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N.° 15.

SESSÃO DE 19 DE JANEIRO.

1854.

PRESIDENCIA DO SR. SILVA SANCHES.

Chamada — Presentes 70 srs. deputados.

Abertura — Ao meio dia.

Acta — Approvada.

Entraram durante a sessão os srs. deputados Archer, Mello e Carvalho, Corrêa Caldeira, Cunha Solto Maior, Quelhas, Gomes Corrêa Lousada, Arrobas, Lopes de Mendonça, Rodrigues Sampaio, Palmeirim, Barão de Almeirim, Dias e Sousa, Cunha Pessoa. Francisco Damazio, Costa e Silva, Leão Cabreira, Pegado, Pessanha (João), Sousa Pinto Bastos, José Estevão, Casal Ribeiro, Julio Pimentel. Emauz, Torquato Maximo.

Faltaram com causa justificada os srs. Affonso Botelho, Vasconcellos e Sá, Cesar de Vasconcellos, Macedo Pinto, Lage, Pitta, Fontes Pereira de Mello, Sarmento Saavedra, Bazilio Alberto, Barrozo, D. Francisco de Almeida, Maya (Francisco), Soares de Azevedo, Frederico Guilherme, Palma, Lobo de Avila, Pessanha (José), Pestana, Silva Pereira (José), Baldy, Tavares de Macedo, Silva Vieira, Moniz, Placido de Abreu, Moraes Soares, Nogueira Soares, Pinto da França, e Norton.

Faltaram sem causa conhecida os srs. Adrião Acacio, Alves Martins, Castro e Abreu, Calheiros, Themudo, Castro Guedes, Carlos Bento, Conde de Saldanha, Pinto Basto (Eugenio), Bivar, Mello Soares, Gomes Lima, Ferreira de Castro, Passos (Manoel), Visconde de Castro e Silva, e Visconde de Monção.

CORRESPONDENCIA.

Uma representação: — Dos habitantes da cidade de Coimbra, pedindo providencias para que se melhore a barra e porto da Figueira, obrigando-se a empreza a cumprir todas as condições do seu contracto, ou emprehendendo-se outras obras hydraulicas, que a sciencia ensinar. — Á commissão de legislação, ouvida a de administração publica.

SEGUNDAS LEITURAS.

Projecto de lei: — Ficam sujeitos ás mesmas condições dos governadores das provincias ultramarinas, pelo que respeita ao tempo de serviço ultramarino necessario para conservarem o posto d'accesso, os ajudantes de ordens de pessoa, que pelo decreto com força de lei de 28 de setembro de 1838 compete aos governadores das provincias ultramarinas, sendo officiaes do exercito de Portugal, devendo dar-se as suas commissões no ultramar por concluidas no dia em que terminarem as funções dos respectivos governadores, se outro não fôr o motivo por que se acham no ultramar, em cujo caso terão de concluir o tempo de serviço que a lei marca para o emprego ou commissão que motivou a sua ida ao ultramar.

Sala das sessões da camara dos srs. deputados em 16 de janeiro de 1854. = O deputado por Cabo-Verde, Antonio Maria Barreiros Arrobas.

Foi admittido e enviado á commissão do ultramar.

Projecto de lei: — Senhores: A divisão das attribuições dos poderes politicos do estado é doutrina constitucional que não póde ser alterada por uma lei ordinaria, mas só pelos tramites que a carta constitucional para isso prescreve. E conforme o § 11.° do artigo 75.° da carta é uma das attribuições do poder executivo a concessão de pensões.

É porém certo que, respeitando aquella prerogativa do poder executivo, expresso na carta, convém comtudo estabelecer regras fixas e positivas, dentro das quaes o poder legislativo não possa negar a approvação de similhantes concessões, averiguado que seja por elle, que se acham verificadas as circumstancias legalmente exigidas, mas fóra das quaes tambem o parlamento não possa dar-lhes a sua sancção.

Esta necessidade tem sido mais de uma vez reconhecida, não só pelas camaras legislativas, mas até pelo governo, e ainda na sessão proxima finda.

A carta constitucional sujeita as pensões pecuniarias á approvação das côrtes, deu-lhes o direito de fiscalisar sobre taes concessões; e é para regular esse direito, fixando-o sobre bases permanentes, e ao mesmo tempo justa, que eu ouso submetter á vossa approvação o seguinte projecto:

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Art. 1.° As mercês pecuniarias, dependentes da approvação das côrtes na fórma do § 11.° do artigo 75.° da carta, só serão approvadas nos termos da presente lei.

Art. 2.° As mercês pecuniarias em recompensa de serviços feitos ao estado são:

1.° Por serviço = extraordinario e relevante.

2.° Por serviço = com sacrificio da existencia = (pensão de sangue).

3.° Por serviço = importante ou de longo exercicio.

4.° Por = inhabilidade física ou moral, proveniente do serviço do estado.

Art. 3.° O serviço extraordinario e relevante = será julgado tal pelo governo, em conselho de ministros, sobre a exacta apreciação dos factos, e decretado com todas as circumstancias que o classificam como tal.

§ 1.° A mercê correspondente póde ser por uma só vez — pensão vitalicia ou pensão hereditaria.

§ 2.° A sua quantia não tem limite, e será correspondente ao serviço prestado.

§ 3.° Póde ser decretada a favor daquelle que o prestou e durante a sua vida, ou posterior á sua morte e para pessoa ou pessoas da sua familia.

§ 4.° Póde ser concedida ainda a pessoas que della não necessitem para a sua sustentação.

Art. 4.° A mercê pecuniaria por serviço — com sacrificio de existencia — é concedida por morte causada por serviço feito ao estado, especificando no decreto o facto em que se basêa a mercê.

§ 1.° Esta pensão tambem póde ser concedida a pessoas que della não necessitem para a sua sustentação.

Art. 5.° A mercê pecuniaria por serviço — importante ou de longo exercicio — e concedida quando ella por seu resultado a favor do estado, ou por sua qualidade, importancia, risco ou duração, exceda manifestamente as obrigações do individuo que o prestou; especificando no decreto qual foi esse serviço ou serviços.

Art. 6.° A mercê pecuniaria por inhabilidade física ou moral proveniente de serviço do estado — é concedida temporariamente, durante a vida do que exercitou esse serviço, e quando essa inhabilidade seja reconhecida e comprovada na sua causa e effeitos, e assim designados no respectivo decreto.

Art. 7.° As pensões de que tractam os artigos 4.°, 5.° e 6.° só serão approvadas nos seguintes termos.

§ 1.° Sendo concedidas a pessoa ou pessoas que dellas necessitem para a sua sustentação, ou seja o proprio individuo ou sua familia, salva a excepção do § unico do artigo 4.°

§ 2.° Que por familia do agraciado considera-se unicamente aquelles parentes a quem elle sustentava em sua vida.

§ 3.° Que a pensão poderá ser vitalicia, condicional, ou temporaria.

Vitalicia aos pais — á viuva — orfãos desamparados de pai e mãe ou a outras pessoas de familia que por avançada idade, molestias ou outras circumstancias evidentes não possam obter outros meios de subsistencia.

Condicional á viuva até novo casamento, ou a outros parentes do sexo feminino até tomarem estado.

Temporaria a filhos — orfãos só de pai, até completarem 25 annos, ou antes obtendo igual ou maior vencimento do estado: e o mesmo a outros quaesquer parentes do sexo masculino. E no caso expresso no artigo 6.° unicamente até á morte do individuo inhabilitado; embora concedida a pessoa ou pessoas de sua familia; a quem comtudo poderá ser concedida nova mercê nos casos dos artigos 4.° ou 5.°

§ 4.° Que o maximo da pensão individual seja fixado em 240$000 réis ás pessoas maiores de 25 annos.

160$000 réis ás maiores de 15 e menores de 25 annos.

80$000 réis ás maiores de, 7 e menores de 15 annos.

40$000 réis ás menores de 7 annos.

§ 5.° Exceptua-se quando a mercê tenha de ser concedida a uma unica pessoa, porque nesse caso poderá ser approvada até ao duplo.

§ 6.° Que a pensão a uma só, ou a diversas pessoas de familia cumulativamente, nunca excederá no seu maximo vencimento, o vencimento total do individuo por serviço do qual é concedida.

§ 7.° Que a pensão augmenta conforme a idade designada no § 4.°, e cessa conforme as condições do § 3.º

§ 8.° Que nos individuos do sexo masculino, a pensão não se accumula com outro vencimento do estado, de quantia igual ou superior á mesma pensão.

§ 9.° Que o pensionista do antigo monte-pio militar accumula esse vencimento com qualquer das pensões de que tracta a presente lei.

Art. 8.° O augmento ou alteração da pensão originariamente decretada, pertence ao expediente do ministerio respectivo, a vista da lei e dos esclarecimentos necessarios, sem, necessidade de nova determinação.

As pensões serão decretadas individualmente conforme o § 4.° do artigo 7.°; mas no mesmo decreto a todas as pessoas a quem são concedidas por um mesmo serviço. O decreto designará expressamente — a especie da pensão, conforme o artigo 2.° — as especificações exigidas nos artigos 3.°, 4.° e 5.° ou 6.° — o nome e idade de cada uma das pessoas a quem é concedida, e todas as condições da concessão conforme o artigo 7.°

Art. 10.° O decreto, quando submettido á approvação das côrtes, será acompanhado de todos os documentos e esclarecimentos que comprovem as diversas circumstancias exigidas para a sua approvação.

Art. 11.° A approvação das côrtes não póde ser negada senão por falta ou abuso do que se acha disposto na presente lei.

Art. 12.° As pensões decretadas depois da promulgação desta lei não soffrerão deducção alguma no pagamento da sua importancia nominal, e não haverá entre estas differença ou preferencia de nenhuma especie.

Art. 13.° A importancia total das pensões das especies designadas nesta lei, ou outras identicas anteriormente decretadas por decreto especial, é fixada na maxima quantia de cem contos de réis.

§ unico. Não se inclue nesta quantia as prestações a egressos e freiras, nem os vencimentos de reformas, aposentações ou jubilações, nem as pensões do antigo monte-pio militar, nem outras quaesquer resultantes da lei geral.

Art. 14.° As pensões decretadas conforme a presente lei continuarão a ter só cabimento em metade

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das vacaturas, conforme o artigo 4.° da lei de 16 de novembro de 1841, até que a importancia total desta especie de pensões esteja reduzida á quantia fixada no artigo antecedente; e logo que esteja dentro desse limite terão cabimento na totalidade das vacaturas.

Art. 15.° No assentamento futuro das classes inactivas se designarão separadamente as pensões de que tracta a presente lei e outras identicas anteriormente decretadas. Da mesma fórma terão assentamento separado — as prestações a egressos — as prestações a freiras — as pensões de reformas militares — as de aposentações — as de jubilações — e as do antigo montepio militar.

Art. 16.° Fica revogada toda a legislação em contrario.

Sala da camara dos srs. deputados, 18 de janeiro de 1854. = Carlos da Silva Maya.

Foi admittido.

O sr. Maya (Carlos): — Repito o pedido que hontem fiz por occasião de apresentar o meu projecto, para que vá á commissão respectiva com urgencia, e ao mesmo tempo á de fazenda. O objecto é de tal importancia que espero que a camara se não opporá a isso. Peço igualmente que seja impresso no Diario do Governo.

O sr. Secretario (Rebello de Carvalho): — Parece-me que o objecto é mais de legislação que de fazenda.

O sr. Maya (Carlos): — Mas o projecto fixa a quantia até á qual podem ser concedidas as mercês pecuniarias, e sobre esse objecto não póde deixar de ser ouvida a commissão de fazenda.

O sr. Secretario (Rebello de Carvalho): — Não póde haver inconveniente em ser ouvida a de fazenda.

Foi remettido á commissão de legislação, ouvida a de fazenda, devendo ser publicado no Diario do Governo.

Projecto de lei: — Senhores: Em presença da carta constitucional da monarchia é livre a todo o cidadão portuguez sair do reino, quando e como lhe convier, com tanto que sejam guardados os regulamentos policiaes, e não se siga prejuiso de terceiro.

Daqui resulta que a emigração dos madeirenses para Demerara, e para outras possessões estrangeiras, é legitima, sempre que tiver logar depois de satisfeitos os regulamentos policiaes, e não se der o caso de prejuiso de terceiro, mas deixa de ser legitima desde o momento em que se verifica sem aquelles requisitos.

Temos pois emigração legitima, e emigração clandestina, ou illegal. A primeira só póde ser combatida por meios indirectos, tendentes a prender o cidadão ao solo da patria, tornando-se-lhe cara a terra do nascimento pelas vantagens que alli encontrar. A segunda póde e deve ser combatida por meios directos e indirectos.

E com effeito, a emigração clandestina é o subterfúgio a que recorrem os malfeitores, dá occasião á impunidade, e facilita a perpetração dos crimes.

De envolta com a emigração clandestina apparece o funestissimo flagello da alliciação, o qual tem por effeito perturbar a paz das familias, e acarretar os incautos a abandonar a patria, fazendo-lhes conceber enganosas esperanças de fortuna e de riquesa em paizes estrangeiros.

Acabar com a emigração clandestina é o meu intento. A vossa sabedoria supprirá a deficiencia das disposições do seguinte projecto de lei:

Artigo 1.° Toda a pessoa que sair clandestinamente do districto do Funchal, ficará desde logo sujeita á mulcta de 100$000 réis, ou á pena de tres mezes de prisão, se não tiver meios de pagar a mulcta.

Art. 2.° O cabeça de familia responde, com os seus bens, pelas mulctas, impostas ás pessoas de sua casa, que clandestinamente emigrarem com elle; a saber: pelos menores de 18 annos, como principal obrigado, sem regresso contra elles, e pelos mais, subsidiariamente.

Art. 3.° As alienações, trocas, obrigações de divida, e quaesquer contractos, ou transacções, que os emigrados fizerem antes de sair do districto, não impedirão as execuções pelas mulctas, se não forem feitas por escriptura publica, noventa dias, pelo menos, antes da emigração.

Art. 4.° Todos os barcos costeiros da Madeira e Porto Santo, que de qualquer ponto das duas ilhas, ou das desertas, conduzirem para bordo de navios nacionaes ou estrangeiros pessoas que não forem munidas dos competentes passaportes, serão tomados e vendidos em hasta publica.

Os barqueiros serão presos por espaço de dois mezes, ou pagarão 20$000 réis de mulcta cada um.

O mesmo se verificará a respeito de qualquer barco, que sem prévia permissão legal communicar com os navios nacionaes ou estrangeiros, que não estiverem ancorados no porto do Funchal.

Art. 5.° Toda a pessoa a quem se provar ter empregado meios cavilosos para seduzir e levar gente á emigração, pagará uma mulcta de 100$000 réis, ou soffrerá tres mezes de prisão.

Se se provar que empregou coacção ou violencia, pagará a mulcta de 1:000$000 réis, ou soffrerá a pena de degredo para a Africa por tres annos.

Art. 6.° Nenhuma embarcação, nacional ou estrangeira, poderá seguir viagem do Funchal para paiz estrangeiro, levando a seu bordo emigrados portuguezes, sem que o seu capitão ou mestre declare por termo perante o governo civil: 1. que se obriga a mandar desembarcar e apresentar livres e desembaraçados ao agente consular portuguez os passageiros que transportar, a fim de que possam empregar-se, e servir a quem quizerem e pelo tempo que lhes convier; 2.° que não receberá passageiro algum sem passaporte; 3.° que depois de se levantar do porto do Funchal, seguirá directamente sua derrota, e não tornará a communicar com a terra por via de embarcação alguma; 4.° que se obriga a apresentar no mesmo governo civil, por si ou por seu fiador, e em um praso rasoavel marcado no referido termo, um certificado do respectivo agente consular portuguez, authenticado com o sello do consulado, pelo qual prove ter cumprido as obrigações 1.ª e 2.ª deste artigo; 5.° que se obriga, pela falta de cumprimento de cada uma das obrigações a que se liga, a pagar a mulcta de 1.000$000 réis, além das perdas, damnos e custas que judicialmente se liquidarem, sujeitando a esta pena todos os seus bens e o navio que commandar.

Art. 7.° O cumprimento das obrigações, e o pagamento das penas impostas no artigo antecedente, serão affiançadas por uma pessoa abastada, residente na Madeira, a qual responderá solidariamente pelas ditas penas no juizo competente.

Art. 8.° O fiador não poderá sair do districto sem

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deixar seguras estas obrigações por seus bem, ou por outro fiador abonado e solidario.

Art. 9.º O agente consular portuguez que fôr convencido da falta de exactidão e verdade no certificado de que tracta o artigo 6.º, será demittido do seu emprego, e ficará inhabilitado para qualquer outro do estado.

Art. 10.º Todas as mulctas comminadas nesta lei são cobraveis dentro do praso de 10 annos, sendo o seu producto applicado, metade para o asylo da mendicidade do Funchal e a outra metade para o hospital da misericordia da mesma cidade.

Art. 11.° As mulctas serão arrecadadas executivamente pela respectiva administração de concelho, nos termos do decreto de 13 de agosto de 1844 e das instrucções de 30 de dezembro de 1845.

Art. 12.° Fica revogada toda a legislação em contrario.

Sala das sessões da camara dos srs. deputados, 16 de janeiro de 1854. = O deputado pela Madeira, José Silvestre Ribeiro.

Projecto de lei: — Senhores: Que a instrucção publica entre nós carece de importantes melhoramentos, é cousa sabida por todos e confirmada por esta camara. Mas seja qual fôr o plano, sejam quaes forem os meios, que se acceitem, a fim de alcançar esses desejados melhoramentos, nenhum delles satisfará ao intento, sem haver um centro commum de impulso, uma força directriz, que reuna á prestesa da acção os elementos para poder maduramente pesar e convenientemente equilibrar todos os interesses, e prover a todas as necessidades da instrucção publica nos estabelecimentos e escólas das diversas ordens, e de diversa natureza. É certo que o conselho superior de instrucção publica no seu actual estado, composto exclusivamente de professores de uma só escóla, arredado do fôro da acção governativa, não póde, por mais intelligencia, boa vontade e zelo, que haja em seus membros, como realmente ha; não póde, dizemos satisfazer ao fim para que uma corporação desta ordem é, e deve ser instituida. Tórna-se pois indispensavel aproxima-lo do governo; dar-lhe tal constituição; que affiance a entrada em seu gremio a homens provados e eminentes sem distincção de origem, e filiação; pôr á sua disposição auxiliares energicos e efficazes para vigiarem nas provincias as escólas de todos os gráos; e ao mesmo tempo ter attenção a não augmentar a despeza, que actualmente se faz com esta parte da administração publica. É o que nos parece poder-se conseguir com o projecto de lei, que hoje temos a honra de vos apresentar; e é o seguinte:

Artigo 1.° O conselho superior de instrucção publica tem a sua séde em Lisboa, e fica annexo ao ministerio dos negocios do reino.

Art. 2.° O conselho superior de instrucção publica é composto do seguinte modo:

1.º Do ministro e secretario d'estado dos negocios do reino, presidente.

2.° De dois vogaes nomeados pelo governo.

3.° De dois vogaes nomeados pela academia real das sciencias.

4.º De dois vogaes, nomeados pela universidade de Coimbra, em claustro pleno.

5.° De um vogal nomeado pela escóla medico-cirurgica de Lisboa — E se por ventura houver em algum tempo em Lisboa mais alguma escóla superior de sciencias, subordinada ao ministerio do reino, o vogal será nomeado em assembléa, composta dos conselhos de todas as escólas superiores dessa natureza estabelecidas na mesma cidade.

6.° De um vogal nomeado pelas escólas superiores da cidade do Porto, subordinadas ao ministerio do reino, reunindo-se para effeito dessa nomeação n'uma só assembléa os conselhos escolares respectivos.

Art. 3.° Não podem ser vogaes do conselho superior de instrucção publica os lentes e professores, substitutos ou cathedraticos, sujeitos ao serviço das escólas.

Art. 4.° Os vogaes do conselho superior de instrucção publica servem por 6 annos.

§ 9.º Podem ser novamente nomeados em periodos consecutivos.

Art. 5.º Se algum vogal fôr nomeado ao mesmo tempo por duas partes, optará por uma dellas; e far-se-ha competentemente nova nomeação para o logar, que assim ficar vago.

Art. 6.º Se durante o periodo, dos 6 annos fallecer algum vogal do conselho superior de instrucção publica, ou resignar o seu lograr, será competentemente nomeado outro, que servirá até ao fim do periodo.

Art. 7.° É secretario do conselho superior de instrucção publica o chefe da repartição respectiva do ministerio do reino.

Art. 8.º Compete ao conselho superior de instrucção publica promover os melhoramentos e aperfeiçoamentos do ensino e da instrucção de todos os gráos, que correr sob direcção do ministerio do reino.

§ 1.° Preparando os regulamentos necessarios para a execução das leis respectivas á admissão e nomeação dos lentes e professores; á jubilação, aposentação, suspensão, ou demissão dos mesmos, aos exames e provas de capacidade dos alumnos; aos methodos de ensino; e a tudo o que toca ao bom regimento, ordem e disciplina das escólas publicas e particulares.

§ 2.° Velando pelo fiel cumprimento e desempenho das mesmas leis e regulamentos.

§ 3.° Desembargando todas as questões, queixas, reclamações, e conflictos relativas aos estabelecimentos, ou empregados do ensino publico; quando taes questões, queixas, reclamações e conflictos versarem simplesmente sobre regimen e disciplina escolar.

§ 4.° Dando o seu parecer sobre todos os assumptos analogos aos fins da sua instituição, sobre que fôr consultado pelo governo.

Art. 9.° Para mais facilmente poder cumprir tão importantes encargos, o conselho superior de instrucção publica nomeará cinco inspectores geraes no continente, um nas ilhas dos Açôres e um na da Madeira.

§ 1.º Para o fim da inspecção e visitação das escolas dividirá o conselho superior o continente do reino era cinco circulos ou circumscripções territoriaes, de que sejam cabeça e centro as cidades de Braga, Porto, Coimbra, Lisboa, e Evora.

§ 2.° Os inspectores geraes da instrucção publica farão cada a o no a inspecção e visitação das escólas publicas e particulares do seu circulo, acudindo ás necessidades, e corrigindo o abusos na fórma das instrucções, que houverem recebido do conselho superior.

§ 3.°. Em caso urgente póde o conselho superior de instrucção publica fazer visitar extraordinariamente qualquer escóla pelo respectivo inspector geral.

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§ 4.º Para o cargo de inspector geral da instrucção publica póde o conselho superior nomear qualquer pessoa idonea, ainda que seja professor substituto ou cathedratico era actual exercicio nos estabelecimentos de instrucção superior e secundaria.

Art. 10.° Ficam extinctos os logares de commissarios dos estudos.

Art. 11.º Cada vogal do conselho superior de instrucção publica recebe por anno a gratificação de 200$000 réis.

Cada inspector geral do continente recebe, fazendo a visitação do seu circulo, 300$000 reis.

O inspector geral dos Açôres recebe, debaixo da mesma condição, 500$000 réis.

O inspector geral da ilha da Madeira recebe, com a mesma clausula, 200$000 réis.

§ unico. Os inspectores geraes não tem direito a outro algum vencimento pelas visitações extraordinarias.

Art. 12.° Se pela annexação do conselho superior de instrucção publica ao ministerio do reino houver necessidade de mais algum empregado na respectiva repartição, fica o governo auctorisado a incorporar nella quantos bastem dos actuaes empregados da secretaria do mesmo conselho em logares equivalentes; e com os vencimentos da classe, a que ficarem pertencendo.

§ 1.º Os que não tiverem cabimento na secretariado ministerio do reino, ficam fóra do quadro, percebendo metade dos seus actuaes ordenados sem deducção alguma.

§ 2.º Os que assim ficarem fóra do quadro serão preferidos a quaesquer outros pertendentes para haverem de servir nas outras repartições do estado em logares equivalentes aos que exerciam na secretaria do conselho superior de instrucção publica.

Sala das sessões da camara dos srs. deputados, em 18 de janeiro de 1854. = Joaquim Heliodoro da Cunha Rivara, deputado por Evora = José Eduardo Magalhães Coutinho, deputado por Lisboa = Julio Maximo d'Oliveira Pimentel = A. P. Lopes de Mendonça, deputado por Lamego.

Foi admittido, e enviado á commissão de instrucção publica.

O sr. Presidente: — O sr. Rivara pediu que este projecto fosse impresso no Diario do Governo.

O sr. Rivara: — Se v. ex.ª ou alguns dos outros membros da mesa me póde informar, se o Diario da Camara relativo á sessão de hoje, deve apparecer impresso dentro de muito poucos dias, como creio que póde ser á vista das resoluções que hontem a camara tomou; se assim é, desisto da pretenção de que seja impresso no Diario do Governo; mas se v. ex.ª intende que a sessão de hoje não póde saír com essa brevidade, então peço que seja impresso no Diario do Governo.

O sr. Secretario (Rebello de Carvalho): — A publicação da sessão de hoje no Diario da Camara não poderá demorar-se muitos dias; quantos sejam não posso dizer, mas cinco ou seis dias é que poderá ser a demora, visto que ha algumas sessões atrazadas.

O sr. Rivara: — Então á vista disso, como não podem estar em dia as sessões do Diario da Camara, peço a v. ex.ª que consulte a camara sobre a pretenção que tenho de que o meu projecto seja impresso já no Diario do Governo.

O sr. D. Rodrigo de Menezes: — Eu queria pedir á commissão administrativa que tivesse a bondade, uma vez que a camara o approvasse, de começar a publicação pela sessão de hontem, reservando para mais tarde as anteriores; parece-me que assim se preencheria a vontade dos srs. deputados; quando, aliás, se se tiver de imprimir dezesete sessões primeiro, tarde apparecerá impressa a sessão de hontem.

O sr. Secretario (Rebello de Carvalho): — As sessões atrasadas poderão estar impressa, dentro de poucos dias; os srs. tachygrafos têem os seus trabalhos adiantados. A publicação da sessão de hontem, sem estarem publicadas as anteriores, não se póde fazer por causa da numeração: é melhor esperar alguns dias que se publiquem as sessões anteriores, do que começar já pela de hontem, por causa da numeração.

O sr. Cunha Sotto-Maior: — Pedi a palavra sobre este assumpto, porque ao entrar na camara ouvi, e parece-me que com bom fundamento, que a commissão administrativa desta camara resolvera continuar a fazer publicação no Diario do Governo de uma cousa chamada — extracto das sessões da camara dos srs. deputados — se isto é assim, invoco a honra dos cavalheiros que compõem a commissão administrativa, para que o declarem; mas sendo verdade é uma resolução tomada contra a votação que houve hontem nesta camara. Por consequencia é necessario sabermos isto, porque quero as cousas claras.

O sr. Secretario (Rebello de Carvalho): — A commissão não deu ordem alguma para se publicar o extracto das sessões; isso acabou.

O sr. Cunha Sotto-Maior: — Estou satisfeito com essa declaração da commissão.

O sr. Vellez Caldeira: — Tambem desejo ser informado sobre se já houve concurso para a publicação das sessões da camara. Ouvi dizer que a publicação das sessões já estava dada. Desejo só saber se já houve concurso.

O sr. Secretario (Rebello de Carvalho): — A camara tomou hontem a resolução que o sr. deputado sabe, e em vista dessa resolução ha de se fazer o annuncio para o concurso, o qual se ha de publicar no Diario do Governo, ámanhã ou depois.

Consultada a camara sobre se devia publicar-se no Diario do Governo o projecto apresentado pelo sr. Rivara, resolveu-se negativamente

O sr. Secretario (Rebello de Carvalho) deu conta de uma declaração do sr. Casal Ribeiro, participando que o sr. Lobo de Avila não comparece á sessão de hoje por incommodo de saude. — Inteirada.

O sr. Pinto de Almeida: — No principio da sessão de hontem mandei uma declaração para a mesa, na qual participava que o sr Barão de Almeirim não podia comparecer á sessão de hontem por justo motivo: no Diario de hoje vem dado o sr. Barão de Almeirim como falto com causa justificada; mas vem a declaração que eu fiz a respeito daquelle sr. deputado, como se a tivesse feito a meu respeito. Por consequencia peço que se faça a rectificação de que eu o que participei, foi que o sr. Barão de Almeirim não podia comparecer á sessão por motivo justo, porque estive hontem presente á sessão, e da participação que apparece, deprehende-se o contrario.

O sr. Faustino da Gama: — Sr. presidente, pretendo interpellar o sr. ministro do reino sobre a detenção dos passageiros que vieram de Cadiz e Gi-

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braltar no vapôr Tagus, os quaes não se deixaram desembarcar, obrigando-os a fazer uma quarentena de oito dias no lazareto. Os portos de Cadiz e Gibraltar estão limpos, e elles foram detidos sob o pretexto de que o vapôr tinha tocado em Vigo; mas parece-me injusto que se detenham aqui homens que vem de portos que estão limpos. Alguns destes passageiros tinham que partir daqui para o Porto, onde tinham negocios importantissimos a tractar, e preferem antes o continuar a sua viagem para Vigo, ou para onde poderem desembarcar, sem serem sujeitos a quarentena de oito dias, em que os querem demorar aqui. Mando pois para a mesa a seguinte

Nota de interpellação: — Pretendo interpellar o sr. ministro dos negocios do reino, e com urgencia, sobre a detenção dos passageiros vindos de Cadiz e Gibraltar no vapôr inglez Tagus, entrado hontem, aos quaes obrigaram a uma quarentena de oito dias, sob pretexto de terem vindo no vapôr que tocou em Vigo no dia 7 do corrente, na sua passagem de Southampton para Lisboa, Cadiz e Gibraltar: portos estes que estão considerados limpos. = Faustino da Gama.

Mandou-se fazer a communicação respectiva.

O sr. D. Rodrigo de Menezes; — Pedi a palavra para provocar uma explicação da mesa.

Em virtude da carta de lei de 20 de agosto do anno passado deve-se imprimir e distribuir á camara as contas da commissão administrativa de todo o anno; e por ora foram unicamente distribuidas as contas apresentadas pelo sr. deputado Honorato Ferreira, a quem muita honra e louvor cabe, pelo bem que desempenhou o cargo que exerceu durante o tempo em que a camara esteve aberta. Estas contas, só por si, não preenchem o fim, para que se exigiu a publicação das contas, porque a commissão que tractou do negocio da publicação do Diario da Camara precisava ter conhecimento destas contas todas, para precisar alguns dos seus calculos, e deixou de os fazer por falta dellas. Nisto que digo não ha de modo algum a menor idéa de menos consideração e confiança relativamente á mesa, porque nesta casa ninguem deixa de ter por ella a attenção devida e a maior consideração.

O sr. Presidente: — Estão publicadas as contas de tudo que correu debaixo da immediata inspecção da commissão administrativa e do seu digno thesoureiro. A camara toda sabe que nos intervallos das sessões, a commissão administrativa cessa de todo as suas funcções; fica em logar dessa a junta administrativa; e as contas do tempo que ella geriu, acham-se sobre a mesa para serem examinadas pela commissão administrativa; e o parecer da commissão administrativa sobre ellas ha de ser submettido á deliberação da camara, e depois da deliberação da camara hão de publicar-se, do mesmo modo que o foram as da commissão administrativa, e com essa publicação ficam então completas umas e outras.

O sr. Santos Monteiro: — Eu não esperava que se tocasse nesta materia. Para mim veio de surpreza. Eu fui o auctor da lei de 20 de agosto de 1853, e vi a impressão que se fez das contas da commissão administrativa com referencia ao tempo da sua administração, e que já se distribuiram; mas vi que a publicação que se fez, não e a execução que se devia dar, e que convinha que se désse á carta de lei de 20 de agosto de 1853, e tanto estou convencido disso, que esta camara approvou o parecer da commissão de fazenda que tem a data de 27 de dezembro de 1853, sem nenhuma restricção. — Nesse parecer diz-se — que pelo que respeita ao cumprimento da carta de lei de 20 de agosto de 1853, intendia a commissão que se devem publicar a um tempo, não só as contas inclusas, isto é, as da commissão administrativa, porém as da junta administrativa, nas quaes ha de constar a applicação de 500$000 réis, que de fevereiro a agosto recebeu do thesoureiro da camara para despezas eventuaes, etc..

Ora eu quando apresentei a lei, foi na idéa de que a publicação destas contas fosse clara, porque nós estamos aqui regateando as despezas de todas as repartições publicas; temos por isso a maior e mais restricta obrigação de dar contas claras e muito claras das despezas d'uma somma muito importante que se gasta com as camaras legislativas.

Pelo que respeita ás contas da gerencia do nosso thesoureiro, não podem estar mais detalhadas, nem mais minuciosas, e, até certo ponto, mais claras; mas com esta simples publicação de contas não se satisfaz o paiz; não fica o paiz sabendo o quanto dispende durante um anno a camara dos deputados. É pois essencialmente preciso que a publicação das contas se faça clara e detidamente, tanto pelo que respeita á gerencia da commissão administrativa n'um espaço de tempo, porque não foi todo o tempo da sessão, como pelo que respeita ajunta administrativa, que é outra entidade, que governa aqui nos intervallos das sessões.

Pelo modo como se começou a publicar, não fica o paiz conhecendo as nossas contas; se nós muitas vezes examinamos minuciosamente as contas d'outras repartições; se exigimos que ellas publiquem as suas contas d'uma maneira clara, e que seja facil a todos conhecer em que se gastaram os fundos publicos, devemos publicar as nossas de tal maneira que se prestem a um exame facil a qualquer individuo, que haja de as querer examinar.

Ora a publicação das nossas contas feita pelo modo por que o foi, é para nós simplesmente, e a minha idea não foi, que se publicassem só para nós, foi que se publicassem para o paiz; e a publicação que se fez, é simplesmente para os membros desta camara, e para ninguem mais. Não foi essa publicação que eu tive em vista, quando propuz a lei que passou nesta e na outra camara, e que foi depois sanccionada pelo poder moderador: por isso intendo que a publicação das contas não é a que está aqui, isto é impressão de contas, mas não publicação de contas. A publicação das contas, quando se fizer como se deve fazer, deve ser acompanhada de certos desenvolvimentos que não apparecem nem nestas que tenho presentes, nem apparecerão talvez nas outras pertencentes á gerencia da junta administrativa As contas para o publico devem apresentar se duma outra maneira.

Por esta occasião já que estou de pé, direi uma cousa que já tive occasião de lembrar familiarmente á mesa, cujo zêlo é incontestavel, mas que não póde lembrar-se de tudo. Intendo que haverá muita conveniencia em reformar o methodo d'alguns documentos de despeza desta casa. Notarei, d'entre muitos, um — Todos os deputados, tenham elles o emprego que tiverem, teem direito ao subsidio, uma vez que não recebam outro vencimento superior pago pelo estado: intendo pois, que, em harmonia com o que se practica em toda a parte, e em todas as repartições

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publicas, onde a lei geral da despeza regula a folha deve comprehender o nome de todos os individuos, que têem direito áquelle vencimento, quero dizer ao subsidio. Isto é o que se faz em toda a parte. Se não recebem esse vencimento, na mesma folha deve constar a rasão por que não recebem, para nós todos podermos saber quaes são os deputados que recebem o subsidio, e quaes os que optaram por outros vencimentos, e por isso deixaram de receber.

Alem disso ha outra falta, quanto a mim, na fórma de processar as folhas. Tanto as folhas do subsidio dos deputados, como a folha dos vencimentos dos empregados desta casa, são processadas pelo liquido do que se vota no orçamento; mas no orçamento vota-se por inteiro, tanto o subsidio dos deputados como o vencimento dos empregados desta casa, pela maneira que foi regulado na respectiva lei. A lei da receita declara que fica sendo, ou fica considerada receita do estado, uma certa deducção que se deve fazer, na proporção dos respectivos vencimentos, tanto com relação aos subsidios dos deputados, como aos ordenados dos empregados da casa, e em toda áparte se faz, este processo nesta conformidade: apparece a quantia votada para a despeza, e a deducção feita na conformidade da lei, que ordenou essas deducções; porém aqui apparece nas folhas unicamente o liquido, e quem quizer examinar uma folha, ha de ter trabalho e muito grande; não sabe se a deducção que se fez, foi justamente aquella deducção que devia fazer-se. Todas estas declarações se devem fazer; e nós que accusamos tanto os outros, devemos principiar por fazer regular as nossas cousas, de maneira que sirva de typo para outras repartições.

Creio que a mesa de certo tomará em consideração estas minhas observações, como ellas merecerem. Declaro que somos obrigados, em conformidade da carta de lei de 20 de agosto de 1853, pelo que respeita á publicação das nossas contas, a fazer mais do que se fez. A impressão que se fez das contas, não e publicação, e distribuição de contas para nós mesmos, e mais nada; e não é isto de certo o que a lei determina; ella quer mais alguma cousa do que isto.

O sr. Secretario (Rebello de Carvalho): — Quanto á publicação das contas, mandaram-se imprimir aquellas que tinham sido apresentadas pelo sr. deputado thesoureiro, e approvadas por esta camara. Essas mandaram-se já distribuir. Não aconteceu por em quanto o mesmo a respeito das contas da junta administrativa, no intervallo das sessões, por isso que a junta administrativa ainda funccionou alguns dias neste mez de janeiro; e ainda ha poucos dias é que foram presentes á mesa as contas da gerencia da junta administrativa. Estão sobre a mesa para serem examinadas pela commissão administrativa; a commissão ha de apresentar o seu parecer; e se este fôr approvado pela camara, mandar-se-hão imprimir para serem distribuidas.

Quanto ao processo das folhas, a mesa tem-se sujeitado á practica até aqui sempre seguida. Se esse processo é bom ou máo, isso não sei; a mesa, porém, acceita de bom grado qualquer indicação para melhoramento desse processo. Parece-me que quanto aos deputados que não recebem o subsidio, não ha necessidade nenhuma de os inserir na folha com um por isso que é de uso e costume fazer-se a competente participação aos differentes ministerios, declarando quaes são aquelles deputados que não recebem subsidio, em consequencia de receberem seus vencimentos por outras repartições.

Agora quanto ao processo das folhas com a declaração da deducção que se faz, não haverá inconveniente de abrir-se mais uma ou duas columnas para isso.

ORDEM DO DIA.

Discussão do projecto n.° 3 I.

É o seguinte:

«A commissão de verificação de poderes examinou attentamente as actas e mais papeis que formam o processo eleitoral do circulo de Guimarães, para a eleição de dois deputados; e dos mesmos consta, que tendo votado em todo o circulo eleitoral 3:603 eleitores, obtiveram maior numero de votos José Joaquim da Cunha com 2:940, e o visconde do Pinheiro com 2:931; e o immediato em votos, João Antonio Vianna, com 709, sendo por isso eleitos deputados por aquelle circulo os dois mais votados, José Joaquim da Cunha, e visconde do Pinheiro.

«Existem, porém, nas actas da assembléa eleitoral de S. Sebastião, e na outra assembléa de Nossa Senhora da Oliveira da cidade de Guimarães, dois protestos contra esta eleição, o primeiro do conde de Villa Pouca, que reclama para que se não recebam votos que recaiam no mesmo visconde, por ser estrangeiro, nascido em Montevideu, e não poder, como tal, ser eleito deputado da nação portugueza, porque lh'o véda expressamente a carta constitucional, artigos 64.° até 69.°, e a lei eleitoral de 30 de setembro de 1352, artigo 10.°; e igualmente protestou contra José Joaquim da Cunha, por não ser conhecido, nem ser votado com as qualificações que podessem verificar a identidade da sua pessoa: o segundo, do vogal da mesa o revezador, Francisco Antonio Alves Neves, reclamando igualmente para que se não recebessem votos a favor do referido visconde, protestando contra a eleição do mesmo, pelo fundamento de ser estrangeiro, nascido em Montevideu, cujos protestos, com quanto não fossem attendidos, foram mandados tomar nas actas eleitoraes, onde constam.

«Não encontrou a commissão nos cadernos do recenseamento, que existem no archivo da camara, que estivesse recenseado José Joaquim da Cunha no circulo eleitoral de Guimarães, ao mesmo tempo que se acha recenseado o visconde do Pinheiro na freguezia de S. Sebastião da Pedreira (extra-muros), bairro de Belem.

«A commissão, tendo por um lado em vista os fundamentos dos protestos, e não se achando por outro lado habilitada com os esclarecimentos de facto necessarios para decidir com justiça as questões suscitadas nos referidos protestos; com quanto reconheça a regularidade do processo eleitoral; comtudo, intende que deve reservar o seu parecer sobre a capacidade legal dos eleitos, para quando os mesmos tenham apresentado os seus diplomas, e a commissão os possa ouvir sobre as ditas questões pessoaes, em harmonia com o regimento desta camara, e practica seguida em casos similhantes, salvas as disposições do artigo 109. do decreto de 30 de setembro de 1852.

«Sala da commissão, em 28 de dezembro do 1853. = Elias da Cunha Pessoa = Justino Antonio de Frei-

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tas = Vicente Ferreira Novaes Francisco de Paula Castro e Lemos = José Maria do Cazal Ribeiro.»

O sr. D. Rodrigo de Menezes: — Sr. presidente, eu tenho alguma duvida sobre a conclusão do parecer da commissão, e folgaria muito que as illustres membros da commissão dessem explicações taes, que eu podesse votar pelo parecer. É certo, sr. presidente, que em virtude de um artigo regimental (não me lembro agora qual) o deputado eleito, a respeito de cuja capacidade legal não ha certeza, deve ser avisado para vir aqui defender a sua eleição; mas a minha duvida consiste em que o parecer da commissão é pela validade da eleição, deixando o conhecimento da capacidade do, eleito para quando elle apresentar o seu diploma; e se assim é, parece-me que não é a resolução mais curial. Pelo artigo 87.° da lei eleitoral não pertence ás assembléas de apuramento conhecer da capacidade do eleito, mas sim á camara pelo que souber, e o eleito provar; e pelo artigo, parece-me que 13.°, todas as questões d'opção são resolvidas depois de approvadas as eleições, quando os processos correm regularmente; mas por outro artigo da mesma lei, ha pessoas inelegiveis, como é um dos cavalheiros, que foram eleitos por Guimarãis; segundo os protestos que se apresentaram no acto eleitoral, sem que nesta occasião eu queira entrar nessa questão; e neste caso, tendo sido eleito um cidadão que era inelegivel, esta camara não póde approvar o processo eleitoral sem que elle compareça. Mas, pelo parecer da commissão propõe-se que a camara approve todos os actos eleitoraes, deixando para depois o resolver se o eleito era ou não elegivel. Com isto é que não me posso conformar: intendo que é esta a occasião de se conhecer se a eleição está nulla ou não. Se o eleito não tem a capacidade que a lei exige, está nulla; se a tem, está válida.

Dir-me-hão: — mas o eleito acha-se longe para poder aqui apresentar os documentos precisos para provar sua capacidade legal, e portanto é preciso que para isso se lhe dê um espaço —; se querem adiar a questão até que o eleito compareça, estou de accôrdo — (O sr. Cunha Soito Motor: — Os eleitos) os eleitos não; quanto a um parece-me que está no caso de ser a eleição apurada, porque a unica rasão por que a commissão julga que este eleito não leu a capacidade legal, é por não estar recenseado; mas esta questão está resolvida pela lei eleitoral; e qualquer cidadão, ainda que não esteja recenseado, póde ser eleito, uma vez que prove nesta casa, que adquiriu depois o que a lei prescreve para poder ser elegivel. Portanto, sr. presidente, logo que a commissão me prove, que se póde, em virtude da lei, approvar a eleição, ficando para depois conhecer da capacidade do eleito, concordarei com o parecer; mas em quanto isto não me seja provado, voto contra o parecer da commissão.

O sr. Justino de Freitas: — Sr. presidente, parece-me que o illustre deputado não desconhece, que no processo eleitoral ha dois actos distinctos; ha a regularidade do processo em si, e ha a aptidão do eleito. Isto observa-se em todas as eleições. O processo póde correr com regularidade, e entretanto as pessoas sobre quem recaem os votos desse processo, não terem a aptidão necessaria para poderem ser deputados, ou por falla de censo, ou por qualquer outra circumstancia, que os torne inelegiveis; e eis-aqui está o que acontece no processo eleitoral que teve logar em Guimarães Neste processo, a commissão, dando-se ao trabalho de o examinar, achou que todas as formalidades que a lei requeria, tinham sido exactamente preenchidas, e que nem a este respeito havia protesto algum. Por consequencia que fez a commissão? Disse que esse processo correu com regularidade, e note o nobre deputado, que a commissão não propõe mesmo que se approve o processo; mas diz — que com quanto reconheça que o processo correu com regularidade, intende que se deve esperar pela apresentação dos diplomas, etc., — portanto creio que a commissão obrou conforme com a lei, por isso mesmo que o processo tem duas partes distinctas, como acabei de demonstrar.

Agora em quanto á aptidão dos cavalheiros em quem recaíram os votos, intendeu a Commissão, que, não podia por ora dar o seu parecer, e a rasão é obvia. Neste processo appareceram dois protestos feitos em Guimarães, um do sr. conde de Villa Pouca, reclamando contra a eleição de um cavalheiro, por ter nascido em Montevideu, e por consequencia por, ser estrangeiro, e não poder ser deputado, e outro contra a eleição do sr. Cunha, por não ser alli conhecido, nem a votação exprimir qualidades sufficientes que o possam designar; e ha um outro protesto, feito em outro circulo, que sómente é dirigido, contra o cavalheiro que se dizia nascido em Montevideu. Por consequencia, nestas circumstancias, não se apresentando outros documentos, a commissão intendeu que a simples declaração dos protestos não podia ser sufficiente para que podesse decidir uma materia tão grave; primeiramente porque a simples allegação do facto de um dos eleitos ter nascido em Montevideu não era por si só sufficiente para excluir aquelle cavalheiro, porque podia muito bem ter nascido em Montevideu, e entretanto ser filho de paes portuguezes, e ter outras circumstancias que, em conformidade da carta, o habilitassem a ser considerado como cidadão portuguez; e por outro lado esse cidadão estava recenseado. Portanto a commissão nesta parte viu-se sem esclarecimentos, e não podia dar um parecer, nem de certo a camara poderia querer que o désse, sem ler os dados necessarios para poder bem apreciar esta grave questão. Do mesmo modo a respeito do outro cidadão, que não era conhecido, e que de mais a mais a commissão não achou recenseado no concelho de Guimarães, entrou tambem na mesma duvida a respeito do outro cavalheiro, e por isso não podia deixar de exigir daquelle cavalheiro as informações necessarias para bem decidir, esta questão, ou sollicitar estes esclarecimentos do governo: a commissão não tinha outro meio de saír desta questão; mas ella intendeu que não era curial exigir estes esclarecimentos do governo, quando se tractava da illegibilidade de um deputado, porque um dos requisitos principaes era a certidão de baptismo, e o governo não estava habilitado para apresentar uma certidão de baptismo do eleito.

Por outro lado ainda havia outra consideração: os deputados eleitos podiam renunciar o seu logar pela lei eleitoral. Por consequencia, podia dar-se o caso de que viessem renunciar o seu logar na camara. Portanto intendeu a commissão que não podia tomar outro arbitrio, senão o esperar pela apresentação dos eleitos, para depois colher os documentos que melhor a habilitassem a apresentar a sua opinião, e decidir este negocio com conhecimento de causa.

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Eis-aqui por que a commissão intendeu que não podia dar outra solução rasoavel a este negocio; e eu convidarei neste caso desde já os cavalheiros, que se oppoem ao parecer da commissão, para formular a conclusão do seu voto nesta materia, porque eu estou certo de que, se se derem a este trabalho, a commissão ha de mostrar que seria absurdo tudo o que não fôr o parecer da commissão; assim como os inconvenientes que se seguiriam de adoptar outra solução differente da que a commissão propõe.

O sr. Cunha Sotto-Maior: — Sr. presidente, nesta questão ha duas cousas a tractar e discutir — a regularidade do processo e o vicio radical desta eleição. Se se tracta da regularidade do processo, declaro que não a contesto. Mas a camara tem outra cousa mais alta a indagar, que é — o vicio radical da eleição.

Eu fallo assim, porque se tem pretendido fazer acreditar que eu não levantaria a minha voz contra essa eleição, porque se tem ido basculhar nos archivos do governo civil um certo papel, com que se pertende mostrar que eu sou cidadão brazileiro. Pois se acaso isso e assim, cumpra o illustre deputado e o governo o seu dever, e ponham-me fóra da camara. Mas este meio pequeno, tacanho e miseravel, com que certos espiritos fortes andam muito azafamados, não póde impedir que eu diga tudo que sei contra esta eleição, porque estas loucas ameaças despreso-as; não faço caso daquelles homens pequenos e miseraveis que andam pelas costas inventando cousas pequenitas e ridiculas, como a sua cabeça, como o seu coração, e como a sua alma, cuidando que, tractando-se de uma eleição tão absurda, tão indigna e tão indecente para o paiz, eu havia de callar a minha voz. Fortes loucos!

Sr. presidente, esta eleição e nulla na sua origem. A camara dos deputados tem nesta occasião omnipotencia parlamentar para exercer um grande direito, e dar uma satisfação á opinião publica indignada, até á ultima extremidade, com este escandalo, com que querem aviltar o paiz, tão cançado de soffrer os escandalos e desaforos de todos os dias, e que não ha de soffrer mais o escandalo desta eleição, porque ha de machuca-la e calca-la aos pés.

Sr. presidente, os defensores desta eleição foram a Montevideu buscar um estrangeiro, tido e havido como tal — o que é de notoriedade publica — como se em Portugal não houvesse um portuguez digno de ser deputado! Agora esperemos pelo eleito, diz a illustre commissão! Pois não é de notoriedade publica que elle é de Montevideu? Ha alguem que o não confesse? E depois de o confessar, haverá alguem nesta casa tão mentecapto, de uma ignorancia tão supina e crassa, que diga que Montevideu foi portuguez? Se Montevideu foi portuguez, não ha portuguez nenhum em Portugal, porque todos nós somos nascidos, ou durante a occupação de Junot, ou durante a invasão de Massena. (Riso) Então todos somos francezes. Esta é uma camara franceza!

«Mas espere a camara pelo eleito» diz a illustre commissão. Porque? Pois o eleito ha de dizer que é portuguez? Ha de dizer que Montevideu pertence a Portugal? Mas a camara não póde esperar; não deve esperar, porque a camara, em virtude do decreto eleitoral, tem obrigação de cumprir os deteres que lhe impõe o § 1.° do artigo 16.°, e ha de cumpri-los. O que é que elle diz? (Leu) Se nós cumprissemos este artigo, por este facto vínhamos a reconhecer a capacidade do eleito, e esta capacidade é que a camara não póde reconhecer, porque a camara não póde estar á espera. Se a camara espera, reconhece ter o eleito a capacidade legal.

Mas o eleito estava no recenseamento. Pois o recenseamento dá direito? O recenseamento é uma presumpção da capacidade puramente censitica, isto é, que póde ser eleito, porque paga o censo que a lei marca; mas desde o momento em que se reconhecer que o eleito é estrangeiro, a camara não póde hesitar um momento na rejeição deste parecer. Pois ha alguem que duvide que o sr. Ximenes nasceu em Montevideu? Ha alguem que duvide se Montevideu é Portugal?

Eu bem sei qual é a resposta dos cavalheiros, que pugnam pela approvação deste parecer. Eu tambem li, tambem sei a historia; mas tambem sei que aquelles dos illustres deputados que tiverem o trabalho de vir aqui soccorrer-se ou fazer questão de direito publico desse grande disparate politico, commettem um grande absurdo. Sei mais o que é o direito publico nesta questão; sei que a occupação não resolve o direito, posso mostra-lo como já foi demonstrado, não nesta casa, mas creio que nas Necessidades, quando no congresso constituinte se tractou desta questão, e posso mostrar que nem pelos actos da regencia do reino, nem pelas leis, nem pelas camaras, nem pelos usos e costumes Montevideu nunca foi tido por Portuguez.

O sr. Presidente: — Eu peço licença ao sr. Cunha...

O Orador: — Eu sei que v. ex.ª é muito competente para me fazer quaesquer observações; mas isto são factos que ligam com a questão de que se tracta...

O sr. Presidente: — Mas eu queria restabelecer o verdadeiro estado da questão. Agora a questão é — se ha da esperar-se por que a commissão dê o seu parecer sobre a capacidade eleitoral dos eleitos, para a camara resolver sobre elle, ou se não ha de esperar, e resolver agora ácerca da eleição; — de maneira que tudo quanto é capacidade eleitoral tem de deixar-se para depois.

O Orador: — Mas eu combato o parecer, porque é mal dado, e hei de dar as razões. O parecer quer dizer que a camara espere, e eu não quero que espere. A camara póde esperar; está no seu direito; mas eu, que sou menos pacifico, não quero esperar. Póde ser que eu não tenha razão; mas este resultado ha de apparecer pela discussão. Eu intendo que devo fazer bem ao meu paiz, combatendo este escandalo, e que não póde haver razão nenhuma para adiar e sobre-estar na solução de uma cousa, que envergonha. Acho indecoroso esperar. Esperar é sempre para os casos duvidosos; mas aqui não ha duvida; e tanto a não ha, que o illustre deputado diz que o parecer é parecer negativo até certo ponto. Por tanto eu mesmo, escudado com o que está escripto no parecer, posso concluir que o nobre deputado é da minha opinião.

Estou certo de que o illustre deputado, logo quando fallar, ha de dizer — que esta eleição é bem feita; que o processo eleitoral correu bem; que votaram os que estavam no rencenseamento; que se observaram as disposições do decreto eleitoral, etc..; mas para mira ha, além de tudo isto, um ponto importantissimo, que é a questão moral; isto é, se por um homem estar no recen-

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seamento, este homem póde ser efeito deputado, apesar de não ser portuguez. A verdade e que se tracta da eleição de um cavalheiro, que não é portuguez, e este cavalheiro que não é portuguez, não póde ser deputado. Agora o que o nobre deputado deve provar é que Montevideu, que foi onde nasceu esse cavalheiro, é pertencente a Portugal; provado isto, felicitarei então o meu paiz pela acquisição daquella bella provincia.

Ouvirei as observações do nobre deputado e desde já me comprometto a pedir a palavra segunda vez.

Espero que nesta questão alguem me ajude; ha muita gente aqui que estima o seu paiz, e gosta que se cumpram os artigos da carta; e esta camara, que é a primeira depois da regeneração, não ha de querer dar o escandalo de approvar a eleição de um cavalheiro, natural de Montevideu. Por muitas infamias que tenham commettido os outros parlamentos, nenhuma será maior do que esta; não me parece que na historia dos parlamentos haja maior absurdo do que este.

O sr. Justino de Freitas: — Começarei por declarar ao nobre deputado que não sei nada do papel, a que s. ex.ª alludiu, nem convidei o illustre deputado para não fallar nesta questão; (O sr. Cunha Sotto Maior: — É verdade) são factos em que eu não tenho parte alguma. Depois desta explicação devo dizer ao illustre deputado que não se tracta agora, serrão de deferir a questão por algum tempo, até á apresentação do diploma, para a commissão poder conhecer, com Verdadeiro conhecimento de causa, se acaso o cavalheiro a que o illustre deputado alludiu, é ou não estrangeiro. Que provas tem o nobre deputado para avançar a proposição de que aquelle cavalheiro é estrangeiro? Argumentasse com a notoriedade publica. Pois a notoriedade publica póde servir de argumento para um caso tão grave, como este é, principalmente para uma camara que tem de decidir com conhecimento de causa? Tractasse nada menos que privar um individuo dos principaes direitos, que o cidadão póde gozar. Pergunto, será justo decidir este negocio, sem ouvir a parte? O nobre deputado quer que se tome desde já conhecimento deste negocio, e não se lembra que pelo regimento desta casa não póde seguir-se o caminho que desejar Que diz o regimento? (Leu) Por consequencia nós não podiamos dar já um parecer definitivo sobre a questão, nem a camara a podia decidir, sem que a parte fosse ouvida. Esta disposição do regimento está conforme com os principios de direito natural, que não permitte que ninguem seja condemnado, sem ser ouvido. Por tanto intendo que, em presença das razões que acabo de apresentar, e seguir-se o parecer do nobre deputado, seria um absurdo, e não só contra todos os principios de direito natural; mas contra o proprio regulamento desta casa.

Nestas circumstancias pois, que havia de fazer a commissão, não se achando habilitada para decidir a questão? Não lhe restava outro meio a seguir, se não aquelle que encerra o parecer que se acha em discussão. A commissão não se atreveu a resolver a questão sem ter verdadeiro conhecimento de causa, nem podia decidi-la pela notoriedade publica; principalmente quando se tracta de direitos os mais importantes de que póde gosar o cidadão; (Apoiados) A commissão não póde dizer, se o cidadão de que se tracta, é ou não estrangeiro; esta questão ha de ser tractada com a maior imparcialidade, com o maior conhecimento de causa; por consequencia a commissão não podia, nem devia calcar aos pés os direitos de um cidadão, escudada unicamente pela notoriedade publica, porque a notoriedade publica póde enganar-se muitas vezes. Nestas circumstancias, torno a repetir, não restava á commissão senão, ou pedir os esclarecimentos directamente ao governo, ou esperar pela apresentação do diploma; mas ainda agora mostrei que o melhor arbitrio era esperar pela apresentação do diploma. Mas, diz o illustre deputado que nós queremos embaraçar a conclusão deste negocio; não senhor, lá está no parecer o recurso, quando diz — salvas as excepções do artigo 109. — Este artigo obriga o deputado eleito a apresentar-se: e uma vez que elle se não apresente dentro de certo tempo, pelo artigo 107 póde renunciar a qualidade de deputado....

O sr. Cunha Sotto-Maior: — Não tem direito para isso.

O Orador: — Mas o nobre deputado está argumentando sobre uma base falsa. O que intendo, sr. presidente, é que a commissão não podia fazer outra cousa differente da que fez; isto é, declarou que quando os deputados eleitos apresentassem o seu diploma, então, com conhecimento de causa, havia de dar o seu parecer sobre esta questão; e quando se demorassem, lá estava o recurso no decreto eleitoral, que os compelle a apresentarem o seu diploma. Fóra disto intendeu que a camara não podia tomar uma resolução definitiva sobre este negocio.

O sr. Presidente: — Eu novamente recordo á camara que o que se tracta agora é, se ha de ou não adiar-se o parecer definitivo sobre a capacidade eleitoral dos deputados eleitos, para quando elles apresentarem os seus diplomas.

O sr. Corrêa Caldeira (Sobre a ordem): — Eu pedia á illustre commissão que tivesse a bondade de informar-me, se nos protestos juntos se faz menção de mais alguma violação da lei, além daquellas que do parecer constam? Eu formulo a minha pergunta com maior clareza. Haverá por ventura a respeito de um dos illustres deputados eleitos, o sr. Cunha, alguma causa mais de ineligibilidade, além do que consta do parecer da commissão? se não se menciona no protesto junto ao processo eleitoral a circumstancia importante de ser totalmente desconhecido o individuo votado com o nome de = José Joaquim da Cunha = e de não conterem as listas nenhuma designação especial que solvesse a duvida e incerteza, assim resultante da existencia de mais individuos do mesmo nome no circulo eleitoral de Guimarães — e talvez n'outros. — Fui informado de que por este fundamento se requerera nos termos da lei á mesa, perante a qual se apresentou o protesto, que se não queimassem, mas se appensasssem ao processo da eleição as listas que deviam provar esta allegação, e que não obstante, as listas foram queimadas. A illustre commissão avaliará facilmente que peso deve dar-se a taes circumstancias, sendo verdadeiras, visto que a; ellas accresce não se encontrar no recenseamento dos elegiveis o nome do cidadão, a quem foi mandado o diploma de deputado. Eu desejo que o illustre relator da commissão se preste a dar estas explicações, porque não pude examinar bem o processo de que se tracta.

O sr. Justino de Freitas: — Os protestos dizem aquillo que o parecer menciona; quasi que se copiaram

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textualmente. Quanto a um dos deputados eleitos, protesta-se contra elle por ter nascido em Montevideu, e como tal considerado estrangeiro, e excluido de ser deputado pelos artigos 64.° até 69.°

Quanto ao outro sr. Deputado eleito, limita-se simplesmente a declarar que protesta contra elle, por não ser conhecido o seu nome, nem vir nas listas a designação necessaria para se conhecer. Mas o illustre deputado está enganado, porque a lei não exige designação nas listas, basta o nome do individuo. Por consequencia a commissão copiou textualmente as razões do fundamento do protesto.

O sr. Cunha Sotto-Maior: — Eu não tenho nada que dizer, sr. presidente. Quando os senhores que pedem a palavra se callam, que hei de eu dizer? O que quer v. ex.ª que eu diga? Eu pedi a palavra, porque estava preparado para ouvir o que os illustres cavalheiros que defendem o parecer, diriam; porque talvez tivesse depois alguma cousa que responder-lhes. (Uma voz — Pois ceda da palavra, e peça-a depois) Pois então eu cedo da palavra, e pedi-la-hei depois.

O sr. Cunha Pessoa: — Eu não poderei senão repetir o que se tem dicto para sustentar o parecer, e quasi que era melhor sentar-me, porque a fallar a verdade os argumentos que apresentou o illustre relator da commissão, parecem-me irrecusaveis. O nobre cavalheiro que fallo sobre esta eleição, perdôe-me que lhe diga, que estabeleceu uma questão inteiramente nova, que a commissão julga prematura para se tractar agora; porque o que fará esta camara sobre decidir se os cavalheiros eleitos deputados por Guimarães tem ou não a qualificação necessaria para se sentarem nestas cadeiras? Ella ha de proferir um juizo, e um juizo que os prive do direito mais sagrado e mais valioso que tem o cidadão, sem ter primeiramente os esclarecimentos necessarios para proferir o seu juizo?

Como póde o illustre deputado, tão bisarro e tão generoso como elle é, condemnar sem ouvir as partes? Isto e uma cousa que não lhe palpita no coração; é por assim dizer, desaffogar o espirito da sua boa fé, mas não impedir que a camara profira um juizo seguro e sensato, como devem ser todos os juizos sobre este assumpto.

O illustre cavalheiro fez até, se me não engano, uma certa insinuação; que se a houve, é mal cabida, mas quasi deu a intender — que se queria aqui dourar uma pilula, só para ter o gosto de a engulir mais tarde. — Se isto é uma intimação, eu devo dizer ao illustre deputado que os cavalheiros que compõem a commissão, são tão capazes de votar com independencia, como o cavalheiro que ousou lançar esta insinuação na camara. Aqui não ha pilula dourada; ha o juizo ácerca de um homem, e o fim de o não privar, sem os esclarecimentos precisos, do direito mais respeitavel e sagrado, qual o de vir aqui representar os interesses do seu paiz: (Apoiados) e haverá tribunal algum no mundo, que tendo de proferir sentença, diga ao réo antes de fallar — Tu estás condemnado? Isto era atropellar todas as idéas de justiça! Esta camara, para resolver, ha de ouvir este cavalheiro; a camara não póde deixar de ter este elemento que conduz ao acerto da decisão. O sr. presidente, eu não queria ter o caracter de juiz com os elementos, que me preparasse o illustre deputado!

Portanto, sr. presidente, satisfazendo ao que disse, restabelecendo a questão no seu verdadeiro ponto, questão que foi habilmente tractada pelo illustre relator da commissão, defendendo assim. o parecer, eu; não junto estas palavras senão para remover. De alguma fórma da discussão está idéa que apresentou o illustre deputado.

O sr. Cunha Sotto Maior: — Eu não fallei em pilula; não disse que se queria dourar pilula alguma. O illustre deputado está enganado. Eu tive a desgraça de lêr o decreto eleitoral; neste decreto ha alguns artigos, que ma constituiram na rigorosa obrigação de pedir a palavra, para dizer á camara a minha opinião sobre este assumpto; mas os srs. deputados que defendem este parecer, querem que a camara não tenha opinião; não lhes posso fazer a vontade; tenham paciencia; porque o decreto eleitoral no artigo 16 determina o seguinte (Leu).

Pois se eu vejo aqui, elegibilidade absoluta, e relativa dos eleitos, eu dou a minha opinião. Agora o illustre deputado quer, que a camara espere que se ouça a parte, como os principios de direito mandam; mas estes principios de direito tem regras absolutas? O principio de direito é para os casos deferidos, não é para os absurdos; porque os principios de direito não poderão querer, que uma camara de deputados resolva que um estrangeiro possa vir defender a sua eleição!

Eu, sr. presidente, entro nesta questão, porque intendo que ella não é odiosa. Não ataco o caracter nem as virtudes politicas ou sociaes de ninguem: ataco a nacionalidade de quem se tracta, por que, não sei que se possa ser montevidiano e deputado portuguez ao mesmo tempo. Parece-me que nisto, não irrogo injuria a ninguem. (Uma voz. — Nem ninguem ainda disse que o podia ser) Estou certo disso; porque, aquelles que disserem que Montevideu pertence a Portugal, hão-de dizel-o muito devagarinho, muito baixinho, e que ninguem ouça, porque não póde haver coragem para tanto.

Sr. presidente, em virtude do decreto eleitoral quiz chamar a attenção da camara sobre este objecto, por que intendi, e intendo ainda, que a commissão de verificação de poderes podia dar o seu parecer contra a eleição. Pois, senhores da commissão, dizer-me qual foi o motivo, que vos obstou a que podesseis desde já declarar nulla esta eleição?! Ouvi dizer ao illustre deputado que abriu o debate, que a notoriedade publica não significa cousa nenhuma! Se ella não significa cousa nenhuma, então tambem eu não sei se o illustre deputado se chama Justino de Freitas, porque nunca vi o assento do seu baptismo; não sei se é lente da universidade, porque nunca vi os seus titulos ou diplomas, nem sei se é casado, porque nunca vi a sua mulher.

Mas porque é que a commissão não está habilitada a dar um parecer decisivo sobre esta questão? A commissão, disse um illustre deputado, não está de posse de todos os papeis que podem ter relação com o objecto, porque ainda os não pediu. Pois então, porque os não pedistes? Senhores da commissão, porque não pedistes os papeis? Quem vos prohibiu de o fazerdes? Para que é que vindes dizer — que precisais do diploma? Pois o diploma confere ou tira direitos de nacionalidade? Pois o diploma vem resolver esta questão? A commissão quer espaçar? Espaçar para que?! Espaçar para que fim?! Eu quero, e tenho direito a esperar que se me diga, de que serve aqui o diploma? O diploma é por ventura alguma certi-

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dão de baptismo, que comprove a nacionalidade? Um acto de conquista, ou por exemplo, um tractado que incorporasse Montevideu a Portugal? Para que serve pois, o diploma, e o que querem os srs. deputados provar com elle?

A illustre commissão podia pedir os papeis, mas não os quiz pedir; e eu, sr. presidente, não quero injuriar os membros da illustre commissão, mas permittam-me ss. ex.ªs lhes diga, que fizeram muito mal, e que não cumpriram com o seu dever, porque o seu rigoroso dever era exigirem do governo todos os papeis concernentes a este objecto: tinham obrigação disso, porque para isso são commissão de verificação de poderes.

Faça pois, a Camara o que quizer: para mim tanto me importa que a camara approve esta eleição, ou que a reprove: tanto se me dá que este negocio se adie, como que se resolva já; mas approvando-se o parecer, o que a camara vai fazer, e legislar o regresso do governador de Angola para Portugal. Esta é que é a verdade. Cartas sobre a mesa, jogo franco e rasgado: o que se vai fazer não é outra cousa senão legalisar o regresso do governador de Angola, e a commissão tinha obrigação de dar um parecer mais grave e circumstanciado do que aquelle que apre sentou. As commissões são para resolver, e não para adiar: quem adia, não quer trabalhar, e quem não quer trabalhar não é membro da commissão: eu acho mesmo que se a camara quizesse tomar uma attitude seria sobre este negocio, devia até increpar a commissão por que não cumpriu com o seu dever.

Demais, sr. presidente, parece-me que este negocio não póde passar assim, porque todos nós, quando para aqui entrámos, jurámos cumprir a lei, e v. ex.ª jurou diante de mim aos Santos Evangelhos que havia de cumprir a lei, e v. ex.ª em virtude do seu juramento não póde deixar de cumprir o § 1.° do artigo 16.° da lei eleitoral, que diz = «Se estiverem ausentes, a camara lhes marcará logo um praso rasoavel, para dar conta á mesa da sua opção, sob pena de se intender que resignam o logar de deputado.»

Eu espero que v. ex.ª ha de cumprir um preceito religioso, e um acto de homem publico e de cavalheiro. Mas aqui ainda não está tudo, sr. presidente desde o momento em que se approvar o parecer, reconhece-se a elegibilidade no deputado, e é a isso que eu me quero oppôr....

O sr. Cunha Pessoa: — Se o illustre deputado lesse as últimas palavras do parecer, talvez se tivesse poupado a tanta fadiga.

O Orador: — Mas a camara tem de tomar uma resolução; a camara não póde adiar este negocio, porque tem que resolver um facto que é do seu dominio. Se a camara approvar o parecer, tem de cumprir o artigo 16.°, e cumprindo o artigo 16.°, está approvada a eleição (Uma voz: — Leia o artigo 109.°) O artigo 109.° póde convir ao illustre deputado, mas não me convém a mim, e eu que combato o illustre deputado, leio-lhe o artigo 104.°

Não tenho duvida em confessar que a clareza que deve haver na expressão dos meus pensamentos, realmente não existe; mas eu vou tractar em poucas palavras de dizer o que intendo ácerca do objecto que se discute. A illustre commissão propõe á camara que se adie esta questão, mas a camara não póde adia-la. A camara tem direito de conhecer da elegibilidade do sr. deputado eleito, e depois de reconhecer esse direito, pertende-se adiar esse parecer! Pois a camara ha de pagar a falta commettida pela commissão de verificação de poderes? Não póde ser.

Sr. presidente, para me combaterem até se trouxe o regimento interno desta camara. O illustre deputado é jurisconsulto, e como é que um jurisconsulto tão abalisado, e que rege uma cadeira de direito na universidade de Coimbra, vem trazer a um parlamento argumentos desta ordem! O regimento é uma lei disciplinar desta casa, e a sua citação prova que o illustre deputado não teve lei, nem outra doutrina para chamar em seu abono; e mal diria o pobre regimento, que dormia descançado nesta casa, que em momentos tão solemnes e augustos havia de ser invocado por um lente da universidade de Coimbra! Não está habilitada a illustre commissão para apresentar o seu parecer; e porque não está habilitada? Faltou-lhe tempo? Não. Recusaram-lhe alguns papeis que pedisse? Não. Faltaram-lhe membros para completar a commissão? Não. Então o que é que faltou á illustre commissão? Porque é que a illustre commissão não traz um parecer definitivo? Porque é que a illustre commissão não está habilitada? Ha de a camara estar por aquillo que quer a commissão? Intendo que não. Este negocio, sr. presidente, é grave, e v. ex.ª sabe tão bem como eu, que Lisboa acordou sobresaltada com este escandalo, e não houve um unico jornal que não fallasse contra elle; o brado da indignação foi unisono em todo o paiz; e para honra delle devo declarar, que não conheço ninguem que de cara a cara, frente a frente, declare que esta eleição não é um facto escandaloso. Estou capacitado de que a camara dos deputados não approva esta eleição. Póde haver alguns deputados que a approvem, mas a camara não; porque é impossivel que a camara dos deputados queira que se levante contra ella a indignação publica. Por consequencia voto contra o parecer em alto e bom som, e continúo nas minhas censuras motivadas á commissão de verificação de poderes, porque não cumpriu com o seu dever, como religiosamente devia cumprir, porque devia compulsar todos os papeis, para apresentar um parecer definitivo.

O sr. Justino de Freitas: — Sr. presidente, parece-me que se o illustre deputado reparasse na data deste parecer....

O sr. Avila: — Reparei, e tanto reparei, que em uma das notas que tinha tomado, e que me passou, para dizer que a commissão, no momento que deu o seu parecer, não podia propôr que se fizesse o primeiro convite, por isso mesmo que ainda não tinha chegado o praso legal designado no § 1.° do artigo 109.° do decreto eleitoral de 30 de setembro de 1852; a commissão pois não podia fazer outra cousa mais do que dar o parecer que apresentou; mas a camara agora está n'outro caso differente, em que esteve a commissão. A época chegou; e a camara não póde deixar de determinar que tenha logar o primeiro convite, para que os dois cavalheiros eleitos deputados pelo circulo eleitoral de Guimarães venham tomar assento. Devia dar esta explicação para fazer a devida justiça ao proceder da commissão, que não podia ser outro na occasião.

O sr. Casal Ribeiro: — Sr. presidente, eu não posso responder a argumentos, porque aos que foram apresentados, pelos illustres membros da commissão,

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tem-se respondido apenas com uma enfiada de palavras calculadas para produzir effeito lá fóra. Como membro da commissão direi que assignei o parecer porque é de lei, de justiça, e de equidade. O sr. deputado que acabou de fallar.... (O sr. Cunha Sotto-Maior: — Eu já não tenho a palavra, e por isso é facil dizer o que quizer, porque sabe que lhe não posso responder) O Orador: — Porque não reservou o illustre deputado a palavra para depois de mim? (O sr. Cunha: — Isto é uma giga-joga.) O Orador: — Pois bem... sr. presidente, eu requeiro a v. ex.ª e á camara para que o illustre deputado falle nesta discussão, dispensado o regimento (Apoiado) quantas vezes quizer. Agora esteja certo o sr. deputado que se responder não ha de ficar sem réplica, mas eu não devo, nem posso, como membro da commissão deixar de repellir as insinuações que o sr. deputado lançou na camara, em contrario do que avançou no principio do seu discurso com a coherencia que o caracterisa, e com a perfeita harmonia com que costuma sustentar as suas proposições.

Sr. presidente, o sr. Cunha na primeira vez que fallou, fingiu intender que a commissão de verificação de poderes no seu parecer tinha approvado a capacidade eleitoral do sr. visconde do Pinheiro, e pertendia por isso irrogar fortes censuras á commissão; mas o illustre deputado, não podendo sustentar a questão neste terreno, passou a censurar a commissão, e porque? Por julgar que a commissão não tinha tido a coragem sufficiente para apresentar já aqui um parecer definitivo. Direi pois ao sr. deputado que a coragem não se blazona, prova-se. A coragem civica não falta a nenhum dos membros da commissão, porque nenhum delles nunca recuou ainda, nem recuará, em quanto tiverem à honra de ter uma cadeira no parlamento, diante de qualquer discussão. (Apoiados) Não têem vergonha de dar francamente a sua opinião, nem têem de que envergonhar-se; nenhum de nós foge de uma discussão qualquer, ou a tenha provocado, ou não.

Eu pela minha parte diria já, se me fosse permittido, como encaro a questão; posso ter uma opinião como homem particular sobre a illegibilidade do sr. visconde do Pinheiro; mas como deputado da nação e como membro de uma commissão, não posso apresentar um parecer baseado sobre a notoriedade publica, e de mais a mais sem ser ouvido o interessado, o que seria contra todas as regras de justiça, e mesmo de decoro.

Mas, sr. presidente, diz-se = porque não pediu a commissão os documentos? A quem os havia de pedir? Ao governo? Pois tracta-se da capacidade eleitoral do sr. visconde do Pinheiro, e é ao governo a quem se hão de pedir esses esclarecimentos? Tracta-se de uma questão pessoal, e não de uma questão governativa, e a camara não póde tomar uma decisão sem ouvir o eleito, sem ouvir a sua defeza. O governo não póde, nem deve ser procurador dos eleitos; as suas informações não bastam, nem podem supprir a defesa. (Apoiados)

Disse mais o sr. Cunha, que a camara, esperando pela defesa, reconhece o direito da eligibilidade! Oh! Sr. presidente, eu não sei como um homem de intelligencia, como eu reconheço no illustre deputado, possa avançar uma proposição tão absurda como esta! Pois a camara reconheceu esse direito por esperar que o sr. deputado eleito apresente as suas provas, se as tiver, para defender-se? Quando se espaça o julgamento, para dar logar á prova, dá-se a materia por provada? Não se vê bem claramente o contrario, das conclusões do parecer?

Taes proposições, sr. presidente, não se avançam, e são daquellas que não se lançam aqui senão para produzir effeito; mas desgraçado effeito que não se basêa na verdade? (Apoiados) Sr. presidente, o illustre deputado argumentou com é artigo 104.° do decreto de 30 de setembro de 1852, mas não lhe convém o artigo 109.° do mesmo decreto, que diz assim. (Leu)

Ora quem é que contesta o direito que a camara tem de julgar da capacidade ou incapacidade legal do deputado eleito? Ninguem; mas privar um cidadão de ter uma cadeira no parlamento, sem o ouvir, é contra a lei, é contra as regras da practica parlamentar, contra as regras da justiça. universal, e do que ensina a decencia e decoro. Pois por ventura a competencia exclue tudo isto? Se o illustre deputado tivesse dito que a questão era se podia ou não ser decidida pela camara a capacidade legai do deputado, apesar de estar recenseado, se o illustre deputado tivesse trazido a questão a este terreno, havia de achar-me ao seu lado, e não só a mim, mas toda a commissão. Eu intendo tambem que apesar de estar o seu nome no recenseamento dos elegiveis, a camara póde e deve examinar esta questão; e no parecer da commissão a questão da competencia está resolvida affirmativamente, e acredito que a camara a resolverá no mesmo sentido. Mas note o illustre deputado que a lei é expressa; a lei defere á camara o conhecimento da capacidade legal do eleito, mas defere á camara o conhecimento dessa capacidade legal quando não esteja já resolvida ou pelos tribunaes ou pelas commissões do recenseamento sobre reclamação. E quem, senão o interessado, póde allegar, se houve ou não reclamação contra a sua inscripção no recenseamento; e se por ventura existir tal reclamação, como foi decidida pela commissão e tribunaes competentes?

Sr. presidente, eu não sei se andam pelo governo civil a procurar documentos que dizem respeito ao illustre deputado....

O sr. Cunha: — Se os quer lêr, lá os tenho em casa.

O Orador: — Não tenho curiosidade alguma em os lêr, e creio que o illustre deputado não se referia a mim, quando disse isto.

O sr. Cunha: — Não senhor.

O Orador: — Pois bem. Eu não sei quem anda a folhear os archivos; mas se alguem viesse aqui allegar qualquer circumstancia contra o sr. deputado, que o excluisse desta casa, s. ex.ª acharia de justiça que a camara resolvesse sem o ouvir, e sem esperar pela sua resposta? Se tal se fizesse, que diria s. ex.ª? Havia de dizer que nós o tinhamos excluido sem o ouvir, por não termos coragem sufficiente para arrostar com adversario tão forte. Pois esteja convencido o nobre deputado, que eu nunca daria o meu voto para similhante iniquidade; e ninguem nesta casa o daria. (Apoiados)

Por tanto, sr. presidente, eu peço ao illustre deputado que não de tractos á sua elevada intelligencia para lançar insinuações a quem as não merece, e para desvanecer na opinião publica o bom conceito que cada um merece. Mas o artigo 109.° não convém ao

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sr. deputado; citou-o, mas não o quiz lêr, e muito menos explicar qual a intelligencia que lhe dava....

O sr. Cunha: — Eu citei o artigo 104.° porque me convinha, e citaria o 109.º se me conviesse tambem. (Riso)

Esta hermeneutica do illustre deputado do artigo que lhe convém, e de que lhe não convém, é inteiramente nova e irregular, e não posso adopta-la. Pois eu já lhe disse como intendia o artigo 104.°; e acceito tambem o artigo 109.°, que tracta do deputado eleito; e por consequencia se applica aos que não foram ainda proclamados; diz o seguinte (Leu) «Se contra o disposto neste artigo, deixar de comparecer ás sessões por quinze dias consecutivos, será primeira e segunda vez convidado por officio do presidente da camara, precedendo para esse fim deliberação da mesma camara; se ainda apesar disso se não apresentar, ou não justificar perante a camara -motivo, que o impossibilite de comparecer, resolver-se-ha que por faltar ad seu dever, perdeu o logar de deputado, o qual será declarado vago.»

Por tanto já vê o illustre deputado, que a commissão não veio propôr um adiamento indefinido, o que veio propôr foi que se esperasse que o sr. deputado eleito apresentasse o seu diploma. Eu como membro da commissão não posso dar o parecer senão em Conformidade com a lei, e como membro da camara não posso votar senão em conformidade da lei. Se o ministro deputado intende que esse cavalheiro deve ou não vir, com isso não tenho nada; o que nós não podemos é julgal-o sem o ouvir. A commissão o que pertende, e o que quer, é que esta questão da capacidade legal do eleito seja resolvida á vista de todos os documentos. (Apoiados)

Em quanto ao outro sr. deputado eleito por aquelle circulo allegou-se tambem no protesto apresentado na assembléa primaria de Guimarães, que não estava Recenseado, ou que não se sabia se estava recenseado. Pergunto ao sr. deputado, que gosta de levar estas cousas de salto — como queria s. ex.ª resolver a questão em relação a este sr. deputado eleito sem ella apresentar o seu diploma, sem dizer o circulo da sua residencia, e se estava ou não recenseado? Haviamos de pedir ao governo (por exemplo) que nos esclarecesse sobre o logar onde morava o sr. Cunha? Que havia a commissão de fazer desde já? Havia de fazer o que fez. Havia de pedir ao governo o que, se a questão é pessoal? (O sr. Cunha Souto Maior: — O recenseamento delle é a ordem do exercito que o passou de Montevideo para o exercito de Portugal, a qual tem vindo em todos os jornaes). O sr. deputado póde interromper-me todas as vezes que quizer, eu responderei todas as vezes quantas, v. ex.ª, sr. presidente, me permittir.

Mas repito e sustento que a commissão não podia, em vista da lei, da practica parlamentar, em vista de todos os principios de decencia, decóro e justiça universal, resolver uma questão pessoal que implica com bons ou máos direitos daquelle que reputa que os tem, sem ouvir o interessado, sem esperar por esses documentos, por esses esclarecimentos que só por elle podem ser prestados; porque ainda que se ouvisse o governo sobre quantas questões o governo podesse esclarecer a camara, isso não excluia o direito que tem qualquer a provar o que reputa o seu direito. Não vá o sr. deputado inverter as minhas palavras: eu não tracto se têem ou não têem aquelles cavalheiros direito de virem sentar-se nesta camara, mas o que têem é o direito de virem defender a sua eleição e o direito de virem defender a sua capacidade legal, se é que elles reputam tê-la, porque isso mesmo ainda nos não consta, e isso é o que só póde constar pelo facto da apresentação dos diplomas.

Sr. presidente, as duas questões que compete á camara resolver são diversas, distinctissimas; a questão da legalidade da eleição essa intendo que póde e deve, e é facil resolver-se; mesmo sem audiencia dos srs. deputados eleitos, porque para isso as provas estão no processo eleitoral; mas quando se contesta a capacidade legal, a questão torna-se toda pessoal, e n'uma questão que é toda pessoal nem á lei, nem o regimento desta casa, nem as practicas parlamentares, nem as regras de justiça, nem cousa alguma póde auctorisar a camara a resolver sem os interessados serem ouvidos, ou mandarem apresentai os seus documentos, porque o podem fazer por terceira pessoa, e declararem que nada mais têem a dizer e a apresentar para sua justificação.

Eu concluo votando pelo parecer; por agora nada mais tenho a dizer; e desde já peço a v. ex.ª a palavra para responder ao sr. Cunha, se se dignar responder a estas minhas observações.

O sr. Avila: — Pedi a palavra sobre o parecer, porque, estando de accordo com as idéas que têem emittido os illustres membros da commissão, aos quaes eu faço a justiça de que examinaram esta questão com toda a imparcialidade, não me parece comtudo que a conclusão do parecer esteja redigida nos termos em que o devêra ter sido.

Os illustres membros da commissão não deviam ter perdido de vista, e de certo não perderam....

O sr. Presidente: — Permitta-me o illustre deputado que o interrompa. Peço aos illustres deputados que sáem dos seus logares porque querem ouvir melhor o orador, que tomem logar proximo delle, porque se tem reconhecido alguma inconveniencia em os illustres deputados se conservarem de pé junto de quem falla.

O Orador (proseguindo): — Sr. presidente, apresentaram-se algumas considerações em relação a este parecer, que não fizeram impressão sobre mim pelos motivos que vou apresentar á camara.

Parece suppôr-se que a approvação deste parecer importa o chamamento dos dois eleitos, e por consequencia a conveniencia para com um desses eleitos de deixar um alto logar de commissão que exerce, e apresentar-se no continente do reino. A esta consideração devo responder, que desde o momento em que a eleição se terminou, expediram-se os diplomas aos srs. deputados eleitos: se a esse alto funccionario tivesse convindo apresentar-se em Portugal, bastava a recepção do seu diploma para elle partir immediatamente, e ninguem o poderia censurar por isso: ponho pois de parte esta insinuação, e examino este negocio sem me importar se ao eleito convém ou não que a commissão resolva que elle seja ouvido, porque torno a dizer que estou convencido que a esta hora elle estava em caminho, se lhe tivesse convindo ter partido.

A lei eleitoral previne precisamente esta hypothese, e a illustre commissão tanto reconheceu que esta hypothese estava providenciada no decreto eleitoral, que fez referencia ao artigo respectivo: mas eu esperava que a illustre commissão fizesse outra cousa, e é, que desde o momento em que a illustre commissão viu que o deputado eleito não tem direito de deixar de se

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apresentar na camara, e que passados 15 dias depois que se abriu a sessão, não tendo elle comparecido, deve ser convidado pela mesa ou pelo presidente da camara, tendo precedido deliberação da mesma camara - o que prova que ha de haver um parecer que ha de servir de base a essa deliberação; a commissão julgo eu, teria andado mais curialmente se, em logar de dizer que lhe faltavam esclarecimentos para resolver esta questão, dissesse — chegou o caso previsto no artigo 109, § 1.º, e por consequencia devem ser convidados os dois deputados eleitos para se apresentarem, a fim de que a camara, na presença das razões que elles expuserem, possa resolver as duvidas que se offerecem, e, se elles se não apresentarem, a camara declara vagos esses logares. O parecer está redigido de uma maneira que effectivamente deixa recear a alguns dos membros desta casa que esta questão fique adiada, e realmente não póde adiar-se uma questão desta ordem, como e a eleição de dois deputados por um collegio eleitoral.

A camara não póde excluir nenhum dos illustres deputados eleitos sem os ouvir: prohibe-lho o regimento, prohibe-lho a boa rasão. A disposição, que já se citou, do decreto eleitoral artigo 104, prova o contrario do que se pertende; porque sem essa disposição a questão estava acabada: a camara havia desde já annullar a eleição daquelle cavalheiro que não está recenseado. Que resultava daqui? O que resultava era o absurdo de que podiamos excluir desta casa um cidadão portuguez que, segundo a carta, póde ser eleito, e que vamos admitir nesta casa um cidadão portuguez naturalisado, como creio, que é um dos eleitos, que por esse motivo nao está no caso de tomar assento nesta camara. Eu tambem quero emittir francamente a minha opinião a este respeito para que nunca se possa suppôr que o voto que darei agora, equivale a reconhecer a legalidade da eleição, parece-me que não virei nunca a reconhece-la; mas não quero de maneira nenhuma prejudicar as rasões que o eleito póde apresentar; o regimento da casa, como disse já dá-lhe este direito, e além do regimento da casa todas as regras de justiça, que prohibem que se possa condemnar alguem sem ser ouvido, sobretudo quando se tracta de o despojar de um direito tão importante como é o de representar o paiz que o elegeu.

Intendo por consequencia que não podemos resolver esta questão sem a presença dos cavalheiros que foram eleitos; e intendo que não podemos approvar o parecer da commissão nos termos em que está redigido, porque diz expressamente o artigo 109 § 1.° = Se, contra o disposto neste artigo, deixar de comparecer ás sessões por quinze dias consecutivos, será primeira e segunda vez convidado por officio do presidente da camara, precedendo para esse fim deliberação da mesma camara. =

Logo que se approvasse este parecer, teria de haver uma discussão a este respeito para o primeiro convite: pois então é melhor resolver desde já este ponto, por isso mesmo que já passou o praso de quinze dias depois que a camara se abriu.

Se a commissão, pois, concluir o seu parecer dizendo que sejam desde já convidados os deputados eleitos a apresentar-se na camara, seguindo-se os tramites marcados no artigo 109 § 1.º do decreto eleitoral, eu não tenho duvida em votar pelo parecer.

O sr. Justino de Freitas: — A commissão não podia dar outro parecer, porque ainda não tinha passado o praso legal; mas agora que elle passou, a commissão não tem duvida em acceitar a lembrança do illustre deputado, e propõe um additamento á conclusão do parecer, a fim de que na conformidade do que dispõe o § 1.º do artigo 108 do decreto eleitoral de 30 de setembro de 1852, se dirija o primeiro convite aos deputados eleitos, de que se tracta, para que venham tomar assento.

O sr. Presidente: — Nesse caso convido o sr. Avila, ou a commissão, a formular o additamento no sentido que se acabou de enunciar.

O sr. Avila: — Como a commissão acceitou a minha lembrança, ella mesma poderá formular o additamento.

O sr. Justino de Freitas: - Eu mandarei para a mesa o respectivo additamento por parte da commissão. (Apoiados)

O sr. Bento de Castro: — Sr. presidente, na qualidade de deputado por Guimarães, natural do circulo, e residente dentro dos limites do mesmo, não posso deixar de fazer uma observação sobre o protesto apresentado contra a eleição do cavalheiro José Joaquim da Cunha.

Dois são os fundamentos com que se argúe a eleição deste cavalheiro; um por não ser votado com as qualificações, que podessem verificar a identidade da sua pessoa; a esta respondeu muito bem o illustre relator do parecer da commissão. Quanto ao outro — de não ser conhecido — eu devo dizer á camara, que se o illustre protestante, e o sr. Corrêa Caldeira intendem que é preciso que a eleição recáia em uma grande notabilidade, um nome europeo, um nome historico, então o sr. José Joaquim da Cunha não está nestas circumstancias; mas se basta recaír em um nome de um individuo menos importante, mas que os eleitores sabem quem é, então o nome daquelle cavalheiro é bem conhecido no circulo por onde foi eleito; é natural do concelho de Guimarães, da freguezia de S. Miguel de Serzedo, é ecclesiastico, e tem talento e instrucção. Faço esta observação, porque intendo que é do meu dever, para que ninguem se persuada que os eleitores do meu circulo votaram em um individuo que não sabiam quem era, nem donde era. Quanto á questão sobre a eleição do sr. visconde do Pinheiro, eu não tomo parte na discussão, nem a favor, nem contra.

O sr. Corrêa Caldeira: — Vejo-me forçado a dizer algumas palavras, visto que o illustre deputado que me precedeu acaba de declarar-me protestante á face do parlamento (Riso) e eu não sou protestante, sou catholico apostolico, romano, sigo a religião orthodoxa, e não o protestantismo. (Riso)

Tambem não sou signatario do protesto que se acha junto ao processo eleitoral de que a camara se occupa; tão pouco sustentei até agora o mesmo protesto. V. ex.ª e a camara sabe que eu apenas perguntei ao illustre relator da commissão, que me respondeu com a sua costumada urbanidade, se acaso se fazia menção naquelle protesto de uma circumstancia importante - a duvida sobre a verificação da identidade do deputado eleito, o sr. José Joaquim da Cunha, e se as listas em que fôra votado o dito sr., e que serviram de fundamento á duvida manifestada, tinham sido appensas ao processo eleitoral como se havia requerido, ou se tinham sido queimadas contra a disposição da lei neste caso.

O illustre deputado disse, que a lei não exige as

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qualificações ou designações a que eu me referi da primeira vez que fallei. — Peço licença porém para dizer ao illustre deputado, que a sua asserção não póde ser exacta no sentido absoluto em que a formulou — É sempre necessario, quando se tracta da eleição d'um individuo, que seja designado de modo que possa saber-se quem elle é, porque d'outra sorte, contendo-se nas listas sómente o nome, e podendo existir tanto dentro do circulo eleitoral, em que se faz a eleição, como fóra delle, mais de um individuo com o mesmo nome, fallecerá todo o meio seguro de resolver as duvidas que se suscitem sobre qual seja o eleito = Se a esta primeira difficuldade, ou obscuridade accrescer além disso, como no caso presente, que o individuo que se presume eleito, não tenha o -seu nome inscripto no recenseamento dos elegiveis para deputados, tornar-se-ha evidente para v. ex.ª sr. presidente, e para a camara que as observações por mim apresentadas nem são extemporaneas, nem -mal fundadas, nem de natureza tal que baste para..contraria-las o testemunho singular do sr. deputado, que me precedeu, por maior que seja a consideração que eu preste a esse testemunho. — Estimarei muito que o sr. deputado eleito, quando apresentar o seu diploma, possa comprovar perante a camara,.não só a sua elegibilidade, mas tambem a sua identidade não tenho interesse algum que me mova senão o amor da verdade, e o desejo do cumprimento da lei.

Confesso que o modo porque a commissão redigiu o seu parecer, se acha até certo ponto, em harmonia com a disposição litteral do decreto eleitoral de 30 de setembro de 1852, e com as disposições do nosso regimento; deve, porém, examinar-se com attenção, e boa critica, se as regras a que a commissão se cingiu, são precisamente as que nos cumpre seguir e observar, na hypothese sujeita. Pela minha parte, intendo que não; porque tanto a disposição do regimento, como a outra que se invocou, foram estabelecidas para casos e circumstancias ordinarias, e para hypotheses diversas, muito diversas da principal que agora se discute. Se a camara persistir em dar execução a estas duas disposições agora, no caso presente, a respeito de ambos os eleitos, no sentido que parece ter-se indicado, essa resolução ou insistencia da camara equivale a privar o circulo eleitoral de Guimarães de ser representado no parlamento pelo espaço de mais que uma sessão legislativa! A disposição da lei eleitoral, a disposição do regimento da camara, fundada em justo, em santo principio, é toda favoravel ao deputado eleito, como tendente a evitar que um cidadão seja privado de um direito tão importante como o de representante da nação, sem ser ouvido em sua defesa; mas é necessario não sacrificar a este principio outro principio igualmente justo e importante. É necessario, é indispensavel, que todos os circulos eleitoraes em que está dividida a nação portugueza, tenham representantes no parlamento! Este principio é de interesse publico; é sobre elle que assenta todo o nosso systema politico, e não póde nem esquecer-se nem preterir-se, nem despresar-se. Logo, quando o principio de interesse individual estiver em collisão com o principio de interesse geral, de interesse publico, ninguem dirá que a preferencia deva ser dada ao primeiro por um corpo politico, por uma camara legislativa. Ora, o parecer da illustre commissão applica uma só regra — a do interesse individual a hypotheses essencialmente differentes.

Quanto ao sr. José Joaquim da Cunha, que se suppõe no continente do reino, e que poderá assim receber, com pequenos intervallos, o primeiro e o segundo convites da camara, e vir á barra provar que tem as qualidades legaes para ser deputado, e provar a sua identidade, mostrando que elle é na verdade o cidadão que foi eleito, não tenho duvida em abraçar o parecer da illustre commissão com o additamento proposto pelo meu amigo e collega o sr. Avila; mas que se sustente a mesma resolução, que se adopte igual arbitrio a respeito do outro cavalheiro que foi eleito, não me parece, nem razoavel nem logico, nem politico, nem necessario. Todos sabem que o sr. visconde do Pinheiro está n'uma possessão longinqua, desempenhando um alto logar de commissão politica, e que pelas nossas leis, não podia ser pelo governo investido em funcções de lai natureza, sem que nelle se desse a condição de cidadão portuguez. Admittir a doutrina estabelecida pelo sr. Avila e abraçada pela commissão, e executar a respeito deste individuo a disposição do artigo 109, significa o mesmo que não querer a camara decidir nesta sessão a questão de que se tracta, e ficar o circulo de Guimarães privado de um representante no parlamento. É verdade, que elle o merece pelo modo por que se conduziu, neste negocio; mas não devemos nós guiar-nos por tal consideração para decidir o ponto controverso.

Não sou da opinião do meu illustre collega o sr. Cazal Ribeiro, e intendo que o governo podia e devia dar á camara todas as informações necessarias a este respeito. Pois a questão de que se tracta a respeito do sr. visconde do Pinheiro, é uma questão de facto proprio, que só elle possa explicar-nos? Não é uma questão de nacionalidade, e as questões de nacionalidade podem decidir-se sem dependencia de allegação pessoal quando os proprios individuos a quem ellas dizem respeito, estão collocados em posição official, e ainda por maior força de razão, n'uma posição eminente. Pois o governo não despachou este cavalheiro governador geral de uma provincia ultramarina? Não é este um alto cargo politico? Não ha de o governo ter na sua mão documentos pelos quaes saiba que aquelle cavalheiro é portuguez? Póde o governo ter despachado um estrangeiro governador geral de Angola? E que inconveniente haveria em que a camara, para abreviar o negocio, pedisse ao governo os documentos em virtude dos quaes o despachou para um alto cargo politico como é aquelle? (O sr. Justino de Freitas: Essa questão é differente) Este modo de discorrer é só para fundamentar a minha opinião, opinião que sujeito á illustração da maioria da camara, e para mostrar que a questão da elegibilidade ou inegibilidade do sr. visconde do Pinheiro é de tal natureza, que podia e devia ser esclarecida sem que o sr. visconde do Pinheiro fosse chamado a comparecer na camara.

Sr. presidente, eu intendo, e repito de novo, que as disposições, tanto do regimento como do decreto eleitoral, artigo 109, devem applicar-se aos casos ordinarios; mas o caso de que nos occupamos, e extraordinario. O individuo de que se tracta, está muito longe do continente de Portugal, e se se observar litteralmente a respeito delle a disposição do artigo 109, repito, a camara não póde nesta sessão tomar conhecimento deste negocio, e dahi ha de resultar ficar o circulo de Guimarães sem um representante, inconveniente mais grave do que decidir a camara a ques-

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tão pelos esclarecimentos que o governo deve ter, por isso que despachou aquelle cavalheiro para um alto cargo politico. Intendo que ha duvidas, para resolver as quaes só o proprio individuo póde dar os competentes esclarecimentos; por exemplo, n'uma questão de censo eleitoral, o governo não tem na sua mão amplas informações; a respeito do rendimento, propriedade e meios de subsistencia que possa ter um individuo que não foi recenseado por omissão da commissão de recenseamento ou por descuido seu, ou por outras razões; esses esclarecimentos não os póde ministrar O governo; mas uma questão, de nacionalidade, principalmente a respeito de um individuo collocado n'uma tão alta posição, parece-me que é uma hypothese inteiramente differente, parece-me que póde haver meio de chegar ao esclarecimento desta questão sem ser necessario chamar o eleito: entretanto tome a camara estas reflexões na consideração que lhe merecerem; eu quis apresenta-las; porque desejo sempre manifestar as minhas convicções quando são oppostas ás que vejo vogar na assembléa.

O sr. Presidente: — Está acabada a inscripção.

O sr. Cunha Sotto-Maior: — Eu peço a v. ex.ª que consulte a camara se me dá a palavra...

O sr. Cazal Ribeiro: — Eu tambem peço a v. ex.ª e á camara que annua ao requerimento do sr. deputado.

O sr. Presidente: — Consulto a camara, sobre se quer que se conceda a palavra, pela terceira vez, ao sr. Cunha Sotto-Maior.

Resolveu-se affirmativamente.

O sr. Presidente: — Tem a palavra o sr. Cunha Sotto-Maior.

O sr. Corrêa Caldeira: — Visto que impugnei uma parte do parecer, seria mais logico dar a palavra a algum sr. deputado que defende-se o parecer.

O sr. Presidente: — Não ha mais ninguem inscripto.

O sr. Corrêa Caldeira: — Ah! A commissão não quer responder!...

O sr. Cunha Sotto-Maior: — Alguns srs. deputados deprehenderam das minhas palavras, que eu estava animado nesta questão de sentimentos menos briosos em relação ao cavalheiro de que se tracta; declaro a v. ex.ª, que para mim não ha nada mais indifferente neste mundo do que o visconde do Pinheiro; mas eu, sr. presidente, nesta questão sobeja-me rasão para censurar a opinião daquelles que sustentam o parecer da commissão, porque no fim de contas, todos os illustres deputados que têem fallado, vem a concordar comigo. Quer v. ex.ª ouvir? O illustre relator da commissão, o sr. Justino de Freitas, achou que o parecer estava bem exarado; o sr. Bento Cardozo, deputado pelo circulo de Guimarães, e que por consequencia tem nesta questão uma importancia local, achou que o parecer estava exarado exuberantemente bem; o sr. Avila approvou o parecer com modificações; e eu acho o parecer pessimo; mas todos os srs. deputados que têem fallado nesta questão, excepto o sr. Bento Cardoso, todos declaram que votam pela inelegibilidade do deputado eleito. Ora, collocada, a questão neste ponto, já v. ex.ª vê que me sobeja rasão; isto é, eu quero poupar trabalho á camara; dou hoje uma opinião que os illustres deputados hão de dar daqui a um mez ou dias — Os illustres deputados querem esperar; mas eu dou já a minha opinião, porque não tenho necessidade de esperar. Pois o facto controvertido por mim e pela illustre commissão é um facto proprio que depende da vontade e da acção do sr. Miguel Ximenes? Pois Montevideu veio para Portugal n'uma noite escura, socegado e mansinho, sem que ninguem o percebesse? (Riso) Parece-me que se acaso Montevideu se uniu a Portugal de facto e de direito, esse facto e esse direito devem estar consignados em alguma parte, e que hão de existir documentos a este respeito, independentemente da boa ou má vontade do visconde do Pinheiro. O sr. visconde do Pinheiro não me esclarece. Se nesta casa ha algum sr. deputado com uma intelligencia tão pequena, tão tacanha que precise ser esclarecido pelo sr. visconde do Pinheiro, eu declaro que s. s.ª ou s. ex.ª não vem esclarecer-me em cousa alguma; não me esclarece em nada, não necessito ser esclarecido por elle sobre se Montevideu está ou não encorporado a Portugal. Então Montevideu é uma pessoa, que sosinho e muito socegado viesse n'uma noite escura por estradas nunca vistas, por mares nunca d'antes navegados encorporar-se a Portugal? (Riso) Ninguem viu o andar de Montevideu? Oude está Montevideu? Quero vê-lo, quero sauda-lo, (Riso) Montevideu está em Portugal; mas eu não o encontro!... Pégo n'uma carta geografica do paiz, não o vejo lá; pégo na carta constitucional, não o acho lá descripto; pégo na historia contemporanea do nosso paiz, não o vejo lá mencionado; digam-me então, onde está Montevideu? Pelo amor de Deos! Estarmos a suppôr Montevideu pertencente a Portugal!... Faz rir. Parece impossivel que com este céo, com esta luz que nos alumia, haja uma camara de deputados que queira metter na cabeça a este pobre povo, que Montevideu pertence a Portugal!.... (Sussurro) Peço perdão; eu respeito a opinião dos illustres deputados; ninguem nesta questão é mais commodo do que eu; n'esta questão estou timbrando por uma demasiada humildade. Tenho ouvido com assombro argumentos inauditos! Até ouvi um illustre deputado, que se assenta nos bancos da direita, invocar o regimento! Pois eu declaro que não faço caso nenhum do regimento (Risadas) O sr. deputado diz — o regimento da sua casa;— e eu digo — a carta constitucional do meu paiz, — e a carta constitucional está acima do regimento da sua casa. (Riso) Ainda assim, o regimento é feito e confeccionado para factos, por assim dizer, naturaes e ordinarios; mas, para factos extraordinarios, para factos violentos, para factos absurdos, para abusos e prepotencias não ha regimento algum; invocam-se os principios, invoca-se a doutrina, o direito, a rasão e o bom senso. Eu intendo que aquelles que acham, que Montevideu foi Portugal, que me combatam; mas aquelles que acham que não foi Portugal, dizem-me que espere! Esperar para que? Para ouvir o eleito? Mas se o eleito está mal eleito? A unica, cousa que elle vos poderá dizer é que Montevideu é Portugal. Quereis esperar, para ouvirdes esta declaração da bocca do eleito? Pois eu sei, e sabem todos os illustres deputados, que Montevideu não é Portugal; e por consequencia póde-se desde já resolver a questão.

Ouvi uma grande novidade, ao menos para mim é uma novidade, porque nesta discussão tenho aprendido muito, e é que feita a eleição é expedido o diploma. Isto é o que ninguem sabia! Eu já tenho sido eleito deputado por umas poucas de vezes; e quando tenho sido eleito deputado expedem-me logo

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o diploma. Não era eu que o havia de ír buscar. Que tal é a idea que fazem da minha intelligencia! (Riso) Então o secretario da commissão do apuramento guardava o diploma na algibeira á espera que eu montasse a cavallo para o ir buscar?! Ora na verdade tiveram rasão: — é preciso o diploma! Muitissimo obrigado por esta novidade....

Tambem ouvi ainda mais outra grande verdade, que foi dicta por um membro da maioria, o sr. Casal Ribeiro, de que a commissão verificara se o eleito estava recenseado, e verificara que sim. Ora, isto é um grande trabalho; a commissão verificou se lá estava o nome do sr. visconde do Pinheiro, e disse que lá estava. Está, sim, senhores, n'um caderno de papel almoço, em que vem os nomes dos recenseados. A commissão viu o caderno e achou-o lá recenseado. Ora, realmente, já a camara vê que foi um grande trabalho ver o caderno, em que estava recenseado o sr. visconde do Pinheiro! Já a camara vê o grande trabalho que teve a illustre commissão! Foi verificar se estava n'um caderno o nome do eleito; achou que estava, e veio dizer á camara que viu lá aquelle nome! Eu não quero fallar mais nesta questão, e voto contra o parecer; voto agora, voto daqui a 15 dias, voto daqui a um mez, voto quando vier o eleito, e hei de votar sempre contra elle.

O sr. Arrobas (Sobre a ordem): — Sr. presidente, eu pedia a v. ex.ª que me dissesse, se a commissão já declarou que adoptava a idea do sr. Avila, e se a accumulou como addittamento ao parecer, ou se a consigna de outra qualquer maneira?

O sr. Justino de Freitas: — Eu já tinha pedido a palavra.

O sr. Presidente: — Tem a palavra o sr. Justino de Freitas, como relator da commissão.

O sr. Justino de Freitas: — Sr. presidente, a commissão declarou que adoptava a idea do sr. Avila, porque com esta idéa vê-se que fica melhor ou mais claro ò pensamento da commissão, e parece-me que póde ser formulada como addittamento ao parecer, o qual, comtudo, eu creio que satisfazia do mesmo modo a todas as indicações, porque dizendo — (Leu o final do parecer) julgo que nada mais era necessario. Mas para salvar todas as duvidas, a commissão manda para a mesa este addittamento ao parecer.

Addittamento: — «Sendo desde já intimados os eleitos para comparecer, na conformidade do § 1.° do mesmo artigo.» = Justino de Freitas.

Foi admittido á discussão.

O sr. Cunha Sotto-Maior: — Isso é da lei; é inutil porque está na lei.

O sr. Corrêa Caldeira (Sobre a ordem): — Sr. presidente, pedi a palavra para mandar para a mesa o seguinte

Requerimento: — Requeiro que se exija do governo, pelo ministerio competente, a remessa á camara, cem urgencia, da cópia do assentamento de praça do sr. visconde do Pinheiro, e a de quaesquer outros documentos comprovativos de naturalidade do mesmo sr. visconde, despachado governador geral de Angola, e hoje no exercicio dessa alta commissão politica. = Corrêa Caldeira.

O sr. Presidente: — Este requerimento vai ter já seguimento, porque é daquelles que a mesa expede sem mais resolução alguma. Pedir-se-hão estes esclarecimentos.

O sr. Cunha Sotto-Maior: — Sr. presidente, eu queria sómente dizer duas palavras, e era que o additamento que acaba de propor a illustre commissão está na lei eleitoral. Ainda que a commissão o não mandasse, eu disse logo que vós havieis de cumprir o § 1.° do art. 16.° Escusavam, portanto, de estar a pedir uma cousa que esta na lei.

O sr. Arrobas: — Sr. presidente, parece-me que esta discussão tem estado quasi sempre fóra da ordem. A questão que ha a tractar, e se ha de desde já resolver-se, se estes dous srs. deputados são ou não elegiveis, e se devem ou não tomar assento na camara.

O sr. Presidente: — Perdôe-me o sr. deputado: essa por ora não é a questão. Tracta-se de examinar a capacidade eleitoral dos eleitos; quero dizer, a commissão propõe que não póde dar o seu parecer sobre a capacidade dos deputados eleitos sem os ouvir; por consequencia adia o parecer sobre a sua capacidade eleitoral. A questão, por conseguinte, e de adiar-se ou não o parecer sobre a capacidade eleitoral, ou se a camara resolve que a commissão dê desde já o seu parecer a este respeito.

O Orador: — É assim mesmo, como v. ex.ª expoz, que eu intendi a questão. Tracta-se de decidir, se ha de julgar-se desde já ou não, se aquelles individuos têem a capacidade eleitoral para serem deputados.

Sr. presidente, a commissão diz que não deve desde já ser decidida esta questão, e que deve esperar-se pelos individuos eleitos, para ser resolvida. A lei que regula esta materia, como diz o sr. Cunha, determina, que á camara compete resolver esta questão; mas esta lei não marca a época, por consequencia está claro que era necessario um regulamento, e este não devia nem podia estar em opposição com a lei. O regulamento da camara é que marca qual deve ser a época em que á camara pertence julgar sobre a eligibilidade dos eleitos. Portanto parece-me que o regulamento da camara é o mais importante a consultar aqui, e sendo este a entidade que deve ser consultada, está claro que faz parte da mesma lei.

A questão deve pois ser collocada nestes termos — será esta uma questão de natureza tal, que faça com que a lei seja preterida, e que o principio que deve regular este negocio seja esquecido, para se attender a uma outra circumstancia de força maior ou de utilidade publica? — Parece-me que esta é a questão.

Ouvi dizer que o governo podia mandar esclarecimentos, e que a camara podia esclarecer-se antes de chegar o cavalheiro de que se tracta. É verdade que a questão podia esclarecer-se, mas resolve-la é que não. Quererá o nobre deputado que continue a discussão até vir esse cavalheiro, por isso que não se póde julgar um individuo, sem ser ouvido? A esta razão forte é que ainda não ouvi responder; assim como ainda não ouvi apresentar razões, pelas quaes se mostrasse que circumstancias de força maior ou de utilidade publica faziam com que a camara se visse obrigada a preterir todas as formulas estabelecidas por lei, e todos os principios da lei natural. Por consequencia todos os esclarecimentos que fossem pedidos, em nada apressavam a resolução deste negocio, porque a camara não podia, nem devia decidir esta questão, tão importante, como ella é, sem ouvir o cavalheiro de que se tracta. (Apoiados)

Intendo portanto que o requerimento do sr. deputado Correi Caldeira deve ser approvado; e isto em

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nada prejudica a approvação do parecer da commissão, porque uma cousa não destroe a outra. Portanto concluo dizendo, que tractando-se de julgar um individuo, O qual, segundo todos os principios de justiça, deve ser ouvido antes de ser julgado; não tendo eu ouvido razão maior pela qual se mostrasse que esta camara devia preterir todos os principios de justiça, de razão e de lei natural, declaro que voto a favor do parecer da illustre commissão, áquem nesta occasião dou um testimunho do maior respeito, que tenho pelos seus membros. Voto, pois, a favor do parecer da commissão com o additamento do sr. Avila, isto é, para que estes cavalheiros sejam chamados quanto antes, a fim de se cumprir a lei; e que depois se marque um praso para se resolver esta questão.

O sr. Avila: — A camara está fatigada com esta discussão, e acho que tem razão; roubar-lhe-hei muito poucos minutos. Tendo-se lido na mesa o additamento que a illustre commissão redigiu de accôrdo com a idea que eu tinha apresentado, ouvi dizer que este additamento era inutil porque estava na lei; eu peço licença para dizer que tal observação não tem fundamento. O artigo 109.° diz o seguinte. (Leu)

Por aqui se vê que a auctoridade que tem a mesa para convidar o deputado eleito a fazer a sua apresentação 15 dias depois de aberta a camara, esta auctoridade é limitada, porque é preciso que a preceda uma determinação da camara (Apoiados) por consequencia a observação foi mal cabida, e prova que o nobre deputado ignorava as disposições da lei.

O mesmo illustre deputado pediu á mesa que mandasse lêr o artigo 16.°, que tracta de opções. Tambem este artigo e terminante; se agora se tractasse de applicar o artigo 16.°, então estava a questão acabada, porque estava proclamado deputado o cavalheiro de que se tracta, e apenas lhe faltava prestar juramento. (Apoiados) Quando se citam as leis, é preciso cita-las com mais conhecimento de causa.

É certo que eu não vim dar a noticia á camara, que depois da eleição feita se expede o diploma ao deputado que se elegeu; não foi para dar esta noticia á camara que eu fallei nisto; mas como o nobre deputado disse, que approvando-se este parecer da commissão o que se queria, era fazer com que o deputado eleito de que se tracta, viesse para o reino, eu que approvo o parecer da illustre commissão não quiz que o meu voto fosse interpretado neste sentido, e por isso demonstrei que o deputado eleito podia já estar em caminho se isso lhe conviesse, aprovasse-se, ou não, o parecer.

Esta questão é grave e não admitte gracejos; foi o illustre deputado mesmo que declarou que era uma questão de honra e pundonor nacional, por isso que se tracta de admittir nesta casa um cavalheiro, que aqui não póde ter assento, ou de o excluir sem razão. A este respeito devo dizer, que será muito difficil, que se apresentem razões que me possam convencer, que esse cavalheiro tinha as qualidades requeridas para ser deputado; comtudo, apesar disso não posso de fórma alguma exclui-lo desta casa sem primeiro o ouvir; isto em conformidade com o regimento desta casa, e em conformidade com os principios da lei natural, que não permitte que alguem seja condemnado, sem ser ouvido.

Não havendo quem mais tivesse a palavra, procedeu-se á votação e foi approvado o parecer com o additamento apresentado por parte da commissão.

O sr. Presidente: — A hora está proxima; mas se os srs. deputados querem aproveitar ainda o pouco tempo que nos resta em trabalhos de commissão, eu convido-os para esse fim.

O sr. José Estevão: — Eu apresentei aqui um projecto na camara passada sobre algumas reformas de trabalhos parlamentares; creio que está na commissão de legislação; e por isso pedia aos membros da commissão que houvessem de consultar aquelle assumpto, e dar sobre elle um parecer.

Igualmente pedia a v. ex.ª que tivesse a bondade de me dizer, se já se apresentou a resposta ao discurso do throno; porque estamos já quasi no fim de janeiro.

O sr. Presidente: — Já está impressa, e ha de entrar em discussão, o mais tardar, na segunda-feira proxima.

O sr. Arrobas: — Participo á camara que a commissão do ultramar se acha installada, tendo nomeado para presidente o sr. Pestana, para secretario a mim, e reservando-se para nomear relatores especiaes nas diversas questões.

O sr. Presidente: — A commissão de legislação ouviu o sr. deputado José Estevão, e dará ao seu pedido a consideração devida. A ordem do dia para ámanhã é trabalhos em commissões depois do expediente. Está levantada a sessão — Eram quasi quatro horas da tarde.

O REDACTOR

José de Castro Freire de Macedo.

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