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N.º 16. Sessão em 20 de Janeiro 1849.

Presidencia do Sr. Rebello Cabral.

Chamada — Presentes 52 Srs. Deputados.

Abertura — Á uma hora depois do meio dia.

Acta — Approvada.

Não houve correspondencia.

O Sr. Antonio José dos Reis: — Sr. Presidente, é para declarar a V. Ex.ª e á Camara, que a Commissão do Commercio e Artes se acha installada, tendo nomeado para seu Presidente o Sr. Oliveira Borges, Secretario o Sr. Vianna, Junior, Relator o Sr. Eugenio de Almeida.

O Sr. Assis de Carvalho: — Sr. Presidente, na Sessão passada um dos trabalhos, em que mais se empenhou esta Camara, foi em discutir medidas, pelas quaes se fizesse diminuir a depreciação das Notas. A experiencia mostrou, que as medidas não aproveitaram; não sei, se deviam aproveitar, mas a experiencia mostrou que não aproveitaram: a Nação incumbiu-se de uma divida, e impôz a si o direito de 10 por cento sobre as contribuições para a amortisar; e apesar de se amortisarem 70 a 80 contos de réis por mez, termo medio, dessa divida, nada influiu para diminuir a depreciação das Notas a mesma amortisação, para a qual a Nação está pagando um tributo pesado, pesadissimo. Sendo pois essa uma divida nacional, e declarando a Junta do Credito Publico has suas contas, que ficavam existindo ainda 3:800 contos de Notas, é de muita conveniencia publica, que se saiba, se a maior parte de taes Notas existem no Banco, ou por conta sua, ou pela de differentes particulares, para se saber, deduzindo essa quantia, quanto anda no Publico, a fim de compararmos o que fizemos, com o que havemos de fazer.

Tambem pela discussão das providencias da Sessão passada se Legislou, que as Notas amortisadas deviam ser encontradas para resgate de Inscripções, que o Banco tem em penhor de dividas do Estado; e é preciso saber tambem, o quanto se tem resgata-

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do dessas Inscripções; que se nos de conta do estado deitas cousas.

Mas o que devo lembrar a V. Ex.ª é, que se nós quizermos caminhar com franqueza e liberdade para determinarmos os Negocios Publicos, devemos tambem ser francos e sinceros na apreciação destes Negocios, e na applicação delles, como em informar os Requerimentos do Srs. Deputados. Eu fiz o anno pasmado um Requerimento a respeito da Caixa de amortisação, que continha tres quesitos; fiz milhares de pedidos, para que se me respondesse, foi-me respondido finalmente ao 1.º e 2.º; mas o 3.º ha perto de sete mezes ainda não foi respondido! Se se, ha de seguir a mesma marcha, a respeito das contas que se pedirem, cessarei nesta minha disposição que tenho de zelar o tam publico, porque me parece, que a cousa se reduz, na maior parte, a ficções. Mando pois para a Mesa, e peço a urgencia do seguinte

Requerimento. — «Requeiro que o Governo, pelos meios, que julgar convenientes, faça que o Banco de Portugal no resumo do estado da sua Caixa, que mensalmente publica, faça tambem constar quanto existe em Notas do Banco de Lisboa.» Assis de Carvalho.

Julgado urgente, foi logo approvado.

O Sr. Abreu Castello Branco: — Sr. Presidente, hontem, por occasião de ouvir o Sr. Ministro da Justiça, enchi-me de prazer pela declaração, que S. Ex.ª fez do augmento, em que se achava a instrucção do Clero nos differentes Seminarios do Reino. Eu estava em êrro, porque entendia, que a maior parte dos Seminarios estavam fechados, ou se estavam abertos, não era para o fim, para que foram creados; e por isso, para ficar com mais certeza daquillo que S. Ex.ª nos affirmou, vou fazer um Requerimento, para que se me diga, quaes são as Cadeiras, que se acham estabelecidas no Seminario da Guarda para instrucção do Clero. Mando pois para a Mesa, e peço a urgencia do seguinte:

Requerimento Requeiro que pela Repartição competente se informe as Cadeiras, que se acham estabelecidas no Seminario da Guarda para instrucção do Clero. — Fonseca Castello Branco.

Julgado urgente, foi logo approvado.

Ordem do dia.

Continua a discussão do Projecto de Resposta ao Discurso da Corôa.

O Sr. Agostinho Albano: — Sr. Presidente, eu tinha definido a minha posição nesta Camara, como Carlista devia cingir-me aos principios, ainda não aberrei delles, nem aberrarei, em quanto Deos me conservar a pouca intelligencia, que tenho; mas como Cartista, nem por isso abdicava do direito de examinar os actos de qualquer Governo, ainda mesmo sendo Empregado Publico, mas Empregado Publico Vitalicio, e em uma posição, em que a arbitrariedade, apezar da falla da perpetuidade, não póde exercer-se sem offender todos os principios: estou prompto para responder em todo o tempo, e em todos os logares a qualquer accusação, que se me posa fazer sobre os abusos do logar, que occupo: espero tranquillos com a consciencia que deve ter um homem de bem: então eu responderei.

Dizia que não me achava em posição, nem em opposição; estava exactamente nas mesmas circumstancias, nos mesmos logares, em que se collocou o nobre Deputado, que hontem discorreu tão eloquentemente, que é avaliar franca e lealmente a marcha do Governo — eis-aqui como se definiu o illustre Deputado, e eis-aqui está, eu me defino tambem.

Sr. Presidente, não é despeito, se o fora ha muito tempo que eu poderia ter aproveitado a occasião de o fazer valer; quaesquer que sejam os meus motivos, eu não deixarei a posição que eu entendo, que dentro dos limites do decóro, e do meu dever. Sr. Presidente, quando se recorre a celtas allusões, ha certamente muita mingoa de melhores razões: mas eu venho ao ponto, d'onde hontem partira. Estamos na discussão da Resposta ao Discurso. Throno. Enunciei hontem, com todos os Publicistas, com todas as boas practicas, com os usos o costumes existentes em nosso Paiz ha tantos annos, quantos tem o Governo Constitucional de exigencia, e é la a occasião de apresentar com franqueza o respeitosa liberdade ao Chefe do Estado todas as circumstancias, todos os desejos, todas as necessidades, que os Representantes do Povo entendem ser do seu dever, manifestar para bem preencherem as obrigações que contraíram para com o Paiz que representam; esta é a doutrina: um mero cumprimento respeitoso seria uma fórma banal, que não póde, nem deve agradar ao Chefe do Estado, nem póde agradar a ninguem. Porque representa uma Resposta ao Discurso do Throno, senão a expressão das necessidades do Paiz, que os Representantes delle devem manifestar no seio do Corpo Legislativo, do que por lá vem, e do que ouvem? E nós faltaremos a esse importantissimo dever, se conhecedores dessas necessidade», que o Governo muitas vezes não póde vêr, e a cujo conhecimento não poderá chegar, as não patenteassemos da maneira a mais franca, a mais leal; e neste sentido apresentei eu hontem uma Emenda ou Substituição, que na minha humilde opinião combina com a opinião inequivoca dos desejos do Paiz, e da propria Camara; se me faltassem provas, se me faltassem argumentos, de sobra as tinha dado hontem o illustre Deputado; d'onde se deprehende, que a mais urgente necessidade do Paiz, são as reformas da nossa Fazenda; esta é a Politica do Paiz a unica Politica do Paiz, e sabe Deos, se eu não faça esforços nesta mesma occasião, e esforços bem grandes para tirar ab imo pectore, a expressão destes sentimentos, que são aquelles que nelle estão ha muito tempo, ha muito» annos, mesmo antes de sr Deputado, porque desde esse tempo, por uma especie de tendencia natural me tenho dedicado ao estudo da Fazenda Publica, e tenho feito lucubrações profundas; não sei se com proveito, mas com bons desejos, sei, que com lealdade, e que com a melhor vontade de acertar, faço esforços para me exprimir; mas tal se me affigura a necessidade, e a importancia do objecto, que não tenho outro remedio senão fazer esse esforço, o mesmo que faria para sustentar os principios da Carta, os direitos da Rainha; e já hontem disse, que para sustentar estes sagrados objectos os annos remoçam-se, e as forças resurgem, não ha idade juvenil ou de ancião que não sinta pular o sangue nas veias ao fallar destes preciosos objectos!

Sr. Presidente, e ao fallar nelles agora, parece que sinto agitarem-se os meus músculos, e o sangue correame por todo o corpo com mais actividade; bem

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como quando se tracta da Politica do Paiz, a qual é a questão Financeira, pois que nella se funda todo o nosso bem-estar, toda a nossa fortuna; em despreza-la, ou adia-la, que fariamos?

Entrei nesta Camara na Sessão passada em uma qualidade differente daquella em que me acho hoje, e que ainda mal que pesou sobre os meus hombros, por espaço de tres mezes, estes mais de tres mil annos me pareceram. Nessa mesma época, nesse mesmo tempo não deixei de apresentar as minhas opiniões francas, leaes, verdadeiras, então como agora; tenho na minha casa entre os meus papeis os documentos authenticos da verdade que annuncio, não são para aqui, mas se-lo-hão se acaso a tanto fôr provocado. Não é despeito, Sr. Presidente, despeito de que? Quando se tracta do Paiz, não ha despeitos. (Apoiados,) por justo o provaria eu, se quizesse explicar-me, talvez alguma cousa ainda hoje me escape, sem o querer, na força do meu Discurso.

Não quero fatigar a Camara, não sei se prendo sua attenção, ouse a fatigo, no primeiro caso, receberei grande honra, no segundo continuarei do mesmo modo em rasão do meu dever. Verdades, Sr. Presidente, ouvem-se sempre com attenção, e eu não hei de annunciar cousas que não tenha por verdade, e se o não forem, estimarei muito ser contrariado; nunca tive na minha vida pejo de dizer, enganei-me: — errare humanum est — e diziam os Theologos que perseverare diabolicum, e eu que não quero ter pacto com o diabo, hei de confessar que me enganei, todas as vezes que assim o sentir.

Queria fallar sem tanta pausa, mas já disse que estava tirando forças da minha fraqueza; tolere pois a Camara algumas breves frazes, que eu tenha de lhe dirigir, porque esta occasião é para mim solemne; sendo aliás interprelado bem injustamente por Scribleros, que não sabem o que dizem, nem dizem o que sentem, é pois esta a occasião mais opportuna, que póde apresentar-se para dizer o que sinto como Portuguez Cartista, que nunca renegou, o gremio a que pertence.

Dizia eu, Sr. Presidente, que esta Camara tem de expor com o respeito devido á Soberana, e em cumprimento dos seus deveres, as suas convicções, ácerca do objecto mais importante, e mais vital que hoje existe para o Paiz — a organisação da Fazenda. — Neste ponto a Resposta não póde ser diminuta, e a Resposta effectivamente, sem offensa dos Cavalheiros, que compõem a illustre Commissão, cuja illustração eu muito respeito, e boa fé venero, não tem redacção tão explicita, como entendo que deve ter; e com que me parece, deve ser levada desta Camara á presença Augusta da Soberana. Esta é, que é a nossa obrigação; não venho fazer questões, nem declamações; venho sustentar as minhas opiniões, e satisfazer a minha obrigação.

O illustre Deputado, que hontem discorreu com tanta proficiencia, e a cujos talentos eu rendo homenagem, deu todo o apoio á minha Substituição, e foi o seu maior defensor; não sei o que acontecerá; o exito que ella hade ter, não me importa; como ella é feita nesta Casa, sustentada por mim, e já sustentada pelo illustre Deputado, que não a tinha ainda previsto, e sustentada por esta Camara e pelos factos passados, a mesma Camara procederá como entender.

Sr. Presidente, não me occuparei de outra cousa senão de mostrar a necessidade, que ha ser claro neste ponto, e de o levar á presença Augusta da Soberana, tal como deve ser; e por isso que fiz esta Substituição; ella é innocentissima; em sua intenção não ha nada de offensivo; pois a Commissão póde offender-se? Póde ter a sua obra como prima? Como sem carecer de reforma, ou d'alteração alguma! Oh, Sr. Presidente, se nós vamos a ter esses caprichos, está tudo perdido; nada ha perfeito nesta vida; mais veem quatro olhos do que dois, e pena tenho, que os meus já precisem d'oculos.

Nessa Resposta, com a qual eu geralmente me conformo, vi, digo, uma redacção diminuta sobre o objecto mais importante da nossa situação

Sr. Presidente, tinha-se dito do Alto do Throno, que haviam de ser presentes á Camara Proposta = sobre a arrecadação de Fazenda: oh Sr. Presidente, pois só a arrecadação de Fazenda é que carece de reforma?! Toda a Administração de Fazenda as carece, e das mais importantes, as mais necessarias, as mais terminantes, e urgentes, e se ellas não vierem, ai do Paiz, ai de nós, os nossos inimigos serão os primeiros a aproveitar-se dessas faltas, esses que estão espreitando todos os actos do Partido Cartista, para depois lhe fazerem mais guerra, e então mui justa além d'aquella que já nos estão fazendo por todos os modos. E innocentissima a minha Substituição, porque não exprimindo mais nem menos, que o pensamento da Commissão, tem comtudo o indispensavel desenvolvimento, que entendo deve ter; porque, Sr. Presidente, em assumpto tal, é necessario não dizer meias palavras, é necessario ser explicito, é necessario dizer a verdade toda ao Chefe do Estado, e estou persuadido, que os Srs. Deputados, lá para si estão dizendo — O Deputado tem rasão — mas quero ver se a terei, quando se for á votação. Mas todo o resultado me serve; se a approvarem é a expressão do seu desejo, não só ennunciado aqui por varias vezes na Sessão passada, mas do que sôa no Paiz, e em todas as partes donde os Srs. Deputados vêm, é a homenagem aos brados da consciencia, e aos principios e theorias do Direito Publico Constitucional, relativo á Resposta ao Discurso do Throno: se regeitada, oh! Sr. Presidente, sinto-lo-hei; não pela rejeição, mas pela contradicção em que se vai pôr a Camara, contradicção manifesta, porque ou vós sentis e deveis approvar, ou não sentis, e então não sei que estamos aqui fazendo, ou desconheceis a opinião geral do Paiz; — por esse lado não receio que ella seja rrjeitada; haverá outro; mas o certo é, que esta Substituição não é mais de que o desejo que eu tenho de exprimir, em nome da Camara e do Paiz, aquillo que todos sentem e conhecem; por tanto, entregando-a á Camara deixo os seus resultados ao bom senso da mesma Camara; mas não hade passar sem as provas necessarias o assumpto principal que occupa a mesma Substituição. Diz ella, que se carece de urgentes reformas, que venham a dar em resultado um systema de administração, de arrecadação, e contabilidade, facil em sua execução, economico, e productivo para o Thesouro, suave e equitativo para os contribuintes, e fecundo nas economias, com que possam attenuar-se as despezas publicas.

Eis aqui as proposições que eu lanço na minha Substituição, proposições que tracto de demonstrar, e se me fosse necessario recorreria aos proprios Dis-

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cursos dos illustres Deputados, que no anno passado advogaram aqui estes principios com tanto calor, (e ainda advogam) dizendo que estavam promptos (como estão hoje e como tambem eu estou) a apoiar aquellas Propostas que viessem a esta Camara, das quaes resultasse o bem que todos desejamos; isto é, beneficio para o Thesouro e para o Paiz. Sr. Presidente, será bom o actual Systema de Administração de Fazenda? Não é bom, é máo, é pessimo; os seus resultados ahi estão: se não é bom, se é máo, se é pessimo, havemos de continuar a permanecer n'elle? É claro que não. N'uma leve digressão notarei as contas capitaes de que provem a Fazenda, essas contas capitaes são — Proprios Nacionaes, Impostos Directos e Impostos Indirectos. Porei de parte a Administração dos Bens Proprios, hoje muitissimo reduzidos, porque não temos agora a abundancia dos Bens Nacionaes que já houve em outra época. Então, esta fonte de rendimento era muito productiva, e a sua administração estava designada nas velhas Ordenações de Fazenda; e nem tudo que é velho e máo; ao contrario ha la muita cousa boa, (Apoiados) que é necessario conservar e respeitar religiosamente. Não me entreterei muito neste ponto, mesmo porque não é necessario, depois das ultimas providencias aqui dadas o anno passado a respeito da disposição desses bens; mesmo é da maior conveniencia publica que uma tal administração não exista, porque gasta-se mais do que esses Bens rendem: os Bens Nacionaes da maneira porque elles tinham sido tractados na administração da Fazenda, íam em uma decadencia tão progressiva, que em pouco tempo ninguem os quereria acceitar só para os cultivar ou melhorar, ainda concedendo gratuitamente a propriedade delles.

Impostos Directos. Quaes são os principaes Impostos Directos? É a Decima, são as Sisas, as Terças dos Concelhos, Multas, Subsidio Litterario, etc; occupar-me-hei particularmente do Imposto Directo de maior valia, que é a Decima Foi ella estabelecida em 1643 ou 44 e regulada 10 annos depois pelo Regulamento de 9 de Maio de 1654, peça de Legislação daquelle tempo que ainda não teve semilhante no nosso: tem quasi 200 annos, e fez-se então um Regulamento de Fazenda cujas disposições são de tal modo combinadas, que nesses Regulamentos feitos desde 1833 para cá, não ha nada tão perfeito, tão sufficiente e tão cabal; (Apoiados) e la que havemos de buscar os principios que devem regular este importante imposto, se quizermos que produza alguma cousa. Sobre esses mesmos principios foi coordenado um Projecto de Lei, já discutido quasi até ao fim nesta Camara, em 1813, se elle não tinha o cunho da perfeição, porque já disse que nada ha humano que o tenha, tinha comtudo provisões bem importantes, e garantias bem necessarias, assim para o contribuinte como para o Thesouro: para o contribuinte, porque se procurava conhecer com a maior aproximação o seu rendimento liquido, para sobre elle ser lançada a quota que a Lei manda, e nos termos porque ella o manda; para o Thesouro, assegurando-lhe a arrecadação tanto quanto possivel, mas talvez ainda não tão perfeita como ella o carece de ser.

Esse Projecto de Lei, como disse, esteve quasi a ser concluido nesta Camara; faltavam tres ou quatro artigos, todos os mais tinham sido discutidos na melhor boa fé, e tive a satisfação de ver (como em

outras occasiões) que sobre esse importantissimo Projecto não houve nem Direita nem Esquerda, nem Posição nem Opposição, não houve senão bons desejos da parte de todos os Srs. Deputados, de contribuirem para que a Lei saisse perfeita.

Appello para os Srs. Deputados désse tempo, invoco o seu testemunho, e estou persuadido que não me hão de faltar com elle (Apoiados). Depois disso, como este Projecto não passou, e não seguiu os seus tramites, continuou esse Systema informe e desastroso como estava, e como está, publicando-se umas Instrucções, aliás bem coordenadas, mas muito extensas, e Instrucções que mesmo nesta Casa deram logar a muitas reclamações, e a mostrar-se a necessidade urgente que havia de tractar deste assumpto.

Seguiu — se logo a apresentação do Systema de contribuição directa de Repartição, Systema que foi approvado com tanta ancia e com tanta vontade por esta Camara, mas que, faltando-lhe a base, necessariamente havia de ter as consequencias que teve. E que base era a que lhe fallava? A do Cadastro. Um Systema de contribuição directa de Repartição sem Cadastro, e peior do que quantas caixas de Pandora ha no Mundo (Riso). O Cadastro é uma necessidade do Paiz: rendo ao Governo homenagem por ter constituido uma Commissão, da qual eu sou humilissimo e indigno Membro, para se conseguir um objecto de tamanha importancia; mas ella ha de ter o resultado que tem tido outras, com quanto sejam respeitaveis as capacidades que a compõem, e muito proficiente o Sr. Presidente, a quem rendo tambem neste logar um testemunho do muito respeito e consideração pelos seus conhecimentos, o pelo seu caracter; mas apezar dos seus bons desejos hade malhar em ferro frio. A Commissão do Cadastro não póde ter de modo algum os resultados que nós todos desejamos; ha de seguir-se outro Systema, não sei qual seja melhor, mas este não me parece que produza resultado algum. Reconheço em todos os Membros da Commissão (menos em mim) summa intelligencia e proficiencia para tractarern desta materia, mas falta não sei o que, que não se explica, e que tira toda a esperança do resultado desta Commissão Ora, Sr. Presidente, um Systema de repartição fundado sobre base que não existe, sobre base de areia... e ainda essa e uma base, mas nem esta existe, são castellos nas nuvens, um Systema de Repartição, digo, sem base, por força que havia de baquear; foi o que aconteceu, baqueou, e baqueou esse luminoso Systema com taes preconceitos que ha de ser muito difficil tornar a restabelece-lo no Paiz, sem embargo dos desejos que tem todos os homens de bom senso, e todos os amigos do proprio Paiz Ha certas cousas, Sr. Presidente, que por tal modo se arreigam no espirito popular, que apezar dais mais claras demonstrações não e possivel desarreiga-las, então havemos de permanecer no Systema de Quota, e ainda bem que o Povo, habituado a esse Systema desde 200 annos, não tem difficuldade alguma em prestar-se as contribuições lançadas segundo elle; delle podemos tirar o mesmo resultado que se póde tirar do Systema de contribuição de Repartição, mas se pela fórma como se acham combinadas as disposições nas Leis vigentes, as reclamações e os queixums hão do continuar com a mesma força que até aqui. As Juntas do lançamento, organisadas como devem ser, podem por esse meio alcançar o conhecimento prova-

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vel do rendimento liquido sobre o qual deve recaír a quota decimal: do contrario resulta o facto, já por vezes enunciado na Sessão passada «que o pobre paga muito, e o rico não paga quasi nada.» (Apoiados).

Pois um Systema destes póde dizer-se que será productivo para o Thesouro, e suave para os contribuintes? E ha de continuar-se com tal Systema? Eu tenho as mais bem fundadas esperanças de que o Governo qualquer que elle seja, se possua destas verdades. Neste sentido veiu a esta Camara o Projecto elaborado n'uma Commissão de que tive a honra de ser Membro, e que não dos por mais perfeito; mas o caso é que o Governo ponha hombros á obra, e a execute; por certo que ha de encontrar resistencia, mas para isso é que é a Camara, e para nós lhe darmos a força de que carece. (Apoiados) Em quanto este negocio se não tractar com todo o esmero e esforço, e se converta em Lei um Projecto, que na actualidade se conforme com os resultados da experiencia, e das doutrinas, e se aperfeiçoe por meio de uma livre e ampla discussão, em quanto se não fizer isto, não lemos feito nada, e o Paiz nada tem aproveitado. (Apoiados) Por tanto limitar-me-hei sómente a dizer que entendo, que os diversos pontos de que se compõe, e constituem a Lei de Decima, tanto no Systema do Regulamento e formação das matrizes, como no Systema de lançamento, o no Systema de arrecadação, em todos estes diversos pontos se carece de reverendissimas e eminentissimas reformas; na frase do nosso Arcebispo....... repetida hontem pelo illustre Deputado no seu Discurso. É esta a minha esperança, é isto o que significa a Substituição: mas esta esperança é aquella que o illustre Deputado enunciou até condicionalmente — se sim, sim; se não, não; foi por outras palavras, mas em substancia é isto.

Passarei a diante deixando o ponto de administração; vamos ao ponto de arrecadação: quando se tracta deste assumpto já tenho as carnes a arripiar-se!.....Se os nobres Deputados fossem a um archivo que está alli na Praça do Pelourinho, aonde está o Tribunal de Contas, se vissem o que lá está até á época de 33, e que hoje hão estereis documentos, que nem vendidos a pezo produzem vantagem alguma; mas cujo o pezo talvez nem meio athlante podesse com elle (um athlante todo poderia, porque o Mundo encerra no seu seio todos os thesouros e com elle carrega sobre os hombros) se vissem bem todos estes papeis, estremeceriam! Todos elles foram remettidos ao Thesouro quando se fez a reforma do Erario e a Regeneração do novo Systema. Porém não é lá aonde estão os documentos mais ponderosos a respeito dos valores perdidos desde 33 a 34«; alguns lá estão, mas a maior somma delles está no Thesouro. Como logo hei de tractar esta materia quando entrar na contabilidade, para não alterar a ordem seguida, deixarei agora de fallar nelles: e verão os Srs. Deputados se aquillo que houver de dizer nesta materia é opposição; eu mesmo não sei se é opposição; o que sei é que é a expressão de um homem sincero e leal, que deseja que o Governo traga a esta Camara as providencias necessarias sobre este negocio (Apoiado»)

Felizmentente estamos n'uma época em que é licito a cada qual dizer o que sente, e escrever o que entende. Mais ainda; esta liberdade não deve ser

restringida por vinculo nenhum, senão pelo da decencia, da honra e da probidade; qualidades essenciaes que eu entendo a todos serem precisas. (Apoiados) Aqui muito de passagem toco no systema demissorio, que hontem enunciou o nobre Deputado daquelle lado, com o qual convenho em parte, mas não no todo. É necessario que distingamos bem o emprego de confiança do emprego vitalicio: se se quer confundir, como pareceu, uma cousa com outra, então achar-me-ha em campo opposto, e prompto para me bater com o nobre Deputado, se são estas as suas convicções: porém aqui, e não alli; o nobre Deputado entende me.... Mas esse ponto tambem fica de remissa para ser tractado, se para tanto tiver forças conjunctamente com um ponto essencial que tenho de occupar-me; não como Agostinho Albano mas como Membro de um Tribunal. (Apoiados)

Volto pois ao ponto de arrecadação. Pergunto — poderá manter-se o Systema que existe? Não póde: e os nobres Deputados que me respondam: se acaso fosse licito eu fazer uma pergunta, e os nobres Deputados responderem a ella, estou persuadido que responderiam todos — Não deve. — Neste sentido tive a honra, o anno passado, de apresentar uma Substituição juncta ao Projecto N.º 78 que tambem não digo seja a melhor cousa, mas apresenta provisões que são muito melhores do que as que actualmente regulam. Foi o voto em separado que uni ao Parecer da Commissão de Fazenda, cuja opinião fôra partilhada por toda a Commissão, mas que tendo já coordenado um certo systema não póde, por falta do tempo que fôra mister, coordenar outro de novo, e consentiu que o meu voto fosse impresso em separado. Porém o que aconteceu? Talvez a Camara o não tivesse lido, por ser cousa minha; aconteceu que o illustre Relator Especial da Commissão deste Projecto N.º 78, arredando muito habilmente da discussão este meu voto em separado, encostando-se á necessidade da resolução do Projecto, e á necessidade de dar ao Governo os meios para a sua gerencia, conformando-se porém com a conveniencia dos principios e na exactidão delles, entendeu com tudo que deveria vir para melhor occasião. Esta occasião virá um dia; oxalá que venha esse dia; quando o veremos nós? Espero que cedo. Desse voto em separado me não occuparei mais, e chamo simplesmente a lembrança dos nobres Deputados para lhe dizer que as douctrinas d'então são as de hoje: a este respeito estava na mesma situação em que estou hoje, e estava ha dez annos antes; quando se dizia que não era da Opposição: nesse tempo sustentei esta minha opinião da mesma maneira que a tenho sustentado sempre; não fazia então opposição, como agora tambem a não faço. Mas como ia dizendo, este voto em separado tem duas partes; uma quanto á arrecadação, e outra quanto á contabilidade. Emquanto á arrecadação demonstrarei então qual o Systema a seguir, sem o qual nunca se póde esperar arrecadação possivel, nem a verdadeira realisação de dinheiro no Thesouro Publico; este principio apresentei aos meus Collegas, quando por tres mezes tive a honra de exercer o cargo de Ministro de Estado, e o nobre Presidente do Conselho póde disto dar testemunho.

Em quanto os Exactores de Fazenda não derem garantias effectivas, mas compensadas com interesses correspondentes, não é possivel obter arrecadação, nem para a cobrança ha de haver aquelle zêlo que deve

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ter quem faz essa cobrança, nem a entrada dos rendimentos publicos será immediata e prompta no Thesouro; em quanto pois se não fizerem reformas neste sentido, o resultado não póde ser outro senão o que acabo de apontar. (Apoiados)

Só no Districto de Lisboa, desde 1833 a 1831 ha em dividas atrazadas 8 a 10:000 contos de réis, assim está provada em um documento estampado no Diario do Governo de Março de 1818; se por ventura esta grande somma tivesse entrado nos cofres na época em que devia ser cobrada, nós nos teriamos, sem duvida alguma, tirado de glandes embaraços, e evitado grandes deficits; com tal estado ninguem melhora senão os Agiotas; é pois indispensavel melhorar o Systema de arrecadação; é preciso exigir garantias effectivas aos que forem encarregados da cobrança dos impostos, fazer o que se fazia em França, que não sei se ainda hoje se faz, ou fazer o que se practica na Inglaterra pelos Sherifs que recebem os impostos, elles estão sugeitos a responsabilidades mui grandiosas, e a penas mui severas; e fazem sempre por não estarem no caso de as receberem: são portanto garantias effectivas, uns garantias de natureza tal que quando haja falta da parte do Exactor, essas garantias se possam converter em dinheiro; para isto é necessario que tenham uma compensação correspondente.

São muito grandes os prejuizos que se estão soffrendo no Thesouro, por virtude das falhas na entrada dos impostos, ou por effeito da má cobrança, ou por effeito de retenção de dinheiros, ou emfim por effeito de outras quaesquer circumstancias, o que é certo é a necessidade de reformar o Systema de arrecadação; e em quanto a arrecadação, limito-me a isto, a dizer que é objecto de primeira necessidade, porque nem o Thesouro póde ter meios por não concorrerem aos seus cofres as quantias devidas, nem poderá nunca ser executada a Lei de Receita e Despeza. Eu tenho as mais bem fundadas esperanças que o Governo nas medidas que tiver de trazer ao Parlamento, alguma ha de vir sobre este objecto, tão digno de attenção.

Sr. Presidente, vamos ao objecto — Contabilidade — contabilidade!... Eu direi a este respeito que se até aqui estavamos mal, agora estamos peior. Não ha contabilidade nenhuma no nosso Paiz; nos Govêrnos Civis não a ha, appello para os nobres Deputados que aqui estão, e que têem a honra de exercerem o cargo de Governador Civil, elles que me digam se por ventura em cada um dos seus Districtos a escripturação está em dia!... Em dia!... Em annos preteritos, direi eu; e se não está em dia aqui, como se póde exigir que o esteja no Thesouro?... De modo algum. Digo que não ha contabilidade, digo a verdade, e é esta uma verdade publica; não faço disto accusação nenhuma aos Srs. Ministros, sei que o Governo não deseja que tal seja o facto, mas elle existe, e carece de remedio. Fallo neste objecto sem attribuir a falta, nem ao Ministerio, nem ao Tribunal do thesouro; attribuo a duas causas, e que é necessario acabar com ellas — é a immoralidade que ha muito tempo se exerce da parte de muitos Exactores, que passa de uns para outros, como herança, ainda que não sejam parentes, immoralidade que não podia commetter com tanta facilidade em Systema ainda de não ha muito tempo, em o Systema do Marquez de Pombal, e posto na sua grande Lei, de 22 de Dezembro de 1761, chamada o Systema de Fazenda, essa Lei que creou o Erario Publico, em substituição da celebre e antiga Casa dos Contos. O Marquez de Pombal, homem que tinha estudado nos Paizes mais cultos, e mais experimentados em todos os ramos de publica administração, que tinha estudado nos livros, que se circundou dos homens mais aptos, mais proficientes, que não tinha Commissões Publicas, que trabalhava com esses homens, e estes com elle e por elle, o Marquez apresentou essa grande Lei, com que se emendaram os defeitos existentes na administração financeira do tempo de D. João 5.º, que foi o Rei mais rico da sua época; esse grande Monarcha a quem ainda o tempo ha de fazer mais justiça, esse Monarcha que possuiu os ricos thesouros que no seu tempo lhe deram as minas do Brazil, com esse ouro que entrava ás correntes para este Paiz, mas que em correntes tambem delle saía. E por esta occasião cumpre-me declarar que estou trabalhando na coordenação da Historia das nossas Finanças, e desde já appello para os meus Collegas para me coadjuvarem nesta empreza, tenho já alguns trabalhos promptos, espero que essa Historia poderá ser de alguma utilidade para o Paiz, (Apoiados) espero que por todo este anno entre essa obra no prelo: como ía dizendo desse Monarcha, que possue tão grandes thesouros; pois tal era o estado dos cofres publicos, que foi preciso pedir dinheiro emprestado para se fazerem os honras do seu funeral!... Mas a Administração de um ascendente do nobre Ministro Presidente do Conselho, foi tão sabia, tão providente, e illustrada, que ao partir para Pombal, deixou o maior testemunho da sabedoria da sua administração; elle deixou 78 milhões de crusados, 43 nos cofies do Thesouro, e os mais nos cofres da Decima!!

Quanto póde uma administração sabia?... Este foi o resultado das Leis dessa época, mas as Leis que então eram proprias para dar esse resultado, não podem ser hoje adoptadas ás circumstancias europeas, em que nos achamos, por serem disconformes ás que a Carta manda pôr em execução.

Depois da auzencia desse grande Ministro — que foi em 1777 — d'ahi até 1833 decorrem 56 annos; mas aos 18 annos depois, já as necessidades eram immensas; porque já então foi necessario fazer-se a emissão do Papel Moeda, e contrairem-se varios emprestimos, dos quaes nasceu a desgraça do Paiz.

Sr. Presidente, como um illustre Deputado, ha dias, fez um Requerimento pedindo esclarecimentos sobre uma Portaria que vem no Diario do Governo n.º 155 — eu passo a lê-la. — (Leu)

PORTARIA. — Sua Magestade a Rainha Manda, pelo Ministerio dos Negocios da Fazenda, que o Tribunal do Conselho Fiscal de Contas faça organisar, e remetter a este Ministerio, com a possivel brevidade, á proporção que se promptificarem, relações de todos os Recebedores Geraes, Recebedores de Districto, e Contadores de Fazenda; bem como dos Thesoureiros Pagadores, ou quaesquer outros Exactores nomeados pelo Ministerio depois de 1833, que já não exercem os respectivos logares, dos quaes consto: 1.º Os logares que serviram, o porque tempo: Se prestaram as suas contas: 3.º Se a respeito daquelles, que não prestaram contas, ou foram achados em alcance, se instaurara o competente processo; e, no caso affirmativo, em que estado existe: 4.º Quaes os que foram encontrados em alcance, e

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em quanto importam os respectivos debitos: 5.º Como pagaram os alcances ou se ainda os devem: 6.º Finalmente se a Fazenda tem hypotheca segura, por meio da qual possa haver a importancia dos referidos alcances, e qual ella seja; ficando o mesmo Tribunal na intelligencia de que para as declarações de quem tracta a referida relação, se deve ter em vista a responsabilidade dos diversos Exactores da Fazenda directamente para com a Junta do Credito Publico, durante o tempo que a Junta administrou os diversos rendimento, que constituiam a sua dotação; pelo que exigirá da referida Junta o, esclarecimentos de que carecer. — 1.º de Julho de 1848.» — Joaquim José Falcão.

Foi com grande espanto meu que vi no Tribunal esta Portaria, e por tanto muito bem andou o nobre Deputado, neste negocio. Foi com espanto meu que vi essa Portaria, e é com o mesmo espanto que hoje me vejo animado para dizer — que sendo chamado a autoria por um Jornal, que, escreve dessas cousas a que eu nunca respondi, e vai de passagem, porque a observação não é digna de me occupar dela; na qualidade de Agostinho Albano, não faço, nem jámais tenho feito caso dessas accusações banaes, principalmente vindas do lado das Opposições, pelas quaes tendo muitas vezes sido atacado, mas em cousas de que tenho por bagatella, que d'outras não são capazes de me atacar, porque com verdade, não podem dizer, que tenho feito malversações no exercicio do meu Emprego, e como por esse lado não ha nada que se me dizer, quanto ao mais digam o que quizerem.

Tambem não faço caso dessas especulações burlescas, que se tem empregado para me menoscabarem, em que me apresentam armado d'um instrumento, que pertence á minha profissão, e digo á face do Universo, que se foi com intenção de ridiculisar-me, não fazem com isso senão dar-me muitissima honra, por tanto não me importa, que nesse instrumento escrevessem — Pharmacopca. — Querem os illustres Deputados saber se devo, ou não, gloriar-me do titulo de Medico, que entendo haver exercido com honra e dignidade piopria da minha classe; com diligencia e efficacia para com os meus doentes, estudando o possivel, para poder alcançar os meios de restaurar-lhes a vida; querem os Srs. Deputados vêr um testemunho publico dado a isto que digo, e de que talvez não tenham tido noticia, ei-lo, ahi o mando para os Srs. Deputados verem; é uma Medalha de Honra, e de prata, que tem d'um lado o busto de Luiz Filippe — e do outro lado a seguinte inscripção:

Societé Des seiences Physiques, Et ehimiques de France Au Dr. Albano.

Homenage A ses travaux.

Espero que os illustres Deputados me façam a honra de a vêr, e de ma devolverem depois.

Sr. Presidente, custa-me muito occupar-me de mim; mas entendo que é necessario dizer estas cousas, para dar uma especie de satisfação, não aos burlescos, mas ao Paiz, e a esta Camara sobre a minha conducta, e esta é a melhor occasião, porque estou entre homens capazes de avaliar me; pedir-lhes-hei — que me relevem esta digressão, que pouco vem para o objecto de que se tracta. Eis-aqui está o que diz um Jornal Estrangeiro. (Leu)

Ora eis-aqui o Titulo, com que se pretende menoscabar-me perante o publico! E poderia mostrar varios Diplomas de Sociedades Scientificas Estrangeiras, que me honraram com a admissão ao seu, seio.

Com taes titulos posso responder ás invectivas burlescas; mas áquellas com que sou provocado em um Jornal, que se intitula Popular, não posso deixar de neste lugar responder, não como Agostinho Albano, mas como Vice-Presidente Conselheiro, e Vogal do Tribunal de Contas; e note-se que ha duas especies, que é necessario discriminar por causa da questão da filosofia dimissoria — tracta-se da dignidade de um Tribunal, no qual tenho a honra de ser Vice-Presidente. — Nunca fallaria nisto senão fosse provocado; mas eu não respondo áquem me provocou, respondo a esta Camara, e ao meu Paiz áquem tenho obrigação de dar todas as informações possiveis; porque ao Governo já o Tribunal respondeu, e essa resposta não posso deixar de a manifestar. Com tanto mais gósto o faço, quanto o que vou dizer e inteiramente connexo com a materia da contabilidade, de que estou tractando.

Sr. Presidente, essa resposta estava já dada nos dois Relatorios, que o mesmo Tribunal teve a honra, e a corajosa dignidade de apresentar ao Governo, em duas differentes occasiões.

Muito desejaria eu, e muito pediria aos illusões Deputados, que quizessem dar alguns momentos de leitura aos importantes documentos, que aqui são trazidos pelo Governo, e a que por fatalidade senão presta toda a precisa attenção; salvas honrosas excepções, e uma vejo eu ao meu lado.

Di/ia o Tribunal de Contas em 27 de Dezembro de 1845, o seguinte (Leu.)

a Logo neste dia (em 28 de Setembro de 1814) se resolveu, que se consultasse a Vossa Magestade, ponderando a necessidade de se expedirem as precisas ordens, para serem, quanto antes, remettidas ao Tribunal as relações nominaes de todos Os Fixadores, que nos termos do art. 11.0 do Decreto de 18 de Setembro de 1844, devem prestar contas perante elle, especificando-se nessas relações as datas dos Diplomas por que foram nomeados, o dia em que começou sua gerencia, e mais circumstancias, a fim de se proceder por ellas ao assentamento geral, no qual devem constar todos os casos occorrentes, relativos a cada individuo. «

Esta Consulta foi expedida em 30 de Setembro; e ainda não teve resolução.

No Relatorio do anno passado, que foi distribuido nesta Casa, dizia o mesmo Tribunal o segui nte (Leu)

a Na verdade, a successiva, e rapida mudança dos Recebedores, e outros responsaveis, occasionada por taes occorrencias; (eram as da guerra civil começada em Maio de 1846) o descuido, talvez mesmo a impossibilidade da prestação de suas garantias; o atraso de suas contas, a incapacidade de muitas, demonstrada por aquellas que apresentaram; a necessidade de se exigirem por tal motivo esclarecimentos, e documentos indispensaveis, sem os quaes não póde progredir-se em seu ajuntamento; a repetida exigencia das contas daquelles, que as não teem prestado em tempo competente; a demora das cor-

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respondencias com as differentes localidades por causa da occupação das forças rebeldes; a interceptação mesmo dellas; mas a estas causas teem ainda accedido outras de não menos importancia, refere-se o Tribunal á falla de braços para o desempenho de seus trabalhos, procedida em parte de se acharem ainda servindo em outras Repartições Publicas... Empregados, que pertencendo ao Quadro das Repartições deste Tribunal, prestam em outras os seus serviços, e recebem por esta os seus vencimentos...»

E mais abaixo — «Para dar-lhe impulso (ao ajustamento de contas) tem o Tribunal expedido terminantes ordens aos Governadores Civis para fazerem intimar os Exactores, Thesoureiros Pagadores, Recebedores, e mais responsaveis por dinheiros publicos, para, dentro dos prasos rasoaveis, apresentarem seus livros, e documentos; sentindo muito, por esta occasião, ter de declarar a Vossa Magestade, que poucos destes ultimos teem satisfeito aos seus deveres, recorrendo todavia a pretextos diversos para se desculparem....»

É desta maneira que o Tribunal apparece na presença de Sua Magestade (Leu.)

» Não tem o Tribunal deixado de solicitar dos Ministerios, e da Junta do Credito Publico as respectivas contas, em estado competente de poderem passar pelo julgamento do Tribunal, a que o citado Decreto, com força de Lei, as sujeita no art. 11.º; bem como as relações dos Exactores de sua especial dependencia;... mas quaesquer que sejam as causas impedientes, estas requisições, com quanto precisas, e indispensaveis, não teem sido, por em quanto, attendidas.»

O Decreto, com força de Lei, de 18 de Setembro, como já foi notado, ordena mui explicitamente a regular remessa destas relações, tantas, e tantas vezes requisitadas; mas que ainda não foi possivel obte-las, E em abono da verdade, quando começou a apparecer no Tribunal a remessa destas relações, e do movimento nas nomeações, e demissões destes Empregados, foi em 1846, durante a Administração, que entrou em Maio, e saíu em principios de Outubro. A verdade é esta; a verdade por toda a parte é attendida, e quando apparece, venha de donde vier, produz o seu effeito.

Ainda hontem, Sr. Presidente, como Relator de um Processo no qual ha um alcance de 974$000 réis de um Exactor de Fazenda, que já não existe, mas porque são responsaveis os seus herdeiros, puz eu o despacho para se proceder contra elles, por não terem entrado no Thesouro com aquelle alcance, julgado por Accordão de 17 de Dezembro do 1816, e veja a Camara a razão da demora; havia-se expedido aos Responsaveis a guia com que deviam apresentar-se no Thesouro, dentro de 15 dias improrogaveis, contados da publicação do Accordão, a fim de pagarem o alcance em que eram condemnados. Officiou-se ao Thesouro, como se devia, para se dar baixa na conta, e para se saber o resultado do mesmo Accordão, cuja guia se mandou lá notar. E quantas vezes? Quatro! A primeira em 3 de Novembro de 1846; a segunda em 5 de Janeiro de 181-8; a terceira em 25 de Julho de 1818; e a quarta em 29 de Novembro do mesmo anno. Só em 13 de Janeiro de 1819 é que veiu a resposta do Thesouro!! Ainda até este dia não se tinham apresentado com a guia os Responsaveis, sendo obrigados a isso conforme a Lei! Mais de dois annos! (Ouçam.) E accusa-se esse desleixo ao Tribunal de Contas, quando áquelle Tribunal se não podem dar esclarecimentos, e se demoram todos os documentos necessario, e indispensaveis para que aquelle possa funcciona! E note-se, que mesmo a respeito de muitos Exactores, o Tribunal ignora os seus nomes, o quem são os seus fiadores, esclarecimentos que o Thesouro devia enviar-lhes, sem o que não póde ter os elementos para o julgamento das responsabilidades. (Apoiados)

Isto, Sr. Presidente, é em relação a contabilidade, porque ella e o meio mais activo da fiscalisação da Fazenda Publica; o meio mais conveniente, e mais proficuo. Eis aqui está a minuta da Consulta dirigida a Sua Magestade com aquelle acatamento, e respeito que é devido a tão Augusta Personagem, e com que se devem dirigir todas as Representações sobre o cumprimento da já mencionada Portaria do 1.º de Julho de 1848.

Quanto no primeiro ponto — Quaes os logares que (os Exactores) serviram, e porque tempo?

A esta não póde o Tribunal dar uma resposta completa e exacta; porque não sendo as nomeações destes Exactores feitas por esta Estação (mas sim pela Secretaria d'Estado) nem vindo registar á mesma Estação as nomeações, e as exonerações, e só apenas desde Junho de 1816 a participação de urnas e outras, sem outra alguma declaração respectiva a seus fiadores, nada sabe sobre este ponto com aquella certeza, e regularidade que conviria.

Quanto ao segundo — Se prestaram suas contas?

Das relações extrahidas nas Repartições competentes, e que agora vão ser presentes a Vossa Magestade, consta quaes são os Exactores que tem prestado contas, ou para melhor dizer, que tem enviado alguns documentos que fazem parte dellas; porque segundo se vê das notas exaradas nas mesmas relações, mui poucos, ou talvez nenhum tem apresentado contas completas.

Quanto ao terceiro — Se a respeito daquelles que não teem prestado contas, ou se encontraram em alcance, se teem instaurado o competente Processo, e no caso affirmativo, em que estado existe!

Quando os alcances são conhecidos, os Processos ultimam-se com toda a presteza; mas quando ainda o não estão por falla dos documentos necessarios, e de que se devem compôr as respectivas contas, o Processo póde só consistir nas exigencias feitas pelo Tribunal aos Governadores Civil, dependendo destes o resultado; já por se fazer a contabilidade debaixo da sua inspecção, e já porque os Responsaveis estão debaixo da sua immediata jurisdicção; e sobre este Magistrados o Tribunal não tem acção alguma directa.

Quanto ao quarto e quinto — Quaes os que foram encontrados em alcance, e em quanto importam os respectivos debitos? E como pagaram o alcance, ou se ainda o devem?

Os alcances julgados te m sido participados á Direcção da Thesouraria Geral do Ministerio da Fazenda, remettendo-se copia da guia expedida para a entrega do saido, em observancia do que dispõe o § 2.º do art. 51.º do Regulamento que faz parte do Decreto de 27 de Fevereiro de 1815; o só alli póde constar se elles foram solvidos, e a fórma porque o foram: os alcances, dos quaes os devedores não teem solicitado guia, constam dos Mappa que fazem parte

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dos Relatorios annuaes do Tribunal, os quaes existem na indicada Direcção da Contabilidade Geral do referido Ministerio, e de que no Mappa junto se appensa um Extracto.

Quanto ao sexto — Se a Fazenda tem hypotheca segura, por meio da qual possa haver a importancia dos referidos alcances, e qual ella seja?

O Tribunal ignorando ainda quem são muitos dos Exactores de que se tracta, mais ignora quem sejam seus fiadores; e por conseguinte as suas hypothecas, e se ellas são ou não sufficientes, mesmo porque ao Thesouro compete o conhecimento e approvação das fianças; e muito conviria que o Tribunal tivesse o cabal conhecimento dos mesmos fiadores, para ocaso do julgamento por alcance.

-Por ultimo cumpre dizer, que referindo-se todos estes pontos aos Exactores que teem servido desde 1833 em diante, e aos que teem deixado de servir, não datando a existencia do Tribunal daquelle anno mas de 1844, a primeira cousa que conviria para o Tribunal poder proceder com ordem e methodo, em desempenho de suas incumbencias, seria o dar-se-lhe uma relação circumstanciada de todos os referidos Exactores, com declaração do tempo que serviram, e responsabilidade que tiveram. E o Tribunal, repetindo o que já leva expendido, não deixou de reconhecer esta necessidade, porque tendo sido creado por Decreto de 18 de Setembro de 1844, logo em 30 do mesmo mez requisitou esta relação; requisição que repetiu em Consulta de 13 de Novembro seguinte; solicitando sua Resolução em diversos Officios do Presidente. Se as Repartições que existem desde 1833, e por onde se fizeram as differentes nomeações, e por onde foram dadas suas exonerações (Secretaria d'Estado, „e Thesouro) tivessem a este respeito subministrado um trabalho completo ao Tribunal, como o Decreto citado ordena, sem duvida que aquelle poderia com mais clareza, e satisfactoriamente responder ás exigencias que se lhe fazem.

Eis aqui a resposta que devia ser dada áquelles que m'a provocaram. Eis aqui como procedeu este tribunal até agora, debaixo do pêso de uma tão grande responsabilidade. Mas esta responsabilidade fica agora explicada. Eu não attribuo, e não posso attribuir a Administração alguma este desarranjo. Todos somos culpados, (Apoiados) E aonde todos somos culpados, é necessario que todos tenhamos emenda. E não somos só nós: são todos tambem antes de nós; todos os que teem governado desde 1833; todos lemos culpas no Cartorio, uns e outros. E necessario que nos possuamos desta idéa, mais que tudo -porém é necessario que entremos em vida nova. (Apoiados) O Tribunal tem pois cumprido com os seus deveres, com lealdade, e com a nobre coragem de homens de bem, e de Cavalheiros que prezam a sua honra. Teem apresentado as suas Representações á Soberana e ao Ministerio, que ha muito as podiam ter avaliado. Mas como é possivel para poder desempenhar competentemente o julgamento de todas as contas, e ajustamento dellas na conformidade do que dispõem as Leis de Fazenda; como é possivel, digo, como poderá aquelle Tribunal desempenhar suas gravissimas funcções, com quanto animado de toda a coragem e energia precisa, sem uma condição que é inherente a todos os Juizes, porque os Membros de um Tribunal composto de individuos que teem de julgar actos entre partes muito poderosas, quaes são, o Governo e o Povo, são Juizes entre essas partes! (Apoiados) Como poderá pois esse Tribunal regular os seus actos sem as garantias iguaes ás que devem ter todos os Juizes, sem a da perpetuidade de que são revestidos nos outros Paizes, aonde estas cousas se tractam como devem ser!... Eis aqui mais um trecho de um paragrafo que deixa vêr claramente como aquelle Tribunal procedeu no exame das contas das diversas Repartições do Estado. Tenho muita magoa de fatigar a Camara, mas tudo isto é necessario para que o Tribunal, que tantas provas tem dado da sua independencia, fique justificado das graves imputações que lhe tem sido feitas. Tractando das diligencias por elle empregadas, para obter os elementos de que precisa para bom exercicio dessas funcções, diz elle na segunda parte do seu primeiro Relatorio.

a Estas e outras diligencias mais constam dos Documentos juntos, dellas porém não resultaram as relações ordenadas, e os esclarecimentos precisos» sobre que se podesse fazer o assentamento. dos Exactores, e Funccionarios Fiscaes; nem foram remettidas as contas que a todos elles cumpria remetter a este Tribunal nos termos do art. 11 do Decreto de 18 de Setembro; — pelo que, — Senhora, lhe fica desde logo cessando toda a responsabilidade relativa a esta sua principal obrigação.

E na primeira parte do segundo Relatorio diz tambem «O Tribunal não fez especial menção do seu expediente ordinario, parecendo-lhe sufficiente para o demonstrar o Mappa Estatistico; — e por esta occasião não póde deixar de tornar a ponderar que muito maior podéra ter sido, assim como o julgamento de contas a seu cargo, se as causas que tem concorrido para o seu morozo andamento não houvessem existido, e se houvessem sido attendidas as Representações, que por vezes levou á Augusta Presença de V. Magestade.

Eis aqui tambem como procede o Tribunal de Contas de França dando conta em um dos seus Relatorios de uma serie de factos sobre o exame de sem actos, e para conhecimentos dos factos respectivos a todos os Exactores, que não leio para não cançar muito a Camara; lerei simplesmente um paragrafo da sua conclusão na declaração geral: «Que o exame dos factos verificados pelas peças justificativas deu occasião a notar irregularidades, e infracções das Leis e Regulamentos que tractam da contabilidade publica, as quaes alteram os registos apresentados nas contas Ministeriaes.>

Eis aqui como falla o Tribunal de Contas de França: E como ha de fallar sempre o de Portugal á Soberana, ao seu Paiz, e ás Camaras Legislativas; este Tribunal que não tem a garantia da perpetuidade que aquelle tem! Sem ella, Sr. Presidente, é tudo uma pura decepção (Apoiado); será pura decepção a administração, a boa fiscalisação, e arrecadação dos dinheiros publicos, e as exigencias do Paiz! (Apoiado) Sem este Tribunal ou cousa que o valha, mas armado das garantias necessarias que lhe pertencem, como pertencem a todos os Juizes, não ha de haver contabilidade, e não havendo contabilidade não póde haver fiscalisação, e não havendo fiscalisação não póde haver arrecadação, e por consequencia não póde haver administração (Apoiados).

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Sr. Presidente, eis aqui] toda a verdade; eis aqui o testimunho necessario que eu devia prestar á probidade, caracter e independencia dos Membro daquelle Tribunal. O que me costa ainda muito, e não lhe poder prestar em toda a extenção dos meus desejos, dos meus sentimentos e mesmo da minha amizade para com todos os seus Membros.

Aquella Consulta teve uma resposta: é a seguinte Portaria que vou lêr; mas esta não se publicou, como a outra que parece censura a um Tribunal, que tantas provas tem dado da sua honradez como homens, e da sua actividade e zêlo como Juizes. (Leu)

Foi presente a Sua Magestade A Rainha a Consulta, datada de 10 do corrente mez, em que o Tribunal do Conselho Fiscal de Contas, para cumprimento da Portaria do 1.º de Julho antecedente, na qual se lhe haviam exigido varias declarações ácerca do estado das Contas de todos os Exactores da Fazenda, nomeados depois de 1833, expõe carecer, a fim de se levar a effeito o ajustamento dessas Contas, de resoluções que sobre o mesmo assumpto tem solicitado em anteriores Consultas, a que designadamente se refere; e a Mesma Augusta Senhora Tomando em Consideração quanto o Tribunal pondera sobre este importante objecto: Manda pelo Ministerio dos Negocios da Fazenda, declarar-lhe para todos os effeitos necessarios; 1. Que áquellas de suas referidas Consultas, que existirem nas diversas Direcções deste Ministerio, se vai dar o mais prompto seguimento, e opportunamente lhe serão communicadas as respectivas resoluções: Que quanto ao cumprimento das requisições feitas directamente pelo Tribunal ao do Thesouro Publico, e á Junta do Credito Publico, nesta mesma data se lhes expedem as convenientes ordens, a fim de que, com promptidão, attendam a essas requisições, como objecto que a quaesquer outros se deve antepôr: 3.º Que a demora que inevitavelmente ainda venha a dar-se por parte de qualquer das referidas Repartições, em se satisfazer com documentos e esclarecimentos ao que o Tribunal requisita por bem dos exames a que lhe compete proceder nas Contas de similhantes Responsaveis, podendo obstar a que esses exames se verifiquem desde já nas Contas dos ex-Recebedores Geraes e seus Delegados, bem como nas dos ex-Recebedores de Districto, e ex-Contadores de Fazenda; todavia não produz o mesmo effeito, como o dito Tribunal não ignora, quanto aos das Contas d'época moderna, a contar desde o estabelecimento do actual Systema de arrecadação, que teve lugar pelo Decreto, com força de Lei de 12 de Dezembro de 1842, e foi regulado pelas Instrucções de 8 de Fevereiro seguinte; pois que, por effeito dessas disposições, existem nas Repartições creadas junto aos Govêrnos Civis todos os Livros de contabilidade, e respectivos documentos, que independentemente de quaesquer outros esclarecimentos, ou apenas com o soccorro, — se tanto fôr necessario, — dos que pelas mesmas Instrucções se escripturam nas Administrações dos Concelhos ou Bairros, fornecem todos os dados precisos para se proceder ao exame das Contas do» respectivos Responsaveis, mostrando-se dessas mesmas Contas quem elles sejam, e quaes os periodos em que serviram: 4.º Que convem pois, que o Tribunal proceda desde já ao exame dessas Contas, as quaes em si contêm todos os elementos para Uso necessario, com preferencia ao das relativas a época mais remota, que irá depois verificando a proporção que os esclarecimentos pedidos se lhe forem enviando; 5.º Que a fim de ter o exame destas Contas o maior impulso, como tão necessario se torna na actualidade, convirá que, a bem delle, o Tribunal quando lhe não seja possivel suspender totalmente o serviço tambem a seu cargo, de liquidação e recenceamento da divida passiva do Estado, pelo menos o limite ao absolutamente indispensavel, fazendo dedicar os empregados que delle trataram áquella mais urgente incumbencia; 6.º e ultimo — Que o Tribunal deve considerar-se com acção directa sobre os Governadores Civis, para lhes exigir as Contas concernentes aos Cofres Centraes, de que elles são tambem Clavicularios, e sujeitos por isso á fiscalisação que ao mesmo Tribunal, na conformidade da Lei, e do seu Regimento, compete exercer em materias de exame e ajustamento de Contas, e isso qualquer que seja a responsabilidade de que se tracte; cumprindo-lhe só, quando algum de taes Magistrados duvide obedecer-lhe promptamente, em relação a estes assumptos, o que não é de esperar, recorrer ao Governo com a exposição do facto, para se providenciar como convier. Paço das Necessidades, 25 de Novembro de 1848. — Joaquim José Falcão.

Era necessario, e indispensavel, Sr. Presidente, que o Tribunal tivesse todos estes documentos, todas estas relações. Mas é isso que se tem pedido uma, duas, tres, e quatro vezes, até que ultimamente se entendeu que deviam publicar algumas Portarias; algumas teem sido publicadas este anno, para ver se assim são chamados os Exactores de Fazenda aos seus deveres. E então, Sr. Presidente, aonde estão os elementos para se proceder com mais actividade? Hão de ir buscar-se os esclarecimentos ás Administrações dos Concelhos, aos Governadores Civis? O nobre Ministro tem razão em mencionar que isto devia ser feito, mas precisamente não se tem feito.

Algumas consultas foram resolvidas, e entre ellas foi resolvida uma sobre o regresso de Empregados que estão prestando serviço em algumas das Repartições do Estado, e não do Estado. Regressaram com effeito alguns: tinha-se dicto que regressariam todos os que estão fazendo serviço fóra do Tribunal; pois destes ainda não appareceram senão 4! Sr. Presidente, eu não digo cousas novas. É o que está nos Relatorios; consultem os nobres Deputados esses documentos já distribuido nesta Camara, e lá acharão tudo isto.

O Tribunal teve esta nobre coragem, ha de continuar a te-la, assim o espero pôsto que não sejam mais do que Empregados Vitalicios. O que acabo de demonstrar não é declamar; não é censura; é a expressão franca da verdade, e não só da verdade, é a do desforço que todo o homem deve ter, e a que tem direito especialmente quando como Membro de um Tribunal tão respeitavel é chamado a autoria por um Jornal que até se denominou — o Popular. — As imputações pois que temerariamente se lhes hão feito, são tão graves, tão importantes, tocam tanto de perto na honra, na probidade, no caracter, na firmeza, na justiça, e lealdade dos seus Membros, que um que tem a honra de ser Membro desta Casa não podia deixar de tomar o seu desforço, desforço justo, e necessario: graves são estes pontos, se a alguem pesarem não provoquem os homens que teem probidade, que tem Honra, e que não se

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aproveitam de meios occultos, de ambages duvidosas, de caminhos tortuosos para se poder sobre elles lançar, ou o anathema, ou a desconsideração que não merecem; muito ao contrario conhecidos como são esses individuos, e delles eu sou o mais insignificante, devia-se pelo menos desconfiar de asserções vagas, injustas, e deshonrosas; não é assim, não é deste modo que se «ataca um Tribunal do Estado, um Tribunal tão importante, um Tribunal que tem dado tantas provas da sua independencia; independencia que não lhe póde ser negada, nem deixar de ser garantida, porque assim como existe para os Juizes, e para os Militares, deve tambem have-la para este Tribunal que tambem julga em casos especiaes, especiaes, e muito especiaes; uma cousa e julgar da vida, e da fazenda dos Particulares, de cada um dos Membros da Sociedade, dos seus concidadãos, outra cousa e julgar dosados dos Governos, e das Auctoridades que teem grandes relações, grandes Amigos, e o Poder nas mãos! Sem isso, Sr. Presidente, esse Tribunal não póde de modo nenhum proceder livremente nos seus trabalhos. Este negocio já está na Camara, nella o lancei eu o anno passado: comprometti-me a apresentar os Projectos correspondentes á alta importancia désse Tribunal, hei de desempenhar essa promessa, se eu vir que da parte do Ministerio não apparece um Proposta neste sentido, o que não espero, porque isto está tão intimamente ligado com os objectos especiaes da nossa organisação de Fazenda, que é impossivel que o Governo que presa tanto a sua dignidade, a do Paiz, e os interesses geraes, e individuaes, deixe de apresentar; mas se o não fizer, para então me reservo, não hei de apresentar o meu trabalho antes: espero, Sr. Presidente, que essa Proposta do Governo venha quando vierem as outras que o Governo nos annuncia; se com ellas não vier, então apresentarei o meu: assim disse eu ao nobre Ministro da Fazenda o anno passado, e S. Ex.ª que me ouviu» deu-me os seus emboras: estes emboras significam de duas uma; ou que o nobre Ministro tem a seu cuidado apresentar Proposta neste seu tido, ou que deixa isso ao meu direito; mas este direito com quanto me seja licito, e permittido pela Carta Constitucional, quando não vem directamente do Governo, não tem aquella força que deve ter, nem nella se empregará aquelle cuidado, e zêlo que costumam empregar as Commissões respectivas sobre Propostas que veem directamente do Governo: é por isso que desejaria antes que este o apresentasse; mas senão vier para então me reservo.

Sr. Presidente, estou quasi a concluir o meu Discurso, tenho, como disse, já feito das fraquezas forças; como vim hoje para esta Camara, sabe-o Deos, e eu; senão fôra a obrigação indispensavel em que me achava, senão fôra ter levado hontem como se diz o ponto para casa, certamente não tinha aqui vindo; o resultado deste esforço Deos sabe o que será! Sr. Presidente, não tenho empregado nem uma só frase, nem um só termo que possa, que deva, nem levemente ferir a susceptibilidade dos Srs. Ministros, ou de alguem; não o espero; primò, porque disse a verdade, e a verdade dicta pela maneira porque a disse, não póde incommodar ninguem, não póde offender ninguem; secundo, porque os nobres Ministros conhecem muito bem a posição em que me acho, e a honra que ainda conservo, e que muito preso (Apoiados) de ter sido Collega seu, e ter merecido á Soberana a graça de Ministro d'Estado Honorario; tertiò, porque não estou resolvido, nem decidido a ser Membro de outra Opposição que não venha das minhas convicções; se as minhas convicções me levarem lá, hei de ser Membro dessa Opposição, essas hei de sustental-as como granadeiro, fusileiro, ou caçador como quizerem esses que escrevem ahi nos Periodicos. E que posição ha de tomar um homem que présa a sua honra e a sua dignidade, senão essa? Mas nisto, Sr. Presidente, eu me acho conforme com alguns Amigos que não fazem outra opposição, porque esses Amigos não querem, não desejam outra cousa senão que a Carta Constitucional seja observada em toda a sua integridade, (Apoiados) que o Throno da Rainha seja sustentado a todo o custo; e para isto as minhas debeis forças ainda sustentariam uma arma como já empunharam, ainda desembainhariam uma espada, o que agora seria inutil, devo dize-lo, mas faria numero e iria aonde podesse ir; para isso empregarei a minha pequena intelligencia aonde ella fôr necessaria, empregarei a minha penna, se tanto ella poder: porque estou ligado a estes principios, que são aquelles em que tenho vivido sempre, e de que não sou capaz de aberrar; não quero filosofias demissorias da maneira como ellas foram annunciadas, não desejo filosofias de Protocollo; essas foram anathematisadas já pelos proprios factos; e em uma grande reunião do Partido Cartista de que foi Chefe o Digno Par que vejo alli defronte de mim, e invoco o seu testemunho, foi esse o grande principio invocado para a victoria da Carta Constitucional, é esse que eu ainda hoje invoco.

Sr. Presidente, defini a minha situação, expendi com lealdade, com imparcialidade os sentimentos da minha alma, os argumentos em que baseava a minha Substituição, argumentos que o nobre Deputado que hontem fallou, como já notei, sem o saber invocou para a sua propria sustentação, e eu quero ver a sua posição a este respeito, se rejeita ou approva, quero ver qual ella será... Entendo, Sr. Presidente, que usei de um direito e satisfiz a um dever; de um direito, porque na qualidade de Deputado tenho o de expender livre e inviolavel mente as minhas opiniões; a um dever porque entendo que é nesta lingoagem franca, respeitosa, leal, e desenvolvida que a Resposta ao Discurso do Throno deve ser consignada.

Sr. Presidente, não me occupo de Finanças pertencer á classe dos Financeiros; se tenho estudado a» Finanças, não foi para adquirir este nome; jámais me persuadi, que podia achar a pedra filosofal, não foi por isso, nem foi por estudar simplesmente, foi porque entendi que não podia ser Membro do Parlamento, e desejava ter esta honra, sem me habilitar; porque tambem entendi que não devia vir para aqui dizer palavras ôcas, e jurar sobre as palavras dos outros, ou votar sem consciencia e sem conhecimento de causa; por isso me tenho dado a este estudo.

Sr. Presidente, eis-ahi a minha Substituição; entrego-a á justiça da Camara, a Camara fará della o que quizer; senão fôr approvada, ao menos ficarão consignadas as minhas opiniões: por muitas maneiras podem chegar aos ouvidos da Soberana, e ao alto do Throno as humildes vozes de um seu subdito respeitoso, de um Deputado que usa do direito de fallar livremente á Nação no seio da Representação Nacional, e de dizer o que entende: ainda que ella

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seja rejeitada, todo o mondo saberá do existencia, todo o mundo poderá analysal-a, e lá irá aos ouvidos da Soberana, os olhos da Soberana hão de vê-la nos Jornaes, porque ella nos Jornaes tem de ser apresentada, ainda que a Camara a não approvo. Concluo, Sr. Presidente, com a repetição que serviu de thema ás minhas proposições, e á minha argumentação, que se foi balofa, e sem sabor, senão valeu nada, entrego-o aos nobres Deputados, elles que o digam, não ha de ser quem escrever em certos Jornaes, ha de ser a consciencia de cada um dos nobres Deputados; a innocencia da Substituição é bem manifesta; ella não leva em si principio offensivo, não leva qualidade nenhuma do veneno occulto; porque na generalidade já disse que approvava a Resposta ao Discurso do Throno, mas não em cada uma de suas especialidades; mando-a para a Meza.

Ainda tinha algumas cousas mais a dizer no mesmo sentido, e em relação a impostos indirectos, mas na mesma lingoagem e estilo; mas as minhas forças não me permittem: o meu mais ardente desejo é o da prosperidade da Causa Publica, e da boa administração do Paiz.

(A Substituição acha-se transcripta na Sessão de hontem) E propondo-se á admissão primeira vez, não se deu numero de votos que validasse a vocação.

O Sr. Presidente: — Ha 34 votos que não admittem, e 21 que admittem: por consequencia não ha votação: ha Sr. Deputados na Sala que não votaram, vai proceder-se novamente á votação, e convido os Srs. Deputados a occuparem os seus logares.

Propoz-se pela segunda vez.

O Sr. Presidente: — Ha 32 votos que não admittem, e 20 que admittem: por consequencia fica sobre a Mesa para quando houver numero se propôr se se admitte, e continua a discussão.

O Sr. Lopes de Lima: — Sr. Presidente, não gósto de fallar de mim, mas vejo que está em moda fazer profissões de fé politica ao começar a fallar nesta questão, e então tambem farei a minha declaração.

Eu, Sr. Presidente, mui francamente o digo: sou o que sem pie fui, e desafio a quem me visse n'outro campo: sou Carlista extreme, puro, e ferrenho sempre, mas ferrenho aos principios, e não aos homens, porque os homens mudam, tenho visto mudar muitos, mas os principios nunca mudam; incapaz de transigir, porque não entra na minha organisação sacrificar as minhas convicções áquillo a que chamam conveniencias: sou daquelles homens do quem dizia Sá de Miranda-Que não eram talhados para homens da Côrte — tenho hoje os mesmos principios que tinha em 1846, os mesmos que tinha em 1835. Naquelle tempo fiz opposição contra um Ministerio que dizia querer conservar da Camara até os pontos e virgulas, e que alguns dias depois, na primeira occasião que tiveram, calcaram aos pés a Carta: hoje vejo-me na dura necessidade de fazer opposição a um Ministerio, composto de Amigos meus, que começaram rasgando um artigo da Carta na Sessão passada, e de então para cá como se tem mostrado, tem atropelado muitos mais.

Aquelle Ministerio tambem errava calculos, e dizia depois que estava melancolico. O Ministerio actual erra os seus calculos, e vem aqui apresentar-nos os seus êrros para servirem de pertexto a novos erros. Aquelle Ministerio tambem cobrava e não pagava como agora; aquelle Ministerio tambem fazia Contractos, alguns quasi similhantes a esse das Sete Casas.

Aqui deste logar, ou tive a coragem naquelle tempo de accusar o Ministerio, porque fez um Contracto ruinosissimo; o Contracto desfez-se, e o Ministro que o fez, demittiu-se; então a vitalidade Ministerial não era tão elastica; o Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros bem o sabe.

Dada esta explicação, pela qual se vê que, com sentimento, desapprovo hoje os mesmos actos de Amigos, que desapprovei então de inimigos, mas que não posso deixar de fazer em consequencia do meu mandato, entro na materia.

Sr. Presidente, na Resposta ao Discurso do Throno que está em discussão, ha uma grande verdade, que eu confirmo, e vem a ser — Que os nossos deveres são rigorosos, e a nossa responsabilidade e immensa — assim o considero; mas entendo que o primeiro dos nossos deveres é dizer a verdade ao Throno; e que immensa seria a nossa responsabilidade, se nós fossemos exercer perante esse alto Poder, a quem nós dirigimos, as funcções menos decorosas do lisongeiro da Corte, em vez de seguirmos, como leaes Procuradores dos Povos, o conselho salutar de um dos nossos melhores e mais honrados Poetas:

Fallai em tudo a verdade. A quem em tudo a deveis.

Sentença, que eu tenho para mim deveria estar gravada em letras de bronze sobre a porta desta Camara.

Não posso pois prestar o meu apoio á Resposta ao Discurso do Throno, que a illustre Commissão nos apresenta; porque ella não prehenche o devei, que esse preceito nos impõe a nós Zeladores do bem-estar dos Povos, a nós Fiscaes da gerencia Ministerial, o não seus Panegyristas.

Tomei a palavra tarde, e ainda bem, porque fui inteiramente prevenido pelos Oradores que fallaram, e que o fizeram muito melhor do que eu; fui inteiramente prevenido, digo, no que toca á Politica em geral.

Pelo que respeita á sua administração que tem havido tanto nas relações internas, como externas, foi provado pelos Oradores que me precederam com documentos incontestaveis, e com uma força de eloquencia á qual me não é dado attingir, os desacertos do actual Ministerio, e mesmo as infracções de Lei que se tem commettido. Não me occuparei portanto em cançar a Camara com reproduzir essas verdades, que ainda retinem nos ouvidos da Assembléa, verdades que não foram contestadas, antes confirmadas, porque de certo, Sr. Presidente, a defeza foi tão fraca, que confirmou em vez de destruir, ao menos os pontos essenciaes. O primeiro que se encarregou d'ella depois de um illustre Orador da Opposição apresentar uma serie de factos de accusação, foi o Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros. Grande era a espectativa, porque todo o mundo faz justiça aos abalisados conhecimentos, e á força oratoria de S. Ex.ª tantas vezes provada nesta Casa, tanto netas, como nessas Cadeiras; (Apontando para as Cadeiras dos Ministros) porém, viu-se que essa fina eloquen-

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cia não póde diluir os factos, que a boa fé obrigou a confessar.

S. Ex.ª na questão das reformas não negando a necessidade da reforma das Alfandegas, que ter sido commettida ao Ministerio, respondeu que não se tinha feito, porque não tinha havido tempo para se fazer, e por este modo responde-se a tudo em materia de ommissões. Mas logo com uma subtileza de transição que honra a sua habilidade, fugiu da reforma das Alfandegas para a reforma das Pautas. Sr. Presidente, esse annuncio da reforma das Pautas foi logo tomado pela classe industrial deste Paiz como um máo agouro, ao passo que a reforma das Alfandegas na parte fiscal, como deve ser, é desejada como um grande bem, não só para o Thesouro, mas para a classe commercial, e para a classe fabril, a quem o contrabando arruina. A reforma das Pautas ao contrario é sempre encarada como a perda da nossa industria, e com fundamento, ou sem elle, o panico que S. Ex.ª aqui lançou, fez logo má impressão lá fóra; e aliás S. Ex.ª não respondeu nada, porque o Orador a quem respondia, não lhe tinha fallado em Pautas. Depois deu-nos como prova de boa fiscalisação uma longa lista de devedores do Estado que não tem pago. Não sei se isto prova absolutamente o contrario — a má fiscalisação, e má arrecadação; mas eu só fallei nisto de passagem: o Orador a quem compete replicar, tem a palavra: elle responderá.

Na questão de Fazenda em que se esperava uma resposta mais cabal, porque todo o mundo sabe que sendo o Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros conhecedor de muitos objectos, comtudo o seu elemento é Fazenda: são as Finanças o que mais tem estudado: mas a fallar a verdade o resultado não correspondeu á espectativa. S. Ex.ª fugiu logo da questão dos pagamentos comparados com as receitas, e contentou-se de chamar as contas que se apresentaram — calculos imaginarios, e d'ahi a pouco disse que o Orador tinha debitado o Governo com dados Officiaes: então de duas uma, se são Officiaes, não são imaginarios, mas imaginarios ou Officiaes, o illustre Deputado que tem a palavra, lhe mostrára o que são. Mas eu vejo que não eram imaginarios os calculos da falta de pagamento; que desgraçadamente todo o mundo sente. Era porém de esperar que S. Ex.ª oppozesse a estes calculos imaginarios contas leaes que o Governo deve ter, e que não lhe custava muito a organisar; mas não o fez; pegou n'um papel e disse — Em cinco mezes tem-se recebido 2:100 contos (e os dados Officiaes, que S. Ex.ª confessa serem taes, mostram que em 6 mezes recebeu. 5:800 contos pouco mais ou menos) dos quaes se despenderam (disse S. Ex.ª ainda) nesses 5 mezes 2:080 contos. Nós não duvidamos de que se despendes em; cremos até que se despendeu mais do que isso: mas em que, e como se despendeu esse dinheiro?...

Essa é que é a questão. Nós acreditamos, que o que falta para o pagamento dos Servidores do Estado, não está fechado em alguma area no Thesouro: antes assim fosse: mas resta saber a que foram applicados esses dinheiros; resta saber se foram consignados unicamente ás verbas marcadas no Orçamento, ou comprehendidas em algum Credito Supplementar da Lei de Meios? A isto não se responde satesfactoriamente; antes ao contrario, S. Ex.ª viu-se obrigado a confessar bem alto, que algumas despezas, e despezas de centos de contos de réis, se fizeram, que não estavam consignadas no Orçamento, nem estavam comprehendidas em verbas supplementares; portanto, o Sr. Ministro confessa, que o Ministro infringiu essa Lei de 26 d'Agosto, na qual está a prohibição, que elle mesmo se impoz de não desviar as receitas das applicações alli marcadas, e pela qual se comprometteu, e a Camara approvou uma pena para lhe ser imposta, no caso que se desviasse alguns dinheiros das applicações que tinham nos Orçamentos, ou comprehendidas nos Creditos Supplementares: nem vale para attenuar isto, Sr. Presidente, que se diga que era preciso haver 22:000 homens: seria, não entremos nisso: que era necessario haver mais uma companhia para a Guarda Municipal; e que era necessario pagar uma divida sagrada: essa não é a questão. Se o Ministro entendia, que no estado actual da Europa (que era ainda mais grave quando se discutiu a Lei da força militarem «Abril) se entendia, que não podia prescindir de 2.1:000 homens em serviço activo, viesse pedil-os na occasião em que se fez essa Lei: a Camara não lhos havia de negar. Se entendia que precisava de sete companhias na Guarda Municipal em vez de seis, a Camara, que conhece a grande utilidade, que dessa Guarda tem resultado a Lisboa, e presta homenagem aos seus muitos, e bons serviços, e ao muito que lhe devo o socego da Capital, não havia de regatear os meios para a existencia dessa Companhia: mesmo essas despezas, e dividas do -tempo da Guerra, se são tão sagradas, porque não veio pedir um Credito Supplementar para ellas? A Camara não quer que se falte ao brio nacional. Mas assistir á discussão do Orçamento, pedir nella aquillo que julgou, que lhe era bastante, pedir até Creditos Supplementares para aquillo que julgou, que os devia pedir, e depois, fechado o Parlamento, atirar com o Orçamento para a banda, atirar com a Lei de Meios para a outra parte, gastar o dinheiro da maneira que julgou conveniente, infringir esse preceito, que se impoz pelo qual se irrogou uma pena, e vir aqui dizer — Deputados, aqui está o que eu fiz?!... Chancellaria, ponde-lhe o vosso sello?!... Oh! Sr. Presidente, esse sello, é o sello da nossa anniquilação, é o sello da nossa ignorancia!... (Apoiados) Que figura ficamos nós fazendo, entregando ao Governo os cordões da bolsa do povo, dizendo-lhe, gastai á vossa vontade?!.., Então para que estamos a discutir o Orçamento, a gastar tanto tempo a discutir a Lei de Meios, se isto são espantalhos, se isto não serve para nada?

Sobre outros objectos a respeito dos quaes S. Ex.ª fallou, não quero eu roubar ao illustre Orador, a quem S. se referiu, o direito de lhe responder, porque o hade fazer muito melhor do que eu; mas o certo é, que S. Ex.ª confessou a maior parte dos factos arguidos; pelo menos os mais graves: confessou, sobre tudo, que se tinham despendido quantias, que não estavam nem no Orçamento, nem em Creditos Supplementares da Lei de Meios, contra a disposição da mesma Lei; por consequencia, o Governo infringiu a Lei, está sujeito á pena, que elle mesmo se impoz, e pelo que, eu intendo, que devia vir ao Parlamento pedir um Bill d'indemnidade.

Depois de S. Ex.ª, fallou tambem o Sr. Ministro da Justiça. Eu não analisarei o Discurso de S. Ex.ª porque a maior parte delle versa sobre materias ca-

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nonieas em que não sou muito forte, e porque a unica parte de que eu poderei intender alguma cousa, e a respeito da qual talvez logo direi alguma cousa, essa deixou S. Ex.ª em branco: — e a que diz respeito ao Padroado da India, Apenas me lembra que S. Ex.ª disse — que não tinha demettido um Empregado Vitalicio, por as suas opiniões politicas, mas sim por ser Redactor de um Jornal Politico; — fico agora sabendo, que o ser Redactor de um Jornal Politico, exclue as opiniões politicas!... Não entro na profundeza da distincção (Riso.)

Seguiu se depois o illustre Relator Substituto da Commissão. Esse mui habil Orador realmente fallou mui bem, como sempre falla: fez um daquelles Discursos, que fazem impressão pela sua belleza, brilhantismo de idéas, mesmo até de boas doutrinas; e isto acompanhado de uma lingoagem attrahente, e amena; mas permita-me dizer, que tambem deixou a questão como ella estava, pelo menos nos pontos capitaes. S. S.ª começou por uma bem merecida explosão d'enthusiasmo contra os assassinos de Rossi, e os perseguidores do grande Pontifice Pio IX, nessa parte nós lhe demos os nossos Apoiados, e se S. S.ª o tornar a dizer, damos-lhe Apoiadissimos. Antes que S. S.ª fallasse nesta Camara, tinhamos nós exercido as nossas pennas para condemnar, o mais severamente possivel, esses attentados de Roma; todos nós temos tomado o maior interesse pelo Grande Pontifice, porque vemos em Pio IX, não só personalisado o principio religioso, mas tambem o principio da maior liberdade da Italia, da verdadeira liberdade da Italia, de que foi elle o primeiro a impunhar a bandeira; (Apoiados) e creio que foi a essa liberdade que se referiu o illustre Orador, que encetou a discussão, mas elle explicará melhor a sua idéa: posso porém dizer ao illustre Relator da Commissão, que nessa parte podêmos dizer-lhe.........

Aos infieis Senhor, aos infieis!

Da mesma maneira, não sei que tenha a dizer-lhe nada pela parte do seu Discurso, em que fallou sobre as idéas republicanas e socialistas: creio que ninguem se lembra de nos chamar republicanos e socialistas; é o que faltava!...

S. S.ª vendo-se por fim obrigado a chegar-se mais para nós, isto é, a vir á questão, começou por uma restricção mental, um pouco difficil de definir, porque disse — Que queria avaliar a Politica do Governo, abstrahindo dos seus actos —: eu confesso que não sei como se possa avaliar a Politica do Governo abstrahindo dos seus actos; porque não sei avaliar a Politica de qualquer Governo senão pelos seus actos. É verdade que o illustre Orador ensinou-me a fazer isso; porque no seu eloquente Discurso pairou sempre no vacuo das generalidades, e, como se faz em um Tractado, só considerou a generalidade das douctrinas; e de todos os factos enumerado», apenas se abateu a tractar de um facto demissorio, sobre o qual S. S.ª apresentou mui bel las douctrinas, mas que, bem applicadas, são a condemnação desse mesmo facto; e eu não quero desenvolver mais a demonstração disto, por isso mesmo que não só o illustre Orador a quem o Sr. Deputado respondeu, mas a victima désse mesmo facto, que se senta a meu lado, e a quem S. S.ª provocou directamente, porque até lhe fez uma allusão, tomaram as notas competentes, e eu não quero roubar o direito de o combaterem nessa parte.

Quanto ao mais, o illustre Relator nem entrou na questão de Fazenda, nem tocou no objecto Pagamentos, nem fallou na questão de despezas feitas sem serem auctorisadas, nem na questão das Sete Casas, nem em nenhuma das outras questões importantes de accusação ao Governo. A respeito das omissões foi elle o primeiro a censurar a Politica do Governo) porque disse — Que a Politica até aqui seguida não deve durar nem mais um dia: — senão deva durar, é porque é má; e porque tem durado um anno, no qual se comprehendem sete mezes e meio de Parlamento aberto?

Disse o illustre Orador — Que queria reformas como nós queriamos, porém que não queria o systema do Governo se arvorar em Legislador —; mas não querendo o systema do Governo se arvorar em Legislador, porque não o censura por elle ter legislado, no intervallo da Sessão, naquillo para que não estava auctorisado? Em fim, Sr. Presidente, quando se esperava ainda que o illustre Orador viesse aos pontos da questão, terminou dizendo-nos (e creio que essa idéa é da Maioria, porque levou muitos Apoiados) que não apoiava o Ministerio pelos seus actos passados, mas sim pela esperança que tem do muito que elle agora vai fazer, de que nos apresentou um quadro tão brilhante que não ha mais a desejar; só se fôr um Camões para cada Provincia, como nos promettia Junot levando-nos 40 milhões!... (Riso) Que o seu apoio era condicional e só fundada nas esperanças —; a Maioria apoiou essa idéa; vê-se por tanto que a Maioria não acha que apoiar nos actos passados do Governo; o seu apoio funda-se em esperanças do que o Governo ha de fazer: o que tem feito, não presta para nada!... A vista disto pois, tendo ouvido o ataque e a defeza, não tenho nada a accrescentar. Que hei de eu dizer quando um Governo não sabe defender os seus actos passado, nem tem quem lh'os defenda? O que hade vir ainda não são factos, são promessas, promessas a que tem faltado até agora, promessas que tem feito que leve a sua vida politica a fazer e a desfizer, a dizer e a desdizer!... O Systema Politico do Governo, definido hontem pelo illustre Orador, é confiar no Paiz; é crusar os braços e não fazer nada para bem do Paiz; direi que um tal Governo poderá bem servir para administrar alguma Abbadia Monacal (Apoiado) cujas grossas rendas possa despendei, mas não póde administrar uma Monarchia Representativa, em que ha muito a fazer, em que se carece de um Governo, que confie no Paiz, mas em quem o Paiz tambem possa confiar.

Agora, Sr. Presidente, entrarei no ponto para que mais propriamente pedi a palavra: até aqui póde-se dizer que foi incidente.

Ha no Projecto de Resposta ao Discurso da Corôa um paragrafo, no qual me parece que, mais que em nenhum outro, se offende a verdade severa, a qual, como eu já disse, deve caracterisar uma tão solemne Missiva, porque nelle se comprehende uma asserção affirmativa, e que a meu vêr é inexacta. E o § 11, aquelle em que a illustre Commissão quer que nós digamos — Que as Possessões d'Ultramar «com razão mereceram a attenção do Governo.» —

Com razão a deviam merecer, Sr. Presidente; mas não a mereceram até hoje, digo eu, e o hei de

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sustentar, em quanto não houver quem me prove o contrario, em quanto me não apresentarem factos que destruam as muitas informações, que eu tenho, e que muita gente tem, dentro e fóra desta Camara, do miserimo estado a que se acham redusidas essas Possessões, que a Commissão mui bem chamou preciosas, mas que se acham em tal abandono que fazem lembrar a fabula da Margarita in sterquilinio: um illustre Deputado por uma destas Provincias de Cabo Verde, já tocou neste ponto; e devo declarar que não concordando eu com algumas das opiniões daquelle illustre Orador, particularmente pelo que respeita ao desenvolvimento de progresso, e latitude do Direito Eleitoral etc. concordo completamente em tudo quanto disse, relativamente a Ultramar. Eu pergunto, como elle perguntou, que provas e documentos teve a illustre Commissão á vista, quando exarou na Resposta ao Discurso da Corôa uma proposição tão affirmativa e tão inexactamente, de que as provincias Ultramarinas mereceram attenção do Governo? De que modo se tem manifestado esta attenção?

Como muito bem notou o illustre Deputado, nem o Governo se atreveu a tanto no seu Discurso: nesta parte honra lhe seja feita, foi mais cauteloso; por que o Governo disse (Leu.)

A consciencia obrigou o proprio Governo a declarar, que o estado destas Possessões não é prospero; esta declaração na bocca do Ministerio e muito significativa; como quer pois a Commissão mais Ministerial que o proprio Ministerio, ir votar louvores ao Governo por aquillo que não fez, nem sonhava ter feito? Como quer a Commissão exigir de nós que conjuguemos o verbo mereceram no preterito, quando apenas se poderia conjugar no futuro? Estava esperando que o illustre Relator da Commissão nos viesse dizer, que havia aqui um êrro de Typographia, que devia ser merecerão em logar de mereceram; mas já fallaram os dous illustres Relatores e nenhum delles reclamou, logo vejo em que querem que o verbo vá no preterito.

Qual foi pois, Sr. Presidente, a resposta que deram ao nobre Deputado pela Provincia de Cabo Verde? Disseram: — «A Commissão quiz já antecipar o louvor ao Governo pelas providencias que promette — isto é, providencias que ninguem sabe se hão de vir, nem como hão de ser. E muito confiar em promessas, e principalmente n'um Ministerio que não se tem mostrado muito fiel no cumprimento das promessas, que tem feito» Quando o clamor universal desses povos longiquos, chega até nós atravez de milhares de legoas do Oceano, queixando-se de que a Mãi-Pátria os tracta como filhos engeitados, e que só se lembra delles em mandar-lhes para lá a escoria da sociedade tirada das enxovias, que só se lembra delles em mandar-lhes para lá bons ou maos Empregados, de que alguns só servem para ir lá exercer o dispotismo de differentes fórmas; mas nunca cá se lembra dellas para acudir com providencias, que são reclamadas com as lagrimas nos olhos; mas que ficam sopitadas nas gavetas das Secretarias — quando este clamor repetido ha tanto tempo chega a nossos ouvidos, havemos, sobre a fé n'uma promessa vã e indefinida, ir dizer ao Poder Moderador; — Que estamos muito satisfeitos, por que as Provincias Ultramarinas mereceram a attenção do actual Governo?» Eu peço á Camara seja mais

circunspecta na expressão que deve sair dosou seio: ainda que antes de hontem um Membro do Ministerio chamou banaes ás palavra do Discurso da Corôa, eu não tractarei de banaes as palavras da Resposta, por que as julgo muito solemnes (Apoiados).

Para que a Camara possa avaliar a importancia desta affirmativa, e a sua veracidade, eu farei uma rapida excursão por estes Paizes aonde Portugal é ainda grande, em territorios vastissimos mal aproveitados. Abrindo o Mappa-Mundo, as primeiras que se topam são essas Ilhas de Cabo-Verde, que ainda ha bem poucos annos (ainda quando eu tive a honra de ser seu Representante) apesar do máo estado da sua cultura, enriquecia o Thesouro Portuguez com 80 contos de réis de sobras dos seus rendimentos; porque a natureza tinha dotado os rochedos das suas montanhas com um musgo então especial, e por isso tão precioso, que sem dependencia de cultura enriquecia os seus possuidores. Mas esta especialidade acabou. Entrou a apparecer Urzella, melhor ou peior, em todo o Continente d'Africa, e a excessiva offerta rebaixou o preço deste lichen a ponto que já Cabo-Verde em vez de sobra tem um deficit de 20 e tantos contos, que o Governo se obrigou a pagar em letras sacadas pela Junta da Fazenda sobre a Pagadoria da Marinha. Pergunto tem o Governo pago estas letras? Não; nem tinha tenção de pagar, por que não lhes consignou no Orçamento uma verba, nem veio pedir um Credito Supplementar para esse fim, apesar de ser reclamado e lembrado na Sessão passada pelo illustre Deputado Representante daquella Provincia, que já desenvolveu este negocio. O certo é que as letras por ahi andam como papeis de descredito pelas mãos dos portadores; e se alguma se tem pago, é por alto favor, ou entrando em alguma transacção de agiotagem: o que resulta daqui é, que nem o Governador nem a Junta de Fazenda acham lá quem lhes fie mais um real; e que não tem meios, nem para pagar á tropa, nem aos Empregados, e muito menos para tirar proveito dos muitos recursos que aquella Provincia offerece. E muitos são elles na verdade. Mas pergunto, que providencias tem o Governo expedido directa ou indirectamente para promover o incremento da cultura do seu excellente Café, o augmento e a plantação da sua Purgueira tão productiva pelo azeite que della se extrahe, do seu Tabaco da Ilha do Fogo igual ao da Virginia, ou a manipulação do bello Anil de Santo Antão, de cuja antiga Fabrica Real ainda lá existem os tanques? Que diligencias terá feito para tirar das mãos dos Estrangeiros, e dos seus tres ou quatro Commissarios Portuguezes, o importante Commercio da Courama, Cêra, e Marfim de Bissáo e Cacheu, que devendo utilisar só a Nação Portugueza anda todo nas mãos dos Estrangeiros de Gambia, e de Gerée, que dalli tiram grossas carregações todos os annos? — Nada me consta que se tenha feito. Em que mereceram pois as Ilhas de Cabo-Verde a attenção do Governo? Só se foi em o Governo ter promovido a confirmação do seu Bispo, ultimamente confirmada no Consistorio de Gaeta á sombra da Bulla da Santa Cruzada (Riso).

Se isto acontece a respeito das Ilhas de Cabo-Verde, o mesmo posso dizer das Ilhas de S. Thomé e Principe, oneradas com um deficit constante, e continuando em decadencia apesar da pasmosa fertih-

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trade do seu sólo equatorial, regado por immensas ribeiras.

Nestas duas Ilhas que forneceram ao Brazil as primeiras canas de assucar, de que ellas mesmas produziam duzentas mil arrobas no seculo 16 º, possue o Governo como Proprios da Coroa, a maior parte das Roças, que o produziam, vastissimos terrenos de cultura e bem regados, aonde ainda se enxergam as ruinas dos antigos Engenhos. Estes terrenos estão abandonados por falta de braços, e podiam ser cultivados em proveito daquellas Ilhas e do Estado por alguns centenares desses libertos que estão sendo pesados ao cofre de Loanda, e que tão uteis podiam ser em S. Thomé como Colonos da Gleba. Dispoz-se alguma cousa neste sentido

Qual foi a providencia que o Governo tomou para animar a cultura daquellas Ilhas supprindo a sua reconhecida falta de braços, e renovar o nosso Commercio de Ouro e Marfim no porto de Ajuda, e Costa dos Pópós, e Malagatle? Nenhuma... Pois quem mandou para la um Governador com poderes tão amplos, que até suspendeu o Vigario Capitular das suas funcções Ecclesiasticas, e ameaça o Povo com a Lei Marcial, podia tambem dar-lhe instrucções, e providencias para fazer o seu melhoramento (Apoiados).

Se a Camara se admirara desta expressão — Lei Marcial — eu vou lêr algumas palavras d'uma Proclamação daquelle Governador (Leu) Por tanto já se vê que este Governador se julga auctorisado para fazer Processos Militares nos paisanos que lhe desobedecerem, por consequencia lá está a Lei Marcial publicada no Paiz

Agora passemos a Angola: esta Provincia lá está merecendo a nossa attenção, por ser hoje a mais frequentada das nossas Possessões da Africa. Aquella Provincia tem ganhado melhoramento no commercio mercantil; porque, graças as diligencias de alguns Negociantes desta Capital, sem intervenção do Governo, aquella Provincia, ha seis para sete annos, tem estreitado muito os seus laços mercantis com a Metropole, a navegação mercante entre Lisboa, e os portos de Loanda, e Benguella, e hoje quatro vezes maior, que era no seculo passado Todavia não consta que o Governo tenha aproveitado este enthusiasmo mercantil, para tirar delle o partido, que podia, e devia tirar, para promover a colonisação daquelles terrenos superiores ao do Brasil tanto na força productiva, como na qualidade, e variedade das producções, nem para procurar abrir as vias de communicação entre a Cidade, e o seu ubérrimo Sertão d'onde vem a maior força da sua riqueza. Não sei que nada se lenha feito só sei que naquella Provincia continua a haver um deficit enorme em resultado do onus, que tem de costear (de facto, e não de direito) grande parte da despeza de uma Estação Naval mal paga, que nada póde concorrer para o melhoramento daquella Provincia, que por mais que faça, nunca ha de cumprir exactamente a missão impossivel, de que está encarregada, que é acabar com o Tranco da Escravatura, e que só servira para roer a substancia daquella Provincia, e para ír applicando a nossa attenuada Marinha a sabida reforma de agoa benta, e caldeirinha porque e um matadouro. No entretanto teem assento nesta Casa quem possa informar do que por la se tem feito, o se por ventura alguma providencia tem havido da parte do Governo a bem daquella Provincia, que devia merecer a attenção do mesmo Governo, mas que a não tem merecido Tambem se assentam aqui alguns Srs. Deputados por Moçambique a elles compete por ventura dizer á Camara, se são, ou não verdadeiras as informações que tenho lido, e ouvido de pessoas, que ainda ha pouco de la vieram, confesso que não tenho nenhuma correspondi nos para alli, nem dalli; mas as pessoas que ha pouco de la vieram, e que me deram alguns esclarecimentos, e por elles, e por outras cousas que li, vejo aquella importante Provincia reduzida ao estado da mais miseravel decadencia, e que podendo se obter dalli muito, não se póde obter dalli nada, as miserias alli são grandes da parte dos governados, e os actos que se practicam mostram grande ignorancia e prepotencia da parte dos governantes, o commercio licito e tendo com arbitrios vexatorios, e miseraveis, que se promulgam em uma semana, e derogam-se na seguinte, trazendo o cunho da inepcia de quem os dictou a Liberdade do Cidadão entregue a um despotismo brutal, como aquelle exercido pelos antigos Capitães Generaes nas idades mais ferreas — a justiça entregue nas mãos de um Leigo, em quanto o Juiz de Direito exige em Lisboa sacando Letras sobre a Junta de Fazenda de Moçambique, os rendimentos desviados da applicação marcada por Lei, eu digo isto só por informações, os Srs. Deputados desta Provincia dirão o que é verdade, (Apoiados) e só farei uma unica pergunta ao Governo, e vem a ser — Pensou o Governo já duas horas sobre o modo de dar melhor administração aquella Provincia, e sobre a maneira de aproveitar o immenso proveito, que é póde tirar dos nossos ricos, e tão decadentes Dominios na Africa Oriental?... Tractou já de fazer effectiva a exclusão da bandeira estrangeira nos pórtos de Sofalla, Quilimane, e Inhambane, fazendo reverter em beneficio do Commercio Portuguez, e só do Commercio Portuguez, o importante trafico dos rios de Cuama, não digo já como o foi no seculo XVII, em que amontava a muito» milhões de ouro, mas, pelo menos, seguindo o plano modernamente traçado, e encetado pelo infeliz Marquez de Aracaty, cuja morte foi tão faial para aquella Provincia Cuidou ía de restaurar as nossas tão ricas feiras de ouro de Zumbo, e Manica, e de rehaver o nosso territorio aurifero de Bandirre, renovando as amigaveis relações com o Monomolapa, e rei de Quiteve, o que é facil, e mandando restabelecer as antiga, guarnições militares? Formulou já ou mandou formular, algum Plano para a melhor repartição, melhor administração, e aproveitamento desses Prasos da Corôa, que contéem muitos milhares de legoas de terras de lavoura com Colonos da Gleba promptos a trabalhar, mas que no estado em que se acham, produzem talvez menos, que uma legoa quadrada de terreno bem cultivado Ahi ficam esses quesitos, não espero resposta affirmativa, porque e impossivel dar-se, e por isso não sei em que se estribe a asserção de que as nossas Possessões tanto na Africa Oriental, como na Occidental tenham merecido a attenção do Governo. E o que diremos das da Asia. A minha posição especial me obriga a calar o que poderia dizer do estado actual da administração da Provincia de Goa. A duas Commissões desta Camara estão affectos documentos, que provam as infracções das Leis, e da Carta, que lá se tem practicado: elles alguma vez

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hão de vir á discussão: para então me reservo. Por agora limito-me a informar esta Camara, que a Provincia de Gôa em uma das nossas Possessões do Ultramar, (talvez a unica) que em 1844 em consequencia das refórmas, que lá se tinham practicado no Systema de tributos, no Systema de Alfandegas, na organisação do Exercito, e em outros ramos do Servido Publico, tinha-se conseguido igualar a sua receita com a sua despeza, como consta dos respectivos Orçamentos havia uma divida atrasada, que era de nove a dez mezes aos Empregados, e tres ou quatro ao Exercito, tinha de mais a mais contraído um emprestimo, em occasião de urgencia, que montava a pouco mais de 30 contos de réis pela nossa moeda: tinha porém para fazer face tanto ao atrasado, como á divida pelo emprestimo, e sua amortisação uma grande massa de Bens Nacionaes, cujo valor montava a muito mais de 100 contos de réis de moeda de Portugal. Decretou-se a venda destes Bens: não sei se já se acham todos vendidos: uma parte sei eu que já o estão. Agora quer a Camara saber qual é o atraso hoje dos pagamentos em Gôa? É de mais de vinte mezes!!! Isto diz tudo, e mostra como aquella Provincia tem melhorado... Pergunto agora — Que tem feito o Governo para melhorar esse estado? Que tem feito o Governo para melhorar o regimen daquelle bello Paiz?... Que tem feito para attender ás reclamações dos seus habitantes?... Muitas providencias teem sido por elles solicitadas, mas jazem todas sul tapetto. Ainda para alli não fez outra cousa senão mandar de vez em quando uma carregação de Militares com os soldos de Portugal, e que torna muito mais aggravante o estado de Gôa. Este abuso, que já um illustre Deputado denunciou para todo o Ultramar, é ainda mais escandaloso em relação a Gôa. Em Gôa ha uma Escóla Militar perfeitamente organisada, com habeis, e excellentes Lentes, d'onde sáem Alumnos, que não se envergonham de concorrer com os Alumno das Escólas Polytechnicas de Portugal: naquelle Exercito ha superabundancia de Subalternos, e ha, além disso, muitos Aspirantes com Carta Academica, com estudos iguaes aquelles, que aqui habilitam um Alferes Alumno, e que estão ha sete e oito annos sargenteando nos postos inferiores á espera de uma Promoção, mas quando julgam ser chegada a época, eis que chega de cá uma carregação de máos Filhos de quem os Pais se querem ver livres, sem habilitação alguma scientifica, e deste modo practica-se uma usurpação aos direitos daquelles Cidadãos habilitados: eis os beneficios, que Gôa está recebendo da parte do Governo. Quanto ao mais a India está entregue á sua sorte. Deixa-la estar, que está longe. Até a mesma Náo de viagem que lá ía todos os annos, ha já quatro annos que lá não apparece, nem ao menos para receberem noticias nossas. Mas que admira, se a correspondencia da India vindo pelo Egypto, se acaso encalha por alguns mezes em algum ponto do transito, como succedeu ainda ha pouco, o Governo não mostra cuidado por isso, não lhe dá importancia alguma? Que lhe importam a elle as noticias da India? Até a imprensa Ministerial escarneceu de quem tomava a peito similhantes minudencias. (Riso) A India tão pouco mereceu até hoje a attenção do Governo, que este nem ainda cumpriu a condição, que lhe impõe o art. 4.º do Decreto de 5 de Junho de 1844, estipulando, com a Companhia Ingleza das Indias Orientaes, condições reciprocas pelas quaes o Commercio de Gôa fosse alliviado dos muitos onus a que está sujeito nos portos daquella Companhia. Mas, em compensação, senão houve opportunidade para essa convenção mercantil tão util, houve-a para celebrar a Concordata com a Sancta Sé sobre o Padroado Real, que, além de roubar á Corôa de Portugal um de seus mais ricos florões, tira ao Estado de Gôa um dos seus mais pingues recursos, talvez um milhão de crusados por anno. Nisto ao menos foi-se activo, e solicito e é deste modo que a India Portugueza tem merecido a attenção do Governo

Sobre a decadencia de Macáo, nada careço de accrescentar á lastimosa pintura, que della aqui nos fez o proprio Ministerio ainda na Sessão passada. Desde então até hoje não sei que tenham vindo melhores noticias nem me consta que o Governo tenha ainda atinado com o Systema Financial que mais convem áquelle Estabelecimento, para sair da penuria em que jaz, e não ser pezado á Metropole. Não fallarei das queixas, que aí tem corrido das arbitrariedades lá praticadas mas não póde deixar de me chamar a attenção no Diario do Governo N.º 9 o Decreto de 29 de Desembro de 1848, pelo qual se vê que o Governador de Macáo não sabe o Codigo Administrativo, e que o Governo ensinando-lho de cá, tambem mostrou não saber o que dispõe o artigo 64 § 2.º da Carta Constitucional. O Governador de Macáo, Timôr e Solôr dissolveu o Real Senado, isto é, a Camara Municipal, e no Alvará de Dissolução esqueceu-se de mandar proceder a nova eleição, sem o que é nullo e de nenhum effeito o Alvará. Esta falta seria reprehensivel no Continente do Reino, aonde era remediavel a volta do correio d'aí a oito dias, mas não mereceu reprehensão aspera em uma Possessão aonde a volta do correio leva pelo menos seis mezes, o Governo depois talvez d'um anno, respondendo ao Governador, limita-se a mandar proceder a nova eleição, mas, segundo a Proposta do mesmo Governador, manda excluir de votar e serem votados os Estrangeiros naturalisados, e funda-se no Alvará de 30 de Dezembro de 1709, quando a Carta no art. 64 § 2º, diz muito expressamente: (Leu)

E tambem o diz no art. 7.º § 4.º, mas já vejo, que póde mais um Alvará de 1709, do que a Carta Constitucional. E de mais a mais tal Alvará se não encontra na nossa Legislação, porque é um simples Alvará do Governador de Macáo daquella época, que nunca foi Lei do Reino!!!

Sr. Presidente, eu entrego á consideração da Camara este objecto, observando ao mesmo tempo que nós já estamos sem o art. 63.º, e Macáo fica sem o art. 63.º, e parte do art. 64.º da Carta.

Á vista da exposição que tenho feito, a Camara avaliará se as Provincias Ultramarinas tem merecido a attenção do Governo. Até aqui, todo o Mundo julgava que as Provincias Ultramarinas estavam no Limbo do esquecimento Ministerial, e que só se lembrava dellas o Ministerio, quando tinha de accommodar algum afilhado, e quando muito se dignava accusar os Officios que de lá vinham. Mesmo pelas expressões do Discurso do Throno o que se ficava entendendo é — «que reinava a Sancta Paz nas Possessões Ultramarinas, e que o Governo e os seus Delegados ambos conformes em dar e receber noticias dellas, a vida em ocio sancto consumiam. Mas como

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a illustre Commissão exíge que digamos na Resposta ao Discurso do Throno, que as Possessões Ultramarinas mereceram a attenção do Governo, tenho direito a exigir que se prove com factos esta asserção; não o fazendo, não posso votar por ella.

Sr. Presidente, eu sinto que a minha posição nesta Camara me obrigue a propalar estas verdades, e a fazer uma especie de censura ao Ministerio, dirigido nas horas vagas por um Cavalheiro, de quem ha muitos annos sou Amigo, espero continuar a sel-o, porque SS. Ex.ªs hão de deixar de ser Ministros primeiro, que eu deixe de ser Amigo; mas assim como eu não vejo naquelle banco senão Ministros, espero que S. Ex.ª não verá tambem nesta cadeira senão um Deputado, que cumpre com o seu dever; além de que S. Ex.ª tem grande desculpa, e eu sou o primeiro a ser seu Apologista; porque na verdade só nas horas vagas, como disse, é que o Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros poderá abrir a furto essa infeliz Pasta de Marinha e Ultramar, que contendo em si materia sufficiente para absorver a attenção não só de um, mas de dois Ministros, porque só o nosso Ultramar é um vasto Imperio, composto de muitas Nações, de territorios e climas differentes, e povos diversos em linguagens, em religião, em costumes, e até nas côres, cuja administração exigiria um estudo profundo e prolongado; e que por um defeito da nossa organisação governativa anda annexa á de Marinha, que tambem só por si poderia occupar um Ministro, que quizesse elevar a nossa Marinha, não digo já aos tempos historicos, mas á cathegoria que hoje nos caberia como Nação Maritima; esta Pasta pois tão ponderosa, o Ministerio actual entendeu, que não era mais que uma excrecencia governativa, que bem se podia arrojar aos pés de um Ministro de outra Repartição, á qual tem de consagrar os primeiros cuidados, e levar o dia a receber Diplomaticos, e a tractar negocios de alta monta de Politica externa.

Este facto só por si, Sr. Presidente, é o maior testemunho que prova a nenhuma attenção que tem merecido ao actual Governo as desgraçadas Provincias do Ultramar, que são tractadas como um morgado dissipador que vive na Côrte, tracta umas herdades rusticas, que nunca viu, e de que já não faz caso, porque não lhe rendem já nada no estado de ruina, a que as deixou chegar. Pois este despreso systematico póde produzir fataes consequencias; não procuro desenvolver esta idéa. Não desejo ser Cassandra. Mas quero cumprir com o meu dever.

Sr. Presidente, eu não sou agora Deputado do Ultramar; mas sou Deputado da Nação: já tive a honra de o ser duas vezes, e por duas Provincias Ultramarinas. Devo ao Ultramar affeições: tenho-lhe consagrado muita parte dos meus estudos; e por isso como Deputado de todo o Paiz, erguerei um brado em favor daquella parte desvalida da Monarchia Portugueza, para chamar a attenção desta Camara (porque a do Governo pouco conto com ella) em favor daquellas Provincias; a fim de que ellas possam conhecer (repetirei uma frase do Sr. Ministro) que a Mãi-Pátria não só ainda vive, mas tambem que ainda é Mãi e não Madrasta. Por todos estes motivos vou mandar para a Meza uma Substituição ao §11: conto já que ha de ter a mesma sorte das outras que se tem offerecido; mas cumpro com o meu dever. (Leu, é a seguinte)

Substituição. — «As Provincias Ultramarinas, tão preciosas para Portugal não só pelas suas recordações de gloria, como tambem pelos immensos e mal aproveitados recursos, deverão certamente merecer a attenção de um Governo que reconheça o que ellas valem, para as tirar do abandono em que têem jazido, e que applique os seus disvellos a propôr em favor dellas um bem combinado systema de administração, e colonisação, que desinvolva simultaneamente as suas muitas riquezas, e a sua civilisação, e promova o bem estar dos seus habitantes. A Camara não póde deixar de solicitar em favor dessa parte tão interessante da Monarchia Portugueza providencias efficazes; ás quaes prestará a sua activa cooperação, se nellas vir remedio prompto á decadencia que naquellas Provincias se observa, e aos muitos males e vexames, que aquelles povos estão soffrendo.» — O Deputado J. J. Lopes de Lima.

Posta á votação não houve numero de votos que a validasse.

O Sr. Presidente: — Não ha numero, e por consequencia não posso sujeitar á votação a Substituição do Sr. Deputado; fica por tanto para a Sessão seguinte.

O Sr. Silva Cabral: — V. Ex.ª faz favor de me dizer quaes são os Senhores, que estão inscriptos para fallarem neste objecto?

O Sr. Presidente: — São os seguintes (Leu) A Ordem do Dia para a Sessão de terça feira, que é o primeiro dia de trabalho, é a continuação da de hoje. Está levantada a Sessão. — Eram mais de quatro horas da tarde.

O 1.º Redactor,

J. B. GASTÃO

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