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N.º 15. Sessão em 19 de Janeiro 1849.

Presidencia do Sr. Rebello Cabral.

Chamada — Presentes 50 Srs. Deputados.

Abertura — Á meia hora depois do meio dia.

Acta — Approvada sem discussão.

Correspondencia.

Officios: — 1.º Do Ministerio da Fazenda, annunciando, que no Relatorio respectivo a esta Repartição, que brevemente seria apresentado á Camara, se encontrariam os esclarecimentos pedidos pelo Sr.

VOL. 1.º — JANEIRO — 1849.

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Lopes de Lima, ácerca da importancia em Notas do Banco do Lisboa, recebida nos Cofres publicos, e dos pagamentos effectuados com o producto dessa receita. — Para a Secretaria.

2.º Do mesmo Ministerio, fazendo identica communicação a respeito d'outro Requerimento do mesmo Sr. Deputado, em que pede uma conta exacta da quantias, que teem produzido a venda dos bens da Universidade de Coimbra. — Para a Secretaria.

3.º Do mesmo Ministerio, participando, que no Projecto apresentado á Camara, sobre a arrematação das Sete Casas, assim como no Relatorio que o precede, e mais documentos que o acompanham, se acham todos os esclarecimentos pedidos pelo Sr. Cunha Sotto-Maior, ácerca deste objecto. — Para a Secretaria.

4.º Do mesmo Ministerio, communicando que no Relatorio, que seria presente á Camara, seria satisfeito o Requerimento do Sr. Pereira dos Reis, em que pede uma relação dos adiantamentos, ou emprestimos feitos ao Ministerio actual. — Para a Secretaria.

5.º Da Commissão Administrativa do Hospital Real de S. José, enviando 120 exemplares das Contas da gerencia do mesmo Hospital, relativas ao anno economico de 1847 — 1848, para serem distribuidos pelos Srs. Deputados. — Mandaram-se distribuir.

O Sr. Fontes Pereira de Mello: — Peço a V. Ex.ª tenha a bondade de me inscrever, para apresentar um Projecto de Lei.

O Si Palmeirim. — Participo a V. Ex.ª, e á Camara, que a Commissão de Guerra se acha installada, e nomeou para Presidente o Sr. Barão d'Ourem, para Secretario o Sr. Franco de Castro, e Relator geral a mim: havendo Relatores especiaes nos differentes negocios, que lhe forem submettidos.

O Sr. Pereira de Mello: — Tambem participo a V. Ex.ª e á Camara, que a Commissão de Infracções te acha constituida, tendo nomeado para Presidente o Sr. Vaz Preto, para Secretario o Sr. Forjaz, e para Relator o participante.

Segundas leituras.

Relatorio. — Senhores: A Carta de Lei de 28 de Julho de 1848, determinando, que o emprego de Quartel Mestre nos Corpos do Exercito, seja exercido por Subalternos; e permittindo que os Quarteis Mestres passem a esta Classe, não explicou como a practica da execução da Lei, o tem mostrado necessario, se o Quartel Mestre passando á fileira devia ficar a mais do Quadro actual dos Subalternos, ou, o que é equivalente, se aquelle Quadro devia ser augmentado d'um Official destinado para exercer o dicto emprego.

Ora, estabelecendo os Regulamentos em vigor dois Subalternos por Companhia, em todos os Corpos do Exercito, (com excepção do 1.º Regimento de Artilharia, que pelo seu maior serviço deve ter tres) por ser este o numero que se tem julgado indispensavel para as necessidades do serviço em tempo de Paz; e sendo certo, que deste numero, já actualmente se acha desviado um Subalterno em cada Corpo, que exerce as funcções de Secretario do Conselho Administrativo, e que separado inteiramente da fileira, apenas póde satisfazer as obrigações deste pesado encargo; é claro, que sem augmentar ao quadro actual um Subalterno destinado para substituir o que tiver o emprego de Quartel Mestre, o serviço não se póde fazer convenientemente. E porque de similhante augmento, não resulta maior despeza, por ser como compensação, ou substituição dos Quarteis Mestres abolidos pela citada Lei; por isso tenho a honra de offerecer á consideração da Camara a seguinte

Proposta. — Artigo 1.º Nos Corpos do Exercito, onde não houver Quartel Mestre, haverá na 1.ª Companhia um Alferes para mais do Quadro estabelecido pelos Regulamentos em vigor, destinado a substituir no serviço de fileira, aquelle Subalterno, que, em execução do art. 1.º da Carta de Lei de 28 de Julho de 1848, estiver exercendo o emprego de Quartel Mestre.

Art. 2.º Fica revogada toda a Legislação em contrario.

Camara dos Deputados, em 15 de Janeiro de 1849. — Barão de Villa Nova d'Ourem.

Foi admittido, e remettido á Commissão de Guerra.

Ordem do dia.

Seguimento da discussão da Resposta ao Discurso da Corôa.

O Sr. Ministro da Justiça — Sr. Presidente, o illustre Deputado, que encetou esta discussão, em todo o seu Discurso atacou a Administração de intolerante; disse que ella, com as palavras de paz, e de tolerancia, tinha practicado os actos da maior intolerancia, allegando alguns factos em prova desta sua asserção.

Sr. Presidente, ha muito tempo, que eu conheço, que a tolerancia é avaliada por differentes modos. Para alguns é justa, e verdadeira, e para outros é vileza. Assim tenho visto avaliar repetidas vezes actos das Administrações passadas, e actos que teem sido louvados já uns, como actos de muita tolerancia, teem sido censurados a outros como actos de medo. Mas seja como fôr, a Administração, fórte com a consciencia de seus actos, tem sido tolerante, e moderada, e assim é reconhecida, e qualificada por todos os homens, amantes da Liberdade, e do Throno; (Apoiados) e neste sentido ha de continuar no mesmo caminho, que encetou, em quanto tiver a honra de occupar este logar.

Disse eu — Que o nobre Deputado tinha allegado alguns factos para prova da sua asserção; — mas quasi todos já foram victoriosamente respondidos pelo benemerito Relator da Commissão no seu erudito, eloquente, e mui logico Discurso, deixando de parte alguns, que diziam respeito aos differentes Ministerios, por isso que entendia, que deviam ser respondidos directamente pelos Ministros, visto que eram actos directamente delles. Tenho pois que responder sobre alguns desse actos, que foram passados pela Repartição a meu cargo

Um desses actos foi a exoneração de um Empregado de uma das Secretarias de Estado, e que leiu a honra de lêr assento nesta Casa. Passo a explicar á Camara os motivos, que o Ministerio teve. Não foi por opiniões, nem por motivos politicos; não foi pelas opiniões e Discursos que tinha emittido nesta Camara na Sessão passada, nem pelos votos que tinha dado; se fosse por esse motivo, o procedimento

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do (inverno devia ter tido logar, ou durante a Sessão, ou logo depois della encerrada, porque durante ella já o Sr. Deputado tinha manifestado as suas opiniões contrarias aos actos do Governo. Mas não foi este o motivo, e tanto assim e que estando outros Empregados em similhantes circumstancias, o Governo nunca deu demonstração alguma de indisposição contra elles. Nesta Camara está sentado um Empregado, que é de inteira confiança do Governo, e nas questões mais importantes tem votado contra o Governo, e nunca por esses actos de plena liberdade de voto e de opiniões, desmereceu da confiança do Governo. Não é pois nestes motivos que se fundou o acto do Governo, foi pela posição, em que te collocou aquelle Empregado, de Redactor de um Jornal, que todos os dias, que constantemente atacava e ataca os actos do Governo; de um Jornal, que constantemente injuria e ataca a cada passo os Membros da Administração. A posição pois, em que se collocou aquelle Empregado, o tornava incompativel com o logar que exercia na Repartição. O Governo teve para com elle a maior de todas as tolerancias, não só durante as Sessões da Camara, mas no intervallo praticou lodo os actos de moderação, teve com elle todas as attenções, que se podiam ter para continuar a sua amisade, mostrando-lhe a conveniencia de sair de uma das duas situações; porque não era possivel, que o mesmo individuo fosse homem de Gabinete, cingindo-se á Politica do Governo, uma Repartição, pela qual passam negocios dos mais importantes do Estado; e seguisse outra no escriptorio da Imprensa. Não era possivel, que ao mesmo tempo continuasse a conservar a união destas duas posições; e mesmo, por honra sua, devia sair de uma situação tão melindrosa, achando-se ao mesmo tempo cru occasião de lhe serem confiados os actos do Governo, e de ter de atacar pela Imprensa a Politica do mesmo Governo, que lhos confiava. Para sair pois desta melindrosa situação, deve seguir o que em taes circumstancias se costuma fazer, e que é sabido de todos: quando qualquer Empregado Publico quer fazer opposição ao Governo, desiste do seu emprego. Esta é a doutrina, que anda na bôca de todos. Foi por consequencia por estes motivos que o Governo procedeu, e não por emittir a liberdade da opinião, e o seu voto nesta Camara. Agora pelo que pertence ao direito com que precedeu a admissão, o Governo não infringiu artigo algum da Carla. O Governo tem a seu favor não só o direito, mas a practica constantemente seguida e adoptada a este respeito. E com esta Explicação, não só respondo ao primeiro Sr. Deputado que encetou esta discussão, mas a outro, que tomou a seu cargo expressamente stygmatisar os actos do Governo, e que fez menção do mesmo acto, e respondendo a ambos digo que, em nenhum dos artigos da Carta se garante aos Officiaes de Secretaria o seu emprego.

O nobre Deputado, que tomou a seu cargo principalmente sustentar a injustiça do acto, recorreu aos principios; mas nem sê offenderam as Leis, nem os principios, como passo a demonstrar.

Lançando um golpe de vista por todos os artigos da Legislação e da Historia, relativamente á organisação das diversas Secretarias de Estado, não passarei de 1643 para traz, porque é nesse anno que encontro as primeiras providencias sobre este objecto, porque reconhecendo-se que a grande afluencia de negocios demandava uma divisão da unica Secretaria de Estado, que até então existira, fizeram-se duas Repartições) com um só Ministro de Estado, as quaes foram a de Expediente e a de Mercê, a que mais tarde se juntou a da Assignatura.

Continuando a affluir os negocios ás Secretarias fez-se uma nova divisão em 1736, constituindo-se tres Secretarias d'Estado, com tres Ministros, e com Officiaes Maiores e Ordinarios, que eram nomeados por simples Portarias dos Ministros, do que ha muitos documentos e em 1788 constituiu-se em separado a Secretaria da Fazenda, determinando-se na sua organisação que o Ministro nomearia os Empregados que para ella fossem precisos, o que assim se fez.

Taes foram sempre os precedentes e a pratica constantemente seguida até que pela bem conhecida Lei de 9,2 de Junho de 1822 se declarou pela primeira vez que os empregos dos Officiaes das Secretarias d'Estado seriam vitalicios, tornando-os desde então dependentes da Nomeação Real, porque até ahi não o eram, e obrigando-os a encartarem-se.

Todos sabem, porém, que esta Lei foi revogada em 1813, e não subsistiu desde então para cá, porque não foi das que foram mandadas conservar, e até se restituiram os direitos de Mercê áquelles que se tinham encartado, visto ter caducado essa Lei.

Desde essa época este objecto tem sido regulado por differentes ordens dos Governos precedentes, sem comtudo terem caracter algum Legislativo, e só se conservou na pratica a disposição de dependerem da Nomeação Real..

Tenho pois mostrado que o Governo não excedeu a Lei, nem infringiu os principios, não só á vista da Legislação, mas tambem da pratíca, que em diversas occasiões se tem seguido. Pois a Camara não sabe as differentes occasiões, em que se leiu dado este caso, a respeito dos Officiaes de Secretaria? Pois no Ministerio do Sr. José da Silva Carvalho não foi demittido um Official de Secretaria, só porque escreveu uma Memo: ia contra os Papeis Officiaes da Secretaria? Pois n'um outros Ministerios não se tem verificado o mesmo? Governos de todas as côres e de todos os tempos não o tem feito? Por consequencia o Governo procedeu, fundado nó direito e na faculdade até aqui estabelecida.

Tambem disse o nobre Deputado, que se tinham offendido os principios da liberdade d'opinião, e os principios da liberdade do voto, porque aquelle Empregado tinha a honra de ser Membro desta Casa, e que se ter offendido egualmente a independencia da Imprensa. Não se offendeu nada disto, como acabo de demonstrar, tanto em relação ao nobre Deputado, como em relação a todos que têem sido Membros desta Casa; todos teem votado livremente, e o Governo não teve contra elles nenhum procedimento, nunca soffreu o principio da independencia de opinião, nem de dependencia de voto, e muito menos da Imprensa, porque o Governo só procedeu a respeito deste Sr. Deputado, porque entendeu que tinha chegado o caso de que era impossivel conservar entre si e elle a posição em que aquelle Empregado se tinha collocado, e até esse Empregado ficou assim mais livre para o seu exercicio na Imprensa. Por consequencia nem os principios se offende» a in, nem as Leis, nem os Artigos Constitucionaes (Apoiados, apoiados). Pelo que toca a este facto julgo ter ex-

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plicado á Camara os motivos que houveram para o Governo assim obrar, motivos que não podem deixar de ser muito attendiveis (Apoiados).

O nobre Deputado referiu aqui um outro facto, que é relativo a objecto que corre pela Secretaria a meu cargo, e censurou, o procedimento que houve a la! respeito: fallo da nomeação d'um Conego para a Sé de Lisboa. Este argumento talvez pareça que é empregado á falta d'outros, com que se ataque o Governo. Pois tal despacho póde servir d'objecto de accusação, ou arguição ao Governo? Pois a Sé de Lisboa não tem definitiva e legalmente regulado o seu Quadro, e a Lei de 1843, que prohibe que se preencham os logares que vagarem nas Cathedraes do Reino e Ilhas, por ventura comprehende a Sé de Lisboa?... A Sé de Lisboa não foi organisada na fórma da Bulla e Rescriptos Apostolicos, que tiveram Beneplacito Regio, depois de seguidas as fórmas legaes, e segundo o que anteriormente havia existido? Não será certo que por esses Rescriptos ha obrigação de preencher os Beneficios que vagarem? O Governo tem tanta obrigação de prover todos os Beneficios da Sé de Lisboa, como tem obrigação de não prover todos os que vagarem nas demais Cathedraes do Reino e Ilhas, em quanto a Lei de 1843 não fôr modificada, e comtudo algumas dessas Cathedraes bem precisadas estão de Beneficiados, muitas requisições se tem feito, muitas o reiteradas instancias tem apparecido, muita resistencia tem sido preciso fazer-se para não violar a Lei; e entendo que a Camara deve attender ao estado dessas Cathedraes, que todas carecem de Beneficiados para o serviço do Culto, e para assistir aos dignos Prelados que presidem a essas Igrejas, para sustentar na Religião o caracter de dignidade que está ligado aos actos da Religião, a que estamos obrigados por Lei do Reino (Apoiados).

Repito o argumento: tanta obrigação reconhece o Governo em não prover nenhuma dessas muitas vagaturas que existem em todas as outras Cathedraes, como se considera obrigado a prover a todas as vacaturas da Sé de Lisboa. — Agora vamos ao modo porque se nomeou para o Beneficio da Sé de Lisboa. Declaro que essa nomeação recaio em um Bacharel Formado em Theologia na conformidade das Leis do Reino, e que de mais a mais era Beneficiado da mesma Sé, o concorreu com outros Oppositores igualmente Bachareis em Theologia; o que apresentou mais provas de dever ser nomeado foi o que eu despachei, e já se vê que foi em resultado d'um concurso junto com outros Oppositores. Poderia agora perguntar se os despachos anteriormente feitos tiveram o mesmo cunho de legalidade, que este teve? (Apoiados). Podia fazer essa pergunta, mas não quero; neste despacho andou toda a legalidade e conforme ordena a Lei (Apoiados). Os Candidatos aos Beneficios pela Lei são em tres graos, 1.º Bachareis Formados em Theologia, e são estes os preferidos, quando os acompanham as demais circumstancias de moralidade e instrucção; ecceteris paribus devem preferir a todos 09 mais aquelles que forem Bachareis em Direito; só os simples Clerigos, sem graduação, é que podem entrar em terceiro logar. Observou-se isto nos Ministerios antecedentes? Podia apresentar alguns exemplos em contrario, porém não o farei, e contento-me só com fazer esta pergunta (Apoiados). Eu não despachei Capellão nenhum (Apoiados) despachei um Clerigo, Beneficia» do da Sé de Lisboa (Apoiado) ', não vi diante de mim um Capellão, vi um Clerigo com os requisito que a Lei, e a pratica exigem, que elle tivesse para poder ser Conego da Sé de Lisboa (Apoiados). Eis de que maneira se combate o Governo! (Apoiados). Aqui está o grande defeito, que o Governo commetteu! A arguição do nobre Deputado é inteiramente injusta (Apoiado). E quem despachei eu para o logar do Beneficiado, que passou para Conego? Foi despachado um Capellão — Cantor, homem que foi o mais venerando na sua Ordem de S. Domingos, e que está ha muito tempo na Sé. Ora aqui está como se fez o despacho, e eis como se argumenta para censurar o Governo! (Apoiados). Mas a economia? O! Sr. Presidente, a economia que vai contra as regras, contra as obrigações, e contra os deveres, não é economia; em primeiro logar estão os deveres, as regras, e as obrigações (Apoiados). A economia verdadeira é gastar o necessario, o rigorosamente necessario — Pois hão-de deixar de se prover os empregos, necessarios para o Serviço Publico em qualquer ramo Ecclesiastico, Civil, Judicial, ou Militar só por economia?... Isso era assassinar, em logar de fazer economias. A economia, repito, consiste em gastar só o necessario; o quadro da Sé está estabelecido por Lei, deve conservar-se preenchido, assim como todos os outros que forem legalmente estabelecidos.

Ainda se encontrou mais outro facto para provar a intolerancia e violencia dos actos do Governo: foi a prisão d'alguns Cavalheiros, que foram mettidos nas masmorras, segundo a expressão do nobre Deputado, do Limoeiro, que sendo pronunciados foram depois reconhecidos innocentes pelo Accordão da Relação de Lisboa. Eu tenho antigas relações e amisade com alguns desses Cavalheiros. Qualquer opinião politica não me leva nunca a deixar de tractar com pessoas que tenha tractado; se alguma o tem feito para comigo, a mim não me accusa a consciencia de os haver feito para com qualquer pessoa; sempre em todos o tempos nunca por causa de opiniões politicas interrompi os minhas relações de amizade. Tenho pois, repito, relações e amisade com alguns desses Cavalheiros; sinto, e sinto muitissimo que tivessem chegado a uma tal posição, e foi com grande violencia que fui impellido a assignar algumas ordens que dependiam de mim, que, como sabem os Srs. Deputados, poucas são as que se dão pelo Ministerio da Justiça, mas essa pequena parte que compete ao Ministerio da Justiça, cumpri-a violentamente, porém segundo meus deveres. Nunca desejei ver réos diante de mim; fui Juiz muito tempo, e sempre evitei quanto era possivel, a ter réos diante de mim. — desejaria muito que os individuos de que se tracta, não chegassem a uma tal posição. O Accordão da Relação corre pela máo de muita gente, e a respeito delle já o illustre Relator da Commissão de Resposta respondeu victoriosamente. Só trarei agora n'um ponto; pelo Accordão vê-se que os Juizes mostraram todo o empenho na appreciação das provas, mas nem uma só palavra alli se encontra a respeito de falta de alguma solemnidade, ou requisito da parte da Auctoridade, o que prova que as Auctoridades todas andaram bem em todo o processo até subir a superior instancia. O Accordão foi favoravel a esses Cavalheiros; o Governo e as Auctorida-

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des respeitaram os effeitos do Accordão, esses Cavalheiros estão em plena liberdade – Deos queira que elles se não colloquem outra vez em ma posição.

Um nobre Deputado fez uma grave Interpellação ao Governo, por isso que asseverou que o Ministro da Justiça deixava andar livremente os assassinos da Vidigueira, e os de S. João da Pesqueira, no Districto da Guarda. A respeito dos da Vidigueira devo dizer, que na Sessão passada, parece-me que foi o Sr. Deputado Avila, apresentou aqui documentos que deram occasião a que o Governo mandasse conhecer extraordinariamente desse facto, tem-se seguido passo a passo esse negocio; fez-se com que andasse o processo que estava parado; foram julgados no Juizo da Cuba, e foram absolvidos os réos por decisão unanime dos Jurados; o Governo não tinha mais a proceder n'este facto; mas não obstante isso, ainda mandou ao Presidente da Relação de Lisboa, que observasse, se o processo nessa ultima parte tinha objecto de nullidade, para se por este meio se podér fazer alguma cousa juridicamente. O estado do negocio é que os Réos foram absolvidos por decisão unanime dos Jurados.

Ora o facto do Districto da Guarda, do assassinato commettido por homens, que de noute suprehenderam o Carcereiro, e tiraram da prisão os presos que lá estavam, invocando para isso a ordem do Administrador de Concelho, foram aquelles logo perseguidos, fazendo as Auctoridades o seu dever; e os perpetradores deste crime fugiram; porém como a justiça de Deos anda sempre muito proxima dos Réos, o chefe dessa quadrilha de ladrões e assassinos dentro em pouco tempo appareceu morto nas margens do Rio Douro. Estou fallando na presença de dois dignos Chefes do Ministerio Publico daquelle Districto, e segundo a Parte Official que o Governo recebeu, na qual me fundo.

Por consequencia já se vê que o Governo não deixa andar livremente pelas ruas os assassinos, e que pelo contrario tem o maior empenho e cuidado, em que elles sejam perseguidos pela Justiça, e que se cumpram as Leis a respeito d'elles.

O segundo Orador que se seguiu ao nobre Deputado, na torrente do seu Discurso significou uns desejos, aliás muito santo?, de que contra os Empregados prevaricadores as Leis consignassem acção popular. Parece-me que foi esta a sua idéa, porém direi que essa acção popular está consignada nas Leis, tanto nas modernas, como nas antigas, e mesmo na Carta Constitucional art. 121 está litteralmente estabelecido, como se deve proceder contra todos os Empregados prevaricadores; depois veio a Reforma Judicial, que estendeu a todos os Empregados Publicos essa acção popular nos crimes de suborno, peita, peculato, e concussão; essa acção criminal está estabelecida; póde estar descançado o Sr. Deputado; se se não fez ainda uso della, é porque alguem do povo não quer.

O illustre Deputado por Traz-os-Montes, e meu antigo Amigo, fez tambem algumas graves censuras á Administração, principiando por fazer uma pintura daquella Provincia, que eu á vista da correspondencia official, e particular que possuo hoje, não posso deixar de dizer que foi muito exaggerada, e que eu não esperava de uma pessoa tão respeitavel, como é O meu nobre e antigo Amigo.

S. S.ª disse que nas Provincias do Norte não se podia viver, senão acauteladamente. Parece que o illustre Deputado não chegou tão proximamente diurna Provincia que eu me honro tambem muito de pertencer, á rica Provincia do Minho; nem que atravessou o Reino tão sucegadamente! Não sei por tanto, aonde imaginou que naquella Provincia hoje só se podia viver acastellado. Entendo que S. S.ª queria referir-se a época mais anterior, (Apoiados) em que uma grande quadrilha» de ladrões infestava alguns dos Districtos daquella Provincia; porque realmente entre os Concelhos d'Espozende, Barcellos, Vianna, e Ponte de Lima, essa quadrilha commetteu grandes attentados; quadrilha que chegou a dar cuidado, não só aos habitantes daquelles Concelhos, e Auctoridades Administrativas, mas até Governo; porque da natureza criminosa que ella tinha assumido, podia tomar a natureza de Politica e assolar aquelles povos. Mas felizmente não foi por diante, porque não só por essa Portaria, a que o illustre Deputado se referiu, das tres linhas; roas por muitas outras providencias e immensos alvitres, que o Governo tomou pelas Secretarias do Reino, Justiça, e Guerra, e fallo na presença de dois Chefes do Ministerio Publico daquelle Districto, que sabem a verdade; e o Governo ajudado com os esforços das Auctoridades, tem a fortuna de podér dizer á Camara, que hoje está em perfeito socego aquella Provincia; a guerrilha está acabada pelas numerosas prisões que se fizeram entre os Concelhos já mencionados. Alguns dos criminosos escaparam se para o Reino visinho; os que estão presos estão mettidos em Processo que corre os seus termos; e hoje toda a Provincia gosa de socego, e os seus habitantes fazem votos pelas Auctoridades, e pelas acertadas medidas que tomaram a este respeito. Resta-me dizer, que esse indigno Sacerdote, injuria da sua classe, e do nome Portuguez, que se poz á testa da quadrilha a que alludo, que tantos males causou, e cuja recordação faz horror, esse Sacerdote, com um seu digno companheiro, que se julgaram muito seguros á sombra do Convento de Lorvão, lá estão presos ha mais de tres ou quatro semanas. Portanto a força dessa Portaria de duas ou tres linhas, como lhe chamou o Sr. Deputado, juntamente com a vigilancia do Governo e das Auctoridades, fez com que esta quadrilha se acabasse, pela fórma que acabo de indicar, e a nossa rica Provincia póde estar certa, que não ha de ser mais assaltada por aquella quadrilha. Faço votos para que não haja outra; por aquella não ha de ser mais vexada.

O illustre Deputado tambem se referiu ao estado, em que se acham os Seminarios; passando agora o fallar sobre este objecto, tambem respondo a alguns dos illustres Deputados, que igualmente fizeram allusões a este respeito. Sr. Presidente, os Seminarios do Reino acham-se, segundo as circumstancias do tempo, no pé possivel; estão abertos aquelles que tem meios para estarem abertos, e esses estão com exercicio de todas as Aulas, como sempre tiveram, e os que assim existem teem grande concorrencia d'Alumnos. Mas disse o illustre Deputado — Os Seminarios estão fechados — Pois é possivel que uma Dignidade da Cathedral de Braga, que exerce alli o Emprêgo de Chanceller, e que o executa Com bastante consideração, é possivel, digo, que se expresse desta maneira? Pois as Aulas de Braga não estão abertas, e em exercicio? O Seminario de Coimbra não está

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aberto, e com grande concorrencia d Alumnos? O de Portalegre não está aberto com todas as suas Aulas? Pois nas outras Dioceses, aonde não ha Seminarios regulares abertos, não ha em todos elles mais ou menos Aulas? Pois essas Aulas não são dirigidas pelos dignos Prelados, que estão á testa dessas Dioceses? No Porto não ha Seminario, por falla de edificio e de rendimentos, e com tudo alli mesmo existem Aulas. Não se diga pois aqui na presença do Publico, que os Seminarios estão fechados, e que não ha Instrucção Ecclesiastica.

Sr. Presidente, os Seminarios estão abertos como sempre estiveram, e aonde não estão ainda abertos, ha algumas Aulas; em Bragança ha uma Aula de Moral; no Algarve, por mais diligencias que se tem feito, não foi possivel abrir-se ainda o Seminario por falta de meios para isso; mas pela direcção do digno Prelado, lá vão existindo uma, ou duas Aulas, que supprem até certo ponto a falta do Seminario.

E porque não estão já abertos os que faltam?.....

Porque falharam os seus rendimento, muitos dos quaes consistiam em dizimos que acabaram; outros em foros e pensões, que são muito difficeis de cobrar, porque a maior parte dos foreiros e pensionarios não teem querido pagar a titulo de estarem incluidas na Lei dos Foraes, e a Camara bem sabe que o Governo não póde dispor de meios para isso, apesar de tantos esforços que se tem feito para vêr se se póde chegar ao fim que se deseja.

Sr. Presidente, é necessario que a Camara saiba, que para se estabelecer o Seminario em Evora, já o Governo conseguiu de Sua Magestade El-Rei, como tutor de S. A. Real, que concedesse o Convento do Carmo, por isso que naquella Cidade não havia um edificio proprio para esse fim, não se podendo verificar um plano de o reunir com a Casa-Pia; porém o Convento do Carmo precisa de algumas obras, e ainda senão puderam applicar alguns meios para esse fim, bem como para se abrirem algumas Aulas nas Cidades aonde nunca as houve. Eis aqui está o estado em que estão os Seminarios, não se podendo dizer que elles estão fechados, nem tão pouco que o Governo não tem dado a este negocio todo o cuidado que elle merece.

Parece-me que tambem se fizeram allusões á Lei das Collegiadas; no que vou dizer, responderei aos Senhores que as dirigiram.

A Lei das Collegiadas está na execução, que é possivel ter; quanto havia a fazer por parte do Governo, fez-se logo; expediram-se ordens, mandaram-se instrucções, e tem-se repetido as instancias aos Prelados do Reino, para que adiantem quanto fôr possivel o processo para se conhecer quaes são os bens densas Collegiadas, quem, são os possuidores, quaes os titulos porque os estão possuindo, para depois se fazerem as applicações devidas. A demora que ha, não é dependente do Governo, depende dos Prelados ultimarem as suas diligencias; e não os posso criminar pela demora, porque sei que todos são zelosos pelo bem do Estado, e todos nós conhecemos a grande difficuldade que ha neste negocio, porque ha uma parte destes bens, que estava quasi toda abandonada pelos seus Beneficiados, e por uso esses bens estão extraviadas, outros estão em terceiro possuidor, e de uma grande parte estão de posse os Parochos; porque entram no computo das suas Congruas. Todas estas circumstancias hão de ser tomadas em consideração, e já se vê que necessariamente exigem alguma demora, para se saber quaes são os verdadeiros bens das Collegiadas, para se lhes dar a applicação da Lei. Por consequencia a Lei das Collegiadas não está parada, e a demora que possa ter é da natureza da cousa, que é muito difficil. A Secretaria, a meu cargo, já tem chegado alguns trabalhos sobre este negocio, mas grande parte delles ainda se estão confeccionando, e confio que os dignos Prelados se hão de apressar, por isso que elles são os mais interessados em que esta Lei tenha a sua execução.

O nobre Deputado tambem lastimou, e eu igualmente lastimo, e muito, o estado de ruina em que se acham algumas Igrejas das Provincias estando até algumas de uma maneira indecente. Neste ponto os meus sentimentos são iguaes aos do illustre Deputado; porém o Governo de certo pouco póde fazer a este respeito. O nobre Deputado sabe muito bem que a reparação dos Templos, e das Igrejas Parochiaes era da obrigação dos Povos, ou dos Padroeiros; hoje, pela Carta, o Chefe do Estado é o Padroeiro Geral, e então queria o nobre Deputado que o Governo tomasse sobre si o mandar repa ar por conta do Estado essas Igrejas? Ellas precisam muito desses reparos, mas as circumstancias poderão comportar que o Governo destaque parte das rendas publicas para esse fim? Uno os meus votos aos do illustre Deputado, mas não é possivel; isso em parte pertence aos Povos; se elles pagavam dizimos, e hoje não os pagam, tambem devem reconhecer que têem obrigação de reparar as suas Igrejas, onde se celebram as funcções divinas.

Entre as censuras que o illustre Deputado, que se senta nos bancos superiores, dirigiu ao Governo, uma dellas foi a respeito das Tabellas. Peço á Camara que se recorde do que se passou nesta Casa, quando se tractou deste objecto, que se lembre das grandes difficuldades que reconheceu que havia em confeccionar uma Tabella, não só pelo sua extensão, não só pelo seu demasiado detalhe, mas pela falta de dados estatisticos, e pela difficuldade de fazer uma Tabella Geral para todo o Reino, principalmente no estado de deficiencia em que se acham as Comarcas, porque não é possivel por uma Tabella só poder satisfazer a tudo, de maneira que se combinem os interesses dos Povos com os interesses justos e legitimos dos differentes Empregados. (Apoiados) No reinado da Senhora Dona Maria Primeira, pelo Desembargo do Poço se mandou proceder aos Regulamentos parciaes, de cada uma das Comarcas.....

(O Sr. Pereira de Mello: — E havia-os em muitas). Havia-os em quasi todas as Comarcas; eu os tive presentes, e por elles me regulei, mas tambem se reconheceu que esse Systema era vicioso. A Camara pois reconheceu a difficuldade que havia em confeccionar a Tabella, em consequencia do que declinou sobre o Governo a obrigação de a fazer. O Governo pela sua parte empregou todos os esforços ao seu alcance no curto espaço de tempo que decorreu, para levar ao fim este trabalho. Não está perfeito, nem o podia estar no estado das nossas cousas; mas a Tabella soffreu grandes melhoramentos, e para elles se conhecerem é preciso analysal-as muito pausadamente, combinando-a com a Tabella anterior, e ver-se ha que os ramos Orfanologico e Civil soffreram grande diminuição. Algumas das addições reuniram-

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se, e então a primeira vista faz illudir, parece que houve augmento: V. g. nos Aggravos de Petição; a assignatura era de 1$000 réis, e agora apparece com a verba de 1 $760 réis; porém eu explico em que consiste esta verba. Na Tabella antiga 1$000 réis eram da assignatura; 600 réis eram do emolumento do Relator, o 100 réis eram da verba do Guarda-Mór; reuniram-se estas tres verbas que montam a 1700 réis e accrescentou-se 80 réis de distribuição, que não se pagavam, havendo aliás grandes reclamações para que estas distribuições se pagassem, e não havia motivo para que assim não fosse. A nobre Commissão Especial reconheceu isto mesmo no que a Commissão Externa conveiu, restringindo outros augmentos que a Commissão Interna da Camara ter julgado uteis. Mas permitta-me V. Ex.ª e a Camara que eu diga, que não é este o logar proprio para discutirmos verba por verba a Tabella; ella cá ha de vir com o competente Relatorio: a Camara então a examinará; mas desde já previno que, bem examinada, ver-se-ha que a diminuição é muito maior do que esses pequenos accrescimos que se fizeram.

Disse o illustre Deputado: «Excedeu-se a auctorisação. «Não se excedeu a auctorisação. A Tabella antiga era como as anteriores, e como são muitas das Leis, deficiente e imperfeita, porque lhe faltou a sancção; e esta sancção em que consiste? Nas regras, que foi o que se proclamou nesta Casa como o mais necessario, porque, como aqui se disse, o mal não estava tanto nas Tabellas, como no abuso que dellas se fazia, abuso que era necessario punir. Mas essas regras ou disposições não contêem senão aquillo que já está estabelecido nas Leis. Apontou-se, por exemplo, a 3.ª e 4.ª disposição; pois as penas que aí estão impostas são as mesmas que se acham nas Leis, V. g. a 4.ª regia estabelece a pena de perdimento de officio, e é porque essa pena está estabelecida na Ordenação do Reino. Pois esquece-se que o Liv. 1.º tit. 88 § 2.º impõe a pena de perdimento de officio aos Juizes, aos Escrivões, e aos Contadores que levarem. mais do que o conteudo nos seus Regulamentos? Pois esquece-se que no Liv. 6.º tit. 72 se impõe a mesma pena áquelles que levarem além do conteudo nos seus Regulamentos? Pois um Escrivão que lavrar um auto com falsidade, declarando que taes e taes Empregados assistiram a qualquer acto, que foram a tal sitio, onde não foram, onde não se praticou tal acto, o que acontece a cada passo, não commetteu uma falsidade, pela qual se perde o Officio? É um crime de falsidade a respeito do qual as Leis estabelecem a pena de perdimento de officio. Portanto não se fez mais do que recapitular as penas que estão espalhadas pelas Leis, para mostrar que essas Leis não estão revogadas, porque o não estão; estão em vigor, e»é necessario que esses Empregados saibam que estão sujeitos ás penas que ellas estabelecem.

Estou chegado ao ponto mais melindroso daquelles a que tinha que responder; refiro-me ás Negociações com a Côrte de Roma. Peço a V. Ex.ª e á Camara que tenha a docilidade de permittir que eu tenha todas as reservas necessarias n'um negocio, que toca com a Politica exterior, que é muito melindroso de sua natureza, e que parte delle ainda não está em circumstancias de poder ser presente á Camara. — Conto com a benevolencia da Camara, e que não ha de exigir senão aquellas declarações que eu possa

fazer. (Apoiados) Serei menos explicito mesmo de alguns objectos, que irão de ser presentes brevemente á Camara pelo meu Collega o Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros, porque é elle o competente a este respeito; e por esta occasião direi á Camara, que eu, entendendo que mão era o competente para dar os esclarecimentos que pediu o Sr. Deputado que se senta nos bancos superiores, mas sim o Ministerio dos Negocios Estrangeiros, onde este negocio teve nascimento, e tem seguido todo o seu curso, o enviei a este Ministerio, para por lá ser satisfeito, e não fiz isto por falta de respeito ás resoluções da Camara, porque ninguem está mais habituado a respeitar as suas decisões do que eu, mas porque só por aquelle Ministerio podiam ser satisfeitos os dictos esclarecimentos.

Limitar-me-hei a fallar a respeito do Breve da Bulla da Cruzada, porque foi este tambem o ponto em que mais profundamente se tocou, e com mais algum conhecimento de causa.

A Bulla da Cruzada foi considerada como um Rescripto de providencias geraes da natureza daquellas que, pela disposição da Carta devem ser sujeitas á prévia approvação das Côrtes, e foi considerado tambem como sujeito á approvação das Côrtes pela parte da esmola, considerando-se como um Tributo, e pela parte do donativo para a Fabrica de S. Pedro, considerando-se como um Fundo são estes os tres pontos principaes da accusação. A Bulla da Cruzada não tem a natureza desses Breves de disposições geraes de que falla a Carta; esses Breves são os Breves Obrigatorios, aquelles que depois de acceites obrigam o Governo e a Nação inteira: não é desses Breves de que se tracta, mas sim de um simples Breve de Indulgencias, que está admittido ha mais de dois seculos neste Reino, repetido todas as vezes que tem sido preciso prorogar-se a sua execução, e que está recebido pelos usos e costumes dos Povos, que em muitas partes teem reclamado e reclamam, e escrupulisam pela falta da Bulla, de modo que em muitas partes, nas Provincias principalmente, esmolam todos os annos alguma cousa para obras publicas, em compensação da esmola que todos os annos eram obrigados a dar para a Bulla. (O Sr. Carlos Bento: — Fazem elles muito bem) A esta necessidade espiritual dos Povos tinha o Governo obrigação de attender, e todos os Governos desde 1827 para cá teem sido mais ou menos solicitos a este respeito. Por consequencia não é uma Bulla nova, é uma Bulla antiga (e logo direi, porque é antiga), que está admittida com todas as formalidades com que neste Reino se costumam admittir os Breves, e Rescriptos Apostolicos, que está nos usos e costumes do» Povos, que muitas almas devotas e consciencias timidas teem reclamado, e a cuja reclamação o Governo tem obrigação de satisfazer.

Digo eu que é uma Bulla antiga, porque não é aquella Bulla que a Côrte de Roma concedeu em um dos Ministerios passados, em que havia novidades; é a mesmissima Bulla antiga com uma unica differença em quanto á applicação da esmola. Não podendo, nem devendo dar-se a applicação que os Govêrnos arbitrariamente davam ao producto da Bulla, estabeleceu-se que a esmola seria privativamente applicada para Estabelecimentos pios e religiosos, principiando pelos Seminarios,e pelas Congruas das Cathedraes. Estabeleceu-se tambem a maior econo-

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mia neste ponto, porquanto, até aqui, a administração da Bulla era toda paga; tudo saía do producto das esmolas, e hoje a administração é gratuita, aos Membros da Junta apenas se lhes concede, como reconhecimento, uma medalha de ouro, medalha de ouro que aqui foi exaggerada no valor de 800$000 réis!... Não é assim, uma medalha, no sentido ordinario, é a unica recompensa que se dá a esses funccionarios pelo seu trabalho.

Mas, disse o Sr. Deputado: — «Os Thesoureiros-menores, que sempre gosaram de grandes privilegios, e é objecto de grande compadrio... — Os Thesoureiros-menores hão de ser, quanto for possivel, escolhidos entre os Parochos, e as Dignidades Ecclesiasticas, dando-se-lhes por isso unicamente os rendimentos que costumavam dar-se pela Bulla, sem privilegios nenhuns, e por isso nada ha a receiar por este lado.

Mas diz-se: — E um tributo, e como tributo não póde ser votado senão pelas Côrtes.» — Eu direi que se os proprietarios podessem alcançar o pagar os tributos desta fórma, se os tributos que pagassem, fôssem todos da natureza deste, e de fórma que isto não offendesse o Serviço Publico, digo que era uma grande vantagem que os proprietarios tinham obtido, porque só pagavam aquelles que quizessem pagar: por consequencia não póde nunca ser considerado como tributo uma esmola voluntaria, que não obriga civilmente em cousa nenhuma. Porém diz-se: — «Tanto obriga, que obriga em consciencia — Por aqui se conhece a fraqueza do argumento; pois que têem os vinculos da consciencia com as obrigações civis? Mas estes mesmos vinculos não são tão fortes, como o nobre Deputado disse: é o proprio Sr. Deputado a prova viva de que a Bulla não obriga em consciencia, porque declarou que ella era escusada, e que para si não a queria. Já se vê que a Bulla em consciencia não obriga senão a pessoa que se sujeita a ella, por consequencia é uma obrigação voluntaria. O nobre Deputado historiou o Breve da Bulla, e acobertou-se com as Auctoridades, aliás respeitaveis, de Escriptores que escreveram que a Bulla é escusada; e que entre nós estava nas attribuições ordinarias dos Prelados do Reino uma similhante concessão, sem ser necessario recorrer á Sancta Se. Fique o nobre Deputado com a utilidade e a gloria do ridiculo com que historiou o Breve da Bulla, que eu pelo que me diz respeito, continuarei a seguir as douctrinas e crenças religiosas que meus Pais me ensinaram na minha educação; e me unirei ao numero daquelles que quizerem sujeitar-se ás disposições da Bulla. (Muitos apoiados)

Diz-se tambem: — É Feudo a esmola que se paga para a Fabrica de S. Pedro — Pois o nobre Deputado que avançou isto, não sabe melhor que ninguem o que é Feudo? Pois como póde considerar-se Feudo uma esmola, que sae das proprias esmolas, que tem a natureza de temporaria, e que se póde deixar de sujeitar a ella? Póde este donativo ser nunca considerado com a natureza de Feudo? Pois não sabem os Jurisconsultos, não sabe o nobre Deputado, que um donativo, uma esmola, não póde ser considerado como Feudo?

Sr. Presidente, esta opinião que emitto, está corroborada por todos os Prelados do Reino; elles foram consultados em uma época, em que todos elles foram de opinião, que devia, e era conveniente, e necessario para o bem espiritual das almas, para o bem de Estabelecimentos Pios pela applicação que tinham as esmolas, que se impetrasse a Bulla: e sabe toda a Camara, e eu tambem, que é esta a douctrina dos Parlamentos em Hespanha e Napoles, aonde igualmente é concedida a Bulla da Crusada. Mas eu accrescentarei, em nenhum tempo desde 1827 para cá, se entendeu que a Bulla da Crusada fosse desses Rescriptos que constitucionalmente devem ser sujeitos á approvação previa das Côrtes; o que se vê pela ordem dos factos que vou apontar. No principio de 1827, tendo acabado a prorogação anterior da Bulla, impetrou-se outra vez. No Ministerio do Sr. Moura Cabral, existindo então a Regencia da Senhora D. Isabel Maria, nem os Conselheiros, nem as Côrtes dessa época entenderam que se offendia a Constituição do Estado por se ter conseguido, e publicado a Bulla na presença das Côrtes. Ora este Convento durou até 1833; em 33 foi logo renovada e pedida; e estava o Breve para se expedir no momento em que se romperam as relações com a Côrte de Roma. Todos os Ministerios subsequentes continuaram solicitamente a pedir o Breve; e no Ministerio, de que o Sr. Deputado fez parte, continua íam estas instancias. Aqui tenho um Officio que o nobre Deputado escreveu como Ministro ao nosso Encarregado em Roma, pelo qual se vê que não havia reserva de sujeitar este negocio á approvação das Côrtes: depois continuaram as instancias, e escreveu-se o Ultimatum, tudo em continuação do que já tinha começado o Sr. Conde de Thomar. Portanto pelo proprio facto do nobre Deputado, por aquillo que todos os Govêrnos fizeram sobre este negocio, ao que não foram contrarios nem as Côrtes nem os Conselheiros da Corôa, sustento que a medida póde levar-se á execução, sem que seja necessario sujeitar-se á approvação previa das Côrtes.

Sr. Presidente, vou acabar; mas antes disso desejo responder ao illustre Deputado, que encetou esta discussão. Entendo que devo dizer alguma cousa em continuação ao que já o nobre Relator da Commissão disse em resposta a uma censura, que o nobre Deputado fez pela falha que houve no Discurso da Corôa. O Sr. Deputado lamentou que tendo-se consignado um paragrafo no Discurso da Corôa, manifestando sentimento pelos acontecimentos que em Roma occasionaram a saida do Summo Pontifice a procurar asylo em terra estranha, senão dissesse uma só palavra a favor da Liberdade Italiana, quando aquelle representava sómente um symbolo, e esta constituia um principio, — O nobre Relator da Commissão já respondeu dignamente a esta proposição; mas eu por mim, e em nome do Governo de que faço parte, não posso deixar de notar tambem a offensa, e a falsa doctrina que esta proposição encerra. Pois o Summo Pontifice significa apenas um symbolo, um signal, um emblema? Pois não representa tambem um principio tão verdadeiro como a Liberdade Italiana? (Muitos Apoiados). A Liberdade Italiana, pela qual faço votos, é lealmente um principio; mas aquella eminente Personagem representa um principio tão sagrado como esta (Apoiados.) Pois a Unidade da Igreja Catholica, a Cabeça Visivel de todo o orbe Catholico, não será um principio tão real, e verdadeiro como são todos os principios? (Apoiados.)

Digo mais, naquella illustre Personagem hoje re-

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presentam-se ambos os principios: o principio religioso e o principio politico; porque é a elle que se deve o encetamento da Liberdade Italiana. (Apoiados).

Quem obrigaria o Summo Pontifice a soltar os grilhões, que pezavam sobre os Subditos Italianos? Não seriam os seus principios, a sua illustração, as suas qualidades e as suas virtudes? A Liberdade Italiana a quem deve mais serviços do que a elle, que bem se póde chamar o Homem do Seculo? (Muitos apoiados). E com tudo lá está soffrendo a mais forte ingratidão... e sabe Deos aonde ella chegára!... Entendi pois por parte do Governo não poder deixar de significar este sentimento; (Apoiados) e termino, parecendo-me ter respondido o sufficiente aos argumentos, que se apresentaram contra os actos da minha administração.

O Sr. Rebello da Silva: — Sr. Presidente, sinto, e comigo de certo lamentará a Camara, que serios incommodos de saude impedissem o nobre Relator da Commissão de continuar a exercer as suas funcções nesta Casa; o modo porque elle começou a defeza do Projecto foi tão brilhante, e ao mesmo tempo tão digno da gravidade do assumpto, que a sua falla me parece uma perda irreparavel para o bom andamento das discussões; sei apreciar a altura do seu talento, e a força da sua eloquencia, e sei tambem reconhecer a inferioridade, em que me collocam a seu respeito. Entretanto, posto que violentado, obedeço ao dever moral, em que me constituiu a minha assignatura inscripta no Projecto agora em debate.

A Resposta ao Discurso da Corôa é a apreciação da Politica do Governo; mas em sinthese, em grande — e não por meio da critica anatomica, que desce ale ás cousas minimas. As generalidades da Administração consideram-se, tomando os angulos ás questões principaes; o exame parcial, o estudo pausado dos negocios entra no campo das applicações, e tem a sua hora propria. «A Resposta ao Discurso da Corôa, dizia um Homem d'Estado, e essencialmente a questão do Systema Governativo em relação á conservação e estabilidade das Instituições; «examinam-se nella mais os (principios do que os factos. Eis o verdadeiro campo deste Projecto; e de passagem direi, que se o dever do Parlamento e ser recto, para o ser precisa de justiça e de imparcialidade, e condemnar sem aguardar os documentos, sem querer vêr as provas não é justiça.

Por tanto tractarei a questão da Resposta na generalidade em que deve ser tractada, e não descerei, se não obrigado pela necessidade, a pontos que reputo improprios della; e que já n'outra época foram apontados como taes. Notarei aos nobres Deputados que nos estão citando todos os dias, exemplos dos Paizes Estrangeiros, que o Parlamento Inglez procede com summa simplicidade neste negocio; reduzindo-se quasi sempre a discussão a meros cumprimentos; e deixando-se reservado para a analyse das medidas especiaes o exame do procedimento do Ministerio. Se elle de feito mereceu censura, está admittido o uso de propor e votar Mensagens, que representem á Corôa — que o seu Governo perdeu a confiança dos Representantes da Nação. (Apoiados)

Estes costumes são mais expeditos, e mais constitucionaes, do que a imitação franceza, que absorve em profissões de fé inuteis, e em largos panegíricos politicos o tempo necessario para o estudo dos negocios de publica utilidade!

Assignado á discussão este caracter, cumpre considerar se todas as arguições feitas ao Governo sobre a generalidade da sua Politica concluem a favor da severa censura que se propõe; é este o ponto que o Parlamento deve examinar.

Ouvi lamentar que houvesse intenção de abbreviar o debate, adoptando um methodo que não vi propôr, e que de certo eu seria o primeiro a rejeitar, porque sustento a necessidade de manter a liberdade da Tribuna, a livre expressão das opiniões: qualquer que seja o logar que cada um occupa, é necessario que nos encontremos, e nos expliquemos perante o Paiz; e neste sentido rejeitarei sempre qualquer idéa tendente a coarctar a liberdade da Tribuna. A liberdade du Tribuna e da Imprensa, são os elementos fundamentaes do Governo Representativo; e hei de sempre estar ao lado da Bandeira que as cobrir; são a base da sociedade moderna; porque a Carta glorificada pelas batalhas do Imperador, não vive sem elles, nem a ordem, nem paz da Monarchia resistirão privadas desta arma á lucta das facções; por tanto ainda, que não ouvi propôr tal alvitre nesta Camara, se acaso se propozesse, havia de rejeita-lo.

Mas notou-se: — «Faltam aqui os documentos pedidos ao Governo para esclarecer o debate, porque não vieram esses documentos quando os pedimos, e como os exigimos?» —

Sr. Presidente, pedir os documentos era facil; não sei porém se acaso seria tão facil satisfaze-los; não sei se mediou o tempo sufficiente para os Ministros da Corôa os podérem apresentar. Mas entenda-se, e responderei nisto a outra arguição que se fez, pela minha parte assignando o Projecto de Resposta ao Discurso da Corôa, nem eu nem nenhum dos nobres Deputados que votam por elle, entendemos captivar desde já o nosso voto sobre o exame das providencias que hão de ser presentes ao Parlamento; (Apoiados) nenhum de nós abdica a sua opinião; (Apoiados) nenhum de nós deixará de a pronunciar com toda a realidade do seu convencimento na avaliação desses Projectos, que se nos promettem. (Apoiados) E por isso que o sentido do Discurso da Corôa não póde ser senão o sentido vago de uma Mensagem entre a Corôa e o Parlamento, em que se faz a synthese da Politica, sem nunca significar a approvação, ou condemnação dos actos parciaes da Administração, que hão de ser examinados cada um de per si. Quando dou pois a rainha approvação ao Projecto da Resposta, não captivo o meu voto a respeito das materias que se devem tractar, porque entendo que a Resposta não dá uma approvação implicita ao Governo, senão nos pontos em que a Camara está habilitada para julgar; e se acha absolutamente no caso de poder votar com perfeito conhecimento de causa. (Apoiados)

Sr. Presidente, eu não virei fazer, nem fiz nunca ao Governo uma Opposição classica, ferrenha, e technica; a Opposição que se caracterisasse com taes nomes, e desempenhasse este programma, tinha perdido todos os fóros, e nunca poderia dar um voto justo e equitativo, porque nem as Opposições nem as Maiorias se honram senão quando se regem pelos principios da imparcialidade, e julgam segundo o seu convencimento em plena harmonia com os deveres do encargo, e com a verdade das cousas; por conse-

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quencia uma Oposição que fosse classica, ferrenha e technica, não era Oposição, (Apoiados, muito bem) e seria tudo quanto quizessem, mas nunca Opposição.

Mas diz-se mais, que a Commissão de Resposta, derramando copioso pranto sobre a sorte de um Principe, não chorou sobre a Liberdade; que tendo achado lagrimas para verter sobre o Summo Pontifice, não as achára em seu coração, para lastimar a agonia da Italia!... Um paragrafo tão longo para as calamidades, que pesaram sobre o Vigario de Christo na terra, e nem uma só fraze sobre os desastres da Italia!... Sr. Presidente, a Commissão é composta de Deputados, que, como homens, hão de pugnar sempre pelos principios da Liberdade; não despresou a Italia; nem esquece nenhum dos Povos, que luctam pela propria emancipação; mas a Commissão não tinha só a attender os seus sentimentos, tinha deveres severos a cumprir, e, neste ponto, razões poderosas a obrigavam a obrar como obrou. Não é no momento em que os excessos da Liberdade, excessos que em todos os tempos a mataram, (Apoiados) se levantam triunfantes, que nós devemos applaudir. Quando em volta do Quirinal resoou o clamor dos bandos delirantes, e o punhal de um novo Sura renovou em Rossi os Idos de Março — a Liberdade escondeu o rosto, e fugiu de Roma. Pio IX foi o Pontifice, que entendeu, e exprimiu melhor o seculo, levantando a Cruz do Messias, como symbolo de esperança, diante da civilisação moderna. A Cruz, e a Liberdade, a fé, e o progresso, filhos do Evangelho, tinham-se abraçado no altar de S. Pedro, e quando o braço das facções ameaçou a Thiara, e derrubou o estandarte da nova Lei, não salvou, perdeu a Liberdade, e a Italia!... (Apoiados — muito bem.)

Os Povos que o desejam, fazem-se livres a si. Em 1640 foi o que nós practicámos em Elvas, e Montes Claros. Mas não é espingardeando o Ungido do Senhor, incendiando os seus paços, e apunhalando os seus Ministros, que a Liberdade vence. Os assassinos deshonram tudo o que tocam; não vestem a libré de nenhum Partido, e só merecem á Sociedade o horror do crime, e a vindicta das Leis!... Detesto todos os assassinos, e posso attestar, que nenhum ainda deixou de macular o triunfo, que polluiu com o sangue das victimas!... (Apoiados.)

Mas a causa da Italia, e a dos Povos, que pelejam, peito contra peito, para se emanciparem, é sagrada para mim...

O Sr. Cunha: — Porque o não disseram no Projecto?

O Orador: — Porque a opinião individual de um homem não está no caso da manifestação de um dos Ramos do Poder Legislativo. Como Deputado posso expor as minhas opiniões, porque por ellas respondo eu só ao Paiz, e á consciencia; mas será igual a posição desta Camara? Póde ella pronunciar-se sobre uma questão alheia, fulminar uma Potencia Alliada, e em um documento solemne, como este é, invocar a fortuna dos Exercitos, para que proteja uns, e destrúa outros? Não vê o illustre Deputado, que uma fraze em taes circumstancias implica sérias consequencias Diplomaticas? Peço-lhe que considere o comportamento da Republica Franceza, e que me diga, se á vista delle, nos cumpria sair dos limites da mais estricta neutralidade? (Apoiados — muito bem.)

Lamentando os funestos acontecimentos, que obrigaram o Summo Pontifice a retirar-se, só condemnámos excessos, que depois o proprio Governo da revolução procurou punir; a morte do Conde Rossi, e o assalto do Quirinal não serviram, prejudicaram a Liberdade da Italia. Pio IX não é um symbolo, é o Cabeça Visivel da Igreja Catholica, é a Christandade, é o Mundo; e quando a Gram-Bretanha Protestante uniu a sua voz á de tantas Nações, pasmo, de que se estranhe, que este Reino Fidelissimo, pela bocca dos seus Representantes, exprimisse os religiosos sentimentos, que em todas as épocas fizeram a sua gloria. (Apoiados.)

Mas, Sr. Presidente, a paz do Ministerio foi esteril, porque não abriu mercados no Estrangeiro; porque não traçou as vias de communicação no interior; porque nada fez a bem da industria, e do commercio; e nada promoveu a favor da Instrucção Publica, etc. São concludentes estas censuras? As Côrtes encerraram-se no meado de Agosto de 1848, e dahi até 2 de Janeiro como queriam os nobres Deputados, que o Governo tirasse Minerva da fronte de Jupiter? Neste curto espaço de tempo como, e quando havia elle de abrir os mercados no estrangeiro, que dependem de Negociações como havia de executar as estradas sem capitaes, e sem Lei que regulasse os trabalhos? Como havia de propagar a instrucção sem a reformar? Creio que até se queria, que tivesse feito um Codigo Penal!...

Sr. Presidente, não venho defender a Politica da inercia, ou o sofisma da inopportunidade, que oppõe ás exigencias publicas este argumento válido, e caduco: não é tempo; é preciso esperar; pelo contrario entendo, que chegou o momento de se adoptarem providencias promptas, energicas, e cabaes; não é possivel esperar mais; (Apoiados) o Paiz quer, nós cooperamos, e tudo exige acção rapida, e melhoramentos solidos. Mas não era no espaço decorrido de Agosto até Dezembro, que isto se podia fazer; nem esta a occasião de accusar o Governo de ommisso; todos sabem, que não são negocios estes, que se resolvem levianamente. Por consequencia é uma censura immerecida, e menos justa a que se faz ao Governo.

Todos queremos as reformas; só os obdurados, e cegos podem hoje negar a evidencia; queremos, porém, reformas completas, e equitativas; queremos reformas, que subam ás alturas; (Apoiados) não queremos meias medidas, (Apoiados) nem meias promessas... (O Sr. A. Albano: — Apoiado.) De certo! É essencial que os sacrificios se repartam, e que a igualdade civil seja uma verdade; mas então, talvez muitos dos que hoje tanto clamam pelas reformas, feridos nos interesses sintam diminuir a sympathia, e avultar o egoismo; talvez depois as não advoguem com tanto calor. (Apoiados.) É indispensavel reformar o Systema de Fazenda, alargar, e popularisar a Instrucção Publica; pedir garantias aos que se empregam, e exigir a responsabilidade dos que servem; levemos a reforma a tudo; ás Secretarias de Estado, ao Thesouro, ao Tribunal de Contas, a tudo. (O Sr. A. Albano: — Apoiado.) Sim, a tudo. Eminentissimi Cardinales, eminentissima indigent reformatione! (Apoiados.) Vamos tambem ao Tribunal de Contas, torne-se independente, que deve ser; mas que os homens que o compozerem, tenham uma vida illibada, e zelosa, e uma provada independencia. (Apoiados.)

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Estamos pois de accordo, todos queremos refórmas, mas poder-se-íam ellas fazer durante o interregno parlamentar? Eis a questão e o ponto de discordia. Se o Governo tal entendesse, havia, e devia ser accusado de usurpação de Poderes.

Sr. Presidente, eu quero as refórmas, mas não quero que o Governo as opere contra a Lei, e calcando os principios. (Apoiados) É necessario acabar por uma vez com o abuso dos Decretos da indemnidade; é necessario acabar com elles, e permanecer dentro da esfera legal; (Apoiados) é necessario que cada um cumpra o seu dever, e nada mais; ao Parlamento compete votar refórmas, vote-as; aos Representantes do Povo cumpre fazer as Leis, altera-las, ou revoga-las; (Apoiados) façam-no; e o Governo que as execute depois. Esta é a Carta, e fóra della ha só tyrannia. (Apoiados) Assim é que nós queremos as refórmas; e quando isto se practicar, o Paiz será mais feliz; a paz ha de tornar-se firme e duravel, e á sombra della os interesses legitimos hão de prosperar; a paz é filha da ordem, e não do terror; conserva-la não está na mão de meia duzia de homens, está na vontade de Deos, e na confiança e obediencia dos Povos. (Apoiados)

O Governo não levantou um unico Padrão de Gloria para si, porque não compoz um só Codigo! Quem o auctorisou para isso? Porque não fez estradas, quem o auctorisou para as fazer? Porque não abriu mercados no Estrangeiro; quando teve elle os meios para isso? Não fez reforma nenhuma na administração, e entendo que obrou bem; no estado em que estamos, os melhoramentos devem sair do Parlamento em grande, completos, radicaes, capazes de curar os males publicos; porque de reformas mesquinhas e parciaes já estamos desenganados; são ellas que nos tem causado a maior ruina. (Apoiados)

Mas a tyrannia do Governo; mas a crueldade do Ministerio; mas a ferocidade desses novos Neros já declarados réos de Leza-nação por um illustre Deputado, estes tyrannos que fazem até estremecer a sombra do Miguel Alcaide e José Verissimo, como aqui se disse!... Sr. Presidente, se essa tyrannia existisse, se o nobre Deputado não estivesse sorrindo da sua propria amplificação, veria que nos Govêrnos tyranicos até o silencio é crime segundo Tacito, e que não ha oppressão onde se diz e escreve o que se ouve e lê em Portugal; esta tyrannia que opprime tanto, esta crueldade que irrita; esta ferocidade que esmaga; se o nobre Deputado julgar sem paixão ha de reconhecer que vale mais do que as Liberdades Republicanas, que a Europa póde hoje contemplar. Era preciso menos irritação, e mais placidez para os argumentos não cairem fulminados logo pela propria exaggeração; e quando se exaggera assim, provou-se demais.

Sr. Presidente, disse um illustre Deputado, o Ministerio escapa sempre como uma enguia, é preciso cobril-o de terra; ora, assemelhar o Ministerio a uma enguia é de certo um rasgo de engenho imaginoso, mas não é um argumento forte.

Accrescentou-se que era vergonha comparar Portugal com a Inglaterra e a França... (O Sr. Cunha Sotto-Maior: — Não disse isso). O Orador: — Eu tinha tirado apontamentos, e parece-me que me não enganei; entretanto como o illustre Deputado declara que não disse, não farei questão disso; em todo o caso os argumentos do nobre Orador resumem-se em justificar o que já tinha dicto, isto é que queria fazer ao Ministerio uma opposição classica, technica, despeitada, e ferrenha; para esse fim comparou o Ministerio ao Miguel Alcaide, e José Verissimo, e depois comparou-o com uma enguia: ora parece-me que uma enguia não é animal excessivamente feroz, (Riso) e por consequencia não se póde temer muito da sua tyrannia.

Não venho render ao Ministerio louvores obrigados, nem adulações; agradeço como Subdito Portuguez a paz que se gozou neste Paiz; primeiro a Deos, e reconheço que depois de Deos se deve tambem aos homens, a quem elle allumiou com um raio de luz para que, não existindo paixões, soubessem manter a ordem, que talvez se não conservasse illeza senão neste cantinho da Europa. (Apoiados) Esta paz tão apreciada de todos, é de certo um grande serviço feito ao Paiz. (Apoiados)

Mas, Sr. Presidente, qual é a Politica que mais convém seguir? Ouvi a um nobre Deputado, meu Amigo, que elle não pertencia ás exaggerações politicas que tem devastado a Europa, nem aos principios de retrocesso que se vão sumindo nas trevas do aniquilamento. Dou os parabens a S. Ex.ª; tambem eu não sustento nem os principios do Absolutismo, que julgo proscripto para muitos tempos, nem ás idéas exaggeradas que não fazem mais do que assassinar os principios da Liberdade. (Apoiados) Todas estas cousas tem limites, e quando elles se transpõem vamos encontrar o Absolutismo; este é sempre a consequencia das exaggerações em principios de Liberdade. (Apoiados) Renovou-se no seculo 19 uma fórma de Governo que tinha caido; que teve esplendor, modificada de diversos modos em Athenas, Sparta, e Roma; e que em 1799 enlutou de sangue a França e a Europa, e fez em taes dias uma revolução? Em virtude della redigiu-se uma Constituição em nome da fraternidade humana, em nome da igualdade dos homens, e depois o que aconteceu? A Constituição discutiu-se, e votou-se sob o imperio das armas, reinando o estado de sitio; votou-se no momento em que a Imprensa gemia e vergava na escravidão, sujeita á espada do Governo Militar; a revolução promettera liberdades e garantias; e mezes de depois o silencio do dispotismo reinava em toda a parte, e milhares de cidadãos eram desterrados, a espada victoriosa era o direito unico, onde a liberdade tinha expirado. Eis-aqui a que levam sempre as exaggerações. E mais não eram suspeitos aquelles que resistiram nos dias de Junho á chamada Republica Vermelha; não eram suspeitos porque a experiencia em pouco tempo lhes fez vêr que se o não fizessem, deixariam suicidar a Sociedade, assassinavam a Liberdade; é por isso que eu digo que seguindo o progresso exaggerado sem consultar as fôrças do Paiz, todas as vezes que transcenderem os principios naturaes, hão de encontrar a anarchia (Apoiados)

Pediu-se a Lei Eleitoral; nem eu, nem os Membros da Commissão Eleitoral podemos ser suspeitos a tal respeito. Nós apresentamos um Projecto que se desagradou a alguem, não foi por significar principios retrogrados. Esse Projecto apresentado aqui em 5 de Junho de 1848, distribuiu-se, creio eu, pelos fins desse mez; desta data em diante acham-se em lide as questões de Fazenda que levaram o resto da Sessão, sendo necessario mesmo para ellas concluirem uma prorogação de tempo nas horas dos trabalhos

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Parlamentares. Queremos a Lei Eleitoral, e havemos de exigil-a; o Ministerio declarou porém que só havia de ser discutida nesta Sessão; e não vejo motivo para se duvidar do contrario, quando o nobre Presidente do Conselho já affiançou n'outra parte que tinha nisso todo o empenho (O Sr. Presidente do Conselho: — Apoiado). A occasião opportuna pois ha de chegar; e nós veremos então quem melhor defende os principios de Progresso e Liberdade. Por mim posso attestar que sustentarei a Eleição directa contra os que a desejarem indirecta; e que hei de pugnar para que o Paiz ache na Lei os meios de obter uma Representação Nacional sincera e verdadeira, filha ligitima da Urna e não das facções (Apoiados). Aquelles que militam para que o Partido Conservador desempenhe a divida em que está desde 1827, e acabe o escandalo das Dictaduras Eleitoraes podem contar com o fraco auxilio da minha voz, e do meu voto (Muito bem).

O Partido moderado ha de mostrar mais esta vez como praticaram em varias occasiões os Conservadores em Inglaterra, que sabe unir a reforma e o progresso com a justiça e a moderação (Apoiados).

Sr. Presidente, eu receio sempre que vejo lançarem-se longe, e muito longe, certas promessas e palavras; tenho visto tantas vezes os Partidos cegarem-se e despresarem as difficuldades em quanto não são Poder, e declaral-as irresistiveis e tremendas, logo que dominam, que já não sei o que devo acreditar.

E o resultado vem punil-os sempre da exaggeração; na adversidade á força de prometter esquecem a hora de cumprir, e o Governo nas suas mãos perde a força e desacredita-se, porque do muito que affiançaram, apenas podem cumprir metade, e acabam sempre derrubados pelos seus (Apoiados); porque prometteram aquillo que, 24 horas de existencia na região do Poder, provam que era impraticavel sem atacar ás vezes até a origem de todo o Poder possivel.

Perguntou-se: — Onde está o perigo das opiniões liberaes? — Vejamos o que se entende por isto: se são as opiniões liberaes, não o ha de certo; e todos estamos promptos para as abraçar assim como as reformas em conformidade com ellas; — estão promettidas na Carta, e a Camara tem por brazão, ou deve ter, o manter e conservar a Liberdade que a Lei garante, e desenvolver os principios progressivos que estabelece; mas se essas opiniões são radicaes, nem a Camara nem o Governo as póde seguir; — a Camara porque tem um mandato a desempenhar; o Governo porque é defensor nato da Ordem (Apoiados). (O Sr. Fontes Pereira de Mello: — Peço a palavra para uma Explicação). Mas todos sabem que essas repugnam tanto ao illustre Deputado como a nós.

Pede-se o necessario incremento da Instrucção Publica. — Tambem deste lado se requer; hoje quem não reconhece que não ha nação no Mundo, que possa adquirir a educação constitucional, nem comprehender os seus direitos e deveres, sem o pleno desenvolvimento da Instrucção? Quando as instituições não vivem da cooperação geral, e não funccionam pela virtude della, a sua base vacilla se o seu futuro é duvidoso. Defender a Instrucção é defender a causa do progresso e da liberdade — propagal-a e salval-os a ambos. (Apoiados) É evidente pois que urge a reforma da Instrucção a fim de por ella habilitar as differentes carreiras do serviço publico, e impedir que se monopolise a Sciencia como ainda succede; e direi aqui, porque é o logar opportuno, que se precisa que a reforma da Instrucção represente o desenvolvimento de uma Lei de Habilitações, Lei sem a qual, nem é possivel que os empregos sejam bem servidos, nem que os Ministros resistam a empenhos tenazes n'um Governo de influencias locaes. Esta é uma Lei de paz para os Ministerios; e será a realidade da promessa constitucional, de que ao merito se deve honra e premio. Fundem-se e definam-se as carreiras; criem-se as habilitações para ellas; e estabeleçam-se os estudos em harmonia com as applicações uteis da vida, e do serviço do Estado, de fórma que a entrada de qualquer carreira senão difficulte, e que a especialidade dos cursos seja adequada ás profissões laboriosas, e não tão longa de obter a habilitação que desanime o talento antes de a possuir. Para só abrir a entrada dos Empregos ás habilitações, é indispensavel que ao mesmo tempo ellas se facilitem pela divisão dos cursos.

«Diante da catastrofe que em França derrubou a Monarchia, os Governos seguiram duas veredas; uns recorreram á Politica de resistencia; outros á Politica de prevenção; no Governo de Portugal, porém, se houve Systema, este consistiu em não ter nenhum!» — Expuz em toda a crueza a censura que ouvi, e me parece excessiva, porque equivale a attribuir ao cego acaso a paz de que gosamos, e o repouso profundo do Paiz no meio dos abalos da Europa!.. O nobre Deputado, segundo creio, tambem nos disse que — O Governo estimulando a redacção da Lei Eleitoral, e trazendo aqui a questão do art. 63, não tinha feito senão ceder ás circumstancias; mas que arrefecera apenas diminuiu a intensidade da crise. Tendo tomado parte nesse debate devo dizer, que nunca considerei a votação sobre o art. 63 como concessão; não ha concessão, quando se reconhece um direito (Muitos apoiados); nem é concessão o admittir reformas sobre o modo de exercer esse direito de uma maneira mais livre, e mais a par das idéas da época.

Os Srs. Ministros não fizeram concessão nenhuma, não fizeram senão reconhecer que o methodo das eleições não era essencialmente inherente á disposição constitucional, que declara o direito, e que por isso á Camara era livre preferir o methodo mais adequado ás idéas do Seculo, e ao desenvolvimento do Systema, (Apoiados) Os Governos não fazem concessões; não as podem fazer; obram sempre dentro dos limites das Leis e dos principios, e só podem ir até onde vão os principios e as Leis, mas nunca excederem-nos em um passo só que fôr para diante nem para traz. Essa questão não foi o Governo quem a trouxe ao Parlamento; foi a Commissão da Lei Eleitoral que julgou indespensavel uma resolução inicial, que a habilitasse a confeccionar o Projecto, que depois apresentou.

Mas que fez o Governo depois do interregno parlamentar, e durante elle? Veiu pedir á Camara Leis extraordinarias como o aconselhavam? Veiu preparar-se para o systema de resistencia lançando a luva ao Paiz? Não confiou em que os principios monarchicos e a liberdade sensata em Portugal eram bastante fortes para se defenderem a si; e em que a sua causa acharia defensores em todos os grandes interesses que só vivem da Ordem. Confiou no Paiz, e não lhe fez a injuria de recorrer á força ou ao ter-

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ror? (Apoiados) Não asseverou elle a Camara que contava com a força da Lei para manter a paz acceitando a situação, e responsabilisando-se polo» resultados? (Apoiados) Foi esta a linguagem do Governo; prometteu proceder assim; aonde está pois o milagre do acaso? Quando se annunciou o acaso, quando se definiu esse Systema, e se formulou em regra? O acaso não se annuncia; cae de repente — é espontaneo. (Apoiados) Os resultados justificaram o Governo? É que viu bem Mas se o não tivessem justificado, os mesmos que hoje chamam acaso á sua Politica, fortemente o arguiram de ter entregado a Causa da Liberdade desarmada, de ter sacrificado o Paiz, de se ter illudido com o ideal arriscando a Nação e a Liberdade; mas como o Governo foi coroado de feliz exito, como realisou as suas promessas, nega-se a importancia do serviço e contesta-se até que houvesse Sytma!.. Diz-se que o resultado e filho de puro acaso!... (Apoiados) Já se vê pois que houve um Systema, sem obra do acaso; esse Systema consistiu em o Governo confiar nas Leis, e na affeição do Paiz aos principios monarchicos; porque Portugal tem timbrado sempre em sustentar a Corôa dos Reis Portuguezes e a Religião dos seus Maiores (Apoiados) Eis-aqui o que deu a força ao Governo, e a ha de dar sempre, no meio deste Povo, o melhor Povo da terra. (Apoiados) Avisado pelos desastres seus e alheios teme tanto os excessos da anarchia, que ha de ser difficil a qualquer levantar outra vez as lavaredas ardentes da guerra civil (Apoiados) Em virtude destes principios e fundando nelles o seu Systema, e que o Governo venceu a crise, e que tem o direito de dizer como Casimire Pertier — «Se não fiz grandes cousas, se não vos cilo grandes obias, todavia cumpri a minha palavra; manti a liberdade com a Lei! — (Apoiados) Agradeço «o nobre Deputado a quem me refiro, uma verdade filha do seu convencimento, agradeço-a porque insuspeita saiu da sua bocca para responder as exaggerações de outros adversarios. O nobre Deputado reconheceu que o Governo não podia ser considerado intolerante, por isso que, na maior somma dos seus actos não havia o cunho da perseguição; esta declaração importante refuta a irritação nervosa com que se pretende figurar o Governo perseguidor, como Governo feroz, e tyranno, que ataca por todos os modos a Liberdade!... Não, Sr. Presidente, a maior somma dos actos do Governo não lhe dá o cunho de perseguidor, e nós podémos fallar em Portugal, porque já tivemos que deplorar excessos de outros Governos que invocando os principios foram os menos tolerantes; podemos fallarem Portugal, onde, em nome desses principios, as demissões se déram com bastante generosidade, (Apoiados) e as medidas de rigor se empregaram em grande escalla.

Sr. Presidente, eu não quero, não posso, nem devo comparar a marcha deste Governo retrogrado, perseguido e intolerante, com amarella liberal larga e generosa de outros. Não quero comparar a paz com o estado de sitio, — não quero comparar a liberdade de Imprensa com o silencio imposto aos Jornaes por um homem de espada — (Apoiados) não quero comparar a fruicção dos direitos que a Carta garante á negociação delles, tornado até punjente pela irrisão, porque se respondeo uma vez as Deputações «Vós tendes razão, no que dizeis, mas eu ainda tive mais no que pratiquei!..» Por consequencia comparada a Monarchia com a Republica, a vantagem e ainda a favor (Apoiados)

Perguntei, Sr. Presidente, quando toda a Europa se agitava, quando eram abaladas Monarchias assentes na base dupla da tradição e da força, quando Vienna d'Austria levantava o Estandarte da revolta, quando a Hungria tomava as armas, quando na Italia as revoluções se succediam, quando em França foi necessario dar uma batalha de tres dias nas ruas de París, batalha tão sanguinolenta como a maior batalha do Imperio, quando isto tudo succedia, o que fez o Governo? Vem á Camara sollicitar Leis de terror, requerer o estado de sitio, pedir o silencio da Imprensa; veio pedir que se suspendesse a Liberdade para salvar a Liberdade? (Apoiados) ouso asseverar que seria essa a marcha do seus adversario, porque já o foi! (Apoiados

Mas o Governo recebeu uma censura e um louvor ao mesmo tempo da Commissão. Quando no Imperio do Brazil uma desgraçada commoção civil arriscou a vida e comprometteu altamente os interesses dos nossos Subditos, o Governo guardou silencio sobre este deploravel acontecimento, e não veio glorificar-se perante o Parlamento, no Discurso do Throno, pelas providencias que desde logo adoptou para soccorrer nossos irmãos e conservar o respeito devido a bandeira Portugueza. A Commissão longe de achar neste procedimento motivo de censura, viu nelle materia de louvor; e apreciando os motivos, que o Governo teve para não rasgar esta fenda, entendeu com tudo que devia fazer menção do facto como honroso para a Politica externa, e para as Nações Alliadas, que pela cooperação das suas auctoridades deram a Portugal, um testemunho de sincera amizade. Eis a que se reduz a explicação natural da inserção do paragrafo alludido.

Longe de encubrir nelle a menor intenção de censura, manifestou, espera que de accordo com a Camara, a sua approvação as providencias tomadas pelo Governo. Mas senão é censura, instam ainda, como se esquece que o Ministerio devia ter nos mares do Imperio uma Estação Naval para evitar conflictos tão lastimosos? O Governo foi imprevidente, e a sua culpa recahiu sobre a cabeça dos Subditos Portuguezes! Perdôe-me o nobre Orador, se acho acerba a accusação. Como na extensão de tamanho Imperio, podia o Governo prever o logar e a occasião do conflicto? Que meios, nas actuaes circumstancias, se podia fazei? Deixaram-se nossos Irmãos sem protecção, e a Bandeira Portugueza exposta? Não! Deu-se prompto auxilio aos que o precisavam, e expediram-se as ordens e os soccorros necessarios para remediar os effeitos desta calamidade.

Quando as circunstancias do Thesouro eram tão apuradas, seria possivel ao Governo dispor de forças consideraveis? Não fez elle um sacrificio glande para sustentar os direitos dos Subditos da Corôa Portugueza? Querer mais e exigir que os Govêrnos adivinhem acontecimento» que estão em ser, e que excedem a previsão natural!

Mas sobre Fazenda acha-se até irrisorio que a Commissão declare em um dos seus paragrafos o seguinte: (Leu). Ainda neste ponto o nobre Deputado suppoz que a Commissão tinha feito uma censura ao Governo, mas censura leve, a Commissão entende o contrario, e antes de chegarem á Camara os

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documentos, julgar-se-hia injusta se acaso antecipasse um voto reprobativo em assumpto desta gravidade.

Eu appello para o nobre Deputado; colloque-se elle nas circumstancias da Commissão, e diga depois, se devia accusar o Governo antes delle apresentar os documentos e as razões que teve para obras desta ou daquella maneira. A justiça manda ouvir antes de julgar. Tambem se disse: todos os Discursos da Corôa são conformes em alardear promessas pomposas acêrca das Provincias Ultramarinas; mas as palavras ficam estereis, e as obras nunca chegam! Não sei. Sr. Presidente, se outros Discursos da Corôa foram conformes em ostentações vãs sobre o Ultramar; esta censura poderá recair sobre os Govêrnos anteriores, mas não sobre nós; o Governo actual disse que tinha meditado sobre o estado das Provincias Ultramarinas, e que apresentaria Projectos tendentes a aproveitar os immensos recursos que ellas encerram, a fim de desenvolver a sua industria a sua felicidade. Eis-aqui o que o Governo apresentou no seu paragrafo; e a Commissão deu a resposta, louvando esta resolução do Governo, e promettendo o apoio da Camara aos Projectos concebidos no sentido que se indicava. Ninguem disse, e ninguem podia esperar que o Governo em tres mezes fundasse de golpe a propriedade das Colonias! (Apoiados).

Mas, Sr. Presidente, todas estas accusações que se fizeram ao Ministerio nada são comparadas ao modo, porque o combateu um Orador. Todos desejam, e portanto como os que mais o querem, que nesta Casa estejam representados todos os Partidos, e que formulem as suas opiniões; em uma palavra, que haja Opposição; porém hoje deixar de reconhecer que a Opposição foi poderosa e fortemente representada pelo nobre Orador que fallou, seria negar a evidencia. Atacou com tal vehemencia, feriu com tão acerbas censuras, que as Opposições mais ardentes de que ha memoria nunca o excederão. S. Ex.ª disse: que o Governo representava os tres maiores inimigos do genero humano; a peste que assola a Europa; a fome que aflige a Irlanda; e a guerra que devasta as Nações; representava a guerra, porque tinha atacado a Liberdade da Imprensa; representava a fome pelo atrazo em que trazia os pagamentos; e finalmente representava a peste, porque vivia da infracção de todas as Leis! A providencia pois, se nos perdoou os castigos do Ceo, resumio na gerencia dos Srs. Ministros os tres flagellos que enlutaram o anno findo! Em verdade, é de todos os tempos este rigor excessivo contra os homens que a sorte condemna a luctar com uma situação difficil, no meio da confusão dos negocios publicos. E quantas vezes a paixão de uns, e o odio de outros accusam injustamente? (Apoiados) Esta maneira de tractar um Ministerio, direi mesmo de offender um Governo á face do Parlamento, deveria desarmar uma Opposição moderada... se a houvesse.

Pois este Governo, memo suppondo exactas as ommissões e os factos que lhe imputam, era um Governo igual aos tres flagellos reunidos, á fome, á peste e á guerra? No meio de difficuldades immensas, a braços com tantos obstaculos, por que não póde destruir de golpeados os embaraços, porque venceu todas as difficuldades, por que não usurpou ao Parlamento os seus direito Legislativos emprehendendo Reformas, póde ser accusado de representar para o seu fim todas as calamidades possiveis? O Ministro póde peccar, os Srs. Ministros nem são infalliveis, nem impeccaveis; são homens, por força erram e os accusadores tambem! (Riso) Mas o que ninguem com justiça dirá, é que as intenções sejam lethaes como a peste, e ruins como a guerra; ninguem decerto o diz sem exaggeração fulminante, (Muitos apoiados). Se todas as exurgatorias, com que as Opposições se desaffogam, se afferissem pela realidade; se todas as arguições que fazem, não desfigurassem os factos com as côres da paixão, qual seria o homem publico não só de Portugal, mas do Mundo, que se não devesse reputar um monstro, a Lucrécia Borgia da Politica? Qual delles levantando a cabeça ousaria exclamar; tenho sempre advogado os principios da verdade!... Qual, pergunto eu? E que ousasse, que a luva não ficaria no chão, porque os que se defendiam antes, tornados accusadores, diriam tambem o que o Messias disse aos Hebreos: — Se um de vós se julga innocente e puro, levante a pedra e lapide a adultera.

Todos os homens Politicos teem clamado contra os seus contrarios; e todos elles ao resignar o Poder esquecidos da antiga dor dos tractos, que soffreram, foram buscar as armas que amaldiçoaram nas mãos dos seus contrarios. (Apoiados).

São recursos oratorios, bem sei; mas os vôos desta fogosa eloquencia, filha da exaggeração, estão proscripto, já não fazem fortuna. Ha uma parte da Historia contemporanea sabida de todos; não é a que se escreve nas Leis; é a que passa fugitiva como a anedocta para as folhas votantes chamadas Jornaes. Pergunto; qual dos Estadistas presentes escapou ás settas dos Parthos, aos tiros dos Jornaes? Qual é o homem, que póde affirmar que atravessou a carreira publica immune e respeitado? Onde está elle? Appareça! A virtude e o genio gastam-se no eterno attrito desta rocha de Sisypho, e por um Canning que louve Pitt, ha sem Wilkes para o condemnar... (Apoiados).

Por tanto os que se queixaram do amargor da satyra ou da crueldade da critica, deviam fugir da violencia que reprovaram. Não era delles que deviam partir estas accusações estremas, não só por que de «acreditam o Governo, mas porque minam toda a auctoridade possivel.

Sr. Presidente, quando nos achamos defronte de um Governo, cuja Politica sedesapprova, as paixões levam-nos a exaggerar os seus actos para mal, vende-os sempre com as mais negras côres; mas entre as paixões e os factos está o meio termo; e o meio termo quasi sempre tem razão. A auctoridade fóra do Poder é vulgar; tambem Salustro escrevia severamente de Catilina, depois de expubo do Senado de Roma. O Ministerio guerrea a liberdade d'opinião, na Tribuna e na Imprensa; deu a exoneração a um Deputado, porque o hostilisou nas discussões. Não é exacto. Não foi pelos seus votos e opiniões da Tribuna, que a exoneração teve logar. Estava encerrado o Parlamento havia tempo; e as datas repellem essa interpretação. O Ministro não puniu o voto do Deputado; na ausencia das Côrtes restituio ao cidadão toda a independencia da opposição fundamental, que elle fazia. (Apoiados)

Sr. Presidente, este negocio é desagradavel; custa-me tractar delle, porque desgosta sempre conside-

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rar negocios pessoaes, e este «um delles. Ninguem respeita mais do que eu os talentos e serviços do nobre Deputado, mas elle proprio de certo ha de conceder, que um Empregado que dentro e fóra do Parlamento está em permanente e activa opposição ao Governo, quando pelo seu cargo exerce funcções da intima confidencia, não póde por dignidade sua, e do Poder continuar n'uma posição mais que equivoca. Neste caso a sua exoneração é para elle e para o Governo, o modo unico de ficarem igualmente livres e fortes, cada qual no seu posto.

Invocou-se a questão das incompatibilidades; não é nova; a Tribuna Franceza occupou-se della; e aqui a Commissão Eleitoral em 1848 já tinha reconhecido, quanto é perigoso até para o Systema Representativo, que os Empregados de confiança se assentem no Parlamento. (Apoiados)

Mas o Governo praticando o acto que se accusa, tem por si os principios, e já que as citações serviram para o combater, farei uma em sua defeza. Lembrarei as opiniões de um homem eminente, que exerceu cargos importantes, e que ainda ha pouco conservava o primeiro logar na Tribuna — de M. Guisot. — Discutia-se em França, no anno de 1845 o Projecto da Resposta, e na votação um Deputado de merito M. Drouyn de L'Huys pronunciou-se contra o Ministerio na Camara dos Deputados; M. de L'Huys era Empregado na Secretaria dos Negocios Estrangeiros. O Governo, isto é, M. Guisot dimittiu-o immediatamente; a Opposição interpellou o Ministro sobre o acto, e o Governo sustentou por tal fórma os direitos do Poder, que a Opposição appareceu d'aí a poucos dias com o Projecto de Lei das incompatibilidades. É a solução que devia ter aqui tambem. O Projecto foi apresentado na Camara, e o Ministro peccou, na minha opinião, não o acceitando. Lerei as razões de M. Guisot:

M. Guisot — Creio que o Gabinete deu sobejas «provas do seu respeito pela liberdade do voto, e pela independencia dos Deputados Funccionarios, ti Viu não poucas vezes manifestarem-se dissentimentos entre elle e os seus Amigos; viu permanecer nas Cadeiras da Opposição Empregados Publicos, e não se queixou.... Portanto respeitou séria e sinceramente a liberdade da Tribuna.

Mas esta liberdade, como todas, teem limites. «Deve conciliar-se com outros direitos. (Vozes no centro: — Bem; muito bem, muito bem.)

«Admitte-se que um Deputado fiel aos principios da Politica do Ministerio, vote contra o Gabinete em uma questão especial, ou mesmo em muitas. Concebe-se que um Funccionario estranho á Politica, e affastado da direcção dos negocios, sustente uma opposição permanente. Não sei se na sua perfeição o Governo Representativo o permittirá; mas no estado actual deve-se consentir e acceitar.»

«Mas quando a opposição versa sobre os fundamentos da Politica do Gabinete e emana dos seus Agentes proximos e quotidianos, pede a lealdade e boa razão que não se tolere. É negocio, que nem soffre cinco minutos de conversação. (Muito bem) e em taes circumstancias o Funccionario e o Governo devem separar-se em nome da lealdade, e da propria dignidade, em nome do senso commum até.»

«Senhores, ha uma cousa ruim sempre — é a Anarchia. (Interrupção da esquerda) Pois bem; affirmo que na hora, em que deixa de existir a necessaria harmonia entre o Poder, e os seus Agentes, em que se manifesta a contradicção do principios, a Anarchia existe...»

Eis a opinião de M. Guisot; e está nos Jornaes do tempo, e no Constitucionel melhor talvez — o famoso Discurso que M. Thiers proferiu sobre as incompatibilidades. Como os dois Estadistas de França acceito o principio em todo o seu rigor; e julgo que nenhum Funccionario de confiança deve estar em divergencia essencial com o Gabinete antes de se ter exonerado. (Apoiados) Entendo que as funcções exercidas entre o Ministerio e Agentes, immediatos delle, precisam de confiança reciproca; e que logares por onde passam objectos importantes, como os negocios de Roma, e do Clero, e outros não menos graves e de segredo, não podem ser exercidos senão por quem esteja em pleno accôrdo com a Administração para prestar activa e zelosa cooperação. Desde que falta esse accôrdo a posição é impossivel; e menor aggressão ácerca de objectos mais de perto sujeitos ao Empregado, faz recair sobre elle suspeitas ás vezes injustas, e sempre offensivas da sua lealdade. Obrigado a conservar Funccionarios hostis, como havia o Governo de dirigir convenientemente os negocios do Estado? (Apoiados)

Sr. Presidente, eu quando entendi que devia apoiar o Governo, depositei nas mãos do Sr. Ministro do Reino a demissão de um Empregado de confiança; julguei que para cumprir o meu dever, havia de estar aqui como Deputado só (Apoiados)

Ouço dizer aqui, que o Governo não demittiu um Empregado de confiança, porque era Official de Secretaria, perdoem-me; esses logares são de confiança hoje, attenta a organisação actual das Repartições; como o podem deixar de ser homens, pelas mãos dos quaes passam negocios de grande transcendencia, que os preparam e informam? O Governo pois, quando deu a exoneração, não castigou o voto parlamentar, acabou uma dissidencia essencial entre o Empregado e elle. (Apoiados) O voto do nobre Deputado, passou da Tribuna para a Imprensa, e o Governo adquiriu assim prova de que esse Deputado continuava em desharmonia com a sua Politica; portanto julgou, e julgou bem, que não podia deixar de progredir mais tempo esta falsa posição.

É impraticavel, torno a repeti-lo, que haja Ministerio possivel, quando os Empregados, cuja cooperação lhes é devida, forem Opposição activa. O modo de cortar a difficuldade é doloroso, mas necessario. Poderia referir precedentes d'outro Governo, mas entendo, que quando se sustentam questões pelo lado dos principios, os exemplos de pouco valem. (Apoiados.)

Insistiu-se no argumento tirado da Lei de 12 de Junho de 1822; duvide que a citação colha; tenho aqui á mão o Alvará com força de Lei de 5 de Junho de 1824, e não vejo por elle novamente declarada a Lei de 1822: e sinto, que por máo fado as Secretarias continuem a existir neste provisorio, sem posição definida, e funcções mais bem reguladas.

Tambem o Governo foi accusado de se ter havido com a maior imprevidencia nas negociações externas. No momento, em que a catastrofe de França alluia o Throno, o Ministerio foi escolher um Noviço da Diplomacia, para o mandar para a Côrte de Madrid! Esta asserção não é exacta; o supposto

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Noviço, (está mal informado o nobre Deputado,) conta mais de oito annos no serviço do Corpo Diplomatico, e perto de dois annos de serviço na Sardenha, na qualidade de Encarregado de Negocios. Quer a Camara saber como aquelle Conselheiro desempenhou a sua missão?... Eis o que o Ministro dos Negocios Estrangeiros de então lhe respondia officialmente: «Muito estimei ver o succinto Relatorio do estado da Instrucção Publica nesse Paiz a (Sardenha).... Tenho por esta occasião a louvar no seu zêlo e applicação, assim como a maneira «porque organisou o extracto da Receita e Despeza et do Governo Sardo, que li com satisfação» Este Officio e o do 1.º de Março de 1845. Em outro documento official em data de 31 de Março do mesmo anno, o Ministro escrevia. — Serão tomados em «consideração os bons serviços do Addido a essa Legação durante o tempo, que exerceu o logar de «Encarregado de Negocios, que desempenhou -muito a a contento do Governo de Sua Magestade.

Eis aqui a demonstração das habilitações que este Empregado tinha para se desempenhar bem no serviço do Estado.

Quanto aos seus conhecimentos o nobre Deputado não os contestou, e pelo contrario teve a bondade de os reconhecer; por isso não direi nada a tal respeito. Tambem se notou, que, apesar dos seus talentos, este Diplomatico não gosava em Madrid da importancia, que exigia a delicadesa das circumstancias, e que o Governo sentindo que fôra precipitado, nomeara outro Cavalheiro, designado para Encarregado de Negocios na Suecia, para junto delle servir de tutor. Peço licença ao nobre Deputado, para lhe dizer que sua S. Ex.ª é que me parece precipitado; o Diplomatico, que serve de motivo á censura, esteve em Madrid como Encarregado de Negocios, até alli chegar o Sr. Conde de Thomar; e foi então que o Governo o transferiu para París, certamente por carecer dos seus serviços n'aquelle ponto; e observo, que a nomeação interina do Encarregado de Negocios designado para a Suecia, só teve logar quando o Sr. Conde de Thomar saíu de Madrid, para assistir a presente Sessão. (Apoiados.)

Não se póde pois censurar o Governo que nomeou um Diplomatico, que tem oito annos de serviço, e dois annos de Encarregado de Negocios. Não se póde pois chamar Noviço a este Diplomatico, nem pôr em duvida a sua aptidão para exercer as funcções que exerce. Quanto á falta de importancia na Côrte de Hespanha, só mencionarei um artigo do Heraldo, onde se lê, que havendo alguem acreditado a noticia dada pela Revolução de Setembro, e o Espectador, de que o Gabinete Hespanhol dirigira uma Nota ao Governo Portuguez, exigindo a immediata exoneração do Secretario Geral da Nação Portugueza em Madrid, estava auctorisado para assegurar, que esta noticia era completamente falsa, e que o Governo Hespanhol não pensou se quer em dirigir similhante Nota contra um dos Diplomaticos, que por suas distinctas qualidades melhor desempenha o cargo para que foi nomeado pelo seu Governo. Eis aqui está a opinião que formava sobre elle a Côrte de Hespanha. (O Sr. Silva Cabral: — O Heraldo?) O Orador: — O nobre Deputado sabe. que essa Folha é semi-official e não se dizia auctorisada sem o estar.

Mas necessitava-se para atacar o Governo, não só de converter os Ministros em victima, mas tambem a quantos estão no caso de lhe prestar algum apoio?

Foi-se buscar o negocio do Cadastro, fez-se o corpo de delicto do supposto abuso, e como o meu nobre Amigo já notou, fez-se quanto era possivel para o assassinar moralmente. Retratou-se o Sr. Avila, como usurpando ordenados que lhe não pertencem, Não farei commentarios sobre tão grave asserção, ella foi já bastante esclarecida: está evidentemente demonstrado o direito com que a gratificação se continuou, em virtude de um artigo da propria Lei de Meios. Mas quem ignora que em todos os tempo», e em todos os Governos, sobre tudo naquelles que desejam lançar a semente á terra e preparar as reformas, e geral o costume de commetter a homens especiaes o estudo das instituições estranhas. Não o faz a Inglaterra a cada hora? Não o fez a França para crear o Jury, e ale para aproveitar o genio de M. Dumas? Não se praticou isto mesmo até em Portugal? Sempre se fez; e não ha muito ainda que o Governo estabeleceu uma gratificação para certos Militares distinctos estudarem em París o Curso de Pontes e Calçadas; ainda ha pouco tempo, que. o Governo nomeou outras Commissões para objectos d'importancia, Commissões que com bastante admiração minha já aqui ouvi censurar! Creio que ninguem contesta a importancia da Commissão de Cadastro, e que os seus trabalhos hão de concorrer poderosamente para a prosperidade publica, e para a regular organisação do Paiz (Apoiados).

Só pasmo do rigor de hoje, e da facilidade de outras épocas — vê-se agora crime no que então era virtude? (Apoiados).

Sr. Presidente, tocando ainda no ponto da exoneração do nobre Deputado, direi que o Ministerio não violou o art. 25 da Carta Constitucional, que estabelece a inviolabilidade do Parlamento. Não vejo que o Deputado fosse demittido em virtude de voto dado em Côrtes; e não sei que o art. 25 se invoque hoje, e senão invocasse em 1841 quando Deputados eram prezos sem ordem da Camara. (Vozes: — É com os Ministros d'então!) O Orador: — Seja. Mas se os Ministros d'então entenderam que a inviolabilidade senão destruia com esse acto, e se os Deputados que a sustentavam, o julgaram tambem, não são elles os que podem chorar hoje sobre a inviolabilidade da Tribuna essas lagrimas posthumas, sobre tudo quando a exoneração teve logar na ausencia do Corpo Legislativo!

Ouço, que então se conspirava e que hoje não. Sr. Presidente, no Systema Representativo não se conspira só com as armas; o Governo é atacado por outros meios de quasi igual violencia. Para o derrubar não se appella só para a espada, appella-se para tudo o que póde invenenar o seu credito, e alienar-lhe a obediencia dos Povos. E tirada a offensa á Sociedade, entre atacar o Governo com a espada na máo, ou publicando nos Jornaes, 34 horas depois, factos que estavam em segrêdo das Secretarias, não ha no fundo grande differença. (O Sr. Pereira dos Reis: — Não ha tal; se é a mim a allusão, rejeito-a.) O Orador: — É a qualquer que dê das Secretarias papeis, cujo segredo em qualquer Sessão haja de ser revelado (Apoiados). (O Sr. Pereira dos Reis: — Appareça o primeiro da Secretaria da Justiça). O Orador: — Não fallo da Secretaria da Justiça, nem de nenhuma; fallo de papeis confiados a individuos

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estranhos, como aqui se apresentaram. Isto mostra o estado de desmoralisação em que se acha o Serviço Publico (Apoiados). Castiguem-se os Empregados, ouço eu dizer De certo é preciso castigo, é necessario, por uma vez, punir esta anarchia, com a qual não ha Governo possivel.

O Ministerio não quer que os seus actos appareçam? Foi Deos como se invertem as cousas! O que nenhum Ministerio quer é que os seus actos appareçam transformados, ou nas mãos de homens que o não podem apresentar com os desenvolvimentos necessarios. (Apoiados) Estamos em um Governo de publicidade, e esse exige que os actos appareçam, mas nas mãos do Ministerio. (Apoiado») Queremos documentos officiaes, e não documentos anónimos ou sacados das gavetas dos Deputados! (Apoiados) Appello para os nobres Oradores que fazem a observação, e digam elles, se, como Governo, o quizeram nunca, o podem tolerar. Ora como Opposição quer-se o que se póde fazer como Poder, a não existirem duas ordens de principios, uma para as Opposições, outra para os Govêrnos!

Sr. Presidente, desejo seguir este debate com serenidade; escutei os nobres Deputados em quanto fallaram; e parece-me da dignidade da Camara ou vir as opiniões de todos Os lados; digo isto não porque receie as interrupções; tenho a força necessaria para fallar que se ouça sem perder o fio das minhas idéas; mas parece-me, que não podémos continuar em côro, ou em dueto, e não julgo que o precedente aproveite ao Parlamento; mas entretanto se acaso se julga que a discussão deve ser em dialogos, então o melhor e formar-se a Camara em secções para a sabbatina. (Apoiados, tem razão)

O Sr. Presidente: — Peço que não hajam, interrupções.

O Orador — Notou-se que a Minoria que tão insignificante se pintava, infundia comtudo terror. De que? Não está ella discutindo? Medo das suas razões? Daremos a, nossas; e o juiz e que ha de decidir; a Nação dira quem melhor a serve.

Fomos censurados de ser Deputados que faziamos Côrtes particulares. Não reputo injuriosa a observação. No Governo Parlamentar as explicações entre os Deputados e o Ministerio são essenciaes e uteis. Ouvir e obedecer e a divisa dos Eunucos, mas não o caracter dos homens livres. A liberdade propria do Systema Constitucional cifra-se na franqueza; e honro-me de a seguir; não estou disposto a reduzir o meu voto á obediencia passiva; honro-me de pertencer a essas denominadas Côrtes, porque sei que as Maiorias cegas e escravas, que obedecem e não fallam na hora do perigo, morrem como viveram, sem força para salvar o Paiz, porque a não tiveram para tomar o seu logar! As Maiorias não devem ser denominadas senão pelo interesse do maior bem do seu Paiz. A Maioria a que tenho a honra de pertencer, e de que fallo e a de 1849. Essa se faz Côrtes particulares, eu explico porque as faz; e porque tem confiança no Governo, para lhe dizer a verdade; e o Governo e assaz constitucional para annuir. Esta Maioria ha de ter a força necessaria para perseverar neste caminho, e não transigir senão com o seu dever. (Apoiados)

Sr. Presidente, o silencio acabou. Hoje ha uma Maioria independente que ha de fallar com liberdade ao Ministerio, e que o havia deixar de apoiar se elle se arredasse da estrada que deve seguir. (O Sr. Cunha Sotto-Maior — Tomo nota. Eu lhe responderei.) O Orador: — É o que devia ter feito, para não interromper.

Por ultimo, em censura ao Governo fez-se o quadro risonho do Ministerio Hespanhol; notou-se que no meio das vicissitudes da lucta civil, elle tinha tempo ainda para publicar um Codigo Penal, para traçar caminhos de ferro, e organisar a Instrucção Publica; direi em resposta perguntando se a Administração dos dous Paizes está em igualdade de circumstancias, e se o tempo de duração dos Gabinetes é o mesmo? E se não é, pergunto se era possivel fazer as mesmas cousas? No estado deste Paiz torna-se impossivel praticar o que se obtem na Hespanha; e preciso começar por onde ella começou, e depois poderemos chegar onde ella chega.

Por ora se o Governo não quizer seguir este caminho, se elle não começar como deve, hei de manter em toda a liberdade o meu voto para o censurar; por ora entendo que os Srs. Ministros estalão resolvidos a acabar por uma vez com os abusos, e que apresentarão medidas proprias para o conseguir; estou persuadido que hão de apparecer Projectos para tornar a cobrança dos rendimentos publicos, immediata, responsavel, e economica; e para fundar a organisação financeira sobre as verdadeiras bazes, creio tambem que se acabara a aberração de ouvir mais os patronos do que o merito. Espero que o Parlamento discuta a Lei Eleitoral; espero que igualmente a Lei das Estrada se ventile; e que os Srs. Ministros trazendo ao Parlamento outras muitas Propostas combinadas se habilitem a si e ao Paiz, para se dar aos recursos naturaes o preciso desenvolvimento.

A situação em que nos achamos é das mais graves; mas tem a seu favor quem a resolver o convencimento dos Portuguezes; todos conhecerão em fim que chegou a hora de cooperar activamente para a salvação do Paiz, e de levar o machado até á raiz do» abusos. Para isto é necessario que intelligencias claras se colloquem á frente da Reforma, para que a revolução pacifica se opere em nome da Corôa, e as aliadas dos inimigos fiquem reduzidas a fumo., (Apoiados)

Eis aqui como eu entendo que o Governo deve obrar e fazer, estou certo que o veremos nesta larga estrada de progresso. Se o contrario porém acontecer, não captivei o meu voto, e tomarei aposição que devo. Eis aqui o meu programma; não sacrifico a independencia de Deputado nem á adoração das virtudes Ministeriaes, nem á efemera popularidade de uma Opposição inclemente.

Sr. Presidente, vou concluir; mas antes direi ainda duas palavras acêrca de um negocio que pareceu fazer alguma impressão na Camara. É accusado o Ministerio de ter absorvido nas despezas da Policia Secreta uma quantia excessiva. Vou ler um documento que me foi communicado, e por elle se verá que a Policia pouco mais custa hoje do que em 1814. (Leu)

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Administração do Conselheiro José Bernardo.

1844

Março................ 600$000

Abril................ 300$000

Maio................. 300$000

Junho................ — $ —

Julho................ 450$000

Agosto............... 545$000

2:195$000

Administração do Marquez de Fronteira.

1848

Julho................ 500$000

Agosto............... 500$000

Setembro............. 500$000

Outubro.............. 500$000

Novembro............. 500$000

Dezembro............. 500$000

3:000$000

Prejuizo ao desconto de 750$000 réis em Notas descontadas termo medio

a 40 por cento................... 300$000

2:700$000

N.B. No mez de Janeiro de 1849 até ao dia 17 só se tinham recebido no Governo Civil de Lisboa............. 250$000

Eis-aqui os algarismos e por elles o que se dispendeu tambem no do Ministerio de 1844. (O Sr. Silva Cabral: — Eu responderei a isso). O Orador: — Espero que o nobre Deputado responda; deve responder, porque apresentou o facto. Portanto sobre esta nota, que me foi communicada, e que de certo se deve julgar official, parece-me a censura pouco justa, e declaro mais, que mesmo quando se tivesse augmentado a despesa, as circumstancias eram taes, que absolveriam o Governo de maior excesso. Antes esta despeza, do que os horrores da guerra civil, fulminando o Paiz com a miseria e com a dor. (Apoiados)

O Sr. Agostinho Albano: — Sr. Presidente, são tres horas e vinte cinco minutos; faço esta observação á Camara, para notar que cabendo-me tão tarde a palavra, não poderei talvez no curto espaço que me resta, dizer o que me occorre sobre o assumpto que pertendo tractar. Lamento, e muito, o que por mais vezes me tem acontecido, que é caber-me a palavra quasi no fim da Sessão; mas usarei de um direito que eu espero que me ha de conceder a Camara, reservando a palavra para a Sessão seguinte, direito que me tem concedido mais vezes, que se tem já concedido nesta Sessão, se eu não tiver a fortuna de concluir o que tenho a dizer na Sessão de hoje.

Sr. Presidente, eu tenho de apresentar uma Substituição a um paragrafo da Resposta ao Discurso do Throno, que hei de mandar para a Meza, e que hei de ler primeiramente. Se eu tivesse as forças herculeas que um o illustre Deputado que me precedeu na idade em que me acho, e a sua intelligencia, certamente não podia defender melhor a minha Substituição do que o nobre Deputado acabou de defende-la. Antes de mandar para a Meza lê-la-hei para provar a asserção que acabo de avançar, e para que todos façam idéa daquillo em que ella consiste: se hei de lêl-a no fim do meu Discurso, leio-a agora, até porque é sobre ella que ha de basear-se o que eu houver de dizer. É Substituição, ou Emenda, como a Meza a quizer entender, ao paragrafo que começa «Em presença da execução dada ás Leis ultimamente votadas, etc.» Adopto completamente o pensamento deste paragrafo, não adopto porém sua redacção; adopto inteiramente a douctrina, é aquella que habilmente, com toda a força da razão defendeu e sustentou o nobre Deputado que acabou de fallar; a sua redacção, parece-me deficiente.

Eis-aqui a minha Substituição; servirá como disse de thema ao meu Discurso.

Substituição. — Senhora: Nas Leis de Fazenda notadas ultimamente, não foi ainda possivel estabelecer mais que alguns preliminares das indispensaveis e urgentes reformas, que por tal modo comminadas em todos os ramos do serviço, venham a dar em resultado um systema de administração, arrecadação, e contabilidade, facil em sua execução, economico e productivo para o Thesouro, suave e equitativo para os contribuintes, e fecundo nas economias com que possam attenuar-se as despezas publicas, tanto quanto caibam nos limites da conveniencia publica. A Camara pois aguarda anciosamente as Propostas que o Governo de Vossa Magestade ha de apresentar-lhe, e ao seu exame prestará o mais desvelado empenho.

Espero que estas Propostas sejam apresentadas neste estylo, e só neste estylo, e com a necessaria promptidão; esse estylo é o unico a seguir nas circumstancias em que nos achamos: neste sentido ha de o Governo achar o meu apoio, que lho hei de prestar com todas as forças, para resolver o problema que desde tantos annos está a resolver-se, que ainda senão tem resolvido, e que é necessario que se resolva prompta, e promptissimamente, quando não virá sobre nós um catachlysmo social mais terrivel do que o catachlysmo natural que em 1755 destruiu completamente não só esta Capital, mas muitos dos recursos do Estado: se então houver um homem que diga ao Imperante: «Cumpre enterrar os mortos e cuidar dos vivos» — se então existir esse homem, Sr. Presidente, ainda poderemos ter esperança, ainda virá fortuna para este Paiz; se esse homem não apparecer, e se der o caso a que alludo, ai do Paiz, ai da Causa Constitucional, ai do Throno da Rainha!...

Sr. Presidente, pertencendo ao Gremio Cartista, as minhas opiniões são muito conhecidas. — «Carta Constitucional, Throno da Rainha, Dynastia de Bragança que a Carta prescreve, e Independencia Nacional» (Apoiados); foram estes, são estes, serão estes sempre os meus votos; e se nas circumstancias mesmo em que eu actualmente me acho fossem necessarios os meus esforços, as forças renascem, os annos remoçam, os brios ressurgem; não seriam os annos que me fizessem difficuldade para combater por esses sagrados objectos, não ha de ser com estas forças de que actualmente posso dispor, mas ha de ser com aquellas que me hão de dar as minhas convicções, as intimas convicções que professo, porque são esses realmente os principios que eu tenho constantemente defendido, que defendo, que hei de constan-

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temente defender, e sobre os quaes espero morrer firme, e inabalavel (Apoiados.)

Sr. Presidente, devo começar primeiro por definir a minha situação nesta Camara. Já disse que pertencia ao Gremio Cartista; e desafio qualquer dos nobres Deputados a que impugnem a minha asserção. Quem se atreveria a tanto? (Apoiados); nem são elles sómente os juizes desta asserção, tambem o é a minha consciencia; não tenho dado provas de outros sentimentos, não tenho dado provas de outros principios (Apoiados): e então é claro que pertenço, não digo á Maioria, á grande Maioria, mas á quasi totalidade desta Camara, porque não vejo aqui senão esse principio — o principio Cartista. (Apoiados.) Então porque se diz que eu estou fazendo opposição, que eu sou granadeiro de facções, ou como quizerem?.. Eu, Sr. Presidente, fui granadeiro, se ainda hoje o sou das minhas convicções; são estes os principios que eu quero, é isto o mesmo que quer o Ministerio, hei de portanto defender aquelles principios com todas a forças, com toda a energia de que seja capaz, com energia, com força, com decisão.

E nesta defeza, Sr. Presidente, direi com Tacito,

M'hi, Galba, Otho, Vitellius, nec beneficio, nec injuria

..........

Cogniti:

..........

tenho Amigos em toda a parte, respeito a todos, mas livre nas minhas opiniões hei de dizer aquillo que entender, muito particularmente sobre o objecto de que actualmente vou occupar-me, o que me propuz tractar. Não venho fazer analyse á totalidade da Resposta ao Discurso do Throno, encarrego-me unicamente de defender e sustentar, ou para melhor dizer, de augmentar por algum modo, por aquelle que poder, a sustentação que acabou de prestar á minha Substituição, sem saber que ella existia, o illustre Deputado que me precedeu.

Começarei por notar uma circumstancia a que alludiu o nobre Deputado, e na qual não me acho muito conforme com suas opiniões; é a pouca importancia destas duas importantissimas peças com que começam todos os annos os Parlamentos — o Discurso do Throno, e a Resposta a esse Discurso.

Sr. Presidente, em todas as Nações Constitucionaes, mesmo em Inglaterra aonde este objecto é tractado com muita rapidez, não se deixam de cumprir as formulas Constitucionaes; a rapidez com que se procede em Inglaterra, depende de outras causas, (Apoiados) e não é o que se tem seguido em os outros Paizes; vejamos o que acontece no Parlamento Francez todos os annos, quando se tracta da Resposta ao Discurso do Throno, na Belgica, e ultimamente na Hespanha? Não é, Sr. Presidente, com essa rapidez do relampago, com essa velocidade do raio, como muitas vezes se faz no Parlamento Inglez, em que um nobre Lord, ou um Deputado se levanta, para apresentar a resposta ao Adresse, e dois que o sustentam, e combatem, e que depois de uma discussão rapida, e de uma votação successiva, se passa a tractar do objecto principal dos trabalhos: entre nós, na Hespanha, na França, na Belgica, como acabei de dizer, este é o campo, esta é arena aonde se preparam, e indicam os grandes pontos, que hão de occupar a Sessão, que hão de occupar todo o Parlamento nesse anno: o Discurso do Throno é uma peça de summa importancia; elle exprime não só a benevola consideração do Chefe do Estado para comos Representantes da Nação; mas exprime de mais a mais ainda a exposição das relações, que a Nação tem, ou deve ter com as Nações estrangeiras; é além disso a expressão sincera, e franca da Augusta Pessoa, que preside ao Estado na exposição das necessidades do Paiz, taes quaes as considera o Governo. Esta exposição das necessidades do Paiz, este exame das relações com as outras Nações estrangeiras, devem fazer o objecto da Resposta ao Discurso do Throno, que não é só um mero cumprimento devido á Augusta Personagem, que vem do alto do Throno annunciar todas estas circumstancias aos Representantes do Povo, e tambem a exposição franca, e sincera da parte destes em relação aos importantes objectos, que lhe são commettidos. Seria falta de lealdade, seria falta de sinceridade, seria falta de correspondencia á benevolencia extrema do Chefe do Estado, se o Parlamento servindo-se de palavras vãs, de circumloquios brilhantes, mas sem expressão, deixasse de lhe expor os principios porque ha de discutir, porque ha de tractar, as materias que lhe forem apresentadas, e deixasse de notar mesmo algumas daquellas necessidades, que o proprio Governo não póde ver, nem dellas póde fazer menção, por isso mesmo que se entende, que os Eleitos do Povo veem de todos os recantos do Reino, conhecedores das necessidades, que lá existem, para poderem lembra-las ao Governo, e fazerem resolver as questões principaes sobre que elles entendem, sobre que elles julgam consiste, ou deve consistir a prosperidade desse Paiz. (Apoiados)

Eis aqui, Sr. Presidente, o que eu entendo a Resposta ao Discurso, ou á Falla do Throno. Neste sentido o paragrafo alludido está summamente deficiente, embrulhado, e inexplicito, porque não define o que deve definir, as necessidades urgentissimas, que estão pendentes actualmente, e que dependem principalmente da resolução do grande problema da organisação da Fazenda Publica. (Apoiados)

Sr. Presidente, no Discurso do Throno allude-se, neste ponto, simplesmente a uma condição desta organisação, suppõe-se tudo organisado, e que só falta por organisar o Systema da arrecadação: eu entendo que mais, e muito mais ha que organisar, por que falta ainda o Systema todo: esta pois é a circumstancia especial de que eu devo occupar-me. Mas ainda não defini bem a minha propria situação nesta Camara: vou faze-lo.

Não é o despeito, Sr. Presidente, não tenho despeitos quando se tracta da Causa Publica (Apoiados), a ella sacrifico todas as razões; se razão podia ter de algum despeito, essa desvanece-se diante deste grande pensamento, do principal pensamento, do meu debil concurso para tudo quanto eu entenda que faça a prosperidade do Paiz; Opposição ferrenha ou acintosa, não a conheço nesta Camara, nem ainda sei bem a força desta expressão, não sei mesmo se sou Opposição; o que sei, Sr. Presidente, é que tenho a opinião das minhas convicções que as não renuncio, e que estas umas vezes poderão achar-se de accordo com as Propostas do Governo, e algumas vezes acontecerá que não possam estar de accordo com ellas.

Eis-aqui, Sr. Presidente, como é a minha posição. Não sei se é Opposição, se é posição, o que sei é,

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que este é o meu dever; que estes são os desejos de um homem livre, de um Deputado que não tem deixado uma unica vez de cumprir os seus deveres, tanto quanto pude, e entendi, em virtude do seu mandato (Apoiado). Já fui Minoria por uma vez. Essa Minoria então, como a de hoje, não era uma minoria facciosa, era uma Minoria leal que entendia nesse tempo que o Systema existente não era o que convinha aos interesses do Paiz e á Prosperidade Publica. Não lhe fazia guerra com armas traiçoeiras; nunca defendi opiniões facciosas no Parlamento. Detesto as facções e as revoluções (Apoiados). Não é por facções e revoluções que eu entendo que se póde organisar o Paiz. É no Parlamento por meio da placidez da discussão (Apoiados). É no exame franco, sincero, e leal de todas as Propostas que aqui possam ser trazidas: na attenção que o Parlamento ha de prestar a essas Propostas ou nos Additamentos e alterações que houverem de fazer-se-lhe. Eis-aqui como entendo que é uma Minoria. Minoria facciosa não. Não a ha nesta Casa. Se a houve alguma vez, corramos o veo sobre todos os acontecimentos dolorosos porque temos passado.

O nosso meio de discutir, de tractar as questões ha de ser differente daquelle que tem sido em outras épocas. E necessario mudar de Systema — Não somos nós que havemos d'absolver o Ministerio, mas os seus actos. É esse o Systema que eu invoco, que sustentou o nobre Deputado; não quero, nem invoco outro.

Sr. Presidente, em materia de tolerancia, desejo-a a todas as opiniões (Apoiados de todos os lados). Desejo-a vêr o mais franca que seja possivel, já aqui me comprometti a sustentar a Liberdade d'Imprensa sem restricção alguma, unicamente com as restricções que faltam na Lei commum; é nella que devem introduzir-se algumas provisões em razão de que este objecto ainda não era conhecido em grande parte quando esta Lei se promulgou. Por esse principio já aqui me comprometti, e muito de proposito o fiz, para que não me fosse exigida uma opinião contraria áquella, que eu entendo que não póde deixar de ser a verdadeira opinião. Sr. Presidente, a Liberdade d'Imprensa é a maior garantia constitucional (Apoiado, apoiado), plena, plenissima a desejo eu, porque a propria Imprensa tem em si mesma o seu castigo, e o seu proprio correctivo. Quando se tractar deste objecto, reservo-me para desenvolver esta douctrina, e tractal-a conforme entendo.

Ha outro ponto a respeito do qual não posso deixar tambem. d'emittir a minha opinião, e em que não estou muito d'accordo com as opiniões do nobre Deputado que acabou de fallar. A minha opinião, ou o ponto em que não vou d'accordo com o illustre Deputado, consiste em duas palavras. Se acaso viermos a definir bem essas duas palavras, não terei duvída em adoptar a opinião do illustre Deputado sobre a philosofia demissoria. Essa philosofia é necessario definil-a por uma vez. Esta philosofia demissoria póde qualificar-se exactamente como a fabula dos dentes do monstro de Cadmo. E a espada pendente de um fio sobre a cabeça de Damocles; e essa espada cujo gume afiado está ameaçando de cortar o pescoço áquelle que abusar dessa philosofia demissoria. E em frase mais vulgar, é cortar um ferregial para o vêr brotar com mais força. Eis-aqui o que é esta philosofia demissoria, Se o nobre Deputado poder dar-me uma verdadeira definição do que entende por Empregados de confiança, de Commissão, ou Vitalicios então, chegados a este campo, nós poderemos concordar ou discordar nas nossas opiniões. Eu entendo por Empregados de confiança aquelles que estão ao lado dos Ministros para fazer executar as resoluções do Governo, de quem tem a delegação. Quanto a esses entendo eu que o Governo não póde de maneira nenhuma servir-se d'outros senão dos da sua escolha. Mas outros Empregados, que não sejam Juizes, ou Militares, mas que na qualidade d'Empregados Vitalicios tem na Carta Constitucional todas as garantias entendo que demittil-os sem que preceda um processo instruido para poder fulminar-lhes a pena da demissão, é um acto da mais barbara arbitrariedade (Apoiados). Em quanto ao mais vou perfeitamente de accôrdo com as idéas do illustre Deputado.

Eis aqui, Sr. Presidente, definida de algum modo a minha situação nesta Casa, estou disposto e prompto a votar por aquellas Propostas que entender que são uteis ao meu Paiz, e a combater e rejeitar as que me parecerem não podem alcançar este fim. Desta sorte podem os Srs. Ministros contar com o meu apoio, que não lhes servirá para nada, mas que é franco, leal e sincero, como tem sido sempre desde muito tempo que tenho a honra da sentar-me nesta Camara (Apoiados). Se a algumas das Propostas que houverem de ser apresentadas contravierem algumas das minhas convicções intimas, especialmente era materia de Fazenda, á qual não sei por que tendencia, ou talvez porque casualidade me tenho constantemente dedicado, desde já previno os Srs. Ministros que procurarei antecipadamente dizer-lhes qual a minha opinião, procedendo como Cavalheiro, e só no interesse do Paiz (O Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros: — Muito bem).

Sr. Presidente, eis aqui qual a minha posição nesta Camara. Serei Maioria? Não sei. Serei Opposição? Não sei. Serei granadeiro da minha consciencia. Sei o que hei-de ser, e neste caso vou á questão.

Eu desejava entrar mui largamente nella; conto que na sustentação da minha Substituição hei-de dizer alguma cousa mais do que disse o nobre Deputado a este respeito, mas como eu entendo, com as minhas humildes expressões.

A organisação da Fazenda é o grande problema qual temos a resolver (Apoiados) sua resolução é indispensavel, é urgentissima. A demora della póde ameaçar a independencia desta Nação, ea sua sorte futura. Um adiamento mais na solução desta questão poderá comprometter a Carta, o Throno da Rainha, e a fortuna publica. Longe de mim essas idéas. Não tenho em vista de maneira alguma senão o concorrer quanto possa para se sustentar a Carta Constitucional, o Throno da Rainha e a sua Dynastia. Enganam-se aquelles que julgam que esta reforma, esta organisação consistirá unicamente na arrecadação dos impostos. Isto é muito mesquinho. Um Systema de Fazenda compõe-se de muitas partes importantes: elle comprehende o Systema Tributario, o Systema de Administração, e o Systema de Fiscalisação: não entrarei por agora no exame do Systema Tributario por que nada se remedeia já com esse exame: não me parece que seja indispensavel substituir o imposto directo a que a Nação está habilitada desde muito tempo; mas sim aperfeiçoa-lo; não

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tentemos por em quanto nova experiencia. E por isso que em 1846, e antes, me oppunha muito a introducção de um Systema que sendo conforme ás doutrinas da sciencia financeira, falo do Systema da contribuição directa de Repartição, fôra agora arriscado estabelecel-o sem grandes, e previas disposições, por isso a elle me oppunha, por que ía destruir o Systema de imposto de 200 annos, a que o povo estava habituado, para estabelecer outro novo, a respeito do qual não havia senão prevenções populares (Apoiado, apoiado) Pretendeu-se então, e conseguiu-se, fazer entender que o Systema de Repartição consistia em repartir aos povos tudo quanto fallava ao Thesouro para fazer face a todos os encargos do Estado (Apoiados.) É por isco que quando se dizia daquelles bancos (Apontando para os dos Ministros) «ha força para o estabelecer,» eu depuz desde logo a minha opposição, pois que — Si el Padre guardian no suda, para que sudar yó — E votei por elle, porque sempre entendi que procede da doutrina a mais conforme aos principio, mas cuja pratíca e de muito difficil execução, pois que traz as mesmas difficuldades, ou ainda mais que o Systema de Quotas, que é aquelle que temos agora. Sr. Presidente, em quanto não estiver resolvido o grande problema que ainda não o está em França, apesar do seu adiantamento, alludo á formação de um Cadastro para regularisação da Repartição, entendo que as difficuldades, as desigualdades, os sacrificios a que se veem sugeitos os Povos, hão de ser infalliveis. Em materia d'impostos é necessario respeitar muito os habitos do povo. (Apoiado) Sabemos do que existe todo o partido possivel por meios suave, moderados, e com todo o tino, e se nós temos já um tal ou qual Systema Tributario que póde satisfazer ás necessidades do Thesouro, não toquemos nelle.

No Systema Administrativo temos nos andado muito, talvez de mais, e por isso muito pouco para chegar á perfeição. Desde 1834 já são tantas as Instrucções em materia de Impostos, os Modelos, diversas

providencias, e multiplicadas Leis, que este assumpto se acha em tal estado que os proprios Exactores já não podem com ellas entender-se: lembra-me de uma anedocta do tempo do Absolutismo. Um pertendente que desejava conseguir uma cousa procurou o Ministro competente; pelo espaço de dois ou tres mezes conseguiu entregar-lhe quantos Requerimentos podia em cada dia, sem jámais dizer-lhe uma pala via, e passados esses tres mezes, o Ministro apresentou-se á Rainha D. Maria 1.ª, e disse-lhe — «Vossa Magestade despache-me este homem, porque já são tantos os Requerimentos que confundem outros papeis de importancia, que não acho senão esses Requerimentos por bem do serviço do Estado peço a Vossa Magestade que me despache este homem.» — Eis-aqui o estado em que actualmente se veem os Exactores de Fazenda; são tantas as fórmas que se têem adoptado, tantas as complicações que se têem introduzido neste ramo de serviço, que não têem produzido senão prejuizo á Administração, e encoberto malversações. Um Systema destes carece de um prompto remedio, não soffre a menor demora.

Em Administração ha muito a tractar, e muito a emendar. Em qualquer dos ramos, impostos directos, e impostos indirectos é necessario acabar com estas Instrucções immensas, que não têem feito senão confundir e baralhar mais este ramo de Serviço Publico. E necessario evitar o Systema das arrematações, principalmente em materia de impostos indirectos, e substitui-lo com previdente Legislação.

Sr. Presidente, eu não desejo cançar a Camara; a hora deu, e a exemplo do que se tem practicado, peço a V. Ex.ª me reserve a palavra para amanhã.

O Sr. Presidente: — Fica-lhe reservada. A Ordem do Dia para amanhã é a continuação da de hoje. Está levantada a Sessão. — Eram quatro horas da tarde.

O Redactor,

JOSÉ DE CASTRO FREIRE DE MACEDO.

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