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N.º 14. Sessão em 18 de Janeiro 1849.

Presidencia do Sr. Rebello Cabral.

Chamada — Presentes 55 Srs. Deputados.

Abertura — Á meia hora depois do meio dia.

Acta — Approvada.

Não houve correspondencia.

O Sr. Barão d'Ourem: — Sr. Presidente, o Carta de Lei de 28 de Junho de 1843, permittindo que os Quarteis Mestres dos Corpos podessem passar ás fileira, produziu a falta de um Official em cada Corpo, para ser empregado neste ramo, e encarregado do serviço de Quartel Mestre Por isso tenho a honra de apresentar o seguinte Projecto de Lei. (Leu, e delle se dará conta quando tiver segunda leitura.)

O Sr. Presidente: — O Sr. Corrêa Caldeira acaba de participar, que não póde vir á Sessão de hontem, nem póde vir á de hoje, nem talvez a mais algumas por incommodo de saude. Em consequencia desta participação, a Commissão de Resposta ao Discurso da Corôa, vendo que não podia estar sem Relator, reuniu-se, e nomeou o Sr. Rebello da Silva para Relator interino.

Tambem devo communicar á Camara, que o Sr. Ministro da Fazenda, durante a Sessão de hontem, fez constar na Mesa que, continuando o seu incommodo de saude, não podia comparecer á dicta Sessão, nem talvez á de hoje e a mais algumas; mas que logo que podesse, o faria.

O Sr. Ferreira Pontes: — Sr. Presidente, quando na Sessão passada se discutiu a Lei da despeza do Estado, propuz que se designarem as verbas, que ha de receber cada um dos Conventos das Religiosas do Reino, em attenção ao seu numero e rendimentos que tivessem, e não podendo ser combalida a minha Proposta, porque era fundada em principios de humanidade, e de justiça, disse-se que não era preciso irem designadas essas verbas, porque se comprehendiam na verba geral da despeza das Classes inactivas, e que o Governo havia de attender a estas infelizes; desejo pois saber o que o Governo tem feito a este respeito, para, se for preciso, renovar a mesma Proposta. E como o Governo deve estar agora a preparar o Orçamento que tem de apresentar á Camara para o anno futuro, julgo tambem conveniente chamar a sua attenção para este objecto, e para lhe pedir que essas verbas occupem ahi logar especial, a fim de que não aconteça como nos demais annos, em que não teem rendimentos para as despezas do costeamento dos edificios, e para se fazerem as principaes funcções, como a dos Padroeiros; e tanto mais que são credores ao Estado de grandes sommas, e não teem recebido cousa alguma, cumpre lhes sejam subministradas regularmente e sem dependencia do arbitrio do Governo aquellas verbas. Mando para a Mesa o seguinte Requerimento, para que peço a urgencia.

Requerimento. — «Requeiro se peça ao Governo pela Repartição competente:

1.º A verba designada para as prestações dos Conventos das Religiosas do Reino.

2.º As prestações que effectivamente tiverem sido pagas a cada um dos Conventos desde o principio do corrente anno economico até agora.» — Ferreira Pontes.

Julgado urgente foi logo approvado. Igualmente mandou para a Mesa o seguinte Requerimento. — «Renovando o Requerimento que fiz, approvado por esta Camara, requeiro se peça ao Governo uma relação por onde conste:

1.º Os Monsenhores, Conegos, Beneficiados da Patriarchal, e da antiga Basilica de Santa Maria, que ficaram fóra do novo Quadro da Sé de Lisboa, e que não estiverem providos em Beneficio Ecclesiastico.

2.º A Congrua ou rendimento que cada um recebia.

3.º As prestações com que tiverem sido soccorridos.» — Ferreira Pontes.

O Sr. Presidente: — Como é renovação de um Requerimento já approvado pela Camara, escusa de novamente ser submettido á approvação, e a Mesa mandará renovar o pedido.

O Sr. Assis de Carvalho: — Sr. Presidente, a 5.ª disposição addicional do Regimento diz o seguinte (Leu) Segundo esta disposição mandei hontem ao Sr. Primeiro Secretario uma rectificação ao Extracto d'um meu Discurso, pedindo-lhe que a mandasse publicar no Diario do Governo: respondeu-se-me da Meza, que se não podia publicar porque se fazia despeza, e era muito extensa. Em consequencia pois, peço a V Ex.ª, que consulte a Camara, se á vista desta disposição, a minha rectificação póde ser transcripta no Diario do Governo. Como sei, que ha de haver observações da parte de V. Ex.ª, peço desde já a palavra.

O Sr. Presidente: — Tenho a observar ao Sr. Deputado, que os papeis, que me mostrou o Sr. Secretario Lacerda, me pareceram, não uma rectificação, mas um Discurso, e por isso respondi na conformidade que o Sr. Deputado acaba de expor; devendo accrescentar, que além do máo precedente, que trazem estas publicações, porque, concedendo-se a um, se devem conceder a todos, tenho a notar, que esta Camara tinha votado uma verba para as suas despezas, e que nem a Meza póde nem a Camara deve querer augmentar essas despezas, nem distrair aquella verba para outras cousas; e resolvendo-se que os Discursos dos Srs. Deputados possam ser impressos no Diario do Governo, deve tomar-se outra resolução, que é acabar com o Diario da Camara. Aqui está a informação simples, sem prevenção alguma, porque a não ha.

No entanto consulto a Camara sobre o Requerimento do Sr. Assis de Carvalho.

O Sr. Assis de Carvalho: — V. Ex.ª sabe mais do que sufficientemente a Lingua Latina e Portugueza, para bem conhecer que quando a disposição do Regimento falla em rectificar — palavra composta do verbo facio, facis e de recte — um Discurso, quer dizer que se empregue um Discurso ou um Extracto verdadeiro pelo outro que o não é. Ora o que eu mandei para a Meza para ser publicado, não é talvez a terça parte do Discurso que eu aqui proferi, e o qual traduzido das Notas Tachygraficas já tenho

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Na mão para rever e corrigir, e se póde comparar. Eu pertendia esta rectificação, porque no Extracto que -vem no Diario do Governo, diz-se, entre outra cousas do mesmo jaez, que eu dissera — que os Srs. Ministros tinham qualidades que os tornavam aptos para -gerir a Administração Publica. — Eu tal não disse, e por modo nenhum quero se me impute aquillo que não proferi. Porém para provar a rasão da minha instancia, direi a V. Ex.ª que fiz esses apontamentos, (e são os que mandei para a Meza) por me terem sido pedidos para o Extracto da Sessão, que os apromptei e mandei a horas, e que no dia seguinte vi no mesmo Extracto uma cousa differente do que está nesses papeis.

Em conformidade pois desta disposição do Regimento mandei-os á Meza, porque realmente não occupavam talvez meia columna do Diario; V. Ex.ª teve a bondade de dizer-me o que já acabei de referir — Que fazia despeza, e que parecia um Discurso — mas por certo que o artigo addicional não dispõe cousa alguma a respeito da extensão da rectificação, diz» — Serão rectificado os Discursos que foram mal descriptos — e não diz — Não serão rectificados os que forem longos. — E ainda que eu tinha meios para fazer publicar o de que se tracta nesses jornaes, porque já se -me offereceram para isso, com tudo não pertendo senão que sejam publicados pela disposição do Regimento.

O Sr. Presidente — Este objecto realmente não é para argumentação, porque não só pelo que está escripto; mas segundo todos os precedentes a rectificação não importa um Discurso completo, mas o restabelecimento verdadeiro da parte desse Discurso que foi alterada. Porque não manda o Sr. Deputado a rectificação áparte do Extracto feito no Diario, que ha pouco stygmatisou! A Meza pois torna a dizer, que não quer tomar sobre si um similhante encargo, porque adoptado o precedente para um ha de adoptar-se para todos os Srs. Deputados. A Meza pede mesmo á Camara que nomeie uma Commissão para tractar deste objecto; mas outra vez noto, que a Camara votou uma verba para as despezas, e que estabelecido o precedente, como disse, deve acabar-se o Diario da Camara, admittindo-se no Diario do Governo o Discurso de cada um dos Srs. Deputados. E será isto conveniente e possivel?

O Sr. Vaz Preto: — (Sobre a Ordem) Sr. Presidente, eu já declaro, que se se restringir unicamente á rectificação, digo que sim; mas se e Discurso inteiro, digo que não.

O Sr. Presidente: — Em uma palavra, convido o Sr. Deputado a mandar a sua — rectificação — para a Mesa, para, depois da resolução da Camara, se mandar inserir.

O Sr. Assis de Carvalho: — A minha rectificação não a tenho em meu podér, e até mandei suspender a sua publicação n'um Jornal que a quiz publicar. Hontem á noite pedi o favor a um dos individuos que teem parte na redacção desse Jornal, que não publicasse essa rectificação até a Camara decidir; por consequencia não a posso mandar para a Mesa, porque a não tenho em meu poder, nem me parece que rectificações sejam cousas que se leiam aqui na camara. Rectificar um Discurso é substituir um Discurso por outro, e o Regimento diz Discurso, e não Extracto; portanto dando o Regimento direito a qualquer Deputado de rectificar um Discurso, e pedindo eu a rectificação de um Extracto, ainda peço menos alguma cousa do que concedo o Regimento.

O Sr. Presidente: — Bem; não tem a palavra senão para isso que a Mesa perguntou; a discussão não continua. Vou propôr á Camara se consente que se imprima n® Diario do Governo a rectificação do Sr. Assis de Carvalho, e quaesquer que forem mandadas por outros Srs. Deputados: mas eu desde já digo, que a Mesa não toma sobre si o examinar se são rectificações ou Discursos, porque não tem tempo para isso.

Approvou-se que a rectificação se imprimisse no Diario do Governo.

O Sr. Cunha Sotto-Maior: — Sr. Presidente, eu tive hontem á noite -noticia de um facto horroroso, e que demanda explicações urgentissimas: nesta conformidade mando para a Mesa o seguinte

Requerimento. — «Requeiro que V. Ex.ª consulte a Camara, se me concede a palavra antes de se entrar na Ordem do Dia, para interpellar o Sr. Ministro da Guerra, sobre dois assassinatos commettidos em poucos dias pela força publica militar.» — A. da Cunha Sotto-Maior.

O Sr. Presidente. — Eu primeiro consulto a Camara -sôbre se considera urgente este Requerimento.

Resolveu-se que era urgente.

(Continuando.) Agora devo propôr á Camara se dispensa o Regimento a fim de ter logar já a interpellação, mas antes disso é necessario que o Sr. Ministro da Guerra declare, se está ou não habilitado para responder....

O Sr. Ministro da Guerra: — Depois de ouvir lêr.

O Requerimento, se puder responder, responderei se a Camara me der licença.

O Sr. Presidente: — É uma nota para Interpellação; vai lêr-se. (Leu)

O Sr. Cunha Sotto-Maior: — Ainda não declarei o objecto....

O Sr. Presidente: — Já declarou, porque diz — dois assassinatos. O Sr. Ministro dirá se sim ou não está habilitado para responder.

O Sr. Ministro da Guerra: — Sim, Senhor.

Foi logo dispensado o Regimento para que a Interpellação tivesse logar desde já.

O Sr. Cunha Sotto-Maior: — Sr. Presidente, a minha posição nesta Camara é bem desgraçada; ainda não pedi aqui a palavra senão, ou para condemnar injustiças, ou para revelar crueldades...

Foi preso um Proprietario do Sobralinho, chamado José Antonio Pereira: o homem foi mettido na cadêa de Torres Vedras; o quando entrou disseram-lhe a Desta você não escapa m: o que prova que o seu assassinato estava premeditado. Invocou-se o pretexto de remover este preso da cadêa de Torres Vedras para a cadêa de Obidos, e a esse fim foi uma escolta de treze soldados. Vá a Camara notando estas circumstancias todas, listes treze soldados foram á cadêa de Torres Vidra, tiraram o preso, puzeram-lhe anginhos, e como ía tambem outro preso, amarraram-lhes os braço, e jungiram um ao outro..... (O Sr. Corrêa Leal: — Jungiram!...) Uniram, se não querem que seja jungir; não faço questão de palavras; o facto é muito importante para estarmos a fazer questão de palavras. (Apoiados) Os dois presos vão unidos ou jungidos (como quizerem) e á saída da Villa, a escolta tomou por um caminho que não era o que conduzia a Obidos. José Antonio Pe-

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reira que era daquella localidade, e conhecia muito bem o terreno, notou a escolla que não era aquelle o caminho, a escolta disse — Ande;. — andaram, — introduziram-se no mais sombrio de um pinhal, e metteram seis balas no corpo a um, e sete no corpo a outro, cairam ambos mortos! (Sensação) A escolta voltou para Torres Vedras, isto aconteceu ha cinco dias; os cadaveres ficaram estendidos no pinhal, e não se deu providencia nenhuma absolutamente! Eu não quero aqui accusar o Exercito Portuguez por este facto, (Apoiados) mas o que é verdade é, que, poucos dias antes, outra escolta tinha assassinado dois presos que ella removia da cadêa de Pernes; e se acaso o Sr. Ministro da Justiça não deixasse passear impunemente pela Vidigueira os assassinos do Padre Anacleto; se S. Ex.ª não deixasse passear impunemente pela Guarda os assassinos do Padre Bitorres, em vez de se mostrar tão activo para punir um assassinato, que se disse acontecido n'um bote da carreira do Poço do Bispo, de um homem que no outro dia passeava pacificamente pelo Chiado; se a impunidade não existisse, factos desta qualidade não Se repetiriam

Eu espero que o Si Ministro da Guerra, e o Sr. Ministro da Justiça tractem quanto antes de dar uma satisfação publica a Nação; porque, Sr. Presidente, é impossivel que haja ordem n'um Paiz, que haja liberdade, que haja Governo, onde uma escolta de treze soldados pega em dois presos, e assassina-os n'um pinhal, tendo antecedentemente outra escolla assassinado outros dois presos que removia da cadêa de Pernes, ficando estes factos impune, porque os soldados passeiam, e o Sr. Ministro da Guerra não da providencias nenhumas!....

Sr. Presidente, isto não e uma asserção vaga e gratuita, é um facto: — os homens removeram se da cadêa, a escolta assassinou-os!... Estimarei que o Sr. Ministro da Guerra diga se sabe deste facto, que naturalmente deve saber, porque sendo eu simples Deputado sei delle, e admira-me muito que S. Ex.ª o soubesse, e não tenha dado providencias A Camara e o Publico esperam que S. Ex.ª dê quinto antes providencias terminantissimas, isto e, que os assassinos não fiquem impunes (Apoiados)

O Sr. Ministro da Guerra — Sr. Presidente, antes de ouvir o Sr. Deputado eu não sabia, se poderia respondei, agora posso dizer a V. Ex.ª e a Camara, que não me julgo ainda habilitado para responder, porque não tenho conhecimento algum official do facto. Tambem peço á Camara que não se impressione pelo facto que o Sr. Deputado mencionou, em ter delle conhecimento officialmente: o illustre Deputado parece não só dar já como certo o facto... (O Sr. Cunha Sotto-Maior: — Dou-o torno certo.) mas assenta que o Ministro da Guerra tem culpa de quaesquer crimes que perpetrarem, e de que ainda não tem conhecimento! Peço a V. Ex.ª e a Camara que não se impressionem antes de ouvir as Explicações officiaes.

O Sr. Cunha Sotto-Maior: — Peço a palavra para uma Explicação

O Sr. Presidente. — Agora não ha Explicações...

O Sr. Barão d'Ourem — Posso ter a palavra para explicar alguns daquelles factos?

O Sr. Ministro da Justiça — Eu tambem peço a palavra..

O Sr. Presidente — Não posso dar a palavra senão nos termos do Regimento.

O Sr. Ministro da Justiça: — Mas eu fui in volvido na Interpellação.

O Sr. Presidente: — O Sr. Cunha teria segunda vez a palavra para fallar sobre a Interpellação, se o Sr. Ministro da Guerra respondesse já; mas S. Ex.ª declarou que não podia responder; por consequencia tem de se esperar que S. Ex.ª declare que está habilitado para responder... (O Sr. Cunha Sotto-Maior: — Mas eu peço a palavra para uma Explicação pessoal). O Regimento não permitte Explicações pessoaes. Peço aos Srs. Ministro da Justiça, e Barão d'Ourèm que reservem a palavra para occasião opportuna, isto é, para quando o Sr. Ministro da Guerra declare que está habilitado para responder, e com permissão da Camara. Agora se S. Ex.ª o Sr. Ministro da Justiça toma sobre si a Interpellação, e se está habilitado para responder, póde a Interpellação ser directamente feita a S. Ex.ª... (O Sr. Ministro da Justiça: — E só para responder na parte em que me foi relativa). Ah! isso não. Fica por tanto este objecto adiado para quando o Sr. Ministro da Guerra estiver habilitado para responder.

O Sr. Gorjão Henriques — Sr. Presidente, depois dos ouvidos dos Srs. Deputados estarem ainda feridos com a exposição de factos de tanta transcendencia, julgára alguem ocioso o objecto de que vou fallar, mas eu julgo o de muitissima consideração, e por isso, por um ou dois minutos, se tanto, occuparei a attenção da Camara.

Tem-se suscitado nesta Casa differentes questões, que foram resolvidas pela leitura do Regimento. Eu muito estimo em realidade que assim tenha acontecido, e que os Srs. Deputados tacitamente hajam approvado as disposições do Regimento, a que se tem soccorrido o Sr. Presidente, mas parece-me que, se os Srs. Deputados quizessem duvidar da legalidade dessas decisões fundadas no Regimento, tinham bastante motivo para isso. O Regimento tanto o de 1837 como o de 1837, e disposições addicionaes, tem todas as Sessões recebido a sancção da Camara, a Camara tem se imposto essa Lei por uma votação sua, e a continuação da observancia do Regimento tem sido sempre sujeita a approvação da Camara, é o que ainda não aconteceu na presente Legislatura. Por tanto para tirar as nossas decisões toda a sombra de falta de legalidade, eu mando para a Mesa este Requerimento, identico aos que»e tem feito nas Sessões antecedentes, e peço a urgencia

Requerimento — Requeiro que na Eleição das Commissões, e no mais, que fôr ommisso no Regimento Interno de 23 de Janeiro de 18º27, seja adoptado provisoriamente o Regimento Interno do 1.º de Fevereiro de 1837, mutatis mutandis, e salvas as alterações, em tudo o mais, que a experiencia tem mostrado necessarias, e a Camara julgar convenientes, segundo as occorrencias >.» — Gorjão Henriques.

O Sr. Presidente: — Como a Camara não quererá que se faça nada inutilmente, antes de lhe sujeitar a Proposta, devo informal-a do estado da questão. De certo seria para agradecer ao Sr. Deputado a sua Proposta senão estivesse já feita, mas está feita, e feita pela Mesa, com relação a toda a Legislatura, em Sessão de 26 de Janeiro do anno passado, renovando-se o Requerimento do Sr. Pereira dos Reis

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feito na Sessão Preparatoria nos proprios termos de um Requerimento, que antigamente eu costumava fazer, e que seguiu agora o Sr. Deputado Gorjão Henriques. Eu leio á Camara o que está resolvido para vêr se sim ou não temos Regimento (Leu). Por consequencia temos Regimento, e não é preciso renovar-se esta resolução em todas as Sessões annuaes; isto serve durante a Legislatura, e não era possivel que a Mesa e os Srs. Deputados estivessem a funccionar sem saberem a Lei, porque se regulavam. Vai lêr-se a Proposta, e depois desta informação a Camara decidirá se sim ou não deve seguir os termos.

O Sr. Gorjao Henriques: — Peço a palavra.

O Sr. Presidente: — Agora nada mais ha do que propôr á Camara se admitte a Proposta á discussão.

Não foi admittida por unanimidade.

O Sr. Fontes Pereira de Mello: — Pedi a palavra simplesmente para mandar para a Mesa estes dois Requerimentos, rogando a V. Ex.ª que consulte a Camara sobre se os considera urgentes.

1. Requerimento. — «Requeiro que pela Secretaria de Estado dos Negocios da Guerra se remetta com urgencia a esta Camara uma Cópia da Representação que dirigiu por aquelle Ministerio o Director do Collegio Militar, por occasião de se determinar a mudança do referido Collegio Militar.» — Fontes Pereira de Mello.

2.º Requerimento. — «Requeiro que pela Secretaria de Estado dos Negocios da Guerra se informe esta Camara com urgencia de qual é a prestação mensal, que se manda abonar por aquelle Ministerio para o Arsenal do Exercito.» — Fontes Pereira de Mello.

Foram successivamente julgados urgentes, e assim mesmo approvados.

Segunda, leitura.

Requerimento. — «Requeiro que se peça com urgencia ao Governo, pela Repartição dos Negocios do Reino, todos os documentos originaes ou por Cópia do exame ou trabalhos a que tiver procedido para o encanamento do Rio Lima.» — Passos Pimentel.

O Sr. Presidente: — Quando o Sr. Deputado apresentou este Requerimento, pediu que se julgasse urgente; mas advertido por parte da Mesa de que já em Sessão do anno passado se tinha feito um Requerimento identico a este, o Sr. Deputado annuiu a que ficasse para Segunda Leitura, a fim de que a Mesa podesse informar a Camara se sim ou não tinham já vindo estas informações. Effectivamente a Mesa verificou isso, e achou que, em Sessão de 6 de Abril foi approvado um dos Srs. Deputados Corrêa Caldeira, e Pereira dos Reis, no qual pediam, que pelo Ministerio do Reino fossem remettidas quaesquer Representações das Camaras Municipaes dos Concelhos de Ponte de Lima e da Barca sobre a necessidade de prover ao encanamento do Rio Lima, tornando-o navegavel desde a sua Foz até ao segundo dos ditos Concelhos; e outro sim, a respeito do desaguamento da Lagoa de S. Pedro, no Concelho de Ponte de Lima. O Ministerio do Reino satisfez já por Officio de 2 de Maio de 1848, enviando por Cópia, as Representações das sobreditas duas Camaras, relativas ao encanamento do Rio Lima, e informando não podér satisfazer á parte respectiva ao esgotamento da

Lagoa, por não existir naquella Repartição Representação alguma a esse respeito. Por consequencia os desejos do Sr. Deputado já estão prevenidos quanto ao Rio Lima; e senão faz mais extensivo o seu Requerimento, está já satisfeito.

O Sr. Passos Pimentel: — Sr. Presidente, os meus desejos estão satisfeitos. Eu requeri todos os documentos, que houvessem sobre o encanamento do rio Lima; o Governo satisfez com aquillo que tinha ao seu dispor. Agora vejo que não ha trabalhos, não ha documentos, nem informações sobre este objecto; e aquelle Povo, que tanto suspira pelo encanamento do rio Lima, está na expectativa de que esta Camara o felicite com uma obra tão util para o Paiz. (Apoiados.)

Ora como vejo que o Governo não tem encetado obra nenhuma a este respeito, eu como Deputado, e filho daquella Provincia (do que tenho muita honra) tractarei de apresentar com muita coragem, porque estou certo, que a Camara ha de decidir favoravelmente, um Projecto, ou um Plano, para mostrar os desejos que tenho de que aquelle rio se torne navegavel. Talvez em pequena distancia, na distancia de duas legoas, ou duas legoas e meia, elle possa vir trazer a fortuna, e a felicidade á Villa da Barca, e á dos Arcos. Tenho muita gloria em apresentar, por esta occasião, esta coragem, pelo desejo que tenho de ser util áquelle Povo; porém esta coragem é devida á estima, e respeito que tenho á Camara, porque sabe avaliar estas obras, e muitas outras de que o Paiz carece, e não nos meus talentos.

O Sr. Presidente: — Em resultado o Sr. Deputado retira o seu Requerimento: não é preciso consultar a Camara. — Vai passar-se á

Ordem do dia.

Continua a discussão do Projecto de Resposta ao Discurso da Corôa.

O Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros: — Sr. Presidente, tenho visto com muita satisfação, que esta Camara tem approvado todos os Requerimentos, que teem sido feitos por muitos dos seus Membros, para informações das diversas Secretarias do Estado. Não ha nada mais justo do que assenhorear-se o Parlamento de todos aquelles documentos, por onde possa avaliar o Governo por aquillo que tem feito, e pelo que intenta fazer: não ha duvida, porém, que muitos destes esclarecimentos se deveriam esperar nos Relatorios dos diversos Ministerios; e não ha duvida que nesses Relatorios se trabalha com toda a efficacia. Toquei neste ponto, porque já se tem feito accusações ao Ministerio, de que é remisso nas remessas destes papeis. V. Ex.ª e a Camara sabe, que documentos pedidos ás Secretarias não podem deixar de ser apresentados com toda a legalidade. Citarei, por exemplo, um documento, que aqui se pediu, sobre Letras sacadas das nossas Provincias Ultramarinas, e de cuja tardança o Governo foi arguido: este Requerimento foi muito justo, e a Secretaria, por immediata ordem minha, deu-se pressa a cumpri-lo; mas este negocio pertence tambem á Contadoria, e papeis de similhante natureza não podem dalli sair sem um exame muito circumspecto, por quanto os Empregados, que teem de os fornecer, são responsaveis pela veracidade delles. Creio podér affirmar,

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que da parte das Secretarias dos differentes Ministerios não tem havido desejo de demorar os documentos á Camara; e tambem creio, por outro lado, que me será permittido dizer, que tem havido talvez anciedade de mais no pedido destes documentos; porque no Discurso da Corôa se promette solemnemente apresentar, com os Relatorios dos Ministros, tudo aquillo que possa concorrer para elucidar os Srs. Deputados. Dada esta explicação, terei de occupar-me de um Discurso, que hontem se pronunciou nesta Camara.

Sr. Presidente, o dever do Cargo que exerço, obriga-me a responder ás censuras, que se fizeram ao Ministerio naquella Repartição a que presido. Parece-me que poderei dar todas as explicações, que se desejam. Entretanto censuraram-se outras Repartições; censurou-se principalmente uma, muito forte, e acremente, a da Fazenda; cujo Ministro, por grave molestia, não tem podido assistir ás Sessões do Parlamento: e eu como Collega, como Amigo deste Cavalheiro, não posso deixar de tornar a mim o fazer algumas breves reflexões sobre os immerecidos ataques, que lhe foram dirigidos. Nada ditei, entretanto pelo que respeita á grave accusação das Tabellas Judiciaes, nem pelo que respeita a negocios de carvão, e outros desta natureza, porque confio que os meus Collegas hão de apresentar á Camara os motivos mais solidos, e mais acceitaveis, que a respeito delles dirigiram a sua conducta.

Sr. Presidente, o ataque feito á Repartição da Fazenda, principiou por ommissões, e acabou por factos. As omissões foram, por exemplo, de que o Governo se tinha compromettido a fazer a reforma das Alfandegas, e que ainda a não tinha feito — grave accusação sem duvida; — mas o illustre Deputado devia saber, porque não lhe era muito difficil, que se tem trabalhado efficazmente neste complicado negocio, e que elle se acha entregue desde o encerramento da Camara a pessoas habeis, e muito conhecedoras da materia; devia tambem saber, que uma reforma das Alfandegas não é um improviso, e que em tres, ou quatro mezes de intervallo entre uma Sessão, e outra, não cabe nas fôrças humanas fazer apparecer grandes trabalhos. Estou entretanto persuadido, que a Camara ficará satisfeita, quando souber, que deste negocio se tracta efficazmente; quando souber, que conjunctamente com elle se tem trabalhado no aperfeiçoamento das Pautas, e quando souber (desde já o declaro, porque sobre este tópico de Pautas procura-se comprometter o Ministerio; tem-se procurado tornar odioso o Ministerio a uma Classe muito respeitavel, qual a dos fabricantes) quando souber, digo, que estes trabalhos se dirigem com escrupulosa attenção, tendo em vista todos os interesses creados, o interesse do Paiz, e de todas as industrias. (Apoiados)

Então, aberta hoje a Camara para que é hoje mesmo arguir o Ministerio daquillo que ainda se não sabe, se elle fez ou não? Mas sem sair do ramo da Fazenda, artigo omissões, com que justiça, perguntaria eu, se póde aqui dizer, que se tem despresado a arrecadação, e a fiscalisação? Não estão ahi os Diarios do Governo contendo providencias sobre providencias nestes dois ramos, dadas pelo illustre Ministro da Fazenda? Não estão ahi provas, de que elle é imparcial na fiscalisação e arrecadação da Fazenda? Não estão ahi essas longas Listas de Devedores em atraso, sem contemplação alguma á sua qualidade ou graduação, nem côr Politica a que pertencem. Quando assim se procede, deseja-se estabelecer a fiscalisação, procura-se cobrar o que se deve: (Apoiados) e permitta-se-me dizer que não é isso materia tão facil, em um tempo, em que quasi directamente se aconselha o Povo anão pagar os tributos; em um tempo em que se procura desmoralisar a Nação. (Apoiados)

Quem está certo na historia das Propostas de Lei, que sobre cobranças tem trazido a esta Camara, não poderá deixar de convir comigo, que não tem havido muita anciedade em satisfazer ás necessidades da administração neste ponto essencial. Em outro tempo havia medidas coercitivas, medidas severas para obrigar o devedor em falta. Parece que a Nação, tendo aliás todo o crime pelos seus direitos e foros, tinha consentido em ser compellida a pagar os impostos de uma maneira mais aspera, diria mesmo de um maneira violenta; tinha consentido, nesta parte, ceder destes foros e direitos, porque entendia que o Serviço Publico se devia fazer; porque a Nação era instruida bastante para saber que sem pagar as despezas publicas, sem pagar ao Exerci to e Marinha, sem pagar a quem havia de administrar-lhe justiça, não era possivel ser Nação. Agora idéas filantropicas têem dado um valor diverso a estas medidas importantes: e então no meio destas necessidades immensas, depois de uma Guerra Civil, e transtornos porque passou este Paiz, ninguem poderá dizer que o meu Amigo e Collega, o Sr. Ministro da Fazenda (que vejo agora felizmente restabelecido), não tenha feito quanto está da sua parte para cobrar, e para fiscalisar.

Muitas outras providencias se carecem para melhorar o systema da administração da Fazenda, e ninguem o conhece melhor, porque o conhece e o sente, do que o actual Ministro da Fazenda, o qual nos diz, em um Relatorio parcial que os dias passados apresentou nesta Camara, que havendo-lhe sido votados 2:250 contos em tres semestres de decima, estavamos no setimo mez do anno economico, e podia declarar (e não o declararia senão o podesse provar) que destes 2:250 contos apenas tem recebido 400 contos.

E se se considera, que destes 400 contos um parte fôra applicada para pagar á Junta do Credito por conta do alcance atrasado, não menos servirá este quadro, bem atterrador, para ao mesmo tempo demonstrar a necessidade de medidas legislativas, e dar a razão mais cabal, que possa apresentar se, do actual atraso dos pagamentos.

Disse-se, e asseverou-se (mas não largarei ainda este campo das omissões), arguiu-se até o Governo de omisso por ter nomeado uma Commissão que devia desenvolver a Lei das Collegiadas; esta censura é inteiramente nova! E tambem por demazia de auctoridade se arguiu, porque o Governo havia adjudicado as Minas de Carvão de Pedia, de S. Pedro da Cova, quando havia sujeitado este negocio á decisão do Parlamento, como se não fosse bem sabido que era chegado o praso da Lei, em que daquellas Minas se devia dispor. Não direi eu que a questão fosse muito simples; seguramente por mezes successivos teve o Governo de considerar a materia; por vezes pessoas da maior competencia foram chamadas á Secretaria do Reino; Commissões creadas; ouvidos os Procuradores da Corôa e Fazenda; e depois

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de tudo isto, que é o que resolveu o Governo para que não faltasse ao Publico o fornecimento do Carvão de Pedra, cuja paragem podia ter tristes resultados? Mandou que a posse das Minas continuasse nos mesmos possuidores, mas por isso não prejudicaria de modo algum as medidas que estavam no Parlamento, porque era só elle a legitima auctoridade que podia decidir a questão. Pois um procedimento destes póde-se accusar? Creio que não. (Apoiados) Mas accusou-se, e não só se accusou, mas affirmou-se, que era uma completa decepção e impostura a clausula de reservar a decisão para o Parlamento!... Novo methodo este de argumentar; trazer as cousas ao Parlamento é objecto de censura! Quando no principio desta Legislatura te tremia a um certo aceno, então seria uma impostura. Mas isso durou pouco, e felizmente os Srs. Deputados emanciparam-se dessa tutella; (Apoiados) e eu não creio que retrocedam hoje do seu pôsto de dignidade, seja qual foi o Ministerio ou a influencia que aqui se apresente. (Apoiados) A Camara é independente; (Apoiados) as medidas aqui trazidas e tractadas hão de ser nesta Camara resolvidas com toda a liberdade. (Apoiados)

Tambem no capitulo das ommissões se comprehendeu a do Ministerio não fazer menção, no Discurso da Corôa, da Lei Eleitoral, pretendendo mostrar-se um grande desejo porque esta Lei se fizesse quanto antes. De outras Leis bem importantes teria o Governo de fazer menção; não direi que fossem mais importantes do que é esta, mas o Governo de proposito as não especificou porque não queria, não podia, nem devia, impôr á Camara a obrigação de tractar de uma Lei antes de outra, quando mal podia entender que uma fosse mais urgente que outra; que a Lei das Entradas devesse preferir á Lei Eleitoral, ou vice-versa.

Ou a Lei Eleitoral nos traga o desiderandum de não haver mais soborno nas eleições, da eleição não ser senão a verdadeira expressão da vontade do Paiz, ou a significação de voto universal, ou não traga nada disto, o que é certo é que estamos sem Lei Eleitoral; (Apoiados) que é uma vergonha para nós que nos regemos constitucionalmente ha vinte e dous annos o não termos ainda uma Lei de eleições. (Apoiados geraes) O Governo apresentou na Sessão passada um Projecto de Lei Eleitoral, elaborado por pessoas de muito respeito; tem de o sustentar neste Parlamento; e não se arrepende do que fez, apezar da crua guerra que lhe tem sido movida, allegando-se que para o apresentar se infringiu um artigo da Carta Constitucional.

Depois que a Maioria solemnemente declarou a sua opinião, creio que a ninguem é licito dizer aqui, que esta Maioria foi injusta. (apoiado, apoiado) Em caso de duvida, e digo caso de duvida, porque eram differentes as opiniões dos homens mais entendidos no Direito Publico Constitucional; digo em caso de duvida, e na época de então a Camara andou muitissimo bem; andou com muito acerto, com fino tacto Politico em se pronunciar por aquelle lado, que a Nação entendeu era o mais liberal, por aquelle lado que a opinião publica apresentava como mais proprio para se obter a representação da vontade nacional; em caso de duvida asseguro ainda hoje, que a Camara andou muitissimo bem, (Apoiado, apoiado) e parece-me que aquelles Srs. Deputados que haviam sustentado que o artigo da Regencia não era artigo constitucional, não eram os que tinham direito para vir sustentar que o art. 63 da Carla era constitucional. (Apoiados)

E disse-se aqui que eu viera dizer — Concedei, concedei, vivamos tres mezes. — Oh! Sr. Presidente, nesta questão não tive a honra de fallar, tive apenas de dar uma pequena explicação, ou um pequeno esclarecimento a um nobre Deputado que me está ouvindo, a Camara dará testimunho de que não entrei na discussão. (Apoiado. Vozes: — É verdade, não entrou) Eu disse diante de muitas testimunhas, e lastimo que os nobres Deputados, que fazem guerra ao Governo, tenham tão pouco tacto para trazer á discussão as cousas que fazem mais honra áquelle» que combalem; eu disse, e não se tractava então de concepções, disse em uma reunião particular, onde estavam sessenta ou setenta Srs. Deputados, e por isso o posso repelir com segurança; disse eu, nessa época calamitosa, em que todos os dias nos chegavam noticias do progresso, com que ía lavrando na Europa a revolução de Fevereiro — Que era absolutamente necessario que nos sustentassemos por tres mezes com a mais decidida firmeza, e na mais estreita união e harmonia; que oppozessemos assim uma forte barreira a invasão das idéas perniciosissimas, que com tanta violencia ganhavam terreno; que evitassemos a propaganda nesses tres mezes, e estariamos salvos; porque essas Nações revolucionadas não tardariam a dar-nos, nas commoções por que haviam de passar, os documentos mais fortes para nos fazer apreciar devidamente a liberdade regrada, que desfructâmos. — Eis o que eu disse, eis um calculo em que me parece não errei; neste ponto ainda me parece que tive razão. E agora digo mais, lenhamos cuidado, porque o problema Europeo resta ainda para resolver. (Muitos apoiados) E lastimo que se censure o Governo por ter vinte e dous mil homens em armas, quando a Europa está talvez na vespera de uma guerra, (Apoiados) quando se não sabe quaes são os principios, quaes são as tendencias do Homem que foi presidir aos destinos da primeira Nação da Europa. (Apoiados) Não vemos nós as fôrças da Prussia marchar sobre o Rheno? (Apoiados) Não vemos o que se passa na Italia?... Não temos nós conhecimento das precauções que se estão tomando em varios pontos? (Apoiados) Não sabemos nós que a Inglaterra está exercitando a sua marinha, e que a apresenta em toda a parte?... Será esta a occasião de dormirmos?... Será esta a occasião de prescindir de uma força bem definida; uma força bem exercitada e disciplinada, e que, sem ser desproporcionada com os nossos meios, possa com tudo ser de algum respeito? (Apoiado, muito bem)

Sr. Presidente, se o nobre Deputado a que me refilo, não foi muito feliz no capitulo das ommissões, parece-me que no dos factos não terá muito de que se gloriar; a mesma infelicidade que o acompanhou n'um caso, o segue no outro. — Principiou o nobre Deputado por declarar que o Governo tinha deduzido 35 por cento aos credores Portuguezes da Junta do Credito Publico, em logar de 25 por cento que a Lei determinava, e disse que nestes 35 por cento foram desequiparados os credores nacionaes dos credores estrangeiros; que os credores nacionaes ficaram sobre-carregados em mais 10 por cento. Mas, o que é certo, é que o Governo andou neste negocio com a me-

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lhor boa fé. O Governo convidou o proprio Relator do Parecer da Commissão de Fazenda. (O Sr. Presidente do Conselho: — É verdade.) O proprio Redactor do Parecer da Commissão de Fazenda apresentou as razões mais concludentes para se fazer aquella deducção. Pois não estava já calculada a decima no Orçamento da despeza da Junta do Credito Publico? Não foi sobre a somma dessas despezas comparada com a somma das receitas provaveis que se julgou necessario esse sacrificio temporario de 25 por cento? Não estava mesmo assim calculado nas Tabellas, que acompanharam o Parecer da illustre Commissão de Fazenda?...

Se é uma verdade o que acabo de expor, para que é vir aqui dizer-se, que o Governo roubou os credores do Estado!... (Apoiados.) Não e possivel sustentar-se uma asserção desta ordem (Apoiados.) Eu podia muito bem dispensar-me de entrar largamente neste negocio, porque o illustre Redactor do Parecer da Commissão de Fazenda, e o seu mais activo collaborador, o Sr. Visconde de Castellões, já hontem pediu a palavra, e de Certo ha de responder pela lealdade com que o Governo procedeu neste negocio. Pois ha alguma differença entre credores estrangeiros, e credores Portuguezes? Ficam os credores estrangeiros mais alliviados, quando ainda não havia passado um anno que elles haviam desistido voluntariamente, recebendo 4 por cento, daquillo que com o tempo lhes havia de ser pago a 5? Sr. Presidente, não se perca de vista que foi sobre esta proxima desistencia que ainda se lhes pediram 25 por cento: portanto não se poderá dizer que houvesse patronato para com o credor estrangeiro em prejuiso do credor Portuguez; oxalá que taes sacrificios não fossem precisos; nisto perde, é verdade, o credor inglez, e o credor Portuguez, mas quem perde mais profundamente é o credito publico; quem soffre pela perda do credito publico e a Nação inteira.

Com o negocio das Alfandegas trouxe-se a esta Camara um outro negocio que está dependente do Parecer de uma Commissão; fallou-se na arrematação das Sete Casas. Não me parece, Sr. Presidente, que apresentando aqui o Governo esse negocio, sendo elle remettido a uma Commissão, não tendo esta Commissão dado ainda o seu Parecer, estando o illustre Deputado que fallou sobre este ponto, desprovido de documentos officiaes, não me parece justo trazer aqui essa questão neste momento solemne da Resposta ao Discurso da Corôa; e para que fim, Sr. Presidente? Para provar que o Governo não havia administrado?.. Para provar que o Governo era dissipador? Para provar que o Governo não fomentava a receita publica, antes a queria destruir? Para se provar isto era necessario estar mais bem servido de documentos; nestes casos não se improvisa; e é por isso que muito sabiamente o Regimento manda, que negocios desta natureza sejam remettidos ás Commissões, e que não se tracte delles sem que estas Commissões dêem o seu Parecer. O Governo não tem hoje interesse algum em que passe esse Projecto; Projecto contra o qual resistiu sempre, o que sómente admittiu quando, á força de não poder realisar as receitas, se viu na necessidade, para que os pagamentos não fossem em mais progressivo atraso, de fazer um contracto. E porque não dizem os illustres Deputados que com este contracto estava ligado outro muito importante sobre as decimas; sobre decimas que não se tinham recebido; que os devedores não tinham pago apesar do grande favor de se lhes receberem em Notas do Banco de Lisboa; decimas que entravam no contracto na quantia de trezentos contos? Para se ser justo era necessario encarar a questão em todos os seus pontos de vista. Eu não defendo aqui similhante arrematação (Apoiados); não a defendo; (O Sr. Cunha Sotto-Maior: — Ouçam, ouçam) já teve um grande bem, porque uma Corporação muito respeitavel se offereceu ao Governo para fazer todos os seus esforços para o tirar da urgencia de recursos em que se achava (Apoiados.)

Sr. Presidente, quanto aos termos medios é necessario um pouco reflexionar sobre a maneira de os tirar; é necessario ver que esse rendimento tende, desde bastantes annos, para uma deficiencia; que este rendimento que estava em 1834 ou 1835 em 930 contos, tem vindo progressivamente até 713 contos (no anno de 1847 foi este o seu rendimento, fallo em numeros redondos, e não de 820 contos, como aqui disse o illustre Deputado, caindo no mesmo êrro em que cairam os Jornaes). (O Sr. Silva Cabral proferiu algumas palavras que não se perceberam.) Eu tive a paciencia de ouvir o illustre Deputado; espero que tambem a tenha comigo, pôsto que não receio estas interrupções; ellas podem fazer effeito a quem a frio no centro do Gabinete estuda as suas diatribes, mas eu que venho escudado com a verdade, verdade que posso firmar em documentos, não as receio, não podem atemorisar-me. (O Sr. Cunha Sotto-Maior: — Muito bem.) Disse alguem — «Não ha Lei que auctorise similhante arrematação; citaram-se Leis contra ella, e entre outras a Lei dos Meios que declarou que se continuariam a cobrar os tributos como se costumavam cobrar.» — A que proposito se citará a Lei de 1761 que prohibiu a arrematação das Alfandegas, quando todo o mundo sabe que as Sete Casas não eram naquelle tempo consideradas como uma Alfandega, quando todo o mundo sahe que depois daquella Lei repetidas arrematações se fizeram daquelle rendimento? Pois não estão aí os livros do Conselho da Fazenda, os livros dos termos accusando que antes da Lei de 1761, e depois de 1761 houve um sem numero de arrematações? Não estavam as Sete Casas arrematadas, quando aqui chegamos em 1833 com o Exercito do Senhor D. Pedro? Então para que se vem aqui citar Leis, que não teem applicação alguma neste caso? E das Sele Casas não tem sido sempre arrematado o ramo dos Talhos? Não é isto uma prova de que o Governo tinha sempre a faculdade de arrematar qualquer outro ramo? Nas differentes épocas em que diversas Administrações pozeram em praça estes rendimentos, levantou-se contra isto algum clamor? Ninguem dirá que sim; e não se arremataram por uma razão muito simples; porque a penuria do Thesouro ainda não tinha obrigado o Governo a lançar mão desse recurso, recurso aliás legal. Porem no estado em que as cousas estão, é claro que sómente toquei neste ponto para mostrar á Camara que o Governo não andou de leve, nem atacou os principios economicos como aqui se disse: os principios economicos!... É muito bom fallar nelles, mas é necessario saber applicados. Contra os principios economicos estaria o Contracto do Tabaco, mas eu queria saber se este tributo, que o Povo paga por aquelle monopolio, se cobrar pela acção ordinaria das Casas Fiscaes, poderá

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produzir nem a quarta parte do que produz? (Apoiados) Eu queria perguntar se o tributo que o Paiz paga no artigo sabão, fosse cobrado pelas vias ordinarias, se fosse deixado á acção ordinaria das Casas Fiscaes, renderia nem a decima parte do que rende? (Apoiados) Sr. Presidente, ha certos tributos na Sociedade, que, por serem excessivamente gravosos, não podem cobrar-se sem o auxilio de uma duplicada fiscaliçâo. Quando nos lembrarmos que uma pipa de vinho que póde custar ao muito 7$500 réis a uma ou duas leguas de distancia da Capital, paga por entrada bem perto de 15000 réis, quer dizer, 200 por cento, devemos comprehender que ha grande incentivo para o contrabando; (Muitos apoiados) devemos comprehender que é necessario uma fiscalisação muito vigilante, e interessada para se podér evitar o contrabando... (O Sr. Carlos Bento: — É reformar o tributo) Ora, Sr. Presidente, falla-se em reformar o tributo; (O Sr. Carlos Bento: — Apoiado) mas não se póde reformar o tributo quando as rendas publicas ficam tanto áquem das necessidades do Paiz. Essas idéas vieram ao Governo Provisorio Francez a respeito do sal, e teve agora a assemblea nacional de voltar atraz; (Apoiados) e se não voltou inteiramente, não foi por ter contra si uma grande maioria; não foi porque deixasse de ser essa a opinião de Mr. Passy, de um homem conhecidamente versado em negocios de Fazenda. Eis-aqui o que se fez em França, e sobre um tributo que recaía num genero da maior necessidade para a vida. É muito bom dizer — «Diminua-se este tributo.» — Mas como supprir a receita deste tributo? (Apoiados) Como já tive occasião de dizer em outra parte, este tributo devia descer muito abaixo para que o incentivo do contrabando terminasse; uma reducção de metade, ainda não seria sufficiente; ainda quando uma pipa de vinho pagasse só 7$500 réis, ainda assim o incentivo do contrabando existia. (Apoiados)

A respeito da immoralidade da medida de que aqui se fallou hontem, direi, que a maior immoralidade é a existencia do contrabando (Apoiados): direi que não ha cousa mais immoral do que dar a possibilidade a um Proprietario de introduzir o seu genero sem o pagamento de direitos, em quanto que o seu visinho definha e morre por não podér vender o seu genero, por não saber como elle as veredas por onde clandestinamente o introduzir. (Apoiados.) Basta de um objecto que não tem hoje applicação nenhuma; basta de um objecto que póde considerára retirado: mas o Governo devia apresentar as razões por que o trouxe a esta Camara; e o Governo apesar de ter nas Leis muito fundamento para podér fazer a arrematação, nunca quiz deixar de submetter o negocio ao juizo do Parlamento; principiou por não querer tractal-o se não na Praça Publica, e com os annuncios da Praça e a publicar logo a condição de sujeitar a sua approvação á decisão das Camaras: as Camaras fazendo uma Lei, tinham sanado tudo quanto houvesse de deficiente, caso o houvesse, na Legislação passada.

Sr. Presidente, entrarei agora em uma materia, que foi aqui tractada, perdoe-se-me dize-lo, da maneira mais extraordinaria que se possa ter usado em Parlamento algum; não quererei dizer, de uma maneira absurda, porque não gosto de offender ninguem; mas de uma maneira realmente singular. Disse-se, para provar que os ordenados estavam culpavelmente em grande atrazo, que o Governo havia recebido muito mais do que necessitava para a despeza publica, e que havia pago muito menos do que essa despeza importava. Calculou-se a cifra da differença entre a entrada e a sahida em cinco milhões; usou-se até do termo de milhões. Quando se apresentam accusações destas, não se está muito longe do absurdo. Pois aonde ficou esse dinheiro? Aonde se estancaram esses cinco milhões no meio da penuria notoria do Thesouro?...

Sr. Presidente, ainda quando o Sr. Deputado podesse provar que se pagaram verbas illegaes, o que eu me atrevo a negar, não obstante não ser o Ministro da Repartição; ainda quando se podessem admittir essas verbas que apontou, ainda assim o Sr. Deputado deixou de provar aquillo a que se havia compromettido. Todas as verbas que para o effeito relacionou com tanto apparato, não passaram, em numeros redondos, de 400 contos, deixando por conseguinte um vazio na sua decantada prova de nada menos de quatro milhões. Estas cousas assim ditas, podem ser de algum proveito lá para as Provincias, para alguns fins; mas nunca poderão servir para mostrar ao Paiz a verdade.

Antes de progredir, direi, que nada é mais sensivel, nada é mais custoso ao Governo, do que verem atrazo os pagamentos dos Empregados Publicos; e direi por esta occasião, que o Empregado é digno de melhor sorte; que o Empregado Portuguez, geralmente fallando, é um homem probo, laborioso, economico, exemplar no seio da sua familia; que essas Secretarias, essas Repartições de toda a ordem, e denominação, dão todos os dias documento publico da devoção dos Empregados, que faltos de meios, e com o atrazo que é notorio, ainda assim servem com zêlo e lealdade.

Sr. Presidente, eu não venho com isto desafiar o sentimentalismo, porque não quero sair da questão das cifras; eu quero provar ao illustre Deputado, que se enganou redondamente nos seus calculos.

Estabelece-se aqui quasi sempre, para fazer as maiores accusações, a theoria de que as despezas do anno não podem ser feitas senão com a receita désse mesmo anno; theoria bella, que seria para desejar, que se realisasse no nosso Paiz; mas que cae immediatamente logo que se chaga ao exame dos factos. Pois que! Sr. Presidente, nessa Lei dos Meios de Agosto do anno passado, diz-se acaso que se ha de pagar com a receita desse anno o mez de Fevereiro ou Março, que pertence ao anno economico precedente, ou diz-se pelo contrario, que os pagamentos começam de Julho por diante? E que vimos nós logo immediatamente, ainda com as Côrtes abertas?....

Que vimos?.....Vimos aquillo, que não podemos deixar de vêr; continuar o Governo o pagamento dessa divida atrazada; receber das Alfandegas o rendimento de Julho, e pagar com elle as quinzenas de Março. Quereremos acaso sustentar theorias, excellentes sem duvida, mas que estão em contradicção com os factos de todos os dias? Quando chegarmos ao gráo de perfeição, em que se achou a França nestes ultimos annos, então é que poderá ter applicação essa theoria; mas entre nós, aonde não deixou ainda de existir um atraso que passa de anno para anno, como é que se póde ella applicar? Querer-se-ha introduzir entre nós a theoria dos Saltos. (Apoia

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dos) Querer-se-ha, que se deixe de pagar o que se deve na sua ordem chronologica? Aonde iria o credito do Governo? Aonde iria o patriotismo desses mesmos Empregados, que todos querem beneficiar, mas a quem com tal systema de saltos já por vezes se tem feito um mal horrivel? É possivel haver credito para descontar o recibo de um Empregado, quando se sabe, que chronologicamcnte é pago o seu vencimento, ainda que com grande atraso, porque o Capitalista póde calcular com probabilidade a demora do seu reembolso, mas toda a vez que o Governo se arrogue a falculdade de dizer, em um periodo qualquer, que não se pagará nada do atraso, como poderá o Capitalista basear os seus calculos? Como é possivel? Em que condição ficam os tristes Empregados em um Paiz aonde se siga semilhante absurda doutrina? Por tanto, Sr. Presidente, não posso deixar de dizer, que sinto amargamente que as circumstancias do Paiz tenham feito produzir um atraso maior em verdade do que o Governo devia esperar. Mas deixando de parte a expressão dos meus sentimentos pelo bem-estar dos Servidores do Estado, continuarei rebatendo a fallacia dos calculos do Sr. Deputado. Servir-me-hei das suas proprias asserções quanto ao atraso em que affirmou acharem-se os Empregados, e as Classes inactivas. Darei como averiguado, que em termo medio se lhes não pagaram senão tres mezes. Não pretendo analysar isto. Quero tomar esta asserção com toda a sua exaggeração; acceita-la-hei como se fosse verdadeira; contentar-me-hei de examinar o que concluiu della o Sr. Deputado, e tanto bastará para o meu argumento. Disse a Cobraram-se em seis mezes 3:800 contos: a Despeza Publica anda mensalmente por 540 contos: o Governo não tem pago aos Empregados senão tres mezes; segue-se que tem pago aproximadamente 1:700 contos: logo tem deixado de pagar 2:000 contos das quantias recebidas» Eis-aqui a argumentação do illustre Deputado. Ora agora perguntarei eu, confessando, que os Empregados Publicos, principalmente Civis e Militares, que não são arregimentados, estão neste atraso; confessando isto, mesmo sem observações que poderia fazer, perguntarei tambem, se os outros items da despeza estão na mesma proporção? As ferias do Arsenal, por exemplo, que se pagam em dia, os prets que não se havendo atrasado, em termo medio, daquillo em que se achavam, quando o meu Collega tomou conta da administração da Fazenda, se deve reputar que tem sido pagos religiosamente de quinze em quinze dias; as despezas pagas em Londres, e mil outras estão acaso na mesma proporção dos tres mezes? Se o não estão, como brevemente se ha de demonstrar, como é que póde subsistir por um momento o calculo do Sr. Deputado? Pois do atraso que tem logar na oitava parte da despeza do anno; porque a despeza dos Empregados Civis e Militares não arregimentados sobe apenas á oitava parte, poderá tirar-se uma conclusão para o todo? Isto, Sr. Presidente, não póde ser admissivel.

Sr. Presidente, tudo quanto se tem recebido no Thesouro, tudo tem saído para as despezas publicas. O nobre Deputado indo ao Diario do Governo buscar alguns dos seus dados para os ingressos, devia ir buscar aí tambem os dados para as despezas do Thesouro. Como e que se vem aqui argumentar para a receita sobre tabellas do Diario, e para a despeza com um calculo totalmente de imaginação? Que lealdade ha neste modo de argumentar.

Sr. Presidente, eu não tenho a meu cargo explicar estes negocios, e digo mais, nem o Sr. Ministro da Fazenda podia esperar ver tractar delle sem apresentar o seu Relatorio, as suas contas, as suas demonstrações; mas visto que o meu Collega se não achava presente, e que eu tive de tomar algumas notas do que o illustre Deputado avançou no seu Discurso sobre o ramo da Fazenda, não podia deixar de entrar nestas explicações. O meu Collega comtudo as dará mais cabaes e concludentes.

O illustre Deputado confessou, que só para Londres se haviam enviado 328 contos de réis; pena foi que com a mesma franqueza não confessasse que de tres semestres de decima que se haviam votado ao Governo, orçados em 2:250 contos, apenas se havia recebido uma quantia que não chegava a uma quinta parte: porque então evitaria as conclusões extravagantes que tirou; mesmo sem a necessidade de contemplar como devia os transtornos que sobrevieram desde a ultima Sessão; nem a inesperada diminuição da receita das Alfandegas, devida ás quarentenas, nem finalmente a urgencia de avultadas despezas para Commissões do Ultramar, que circumstancias extraordinarias reclamaram.

Sr. Presidente, é nestas circumstancias, que se vem dizer, que o Governo tem recebido o dobro do que tem dispendido, e que se vem dizer em odio ao Governo, que se não pagou aos pobres Empregados Publicos, e ás desgraçadas viuvas, é porque guarda este dinheiro... Oh! Sr. Presidente, parece-me que isto é levar a liberdade da Tribuna muito além de todos os limites.

Sr. Presidente, apesar da escacez do tempo, apesar da nenhuma idéa que podia fazer de similhantes ataques, com tudo, pude prover-me de um Documento da Thesouraria, que é official, pelo qual se mostra que em cinco mezes, que é o que já alli está liquidado, a receita foi 2:117 contos de réis; e que a despeza foi de 2:088 contos de réis. Eis-aqui exactamente dispendido aquillo que se cobrou, salvo o pequeno saldo que passa sempre de mez para mez. Fallo dos mezes de Julho a Novembro inclusivè.

Sr. Presidente, é necessario saber lêr as tabellas do Governo, não digo isto por offensa a ninguem, mas é necessario saber distinguir o que são transferencias daquillo que são rendimentos liquidos, entrados effectivamente no Thesouro; e se ha alguma duvida, Sr. Presidente, eu creio que não poderá tardar oito dias que o meu Collega da Fazenda apresente aqui, como já disse, as suas contas, apresente aqui o seu Relatorio; é á vista dellas, é só depois dellas apparecerem, apoiadas nos Documentos, que os Srs. Deputados podem com razão arguir o Governo, e não digo só depois de apparecerem aqui, mas depois de serem examinadas friamente na Commissão competente, que para isso é que as Camaras nomeiam os homens mais entendidos na materia, (O Sr. Ministro da Fazenda: — Apoiado) então se verá.

Sr. Presidente, restava-me tocar um ponto que eu reputo importante, e é que da parte do Governo tem havido a maior solicitude em reembolsar a Junta do Credito Publico, e que a não ser o extraordinario atrazo com que tem entrado a decima, certamente a Juntado Credito já estaria reembolsada; e restava-me tambem analysar o que o illustre Deputado

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entendeu ser a causa de se não terem feito estes pagamentos.

O illustre Deputado disse: não se tem feito os pagamentos legaes porque se tem feito os illegaes. E ainda que não póde estender a sua cifra, como ha pouco disse, além de 400 contos, quando tinha promettido de provar que illegalmente se tinham dispendido 2:000; ainda que ficou muito áquem — direi que nessas mesmas verbas que adduziu, não ha razão fundada. S. Ex.ª compoz esta verba do seguinte, (e se eu estiver em êrro, serei muito obrigado ao illustre Deputado por me fazer qualquer advertencia) compoz esta synopse, em primeiro logar, de uma verba de 76 contos de réis, que disse se havia pago de divida de 1833 e de 1834. Sr. Presidente, eu não sei aonde o illustre Deputado foi buscar esta cifra: é possivel que o illustre Deputado tomasse como pagamento a entrada de certos titulos de dividas antigas que são admissiveis em certa qualidade de pagamentos; mas são admissiveis, Sr. Presidente, porque as Leis os admittem. Como o illustre Deputado não entra na analyse destes 76 contos, não posso responder-lhe senão com uma absoluta negativa, disposto porém a responder cathegoricamente quando elle apresentar as verbas, de que se compõe essa quantia. Depois passou á verba de 170 contos de réis, produzida pelo não licenciamento de uma parte do Exercito, a qual o meu illustre Collega da Guerra ha de justificar plenamente com a Lei na mão.

Já em geral apontei as necessidades da situação, não seria necessario mais nada em presença da Lei, não serra mesmo necessario dizer que a nossa Força é diminuto, que a nossa Força não está ao par das necessidades publicas; mas não entrarei nesses pormenores, e o meu Collega ha de demonstrar que longe de merecermos censura havemos, confio eu, de merecer a approvação desta Camara.

Agora pelo que respeita aos 164 contos de réis que o illustre Deputado disse que se haviam pagode dividas do Exercito em Operações, eu já aqui estabeleci a doutrina unica admissivel, que é a de que não é possivel dizer ao credor que serviu o Estado nas occasiões de perigo, nas occasiões de maior necessidade — Tu não tens direito a receber (Uma voz: — Pedisse no Orçamento). Não era preciso pedir, porque eram quantias votadas, eram quantias, que estavam dentro da orbita, do Orçamento do anno precedente. Se o Governo tinha auctoridade de pagar o mez de Fevereiro, o mez de Março, e o de Abril do anno antecedente, tinha tambem auctoridade de pagar essa divida; a unica cousa que podia merecer a analyse da Camara, era se esse pagamento exorbitava da cifra votada, só legalmente auctorisada, para o Exercito nesse anno; uvas não se póde dizer que, porque não era uma divida contrahida depois do 1.º de Julho de 1848, ella não devia ser paga: e perdoe-me o illustre Deputado o dizer-lhe, que caiu em uma inexactidão muito grave, quando disse que nem o Sr. Conde do Tojal, nem O Sr. Franzini, tinham dado attenção a esta divida; foi perfeitamente mal informado: o Sr. Franzini reconheceu-a tão sagrada, reconheceu de tal modo a justiça de a pagar, que estabeleceu para isso uma mesada pejo papel sellado, meda que devia ser paga pelos Contractadores do Tabaco, de sete contos cada mez, mesada que começou a ter o seu effectivo pagamento. E então como é que se diz, que o Sr. Franzini desattendeu esta divida, como é que se diz que esta divida não devia pagar-se! Oh Sr. Presidente, quando aqui chegámos em 1833, depois de uma guerra civil, a primeira attenção do Governo foi pagar as dividas que se contrahiram no Porto; o Governo seria immoral, seria criminoso, se deixasse em abandono o pagamento das quantias que em casos os mais urgentes se forneceram ao mesmo Governo, quer em dinheiro, quer em generos (Apoiados). Então, Sr. Presidente, nem é exacto que o Governo exorbitou pagando essa divida, nem é exacto que os Ministros antecessores do meu Collega se recusassem a attender a ella. Ah Sr. Presidente, ahi estão os documentos; se alguma censura se póde fazer ao meu Collega, é de suspender essa mesada; suspendeu-a, porque teve precisões imminentes; se ha de que o censurar, é de não deixar que ella continuasse regularmente.

E por fim, Sr. Presidente, fallou-se na Companhia da Guarda Municipal, que existe de mais. Não ha duvida que em vez de seis Companhias existiam sete ao confeccionar o Orçamento passado. Não ha duvida que se previu possivel o serviço com aquella Força; mas as cousas mudaram de uma maneira espantosa, e a Companhia continuou em pé mesmo durante a Sessão do Parlamento. Sem querer porém tirar argumento desta circumstancia, direi sómente, que o Governo tractou este negocio com a maior seriedade e circumspecção, decidindo que em quanto a Força das sete não estivesse igual á Força de seis, se não preenchesse vacatura alguma, ante» essas vacaturas se promovessem por todos os modos possiveis, o que tudo consta da acta do Conselho de Ministros. O serviço não comportava que repentinamente se despedissem da Guarda 100 homens válidos, que eram absolutamente necessarios: entretanto penso, não direi decerto, porque não é esta a minha Repartição, penso se poderá affirmar, que a Força das sete, no estado incompleto em que se acham, pouco mais importa que a Força das seis Companhias, e que tudo considerado deve a differença ser muito menor do que a somma de quinze contos de réis, de que se fez aqui tanto alarde, examinando-se com tanta minuciosidade, que até se nos disse quanto custava ao Paiz o Corneteiro. A verdade é que a Capital falla de outra maneira no serviço desta Companhia, e das seis Companhias a que ella pertence, do socego publico, e da tranquillidade de que gosa. O Governo persuade-se que, cedendo a imperiosas circumstancias, tem comtudo cumprido a Lei de um modo que as Côrtes por muitas vezes tem sanccionado; o Governo fez aquillo que as Côrtes approvaram sempre, pelo que diz respeito aos Arsenaes de Marinha e do Exercito, fez o que não podia deixar de fazer. O Governo não podia, nem devia promover uma desordem lançando de um golpe 100 ou mais veteranos sem meios de subsistencia no meio da rua; o Governo fez aquillo que entendeu dever fazer para cumprir a Lei com equidade e segurança; para cumprir a Lei sem offensa dos bons preceitos que tinha recebido desta mesma Camara. Ah! Sr. Presidente! Pois não sabemos nós, que o Arsenal da Marinha não comporta mais de 800 a 1:000 Operarios, os necessarios para fazerem o Serviço naquelle Estabelecimento 1 E o Arsenal, por aquella razão verdadeiramente politica, não está ainda com um pessoal de 1:300 homens; não está ainda com

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tanta gente de mais? Não e este o espirito com que se teu» legislado nesta Camara?... Quando um Governo n'uma occasião difficil vai consultar o espirito da Camara para as suas decisões, persuado-me que tem cumprido o seu dever.

Tudo isto, Sr. Presidente, todas estas chamadas illegalidades ficaram a cem legoas de distancia da proposição, que o nobre Deputado havia estabelecido. Tudo isto mostra clara e palpavelmente, que o illustre Deputado para debitar o Governo ainda recorreu a documentos Officiaes, mas que para o acreditar pôz por obra a sua imaginação, unicamente a sua fantasia.

Sentirei, Sr. Presidente, que estes negocios de Repartição alheia me tenham algum tanto impossibilitado de entrar naquelles que estão a cargo da Repartição a que presido; mas farei a diligencia, se Deos me ajudar, para mostrar que tambem por esta parte o nobre Deputado não foi justo; para mostrar que o nobre Deputado exigia cousas que não podia exigir; para mostrar que o nobre Deputado não considerou, como aliás deveria considerar, qual é a posição de um Ministro dos Negocios Estrangeiros; tambem nesta parte o illustre Deputado não» quiz esperar pelos documentos que se lhe haviam de apresentais; tambem nesta parte fez um argumento pela sim propria confissão inteiramente hypothetico. Ora eu, Sr. Presidente, não vejo a conveniencia de produzir argumentos totalmente baseados sobre dados hypotheticos, quando em poucos dias o poderia fazer sobre dados positivos. Se o nobre Deputado esperasse pelos documentos e provas, não teria chamado a uma esmola voluntaria, um tributo e a uma pequena participação dessa esmola, um feudo pago a Nação Estrangeira». Não diria estas e outras inexactidões; não teria invocado a Carta, porque a Carta não vem para nada, quando não ha...

O Sr. Cunha Sotto-Maior: — A Carta não vem para nada.... (Algum rumor nos bancos da Opposição.)

O Orador: — Ora Sr. Presidente, os illustres Deputados até querem tirar partido de uma Oração não acabada: isso mostra a pobreza dos argumentos dos nobres Deputados. A Carta não vem para nada, dizia eu, quando não ha o tributo; quando não existe o objecto para que se invoca. Pois digam os illustres» Deputados, a que vem aqui a Carta? Mas os illustres Deputados, Como não foi tão rapido na minha Oração até querem lançar stygma ao Governo por causa tão futil. Façam o que quizerem. Não direi que isto é miseravel, porque não desejo dirigir palavras que se possam julgar offensivas.

Mas, Sr. Presidente, o Governo faltou ao decoro da Nação; o Governo abateu a sua dignidade — são asserções muito fortes para se apresentarem hypotheticamente. Pois quem é o Governo? Quem são os individuos que compõem esta Administração? Que precedentes teem? Que caracter? que não sabem conservar a dignidade da Nação, guardar a Prerogativas da Corôa! Quem é o Negociador! Não o sabem?! E quem é que vem dizer, que o Negociador concorrêra para tanta indignidade!.... Pois o Negociador seria capaz de nutrir similhantes sentimentos; de abater a dignidade da Corôa, ou comprometter os sentimentos do Paiz? Não sabem todos que o nobre Conde de Thomar foi escolhido para esta negociação? Não quero citar nomes, que bem sei que não são argumento, mas queria que as garantias que dá o Negociador fossem motivo, ao menos para o Sr. Deputado, para não argumentar hypotheticamente, quando nas pessoas se dão tantas garantias. Oh! Sr. Presidente, estão transtornadas todas as idéas de ordem, dissolvidos todos os vinculos, confundido o justo, e o injusto!

Passando á parte que no Discurso diz respeito á; nossas relações com o Brasil, ouvi, não sem grande surpreza, a seguinte observação: — «Aqui vem o Governo, com palavras pomposas, dizer-nos que fez uma Negociação com o Brasil? — E note-se que foi dicto isto, quando minutos antes se nos havia ensinado, que uma troca de Notas era pacto, era accôrdo, era convenção! De modo que por um lado a troca de Notas é uma cousa importante, e por outro lado uma Negociação com o Brasil uma cousa d nada, e que não merecia taes palavras pomposas! E quaes são estas palavras pomposas? Permitta-se-me recorrer a um papel. (Nem nome se lhe deu.) E Igualmente vos será apresentado o que se convencionou com o Imperio do Brasil, a fim de estabelecer, etc.?>

Eis aqui as palavras pomposas? Se ao menos tivessem uns apoiados profunda sensação, ou hilaridade geral, ou alguma cousa que chamasse a attenção, poderia dizer-se que eram palavras pomposas (Riso) Mas nem uma, nem outra cousa tem. Então é que alguem poderia dizer com o nobre Deputado, que se dava vulto áquillo que o não tinha. Sr. Presidente, não tem valor algum os direitos de porto 7 Não tem valor algum os direitos da alfandega. Tracta-se de estabelecer a reciprocidade da Bandeira entre duas Nações tão tinidas pelo Commercio, e diz-se que um tal accôrdo não tem valor algum? Em pontos de Commercio e Navegação não será este um dos accordos mais importantes que possam tomar»se para o seu augmento e progresso? E vem-se? argumentar de uma maneira, que -alguem dirá que o Orador não estava nos interesses do Paiz, mas nos da parte contraria, nas interesses da outra Nação. Pois vem-se aqui dizer que o Governo não tinha feito mais que deferir a um Requerimento! É esta a historia, deste caso! Sabe-a o illustre Deputa do? Seguramente está muito longe do que aconteceu.

Sr. Presidente, pelo Tractado de 29 de Agosto de 1825, estabeleceu-se que provisoriamente os direitos dos generos no Brasil e em Portugal, seriam de 15 por cento. Posteriormente as necessidades do nosso Pau fizeram com que alterassemos esta disposição meramente provisoria, alteração que logo foi imitada pelo Governo Brasileiro. Não quero agora analysar a boa ou ma Politica com que isso se fez; quero unicamente dizer, trazendo-a a boa parte, que as necessidades de augmentar a receita obrigaram os nossos Estadistas daquelle tempo, que não eram os da côr Politica a que tenho a honra de pertencer, a alterar esta condição, estabelecendo direitos muito mais pesados de 15 por cento. Por esse tempo estabeleceu-se tambem, que todos os direitos de porto que se pagavam em differentes Repartições, e com differentes nomes, fôssem convertidos n'um só direito: estabeleceu-se que a tonelagem dos Navios Estrangeiros pagasse 500 e tantos réis, e a dos Portuguezes pagasse só metade. Esta Lei foi geral; todas as Nações a respeitaram. É verdade que todas as Nações foram fazendo reprezalias, mas é certo que

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a respeitaram. Ficaram por consequencia os Navios Brasileiros, Inglezes, Francezes, Hespanhoes, os dos Estados-Unidos, e todos os outros, pagando o direito de tonelagem por inteiro, entretanto que os Navios Portuguezes só pagavam metade. Mas veiu no anno de 1840 o Tractado com os Estados-Unidos, e no de 1842 o Tractado com a Inglaterra, e nesses dois Tractados se estabeleceu que os seus Navios pagassem de tonelagem o mesmo que os Nacionaes. Com este motivo, e em virtude do art. 5.º do Tractado de 29 de Agosto de 1825, podia o Governo Brasileiro exigir, que os seus Navios fossem equiparados aos Americanos e Inglezes, e que como esses pagassem o que pagavam os Portuguezes. Eu não tinha a honra de ser Ministro, quando se firmaram e ratificaram os dois Tractados. Ninguem reclamou; as Alfandegas foram recebendo o direito de tonelagem que estava em practica; e a prova de que não houve exigencia alguma a este respeito, esta na propria Nota do Ministro Brasileiro de 1807. creio que de Junho, em que diz aquelle Ministro, que muito de proposito havia prohibido á Legação em Lisboa, fizesse reclamação alguma áquelle respeito, por isso que desejava dar o Tractado por nullo. Ora, senão houve reclamação, como é que se podem increpar as Auctoridades, se continuaram a receber o que se costuma pagar?

Mas o que é ainda mais espantoso, é o modo com que neste ponto conclue o nobre Deputado. Os Brasileiros, diz elle, para castigarem esta injustiça, fizeram o seu Decreto do 1.º de Outubro, em que estabeleceram um differencial, não só para os direitos de porto, como para os d'alfandega. Esta conclusão participa da mesma ancia de censurar, e é igualmente destituida da mais leve sobra de fundamento.

Sr. Presidente, em 1845 o Imperador da Russia publicou um Ukase, estabelecendo direitos differenciaes para as Nações que os tinham. Todo o Mundo sabe, que a Hespanha tem direitos differenciaes, que a França tambem os tem, que outras Nações ainda os conservam. Então que fez o Imperador da Russia? Estabeleceu que a navegação de todas as Nações, aonde houvesse direitos differenciaes, seria sujeita a elles nos portos do Imperio. E que fez o Brasil? Exactamente o mesmo, que fizera a Russia, pôsto que dois annos mais tarde. Não póde pois dizer-se, com razão, que isto fosse feito para castigar o commercio Portuguez, não se póde dizer, que fosse feito simplesmente com relação a nós; foi uma medida geral, e uma medida de boa Politica, tanto em um Paiz, como no outro. Os principios do Decreto, e do Ukase são os mesmos, e no Relatorio do Ministro Brasileiro estão muito claros, e patentes. Que fez então o nosso Governo? Que fez este Governo, que se accusa de desleixos, de desacertos; que fez este Governo, que se accusa de imprevidente? Digo-o com toda a clareza, e verdade, porque o Governo não precisa cobrir-se com as pennas do pavão. Logo que em Lisboa se soube do Decreto do 1.º de Outubro, a Praça representou ao Governo sobre este objecto; o Governo fallou com pessoas muito respeitaveis, que entraram nestas Representações, e depois de colhidas as informações necessarias sobre este ponto, e de consultadas as Auctoridades competentes, mandou ás Alfandegas, que não cobrassem mais direitos differenciaes da bandeira Brasileira, e deu as suas ordens para a nossa Legação do Rio de Janeiro assentes nesta base. Eis aqui o facto. Se não e digno de louvor, ao menos não o seja de censura. A nossa Legação não perdeu um momento, e encontrou igual disposição no Governo do Brasil. Por uma troca de Notas firmaram-se os interesses reciprocos das duas navegações. Foram aqui dados os primeiros passos, quando presidia a Secretaria dos Negocios Estrangeiros o nobre Duque de Saldanha: acolhendo com a sua costumada actividade as Representações da Praça, livrou o nosso commercio da represalia, que necessariamente o Brasil havia de estender sobre nós, como sobre os outros Paizes.

Eu não espero convencer o meu adversario. Quando vi as demonstrações fortissimas, os solidos argumentos, que hontem apresentou o illustre Deputado, o Sr. Avila, serem por elle considerados como cousa de nenhuma valia, quando vejo, que á formal negativa se chama apoio, e á derrota victoria, não me resta a menor esperança de o convencer; mas o facto é que esta transacção é importantissima; mas o facto é que esta transacção, e outras já anteriormente concluidas, são prova irrecusavel de que o Governo Portuguez esta na melhor harmonia com aquelle Governo; porque, diga-se o que se quizer, Nação independente como é, pela qual faço sinceros votos, para que o seja sempre, e cada vez mais prospera, nunca póde deixar de ter sympathias pela Nação Portugueza, e nunca póde deixar de as merecer a esta Nação. (Apoiados.)

Em logar de se entreter o Discurso da Corôa com essas insignificancias, exclamou o Sr. Deputado, em logar de se empregarem palavras pomposas para as descrever, não teria sido mais acertado alludir ao art. 3.º da Convenção Addicional? Porque se não menciona esse art. 3.º, quando aliás se fallou nelle no Discurso da Corôa do Imperio do Brasil? — Confesso que esta regra, que nos quer dar o illustre Deputado, e para mim inteiramente nova. Porque em um Discurso da Corôa de um Paiz qualquer se tracta de um assumpto, é aqui o Governo obrigado, na occasião de igual Discurso, a fallar do mesmo assumpto! Quer o illustre Deputado, que este solemne documento da abertura das Camaras se converta em uma machina de correspondencia Diplomatica. Nem ao menos considera, que em relações internacionaes, quanto menos se escreve para a Imprensa, mais se trabalha para a Causa Publica? Ora agora direi ao Sr. Deputado, que discorri até aqui como se tal allusão ao art. 3.º da Convenção existisse no Discurso da Corôa do Imperador do Brasil; mas tal cousa não existe. Esse Discurso não diz uma só palavra de similhante artigo. Aqui o tenho, Sr. Presidente. Aqui está o Discurso da Corôa de 3 de Maio de 1848, o ultimo de que temos noticia. No que respeita ás relações estrangeiras, diz apenas o seguinte: «Tenho procurado cultivar relações de paz, e boa intelligencia com todos os Estados da Europa, e da America; e para resolver algumas difficuldades, de que tendes conhecimento, continuarei a empregar meios pacificos, e honrosos.» Segue fallando das republicas do Rio da Prata, e passa logo a tractar de assumptos internos.

Provada, como fica, a inexactidão de uma affirmativa, que aqui se apresentou com tanta sufficiencia, repito ainda, que, quando mesmo o facto fosse verdadeiro, não deveria eu aconselhar o Governo a

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que seguisse o exemplo. Não creio mesmo, que me seja necessario alludir a elle no meu Relatorio Não entendo que seja necessario fallar de assumptos, que ainda estão por solver, principalmente quando se lhe não póde dar toda a extensão, que a materia comporta: um tal procedimento, geralmente fallando, longe de facilitar, compromette.

Com referencia a este art. 3.º, e em todo o caso para evitar algum juizo errado, visto que se tractou do objecto, convem que eu diga ainda duas palavras. A Camara sabe que além do Tractado de 29 de Agosto de 1825 ha uma Convenção Addicional da mesma data. No art. 8.º do Tractado estabelece-se a Commissão Mixta que deve occupar-se das reclamações dos Subditos Portuguezes e Brasileiros, e no artigo immediato se remettem para a Convenção Addicional as reclamações de Governo a Governo.

No primeiro artigo desta Convenção Addicional se ajustou que o Governo do Brazil pagaria ao de Portugal, para satisfação de todas e quaesquer reclamações, a somma redonda de dois milhões esterlinos, e no art. 3.º se declara que foram exceptuadas da regias estabelecida no primeiro artigo as reclamações reciprocas sobre transporte de tropas, e despezas feitas com as mesmas.

Sendo pois a Convenção dedicada a tractar das reclamações de Governo a Governo; sendo o art. 3.º uma excepção explicitamente feita ao art. 1.º, é evidente que não póde ser applicado a reclamações de Particulares.

Tenho para mim, Sr. Presidente, que para se tractarem os negocios diplomaticos não ha necessidade de alterar a verdade, e por isso direi francamente que a Commissão Mixta, creada em virtude do art. 8.º do Tractado, despachou menos reflectidamente alguns Requerimentos de partes, que pediam reclamações por transportes de tropas, com a seguinte foi mula pouco mais ou menos — Pertence á Commissão do art. 3.º da Convenção — quando o seu dever era examinar se as partes estavam no caso do art. 6.º e 7.º que marcam a qualidade das reclamações, e admittir-lhes, ou rejeitar-lhes puramente os seus requerimentos. O Governo desapprovou logo esta maneira de despachar. Nem ella podia dar direito algum contra a expressa disposição de um Tractado.

A Commissão Mixta creada pelos dois Govêrnos para se occupar do art. 3.º não póde vir a um accôrdo. Os nossos Commissarios, munidos das instrucções que lhes mandámos, não conseguiram convencer os Commissarios Brasileiros. Aguelle Governo, segundo se vê do Relatorio do Ministerio dos Negocios Estrangeiros, prefere intender-se neste particular directamente com o Governo Portuguez, mas eu não recebi ainda Nota alguma a similhante respeito. E então, achando-se este negocio no estado em que fielmente acabo de descrevel-o, seria rasoavel fazer delle menção no Discurso da Corôa? E não se diga que o Governo Brasileiro dissolveu a Commissão creada em virtude do art. 3.º, porque a unica cousa que fez foi suspender os ordenados dos Membros, em quanto do negocio se passava a tractar de outra maneira.

Eis-aqui o que se lê no Relatorio daquelle Ministro; a O Governo Imperial tem de entender-se com o de Sua Magestade Fidelissima sobre o modo de dar-se execução ao art. 3.º da Convenção Addicional ao Tractado de 29 de Agosto da 1825 sobre fornecimentos, e transportes de tropas — se deve aquelle artigo considerar-se como uma excepção do art. 1.º da dicta Convenção, e por tanto circumscripto ás reclamações de Governo a Governo, ou se devem estas reputar-se extinctas, na fórma do mesmo art. 1.º, com a somma de dois milhões de Libras esterlinas satisfeitas segundo se estipulou no art. 2.º» E mais abaixo: «Não podendo, pelo que fica expendido, continuar os trabalhos daquella Commissão, foram suspensos os vencimentos dos Commissarios Brasileiros, e do Secretario da mesma Commissão, até que possa ter este negocio a competente direcção.»

Persuado-me que de tudo o que acabo de expor, ninguem poderá concluir senão que existe a melhor harmonia entre o Governo Portuguez, e o Governo Imperial, e declaro franca, e lealmente que nem no Rio de Janeiro entre o Governo e aquella Legação; nem em Portugal entre o Ministerio, e a Legação Brasileira, ha a mais leve differença de sentimento sobre o grande interesse de marcharmos unidos, e na melhor boa fé nas nossas relações internacionaes, sentimentos pelos quaes alguns passos se tem já dado, e outros devem esperai-se, de mutua e reciproca vantagem. (Apoiados,)

Resta-me finalmente um ponto sobre o capitulo das omissões no Discurso da Corôa. Receio na verdade abusar da paciencia da Camara, mas torna-se necessario esclarece-lo. Tambem se pretendia que o Discurso se occupasse das prezas feitas nos mares de Angola.

Sr. Presidente, este negocio das prezas foi aquelle que mais levou o Ministerio Brasileiro a escrever a Nota a que já alludi, e a publica-la. Não ha duvida que fez muito ma impressão em todo o Biasil, porque as noticias foram chegando na maxima parte inexactas e exaggeradas. Allegou-se como cousa certa e provada que as prezas haviam sido feitas illegalmente, fôra da linha de respeito, aonde só temos o direito de Visita. Sr. Presidente, principio por declarar, que se alguma infracção do direito das Gentes se houver commettido da parte dos nossos creadores, a Nação Portugueza é bastante civilisada, o moral para não consentir que se negue a justa indemnisação Cada uma dessas prezas tem as suas circumstancias peculiares, e o seu respectivo processo; estes processos continuam; estes processos hão de vir a um termo Se se provar que o direito de Visita foi exercido além da linha de respeito, está claro que o Governo é responsavel pelos mandatarios que exorbitaram; porém senão se provar isso, o Governo não os ha de condemnar, e as prezas hão de considerar-se legalmente feitas Como havia pois fallar-se no Discurso da Corôa em um negocio dessa ordem, que está sujeito por assim dizer á téla ordinaria dos exames, e dos Julgamentos; está sendo visto e avaliado pelo Procurador Geral da Corôa, e que em fim está passando pelos tramites, porque passam iguaes negocios em todas as Nações civilisadas?

Intenda-se bem; nós não tractamos os nossos irmãos Brasileiros com differença dos Portuguezes; se um Navio Portuguez fôr apresado com escravos, ou com indicios de escravatura, ha de soffrer o mesmo que soffre o Brasileiro; porque a Lei que regula esta materia, é o Decreto com força de Lei de 10 de Dezembro de 1836. Nos nossos Portos, e nos nossos Mares a Lei Portugueza obriga tanto o nacional como o estrangeiro. Ninguem póde recusai-lhe obediencia.

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Se alguma differença ha nesta Lei, é ella contra os Navios Portuguezes, porque estes podem ser apresados em qualquer distancia da costa, quando convencidos de negreiros; entretanto que os Brasileiros só o podem ser nos limites da linha de respeito, segundo os principios do Direito Maritimo geralmente admittidos. Portanto, tambem o Governo não podia de modo nenhum trazer a questão das prezas para o Discurso da Corôa; por este lado, perdôe-me o Sr. Deputado, a sua censura foi igualmente mal cabida.

Tambem o Governo foi censurado, e já me ia escapando este ataque, que não foi dos menos violentos, por não haver feito menção das desordens que tiveram logar em Pernambuco.

Eis-aqui ainda uma accusação feita ao Governo, e reforçada desapiedadamente com uma asserção, que me parece se não póde sustentar, qual a de que a propria Commissão fizera por esta omissão uma grave censura ao Governo no facto de mencionar estas desordens no seu Projecto de Resposta. Permitta se-me que o não julgue assim; a Commissão de Resposta ao Discurso da Corôa está possuida de sentimentos taes, que não e possivel acreditar que quizesse fazer censura ao Governo n'um ponto desta ordem. (Apoiados) Que diz a illustre Commissão? (Leu) Aqui não ha censura da parte da Commissão. — (O Sr. Vaz Preto: — Apoiado) A Commissão dia — Apreciando os motivos que levaram o Governo de Vossa Magestade a não avivar a recordação de tão lastimosos factos. — Quaes serão estes motivos? O facto passou-se; as Auctoridades cumpriram o se» dever. Fallou-se de não terem as Auctoridades Brazileira suffocado mais prompto aquelle motim, aquella revolta; se o não fizeram, foi porque não puderam. (Apoiados) Ahi estão os Officios do nosso Consul, e outras informações, que attestam, que as Auctoridades fizeram quanto puderam para que aquella desordem não progredisse. É sempre doloroso pana uma Nação, conter em seu seio homens capazes de perpetrar os crimes de que todos tiveram conhecimento; é sempre doloroso a tuna Nação, que as providencias das soas Auctoridades não possam prevenir a preparação de semilhantes attentados. Então que necessidade tinha o Governo de rasgar hoje está ferida em um documento tão solemne e respeitavel, e de lembrar á Nação Brazileira que no seu seio tinha havido meia duzia de homens depravados, que tinham attentado contra a vida, e contra a propriedade dos cidadãos Portuguezes? Haveria nesta reserva alguma cousa de impolitico?... E para quem seria necessaria essa manifestação? Seria acaso para nós Governo, ou para a Nação, que sahe que as Auctoridades cumpriram o seu dever? Ou seria isto necessario para os nossos irmãos estabelecidos no Brazil? Poderá acreditar-se, que aquelles nossos concidadãos estimassem mais quatro palavras Iguaes no Discurso da Corôa, que a protecção e soccorros, que o Governo immediatamente lhes mandou? Para se vêr que o Governo ha preenchido, e satisfeito ao que era seu dever, basta que se saiba, que aos nossos irmãos mandámos mais do que palavras, mandámos factos da maior importancia, principalmente se se attende á estreiteza doe nossos recursos. Mandou-se-lhes immediatamente tres embarcações de Guerra. Enviamo-lhes mais que isso. Quando apparecerem os documentos, ver-se-ha se o Governo dorme, se é desleixado, e se é imprevidente;

Mandámos-lhes meios para se transportarem, se quizessem, ás nossas Provincias da Africa; mandámos-lhes Creditos para comprarem engenhos de fazer o assucar, se quizessem dar-se a esta cultura. Fornecemos-lhes todos os escriptos que podessem servir-lhes para preferir com acerto este ou aquelle territorio das nossas Provincias Ultramarinas. Mandámos-lhes, finalmente, Creditos para fretarem embarcações. Mas nada disto se pôz a Gazeta, porque o Governo não precisa, não quer, destas popularidades compradas com as columnas do Diario. Quando vierem os documentos, ver-se-ha que o Governo fez o seu dever, e que não merece censura por não ter encarecido os seus serviços no Discurso da Corôa. Quando assim atacam uma Administração, longe de a acabrunharem, deixam-na mais em pé. Espero que os esforços do Governo não pararão aqui; confio que a Bandeira Portugueza ha de continuar a apparecer nos pórtos do Brazil, senão com a galhardia com que em 1805 e 1806 apresentava 13 Náos de linha, ao menos com aquella por onde os nossos irmãos Brazileiros possam ver, que ainda existe a Mãi Patria. (Apoiados).

Os nossos Economistas são assás illustrados para conhecerem até onde se podem levar as economias, e de que ponto não devem passar; para abominarem a economia daquelle proprietario que deixa de semear só para não gastar o custo da semente, é necessario acudir a todas as necessidades do Paiz. Eu, indigno pua occupar um logar desta ordem, que tantas Capacidades, notaveis dentro e fóra do Paiz, tem occupado; em logar de tanta responsabilidade, e que demanda habilitações que não possuo, não cedo a ninguem no desejo de ser util á minha Patria. (Apoiado»). Continuarei, se Deos me ajudar, a dar provas dos meus bons desejos; sou demasiadamente domestico para gostar da Pasta de Ministro; mas uma vez aqui, não hei-de ceder ao capricho de homens, que se comprazem de avaliar as acções do Governo por um prisma inteiramente falsificado. (Apoiado). Nem as miserias dos seis ou sete contos gastos em seis mezes com a Policia Preventiva nem as do Retrato, nem outras cousas de tão baixa, tempera, hão de ser as que nos hão de deslocar destas Cadeiras (Apoiados)

Portanto, julgo haver demonstrado, que as accusações do Sr. Deputado são tão faltas de fundamento, quanto injustas e offensivas. Julgo haver demonstrado que na Repartição dos Negocios Estrangeiros, como nas demais, se tem cumprido a Lei. Apresentarei no meu Relatorio tudo quanto a Lei de 26 de Agosto exige; apresentarei as listas completas dos Empregados Publicos; apresentarei os córtes feitos em virtude das resoluções das Camaras; apresentarei o debito activo daquella Repartição; apresentarei, n'uma palavra, tudo que cumpre ao Governo apresentar na execução das Leis: quando vierem estes documentos, confio estar aqui, e então responderei pela veracidade delles. Digo mais, tambem sei o que fazem os Advogados..... tambem cá fica reserva para o que ainda se disser, e V. Ex.ª me concedêra a palavra. (Apoiados — Muito bem, muito bem.)

O Sr. Pereira dos Reis: — Felizmente vejo desmentida na practica uma noticia, que correu em certos circulos, e que tinha seus visos de authenticidade. Dizia-se, que a Maioria desta Camara adop-

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Um tuna theoria nova, em relação ad Projecto de Resposta ao Discurso da Corôa, e que assentara reduzir o nosso trabalho a proporções tão mesquinhas, que bem poderiamos executa-lo com uma dasabbreviadas formulas do Secretario Portuguez. Esta theoria, seguida ad hoc em outra parte, assenta n'um sofisma de falsa analogia. Argumenta-se-nos com o Parlamento inglez! E pergunto — Que paridade ha entre os nossos estylos Parlamentares, e os estylos Parlamentares da Inglaterra Para se conhecer a differença, bastará advertir, que a Camara dos Lord, em que se contám actualmente mais de quatrocentos Membros, funcciona com tres; que a dos Communs, composta de seiscentos e tantos, delibera com quarenta; que a nomeação do Speaker é feita por um modo, que os homens do Continente reputam burlesco, e assim por diante.

A simplicidade practica, com que este objecto e dirigido em Inglaterra, deriva de causas conhecidas, que será inutil mencionar. Qual d'entre nós deixa de conhece-las? A Inglaterra está na posse de ter um Ministerio com todas as condições, que correspondem a este termo, tornado em accepção favoravel — pouco importa, que o Ministerio seja Tory, ou Whig. Aqui temos actualmente uma negação de Ministerio Os Membros do Parlamento inglez entram nas Camaras respectivas, munidos de documentos mais que sufficientes para poderem avaliar o comportamento da Administração. Ha um riquissimo digesto, que os informa de todos os actos practicados pelo Governo. Se porém lhes falta algum documento sobre negocio consummado, e se o exigem, o documento apparece como por encanto. Peço que se note agora o que a tal respeito occorre entre nós Requeri, em Sessão de 4 do corrente, uns documentos, que podiam promptificar-se em algumas horas; estou fallando no dia 18; e os documentos ainda não chegaram! Appareceu apenas uma evasiva do Sr. Ministro da Justiça, evasiva que não tracto de qualificar. O documento, que pedi, existe nas Secretarias da Justiça, e Estrangeiros. Para que responde, pois, o Chefe da Primeira Repartição, que devo dirigir-me ao da Segunda? Provara isto boa vontade? Pelemos, neste procedimento, cópia de algum estylo inglez?... Passo adiante...

Felizmente vejo, (di-lo-hei outra vez) que Ministerio, e Maioria estão conformes em dar a este debate extensão superior a que eu esperava, pois é certo, que o Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros acaba de dar-nos a agradavel noticia de que será ouvido o Sr. Visconde de Castellões, que pediu a palavra em vigesimo logar.

Nem eu descubro necessidade de encurtar ou circunscrever a discussão. Se a Opposição e pequena, mesquinha e sem prestigio; se ella, como dizem os Jornaes do Ministerio, está reduzida a quatro ou cinco Insignificantes, para que haveis de tolhe-la no exercicio da palavra 1 Qualquer abuso de força, praticado neste caso pela Maioria póde ser tomado como demonstração de medo.

Sr. Presidente, nunca em época nenhuma, foi tão necessario ouvir a Opposição Ella já apresentou muitos factos; tem que apresentar muitos mais. O Parlamento precisa ser esclarecido. O Paiz está ancioso por ver cumpridas na Tribuna as promessas da imprensa.

Diz-se que a occasião não é propria, e que vira tempo em que as nossas reflexões tenham mais cabimento. A este respeito cumpre-me declarar, que tambem tenho a minha theoria. Para mover guerra a um Ministerio, que me parece ruinoso, não escolho occasião: a primeira é, em quanto a mim, a melhor. A vida d'um Ministerio máo não é facto indifferente, num dia, em algumas horas póde causar estragos irremediaveis.

Sr. Presidente, comecei muito tarde, e não quero molestar a attenção da Camara. Forcejarei por ser breve. O trabalho, que eu me havia imposto, era mui limitado; poderia vence-lo em pouco mais d'uma hora; porém o Discurso, que acabamos de ouvir ao Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros, obriga-me a dar ao meu uma esfera mais dilatada. S. Ex.ª tocou alguns pontos, que devem ter resposta peremptoria. Não o seguirei nas varias especialidades, em que se demorou, porque me faltam esclarecimentos indispensaveis, tractarei de differentes generalidades, que me não soaram bem.

Como disse, pedi pela Repartição competente uma cópia authentica da Concordata recentemente celebrada entre esta Côrte, e a do Summo Pontifice. Não veio a cópia. Pouco importa. Hei de fallar na Negociação, porque a conheço, porque não se tracta de objecto pendente, porque, em fim, as estipulações da Concordata já nos obrigam. Expresso-me assim, porque não quero que me chamem temerario. Pedi o que podia pedir; pedi o que me deviam mandar.

Já se vê pois que as rainhas observações versarão especialmente sobre o § 5.º da Resposta ao Discurso do Throno, que diz assim. (Leu)

Esta questão já foi tocada brilhantemente por um dos Oradores, que me precederam. O illustre Deputado mostrou que, segundo os principios Constitucionaes e Juridicos, tal Concordata não podia produzir effeito, sem que uma Lei a auctorisasse. A demonstração foi completa, foi perfeita. Se porém é necessario reforça-la com algum facto estranho, citarei um, que anda na memoria de todos nós.

A França tractou, no reinado de Luiz XVIII, de fazer uma Concordata. Quatro annos se consummiram neste trabalho. Foram Negociadores ou Plenipotenciarios o Conde de Blacas, e o Cardeal Consalvi. Em 1817 appareceu a nova Concordata; e não faltou quem quizesse considera-la como assumpto resolvido ou facto consummado. Dizia-se que a Concordata consistia em melhorar o Tractado de Bolonha, entre Francisco I, e o Papa Leão X, e pretendia-se que para a execução era desnecessario o concurso das Camaras Legislativas. A Carta Franceza dava ao Rei, a respeito de Tractados, as faculdades consignadas no art. 75 da nossa.

Este assumpto excitou em França as mais serias apprehensões O Conde de Blacas, homem talvez respeitavel, infundia receios á maioria da França; e a questão fundamental da execução da Concordata era objecto de incessante discussão entre os homens Politicos daquelle paiz. Nas duas Camaras havia maioria consideiavel a favor das idéas retrogradas E comtudo foi tal o pêso da opinião publica, tomou tinto imperio a força da razão e do direito, que o Ministerio teve de transigir. Aberta a Sessão de 1817, veiu o Duque de Richelieu, então Ministro dos Negocios Estrangeiros, dar parte á Camara dos Deputados da existencia da Concordata; e logo depois o seu Collega, Ministro dos Negocios do Interior, apresentou

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Um Projecto de Lei, necessario (dizia elle) para dar sancção ás disposições da mesma Concordata. Lembra-me que o Duque de Richelieu declarou nessa occasião — «Que, segundo o Direito Publico Francez, as estipulações da nova Concordata só por Lei podiam ser auctorisadas.» — E n'outra parte — «Que o Projecto fôra concebido com o duplicado fim de dar força de Lei ás disposições daquella transacção diplomatica, as quaes não podiam tornar-se obrigatorias para os cidadãos, nem admittir-se entre os monumentos publicos do reino, sem que precedesse o concurso dos tres ramos do Poder Legislativo; e de as acompanhar ao mesmo tempo de disposições explicitas e solemnes, que salvassem todos os direitos e todas as liberdades, asseguradas pelas Leis e pelas maximas nacionaes.

Este facto prova alguma cousa; este facto não podem taxal-o de inapplicavel. A Concordata de 1817, e o Projecto destinado a dar-lhe vigôr, morreram para sempre: não houve meio de trazel-os á vida.

Agora note-se que a Concordata de 1817 era de importancia muito inferior a esta, de que vou occupar-me, e que o Ministerio actual pretende executar, sem dependencia de exame e deliberação das Côrtes.

O Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros, como para attenuar ou destruir toda a idéa de negociação desvantajosa para nós, fallou na confiança que deve inspirar-nos o Plenipotenciario Portuguez Respeito os dois Negociadores; a ambos devi em outro tempo demonstrações de singular apreço. Mas os argumentos de auctoridade estão desacreditados. Já Pascal dizia: Frades não são razôes. E demais, eu não vejo aqui senão o Ministerio; só delle posso e devo exigir responsabilidade. (Apoiados)

Sr. Presidente, o assumpto, que me proponho tractar, é muito serio. Não veem para aqui mal entendidas contemplações.

Existe uma Concordata, celebrada ultimamente entre esta Côrte e a de Roma. Um illustre Deputado chamou-lhe vergonhosa; eu direi que não atino com palavra, que a qualifique devidamente. Occupar-me-hei dos dois pontos capitaes, que nella foram resolvidos.

Acceitou-se a antiga Bulla da Cruzada; e acceitou-se para ter principio de execução no 1.º de Janeiro corrente. Querem prova mais cabal de que o Ministerio despresou este negocio, o nosso indispensavel concurso?...

Sr. Presidente, fallarei da Bulla, não com irreverencia, mas com aquella liberdade, a que os nossos Antigos chamavam honesta. Não hei de exceder a nobre isenção com que a respeito della se expressaram Varões muito pios, e muito doutos. O nosso Padre Fieira, n'um excellente Sermão que prégou em 1647 na Cathedral de Lisboa (tractava de recommendar a compra da Bulla) não duvidou dizer que a esmola andava distraída da sua ligitima applicação; que eram fantasticos os logares e os soldados de Africa, a cuja mantença asseguravam prover; mas affirmou que a intenção da esmolo era excellente, e o merecimento certissimo. Proseguindo na ironia, chamou passaporte e atalho á Bulla, comparou a Judas os seus Thesoureiros, e depois exclamou: «Tomar a Bulla da Sancta Crusada, e sem sair de Lisboa fostes a Compostella, fostes a Roma, fostes a Jerusalem: porque as graças que lá haveis de ir buscar, aqui se vos concedem, não diversas, nem menores, senão as mesmas. Querei-las alcançar logo? Visitar cinco Igrejas, Quereis mais logo? Visitar na mesma Igreja cinco Altares. Quereis mais logo? Visitar o mesmo Altar cinco vezes. E sem vos bullir de um logar fostes á Gallisa, fostes á Italia, fostes á Palestina, e vos achais rico de todos os thesouros de graças, que tão longe se vão buscar com tanto trabalho.» (Hilaridade)

Em tempo de El-Rei Dom Sebastião impetrou-se de Roma uma Bulla chamada de Subsidio, com destinação similhante á da Crusada. Mandaram ao Douctor João Affonso de Béja, que a visse e désse a respeito della o seu parecer. Este parecer, que póde verse nas Memorias do Abbade Barboza e nas provas da Deducção Chronologica de José de Seabra e Silva, dizia que o Rei, postulando tal Bulla, e o Papa concedendo, entravam na estrada real para as profundas do Inferno...

Eu não serei tão severo, nem é preciso: irei direito ao meu fim, que hei de conseguir, sem necessidade de empregar palavras violentas.

A historia da Bulla da Crusada, se eu quizesse tractal-a desde o seu principio, não poderia conclui-la em muitos dias. Direi de passagem que a Bulla foi sempre entre nós um meio de engordar certos individuos, á custa da credulidade publica. Não se admirem de que o Ministerio actual faça diligencias para restaural-a. Tribunecas similhantes á que se pertende constituir, acham sempre approvação e apoio em Portugal. É fado nosso! (Apoiados)

A Bulla deixou de existir neste Reino em Outubro de 1835. Foi de novo sollicitada em Maio de 1844, mas com diversa applicação e administração. Esta instancia passou por varias trasformações; e a final foi attendida pela Sancta Sé, mas em termos totalmente inadmissiveis. O Breve Apostolico, que nos concedia a Bulla da Crusada, foi mandado guardar no Archivo da Secretaria de Estado dos Negocios Ecclesiasticos e de Justiça.

Seguiram-se muitas conferencias sobre o assumpto, nas quaes tiveram parte o Ministro da Repartição respectiva, e o Internuncio de Sua Santidade, já auctorisado para alterar e modificar o Breve Apostolico. Toda a questão se reduzia a que a Corte de Roma desejava nomear varios dos Membros, que haviam de compôr a Commissão Administrativa da Bulla. A Negociação acabou aqui, em virtude dos acontecimentos politicos de Maio de 1040.

Cumpre-me porém declarar que tanto o Ministro, que em 1814 impetrou a Bulla, como o seu Successor, que vejo assentado á minha esquerda, eram de parecer que o negocio dependia da final approvação das Côrtes. (O Sr. Silva Cabral: — Apoiados. É verdade.)

O illustre Deputado, que me apoia, possue todos os papeis relativos a esta Negociação, entre os quaes figura o Ultimatum, a que elle veio com o Internuncio. Quando esse papel apparecer, ver-se-ha que a nova Concordata desandou, e muito. (O Sr. Silva Cabral: — É exacto.)

O Ministerio acctual acceitou a antiga Bulla da Cruzada: ha sómente differença na applicação do producto. Acceitou pois todos os abusos da velha organisação; a saber: Commissararia, cujos Membros terão uma — Medalha de Ouro — de gratificação annual (a escolha da fraze é já feita com industria; a Me-

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dalha de Ouro — nunca hade descer de 600 a 800$ réis), Tesoureiros menores, e taxa de seis mil cruzados, tambem annuaes, para a Fabrica de S. Pedro em Roma. (algumas vozes: — Feudo no caso.) (O Orador: — Sim, Feudo. Pois que dúvida 1)

Continuando: — A esmola para a Fabrica de S. Pedro é igual á que pagavamos em 1827. Compare-se o nosso estado, consideradas as duas épocas, e digam-me se naquella taxa não ha visivel exorbitancia? (Apoiados.)

Sr. Presidente, estou um pouco, inclinado a seguir a opinião do Sr. Assis de Carvalho, ha certos factos, que me obrigam a ser retrogrado, ou, o que é o mesmo, a ír antes com os antigos do que com o, modernos.

Em 1399 disse um Rei de Portugal, em resposta ao Clero, que se achava reunido em Côrtes: «Mostrar-nos esses Escriptos ou Letras (as de Roma) velas-hemos, e mandaremos, que se publiquem pela guisa que devem.» Hoje tudo se faz decorrida! As Negociações dirigidas pelo Marquez de Pombal são modêlo, que nunca devia perder-se de vista. Vejam o vagar, o saber, o pêso de todas as suas deliberações. Admirem-no principalmente nas conferencias, que houve entre elle e o Cardeal Conti, sobre a Concordata, que em 1774 se preparava entre esta Côrte, e a de Roma...

Sr. Presidente, volto á questão.. A Bulla foi pedida. Nada tenho que dizer a esse respeito, meu reparo não assenta no acto de pedir, mas sim no de acceitar, sem a necessaria intervenção das Côrtes. Que esta intervenção era considerada desnecessaria pelo Ministerio, deduz-se do facto que referi. A Bulla foi pedida para ter execução desde o 1.º do corrente, isto e, um dia antes da reunião do Corpo Legislativo.

Sempre fui de voto contrario á impetra da Bulla; sempre me pareceram mesquinhas as considerações pecuniarias, que determinaram a nova instancia. Em tempos mais abundantes rendia a esmola da Bulla (quando muito) setenta contos de réis — o Tribunal absorvia onze contos — e creio que havia ainda outras despezas de algum vulto Já se vê que por este expediente não podem fazer grande colheita. Lembrem-se de que as circumstancias actuaes são mui apuradas, e notem que o tributo cessou de existir ha mais de treze annos.

Eu nunca vi o negocio pelo lado pecuniario; considerei-o sempre em região mais elevada. Digam o que quizerem os defensores da Concordata: por mais agudo que seja o seu engenho por mais sublimes que sejam as suas inspirações, nunca poderão convencer-me de que a Bulla da Cruzada deixe de importar um tributo ou imposto.

E sendo tributo ou imposto, quererão os illustres Deputados que um Principe Estrangeiro venha lança-lo aos Portuguezes? — Não sei, nem me incumbe pedir-lhes conta do seu voto. Abdiquem embora a sua mais importante prerogativa; pela parte que me toca, direi que a faculdade de lançar impostos só a reconheço nos tres Ramos do Poder Legislativo. (Apoiados)

E não me argumentem com a supposta espontaneidade da esmola. E um tributo mais obrigatorio do que outro qualquer, pela qualidade dos exactores, pelo logar em que ordinariamente se impõe a obrigação do pagamento; n'uma palavra, porque impera sobre a consciencia.

Mas continuemos. A Bulla, que o Ministerio acaba de acceitar, suppõe a necessidade de dar privilegios a muitos individuos encarregados da sua administração e cobrança. Os Thesoureiros menores (por exemplo) gosavam grandes privilegios, á frente dos quaes appareciam logo a isempção do serviço militar, e isempção dos aboletamentos. Li uma vez a collecção desses privilegios, e lá encontrei o que habilita os Officiaes e Thesoureiros-menores, a poderem andar em besta muar de freio e sella. (Hilaridade) Não supponham esta disposição obsoleta, nem caída em desuso; renovaram-na em 1834. Esse papel curiosissimo conservo-o como parte preciosa da minha Miscellania.

E quem ha de roborar esses privilegios? Quem ha de resolver se elles estão ou não comprehendidos na letra do art. 145.º § 15.º da Carta Constitucional? Tambem quererá o Ministerio que esse ponto possa definir-se n'um simples Decreto ou Alvará do Executivo, como erradamente se fez em 1827?

Sr. Presidente, não posso concluir, sem olhar a materia pelo lado mais importante. Será a Bulla necessaria como remedio espiritual ou religioso? — Direi que não; e se erro, hão de condemnar comigo muitos homens tementes a Deos, e até alguns Pontifices. Durante a Rotura, entre esta Côrte e a de Roma, no reinado do Senhor D. José I, sendo seu Ministro o Marquez de Pombal, foi esse negocio tractado amplamente; e já antes o havia sido pelo Cardeal Sousa, Arcebispo de Lisboa. É bem conhecida a Pastoral, em que o Patriarcha Francisco / declara que lhe compete na sua Diocese, dispensar a abstinencia de ovos e lacticínios durante a quaresma; e é não menos conhecida a profunda demonstração, em que assentou aquella Pastoral. Um Arcebispo de Braga, cujo nome não tenho presente agora, perguntou a Innocencio III se poderia consentir, durante o jejum universal, que alguns enfermos e debeis comessem carne. E o Pontifice respondeu que não só podia, senão que devia. Mas se a Bulla é essencialmente necessaria para salvação das almas, qual será a razão, porque tantos Povos Catholicos Apostolicos Romanos carecem della? Seremos nós, os Hespanhoes e Os Napolitanos os unicos escolhidos?

Sr. Presidente, bastará o que levo dicto sobre a questão em que vejo offendidos o decóro da Corôa Portugueza, as attribuições do Poder Legislativo, e a jurisdicção dos Prelados Diocesanos.

Agora vou occupar-me de outro assumpto gravissimo, que prende estreitamente com o direito do Padroado Portuguez na India. Perdôe-me a Camara, se eu, nesta materia especial, me demorar mais do que desejo.

Quando aqui se discutia, na Sessão passada, o Orçamento da Secretaria dos Negocios Estrangeiros, perguntei ao Ministro dessa Repartição e ao da Justiça (são ainda os mesmos) pelo estado em que se achava a questão do Padroado Portuguez na India. Responderam-me ambos que o negocio ía ás mil maravilhas; que eram activissimas as diligencias; e que o exito favoravel dellas não podia ser duvidoso. Que opulencia de palavras! Que apparato de convicção!. Pois saiba a Camara (se porventura o ignora) que o negocio não deu um só passo para diante; para traz é possivel. (O Sr. Ministro da Justiça. — Apoiado.)

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Sobre esta questão, cuja transcendencia será ocioso demonstrar, só tenho noticia de um trabalho, a que póde chamar-se official: é uma Memoria do Sr. Barão da Venda da Cruz, escripta em Italiano, e feita e publicada muito antes de subir ao Poder o actual Gabinete. Essa Memoria e excellente, mas pedia maior desenvolvimento, com especialidade a respeito de factos occorridos desde 1826. Parece-me que o auctor me disse uma vez, que não dera maior volume ao seu trabalho, nem se fizera cargo das novas occorrencias, porque tractava com uma Côrte que as Conhecia de sobejo.

Sr. Presidente, no seculo XV descobrimos varias terras da Africa. (Uma voz — E tambem da Asia.) O Orador: — Lá chegaremos. Por ora tracto sómente dos descobrimentos, e conquista da Madeira, dos Açôres, de Cabo Verde, de Guiné e de Congo. Nicoláo V expediu logo uma Bulla, em que concedeu a El-Rei Dom Affonso V. e a todos os seus Successores o direito de fundar, e construir Igrejas nos logares já conquistados, ou que de futuro houvessem de o ser pelo Portuquezes contra os Infiéis. Esta Bulla foi successivamente confirmada, e ampliada por outras até 1484, sem que jámais se movesse dúvida ácerca do direito que haviamos adquirido.

No mesmo seculo dobrámos o Cabo da Boa Esperança, descobrimos vastissimas regiões, e chamámos muitos povos á fé do Evangelho. Esta grande obra foi sellada com rios de sangue Portuguez. Uma larga serie de Bullas, expedidas desde o reinado de Alexandre VI até o de Gregorio XIII, entenderam no Padroado dos Reis de Portugal, mas conservando-o sempre intacto.

Morto El-Rei Dom Sebastião, e apoderada deste Reino a Corôa Hespanhola, é sabido que algumas das nossas Possessões passa íam ao dominio da Hollanda, e d'outras Potencias Protestantes. Mas o direito do Padroado Portuguez (então Hespanhol) foi inflexivelmente mantido, sem que a Côrte de Roma cedesse do seu primeiro proposito. E certo porém que para as terras possuidas pelas Potencias Protestantes na India Oriental foi forçoso deputar Vigarios Apostolicos, que não podiam ser nem Hespanhoes nem Portuguezes. Esta excepção, determinada pela força das circumstancias que então imperavam, teve, como devia, um caracter puramente transitorio.

Com a Restauração de 1640 nenhuma quebra soffreu o direito do Padroado dos Reis de Portugal nas igrejas da India. Em todos os Breves expedidos de pois de Alexandre VIII é expressa a declaração de que o Papa, nem ainda em Consistorio, poderá derogar, ou ferir, na minima parte, aquelle direito, -em que proceda accordo, ou consentimento dos Monarchas Portuguezes.

Todos os Govêrnos de Portugal teem sido altamente ciosos na conservação do Padroado de que se tracta, havido pelos titulos onerosissimos de fundação e dotação. E aqui citarei um facto, que não deixa de vir a proposito. Em tempo d'El-Rei Dom José fez-se uma instancia a Roma, para a creação de dois novos Bispados na Asia. Era Ministro de Portugal naquella Côrte o Desembargador Enserrabodes. O Cardeal Secretario d'Estado, depois de receber a instancia, oppoz algumas duvidas, e deixou entrever, numa Nota escripta, que na Proposta d'El-Rei havia excesso de direito. Não respondeu o «Diplomata Portuguez, e contentou-se com dar parte da repulsa ao Marquez de Pombal. O despacho deste grande Ministro, dirigido ao Desembargador Enserrabodes, é um monumento digno de memoria eterna. Depois de destruir as argucias do Cardeal Secretario d'Estado, e de provar o direito que assistia á Corôa Portugueza, conclue reprehendendo asperamente aquelle docil Diplomata, accusando-o por não haver combalido desde logo as temerarias pretenções da Curia Romana, e dizendo-lhe que ElRei, dando-se por muito mal servido, esperava comtudo que elle (Negociador) tractasse immediamente de reparar a sua falta, para não desafiar a merecida demonstração.

Voltando precisamente ao negocio, direi que o direito do Padroado Portuguez nas Igrejas da India continuou mantido, em toda a sua plenitude, até ao anno de 1826. Dessa época em diante começaram as invasões, favorecidas sem duvida pelas desordens civis, que até 1833 retalharam este Reino. A Côrte de Roma principiou a dispor daquelle Padroado, nomeando Vigarios Agostolicos para algumas Dioceses da India. Ceilão foi o ponto em que primeiro se estabeleceram os Padres nomeados pelo Pontifice. Estes Padres foram desde então conhecidos pelo nome de Propagandistas.

O Sr. Sancta Rita, Arcebispo Eleito de Goa, e o Bispo de Cochim, protestaram em devida fórma contra taes invasões: porém foram baldados todos os seus esforços: o mal engraveceu; e o Sr. Sancta Rita, Varão exemplarissimo por Letras e Virtudes, morreu no meio da vasta empreza, a que mettera hombros. (Sensação)

Em 1838 appareceu publicado em alguns Jornaes Estrangeiros um Breve, que começa — Multa proeclara — no qual são justificadas as usurpações de que tractei, e permittidas de futuro outras similhantes. Este Breve, a que falta a condição essencialissima do Beneplacito do Imperante Portuguez, é muito extenso: far-me-hei cargo dos seus principaes fundamentos, e tractei de combatel-os com a brevidade possivel. Note-se que o citado Breve declarou extincto o Padroado dos Soberanos Portuguezes nas Dioceses de Cochim, Cranganor, Meliapor, Malaca, Pekin e Nankin.

O primeiro fundamento do Breve consiste em que o Governo deste Reino desamparou aquellas Dioceses; e que por tanto incumbia á Côrte de Roma a necessidade de provel-as de Pastores.

Pedida a necessaria venia, affirmarei que o primeiro fundamento é falso. Nas Dioceses, de que o Breve faz menção, houve sempre quem legitimamente exercesse, por parte de Portugal, auctoridade Ecclesiastica. Fallaram, é verdade, na India alguns Prelados Sagrados; mas esta falta não póde ser imputada ao Padroeiro legitimo, que foi sollicito nas apresentações Essa falta procedeu da Rotura havida entre esta Côrte e a de Roma Nenhum outro motivo interveio. E aqui devo dizer, para esclarecimento da verdade, que os Padres Propagandistas têem encontrado na India a mais decidida opposição Se hoje possuem alguma cousa, devem-no a meios violentos, e mais que tudo á nossa negligencia.

O segundo fundamento do Breve assenta no falso supposto de que Portugal não concorre para a sustentação do Clero da India. Esta inexactidão destroe-se com a simples leitura do Orçamento do Ministerio da Marinha e Ultramar. O Cléro da india

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ainda custa á Fazenda Publica (se me não falha a memoria) o melhor de quatro contos de réis.

Diz-se no terceiro fundamento do Breve que nos faltam na India pessoas habilitadas para o Sacerdocio. Tambem é falso. Têem sido frequentes e numerosas as ordenações em Gôa. Existem dois Seminarios Portuguezes, um em Chorão, e outro em Rachol, com bôa dotação, e com excellentes Mestres: oiço dizer que entre as disciplinas, a que são obrigados os Alumnos, se conta a do estudo das Lingoas Ingleza e Franceza. Daquelles Seminarios saem annualmente muitos mancebos habilitados para o serviço do Altar e das Missões, accrescendo que a Lingoa Portugueza, por ser conhecida e fallada em toda a India Oriental, é mais propria naquelles logares para annunciar, como fructo, as Douctrinas do Evangelho.

Diz, finalmente, o Breve que os Portuguezes não podem exercer Padroado em territorio estranho.

Se esta opinião ha de ser adoptada em sentido absoluto, os Italianos carecem do direito, que intentam contestar-nos. Meliapor, Nankim e Pekin nunca pertenceram aos Portuguezes, e com tudo a Corôa de Portugal exerceu desde o seculo XV o direito de Padroado naquellas terras, não por effeito de usurpação ou de roubo, mas em virtude de Bullas e Tractados existentes

Sr. Presidente, as consequencias daquelle Breve são muito serias, devem desafiar a nossa particularissima attenção. (Apoiados) É verdade sabida que desde Bombaim até Sião existem já oito Bispos in Partibus, deputados pela Côrte de Roma. Não pondero as difficuldades, que daqui podem seguir-se a Portugal: a Camara me fará justiça. (Apoiados)

Achavam-se os negocios ecclesiasticos da India neste estado, quando o Governo apresentou na Diocese Primaz do Oriente o Sr. Torres. Esta felicissima escolha foi confirmada pelo Pontifice. O Sr. Torres recebeu as suas Bullas, iguaes em tudo ás que tivera o seu predecessor D. Frei Manoel de São Gualdino, antes Bispo de Macáo.

O novo Arcebispo, ao partir para a sua Diocese, recebeu instrucções officiaes para manter a todo o custo o direito do Padroado Portuguez na India, e para combater as invasões, que já então existiam.

Não faltou o Dignissimo Prelado á sua obrigação, nem esqueceu as instrucções recebidas. A tudo satisfez, com tanto zêlo como intelligencia. Folgo de pagar-lhe aqui o tributo da minha admiração e respeito (Muitos apoiados.)

O Arcebispo de Gôa, depois de empossado na sua Diocese, dispoz immediatamente uma Visita Pastoral á mesma Diocese. Chegado a Bombaim, foi tratado pelos Inglezes com todas as demonstrações de consideração e estima. Daqui lhe veio todo o seu mal, aqui teve origem a intriga que se propoz perde-lo!

A nova Concordata aplanou todas as difficuldades! Sr. Presidente, quer V. Ex.ª saber o que nella se dispoz a respeito do Arcebispo de Gôa? (Vozes: — Oiçam, oiçam) Eu lh'o digo. Dispoz-se que o Arcebispo seria apeado do seu Titulo, e receberia outro — In partibus (que o Pontifice dá a qualquer Clerigo) que exerceria em Lisboa o cargo de Commissario Geral da Bulla da Cruzada, e teria a congrua que recebem os Bispos de Portugal. Este foi o accôrdo primitivo. Neguem-no, se são capazes... (Sensação profunda)

Mas este accôrdo ainda pôde emendar-se, graças á instancia de alguns homens, que o Ministerio reputa seus inimigos. Fez-se nova transacção, pouco melhor do que a primeira, pela qual o Arcebispo de Gôa foi nomeado Coadjutor e Futuro Successor do Arcebispo de Braga, com exercicio interino na Commissararia Geral da Bulla da Cruzada. Para este accôrdo não houve audiencia, nem contemplação alguma com os dois Prelados. A Camara que moralise; eu abstenho-me desse trabalho...

Sr. Presidente, aquelle Livro chamado de Memoria, em que se escreviam os nomes dos Homens Benemeritos, só existiu uma vez em Portugal foi no Reinado de D. João II... O Arcebispo de Gôa não deve maravilhar-se da paga que recebem os seus serviços... Affonso de Albuquerque, esse insigne Varão, que morreu mal com o Rei por amor dos homens, e mal com os homens por amor do Rei, ainda viveu o tempo necessario para ver entrar ovantes na India alguns homens, que elle mandára para o Reino com a nota de ladrões... Vasco da Gama, depois de dar a Portugal um Imperio, que começava no tumulo do Sol e acabava no berço da Aurora, obteve o prenome de Dom, e uma tença de mil cruzados...

Senhores Ministros, não despreseis, não maltrateis os homens do merecimento. São poucos entre nós. A Patria póde precisar delles. Não queirais que a vossa ingratidão os leve ao extremo da indifferença!... (Sensação)

Mas pergunta-se: Existe na Concordata, modernamente celebrada, algum principio de reciprocidade, alguma estipulação, que nos seja favoravel? — Nada, Sr. Presidente, nada! Além dos pontos, que toquei, leem-se nella umas poucas de promessas, todas inexequiveis, todas improprias do tempo em que vivemos. Prometteu por ventura o Pontifice a Confirmação dos seis Bispos que o Governo Portuguez elegeu para as Dioceses vagas na Asia? Assegurou igual Confirmação a respeito de dois Bispos Eleitos para Igrejas deste Reino? — Nem uma palavra, nem uma sequer!

Já aqui me expliquei sobre este ponto. É notavel a demora de taes Confirmações. Tenho-a como um desaire pungentissimo para a Corôa Portugueza. É de pasmar que os Bispos Eleitos, homens em todo o sentido respeitaveis, sejam ainda victimas da mais infundada e mais negra calumnia?... (Apoiados)

Sr. Presidente, acaba de dar a hora (Algumas Vozes: — Continue, continue), e eu não quero, nem levar a palavra para casa, nem fatigar a attenção da Camara

Cumpria-me responder agora ao Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros. Noto porém que a resposta pertence mais ao illustre Deputado que se assenta á minha esquerda. Elle tem a palavra, sei que ha de aproveital-a melhor do que eu. Ponho portanto de lado muitas notas, e vou fechar o circulo das minhas observações. É mais um quarto de hora de incommodo para a Camara.

Sr. Presidente, quem ler este Projecto de Resposta, e não souber o que vai pelo nosso Mundo Politico, deve concluir do seguinte modo — «Ao Ministerio incumbe unicamente um trabalho, deve subir ao Capitolio, e dar graças aos Deoses.» — (Riso)

Entre os grandes feitos, attribuidos ao Ministerio actual, figura em primeira plana a conservação da

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Paz, ou de certa uniformidade de existencia, que nem sempre é demonstração de verdadeira prosperidade (O Sr. Carlos Bento: — Muito bem.)

Mas, Sr. Presidente, se a Paz é um bem (acredito que sim) e se a conservação della merece agradecimento, demol-o a quem de direito compete; demol-o ao Povo Portuguez, que está saciado de guerra, e tem hoje a convicção de que só póde prosperar á sombra da Paz. (Apoiados)

Não temos tido revoluções durante a existencia desse Ministerio, que aí está. É verdade. Mas a quem se deve o resultado que apreciamos? Ao Governo? — De certo não. Os seus actos administrativos conduzem, não só a uma revolução, mas a muitas. A quem se deve pois a conservação da Paz? Á existencia de uma guerra civil, que nos assolou por muitos mezes, e que nos convenceu de que o transtorno da ordem é o peior de todos os flagellos conhecidos. (Muitos apoiados)

Mas a Paz impõe obrigações ao Governo que a disfructa, colloca-o em posição desaffrontada; e dá-lhe opportunidade para cuidar nos grandes interesses do Paiz. E que tem feito o Ministerio Portuguez no meio desse remanso, que falsamente se attribue! — Logo veremos.

A Nação visinha lucta com as difficuldades d'uma guerra civil. Esse facto podia em certo modo servir de pretexto ao Ministerio, que preside aos seus destinos, para se mostrar menos diligente nos assumptos estranhos á guerra. Pois não é assim. O Ministerio Hespanhol não tem descançado um só momento, tem attendido a todos objectos de interesse publico. Promulgou um Codigo Penal, fez uma excellente Lei de Instrucção, melhorou o seu Correio, promoveu a feitura de muitos caminhos geraes e provinciaes, tracta de abrir um canal lateral no Guadalquibir, desde Cordova até Sevilha, fomentando assim grandes riquezas na Provincia da Andaluzia, estabeleceu escólas de Agricultura, desde o ensino primario elementar até o conhecimento dos altos theoremas da Sciencia Agronomica, etc.

Cotejem na Parte Official, a Gazeta de Madrid e o nosso Diario) se querem admirar a differença: na primeira ha sempre que aprender, ha sempre algum acto importante, que desafie louvor e admiração: o segundo é das producções mais minguadas que conheço neste Mundo. A Parte Official do nosso Diario teria morrido, se a não alimentassem aquelles eternos annuncios para a venda de Bens Nacionaes, e os despachos do Sr. João Elias para o provimento, por via de concurso, de algumas Igrejas Parochiaes. (Riso).

Certo é que o Ministerio tem nomeado algumas Commissões de Apparato, cujo resultado se cifra em apparecerem no Diario os nomes dos Commissionados. Estas Commissões reunem-se uma vez; constituem-se; e nada mais: salvo as poucas excepções.

Para que um Ministerio seja bom, convem 1.º que desempenhe habilmente os seus deveres, no circulo de acção que lhe compete, sem dependencia de outro Poder do Estado, 2.º que prepare trabalhos para serem presentes ás Côrtes.

E que tem feito ele Ministerio no desempenho daquellas essenciaes obrigações? — Espero que me respondam.

Dir-se-ha que usou da auctorisação que lhe demos para reformar as Tabellas Judiciaes. É certo, mas tambem o é que a obra não agradou a ninguem, nem ainda aos proprios interessados. Bem sabem elles que tal obra é insustentavel. Em ella aqui apparecendo, estou certo de que será immediatamente derrotada (Apoiados).

Em que objecto demonstrou já o Ministerio que tinha sincero desejo de melhorar a situação actual?.. Quaes são as suas obras!.. Quaes as providencias, que revelem espirito economico?..

Não posso passar adiante, sem rectificar um facto, que o Sr. Deputado Cunha Sotto-Maior referiu inexactamente n'uma das passadas Sessões.

A Sé Patriarchal de Lisboa é uma Igreja modernamente organisada, o seu quadro está completo, esse quadro é, em quanto a mim, um pouco ostentoso, se attendermos as nossas circumstancias actuaes.

Vagou alli um Beneficio, porque o sou possuidor, não podendo já luctar com a fome, pediu que lh'o trocassem por uma Igreja Curada. Foi o homem attendido.

Os preceitos economicos, que o Ministerio promettêra guardar, e a lei de Meios, pediam que o Beneficio não fosse provido. Pois ainda o Beneficiado não estava em caminho para a sua Parochia, e já a Sé de Lisboa tinha outro Beneficiado! E cuidais que no provimento foi attendido algum dos Capellães Cantores, que estavam no quadro, como determina um Decreto expedido em 1837? Não, Senhores, o Beneficio foi dado ao Sachristão de uma das Parochias de Lisboa!

Vagou na mesma Sé um Canonicato, por fallecimento do nosso antigo Collega, o Sr. Faustino Gualberto Lopes. Ainda o cadaver daquelle virtuoso Ecclesiastico jazia sobre o leito em que morreu, e já o seu Beneficio estava dado ao Capellão de um dos Srs. Ministros. (O Sr. Cunha Sotto-Maior: — Ouçam, ouçam) O Orador: — Não era Capellão do Sr. Ministro da Justiça, creio que o Sr. João Elias nunca teve Capellão. (Riso)

Seria necessario, Sr. Presidente, prover aquelles Beneficios no estado de miseria em que se acham os Cofres do Estado? Soffreria o serviço da Cathedral de Lisboa com a falta de dous de seus membros? Não soffria, de certo. Que importa que a Sé tenha 23, em logar de 24 Conegos? Que importa que tenha 17, em vez de 18 Beneficiados?

Estes factos serão de pouco valor, eu considero-os de muito, porque vejo nelles uma tendencia irresistivel para o desperdicio e para o despreso das Leis. Máo é o Governo, Sr. Presidente, que não começa por governar-se a si mesmo. Na Sessão passada previ o que tem acontecido a respeito de empregos vagos: aquelle celebre artigo da Lei de Meios, que vedava o provimento dos taes empregos, levou, não sei se de proposito, a necessaria aberta para todas as cavillações occorridas.

Perguntarei ainda aos Ministros: Quaes são os recursos, com que intentais fazer face ás despezas publicas, sem o gravame exclusivo de duas Classes do Estado? Será eterno esse gravame escandaloso?

O Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros não nos quer insoffridos. Ainda ha pouco recommendou o seu antigo Motto: «Esperai, esperai.» Mas o Paiz não póde esperar mais; mas o Paiz reprova esse adiamento indefinido de todas as grandes questões sociaes, mas o Paiz quer Ministros, e não Amanuen-

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ses. Essa vida, que se limita a despachar Memoriaes, não a podeis conservar por muito tempo.

Não quer o Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros, que entremos agora no negocio das Sete Casas e do Pescado: e assegurando, por uma parte, que o Projecto está retirado, accrescenta que virá tempo em que o possamos tractar competentemente. Este enunciado parece-me que involve contradicção palpavel. A mim sobejava-me vontade de discutir agora mesmo a questão, e de encara-la em todas os suas relações Financeiras, Economicas e Politicas. E desengane-se o Sr. Ministro: — a Sciencia Financeira cessou de ser monopolio; entende-a quem a sahe estudar. Um homem, que teve grande intimidade com o Sr. Visconde de Castro, e que já foi Ministro da Fazenda em Hespanha, não duvidou dizer á face do Parlamento «Que nunca abrira um Livro de Finanças.

Mas deixemos por agora esse negocio, sem com tudo o furtarmos á discussão. E necessario que os effeitos desta Negociação desastrosa, senão limitem a uma quasi crise Ministerial. E necessario que o Paiz veja que, adoptados os calculos do Ministerio, ainda os Arrematantes ganhavam 33 3 por cento ao anno. E finalmente preciso que a Nação conheça o que póde esperar dos auctores daquelle projectado contracto!..

Rectificarei aqui o que disse o Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros, sobre o custo primitivo de uma pipa de vinho ide consumo. S. Ex.ª está enganado. Em Torres Vedras compra-se uma pipa de vinho, não por 7:000 réis, mas por. 2:400 réis; e o custo do transporte, e do direito calcula-se em 17:000 réis.

Sr. Presidente, estes direitos de consumo são intoleraveis; a formação do Termo de Lisboa é um parto verdadeiramente monstruoso. A Capital carrega com quasi metade dos encargos publicos. Este estado é impossivel; desenganemo-nos por uma vez. (Apoiados)

Maravilhou-se um illustre Deputado de que nós pedissemos a diminuição de alguns tributos, quando é certo que os actuaes não chegam. Em occasião competente lhe mostrarei, que não somos contradictorios. Acabem com esses tributinhos, que se arrematam, e sublocam e tornam a sublocar; com essas miserias, que o Povo paga por alto preço, e de que o Fisco pouco ou nada aproveita. Cançam as fôrças contribuintes, em favor de meia duzia de especuladores; e depois dizem-nos que a Fazenda não recebe! (Muitos apoiados)

Argumenta-se-nos com uma lista de devedores ao Thesouro Publico, que se vai distribuindo com o Diario do Governo; e diz-se-nos que a falta de cobrança é causa dos males, que imputámos ao Ministerio. Sr. Presidente, essa lista póde provar tudo; não prova porém que o Governo e os seus Agentes fiscaes cumpram as suas obrigações. (Apoiados) Entre os devedores, mencionados naquella lista, ha muitos que não pagam o seu debito, porque de certo lh'o não exigem.

Sr. Presidente, sabe V. Ex.ª a rasão porque senão curam os males publicos? — Porque o Ministerio actual cuida que a Arte de Governar se reduz ao emprego de ameaças militares, e de meia duzia de enredos pequeninos. Porque ha entre nós um fatalismo estupido, disposto a negar força ao braço, e efficacia á intelligencia. Porque, finalmente, adiámos ou tememos toda a discussão importante.

O maior Capitão do seu seculo, diante do qual são pygmeos todos os presentes, dizia em 1802, fallando no Conselho d'Estado «Que depois do descobrimento da polvora, nenhum militar como elle, que tinha cinco pés e duas pollegadas de altura, podia vencer grandes obras, se lhe faltavam qualidades civis. «E accrescentou: «Que sabia a influencia que produziam as suas palavras, quando no papel, em que as assignava, apparecia a qualidade de General unida á de membro do Instituto.»

Sr. Presidente, tornei talvez demasiado calor nesta discussão. Peço á Camara que me desculpe, e se convença de que não opera em meu animo o menor ressentimento pessoal. Sou superior á misérrima vingança, de que fui victima: e agora mais porque o Sr. Ministro da Fazenda se incumbiu de dulcificar a minha demissão. (Rino) Hoje começa a ser problema se é ganho ou perda o ser Empregado Publico. (Riso) Ahi está o Sr. Ministro da Justiça, a quem eu disse (sendo ainda Empregado) que faria opposição na Camara á celebre Concordata, de que fallei.

Sr. Presidente, não gosto de circuitos, nem sei descrever curvas. Eu patentearia ao Throno a fiel expressão da Opinião Publica; dir-lhe-hia: «Senhora: basta de provação. O Povo Portuguez é o mais desgraçado de todos, podendo ser o mais feliz. O Ministerio actual, em logar de remediar os males publicos, vai-os exacerbando cada vez mais.» Se a Camara quer uma Resposta igual ou semilhante á que deixei indicada, conte com o meu voto; se me pede opinião a respeito deste Projecto, digo-lhe que o rejeito. (Apoiados — Muito bem, muito bem.)

O Sr. Presidente: — A Ordem do Dia para ámanhã é a mesma. Está levantada a Sessão. — Eram quatro horas e um quarto da tarde.

O 1.º Redactor,

J. B. GASTÃO.

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