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N.º 17. Sessão em 23 de Janeiro 1849.

Presidencia do Sr. Rebello Cabral.

Chamada — Presentes 51 Srs. Deputados.

Abertura — Pouco depois do meio dia.

Acta — Approvada sem discussão.

Correspondencia.

Officios: — 1.º Do Ministerio da Fazendo, remettendo os Mappas do rendimento da Alfandega das Sete Casas, relativos aos annos economicos de 1834 a 1835, de 1847 a 1848, e do primeiro semestre de 1848 a 1849; ficando assim satisfeito um Requerimento do Sr. Xavier da Silva, que fôra approvado por esta Camara. — Para a Secretaria.

2.º Do Sr. Deputado M. A. de Sousa Machado, participando que, em consequencia do seu máo estado de saude, ainda não póde emprehender a jornada, para apresentar-se em Lisboa. — Inteirada.

O Sr. Castro Pilar: — Vou mandar para a Mesa o seguinte

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REQUERIMENTO. — Requeiro, com urgencia, pela Repartição competente da Secretaria de Fazenda, esclarecimentos authenticos, sobre quaes os fundamentos que obstem a que o Governo não tenha dado execução á Sentença conflituada em todas as Instancias, que a Sancta Casa da Villa de Monção obteve contra o mesmo Governo, ficando por ella condemnado a abrir mão dos fundos destinados por disposição testamentaria do Coronel Manoel Marinho de Castro, á manutenção de duas Aulas de Grammatica Latina, e Filosofia Racional e Moral, naquella mesma Villa, os quaes fundos sem embargo da dicta Sentença, o Thesouro retem em si desde 1834.

Sala da Camara, em 23 de Janeiro de 1849. — Pilar de Castro.

O Sr. Presidente: — Eu tenciono fazer uma Interpellação ao Sr. Ministro do Reino, sobre a Instrucção Secundaria, relativamente, nada menos, do que a seis ou sete Concelhos do Alto-Minho; para fazer porém essa Interpellação preciso destes esclarecimentos, que eu sei, que na Secretaria da Fazenda se podem collegir com toda a facilidade

Aproveito a occasião para participar, que o Sr. Faria Barbosa não póde comparecer á Sessão de hoje, por incommodo de saude.

Sendo julgado urgente o Requerimento, foi seguidamente approvado sem discussão.

O Sr. J. José de Mello: — Sr. Presidente, mando para a Mesa uma Representação de muitos Proprietarios do Districto de Coimbra, que se queixam amargosamente dos vexames e violencias practicadas sobre lançamento e cobrança de Decima e Impostos annexos, e ainda mais, de contribuições Municipaes, e pedem algum remedio a estes males. O negocio é de summa transcendencia, e toca não só com a segurança da propriedade, mas com a tranquillidade e conveniencia dos Povos; porque os Povos não conhecem, nem avaliam dos Governos, senão pelas Auctoridades locaes, com quem estão em contacto. Peço que esta Representação seja remettida á Commissão de Fazenda, que é a competente.

O Sr. Silvestre Ribeiro: — Sr. Presidente, a Sociedade Promotora da Agricultura Michaelense, de que tenho a honra de ser Socio Honorario, acaba de enviar-me uma especie de Representação, em que me faz sentir a conveniencia de que naquelle Districto não seja creada uma Sociedade Agricola, daquellas que o Governo tem mandado crear em todos os Districtos. A razão é porque a Sociedade já estabelecida em Ponta Delgada tem produzido os melhores resultados, e prestado relevantes serviços em beneficio da Agricultura daquelle Districto. Entendo que a Representação é attendivel; e neste sentido desejava fazer uma Interpellação ao Sr. Ministro do Reino, para que S. Ex.ª tivesse a bondade de responder, no caso de estar preparado, se o Governo tem duvida em acquiescer aos desejos da Sociedade, e quando S. Ex.ª não esteja já habilitado para responder, desejo fazer esta Interpellação em outra qualquer occasião, em que S. Ex.ª julgue conveniente

O Sr. Presidente: — Tenho a observar ao Sr. Deputado, que as Interpellações não podem logo ter logar, senão quando a Camara resolva o entrar nellas, dispensando-se para esse fim o Regimento, e estando os Srs. Ministros preparados para responder; porque do contrario manda-se para a Mesa a nota sobre o objecto da Interpellação, para se communicar ao Ministro respectivo. Convido, por tanto o Sr. Deputado a mandar a sua nota para a Mesa, a fim de se lhe dar a direcção, que está marcada.

O Sr. Silvestre Ribeiro: — Bem; eu mando para a Mesa a nota da minha Interpellação; e continuo agora a usar da palavra para outro objecto.

Sr. Presidente, tres dos meus illustres Collegas, Deputados pela Madeira, apresentaram na Sessão passada um Projecto, para ser isenta do tributo do dizimo por espaço de 10 annos a cultura do café, canna do assucar, e do milho na Ilha da Madeira. Este Projecto foi remettido á Commissão de Fazenda, porque envolvia questão de tributos. Peço a V. Ex.ª e á Camara a mercê de me prestarem attenção sobre este objecto; porque se tracta de uma Provincia muito importante, e sendo assim não me levará a Camara a mal, que eu entre em algumas explicações sobre este assumpto. Peço que a Commissão de Fazenda, ou outra qualquer, a que este negocio esteja submettido, dê o seu Parecer sobre elle, mas principalmente a respeito do milho, porque é esta uma das necessidades mais ingentes daquella Possessão Portugueza, bastará dizer, que a importação do milho na Provincia da Madeira é transcendente: no anno de 1845 foram importados 6:897 moios de milho, no anno de 1846 = 8:945, e no anno de 1847 = 8:446, e não é sómente milho, que a Ilha da Madeira importa, é tambem muito trigo: por isso peço, que se tracte muito principalmente deste negocio, e que a Commissão dê o seu Parecer sobre este objecto para allivio daquella Provincia.

Peço, portanto, a V. Ex.ª queira dignar-se de recommendar este objecto á Commissão de Fazenda, com especialidade na parte que diz respeito á isenção do dizimo para o milho.

Peço tambem ser inscripto, para apresentar um Projecto de Lei.

O Sr. Presidente: — O objecto, de que o Sr. Deputado falla, foi remettido á Commissão do Commercio e Artes, e por Parecer desta Commissão, em 10 de Março ultimo foi remettido á Commissão de Fazenda; tanto esta Commissão, como a primeira ouviram a recommendação do Si Deputado, e a terão na conta devida.

SEGUNDAS LEITURAS.

RELATORIO: — Senhores: As conveniencias publicas podem determinar o Governo algumas vezes a fazer operações, que tenham por fim levantar fundos, ou contrair emprestimos, com que fique habilitado a prover ingentes necessidades do serviço; porém sendo ao mesmo tempo da maior importancia conciliar os principios de moralidade com os interesses da Fazenda Nacional, de sorte que se consiga o fim que se pertende, pela fórma menos lesiva para o Estado; tenho a honra de vos propôr o seguinte

Projecto de lei. — Artigo 1.º Todo o emprestimo, ou contracto sobre rendimentos do Estado, que se effectuar, da data da presente Lei em diante, entre o Governo e qualquer individuo, ou Companhia sem se ter admittido a concorrencia publica, por meio do competente annuncio no Diario, com vinte dias, pelo menos de antecipação deverá considerar-se nullo, e de nenhum vigor, como se nunca tivesse sido feito.

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Art. 2.º Fica revogada toda a Legislação em contrario.

Sala da Camara dos Deputados, em 20 de Janeiro de 1848. — Antonio Maria de Fontes Pereira de Mello.

Foi admittido, e remettido á Commissão de Fazenda.

O Sr. Ministro da Guerra: — Sr. Presidente, o Governo tem necessidade de empregar no Serviço Publico, e na mesma Commissão, em que se achava fóra da Camara o Sr. Deputado Joaquim Bento, e por isso mando para a Mesa a seguinte:

Proposta: — Exigindo o bem do Serviço Publico que o Sr. Deputado Joaquim Bento continue no exercicio que tem fora desta Camara, peço que a mesma Camara assim o consinta. — Barão de Francos.

Foi admittida, e approvada sem discussão.

ORDEM DO DIA.

Seguimento da discussão da Resposta ao Discurso da Corôa.

O Sr. Presidente: — Antes de tudo devo dar conta á Camara, que se acham sobre a Mesa duas Substituições, mandadas na Sessão anterior pelos Srs. Deputados Agostinho Albano, e Lopes de Lima; é necessario sujeitarem-se á decisão da Camara. A primeira Substituição, que é a do Sr. Agostinho Albano, não chegou a admittir-se, por não haver numero legal, que constituisse votação, e a segunda, que é do Sr. Lopes de Lima, não foi tambem admittida, por não haver numero, por consequencia vão lêr-se, para se pôrem á votação.

Depois de lidas na Mesa (V. a 1.ª na Sessão de 19 — e a segunda na Sessão de 20 do corrente) não foram admittidas a votação, a do Sr. Agostinho Albano por 37 votos contra 29, e do Sr. Lopes de Lima por 45 votos contra 23.

O Sr. Presidente: — Continua a discussão sobre a Reposta ao Discurso da Corôa.

O Sr. Ministro da Guerra: — Peço a palavra por parte do Governo.

O Sr. Presidente: — Tem S. Ex.ª palavra.

O Sr. Ministro da Guerra — Sr. Presidente, disse um illustre Deputado, que se assenta nos bancos superiores, que durante o seu Discurso faria com que o Ministros houvessem todos de pedir a palavra, parece-me, que S. Ex.ª será satisfeito, mas não devido ao seu esforço, porém sim á posição especial, em que se acham os Ministros. O silencio do Governo seria uma approvação tacita das accusações menos exactas, e pela maior parte exaggeradas, como todas aquellas, com que se aggride o Governo, e digo, que pela maior parte exaggeradas, por que me recordo, que um outro digno Deputado, que encetou esta discussão, antes de se formar o processo dos Ministros, antes de se ouvir a sua defeza, já tinha proferido a sentença, indigitando este banco, como occupado por cinco réos. Com quanto eu seja alheio ás materias de fôro, persuado-me porém que o réo nunca é qualificado como tal, senão depois que é convencido do crime, e ainda bem, Sr. Presidente que o voto d'aquelle illustre Deputado, não é, o que ha de julgar os Ministros, ha de ser o da Camara toda e eu espero da dignidade da

Camara, que ha de dar esse voto com a prudencia, que pede a honra propria, e o Systema Representativo (Apoiados). Disse-se: «O Governo não tem feito nada a bem do Paiz — tem palavras banaes de ordem e tranquillidade — Foram estas as expressões que ouvi partir daquelle lado da Camara. (apontando para o lado esquerdo) Apesar porém de que assim sejam classificadas pelo Sr. Deputado as palavras do Governo, desejo, e dou-me por feliz, que o Paiz continue a experimentar de facto o resultado destas mesmas palavras. (Apoiados)

Sr. Presidente, serão palavras banaes o evitar a continuação da guerra civil? Serão palavras banaes o evitar que se derrame mais sangue? Entendo que não (Apoiados) e faço votos para que estas banalidades se sigam pelos Governos, que nos succederem.

Cingindo-me a algumas notas, que tomei, acho, que é occasião de me occupar tambem da fallada exclusão de um Substituto da Cadeira de Zoologia. Tem-se dicto muito sobre este objecto, porém cada um a seu modo. Occupar-me-hei tambem, e direi unicamente a verdade. O caso é o seguinte: — O conselho da Escola Polytechnica consultou sobre a pertenção do individuo que requeria ser Substituto da Cadeira de Zoologia e consultou favoravelmente a respeito das suas qualidades scientificas. Com tudo a Camara toda sabe, que para alguns empregos não bastam muitas vezes unicamente as qualificações scientificas, e principalmente naquelles logares que tem por principal objecto a educação da mocidade, (Apoiados). Ainda bem que se acha presente o Digno Lente dessa Cadeira; que de certo reconhecerá comigo que as qualificações scientificas não são as unicas que se reputam necessarias, para instruir a mocidade. O Conselho pois como já disse consultou a favor das qualificações litterarias do individuo, mas pelas informações que tive depois, julguei eu não devia acceder á Consulta da Escola, e dirigi uma Portaria ao Director o Sr. José Felicianno da Silva e Costa, cuja intelligencia, conhecimento e probidade de certo é conhecida pela Camara, a fim de que me informasse sobre o negocio, e colhi, que na Consulta o Sr. Costa tinha assignado vencido, que dois ou tres Lentes mais assignaram igualmente vencidos, e outros que não tinham assignado nem a favor nem vencidos, e ainda que não deram os motivos por que assim obraram, é mui facil imaginar quaes seriam. Foi nestas circunstancias que eu mandei proceder a novo Concurso, e a Camara poderá julgar se este procedimento que eu tive, merece o epitheto de iniquo, como aqui se disse nesta Casa, e como o escreveram alguns Jornaes, que entre outras galantarias, lhe chamaram procedimento sultanico! Não me demorarei porém neste objecto, por que objectos relativos a Jornaes não devem vir para este logar. (Apoiados)

Sr. Presidente, se o procedimento do Ministro estivesse restrictamente sujeito á Consulta da Escola, de certo a consequencia era que o Ministro não seria senão uma Chancellaria das propostas da Escola, e caducaria o principio de que ao Governo pertence a nomeação dos Empregos Publicos (Apoiados) Se eu carecesse de reforçar esta minha opinião, faria um argumento de paridade, e então traria a lembrança o testimunho de V. Ex.ª e de mais alguns Dignos Deputados que vejo sentados nesta Camara, notan-

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do o que aconteceu em 1830, quando foi consultada a Escola Polytechnica a respeito de uma Cadeira de Botanica. — Eram tres os concorrentes: os Srs. Beirão, José Maria Grande, e Figueiredo; o Conselho da Escola consultou a favor do primeiro, e o Ministro de então, se bem me recordo, era o Sr. Conde de Bomfim, o qual não se conformando com a proposta, mandou ao Conselho, não que abrisse novo Concurso, mas sim que preferisse o Sr. José Maria Grande, e effectivamente assim se fez, e com tudo nesse tempo ninguem julgou que esse procedimento do Ministro daquella época fosse iniquo. E muito facil fazer accusações, mas proval-as não é commummente a tarefa da Opposição, (Apoiados)

Ainda pésa sobre mim outra accusação, que é a de que eu não provi um Alferes Alumno; esta arguição é de tal natureza que não merece a pena de defeza; entretanto direi que sobre este objecto não tenho o mais pequeno procedimento, justo ou injusto, que podesse occasionar a accusação, porque effectivamente não ha procedimento algum da minha parte a este respeito, porque nunca na Secretaria da Guerra appareceu requerimento sobre este objecto.

Disse-se tambem, que o Governo não é economico. Eu não sei em que os Srs. Deputados, que produziram estas asserções, fazem consistir as economias; o que sei é que a Administração a que tenho a honra de pertencer exerce, sempre que julga compativel com o bem do serviço, esse principio de economias, e pela minha parte tenho feito tudo quanto está ao meu alcance; e se as circumstancias do Thesouro não fossem taes, como infelizmente são, poder-se-ía dizer, que eu até era mesquinho; porque tenho na minha Repartição alguns logares vagos, e não os tenho preenchido, porque julgo que o serviço se póde fazer sem prejuizo, continuando esses logares a estarem vagos; e parece-me que quem assim obra, tem idéas economicas, e se isto não são economias, ignoro quaes ellas sejam, (Apoiados)

Por esta occasião de fallar em economias, lembra-me que ainda não vai longe o tempo, em que nesta mesma Casa eu fui arguido por haver mandado fazer arrematações ruinosas para o fornecimento do Exercito, e então fizeram-se-me mui grandes imputações a esse respeito; mas brevemente, e em occasião opportuna, espero mandar para a Mesa, a fim de ser examinado pelos Srs. Deputados, um Mappa em que se demonstra o fornecimento actual do Exercito, comparado com o que havia antes, e então espero, que a Camara ha de avaliar as economias que se fizeram, que são de muitos contos de réis, e estou persuadido que é com fados desta natureza que se provam as economias do Governo, e não com palavras, como são as arguições que se lhe fazem, sem descer ao campo positivo das provas e dos factos. (Apoiados)

O Sr. Presidente. — Acho-me incommodado, e por isso peço ao Sr. Vice-Presidente que queira subir á Mesa para tomar a Presidencia.

O Sr. Vaz Preto passou a occupar a Cadeira da Presidencia.

O Sr. Presidente do Conselho: — Peço a palavra por parte do Governo.

O Sr. Presidente: — Tem S. Ex.ª a palavra.

O Sr. Presidente do Conselho: — Sr. Presidente, pela primeira vez na minha vida fui accusado de assassinio e de furto. Palavras severas sairão da minha bôca. A Camara me fará justiça se acreditar, que o faço com a maior violencia e repugnancia.

Um pacto de sangue firmado sobre um cadaver foi celebrado poucos dias depois da batalha de Torres Vedras pelo actual Presidente do Conselho. A forca, a maldição sobre mim se o crime se provasse: a forca, a maldição sobre o accusador se a accusação fosse uma calumnia, diria eu, com a Ordenação do Reino, se o veo da impunidade não cobrisse o Deputado pelo que profere nesta Casa; mas sem esse =; e veo o Sr. Antonio da Cunha Sotto-Maior não teria por certo feito soar neste recinto similhante accusação.

O crime consistia no assassinio de um Correio do Conde das Antas, ou do Conde do Bomfim, para me apoderar da sua correspondencia: o premio do crime foi uma isenção completa de pagar direitos de Barreira pelos generos que introduzisse em Lisboa; o perpetrador do assassinio foi Filippe do Sobral, segundo me respondeu por escripto o Sr. Deputado, porque logo que se sentou, tive a coragem de ir placidamente perguntar-lhe nome, e circumstancias do facto, porque era accusado.

E depois de decorridos dous annos, depois da celebre discussão que em Janeiro do anno passado teve logar na Camara dos Pare, em que tomaram parte os Condes de Bomfim, e Antas; e na qual por certo não fui poupado, depois das invectivas e calumnias que nesses dois annos se tem publicado contra mim nos Jornaes Republicanos, cujos Redactores dotados da mais fertil imaginação tem pelo menos tão escrupulosa moralidade no que escrevem contra seus adversarios politicos, como o Sr. Deputado a que me refiro, quando ataca os Ministros; é só depois de tudo isto que similhante facto apparece no Publico pela primeira vez.

O Sr. Silva Cabral: — Peço ao Sr. Presidente que tome nota da maneira, porque S. Ex.ª está comparando a moral de um Deputado.

O Orador: — Quando fui accusado de ter roubado 400$000 réis, ouvi o nobre Deputado sem o interromper. Espero que se me faça o mesmo.

É falso o facto alludido; nunca existiu, e de todas as indagações a que tenho procedido, o unico resultado foi o lembrarem-me os Officiaes do meu Estado Maior, que durante a guerra interceptámos dois portadores; um o Cor[…] Barbosa, que ficando solto em Lisboa, voltou ao serviço da Junta, e como Sargento ficou prisioneiro em Torres Vedras, tornando depois a fugir para o Porto: outro mandado de Castello Branco áquella Cidade, pai de um soldado de Cavallaria n.º 8, que estava comnosco, foi conduzido préso á minha presença, e em logar do rigoroso tractamento que podia dar-lhe, seguindo o exemplo da Junta, que lançou nas enxovias da Relação do Porto ao Correio Paulo, dos Negocios Estrangeiros, que levava Officios para Hespanha, e alli o conservou até ao fim da guerra; mandei-lhe entregar a cavalgadura, e lhe dei quatro moedas para voltar para Castello Branco. As cartas ou bilhetes que chegaram á minha máo na noite de para 23 de Dezembro de 1846, não foram interceptadas, foram entregues pelo portador aos meus piquetes.

Foi o premio a faculdade de entrar as Barreiras sem pagar direitos! Vou lêr um attestado do Primeiro Escripturario da Repartição das Sete Casas, e um Officio dirigido ao meu Collega dos Negocios da Fazenda, pelo Director da mesma Repartição.

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«Ill.mo e Ex.mo Sr. Conselheiro Director da Alfandega das Sete Casas = Diz João Antonio da Fonseca que elle necessita que V. Ex.ª lhe mande declarar por Certidão se desde Dezembro de 1846 se concedeu ou não a algum Despachante, Negociante, ou Almocreve, isenção de pagamento de direitos á Fazenda Publica pela conducção e entrada de quaesquer generos pelas portas das Barreiras da Capital; e no caso affirmativo se declare tambem a favor de quem é feita essa isenção, desde que época, e porque ordem, pelo que R. M.»

«José Maria Galvão Xavier de Magalhães, Cavalleiro das Ordens de Christo, e de Nossa Senhora da Conceição de Villa Viçosa, e Primeiro Escripturario da Alfandega das Sete Casas por Sua Magestade a Rainha, a quem Deos guarde = Certifico que revendo os respectivos Livros de Registo das ordens expedidas pelo Governo e Repartições Superiores a esta Alfandega desde o 1.º de Dezembro de mil oitocentos quarenta e seis, não consta delles haver-se expedido alguma determinação relativa a isentar-se pessoa alguma de que trata o Requerimento retro, de pagar os direitos que na mesma Alfandega e suas Estações Subalternas se arrecadam em conformidade da Lei. E para constar aonde convier, passei a presente em observancia do despacho supra. — Alfandega das Sete Casas, em dezeseis de Janeiro de mil oitocentos quarenta e nove. = José Maria Galvão Xavier de Magalhães.

O meu Collega o Sr. Ministro da Fazenda, quando aqui ouviu a accusação de que se permittia a um homem entrar pelas Portas da Cidade, sem que os generos que conduzia pagassem direitos, sem eu saber, mandou logo informar o Administrador da Alfandega das Sete Casas, e aqui está o Officio deste Empregado.

«Ill.mo e Ex.mo Sr. — Satisfazendo, como devo, ao que me ordena S. Ex.ª o Sr. Ministro e Secretario d'Estado dos Negocios da Fazenda, e por V. Ex.ª me é referido em officio d'hoje, sobre ter-se asseverado na Camara dos Srs. Deputados, que em um dos dias passados entrara pela portas d'Alcantara, um Almocreve com bestas carregadas com vinho, do qual não pagára direitos; posso asseverar a V. Ex.ª que não tenho noticia que tal acontecesse, e nem julgo possivel acontecer com conhecimento dos Empregados da Fiscalisação desta Alfandega no despacho daquellas portas, não só pelo conceito que me merece, e sempre mereceu o Chefe d'aquellas portas, mas tambem por que um semilhante facto não podia praticar-se sem consentimento de todos os outros Empregados, e Guardas Fiscaes nas Barreiras, e em tal caso não era possivel haver interesse que os obrigasse a todos a oculta-lo, e deixar de vir ao meu conhecimento.

«Muito menos acreditavel se torna aquelle facto pela maneira que na Camara dos Srs. Deputados foi referido, e eu li no Diario do Governo, pois que, como V. Ex.ª bem sabe, nunca houve concessão alguma de semilhante naturesa e por ordem superior. — Deos Guarde a V. Ex.ª Alfandega das Sete Casas 17 de Janeiro de 1849. — Ill.mo e Ex.mo Sr. Conselheiro Official Maior da Secretaria d'Estado dos Negocios da Fazenda. — O Director, Antonio Pinto de Magalhães.»

Estes documentos provam o ser tambem falsa a asserção de se haver concedido, a quem quer que seja, isenção de pagar direitos de Barreira. Se o crime só existe na imaginação do Sr. Deputado, como poderia existir a recompensa?

Quanto a Filippe do Sobral, nome desde hoje celebre nos fastos das Opposições Parlamentares, mando para a Mesa, junto com o attestado e officio que li, quatro documentos, de que passo a lêr o extracto.

«São 4 Officios: — 1.º do Commandante do Corpo das Guardas Barreiras — 2.º do Administrador do Bairro de Belem — 3.º do Administrador do Bairro d'Alfama — 4.º do Administrador do Bairro Alto.

«De todos estes Documentos se deprehende que o verdadeiro nome deste homem é Filippe Francisco, que tambem é conhecido pelo nome de Filippe do Outeiro, ou do Sobral, e é Almocreve conductor e traficante de vinhos do Termo.

«Consta que este individuo contrabandeou em vinhos e azeites, e que estivera preso duas vezes; uma por desordem que teve em 28 de Maio de 1839, e outra em 22 de Janeiro de 1845 por suspeita de ter tomado parte em um roubo.

«Aquelle Almocreve é muito conhecido em todos os Postos Fiscaes das Sete Casas, e pelos Guardas Barreiras, por que ha muitos annos tem o referido commercio de vinhos, que constantemente tem despachado com guias, mediante o pagamento dos respectivos direitos.

«Das informações que officialmente se houveram da Administração do Bairro de Belem, e do proprio depoimento dos Guardas Barreiras da porta d'Alcantara, se confirma que o denominado Filippe Sobral, ha 3 mezes successivos faz a sua entrada pela Barreira d'Alcantara, acompanhando constantemente as cargas dos artigos que conduz, das competentes guias de despacho: que os mesmos Guardas Barreiras, nem outro algum Empregado Fiscal das Sete Casas tem a respeito delle recommendação alguma para lhe darem favor ou protecção, nem elle se acompanha de documento alugam que lhe conceda privilegio ou isenção; sendo isto tanto assim, que havendo o mesmo Almocreve entrado no dia 13 do corrente Janeiro com 6 cargas, que comprehendiam 30 almudes de vinho, acompanhadas da respectiva guia de despacho, aconteceu que encontrando depois d'isso os Barreiras 2 odres com vinho ás costas de dois homens, foram aquelles apprehendidos e remettidos ás Sete Casas, apezar da allegação que o mesmo Filippe fez, de que elles estavam incluidos na guia das cargas; do que tendo-se tomado conhecimento na dicta Alfandega esta fez a restituição dos odres apprehendidos, por ser verdade o estarem incluidos na guia principal.

«E se destas informações se prova cabalmente que pela Alfandega das Sete Casas, se não dá favor ou protecção ao dicto Filippe do Sobral, a Certidão inclusa com o n.º 5, prova ainda mais amplamente, que nem áquelle, nem a nenhum outro individuo se concedem izenções, e que todos os que negoceiam em generos da competencia da mencionada Casa Fiscal, estão sujeitos ao pagamento dos Direitos estipulados por Lei.»

Não moralisarei esta accusação: direi unicamente que me parece haver habilitado a Camara a julgar, se tem perante si, em mim um infame assassino, no Sr. Deputado um infame calumniador.

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O Papa é um symbolo, e a liberdade da Italia um principio.» Estas palavras, proferidas á face do Mundo inteiro, por um Sr. Deputado, são excessivamente escandalosas para todos os ouvidos catholicos. (Apoiados, apoiados) Não se póde ser catholico sem respeitar todos e cada um dos artigos da Crença Catholica. (Apoiados) Um desses artigos é que o Papa representa a Pessoa de Jesus Christo, Divino Auctor da nossa Religião, e da nossa Salvação; e neste sentido e principio e não symbolo. (Apoiado) Não e um signal, mas uma realidade, que só ella e principio. Tambem a liberdade da Italia ardentemente desejo que seja uma realidade, mas fazer do Papa um nada, e da liberdade da Italia uma realidade, 4 absolutamente o mesmo que negar ao Papa o que é como Sacerdote, como Bispo, como Chefe da Igreja de Deos. (Muitos apoiados) É um escandalo, é uma heresia, e póde ser que mais alguma cousa, se attendermos aos tres sublimes caracteres que constituem o Papa. Talvez nessa hora aziaga o Sr. Deputado calcasse aos pés todo o Culto, e todo o Principio Religioso.

A Carta Constitucional no art. 6.º admitte como unica publicamente professada, a Religião Catholica Apostolica Romana; e no § 4 º do art. 145.º manda que se respeite essa Religião. E contra estas disposições da Carta virá ainda o veo que cobre o calumniador, acobertar tambem o que neste recinto propala a heresia? (Apoiados).

E de absoluta necessidade que o Sr. Deputado solemnemente se desdiga, ou que a Camara delibere sobre o procedimento que deve seguir-se.

Fallou o Sr. Deputado tambem sobre o arresto do Estandarte. Sr. Presidente, pelos artigos 1.º e 9, da Lei de 19 de Outubro de 1840, a publicação de um Jornal que não tem Editor responsavel, é um crime, crime que tantas vezes se repete, quantas são as folhas do Periodico que se publicam.

E tambem incontestavel que um Periodico deixa de ter Editor responsavel, logo que este, pelo mesmo modo porque se tinha obrigado, isto é, por um termo que assigna no Governo Civil, declara que se não responsabilisa mais pelo que no Jornal se publicar.

A Redacção do Estandarte teve conhecimento official de que havia cessado a responsabilidade do seu Editor, e que não podia continuar a publicação do Jornal sem nova habilitação. Insistiu na publicação; a despeito da Auctoridade desobedeceu á Lei; a Auctoridade teria faltado ao seu dever se impedisse um facto que a Lei declara crime, e o unico meio de o impedir era arrestar a imprensa, instrumento desse facto criminoso, sem o qual o crime não podia continuar a perpetrar-se.

Para proceder desse modo tinha o Governo auctorisação nas differentes disposições das nossas Leis, que lhe incumbem velar pela manutenção da Ordem Publica, providenciar em casos extraordinarios, e lançar mão dos meios necessarios para impedir a repetição de factos criminosos; e tinha-a tambem no art. 905.º da Reforma Judicial.

E poder-se-ha admittir sem absurdo que a Redacção de um Jornal insista em que o seu Editor continue ainda a responder pela publicação da Folha, apesar de elle haver declarado perante a Auctoridade competente o contrario? Tomando a Redacção para fundamento de tão exotica opinião convenções particulares? De certo que não; porque essas convenções só podem auctorisar a Redacção a pedir ao Editor, que se despede, perdas e damnos por falta de adimplimento do contracto, mas não podem ter importancia alguma, quando se tracta da responsabilidade do Editor para com a Auctoridade Publica. Por este modo irregular procedeu, porém, a Redacção do Estandarte, porque não só declarou que não julgava o Editor desabrigado de responder pelo Jornal, depois delle haver assignado o termo de desistencia no Governo Civil, mas continuou, a despeito da intimação official que se lhe fez, a publicar o Jornal e a inscrever o nome do ex-Editor como responsavel por elle,

Allega-se a final o caso julgado em 1844 com o Jornal = A Revolução de Setembro, = mas, Sr. Presidente, esse argumento é todo a favor do procedimento do Governador Civil. Naquella occasião tractou-se de saber a quem pertencia o direito de julgar, ou não — se um Editor por mudança de circumstancias tinha deixado de ser idoneo. A questão actual é saber, se um Editor que se constitue tal por um Acto Administrativo, o termo que assignou perante o Governador Civil, póde deixar de o ser por um acto da mesma natureza. Na primeira especie decidiu-se que sendo o Poder Judicial quem julgava da idoneidade do Editor, era elle tambem que devia julgar, se as circumstancias posteriores haviam destruido essa idoneidade.

Sanccionou-se mais uma vez o principio de que as cousas se devem desfazer pelo mesmo modo, porque se contrahem. O Editor responsavel do Estandarte, tendo-se constituido tal por um termo feito perante o Governador Civil, perante a mesma Auctoridade fez outro têrmo declarando que deixava de o ser. E quem duvidará da legalidade daquelle acto, quem não verá que a decisão de 1844 auctorisava, se fosse necessario, o procedimento do Governador Civil?

Levantou a final o Sr. Deputado a quem tenho respondido a cabeça, e desafiou a que o atacassem na sua vida publica.

Na vida publica do Sr. Deputado distingo tres épocas — a 1.ª de Militar, a 2.ª de Escriptor Publico, a 3.ª de Deputado.

Como Militar desertou da frente do inimigo fugindo a esconder-se no seio da sua familia. Pertencia então ao Regimento N.º 11 de Cavallaria, que fazia parte do Exerto que eu commandava.

Nos Escriptos que geral — e unanimemente se lhe attribuem, entre outras bellezas se acha a de ser uma linha recta o caminho das Necessidades ao Caes do Tojo. Não sei se o Sr. Deputado admitte a expressão como sua (O Sr. Cunha: — Fez um signal de assentimento). Nesse caso aquella expressão quer dizer, que o caminho do Paço dos nossos Reis para a Forca é o mal curto e facil. E quem tal escreve, advoga sem duvida nenhuma o regicídio (Muitos Apoiados).

Como Deputado, estou convencido que os Eleitores que lhe déram os seus votos, que a Camara, e o Paiz já hoje lhe fazem justiça.

O Sr. Deputado Silva Cabral, nas primeiras horas que fallou, divertiu-se em divagar pelas regiões hypotheticos. Se é verdade o que se diz no Publico que o Governo fez isto, aquillo, e aquelle outro, o Governo commetteu esta, aquella infracção. E elidirei tambem que, se se gasta assim o tempo anteci-

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pondo Dircursos de horas sobre assumptos, que ainda não foram submettidos a Camara; ha por certo pouco amor á economia de que tanto se blasona.

Chamou ao Ministerio agente officioso dos tres flagellos, peste, fome, e guerra, e para o provar apresentou tres argumentos de uma força irresistivel. 1.º Que o Governo empregou um Diplomatico noviço, mandando-o para Madrid. O Diplomatico noviço de quem o Sr. Deputado falla, já tem servido oito annos, em quatro differentes Côrtes, tendo sido em uma dellas Chefe de Missão, por mais de dois annos successivos, merecendo sempre naquelle serviço a approvação, e elogios do Governo. Logo na primeira asserção S. Ex.ª não foi feliz. — 2.º Que o Governo tinha Creado um emprego, e estabelecido um ordenado ao illustre Deputado o Sr. Avila. S. Ex.ª já triumfante lhe respondeu. — 3.º Da maneira, a mais desabrida, e violenta, me dirigiu o Sr. Deputado o ataque, que mais plausivel parecia, o de haver eu recebido o soldo de Marechal, e o ordenado como Diplomatico, contra o que dispõe o Decreto de 30 de Julho de 1844. S. Ex.ª tem sido tão desgraçado nesta discussão, que até nisto dirigiu contra si mesmo uma accusação. Sem commentar a delicadeza, e generosidade, com que o Sr. Deputado obstinadamente se oppoz a que o meu Collega o Sr. Visconde de Castro desse desde logo uma explicação officiosa, e amigavel, terei a honra de informar a Camara, que quando em 1835 fui nomeado para París, como nas duas talvez mais delicadas Missões Diplomaticas, que tem havido no nosso tempo, e de que á undécima hora me encarregaram, (fallo da navegação do Douro, e da questão de indemnisações ao Governo Inglez) já nessa occasião, eu tinha declarado ao Governo, que de modo algum prescindia do meu soldo. O mesmo fiz quando me mandaram para Vienna em 1844. — Cinco annos estive ausente, em todo esse tempo, não li um só Diario, ou Jornal Portuguez; os mais serio» estudos occupavam o meu tempo, e queria regressar ao meu Paiz completamente estranho ao que nelle se tivesse passado. Mas o Decreto de que fallou o Sr. Deputado, é de 30 de Julho de 1844. S. Ex.ª esteve no Ministerio até Maio de 1846, e portanto qualquer imputação que podesse haver a este respeito, pertencia mais a S. Ex.ª Membro de um Ministerio Solidario, que não deu execução áquelle Decreto, mandando sustar os pagamentos de meus soldos, do que a mim, que nunca tive delle conhecimento.

Uma grande verdade disse, porém, no primeiro dia, o Sr. Deputado Silva Cabral, que á Providencia devemos a Paz de que gosâmos? Ella é por certo miraculosa! Mas para chegar a seus fins, emprega Deos instrumentos diversos, uns positivos, outros negativos, Os Ministros tem sido os humildes intrumentos activos, outros individuos terão sido os passivos, pelo receio que inspiraria a sua chegada ao Poder.

No dia seguinte, baixou o Sr. Deputado das regiões hypotheticas, e tanto baixou, que a ninguem deixou de causar admiração. Fallou do omissões culposas, e de factos culposos. Os meus Collegas já responderam cabal, e triumfantemente ás arguições que respectivamente lhes pertenciam. Espero fazer o mesmo pelas que dizem respeito ao Ministerio de Reino.

Tres arguições fez o Sr. Deputado, relativamente ás Minas de Carvão de Pedra, foi a 1.ª: «Que o Governo não tinha feito diligencias para que na Camara dos Pares passasse a Lei approvada nesta Casa.»

Quem quizer dar-se ao trabalho de ler no Diario do Governo n.º 276, a discussão que teve logar na outra Camara, convencer-se-ha, que esta accusação não é exacta.

2.ª «Que por um Decreto se tinha illicitamente concedido a lavra das Minas de S. Pedro da Cova.»

Não discutirei esta questão, para não incorrer na censura que fiz, direi unicamente que o Governo tem a consciencia de haver cumprido o seu dever; e parece-me sufficiente assegurar á Camara, que resolveu o negocio, conformando-se com o voto unanime de uma Commissão composta dos Dignos Pares, Silva Carvalho, Fonseca Magalhães, Duarte Leitão, e Tavares Proença, dos Srs. Deputados, Rebello Cabral, e Dr. Corrêa Caldeira, e dos dois Procuradores da Corôa, e da Fazenda.

3.ª e ultima arguição. Que, finalmente se não attenderá a outra Proposta, em que offereciam 14 contos em logar de 10.»

No Ministerio do Reino nunca deu entrada similhante Proposta. Aproveito esta occasião para informar a Camara, que, entre outras, uma Proposta de Lei de Minas já se acha prompta, e lhe será submettida com brevidade, por ser bem conhecida a insufficiencia da Lei actual.

Entre os muitos argumentos apresentados para captar a publica affeição, veio o das despezas da Policia Secreta. Assentou o Athleta da Opposição esmagar a Administração, o Secretario Geral, e mais Empregados do Governo Civil de Lisboa, debaixo do pêso enorme de 7:900$000 réis. Por caridade exceptuou S. Ex.ª o Governador Civil. Este porém não acceita o cumprimento, como a Camara verá pelo Officio que vou ler. (Leu-o.)

A verba do Orçamento é de 10:000$000 réis, não sei por tanto em que possa haver a menor sombra de fundamento para uma arguição, por havermos gasto em sete mezes 7:900$000 réis. Sem embargo, e ainda que a conta não é exacta, para não tirar a força aos argumentos de S. Ex.ª, acceito a cifra de 7.900$000 réis, não para a Politica de Lisboa, mas para a de todo o Reino. Dividida pelos mezes de Julho a Janeiro, inclusivamente pertence a cada mez 833$333 réis. Ainda que o Governo fosse rigorosamente obrigado a dividir os 10:000$000 réis igualmente pelos doze mezes do anno, o que de certo não é, teriamos o atroz attentado de haver gasto de mais em cada um destes sete primeiros mezes mais alguma somma. E acha o Sr. Deputado caros por tal preço os artigos seguintes, de que a Policia se tem apoderado:

150 Armas reiunas.

6 Clavinas.

2 Refles.

2 Armas caçadeiras.

155 Bayonetas.

86 Bainhas das ditas.

75 Patronas.

19 Correias das ditas.

37 Cartuxeiras de lata

54 Cinturões.

21 Correias de infanteria.

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83 Boldries.

5 Canarias.

30 Lanternetas.

4 Granadas de mão.

409 Pedreneiras.

2 Canos de espingarda.

13 Pistolas.

120 Chuços.

7 Espadas de bainhas de feno,

44 Chumbeiras.

44 Martelinhos.

10 Chapas de peito.

1763 Cartuxos embalados

26 Bandoleiras.

59 Varas para chuços.

37 Paos de lança,

37 Ferros para chuços.

1 Saco com polvora.

1 Saco com zagalotes.

1 Bacamarte.

3 Lanças.

7 Machados militares

1 Coronha de espingarda.

1 Florete.

1 Estoque.

Atrevo-me a declarar a face da Europa inteira, que nunca houve tão boa Policia por tão pouco dinheiro. E não pense a Camara que a Policia se limitou a appreender as armas e mais generos de que acabo de fallar. Muitos e mui relevantes teem sido os seus serviços, por elles temos podido prevenir muitos projectos de desordem, temos obtido documentos importantes, mesmo depois de haverem chegado ao seu destino. Lerei á Camara um documento, que não deixará de a interessar: é uma carta de Antonio Manoel Soares Galamba, dirigida a Antonio Rodrigues Sampaio:

«30-11-1848. — Amigo Sampaio. — Recebi a carta da Commissão, e vendo o que me diz sou a responder: tendo entrado de novo em Portugal estou resolvido a não tornar para Hespanha, sem primeiro experimentar a sorte das armas; tenho gente e armas, e vontade, e com isso póde-se fazer muita cousa, com tudo espero me mandem o que me prometteram: não deixo de lembrar, deve o Conde de Mello e o Mantas virem para se combinar; o Valle deve ir para o Algarve, aonde temos gente bastante, e os armamentos que eu lhe disse Samora poz em Faro. O sr. Conde das Antas diz me para não proclamar a Republica, com tudo ainda que acho de razão, não deixo de logo que possa de fazer proclamar a soberania do Povo. O Sr. Conde do Bomfim deve ír para o Norte, em fim eu até 20 do Natal devo ter as minhas ordens mil homens capazes de pegar em armas, e não me importa com o Duque de Saldanha, porque estou certo que ainda ha de fazer mais uma cara. V. S.ª diz-me que tem aí para mais de mil e quinhentas armas..... não sei para que sirvam, a não ser para dar cabo do monstro.... monstrinhos... e desse Ministerio, cuja cabeça precisava a forca. Mandem-me Proclamações para distribuir ao Povo, porém em sentido livre. Recommende-me ao José Estevinho, e no fim as ordens. Amigo do coração. — Antonio Manoel Soares Galamba.»

O Governo é tão perseguidor que nem mesmo contra este miseravel mandou proceder, porque não temos medo, e porque temos a convicção de que havemos de ser coadjuvados pelos homens de bem de todos os Partidos, para esmagar com mão de ferro a hydra do Communisme, se ousar levantar a cabeça entre nós. (Muitos apoiados) Parece-me pelo que acabo de expor, que tenho todo o direito a rejeitar Com indignação o epitheto de perseguidor, com que o Sr. Deputado Fontes de Mello, por excesso de amisade, me quiz honrar.

Os meus illustres Collegas dos Negocios Estrangeiros, e da Guerra, já demonstraram a futilidade das arguições pelos pagamentos das despezas feitas pelo Exercito Leal á Rainha e á Carta. Quereria acaso o Sr. Deputado, se a desgraça exigisse que tornassemos a sair a campo, que o Exercito da Rainha não tivesse quem lhe fiasse um carro de palha, ou uma ração de pão? Acabei de tractar das despezas da Policia do Reino, e como objecto analogo, a Camara me permittirá que eu diga duas palavras sobre as despezas confidenciaes do Exercito, que ultimamente commandei.

Foram calculadas estas despezas em tres contos de réis mensaes; muitas vezes o Governo de Sua Magestade me auctorisou a fazer, além daquella verba, as despezas que eu julgasse necessarias.

A Campanha durou nove mezes; sem fallar na ultima auctorisação, podia eu dispor pela primeira, de 27 contos de réis, de que não tinha de dar contas. Vou lêr á Camara, e mandar para a Mesa um Officio, que fará vêr o uso que fiz daquella auctorisação:

«Ill.mo e Ex.mo Sr. = Em cumprimento das ordens de V. Ex.ª fui examinar as contas dos tres differentes Encarregados da Pagadoria do Exercito de Operações, e achei que sommavam as tres verbas que se acham lançadas debaixo do titulo de = Despezas Extraordinarias ou Confidenciaes = em 1:791$590 réis, que divididos pelos nove mezes de Campanha dá a quantia mensal de 199$065 réis. E é de notar, que ainda nesta verba entram muitas outras despezas, como compras de alguns Cavallos para o serviço de alguns corpos, indemnisações a alguns individuos que tiveram suas casas roubadas pelo inimigo, compra e pagamento de roupa da ordem a alguns soldados apresentados, que deixavam suas mochilas no campo do inimigo, etc., etc.; de fórma que, se escrupulosamente se classificarem pela fórma e applicação que tiveram todas as despezas, parece-me que poso assegurar a V. Ex.ª que não chegará á somma de 400$000 réis, em todos os nove mezes de Campanha, aquella a que propriamente se possa dar a denominação de = Confidencial.

V. Ex.ª póde quando quizer mandar quem quer que seja examinar estas contas, que estão promptas ha já muitos mezes na Repartição de Contabilidade da Secretaria da Guerra, e das quaes eu tenho cópias em meu poder

Deos guarde a V. Ex.ª Lisboa, 19 de Janeiro de 1849. = Ill.mo e Ex.mo Sr. Duque de Saldanha.» — Francisco Damazio Roussado Gorjão

Vê-se pois, que não cheguei a dispender 400$000 réis em toda a Campanha, e mando este Officio para a Mesa, a fim de que se algum Sr. Deputado quizer examinar as contas á Secretaria da Guerra poder, e lá achará todas as contas, que provam o que acabo de lêr neste Officio.

E aquelle Retrato! Aquelle Retrato custou exacta-

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mente 130$000 réis, como disse o Sr. Deputado, e foi exactamente esse modico preço, e o conhecimento que eu tinha do modo de pintar do habil e modesto Artista, o Sr. Balaca, que me decidiu felizmente a encarregar-lhe aquelle trabalho.

O Retrato que o Sr. Fonseca fez para a Camara Municipal custou 288$000 réis, e o que está no Arsenal do Exercito 1:181$000 réis. Mas a ordem, cujo numero mencionou o Sr. Deputado, era de 400$000 réis, logo o Ministro do Reino metteu na algibeira o resto. O Sr. Deputado sabia perfeitamente a natu-icza da ordem a que se referiu, já foi Ministro, e sabe como as cousas se passam nas Secretarias; mas nisto, como em tudo o mais, mostra a sua reconhecida boa fé.

Mas de 400$000 réis tirados 180$000 ficam 220$000 réis, que foram para a algibeira do Ministro. O Sr. Deputado teve por esta occasião já um grande triunfo. O Jornal Communista já exclamou. Duque de Saldanha, Duque de Saldanha, põe para alli os 220$000 réis que furtastes. Estou convencido que os homens de bem do Partido Setembrista stygmatisaram com indignação a conducta do Redactor, que se fez o éco do Sr. Deputado. Mas 200$000! eis é pouco dinheiro, se se comparar com 220 contos, mas muito se se comparar com uma quantia inferior.

O Officio que passo a lêr é do Conselheiro, Official Maior da Secretaria do Reino:

«Ill.mo e Ex.mo Sr. — tenho a honra de informar a V. Ex.ª, em satisfação das ordens recebidas, que, a para as despezas a cargo do Ministerio do Reino, e se havia feito em 8 do corrente uma requisição sob n.º 309, ao Thesouro, por 400$000 réis, e que deste dinheiro foi applicada a quantia de 358$800 réis ao pagamento de um painel para a Camara tidos Srs. Deputados, a saber: 180$000 réis pelo trabalho de pintura, e 178$800 réis pela moldura e mais ornatos do quadro; ficando o resto, na importancia de 41$200 réis, em Caixa, debaixo de a minha propria responsabilidade.

«Aqui juntos remetto a V. Ex.ª os dois recibos «dos respectivos Artistas; e posso assegurar a V. Ex.ª «que as contas do Ministerio se acham documentadas, e escriptas pela Repartição de Contabilidade «com tanta exactidão, que bem póde V. Ex.ª, a todo «o momento, haver quaesquer esclarecimentos, que «necessarios lhe forem.»

Por deferencia pela Camara desci a estes pormenores, porque para todos os Portuguezes tenho adoce convicção de estar persuadido que bastava declarar, que o accusador é José Bernardo da Silva Cabral, e o accusado o Duque de Saldanha.

Continuou o Sr. Deputado accusando o Governo pelo excesso de despeza feita com a setima Companhia da Guarda Municipal. Depois do que o Sr. Visconde de Castro disse já a este respeito, só me resta analysar as cifras. Fez o Sr. Deputado subir aquella despeza a 15:370$000 réis. Mui grave êrro commetteu S. Ex.ª neste assumpto. No semestre decorrido estava o Governo auctorisado a dispender com a Guarda Municipal 74:098$265; gastou effectivamente 76;855$725; differença «2:757$460 réis. Temos porém a descontar — soldo de Officiaes do Exercito empregados na mesma Guarda 867$630; ficam por tanto 1:839$830. Mas na Guarda existem setenta e oito praças de pret que, segundo a Lei de 22 de Fevereiro de 1838 deviam ter passado para a Companhia de Guardas Barreiras, e serem pagos po-las Sete Casas. O pagamento a estes homens importou em 3:369$600, logo em logar dos 15:370$000 réis com que o Sr. Deputado tanta bulha quiz fazer, tem realmente o Governo gasto com a Guarda Municipal nos ultimos seis mezes 1:179$770 réis menos do que a verba marcada no Orçamento.

Perguntou me o Sr. Deputado em que verba do Orçamento tinha eu ido achar a despeza, que fazia para mais com a setima Companhia da Guarda Municipal. Já lhe respondi. S. Ex.ª me permittirá que eu agora tambem lhe pergunte em que verba do Orçamento achou S. Ex.ª os quinhentos contos de réis, que deste logo venciam juro de seis por cento, com os quaes, por parte do Governo, comprou á Companhia Lombré o direito de fazer a estrada entre Lisboa e Porto; para o dar á Companhia das Obras Publicas?

Saiba a Camara, conheça o Paiz, admire a Europa o verdadeiro amor que o Sr. Deputado professa á economia de que tanto blasonou.

Na ausencia do Proprietario achou-se o Sr. Depurado exercendo em Junho de 1845 o logar de Ministro do Reino Entrou de tarde na Secretaria, chamou o Chefe da Repartição das Obras Publicas, entregou-lhe uns papeis, e exigiu immediatamente o parecer desse Chefe. Todos conhecem a amabilidade de que S. Ex.ª é dotado, e que não pouca coragem necessita o que lhe é subordinado para emittir uma opinião contraria á de tal Chefe. Honra seja por isso feita ao Official Maior Graduado da Secretaria do Reino, Antonio de Reboredo, que no papel que tenho na mão, sustentou os gravissimos prejuisos que de tal negocio resultava ao Estado. Mas o Ministro interino tudo desattendeu, e era tal a ancia de concluir aquelle bello negocio, que nesse mesmo dia 30 de Junho, contra a opinião do Chefe da Repartição, e sem ter ouvido nenhum dos Procuradores Fiscaes, augmentou a divida da Nação com mais quinhentos contos, de que desde logo se pagavam juros de seis por cento, e brindou os Povos com mais trinta annos de impostos de Bari eiras, porque a Companhia Lombré tinha o Privilegio por trinta annos, e a Companhia das Obras Publicas por sessenta; e tudo isto pelo prazer de ver a ligação instantanea, e sob um mesmo Systema, as communicações da Estremadura com as do Minho, e outras razões de igual natureza. Escripta manent. Aqui está o original despacho pelo proprio punho do Sr. José Bernardo da Silva Cabral, e mando para a Mesa uma cópia authentica com alguns esclarecimentos. (O Sr. Silva Cabral: — Apoiado.) O Orador: — Apoiadissimo! Pois eu cuidei que dava ao Sr. Deputado Cunha, que tanto fallou na conveniencia de accusações em fórma contra os Ministros, uma occasião de mostrar a sua imparcialidade, promovendo a do ex-Ministro, que foi interinamente dos Negocios do Reino.

Não posso deixar de me congratular com os Membro» da Maioria, e com os meus Collegas pela discussão que tem tido logar, nesta occasião; porque ella Um feito vêr a natureza da Opposição que se nos faz, e levado á sua verdadeira luz accusados e accusadores.

O Papa o Conde de Rossi!

Depois do que vozes tão eloquentes tem dito nesta Sala, não são necessarias expressões, basta unir os meus aos seus sentimentos.

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A memoria do Conde de Rossi, desse Martyr do Patriotismo e da Liberdade, cobardemente assassinado pelos assassinos da liberdade que invocam, (Muitos apoiados) será um Padrão eterno de opprobrio, para uns, de desengano para outros. (Apoiados) Com os illustres Deputados da Maioria que tão eloquentemente o prantearam, juntarei uma lagrima de verdadeira dôr. Em 1838 tive a honra de ser seu discipulo.

O Papa antes de ser o Primeiro sobre Todos, como Representante da Pessoa do Salvador, já occupava logar mui distincto pela excellencia de suas virtudes. (Apoiado, apoiado) Como Catholico sinto no fundo da alma as suas atribulações, mas tenho a certeza de que o Chefe da Igreja de Deos ha de prevalecer sobre seus inimigos. (Muito bem, apoiado)

Reputo a maior ventura da minha vida o ter nascido no seio da Igreja Catholica, de meus virtuosos Pais recebi uma educação religiosa; mas, Sr. Presidente, tambem eu li Voltaire, Rousseau, folheei Diderot, e d'Alembert, Dupus, e Volney, o mais perigoso de todos pela elegancia e amenidade de seu estilo. Suscitaram-se duvidas no meu espirito, busquei esclarecer-me, estudei Grego e Hebraico para ír beber nas Fontes, e depois de cinco annos do mais tenaz, constante e profundo estudo, nunca menos de doze horas por dia, adquiri uma tal convicção que mil vezes preferiria o martyrio a negar qualquer dos Dogmas da Religião que professo. (Apoiados)

Praza aos Ceos que nestes dias de engano e de mentira a Fé venha em nosso auxilio, para que haja uma Consciencia Publica, guarda dos costumes e das instituições sociaes, para que senão zombe com os juramentos, e então a honra apoiada sobre as virtudes christãs será uma segunda Religião. (Apoiado)

Não me occuparei em discutir com o Sr. Deputado Assis de Carvalho, se são os Progressistas, os Estacionarios, ou os Retrogrados os mais sinceros amigos da Liberdade. Todo o homem ama a Liberdade, mas cada um a entende a seu modo. O que porém me parece poder affirmar é, que o tempo das Utopias passou; (Apoiado, apoiado) e que um Pacto de Alliança entre os homens de bem de todas as Côres Politicas contra os anarchistas, e ambiciosos, foi solemnemente firmado sobre as bordas do incommensuravel abysmo patenteado pelas ultimas revoluções na Capital da França. Tenho a doce consolação de estar persuadido que esta união ha de fazer abortar as atrozes concepções dos Communistas; que a hora do perigo já passou, se nos não deixarmos illudir; que a Sociedade não será dissolvida; que a Religião Catholica, Apostolica, Romana, que os Thronos, que a verdadeira Liberdade dos Povos, prevalecerão, contra os projectos infernaes da Colligação dos ambiciosos, e anarchistas de toda Europa. (Apoiados, muito bem)

O Sr. Cunha Sotto-Maior: — (Sobre a Ordem) Depois do que acaba de dizer o Sr. Presidente de Conselho de Ministros, se se fechasse esta discussão sem eu fallar, a Camara deixava-me debaixo de uma impressão muito dolorosa; por isso mando para a Mesa o seguinte

REQUERIMENTO. — Requeiro que se consulte a Camara sobre se me concede a palavra para rectificar uma asserção injuriosa, que acaba de fazer o Sr. Presidente do Conselho. — Cunha Sotto-Maior.

Foi admittido á discussão

O Sr. Presidente de Conselho: — Eu pedi a palavra unicamente para dizer, que estimaria muito que a Camara deixasse já fallar o Sr. Deputado.

A Camara resolveu que o Sr. Deputado usasse da palavra, unicamente para uma Explicação.

O Sr. Cunha Sotto-Maior: — Sr. Presidente, quando entrava nesta Camara fallava o Sr. Presidente do Conselho de Ministros; entrei em tão boa hora que S. Ex.ª me obsequiava com os seguintes epithetos — infame calumniador, perjuro, herege, e desertor. — Sobre o infame calumniador, como já tenho a palavra para Explicação, para então guardarei responder: sobre o perjurio digo que nunca perjurei, sobre herege, direi a V. Ex.ª que tenho Religião, mas não sou hypocrita, que acredito em Deos, mas não sou fanatico; em quanto a dizer-se que eu tinha fugido, respondo: — Vós, Marechal Saldanha, dissesteis uma fdsidade; empraso-vos para que o proveis, não com a vossa palavra, mas com documentos. O Antonio da Cunha não foge, Marechal Saldanha! Nem aqui mesmo no Parlamento vós sois capaz de soffocar as minhas vozes, nem condemnar a minha intelligencia. Se me chegar a palavra, eu hei de mostrar que o vosso Discurso foi uma Verrina, foi uma injuria toda dirigida a mim; não apresentasteis um só argumento, uma só razão. Declaro á face do Parlamento e da Nação, que não fugi; desertei... (Riso) Mas que dissesteis vós, Marechal Saldanha? Dissesteis que eu tinha fugido da frente do inimigo, é falso, mil vezes falso. Eu não sou fanatico, nem hypocrita, declaro que não fugi; estava em Lisboa muito bem dascançado em minha casa na Rua dos Mouros, quando embarquei para a Fragata Heroine, commandada por Mr. Boudin, que é hoje o Almirante da Esquadra Franceza no Mar Adriatico, e a Rua dos Mouros não era o Quartel General do Marechal Saldanha: por consequencia não fugi da frente do inimigo, e aonde eu deixar a minha espada, nem todos a lá hão de ir buscar: não me tenho em conta de fanfarrão, mas tenho esta coragem, que dá a educação, e a consciencia de si mesmo.

Se estivessemos n'outro Paiz, onde os homens não viessem a cada passo com os seus Titulos para lhes servirem de reparo a uma satisfação pedida por outro homem, esta questão havia de ser resolvida de outra maneira; mas desgraçadamente estamos n'um Paiz aonde se desculpam com os Titulos; e porque é Duque, Marquez, ou Conde, por isso têem a impunidade para o insulto, e para a calumnia. Como me disseram um insulto, eu hei de rejeital-o.....

(Vozes: — Ordem, ordem)

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros: — Eu tenho uma presumpção que me parece não ser infundada, e appello para toda a gente que me conhece desde os meus primeiros annos da minha vida, de que nunca disse uma injuria a ninguem.....

(Apoiados — O Sr. Cunha Sotto-Maior: — A mim disse-me umas poucas. — Vozes: — Ordem, ordem). O Orador: — O nobre Deputado apresentou-me nesta Casa como um assassino... (O Sr. Cunha Sotto-Maior: — Não apresentei tal, é falso. — Vozes: — Ordem, ordem).

O Sr. Presidente: — Peço ao nobre Deputado que se contenha (Apoiados)

O Orador: — Direi só duas cousas, e mais nada responderei ao nobre Deputado. A Camara está certa de que o Sr. Deputado dizendo que não tinha fu-

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gido, declarou que tinha desertado (O Sr. Cunha Sotto-Maior: — Mas não fugi. — Vozes: — Ordem, ordem). Ou que tinha ido para bordo da Fragata Heroina; mas que não foi do Cartacho. Ora o que eu disse, foi, e peço a V. Ex.ª e á Camara que note, que o Regimento N.º 11 a que o nobre Deputado pertencia, estava no Cartacho fazendo parte do Exercito, que eu commandava, e o nobre Deputado não se achava lá; disse S. S.ª que tinha desertado, parece-me que quem foje para a Fragata Heroina em tempo de guerra, foge do inimigo. (Muitos apoiados).

O Sr. Pereira de Mello: — Sr. Presidente, não tenho necessidade alguma de fundamentar o meu Requerimento, peço a V. Ex.ª que consulte a Camara se quer passar á Ordem do Dia. (Apoiados)

Consultada a Camara, decidiu que se passasse a Ordem do Dia.

O Sr. Gorjão Henriques: — (Sobre a Ordem) Sr. Presidente, o Regimento tem disposições que á primeira vista parecem ociosas, mas que em certas circumstancias se conhece quanto são importantes. Ha tres disposições no Regimento, e vem a ser primeira que o nobre Deputado deve fallar voltado para o Presidente, e assim evitar provocações, segundo, que não deve designar o nome do Membro da Assemblea, a quem combate, porque a Camara deve saber a quem se responde, terceiro, é prohibido todo o insulto. A estas regras estão sujeitos Deputados e Ministros, e eu a bem da Ordem peço a V. Ex.ª que faça observar as disposições do Regimento, a fim de se evitarem coisas menos convenientes. (Apoiados)

O Sr. Presidente: — Eu ha pouco adverti ao Sr. Deputado Cunha, que fallasse dirigido para o Presidente, o Presidente desta Camara deve observar e fazer observar essas disposições do Regimento, mas eu não posso ter menos consideração para com os Srs. Ministros que devo ter para com os Srs. Deputados. (Apoiados) Em quanto eu estiver nesta Cadeira nunca consentirei que a Ordem seja alterada, (Apoiados) para isso hei de servir-me de todos os recursos que me dá o Regimento, e além desses a dignidade da Camara, espero para isso ser ajudado por todos os Srs. Deputados, sem haver Direita nem Esquerda, (Apoiados) porque a dignidade da Camara está primeiro que tudo. (Muitos apoiados) Continua a discussão do Projecto da Resposta ao Discurso do Throno, e tem a palavra o Sr. Roussado Gorjão.

O Sr. Rossado Gorjão: — Sr. Presidente, por mais d'uma vez combinei paragrafo por paragrafo do Projecto de Resposta ao Discurso do Throno, com os respectivos paragrafos do mesmo Discurso da Corôa; por mais de uma vez meditei na appropriada harmonia que existe entre estas duas peças importantes em todos os Governos Representativos; o resultado dessa mesma combinação e meditação convenceu-me de que eu devia votar pelo Projecto de Resposta, tal qual elle se acha e convenceu-me tambem de que os nobres Membros da Commissão, que foi eleita para essa redacção tinham bem merecido os agradecimentos desta Camara pela eximia profeciencia com que se houveram no cumprimento da honrosa tarefa, de que foram encarregados, explicado deste modo o meu voto sobre o que é relativo ao Projecto de Resposta, vou occupar-me de um outro assumpto igualmente importante em conformidade com os usos consagrados pelo Systema Constitucional. Refiro-me ao acto de appreciação da gerencia governativa do actual Ministerio. Nesta appreciação entendo eu que, segundo as circumstancias especiaes do Paiz ninguem póde sómente ligar-se ao methodo analítico, neste caso, Sr. Presidente, eu recorrerei ao methodo syntetico, remontando dos effeitos para as causas; e parece-me que não será necessario empregar muitas palavras para demonstrar qual e o fundamento do meu voto, logo que eu demonstre que o actual Ministerio não só tem conservado a Paz, a Liberdade, e a Ordem no Paiz no momento em que toda a Europa tem gemido debaixo do pezo d'uma conflagração geral, senão até que, nas circumstancias especialissimas em que nos achamos, mal póde ser censuravel a sua administração por uma circunstancia de todos conhecida, e que a todos faz pezo sem excepção d'alguma das Classes do Estado, refiro-me áquillo que são retardamentos de pagamentos.

Sobre o objecto da conservação da Paz, Ordem, e Liberdade, não vi uma só opinião que se tenha pronunciado contra, vou por tanto entreter-me só com aquillo, que tem causado incommodo a todos, e a todas as Classes; e por isso mesmo, que é d'um incommodo tão sensivel, e que póde ter dado logar a que se soltem algumas palavras, sem se ter considerado quaes são as verdadeiras causas, que tem promovido um tal retardamento desses pagamentos.

Sr. Presidente, eu quando pedi a palavra não tive em vista, por modo nenhum, entrar na discussão de minuciosidades, que, por certo, me não pertencem, não me pertence o defender a redacção da Resposta do Discurso, porque bem o tem sido pela conhecida intelligencia dos seus nobres Redactores; não me pertence discutir e sustentar aquillo que é muito especial á Administração, porque bem defendida tem ella sido pelos nobres Ministros da Corôa pertence-me sómente, segundo minha opinião, motivar o meu voto sobre o assumpto que, na verdade, é de mais pezo no Publico, e que simplesmente pelo facto de incommodo dá logar a dizer-se alguma cousa.

Sr. Presidente, eu ainda conservo na memoria uma grave censura, que pezou sobre a Maioria desta Camara, por não ter pedido a palavra, em certa questão, que se julgou de interesse vital, dizendo-se — Nem um Deputado da Maioria se tinha atrevido a pedir a palavra para defender o Ministerio.

Esta censura fez-se aqui, e depois do encerramento ainda durou lá por fóra, e muito se fallou sobre este assumpto.

Sr. Presidente, no momento em que se discutia esta questão, veio á Camara uma Representação, apresentada pelos Juristas, que recebiam os seus juros pela Junta do Credito Publico Sr. Presidente, não admira que alguns dos nobres Deputados da Minoria, que votaram contra, não tivessem em vista o que se tinha passado, quando se discutiu o Parecer n.º 34, que se esquecessem que aquella medida não era mais que uma commutação de 500 contos, que passaram a ser recebidos não da Alfandega, uns a serem recebidos pelas Thesourarias Geraes dos Districtos de Lisboa e Porto, esta commutação não era, na verdade, tão má que podesse temer-se um grave incommodo aos Juristas da Junta do Credito Publico, mereceu todavia que se fizessem considerações muito serias, e muito graves a respeito daquillo

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que se toma em geral como Credito Publico. — Sou eu o primeiro, Sr. Presidente, que respeito tudo quanto possa concorrer para a manutenção e maior desenvolvimento desse Credito, mas é preciso não considerar só isto, nem considerar sómente Juristas, os Juristas da Junta do Credito Publico, porque, segundo minha opinião, eu conto como Juristas os Portadores e Possuidores de Notas Promissorias, os Depositantes das Caixas Economicas, e Possuidores das Notas Capitalisadas do Banco de Lisboa. Pois os Possuidores das Notas Promissorias haviam não só soffrer um retardamento em pagamentos, vêr inteiramente perdida toda a ordem a que tinham direito?!.... Por ventura o § 22 do artigo 145 da Carta tem mais valor do que o § 21 do mesmo artigo?... No § 21 diz-se — «O direito de propriedade é garantido em toda a sua plenitude» — E no § 22 diz-se — «É tambem garantida a divida publica — ora esta garantia que se dá tambem, não é mais sagrada, do que é a que tem os Proprietarios, que dão os seus dinheiros, v. g. aquelles que empregaram os seus fundos na Companhia Confiança Nacional, aquelles, que tinham depositado o seu dinheiro, nas Caixas Economicas, aquelles que tendo sido convidados a capitalisarem as Notas, e a receberem 9 por cento de juro, as foram capitalisar, e a quem logo depois da organisação do Banco se lhes fez um aviso para as ir buscar, sem o prehenchimento daquillo a que se tinham ligado.

Sr. Presidente, é necessario notar, que ainda, que muito sagrado fosse o direito dos Juristas que recebiam pela Junta do Credito Publico, não era menos sagrado o direito dos que acabo de expor, e eis-aqui o motivo porque como se tractava de uma simples commutação, eu votei por ella, porque apenas traria em resultado um pequeno atrazo do pagamento dos juros, e esta foi tambem a razão, porque eu entendi, que devia neste momento pedir a palavra para motivar o meu voto sobre o que vai a seguir-se.

Quando se tractou da gerencia governativa do actual Ministerio, a maior, a mais séria, e a mais grave increpação que se lhe dirigiu, foi da falta do cumprimento das obrigações, a que se tinha ligado, de continuar os pagamentos na ordem em que se achavam de um mez em cada trinta dias, e não só isto, mas até se fez um crime das falhas, que se apresentaram em duas addições, uma dos 221 contos que o Contracto do Tabaco reteve em si, e que não entregou, e a outra, os 250 contos que foram despendidos no agio das Notas, o qual excedeu muito daquillo que se tinha calculado, quando se approvou a Lei dos Meios. — Tractarei em primeiro logar dos 221 contos que o Contracto do Tabaco tem retidos, e que ainda não entregou ao Governo.

Sr. Presidente, as Formulas Constitucionaes não são de mera e esteril formalidade, todas ellas devem ter um fim proveitoso, e quando eu considero que segundo essas formulas os Srs. Ministros prepararam os Orçamentos, apresentam-nos na Camara, a Camara os manda a uma Commissão para elaborar a materia da discussão, e a esta Commissão são convidados os Srs. Ministros, para dar explicações e apresentar todos os documentos illustrativos, e que é d'aí donde deve sair já materia approvada, e preparada para poder ser discutida em plena Sessão: quando eu considero todas estas circumstancias, assim como de que na Commissão de Fazenda que o foi na Sessão passada existiam, creio eu, dois nobres Cavalheiros que pertenciam ao Contracto do Tabaco, que esta Commissão, confeccionou o Relatorio que produziu o Parecer n.º 78; Parecer que foi redigido depois de muitas deducções, subtracções, e encontros, e depois de se terem empregado todos os cuidadosos meios com que se podesse chegar a um apuramento liquido, e que apparecem em verba de receita por parte do Contracto do Tabaco 1.521 contos que era o preço integral da sua arrematação, como póde dizer-se hoje — «Os Srs. Ministros são culpados em se louvarem em uma cousa que deviam saber, que não se podia realisar?...» — Mas, Sr. Presidente, o que eu vejo no Parecer n.º 78, é que esta mesma addição dos 1:521 contos foi apurada na illustre Commissão de Fazenda, que fôra apurada aonde existiam dois nobres Membros que pertenciam ao Contracto do Tabaco, e seus Caixas. — Como é possivel que um Parecer que se acha datado de 20 de Julho de 1848 — um Parecer que serviu de base á discussão da Lei de Meios promulgada em Agosto do mesmo anno, como é possivel, digo, que senão visse alli que tinham as Propostas dos Srs. Ministros uma addição que excedia áquillo com que elles deviam contar, isto é, os — 221 contos. — Pois como é possivel que os Srs. da Commissão de Fazenda que fizeram tantas deducções, substracções, encontros, etc. etc., que organisaram um Relatorio tão minucioso, não vissem tambem o que havia de inexacto naquelle objecto?... Serão por ventura culpados os Srs. Ministros por aquillo que veiu preparado da Commissão de Fazenda, e que os interessados deixaram passar, e de que provavelmente ninguem devia duvidar que tinha sido negocio escrupulosamente examinado pela Commissão?.. Deste mesmo modo direi eu tambem que a respeito do agio das Notas não são os Srs. Ministros, elles só e isoladamente, quem póde melhor calcular esses negocios, e para isso que servem os Representantes da Nação, e para isso que se reunem em Camara, e para isso que ha uma Commissão de Fazenda; e para fazer todos esses apuros. — Ora como podemos nós exigir responsabilidade dos Srs. Ministros da Corôa pelo que pertence a estas falhas; como podemos nós mesmo censural-os por essas inexactidões se tendo ido o negocio á Commissão, e tendo vindo á discussão, aqui mesmo se não acharam essas hoje citadas inexactidões?...

Sr. Presidente, eu aproveitarei esta occasião para explicar alguma cousa mais esta materia. Os 221 contos de que se tracta, relativamente ao Contracto do Tabaco, é objecto de summa gravidade, que é necessario que mereça toda a attenção desta Camara, e o seu maior zêlo. Sr. Presidente, estes 221 contos não podem ser retidos por mais tempo; absolutamente o não podem ser, qualquer que seja o motivo, que para isso se allegue. Não podem ser retidos sendo parte delles destinados por compensação alguma, porque segundo o § 34.º do titulo 2.º da Lei de 22 de Dezembro de 1761, não póde haver nem compensações, nem descontos, é necessario que os Srs. Contractadores paguem integralmente o preço da sua arrematação, isto mesmo acha-se hoje inscripto nas condições do mesmo Contracto, e se me não engano é na condição 5.ª, esta condição obriga a pager na conformidade da Lei de 22 de Dezembro de 1761; e ainda que o art. 6.º diga depois, que lhe serão attendidos os prejuizos, e perdas, que possam ser

VOL. 1.º — JANEIRO — 1849.

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occasionados, por força maior: guerra civil, e outros dessa mesma ordem; peço a V. Ex.ª, e á Camara, que repare bem naquillo que a Lei tem determinado a tal respeito; que quando se tracta de prejuizos occasionados, não são dos eventuaes de pequena monta; mas de prejuizos que possam fazer a ruina do Contracto, e nesse caso serão attendidos, mas equitativamente, e não por força de condição. Nessa mesma condição existe uma innovação, que não póde ser tolerada, por isso mesmo que é contra Lei, a qual diz — Que devem ser attendidos os prejuizos, quando são de ruina absoluta, cuja attenção é de equidade, e vem a ser no final do Contracto, e nunca no principio; — esta é a lettra expressa da Lei; não consente, que haja descontos, nem compensações, nem encontros; e ainda mais, eu peço que a Camara observe este negocio com a maior attenção, por uma circumstancia, que vou a notar. Nas condições, que apparecem impressas por conta do Contracto, tirou-se uma palavra, que está nas condições, que se acham lançadas no Diario do Governo N.º 160 de 20 de Julho de 1841, e essa palavra é quando se tracta da attenção, que merecem os prejuizos, dizer que lhe serão liquidados a final; e nas condições que estão impressas, como já disse, por conta do Contracto, tirou-se a palavra — a final — o que transtorna todo o sentido, e é mais contra a expressa determinação da Lei, porque não diz, que serão liquidados, mas sim que serão equitativamente attendidos a final.

Sr. Presidente, se se fecharem os olhos a estas cousas, perdem-se centos de contos de réis, que não podem supprir-se por mais córtes, e reducções, que se apresentem nos Orçamentos.

Por esta occasião lamentarei eu, o que por muitas outras vezes já tenho lamentado, e vem a ser — que a discussão do Orçamento na Sessão passada tivesse começado na ordem inversa daquella, que devia ser; então o disse em todas as vezes que fallei; e hoje infelizmente estamos já a ver o seu resultado.

Sr. Presidente, neste momento, eu não defendo o Ministerio actual, defendo todos quantos venham de futuro; porque me parece, que com a organisação do modo que esta, não ha Ministerio possivel, nem Governo possivel.

Sr. Presidente, organisou-se o Banco de Portugal; francamente devo dizer, que entendo, que um Estabelecimento tal como aquelle, é de grande utilidade para o Paiz, quando elle preencha as qualidades, que estão designadas no Relatorio, que precede o Decreto de 19 de Novembro de 1846. E é o que devia ter feito para ser util ao seu Paiz; devia ter regularisado a circulação, melhorado o credito, e acudido com soccorros ao Governo, e aos particulares. E te-lo-ha feito? Acaso melhorou elle a circulação? Acaso melhorou o Credito? Acaso tem elle acudido com esses soccorros a alguem?! A circulação quer V. Ex.ª saber como elle a melhorou? Quando foi promulgado o Decreto de 19 de Novembro de 1846 fluctuavam as Notas entre 360 réis, e 500 réis, e depois da promulgação daquelle Decreto (e não foi distante) as Notas foram progressivamente subindo, e chegaram a 2$880 réis! E depois, Sr. Presidente, quando já se tinham tomado providencias, que se diziam, que haviam de ser satisfactorias, que haviam de produzir uteis resultados, quaes foram, quaes estão sendo hoje esses resultados? Perde-se nas Notas 40 por cento! Compare-se este resultado com o estado das Notas, quando foi promulgado o citado Decreto de 19 de Novembro de 1846, e achar-se-ha que augmentou o prejuizo dellas em 30 por cento.

Sr. Presidente, nós estamos muito illudidos naquillo, que são os primeiros preceitos da Sciencia. As Notas, Sr. Presidente, servem apenas, segundo o que é reconhecido por bons Economistas, e por todos aquelles que conhecem a Sciencia, unicamente para commodidade do giro, mas nunca como meios de natureza circulante. O meio circulante nunca póde ser tão vicioso. Como póde existir, como póde haver fortuna publica, como não ha de ser constantemente defraudada, quando hoje tudo quanto é aquillo que se chama bom dinheiro, foge da circulação por causa do máo dinheiro! V. Ex.ª e a Camara viram como se seguia esta questão do Banco. O Banco em Maio de 1846, quando começou a crise, tinha reconhecido qual a sua posição, que se revela por si mesmo. Então convidou os possuidores de Notas a capitalisarem-as; então estabeleceu uma quotização de 800 moedas diarias — 3:840$000 réis, para ir recolhendo Notas nessa mesma proporção. Com estes 3:840$000 réis fazia uma somma de 115 contos e 200 mil réis mensaes para amortisação de Notas. Que veiu depois fazer o Banco de Portugal? O Banco de Portugal veiu augmentar o mal na razão de um para tres, e diminuir a efficacia do remedio na razão de seis e meio para um. Augmentou de um para tres, porque tendo o Banco de Lisboa apenas 1:684 contos, que é a terça parte da sua dotação de Notas, veiu depois o Decreto de 19 de Novembro de 1816, e deu-lhe 5.000 contos, que é a totalidade da sua dotação primitiva. Ora quando haviam apenas 1:684 contos de Notas, estava determinada uma prestação de 115 contos e 200 mil réis para recolher essas Notas, e quando as Notas vinham a ser computadas no valor de 5:000 contos de réis, são 13 contos mensaes os que são destinados para essa amortisação. 18 contos de réis a respeito de 115 contos e 200 mil réis, são a differença, e desproporção que ha em seis e meio para um.

Sr. Presidente, ainda outra grande desgraça veio a acontecer, que para organisar este Banco, foram atacados todos os direitos mais sacrosantos que existem de propriedade. A Companhia Confiança Nacional tinha-se obrigado a ter um fundo de 8:000 contos. Destes apenas entrou com 47 e meio por cento, são 3:800 contos, e deixou de entrar com 52 e meio por cento, vem a ser 4:200 contos de réis. Quando se apresentou a Crise, em que circumstancia se ostentou esta Companhia? Tinha emprestado aos Contractadores do Tabaco 4:000 contos, e tendo entrado sómente com 3:800 contos, emprestou 200 contos, mais do que aquella somma. Então necessariamente se havia de achar em grande apuro. Mas como aconteceu isto? Aconteceu como uma cousa muito extraordinaria, que esse Emprestimo de 4:000 contos aos Contractadores do Tabaco, que elles eram obrigados a promptificar de seus proprios fundos, veio a ser considerado como divida do Governo! E como se fez isto? Em consequencia de que os Contractadores do Tabaco tinham contractado com a Companhia este Emprestimo, e deram conhecimento delle ao Governo, como acontece, e é condição expressa de todos os Contractos de dar conhecimento ao Governo de todas as occorrencias quantas são relati-

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vas ao mesmo Contracto, e deu-lhe para que o Governo soubesse qual a transacção, e para que interpozesse a sua annuencia da maneira que o Governo a concebeu, concebendo-a segundo a Resposta do Procurador Geral da Fazenda, que ouviu como determinam todas as Leis relativas aos Contractos. E considerando a Companhia Confiança Nacional, como um reforço subsidiario, para estarem mais seguros aquillo que eram os interesses da Fazenda Publica, mas não entendia, nem entendeu, que a divida ficasse sendo do Governo, para com a Companhia; o emprestimo dos 4:000 contos, é obrigação impreterivel dos Contractadores, como é explicitamente estipulado na Condição 72 do mesmo Contracto.

Sr. Presidente, o Governo está neste caso para com o Contracto do Tabaco, do mesmo modo que um Proprietario com um Foreiro, ou com um Rendeiro a quem se arrenda uma Propriedade com a obrigação de dar uma certa quantia por antecipação, para se ir descontando em certo periodo de annos; e desde que o contracto entra em tracto successivo, é obrigação só do Proprietario, conservar o Rendeiro na plena fruição do que lhe arrendara. Mas o Governo não tinha nenhuma obrigação senão preencher a fórma do Contracto. Mas apesar disso eu vejo, que se conta como divida do Governo á Companhia, a somma dos 4:000 contos, e vejo que se conta como divida reembolsavel de prompto, quando sómente o deve ser em 33 annos, por condições expressas, que se seguem á 72 do mesmo Contracto.

Mas, Sr. Presidente, quem observar com attenção o que existe hoje relativo a isso que se chama Divida do Estado ás duas Associações, Ranço de Lisboa, e Companhia Confiança Nacional, não póde deixar de reconhecer, que ha uma certa fatalidade que quer embrulhar este negocio, ao ponto de não podér ser recebido. Eu vejo, Sr. Presidente, no Relatorio que precede o Decreto de 19 de Novembro, quando se tracta da Divida do Governo ás duas Associações, classificar esta divida de 6:000 a 7:000 contos, e note-se bem, que vão aqui incluidos os 4:000 contos, que o Governo devia receber dos Contractadores, e que por modo nenhum póde ser considerada Divida do Governo á Companhia. Ora vejo depois no Relatorio do Parecer n.º 78, que esta Divida do Governo ás Associaçõas, está computada em 5:000 a 6:000 contos. 5:000 a 6:000 contos não é o mesmo que é:000 a 7:000 contos. Vejo depois, que aqui mesmo se tem asseverado, que a Divida do Governo áquellas Associações é de 3:000 contos de réis. Mas, Sr. Presidente, uma cousa desejaria eu que se tivesse feito desde o principio; e vem a ser: que se explicasse como era esta divida. A Divida do Governo é sómente ao Banco de Lisboa, no valor de 3:000 contos de réis com pouca differença, porque os 4:000 contos, que se diziam devidos á Companhia Confiança Nacional, quem os deve é o Contracto do Tabaco. Ora o mais que me appareceu sobre esses 4:000 contos de réis, tambem não é Divida do Governo a essas Associações, é do Governo á Companhia Folgoza, Junqueira, Santos, Silva, & Companhia, á Companhia das Obras Publicas, a todos os Empregados, e Credores do Estado, desde a suspensão db pagamento em 1845 até Junho de 1846. Ora o complexo de todas essas sommas, é que viria a constituir isso a que se chama 3:000 contos de réis devidos ao Banco de Portugal. Eu entendo que poderia ter sido uma Operação vantajosa, se o Banco de Portugal tivesse fundos fixos, e circulações em moeda que satisfizesse a esses Credores particulares, e ficasse reservando para si o direito que lhe resultava desses pagamentos que tinha feito. Mas não foi assim. — O Banco de Lisboa, e Companhia Confiança Nacional, reuniram-se, e deste amalgama nasceu o Banco de Portugal, que assumiu a si o direito de se chamar Credor dessa quantia. Mas não a pagou, porque estas duas Associações, quando se reuniram, não tinham nem um real em moeda effectiva, era tudo uma massa de activos. E depois o que se seguiu? Segue-se que aquillo que eram os recursos do Estado, aquillo que eram Bens propriamente Nacionaes, foi isso de que elles vieram a encarregar-se para depois, fazerem a distribuição! Pois, Sr. Presidente, para uma Operação desta ordem, seria necessario ter feito uma organisação como aquella?.....

Pois carecia-se por ventura de que houvesse uma Commissão de fóra para administrar os Bens que são propriamente da Nação, e pagar ainda em cima a outros Empregados?... Oh, Sr. Presidente! Pois se se paga a outros Empregados, de que estará servindo, e de que servirá esse immenso pessoal do Thesouro Publico, e esse immenso pessoal da Junta do Credito Publico?...

Sr. Presidente, declaro que em quanto não houver o maior cuidado, o maior zêlo, o maior disvello em tractar de que esta organisação tome aquella regularidade que deve tomar, não só o actual Ministerio, mas nenhum Ministerio possivel póde governar o Paiz; porque não ha fazenda que possa chegar

Sr. Presidente, quer V. Ex.ª saber? O mesmo Parecer n.º 78 reconhece pelo seu excellente Relatorio que tudo quanto são rendimentos que teem a natureza de indirectos, estão hoje immensamente prejudicados, nesse mesmo Relatorio se faz menção do Real d'Agua, Subsidio Literario, Contracto do Tabaco, Alfandegas etc. Vejamos nós se com effeito estes rendimentos de natureza indirectos deverão ter diminuido, ou deverão ter augmentado: eu começarei por aquillo que é relativo ao Real d'Agua.

O Real d'Agua é claro a todas as vistas que hoje deve ser infinitamente maior do que o foi em outro tempo, porque o Real d'Agua é imposto em carnes verdes e no vinho atavernado. As carnes verdes desde o momento em que o preço dellas chegou á infima decadencia de ser inferior ao preço do Bacalhao, o seu consumo foi a um ponto enorme: o vinho desde que se acha no preço baixo em que hoje está, bem póde calcular-se qual será tambem o seu consumo. Então como é que o consumo augmenta, e o rendimento diminue?..

Tractarei agora do Contracto do Tabaco, e valer-me-hei dos mesmos 221 contos. Esses 221 contos ficam fazendo com que o contracto apenas dê para a Fazenda este anno 1300 contos. Oca tenho muita pena de não ter á máo a Chronica de Lisboa n.º 70 da data de 29 de Outubro de 1033, d'ahi veria V. Ex.ª e a Camara uma cousa muito singular, vem a ser, que os contractadores que estavam em effectividade naquelle tempo, fizeram um Requerimento ao Governo offerecendo 1400 contos de réis pela arrematação daquelle contracto: note V. Ex.ª duas cou-

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sas. — primeira que eram os Contractadores que estavam como usualmente se diz com a mão na massa — segunda que elles offereciam 1400 contos de íeis pelo Contracto do Tabaco -em Sabão e sem Polvora. E ainda havia outra cousa que era além de ser sem Sabão e sem Polvora, ser tambem sem aquillo que era o augmento dos preços addicionaes. Oia calculando sobre este principio, a 1400 contos acrescentando-lhe 116, quantia em que andava arrematado o Contracto do Sabão, são 1516 contos; accrescentemos-lhe depois o que se deu pelo augmento dos preços addicionaes que é 120 contos, e então acharemos que o Contracto do Tabaco com Sabão etc. renderia naquelle momento 1666 contos, porque devem tambem accrescer 19 contos de réis a titulo de despezas com a Junta, Guarnição da ilha Terceira, Obra Pia etc, etc. o que deitava a essa somma. Pois, Sr. Presidente, os Contractadores que em 33 estavam em effectividade achavam que podiam dar aquella quantia, e hoje acha-se que o contracto actual a não póde dar tendo a Polvora e o Sabão de mais, e tendo tambem de mais não só os preços addicionaes, mas tendo (e não ha ninguem que possa fazer idéa disto senão quem conhece a Repartição) o que se lhe concedeu a respeito das vendas nas Ilhas, porque as vendas nas Ilhas nos antigos contractos foram sempre fritas pelo valor da moeda provincia, agora receberam um grande favor nesta parte.

Sr. Presidente, os negocios do contracto são tão desconhecidos que até quando se tractou do augmento dos preços addicionaes!, assentou-e» que o Contracto fazia um grande obsequio á Fazenda Publica em offerecer por elle 120 contos. Oh, Sr. Presidente, que operação tão vantajosa se não faria se se tivesse levado onde devia levar-se o preço da arrematação!... Vir-se-ha ainda argumentar. augmentou-se o preço do Rapé ordinario 160 réis em cada arratel. E quantos milhões de arrateis de Rapé se consomem?...

Sr. Presidente, eu peço a V. Ex.ª, e peço á Camara, que se convençam de uma vez, de que o Paiz tem muitos recursos, mas recursos que devem ser aproveitados; uma prova de que o» tem, é que as associações que se organisam, querem desses mesmos recursos tirar o seu maior Partido; mas se esses recursos senão aproveitarem como se deve, se acaso a Nação tiver de sustentar as despezas com que deve fazer frente aos seus encargos, e ainda em cima tiver de repartir os seus recursos com Companhias que se dizem ainda prejudicadas, nesse caso quid inter tantos?

Sr. Presidente, eu disse a principio que diria o motivo porque havia de votar pelo Projecto de Resposta ao Discurso da Corôa; eu disse depois que entendia que o retardamento de pagamentos não vinha da culpa dos Srs. Ministros da Corôa, que entendia que essa culpa vinha de causas, a que não hj fazia completa justiça; agora acabo de motivar o meu voto; e peço a V. Ex.ª e peço á Camara, desculpa se com effeito fui mais longo do que devia ser, e se me tornei alguma cousa importuno.

O Sr. Lacerda (D. José): — Sr. Presidente, rogo a V. Ex.ª queira perguntar á Camara se a materia da presente discussão, que já tam durado muito, está sufficientemente discutida.

O Sr. Pereira dos Reis: — (Sôbre a Ordem.) Pedi a palavra para dois Requerimentos: primeiro para que V. Ex.ª tenha a bondade de mandar lêr os nomes dos Oradores que se achavam inscriptos sobre a materia: segundo, que a votação deste Requerimento seja nominal.

O Sr. Corrêa Leal: — (Sobre a Ordem.) É para me oppôr á Proposta do nobre Deputado, em quanto á parte que deseja, que a votação sobre a discussão da materia seja nominal. (O Sr. Pereira dos Reis: — Máo admitte discussão); não pedi a palavra sobre o Requerimento, pedi a palavra sobre a Ordem, e com o mesmo direito com que o illustre Deputado a pediu. (Vozes: — Mas não admitte discussão.)

O Sr. Presidente: — O Sr. Deputado Pereira dos Reis pediu duas cousas: a primeira que se lessem os nomes dos Srs. Deputados que estão inscriptos para fallar: para isto não é preciso consultar a Camara, sempre o vi praticar, e eu tinha tenção de o fazer, e já o vou fazer.

Fallaram os Srs. Cunha, Fontes de Mello, Ferreira Pontes, Silva Cabral, Assis de Carvalho, Pereira dos Reis, Agostinho Albano, Lopes de Lima, e Roussado Gorjâo; e fallaram os Srs. Ministros.

Tinham a palavra o Sr. Moraes Soares que desistiu della; seguem-se a fallar o teem a palavra os Srs. Silva Cabral, Vaz Preto, Jeronymo José de Mello, Carlos Bento, Rebello da Silva, Pereira dos Reis (segnnda vez), Lopes Branco, Agostinho Albano, Roussado Gorjao, Carlos Bento, Moniz, Corrêa Leal, Costa Xavier Cunha (pela segunda vez), Barão d'Ourem, e Fontes de Mello: não fallo dos que a teem para Explicação, que logo direi; parece-me que mais nenhum tinha a palavra sobre a materia.

Para Explicação teem a palavra, primeiramente o Sr. Cunha para Explicação pessoal, e para Explicação de facto (isto é da Sessão de 16); o Sr. Avila para uma Explicação pessoal; o Sr. Visconde de Castellões para Explicação de facto; o Sr. Pereira dos Reis (da Sessão de 19) para Explicação; o Sr. Assis de Carvalho para o mesmo, o Sr. Ferreira Pontes para Explicação, o Sr. Cunha outra vez para Explicação (da Sessão de hoje) Tem a palavra para Explicação senão lhe chegasse a palavra o Sr. Silva Cabral; o Sr. Cunha para rectificação de facto, e o Sr. Fontes de Mello para Explicação pessoal.

Tenho pois declarado Os Srs. Deputados que fallaram, os que teem a palavra sobre a materia, e aquelles que teem a palavra para Explicações ou Rectificações de fado.

Agora fez o Sr. D. José Lacerda um Requerimento para se julgar a materia discutida; e fez o Sr. Antonio Pereira dos Reis outro Requerimento para o que eu acabo de fazer, e tambem para q te a votação sobre se a materia está discutida, seja nominal. Portanto consulto a Camara.

A Camara resolveu por 59 votos contra 19 que não houvesse votação nominal sobre o Requerimento do Sr. Lacerda, e seguidamente julgou a materia discutida por 59 votos contra 22.

O Sr. Presidente: — Diz o Regimento que as Explicações podem ser antes, ou depois da votação; tem-se seguido serem depois desta, todavia para cumprir o meu dever, e não haver questão, consulto a Camara, se quer na fórma do costume, que fiquem para depois da votação.

Assim se resolveu, e seguidamente foi lida na Meza a Resposta ao Discurso do Throno.

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O Sr. Presidente: — Ha na Meza Emendas aos art. 2.º, 8.º, e 12.º; vão pois lêr-se cada um dos artigos em separado e sujeitarem-se á votação da Camara.

O Sr. Lopes de Lima: — Eu peço a observancia do art. 87 do Regimento.

O Sr. Presidente: — O art. 87 manda que esta votação seja por esferas; porém a pratica tem sido o contrario; entretanto eu consulto a Camara que é quem póde decidir.

O Sr. D. José Lacerda: — Peço a V. Ex.ª que na conformidade do que se tem praticado proponha á Camara se quer dispensar o Regimento para que a votação seja nominal como tem sido os ultimos dez annos. (Vozes: — Isso leva muito tempo). O Orador: — Eu não auctorisei ninguem para interpretar a minha intenção; eu o que peço a V. Ex.ª é que a votação na generalidade seja nominal, e na especialidade, na votação de artigo por artigo, seja por levantados e sentados. (Apoiados)

O Sr. Presidente: — Na conformidade do Requerimento do Sr. D. José Lacerda, consulto a Camara, se quer que a votação sobre a generalidade seja nominal, e que na especialidade se vote por levantados e sentados.

Assim se resolveu. E submettendo a Resposta á approvação na generalidade, fez-se a chamada, e disseram approvo

Os Srs. Agostinho Nunes da Silva Fevereiro.

D. Alexandre José Botelho.

Antonio Augusto Portugal Corrêa de Lacerda.

Antonio Bernardo da Silva Cabral.

Antonio Ferreira da Motta.

Antonio José de Avila.

Antonio José dos Reis.

Antonio Maria de Fontes Pereira de Mello.

Antonio de Mello Borges e Castro.

Antonia Roberto de Oliveira Lopes Bronco.

Antonio Vicente Peixoto.

Antonio Xavier Cerveira e Sousa.

Augusto Xavier Palmeirim.

Barão de Francos.

Barão da Torre.

Bento Cardozo Gomes Pereira Côrte Real.

Barão de Ourem.

Bernardo Miguel de Oliveira Borges.

Bispo Eleito de Castello-Branco.

Bispo Eleito de Malaca.

Carlos Brandão Castro Ferreri.

Conde de Linhares (D. Rodrigo).

Conde de Tavarede (D. Francisco).

Euzebio Dias Poças Falcão.

Filippe José Pereira Brandão.

Filippe Marcely Pereira.

Francisco Antonio Gonçalves Cardozo.

Francisco de Assis de Carvalho.

Francisco Brandão de Mello.

Francisco de Passos Almeida Pimentel

Gabriel Antonio Franco de Castro.

D. Guilherme Germano da Cunha Reis.

Henrique de Mello Lemos e Alvellos

Innocencio José da Sousa.

Jeronymo José de Mello.

João Baptista da Silva Lopes.

João Chrysostomo Freire Falcão.

João Damazio Roussado Gorjão.

João Elias da Costa Faria e Silva.

Os Srs. João Francisco de Vilhena.

João Pedro de Almeida Pessanha.

João Pereira Crespo.

João Rebello da Costa Cabral.

João de Sande Magalhães Mexia.

Joaquim Elias Rodrigues da Costa.

Joaquim Honorato Ferreira.

Joaquim José Falcão.

Joaquim José Pereira de Mello.

Joaquim Rodrigues Ferreira Pontes.

José Antonio Ferreira Vianna Junior.

José Augusto Corrêa Leal.

José Cancio Freire de Lima.

José Julio do Amaral.

José Lourenço da Luz.

José Miguel Botelho.

José Marcellino de Sá Vargas.

D. José Maria de Araujo Corrêa de Lacerda.

José Maria Eugenio de Almeida.

José Maria Marques.

José Maria Pereira Forjaz.

José de Mello de Gouvêa,

José Silvestre Ribeiro.

Lourenço José Moniz.

Luiz de Almeida Menezes.

Luiz Augusto Rebello.

Luiz Henriques de Azevedo.

D. Marcos Pinto Soares Vaz Preto.

Nicoláo Carolino Ferreira.

Rodrigo José de Moraes Soares.

Sebastião Corrêa de Sá Brandão.

Sebastião Grim Cabreira.

Visconde de Campanhã.

Visconde de Castellões.

Zeferino Teixeira Cabral Mesquita.

Disseram rejeito Os Srs. Antonio da Cunha Sotto-Maior.

Antonio Pereira dos Reis.

Bernardo Gorjão Henriques.

Carlos Bento da Silva.

Domingos Manoel Pereira de Barros.

João da Costa Xavier.

Joaquim Manoel da Fonseca Abreu Castello Branco.

José Bernardo da Silva Cabral.

José Joaquim Lopes de Lima. Passando-se á votação na especialidade foi approvado o art. 1.º A Emenda do Sr. Fontes Pereira de Mello ao § 3.º » rejeitada, e seguidamente foram approvados os 2º., 3.º, 4.º, 5.º 6.º e 7.º A Emenda do Sr. Fordes Pereira de Mello ao § 8.º foi approvada, e foram depois consecutivamente approvados todos os outros paragrafos da Resposta; sendo a final rejeitado o Additamento do Sr. Assis de Carvalho ao ultimo paragrafo.

O Sr. Presidente: — Os Srs. Deputados que hão de compor a grande Deputação, que ha de levar ao Throno a Resposta ao seu Discurso, são os seguintes, além dos Srs. Presidente, e Secretarios, Vaz Preto, Barão d'Ourem, Visconde de Castellões, Lopes Branco, Rebello da Silva, A. J. d'Avila, Gorjão Henriques, Bispo Eleito de Castello-Branco, e Conde de Tavarede.

O Sr. Ministro da Fazenda: — Sr. Presidente, o meu estado de saude não tem permittido o podér concorrer á Camara. Desde 13 deste mez que tinha o Relatorio do Orçamento prompto para o apresentar

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asta Casa, mas tendo começado a discussão da Resposta ao Discurso da Corôa, parece-me não dever interromper tão solemne discussão com outro algum objecto, e por isso, nem eu, nem nenhum dos meus Collegas apresentaram estes documentos.

Tambem hoje, se a discussão continuasse, eu faria um esforço para tomar a palavra para defender-me das gravissimas aggressões que se têem lançado sobre negocios que estão a meu cargo; mas como estes negocios ligam com quasi todas as questões, eu não perderei occasião de apresentar as provas, que hão de contrariar muitas das asserções que se têem feito.

Se a Camara dispensa a leitura do Relatorio, eu vou manda-lo para a Mesa, (apoiados) dizendo á Camara que esta Proposta de Lei não vem acompanhada de alguma das que devem acompanhar o Orçamento para attenuar o deficit; essas serão apresentadas depois, e eu assento que o Ministerio faz um serviço aos trabalhos Parlamentares, apresentando já o Orçamento da Despeza, porque é sobre a Despeza que a Commissão principia os seus trabalhos para approvar ou rejeitar as Despezas Publicas. Neste papel mando para a Mesa os documentos, e na Secretaria da Camara acham-se já impressos os necessarios exemplares do Orçamento.

(O Relatorio que precede o Orçamento será publicado por appende-se no fim do volume.)

O Sr. Cunha Sotto-Maior: — Pedi a palavra para provocar uma explicação de V. Ex.ª. V. Ex.ª olhou para o seu relogio, e creio que é para fechar a Sessão; a hora ainda não deu; eu sou o primeiro inscripto para explicações, e em quanto não der a hora desejo usar do meu direito.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra.

O Orador: — Eu tomarei muito pouco tempo; mas a Camara ouviu como eu fui tractado, e apesar de estar inscripto para fallar tres vezes, vou usar deste direito por uma só vez, e peço á Camara e ao Sr. Duque de Saldanha, que afiem bem o ouvido. A Camara ouviu a accusação, ouça agora a defeza.

Eu tive a honra de abrir o debate na discussão da Resposta ao Discurso do Throno, e disse por essa occasião o seguinte.

Que bem tendes feito a favor deste Paiz, Ministros da Corôa? Aliviastes o Povo de alguns tributos, que acabrunham a Lavoura e a Industria?

Fizestes uma só legoa de estrada neste Paiz tão falto de communicações?

Abristes algum mercado para a exportação dos nossos productos?

Facilitastes por meio de alguma Lei liberal, pela deducção de algum pensamento economico a saída dos nossos generos?

O que fizestes a favor da Agricultura, da Industria, das Artes, das Sciencias?

O que fizestes a favor dos interesses moraes, sociaes, politicos, e materiaes do Paiz?

Tivestes algum pensamento generoso, qual foi elle?

Dissestes uma palavra animadora, onde a escrevestes?

Practicastes alguma obra meritoria que mereça a nossa gratidão, onde está ella?

Que meios empregastes para o desenvolvimento da prosperidade Publica? Que melhoramentos fizestes nos diversos ramos da Administração do Estado? Que obra de utilidade emprehendestes?

E como é que se respondeu a tudo isto? O Deputado Cunha é um calumniador, e um infame, e um perjuro, e um herege!.. Nunca vi uma maneira de argumentar similhante! Pois o Deputado Cunha vai mostrar ao Presidente do Conselho, e á Camara que não é calumniador, nem infame, nem perjuro, nem herege. Sr. Presidente, aqui tenho o meu Discurso tal e qual como saíu das mãos dos Srs. Tachygrafos, não o emendei, não lhe accrescentei uma só palavra; nem uma só virgula, não fiz como muita gente, que, diz aqui uma cousa, e vai lá fóra escrever outra e não pedi as notas á Tachygrafia. Quer vêr a Camara como sou infame calumniador? Disse eu porventura que o Duque de Saldanha era um assassino??.... Quem me ouviu tal? Quem foi, erga-se, e levante a frente!... Se eu não disse a calumnia, quem a inventou é que é o calumniador; se eu não disse a infamia quem ma attribuiu, é que é o infame.

Sobre o almocreve, contei o caso como me asseveraram que aconteceu, e disse a final; — se o facto não é verdadeiro, estimo muito que o Presidente do Conselho o contradiga. — Pois eu como Deputado não podia dar noticia a Camara de um facto que é de notoriedade publica? Eu pedi muitos esclarecimentos para entrar na discussão da Resposta, negaram-os todos. Sr. Presidente, eu poderia até ha um quarto de hora acreditar na palavra do Presidente do Conselho, mas depois da maneira porque me tractou, nem já posso acreditar na palavra do Duque de Saldanha. Se eu pedisse á Mesa (fallo hypotheticamente) que pela Secretaria da Fazenda me fosse mandada uma copia da ordem, que se passou aos Guardas Barreiras, não ma mandavam; por consequencia, eu estou em uma posição muito difficil; porque o Presidente do Conselho diz — Não se passou tal ordem — e como o hei de eu provar, se me negam os documentos? Até mos negaram a respeito de um Cavalheiro que devia ser provido na Cadeira de Zoologia da Escóla do Exercito, e que o Ministro não quiz despachar, apezar de ter todas as habilitações necessarias para aquelle logar. Negam todos os esclarecimentos, por consequencia o certame não é igual. Vós fechais-me todas as Secretarias, negais-me todos os documentos que vos peço, como posso eu luctar comvosco? Lucto sim, porque ainda me sobeja coragem para arrostar com a vossa tyrannia.

Eu não disse que o Governo era um grande tyranno, não disse, porque isso era um disparate, e tanto isto é assim que até vos citei o dito de Royer Collard, o grande Douctrinario: para grandes tyrannias é necessario ter um braço forte e cabelludo, e vós não tendes esse braço forte e cabelludo, e por isso não receio que o sejais; em Portugal não ha espaço para grandes tyrannias, nem o Paiz as toleraria, nem vós tendes coragem para as praticar.

Eu fugi diante do inimigo! Disse o Sr. Duque de Saldanha. É necessario fazer distincção entre uma deserção de Lisboa, e fugir diante do inimigo! A deserção póde ser, e foi resultado de um capricho, de uma injustiça como se praticam muitas em Portugal; a fugida é um acto de cobardia, que eu não podia praticar, porque ha cousas que não sei fazer. Mas, Sr. Presidente, concedo mesmo que fugisse; perigou a Liberdade com a minha fugida? E quando alguem fugiu para o Belfast não perigou a Liberdade? Quando o honrado General Pizarro levou

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as reliquias do Exercito Portuguez a Galiza, o General que estava encarregado desse Exercito, esse homem é que fugiu!.. Eu, fugido, praticava uma acção que me deslustrava, mas não prejudicava o meu Paiz, não prejudicava a Liberdade da minha Terra. Não leio a Revista de Edimburgo; e já tenho dito por mais de uma vez que não me apresento como um modêlo de virtudes; reconheço que tenho, desgraçadamente, muitos vicios, muitas irregularidades na minha vida, mas o Presidente do Conselho, nesta Camara, no Paiz, não póde abrir boca! Eu ainda não calquei nos pés o Laço Constitucional!... (Vozes: — Ordem! Ordem!.... Rumor) Senhores! Não sois generosos; ouvistes dizer que eu era um calumniador, um infame, um herege, e um perjuro, e agora não quereis que eu conte um facto que se passou!... Ouvistes insultarem-me na ausencia! Ora, Senhores, sois bem intolerantes!.... Oh! Sr. Presidente, que gente!....

Eu não abri aqui a minha boca para elogiar os assassinos de Rossi; não disse uma unica palavra de desconsideração pelo Summo Pontifice. Tenho a honra de ser Escriptor Publico, e o artigo que o Estandarte publicou sobre Rossi e sobre o summo Pontifice, é um artigo que me honra muito, e em poucas palavras disse mais do que disse o Sr. Presidente do Conselho, e do que disse o Sr. Relator da Commissão. Vou lêr á Camara o que eu disse fallando de Rossi;

«Homem de grandes talentos, Escriptor distincto, experiente nos negocios, d'uma probidade severa, caracter rigido, que aperfeiçoára a sua educação liberal na eschola d'um infortunio severo.»

Entendeis que isto é injuriar? Quereis ouvir como eu tractei o Pontifice?

«O Chefe de mais de duzentos milhões de Catholicos; o Senhor das consciencias que se fizera escravo da razão, que tendo na sua mão as chaves dos pensamentos de tantos homens, que podendo fechar as portas da intelligencia as abriu; revolucionario pacifico como dizia na Camara dos Pares em França Victor Hugo — que veio mostrar ao Mundo, assustado pelos acontecimentos tragicos, pelas conquistas e guerras do gigante do seculo passado e principios deste, que a Liberdade de todos os Povos, assim como a emancipação de todos os escravos estava no coração de Jesus, e devia estar no coração de todos os Bispos; que nos viera revelar na época da Algebra e do Septicismo que o homem da Paz é maior Conquistador que o homem da Guerra; que o que tem na alma a verdadeira caridade divina, a verdadeira fraternidade humana, tem na intelligencia tambem o verdadeiro genio politico; esse homem que viera mostrar aos Reis, aos Povos, aos Estadistas aos Filosofos, a todos a estrada melhor e a mais segura; auxiliar Evangelico dos grandes axiomas sociaes; que sacudira o pó da ignorancia de sobre o Povo Romano, que esmigalhára a louza do sepulchro politico a esse Povo esquecido no Mundo, que disse a essa grande Necropolis «Erguei-vos do chão, sacudi o Sudario que vos amortalha, entrae na communhão dos Povos vivos:» esse homem, Vigario de Jesus a Christo na terra, teve de esconder as vestes brancas do Levita debaixo da libré da domesticidade!»

Quereis vêr como eu descrevo o Pontifice?

«A Italia, que por tanto tempo exprimiu entre os homens a gloria das armas, o genio conquistador e civilisador, a sublimidade das Letras, o explendor das Artes, o duplo dominio da espada e da razão, acordou á voz de Pio IX. Resumo d'uma grande historia morta, póde ainda ser o symbolo de grande povo vivo. Roma, essa antiga Metropole da Unidade depois de ter abrigado a Unidade da Lei, do Dogma, e do Christianismo, produzirá talvez, com applauso universal, a Unidade da Italia.».

Pois o homem que escreve isto, podia dizer algum insulto ao Pontifice? A minha reveneração pelo Summo Pontifice é resultado do respeito pela sua illustração e pelas suas grandes qualidades, mas não venho aqui dizer bem do Summo Pontifice por uma convenção hypocrita. Ha pouco citastes-me um artigo da Carta; eu tambem vos vou citar outro. Sou Catholico, já disse; tenho Religião, e mais talvez do que aquelles que muito a apregoam; mas a Carta Constitucional diz — «Ninguem póde ser perseguido por motivos Religiosos:» — Por consequencia não podeis fallar da minha Religião.

Sr. Presidente, eu, chamando ao Papa um Symbolo, disse uma verdade (Apoiado); não disse uma heresia, não me fiz um perjuro. O que é um Symbolo? (Vou agora dar uma lição de grammatica ao Sr. Presidente do Conselho, e não preciso deitar a livraria abaixo — Riso) Symbolo é derivada de uma palavra, que significa Representação: — Symbolon; — Não sabeis grego tambem? Mas confundis Symbolo com Mytho; Symbolo é a representação de uma realidade; Mytho é a representação de uma cousa falsa, e eu disse Symbolo e não Mytho. Symbolo — dá-se este nome por excellencia ás tres famosas profissões de fé — o Symbolo dos Apostolos, Symbolo de Nycêa, e o Symbolo de Santo Athanasio.

O Catholocismo tem passado por differentes transformações. A Igreja reconheceu primeiro o Presbiterianismo, que substituiu o Federalismo individual — teve depois o Episcopado, teve ainda depois o Patriarchado, e finalmente o Pontificado, que é a representação visivel da Unidade Mysteriosa. As luctas dos Patriarchas de Alexandria, e Constantinopla, os julgamentos contradictorios de Roma, e Bisancio, as discordias da Igreja, a heresia de Arius, fizeram com que se convocassem os Concilios Geraes: depois de tres seculos de profundas meditações sobre o Evangelho de S. João, a Divindade de Christo era ainda um problema: a Constituição da Igreja era tal, que obrigava ás consciencias a respeitarem as douctrinas dos Bispos do Oriente, e as dos Bispos do Occidente: o accôrdo era difficil, e debalde o Concilio de Nicea quiz estatuir sobre essa controversia; com os equivocos suscitou novas discordias. Convocou-se depois outro Concilio — o da Sardica, na Illiria, confins dos dois Imperios do Oriente, e Occidente, e foi ahi que a jurisdicção disciplinar, outorgada ao Bispo de Roma, deu em resultado institui-lo soberano absoluto de todas as consciencias, arbitro infallivel de toda e qualquer controversia, que se referisse ao Dogma. Mas então o Papa tinha só o Governo da Igreja interior; mas sempre que os negocios da Igreja implicavam, ou pareciam implicar com os negocios do Estado, a sua decisão era da suprema competencia do Cesar. E tanto isto era assim, que Osio, Bispo de Cordova, o que mais so-

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bresaíu no Concilio de Nicea, escreveu ao imperador Constancio as seguintes palavras. — «Deos confiou a ti o Imperio, e a nós a Igreja. Tens o Governo da Terra, e nós o do Tabernaculo.» — Creio em Deos, tenho necessidade dessa crença sagrada, e cada vez mais, porque as injustiças arrastam-me por contricção, e attricção para os pés de Deos, que é a minha primeira esperança.

Disse o Sr. Presidente do Conselho — «O Sr. Deputado veio aqui accusar o Governo de intolerancia e accusou-o, por exemplo, porque se lançou uma imprensa na rua das Adellas pelas janellas fóra; isso não próva intolerancia do Governo» — concedo que não prova intolerancia; mas prova indifferença, e a indifferença em Politica é um desafôro. Fizestes mais, prendestes os homens, que practicaram esse facto, e depois mandastes solta-los!... É por isso que eu accuso o Governo; accuso-o por ter deixado impune um attentado contra a Propriedade, e contra a Liberdade de Imprensa.

O illustre Relator da Commissão achou um assumpto de pouca importancia a manifesta violação da Lei, practicada na pessoa do Sr. Carlos Henrique da Costa. O caso é simples, e a injustiça revoltante. Ouçam, e respondam depois.

O que diz a Lei de 12 de Janeiro de 1337, publicada na Ordem do Exercito N.º 5 desse anno?

«Art. 36.º Todos os Alumnos, que destinando-se para o Estado Maior, ou para a arma de Engenheiros completam, com aproveitamento, o respectivo Curso de estudo na Escóla Polytechnica, e se matricularem como Ordinarios no 1.º anno da Escóla do Exercito, serão desde logo promovidos ao novo posto, que hei por bem crear expressamente apara elles de Alferes Alumnos.»

O Candidato completou o Curso de Mathematica da Escóla Polytechnica, e tambem o 1.º anno de Fortificação da Escóla do Exercito; matriculou-se como Ordinario no 2.º anno da dicta Escóla, e completou o Curso de Estado Maior: tinha pois mais do que as habilitações exigidas pelo art. 36.º da Lei de 12 de Janeiro de 1837. Assentou praça em 21 de Outubro no Regimento N.º 2 de Lanceiros, por um Aviso do Quartel General do Commando em Chefe, datado de 22 desse mesmo mez; no dia 25 requereu o cumprimento da Lei, juntou as suas Cartas, e o Requerimento foi remettido pela Secretaria da Escóla do Exercito á Secretaria da Guerra. O Governo mandou ouvir sobe a pertenção o Director da Escóla do Exercito, o Director citou a Lei, e á vista dos documentos informou a favor. O Governo não contente ainda mandou ouvir o Director da Escóla Polytechnica, tambem este informou a favor.

O que fez o Governo? Como resolveu a questão? Mandou ouvir o Coronel de Lanceiros N.º 2, e este Commandante declarou n'um Officio — que o Sr. Carlos Henrique da Costa tinha estado, quando era paisano, ao serviço da Junta do Porto!!! E que como tal era perigoso no Regimento!

Á vista desta informação o pertendente teve baixa de soldado do Regimento de Lanceiros. (O Sr. Barão d'Ourem: — Peço a palavra para uma explicação pessoal.) Mas como estivesse ainda comprehendido nas disposições da Lei, requereu novamente ser despachado Alferes Alumno: o Sr. Ministro assentou então, que o verdadeiro era pôr de parte o Requerimento. Note a Camara uma circumstancia, que aggrava ainda mais a injustiça do Governo; e vem a ser — nessa mesma occasião o Sr. Ministro despachava cinco Alumnos da Escóla do Exercito para Alferes, e excluia justamente aquelle que se recommendava mais pelo maior numero de habilitações, por isso que frequentára o 2.º anno da Escóla, em quanto os outros frequentam o 1.º

O Sr. Ministro da Guerra declarou, que na sua Secretaria não havia noticia de tal indeferimento. Perdôe-me S. Ex.ª Apresentaram-se seis Requerimentos — despacharam-se cinco, e ficou de parte um. Não será isto indeferir? Que resposta deu S. Ex.ª? O Requerimento está na Secretaria da Guerra ha tres mezes; e esse espaço de tempo não será mais que sufficiente para se dar um simples despacho em conformidade de um artigo da Lei tão expresso, tão claro, e terminante?

Este precedente é terrivel: ataca a mais sagrada garantia, que amparava a Instrucção Superior; e dá larga margem para os maiores absurdos.

Se para ser despachado Alferes Alumno, não bastarem as habilitações prescriptas pela Lei, mas fôr necessario ser da opinião Política do Governo, sendo o Curso completo de sete annos, e as mudanças de Gabinete muito repetidas, por quantas transações não deve passar o Estudante para acertar com a opinião Politica do Governo em dia?

Ha mais ainda: e com esta declaração vou tranquillisar a consciencia do illustre Relator da Commissão, o Sr. Caldeira. O Governo mandou inspeccionar o requerente pela Junta de Saude: a Junta declarou, que o inspeccionado gosava duma Sande robustissima. O motivo que influiu para a exclusão, foi haver o requerente estado ao serviço da Junta do Porto: é máo, mas acceito a razão.

A respeito da Cadeira de Zoologia nada diria, se acaso não tivesse ouvido dizer aqui — Que era necessario uma Lei de Instrucção Publica; — para que é necessaria essa Lei se o Sr. Ministro da Guerra é superior á Instrucção Publica? (Apoiado).

Teve logar o Concurso em Maio de 1848, e o Sr. Bocage foi unicamente o proposto. Só em Novembro do mesmo anno é que o Sr. Ministro da Guerra respondeu a esta Proposta com a celebre Portaria que manda annullar o Concurso por motivos alheios a habilitações scientificas. A Escóla representou logo contra esta arbitrariedade, que envolvia infracção de Lei, e quebra da sua dignidade. A essa Representação o Ministro respondeu — Que a despeito das razões allegadas se procedesse a novo Concurso.

O Sr. Ministro quiz defender-se na Camara dos Pares, invocando o precedente do Gabinete Bomfim, que contra a Proposta da Escóla despachou para a Cadeira de Botanica o Sr. José Maria Grande. Não sei que os máos precedentes auctorisem novas infracções de Lei; mas além disso não ha paridade. O Ministro nesse tempo o que fez, foi convidar a Escóla a que em vez do Dr. Beirão lhe propozesse outro concorrente, e a Escóla prestar-se a essa condescendencia. O Conselho actual de Escóla composto pela maior parte de Lentes, que entraram para ella depois desse acontecimento, entendo que não deve infringir a Lei, e responde com elle á Portaria do Ministro.

Além de que, o Ministro que annulla o Concurso por motivos alheios a habilitações scientificas, tem de explicar quaes sejam esses motivos, e sendo, como

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não podem deixar de ser, politicos, fica provada a sua intolerancia.

O illustre Relator da Commissão defendendo o Ministerio, estabeleceu que ao Governo pertencia fiscalisar a moralidade dos Concurrentes; porém com isto mostra ignorar que á Escóla é que a Lei confere esse direito, pois que nenhum Candidato póde ser admittido a concurso, sem que primeiramente sáia approvado por uma votação sobre moralidade. Mas admittindo que o Governo possa tambem fiscalisar a moralidade dos Candidatos, é só no caso do Governo ter provas da immoralidade de qualquer Concorrente, que poderá annullar o seu Concurso, e o mesmo Sr. Relator da Commissão se atreveu a justificar por motivos destes o acto arbitrario do Governo.

Provada a intolerancia do Governo, e a infracção de Lei por elle commettida, é preciso fazer mais alguma cousa, é preciso fixar d'uma vez a posição da Escóla em relação ao Governo, por modo que as decisões della não possam nunca ser invalidadas pelo arbitrio de qualquer Ministro.

A Opposição é facil e commoda, dissesteis vós; estais redondamente enganados. A Opposição nem é facil no sentido em que a entendeis, e sabeis muito bem que não é commoda. Quem se assenta nestas Cadeira, quem toma estes Logares, curte muitas horas de amargura; é alvo de muitas calumnias, e victima de muita injuria. Para occupar estas Cadeiras é preciso ter uma grande abnegação; é preciso não largar ao entrar daquella porta a opinião que se emitte lá fóra; é preciso repetir aqui muito alto o que se diz baixinho nos corredores; é preciso não se dobrar a complacencias, ser ferrenho na sua opinião, e despeitado para com todos os arbitrios. A Opposição nem é facil nem commoda, mas é honrosa: affasta-nos dos Ministros, mas aproxima-nos do Paiz. Os que se assentam nestas Cadeiras se entraram pobres, sáem pobres: sáem d'aqui com as suas casacas desenfeitadas, e sem diploma algum que lhe confira o direito de envergar uma libré agaloada. A Opposição é um officio, não é um beneficio, é um encargo, não é uma prebenda.

Quem se assenta nestas Cadeiras é necessario, quando o Presidente do Conselho diz «Fugistes» poder dizer-lhe logo, logo «Faltais á verdade»: é necessario quando o Duque de Saldanha diz «Escrevestes as cartas de Gracho a Tullia» ter a coragem de dizer «Escrevi.» Já veem que não recuo nem um passo, ando sempre para diante; como não me podeis vencer, quereis ver se me atemorisais; estais enganados!...

Sr. Presidente, não tenho ambições; levanto a minha mão só até onde posso chegar; mas digo sinceramente á força de esmagado por tristes realidades que nos cercam, saio do presente e ólho para o futuro, vejo diante de mim ou o Carrasco, ou um Belleguim; o Carrasco para me tirar a cabeça pela minha independencia, e o Belleguim para me levar para uma prisão, e de lá ir morrer nas areas d'Africa; é por isso que eu combato o Ministerio, porque vejo n'elle grande disposição para a tyrannia... (Vozes: — Ordem! Ordem! Sussurro.) Não querem que eu falle? (O Sr. Presidente: — Peço ao Sr. Deputado que se limite ás explicações.) Pois bem; o resto fica para outra vez; isto não vai a matar. (Riso).

O Sr. Presidente: — Deu a hora...

O Sr. Ministro da Guerra: — Acaba de se fazer uma accusação ao Governo, é necessario que os Ministros se expliquem. (Apoiados — falle, falle.)

O Sr. Presidente do Conselho: — Eu tambem careço de dizer alguma cousa...

O Sr. Barão d'Ourem: — E eu pedi a palavra para explicar um facto, a que alludiu o Sr. Deputado.

O Sr. Presidente: — Então consulto a Camara sobre se quer prorogar a Sessão para os Srs. Ministros e Barão d'Ourem darem explicações.

Assim se decidiu.

O Sr. Ministro da Guerra: — Sr. Presidente, eu pedi a palavra para uma explicação muito simples. O Sr. Deputado referindo-se ao facto a respeito da Cadeira de Zoologia, fallou de uma Portaria, e de outros Papeis que tinha exigido, e que eu lhe tinha negado; V. Ex.ª poderá dar testemunho de que ha uns poucos de dias que esses Papeis devem estar nesta Casa.... (O Sr. Presidente: — Devem estar na Secretaria.) Devem estar na Secretaria; por tanto podia o Sr. Deputado fazer uso delles, e por aqui verá a Camara a justiça com que o Sr. Deputado falla neste objecto, e em muitos outros. (O Sr. Cunha Sotto-Maior: — Muito obrigado.)

A respeito do Alferes Alumno, repito o que disse ha pouco; — nenhum procedimento se tomou pela Secretaria da Guerra ácerca deste individuo — são castellos no ar. (O Sr. Cunha Sotto-Maior: — Peço a palavra para uma explicação pessoal.)

O Sr. Presidente do Conselho: — Sr. Presidente por extremo differentes foram as sensações, que em mim causou o que acabou de dizer o Sr. Deputado. Quando fallou no Belfast, alegrei-me, e estive para dar-lhe os agradecimentos. Quando tractou dos Representantes de Christo sobre a terra, affligi-me, mortifiquei-me, mas não direi uma palavra a esse respeito.

O Sr. Deputado disse na primeira vez que fallou — Que tinha havido um pacto de sangue, celebrado sobre um cadaver, pelo Presidente do Conselho de Ministros, — e ainda, agora mesmo o Sr. Deputado lançou uma insinuação no Publico, que póde fazer imaginar, que era possivel que existisse aquella ordem, que elle disse, que tinha sido a recompensa desse assassinio!... O primeiro documento que mandei para a Mesa, não é documento official; é um documento de uma pessoa particular bem pouco conhecida, que apenas ouviu nesta Casa está discussão, fez um Requerimento ao Director das Sete Casas, para poder haver aquelle attestado: agora o segundo é um documento official; foi ao Sr. Ministro da Fazenda a quem o pedi; que mandou immediatamente saber se havia alguma ordem a este respeito, que directa ou indirectamente podesse servir de fundamento para uma similhante accusação.

Tambem se fallou de prezos, que depois de estarem prezos se soltaram, isto por occasião do acontecimento com a Imprensa do Rabecão. A este respeito mandei perguntar ao Governador Civil, se tinha havido alguma prisão, este mandou me dizer que nem pela parte do Commandante da Guarda Municipal, nem pela do Governador Civil, houve uma unica prisão por este motivo.

Agora tractarei do Belfast: quem ouvisse fallar o Sr. Deputado, havia de assentar que eu fui Commandante daquellas Forças, pois eu declaro que nunca

VOL. 1.º — JANEIRO — 1849.

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tive Commando nem collocação naquella Divisão. Mas depois de terem acontecido todas as desgraças que então tiveram logar, quando eu tinha voltado a Villa Nova, n'uma reunião que houve na Junta Governativa, vendo-se que não havia remedio senão fazer conduzir aquellas Forças fieis para Hespanha, pediram-me todos que eu me encarregasse daquella tarefa. Prestei-me a isto com grande sacrificio; cheguei a Villa Nova, convoquei os Commandantes de Corpos, e disse-lhes: — A Junta Governativa vendo que não havia outro remedio senão salvar as reliquias deste Exercito, decidiu que fosse conduzido para Hespanha: e pediu que me encarregasse d'esta conducção. A isto disseram todos «Nós de nenhuma maneira saimos para fóra do Paiz; não queremos soffrer as desgraças da emigração; havemos de nos dividir em pequenas partidas, e sustentarmo-nos o tempo que pudermos.» Vendo que não era esta a minha missão, voltei, e quando cheguei ao Porto era meia noute; o Governo tinha-se já embarcado para o Belfast; fui a bordo dar lhe parte do que se tinha passado — e responderam-me «A sua missão está acabada. — Fiquei a bordo: havia tres dias e tres noites que não dormia, com pezar de vêr o estado a que as cousas tinham chegado; deitei-me; e quando me levantei, depois vi a bordo o actual Conde das Antas com mais dous Officiaes, que tinham ido dizer — Que a final os Officiaes que commandavam aquellas Forças, tinham depois resolvido marchar para Hespanha. — Tive conhecimento disto quando me achava no mar-alto; e era então impossivel voltar. Este 4 o acontecimento do Belfast; e estimei ter esta occasião publica de manifestar este facto.

Agora em quanto ás outras accusações, parece-me que a Camara me fará justiça não me occupando em responder-lhe (Apoiados).

O Sr. Barão d'Ourem: — Sr. Presidente, poucas palavras direi por que a Camara deve estar demasiadamente fatigada com as scenas que hoje tem occorido. A minha explicação é relativamente ao facto que citou o Sr. Deputado Cunha, a respeito do soldado que tendo sentado praça no Regimento de Lanceiros lhe foi dada a baixa tres dias depois; havendo este homem requerido para ser Official. Em quanto a elle não ser despachado Official, já o Sr. Ministro respondeu triunfantemente; agora emquanto a baixa é que tenho de dar uma explicação. Eu direi ao nobre Deputado que não ha Lei alguma que obrigue a conservar nos Corpos do Exercito uma praça que é inconveniente conservar; peço ao nobre Deputado que cite alguma Lei, que obrigue o Commandante em Chefe do Exercito a conservar em algum Corpo um soldado que não convem ao serviço. Pois aqui está o que se passou exactamente a respeito do homero, a que allude o Sr. Deputado. Este homem apresentou-se para sentar praça voluntariamente no Regimento de Lanceiros da Rainha; effectivamente sentou praça: mas depois disto chegou a informação de que a sua conducta não era regular; mandei ouvir as Auctoridades competente, e ellas responderam — Que de facto a conducta do homem não era regular. Pergunto, eu encarregado de manter a disciplina e Os Regulamentos no Exercito devia em taes circumstancias conservar o homem naquelle Corpo! Certamente que não; e então mandei-lhe dar baixa. Agora peço ao Sr. Deputado que me diga, e explique se um homem que não serve para ser soldado, póde servir para ser Official do Exercito (Apoiados).

O Sr. Presidente: — Amanhã a Camara trabalha em Commissões. Está levantada a Sessão. — Eram 4 horas e meia da tarde.

O Redactor,

JOSÉ DE CASTRO FREIRE DE MACEDO.

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