous Estados são igualmente ricos e felizes, quando a somma total das suas riquezas fôr a mesma em ambos, quer estas riquezas se achem com uma justa igualdade distribuidas por seus Habitantes, quer a par da excessiva miseria de muitos se ache o pomposo luxo de poucos. Argumentos desta natureza não carecem de resposta, nem perderei tempo em refuta-los.

Estou por tanto persuadido, que nenhuma dúvida pode haver ácerca da utilidade, e até da necessidade de que nas Provincias se estabeleção Relações. E quando o Supremo Legislador assim o declara em seu alto pensamento consignado nos Art. 125 e 130 da Carta Constitucional, qual será o Portuguez amigo da sua Patria e do seu Rei, amigo do seu Paiz e amigo do bem ter dos Povos, que te atreva a sustentar, que he em prejuizo dos Povos, e opposto aos seus mais caros interesses, o proporcionar-lhes e facilita lhes os recursos judiciaes? He por lauto excentrica, contraria á Carta, e fora d» Ordem do Dia, toda a questão tendente a pôr em dúvida este principio. A discussão não pode ter outro objecto que não seja marcar o número das Relações nas Provincias, e os Lugares, em que devem estabelecer-se.

A respeito das Relações das Provincias que ficão ao Norte do Tejo, nenhuma objecção tem havido; e como algumas se tem suscitado ácerca da localidade da Relação do Algarve, a cujo Districto se unio a Comarca de Ourique, separando-a da Relação da Provincia do Alemtéjo, não posso deixar de fazer presentes á Camara todas as opiniões, que tem havido pelo que toca ás Relações destas Provincias.

Ainda que toda a população do Alemtéjo e Algarve não chega a ser ametade da população da Provincia do Minho; com tudo a area destas duas Provincias he consideravel, e não he possivel que uma só Relação, para ambas, satisfaça ás precisos dos Povos, com a mesma igualdade que se acha estabelecimentos para as outras Provincias do Reino. Apesar disto assim se entendêo em outro tempo, e então se propoz Béja para assento da Relação destas Provincias, por ser o ponto mais central, e não Evora por ser ponto muito mais distante do Algarve. Esta idéa não agradou e julgou-se melhor estabelecer uma Relação em Evora, para todo o Alemtéjo, ficando o Algarve dependente da Relação de Lisboa, com o fundamento de que a sua communicação com Lisboa era por mar muito cómmoda. Naquelle tempo parecêo-me esta opinião muito plausivel; porem depois que, por mim proprio, observei a grimpe dificuldade, que muitas vezes encontrão os navios, vindos do Estreito e da Costa do Algarve, em dobrar o Cabo de São Vicente, mudei de parecer; porque muitas vezes fui testemunha, com meu Illustre Collega e Amigo o Senhor Girâo, de se acharem mais de trinta navios fundeados na vasta Bahia de Sagres, por muitos dias, á espera de tempo proprio para poderem dobrar o Cabo. Por esta razão, alem de outras, as duas Commissões reunidas assentárão que devia collocar-se uma Relação em Evora para a Provincia do Alemtéjo, menos a Comarca de Ourique; e que no Algarve houvesse outra Relação, annexando-lhe a Comarca de Ourique pelas razões expostas no Relatorio da Commissão. As Commissões reunidas forão o anno passado de parecer, que a Relação do Algarve se estabelecesse em Loulé, por ser uma das melhores povoações do Algarve, com sufficientes proporções, e a mais central, attendendo-se á reunião da Comarca de Ourique. Este anno porem alguns Senhores Deputados inclinão-se a que a Relação fica mais bem collocada em a Cidade de Faro, opinião, a que tambem me inclino.

Concluirei finalmente com todos os meus Collegas das duas Commissões reunidas que em Portugal, alem das duas Relações Provinciaes de Lisboa e Porto, deve haver mais quatro, a saber: uma em Mirandella para Tras-os-Montes; outra em Viseu para a Beira Alta, ficando toda ou parte da Beira Baixa dependente da Relação de Lisboa; outra em Évora para o Alemtéjo, e em Faro ou Loulé a do Algarve.

O Senhor Girâo: - Pela faculdade, que me concede o Regimento, peço se pergunte á Camara se a matteria está sufficienttemente discutida; pois que he quasi uma hora, e ao que se tem dicto pouco mais se pode accrescentar.

Pondo o Senhor Vice-Presidente a votos, decidia-se que sim por 46 votos contra 41. Lêrão-se as seguintes substituições:

1.ª Do Senhor Deputado F. J. Maio - Proponho que fiquem só as duas Relações existentes; e, quando isto se não vença, que se crie uma terceira na Beira em sitio proprio.

2.ª Do Senhor Deputado Sousa Castello Branco - Proponho que a Relação do Algarve se estabeleça em Faro, e não em Loulé, como quer o Projecto.

E pedindo-se votação nominal, e sendo apoiada na forma, do Regimento, propoz o Senhor Vice-Presidente se no Reino devião estabelecer-se seis Relações?

Approvárão os Senhores Moraes Sarmento - André Urbano - Claudino Pimentel - Frias Pimentel - Girão - Carvalho e Sousa - Caetano Alberto - Conde de Sampaio - Leite Pereira - Araujo e Castro - Abreu e Lima - Pessanha - F. A. de Campos - Pereira de Sá - Fortunato Leite-- Gama Lobo - Sequeira Ferraz - Gravito - Paula Travassos - Leite Lobo - Almeida Novaes - Magalhães - Rodrigues Coimbra - Queiroz - Galvão Palma - Campos Barreto - João Carlos Leitão - Henriques do Couto - João Joaquim Pinto - Soares Castello Branco - Chapuzel - Pinto

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Villar - Braklami - Guerreiro - Paiva Pereira - Botelho de Sampaio - Corrêa Telles - Gerardo de Sampaio - Machado d'dbreu - Fonseca Rangel - Mascarenhas e Mello - Barreto Feio - Tavares Cabral - Lourenço José Moniz - Tavares de Carvalho - Alves do Rio - Miranda - Pereira Coutinho - Azevedo Loureiro - Azevedo e Mello - Sousa Castello Branco - Nunes Cardoso.

Rejeitárão os Senhores Mendonça Falcâo - Camello - Lima Leitão - Antonio Maia - Alvares Pereira - Ribeiro da Costa - Vieira Tovar - Barão de Quintella - Barão do Sobral - Ferreira Cabral - Pereira do Carmo - Vieira da Moita - Pereira Ferraz - Almeida Portugal - F. J Maia - Trigoso - Soares Franco - Tavares de Almeida - Van-Zeller - Sousa Queiroga - Aguiar - Faria e Silva - Costa Sampaio - Cupertino da Fonseca - Derramado - Cordeiro - Macedo Ribeiro - Mello Freire - Pimentel Freire - Ribeiro Saraiva - Mozinho da Silveira - Rebello - Rebello da Silva - Borges Carneiro - Mascarenhas Figueiredo - Gonçalves Ferreira - Serpa Machado - Vasconcellos Raivoso - Mozinho d'Albuquerque - Pedro Paulo - Visconde de Fonte Arcada.

Ficou por tanto approvado o Quesito por 52 votos contra 41.

O Senhor Visconde de Fonte Arcada: - Requeiro a V. Esca. que imponha silencio às Galerias: o Deputado he livre nas suas opiniões, e jamais os espectadores podem ter acção activa, ou passiva; e mesmo para evitar que esse rumor cause influencia nesta Camara.

O Senhor Miranda: - Senhor Presidente, não posso deixar posso o principio de que o sussurro das Galerias possa influir nas decisões da Camara (apoiado apoiado). O Deputado vota segundo a sua consciencia: e eu pela minha parte declaro que os applausos das Galerias não serião capazes de me fazer mudar de opinião, se eu não estivesse convencido, como estou, do que devo approvar o Projecto: assim como nem o terror do despotismo, nem toda a influencia da aura popular me obrigarião a approva-lo, quando eu assentasse em que o devia rejeitar.

O Senhor Vice-Presidente: - O Artigo do Regimento diz (lêo): este Artigo ha de ser executado, assim como o são os outros; e eu não cessarei de empregar todos os meios para o fazer, quando veja que se acha transgredido.

Propoz logo o Senhor Vice-Presidente se as outras Relações, alem de Lisboa, serião estabelecidas no Porto, em Mirandella, Vizeu, Evora, e Loulé? Venceo-se que sim, menos quanto á de Loulé.

Propoz então o Senhor Vice-Presidente, na forma da substituição, se deveria a ultima ser estabelecida em Faro? Venceo-se que sim.

Entrou o 3.º Quesito em discussão.

"Haverá outra Relação na Provincia da Madeira?"

O Senhor Moniz: - Senhor Presidente, não sustentarei como Jurisconsulto a utilidade, que ha em se estabelecer uma Relação na Ilha da Madeira, porque me fallão os conhecimentos necessarios para o fazer como tal; mas procurarei desempenhar o meu dever, simplesmente pelas luzes do senso commum. A Administração da Justiça he uma das primeiras necessidades das Sociedades Civis; felizes os homens, se os Legisladores podessem fazer com que a Justiça fosse levada á porta de cada um; mas já que este grande beneficio he impraticavel, procuremos ao menos avisinha-lo á morada do Cidadão quanto nos seja possivel: nisto imitaremos grandes Legisladores, e grandes Principes, e seguiremos a lição, que nos deixarão os melhores dos nossos Reis, que ião em pessoa correr as terras, e assistir á Administração de Justiça, e que, quando o andamento das Sociedades Civis, já não permittia esta pratica, ou por parecer opposta á Dignidade Real, ou por se tornar incompativel com outros attributos da Realesa, procurarão por outras Instituições proporcionar aos seus Povos as vantagens da maior brevidade, e de menor incómmodo na Administração de Justiça. Algumas destas Instituições, se bem que proficuas a este respeito, são repugnantes ao Systema da Carta. He preciso pois pôr todas as partes em harmonia, e fazer com que, procurando um grande beneficio por um lado, não vamos destruir por outro vantagens não menos importantes.

A regra geral parece ser, que todas ás Provincias que poderem prover os meios para ter um systema da Authoridades Judiciaes, que se julgar mais vantajoso, não sejão privadas desse beneficio, quando aliás se não seguir detrimento notavel ao todo da Monarchia. Este he o grande beneficio consagrado pela Justiça: este he o grande beneficio consagrado na Carta, e he em virtude delle que eu reclamo o estabelecimento de uma Relação para a Madeira, que a alguns respeitos já era considerada como Provincia, e ainda no Artigo, hontem discutido, foi reconhecida como tal. Que uma Possessão Ultramarina, qualquer, em quanto não era mais que uma pequena Colonia pobre em rendimentos, e pobre em povoação, tivesse uma Administração de Justiça accommodada á sua pequenhez, era isto muito justo; roas que esta mesma Possessão, depois de avultar muito em população, rendimentos, e adiantamento de civilisação, se deixe ficar no atrazamento de sua primeira condição, sujeita a todos os incómmodos e perigos que resultão de se lhes administrar justiça de grandes distancias, e com grandes intervalos de tempo, he isso uma das maiores injustiças, que a seu respeito se pode praticar, e que de certo não cabe nos sentimentos de rectidão, e liberalidade de que be animada esta Camara. A Madeira, como já está reconhecido, tem sufficiente povoação , e em sufficiente gráo de civilisação para gozar do incomparavel beneficio do Processo por Jurados; e porque não ha de apar delle gozar de uma Relação? A Carla quer que as Causas sejão julgadas por Jurados, assim no Crime, como no Civel, e estes Juizes serão indispensaveis em muitas na segunda Instancia. Ora a não haver Relação na Madeira, resultaria que muitas das Causas irião a ser decididas por Jurados, que a certo respeito perderião a qualidade fundamental de Juizes pares, pois que ião a ser tirados de uma povoação longiqua, e estranha, e não de uma visinha. O tempo que estes Povos tem existido, sem a fruição de um tal beneficio, depois que se achão com proporções para o gozar, he mais um titulo para nos apressarmos a conceder-lho. Bem tem elles soffrido pela sua falta. Seus pleitos não só os expõe a maiores despezas, e maiores delongas; mas a todos os incon-

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venientes de negocios tractados por outrem, e longe da vista de seu proprio dono. Muitas vezes uma occorrencia, que, tendo lugar ao pé da fonte da justiça, podia ser remediada com promptidão, não o he senão depois do uma demora de muitos mezes, e, em alguns casos, de annos. E não he sem exemplo seguir-se da demora a perda da Causa. Se por outro lado querem, para evitar estes damnos, acompanhar as Causas, tamhem o não podem fazer, sem despender grandes sommas, tirar para isso o pão da bôca a suas familias, correr os riscos, e incómmodos das viagens Maritimas, deixando-as victimas de todas as penas, e aflicções, resultantes de todas estas cousas. Estou fallando na presença de Jurisconsultos experimentados, e por isso não preciso de particularisar com exemplos, o que acabo de expôr.

E que direi eu do estado de um desgraçado, que nos casos Crimes mais graves, talvez com a intima convicção de sua innocencia encara e necessidade de ir amarrado a um Processo atravez de mares perigosos, e o mais de cem legoas do distancia, buscar livramento na ausencia do muitos dos meios de defeza? Que direi eu de um infeliz, que tem de jazer por muitos mezes em candêas, onde não encara senão pessoas desconhecidas, e de quem mal pode esperar o mais leve soccorro, e a mais leve consolação, de que tanto percisa, e de que na Patria podia obter em abundancia dos parentes, e amigos? Pois tal tem sido por longos annos a sorte de muitos, e muitos da filhos da Madeira.

Espero que em breve os Processos serão públicos da pronuncia em diante; mas se os mesmos Processos houverem de ser remettidos para longe, a fim de serem julgados na segunda Instancia, que partido tirarão os Cidadãos Portuguezes da Madeira da publicidade de taes Processos, pelo que respeita ás impressões moraes, de que tanto bem deve provir á Sociedade! Ninguem ignora a força, que tem o exemplo sobre todos os homens, e o quanto he util, e saudavel para a Sociedade que a Justiça saiba aproveitar para a execução de delinquentes de crimes atrozes o tempo em quanto dura o horror, e indignação, de que estão penetrados os que presenciarão o crime. Eu reconheço que a pena de morte, em uma Legislação sabia, deve ser muito rara, ainda quando se julgue indispensavel á paz, e segurança da Sociedade. Mas se jamais se deve erigir um theatro de sangue, e morte, com intento de produzir effeitos salutares, he sem dúvida em quanto durão esses momentos de horror. He então, como diz um grande Filosofo, que "os Cidadãos olharão para o espectaculo terrivel da execução, como para o triumpho das Leis. He então que o malvado, que ousa meditar algum attentado, se vê atterrado pelo horror do supplicio, e contempla na multidão, que a elle assiste, outros tantos inimigos que justamente se hão de levantar contra elle, e testemunhar sua approvação ao espectaculo horroroso da pena, que lhe está reservada." Todos estes effeitos desapparecem, e são perdidos, quando em delinquentes vão soffrer em lugares longiquos o castigo de suas atrocidades, e são muitas vezes substituidas pelo sentimento de compaixão, por causa da menor impressão, que faz o que he praticado fora de nossa vista. E, quando a piedade he em favor do delinquente, a indignação he contra a Justiça. Neste sentido pois, a falta de uma Relação na Madeira tem sido nociva a esta Ilha, e a Portugal.

Resta pois saber se a falta de meios para prover as despezas de uma Relação nos poderão inhibir de gosar della. Na Madeira nunca podem faltar esses meios; ella sempre dêo em abundancia para as suas precisões, e ainda pode dar, se fôr bem administrada. O ponto está, que bem a saibão administrar: e, se fosse agora aqui a occasião propria, eu diria onde bem se poderião achar esses meios. Finalmente, Senhores, os Povos da Madeira precisão, querem, e desejão ter muito a Justiça mais perto de si; e assim no-lo tem significado da forma que podem. Se pois o estabelecimento de uma Relação naquella Ilha não se oppõe, antes promove o bem geral do Reino; se concorre para o bem daquella Provincia, e não grava demasiadamente o Thesouro, parece que de nenhum modo se lhe deve negar. He isto o que eu espero da sabedoria desta Camara.

O Senhor Moraes Sarmento: - Não quero cançar a attenção da Camara, maior mento quando o nosso principal fim he poupar tempo. Só direi, para que o Artigo passe como está, que quando o Senhor D. João VI dêo novas providencias nas Provincias Ultramarinas, mandou para aquelles estabelecimentos Juntas de Justiça; e que os Povos já estão acostumados com a Administração da Justiça, ao menos da Criminal, proxima ás suas habitações: o estabelecimento de uma Relação assegura, alem da Administração da Justiça Criminal, a da Justiça em geral. Virão as Provincias Portuguezas, que erão antes Colonias, o ter vantagens, que não tom os estabelecimentos das outras Nações.

O Senhor Caetano Alberto: - Apezar de ter sido prevenido pelo meu Illustre Colega, comtudo direi alguma cousa. O Argumento deduzido da Carta para se estabelecerem Relações em algumas das Provindas do Reino...

Sufficientemente discutido o Artigo, propoz o Senhor Vice-Presidente se haveria outra Relação na Madeira? Venceo-se que sim.

Sendo chegada a hora, o Senhor Deputado Secretario Carvalho e Sousa dêo conta de um Officio do Ministro dos Negocios do Reino, remettendo os esclarecimentos, que se lhe havião pedido sobre Expostos.

Dêo então o Senhor Vice-Presidente para Ordem do Dia da Sessão seguinte a continuação do mesmo Projecto; e disse que estava fechada a Sessão sendo duas horas.

OFFICIO.

Para o Ministro da Fazenda.

Illustrissimo e Excellentissimo Senhor. - Tendo a Camara da Senhores Deputados da Nação Portugueza approvado em Sessão de hontem a Proposição do Senhor Deputado Francisco Joaquim Maia, que incluo por copia conforme, sobre se pedirem ao Governo esclarecimentos a respeito dos direitos, e despezas do Porto, a que estão sujeitas as Embarcações nos Portos de Portugal, e sobre o número de suas Visitas, assim lenho a honra de o communicar a V. Exca.

Deos guarde a V. Exca. Palacio da Camara em 19

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de Janeiro de 1828 - Illustrissimo e Excellentissimo Senhor Manoel Antonio de Carvalho, Ministro e Secretario d'Estado dos Negocios da Fazenda - Antonio Vicente de Carvalho e Sousa, Deputado Secretario.

SESSÃO DE 21 DE JANEIRO.

Ás 9 horas e quarenta minutos da manhã, feita a chamada, achárão-se presentes 99 Senhores Deputados, faltando, alem dos que ainda se não apresentarão, 14, a saber: os Senhores Mascarenhas Grade - Barroso Pereira - Xavier da Silva - Sanctos - Costa Rebello - Sousa Queiroga - Ferreira de Moura - Mocinho da Silveira - L. J. Ribeiro - Sonsa Cardoso - Rocha Couto - com causa; e sem ella os Senhores Soares d'Azevedo - silves Diniz - e Visconde de S. Gil.

Disse então o Senhor Vice-Presidente que estava aberta a Sessão; e, lida pelo Senhor Deputado Secretario Carvalho e Sousa a Acta da Sessão antecedente, foi approvada.

Dêo o Senhor Secretario Paiva Pereira conta de um Officio do Senhor Deputado Sousa Cardoso, participando a continuação do seu impedimento: ficou a Camara inteirado.

O Senhor Deputado Gravito propoz que, estando talvez proxima a chegada do Serenissimo Senhor Infante D. Miguel, devia proceder-se á nomeação de uma Deputação de doze Membros, para ir comprimentar a Sua Alteza. O Senhor Vice-Presidente propoz logo á Camara se devia nomear-se esta Deputação? Unanimemente se venceo que sim. E lembrando o Senhor Deputado Magalhães que fosse esta eleita pela Mesa, procedendo-se á votação, assim se decidio.

Offerecêrão-se as seguintes declarações de voto: 1.º do Senhor Deputado Botelho de Sampaio, e Pinto Villar - Na Sessão de 19 do corrente fui de parecer, e votei que a Relação em Tras-os-Montes senão estabelecesse em Mirandella.

2.ª Do Senhor Deputado Alvares Pereira - Declaro que na Sessão de 19 votei que não estava sufficientemente discutida a questão do augmento das Relações; e que igualmente votei contra a collocação da Relação de Tras-os-Montes em Mirandella.

3.ª Do Senhor Deputado Vasconcellos Raivoso, no qual o Senhor Deputado Secretario Carvalho e Sousa notou que a segunda parte della não era declaração de voto, e que por tanto sem decisão da Camara não ousava lança-la na Acta: lida pois a segunda parte da mesma declaração, e posta á, votação, venceo-se que se supprimisse, conservando-se só a primeira parte seguinte - Requeiro que se declare na Acta que fui de voto que a materia da creação das Relações não estava sufficientemente discutida.

O Senhor Deputado Cupertino, como Relator da Commissão de Petições, declarou que a mesma Commissão tinha promptos alguns Pareceres, e que por tanto pedia palavra. O Senhor Vice-Presidente disse que em os trabalhos dando occasião lhe daria a palavra.

Entrou em discussão o 4.° Quesito do Projecto sobre a divisão do Territorio.

"Crear-se-hão outras Relações nas Provincias restantes? E aquellas, aonde se HÃO crearem, de quaes ficarão dependentes?"

O Senhor Chapuzel: - Se a Lei he igual para todos, e se para todos deve tambem ser igual a Justiça; se esta Camara, attenta ao bem dos Povos, decidio na passada Sessão que houvessem seis Relações nas Provincias do Continente do Portugal, a fim de evitar que os Habitantes das Provincias mais remotas viessem mendigar sua justiça nas Relações unicas de Porto e Lisboa; se as vantagens de um tal systema forão plenamente provarias; porque motivo os desgraçados Habitantes da Provincia de Cabo-Verde não hão de ler o mesmo direito; não hão de gosar de igual fortuna, de igual vantagem? Se o abandono, em que lera constantemente existido aquella Provincia he a causa de seus infortunios a origem de seus males, deverá este sempre continuar? Certamente não; e muito mais depois de havermos perdido toda a idéa de recuperarmos o Brasil; he por tanto para as nossas Possessões Africanas que deveremos lançar ás vistas; porque nos offerecem immensos recursos, imensas vantagens, se applicarmos energicamente os meios necessarios para este fim; porem limitando-me por agora unicamente á questão, se deve haver uma Relação na Provincia de Cabo-Verde; ou se as Causas de seus Habitantes devem depender afinal da Relação de Lisboa, como até agora se tem praticado, e como decide o Projecto; digo, que deve haver uma Relação naquella Provincia pelas mesmas razões, que sabiamente expenderão muitos dos Senhores Deputados na ultima Sessão, para haverem seis Relações em Portugal, e uma na Ilha da Madeira.

A Provincia de Cabo-Verde he bastante povoada, para merecer toda a attenção, e não ser deixada em abandono: ella se compõe de 8 Ilhas habitadas, e 5 Possessões no Continente de Guiné. A Ilha de S. Tiago, Capital da Provincia, contem 22 mil Habitantes; a Ilha do Fogo, 12 mil; a Ilha Brava S mil, a Ilha do Maio, quasi 2 mil; a Ilha da Boavista, 3 mil; a Ilha de S. Nicoláo, 6 mil; a Ilha do Sancto Antão, 24 mil; e a Ilha de S. Vicente 300, porque principia ha pouco a ser habitada. No Continente de Guiné possue Bissau e Geba, dependencia de Bissáo; Cacheu, Farim, e Zeguichor, dependencias de Cacheu. Os Habitantes destas Possessões, exceptuando a Tropa, os Empregados Publicos, e alguns degradados, existem entrelaçados com os Gentios naturaes do Paiz; e pelo abandono, em que sempre tem existido, pouca, ou nenhuma civilisação tem adqurido; de sorte que sem muito erro se lhes podem tambem chamar Gentios. A Justiça he administrada nas differentes Ilhas pelos Vereadores, ou Juizes Ordinarios, os quaes sendo Leigos, e não possuindo os conhecimentos necessarios, produzem nas Causas, que alli correm Sentenças extravagantes, e muitas vezes irrisorias: então o recurso, que existe ás Partes, he appellarem para o Ouvidor Geral, unico Juiz Letrado que ha na Provincia: e este decidindo-se ou por empenhos, ou por seus desejos, e arbitrios, sem se embaraçar com as Leis, com a Justiça, ou com a razão, sentencêa como bem lhe apraz! E porque procede de uma tal maneira? Porque está bem

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