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SESSÂ0 DE 29 DE MARÇO DE 1871

Presidencia do ex.mo sr. Antonio Cabral de Sá Nogueira

Secretarios — os srs.

Adriano de Abreu Cardoso Machado

Julio Cesar de Almeida Bainha

Summario

Apresentação de projectos de lei e representações — Apresentação, por parte do sr. ministro da fazenda, de uma proposta de lei augmentando os direitos sobre o tabaco. — Ordem do dia: Continuação da discussão da generalidade do projecto n.º 20 — Approvação de uma proposta do sr. Cortez, para que este projecto volte de novo á commissão de commercio e artes — Explicações do sr. Freitas e Oliveira ácerca do seu voto n'essa questão — Approvação, sem discussão, do projecto de lei n.º 3, que auctorisa a camara municipal de Figueiró dos Vinhos a vender a parte do extincto convento do Carmo, que lhe foi concedido pela lei de 20 de agosto de 1861.

Chamada - 49 srs. deputados.

Presentes á abertura da sessão — os srs. Adriano Machado, Pereira de Miranda, Sá Nogueira, A. J. Teixeira, Freire Falcão, Pedroso dos Santos, Pequito, Sousa de Menezes, Rodrigues Sampaio, Antonio de Vasconcellos, Cau da Costa, Eça e Costa, Barão do Salgueiro, Ferreira de Andrade, Pereira Brandão, Eduardo Tavares, Francisco Pereira do Lago, Francisco Coelho do Amaral, F. M. da Cunha, Pinto Bessa, Van-Zeller, Barros Gomes, Freitas e Oliveira, Palma, Santos e Silva, Zuzarte, Candido de Moraes, Barros e Cunha, Ulrich, J. J. de Alcantara, Mendonça Cortez, Nogueira Soares, Faria Guimarães, J. A Maia, Bandeira Coelho, Mello e Faro, Figueiredo de Faria, Rodrigues de Freitas, Mexia Salema, Teixeira de Queiroz, José Tiberio, Julio Rainha, Luiz de Campos, Luiz Pimentel, Camara Leme, Marques Pires, Thomás Lisboa, Mariano de Carvalho, Pedro Franco.

Entraram durante a sessão — os srs.: Osorio de Vasconcellos, Anselmo José Braamcamp, Soares de Moraes, Villaça, Antonio Augusto, Antunes Guerreiro, A. M. Barreiros Arrobas, Antonio Telles de Vasconcellos, Barjona de Freitas, Falcão da Fonseca, Augusto de Faria, Barão do Rio Zezere, Bernardino Pinheiro, Conde de Villa Real, Pinheiro Borges, Francisco Mendes, Francisco Beirão, Caldas Aulete, Jayme Moniz, Alves Matheus, Pinto de Magalhães, Gusmão, Dias Ferreira, Elias Garcia, José Luciano, Latino Coelho, Moraes Rego, Rodrigues de Carvalho, Nogueira, Mendes Leal, Affonseca, Paes Villas Boas, D. Miguel Pereira Coutinho, Pedro Roberto, Sebastião Calheiros, Visconde de Villa Nova da Rainha.

Não compareceram — os srs.: Agostinho de Ornellas, Alberto Carlos, Veiga Barreira, Santos Viegas, Saraiva de Carvalho, Francisco de Albuquerque, Costa e Silva, G. Quintino de Macedo, Silveira da Mota, Mártens Ferrão, Augusto da Silva, Lobo d'Avila, Almeida Queiroz, J. M. dos Santos, Mello Gouveia, Lopo de Sampaio e Mello, Visconde de Montariol, Visconde de Moreira de Rey, Visconde dos Olivaes, Visconde de Valmór.

Abertura — Á uma hora e meia da tarde.

Acta — Approvada.

EXPEDIENTE

A QUE SE DEU DESTINO PELA MESA

Officios

1.º Do ministerio da guerra, remettendo copia da circular relativa ao licenceamento das praças alistadas para a reserva expedida em 3 do corrente, em satisfação ao pedido feito pela camara em 21 do corrente.

Para a secretaria.

2.° Da academia Teal das bellas artes, communicando que se póde mandar buscar aquella academia o retrato de Passos Manuel.

Para a secretaria.

Representações

1.ª Dos donos de casas de emprestimos sobre penhores da cidade do Porto, pedindo modificação na taxa que lhe é imposta na proposta de lei de contribuição industrial.

2.ª Dos donos de estabelecimentos de moveis usados, denominados bazares, pedindo que a mesma proposta de lei não seja approvada na parte que lhes diz respeito.

3.ª Dos carpinteiros e pintores de carruagens de Lisboa, no mesmo sentido.

4.ª Dos guarda-livros e primeiros caixeiros do Porto, no mesmo sentido.

5.ª Da associação fraternal dos barbeiros, amolladores e cabelleireiros, no mesmo sentido.

6.ª Dos padeiros do concelho de Belem, pedindo que a taxa do seu gremio não soffra um augmento superior a 20 por cento.

7.ª Dos emprezarios de açougues do Porto, pedindo modificações na mesma proposta de lei na parte respectiva á sua classe.

8.ª Dos tanoeiros de Lisboa, no sentido da antecedente.

9.ª Das direcções das sociedades anonymas fabris, protestando contra algumas disposições da mesma proposta de lei.

10.ª De varios cidadãos do concelho de Grandola, reclamando contra as medidas tributarias do governo.

11.ª De João Alfredo Dias, fabricante de tecidos de lã e algodão, pedindo que a sua industria não seja classificada como vem na proposta do governo.

12.ª Dos alfaiates com fato feito, alfaiates de medida, algibebes com estabelecimento e dos officiaes d'esta classe, de Evora, pedindo que a supradita proposta de lei não seja approvada.

13.ª Da associação commercial de Aveiro, reclamando contra algumas disposições da mesma proposta.

14.ª Da associação dos empregados no commercio e industria, no mesmo sentido.

15.ª Dos vendedores de carvão de cepa e sobre em sacas, reclamando contra a taxa que lhes é imposta.

16.ª Dos donos de embarcações de cabotagem, pedindo não serem incluidos nas tabellas da contribuição industrial.

17.ª Dos inculcadores de creados e creadas, pedindo que a supradita proposta de lei não seja approvada na parte que lhes diz respeito.

18.ª Da camara municipal do concelho do Crato, contra as propostas tributarias do governo.

19.ª Dos proprietarios do districto de Lisboa, contra as propostas de lei de contribuição pessoal e predial.

20.ª Da camara municipal do concelho de Estarreja, pedindo que não seja approvado o projecto de lei n.º 20.

Foram todas enviadas ás commissões respectivas.

Requerimentos

1.° Requeiro que, pela secretaria d'estado dos negocios da fazenda, se remetta a esta camara com a possivel brevidade uma relação nominal dos contribuintes que em todos os districtos do reino pagaram mais de 100$000 réis de decima predial (com distincção de rustica e urbana) nos ultimos tres annos (1868, 1869 e 1870).

Sala das sessões, 28 de março de 1871. = Luiz Vicente d'Affonseca, deputado pelo Funchal. = Augusto Cesar Falcão da Fonseca, deputado pelo circulo de Extremoz.

2.° Requeiro que, pela secretaria d'estado dos negocios da fazenda, se remetta a esta camara uma nota especificada das differenças na receita proveniente dos despachos para

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consumo das mercadorias, segundo a tabella B do tratado celebrado com o governo francez.

Sala das sessões, em 28 de março de 1871. = Luiz Vicente d' Affonseca, deputado pelo Funchal.

3.° Requeiro que, pelo ministerio das obras publicas, seja mandada a esta camara copia do officio que ao mesmo ministerio dirigiu a camara municipal do concelho de Macedo de Cavalleiros, mostrando a necessidade e conveniencia de haver n'aquella villa uma estação telegraphica.

Sala das sessões, em 28 de março de 1871. = O deputado por Macedo de Cavalleiros, Pereira do Lago.

Foram remettidos ao governo.

Notas de interpellação

1.ª Desejo interpellar os srs. ministros da fazenda e das obras publicas, ácerca da ponte-caes projectada para a alfandega grande.

Sala das sessões, em 28 de março de 1871. = Alberto Osorio de Vasconcellos, deputado por Trancoso.

2.ª Desejo interpellar o sr. presidente do conselho de ministros, ácerca da execução que teve o decreto de 15 de junho de 1870, relativo a aposentações e incompatibilidade de vencimentos de inactividade com os do serviço activo.

Sala das sessões, em 28 de março de 1871. — O deputado, João Candido de Moraes.

3.ª Desejo tomar parte na interpellação annunciada ao sr. ministro das obras publicas, em sessão de 21 do corrente, pelo sr. Freire Falcão, ácerca do estado de viação publica no districto de Bragança.

Sala das sessões, em 28 de março de 1871. = O deputado por Macedo de Cavalleiros, Pereira do Lago.

Mandaram-se fazer as devidas communicações.

Declaração

Declaro que motivos justificados me impediram de assistir ás duas ultimas sessões.

Sala das sessões, em 28 de março de 1871. = Francisco Beirão.

Inteirada.

O sr. Lisboa: — Mando para a mesa uma representação dos proprietarios de trens de aluguer, reclamando contra a contribuição industrial.

O sr. Pedro Franco: — Mando para a mesa uma representação, assignada por 94 logistas do concelho de Belem, pertencentes ao gremio dos taberneiros ou vendedores por miudo de vinho, aguardente e vinagre, em que pedem ao parlamento, e especialmente á commissão de fazenda, que não lhes eleve a taxa a 120 por cento como estão ameaçados pela proposta do sr. ministro da fazenda. Queixam-se amargamente de se ter elevado o imposto do real d'agua, que lhes foi affectar muito a sua industria, por isso pedem que, em relação a esta circumstancia, não se eleve a taxa a mais de 20 por cento.

Por esta occasião desejo chamar a attenção do nobre ministro das obras publicas, sobre o pessimo estado em que se acha a estrada de Alcantara a Belem, especialmente na rua direita da Junqueira, a qual, depois que a companhia das aguas ali metteu os encanamentos, ficou completamente deteriorada, e até as valetas por onde transita o publico a pé estão completamente intransitaveis, e obstruidas por grande quantidade de cascalho que supponho ser para applicar aos reparos d'aquella estrada; por isso espero que s. ex.ª dê promptas providencias, a fim de melhorar uma estrada de tanto transito.

O sr. Ministro das Obras Publicas (Visconde de Chancelleiros): — Eu tomo na devida conta as considerações que acaba de apresentar o illustre deputado, e darei as providencias convenientes em harmonia com as necessidades do serviço.

O sr. Pedro Franco: — Agradeço a s. ex.ª, em nome dos meus constituintes, a promessa que acaba de me fazer.

O sr. Pinto Bessa: — Mando para a mesa tres representações que me foram dirigidas da cidade do Porto, sendo a primeira dos negociantes e mercadores de ferragens novas, estabelecidos na mesma cidade, reclamando contra a taxa da contribuição industrial; a segunda dos mercadores de oiro e prata da mesma cidade, que pedem para ser classificados na 4.ª classe da tabella B, porque estando classificados na 3.º classe, queixam-se que é demasiadamente excessiva; a terceira, finalmente, dos feitores de objectos de oiro e prata da mesma cidade, pedindo para serem separados do gremio dos ourives.

Parece-me de inteira justiça o seu pedido, porque esta classe de fabricantes ou feitores, como vulgarmente se chama, é uma classe pobrissima, e não duvido dizer mesmo que é miseravel; e na tabella estão classificados juntamente com os ourives. E por isso que elles pedem ser separados e fazerem gremio á parte.

A justiça que lhes assiste é obvia, e eu reservo-me para em occasião opportuna tratar d'esta questão, e mostrar á camara a miseria em que vivem estes operarios, chegando muitos d'elles a não saírem de casa, porque não têem roupa decente para se apresentarem na rua. Isto que eu digo é a verdade, e appello para muitos dos illustres deputados, que hão de conhecer a exactidão do que acabo de dizer.

O sr. Santos e Silva: — Mando para a mesa uma representação dos actores, actrizes e mais empregados de todos os theatros da capital, que reclamam contra a exageração das taxas da contribuição industrial, que lhes são lançadas, não só das taxas individuaes, mas das que dizem respeito aos estabelecimentos theatraes, ou aos emprezarios de espectaculos.

Peço a v. ex.ª que tenha a bondade de mandar esta representação á commissão de fazenda, para a tomar na devida consideração.

O sr. Dias Ferreira: — Mando para a mesa uma representação dos torneiros com estabelecimentos na cidade de Lisboa, que reclamam contra a classificação que lhes deram nas ultimas tabellas annexas á proposta do governo sobre contribuição industrial.

O sr. Freire Falcão: — Mando para a mesa uma representação da camara municipal de Mogadouro, em que pede que se mande proceder á construcção da estrada que vae do Mogadouro a Moncorvo, a terminar no rio Douro junto ao Pocinho, a ligar com outra que ali deve terminar, vinda da provincia da Beira.

Chamo para este assumpto a attenção do illustre ministro das obras publicas; e como já tive a honra de annunciar uma interpellação n'este sentido, reservo-me para quando s. ex.ª se declarar habilitado a vir responder a ella fazer mais algumas considerações sobre esta materia.

O sr. Pereira de Miranda: — Mando para a mesa varias representações a respeito da proposta de lei sobre a contribuição industrial. A primeira, é dos mestres de obras de Lisboa; a segunda, dos fabricantes de vidros d'esta cidade; a terceira, dos ervanarios; e a quarta, de dois individuos que se acham collocados no gremio dos especuladores.

Peço a v. ex.ª que lhes dê o destino conveniente.

Como hontem me não chegou a palavra para responder ás observações que o sr. ministro da fazenda teve a bondade de fazer em resposta á minha pergunta sobre a juncção das duas alfandegas, peço licença para responder a s. ex.ª, unindo os meus votos aos do sr. Santos e Silva, para que, seja qual for a resolução que tome a commissão que o sr. ministro acaba de nomear para delimitar os quadros, e se o parecer da commissão fizer com que s. ex.ª se resolva a levar a effeito a juncção das alfandegas e o decreto publicado em 1869, que em todo o caso o negocio venha á camara, porque elle não é tão simples como parece á primeira vista, por isso que se estão levantando constantemente duvidas n'esta casa e na imprensa, e era melhor uma discussão mais ampla e completa sobre o assumpto, para esclarecimento d'aquelles que podem estar em erro julgando, como eu, que a juncção é muito prejudicial aos interesses do municipio e do commercio.

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O sr. Ministro da Fazenda (Carlos Bento da Silva): — Eu não desejo prevenir a discussão sobre este importante assumpto, mas parece-me poder desde já asseverar ao illustre deputado que, antes de qualquer resolução a este respeito, eu hei de trazer a questão ao parlamento; e declaro agora ao illustre deputado que não posso responder por um extracto que vem publicado nos jornaes, a respeito do que eu disse na ultima sessão, e que não está exacto; o que não admira porque, não tendo esta casa as precisas condições acusticas, é difficil tomar nota do que dizem os ministros n'este logar. Por isso não podemos responder por tudo que nos attribuem os extractos que apparecem nos jornaes.

Aproveito a occasião para mandar para a mesa a seguinte proposta (leu).

Mando tambem para a mesa uma representação dos fabricantes de seda, em que reclamam contra o projecto de lei sobre a contribuição industrial.

Eu, como ministro, não sou menos interessado do que os srs. deputados em que o depoimento das classes interessadas n'esta proposta seja ouvido pela camara e considerado devidamente.

Peço a v. ex.ª que dê a esta representação o mesmo destino que se tem dado ás outras.

Leu-se na mesa, e foi á commissão de fazenda a seguinte

Proposta de lei

Senhores. — Em um periodo recente tres diversas administrações têem proposto ao parlamento o acrescimo, em proporções moderadas, do imposto de importação sobre o tabaco. Apesar da elevação do actual direito, e por isso mesmo que é muito elevado, não se póde considerar que venha a influir no descaminho fiscal o augmento actualmente proposto, que no maximo, em um só caso, não excede a 10 por cento, sendo inferior a percentagem em todos os outros casos. Mal póde influir no contrabando esse augmento em relação a um genero, que, pagando em direitos quatro e cinco vezes o seu valor, não deixa de proporcionar ao estado um dos seus mais valiosos ramos de receita.

Na Gran-Bretanha, onde se tem introduzido em larga escala a abolição ou diminuição dos direitos de importação, os que dizem respeito ao tabaco sobem ainda, em algumas qualidades, a dez vezes o preço do genero, sendo mui superior aos direitos resultantes do acrescimo actualmente proposto.

Em Hespanha foi ultimamente abolida a franquia que se tinha estabelecido para a importação do tabaco manufacturado, e se attribuiu a essa franquia a diminuição, em perto de um terço, do rendimento proveniente d'aquelle genero.

Em França, onde o rendimento do tabaco tinha sempre progredido antes das ultimas vicissitudes por que tem passado aquella nação, nem por isso deixou ha poucos annos o governo de augmentar o preço da venda, procurando accelerar ainda o augmento que naturalmente tinha trazido comsigo o acrescimo do consumo.

Tendo ultimamente sido proposto e votado o augmento de direitos de importação sobre generos de consumo muito mais necessario do que o do tabaco, não excedendo o direito proposto o que se vem a pagar em outras nações que alcançam d'este ramo de receita um importante recurso, tenho a honra de submetter á vossa consideração a seguinte proposta de lei:

Artigo 1.° Os direitos sobre o tabaco, estabelecidos pelo artigo 7.° da carta de lei de 13 de maio de 1864, são substituidos pelos seguintes:

Tabaco em rolo, cada kilogramma............. 1$200

Tabaco em folha, cada kilogramma............. 1$400

Tabaco em charutos, cada kilogramma.......... 2$200

Quaesquer outras especies de tabaco manipulado,

cada kilogramma........................ 1$800

Pela moinha das folhas e dos talos do tabaco pagar-se-ha o direito como folha de tabaco, e quando o talo vier picado, o direito a pagar será o do tabaco manipulado.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.

Ministerio dos negocios da fazenda, em 29 de março de 1871. = Carlos Bento da Silva.

O sr. Francisco Maria da Cunha: — Mando para a mesa um projecto de lei, assignado por mim e pelos srs. Candido de Moraes, Camara Leme e Alcantara, com o fim de desviar alguns embaraços que se dão na concorrencia dos candidatos a aspirantes de facultativos do ultramar, e com a idéa de crear um incentivo para esta classe.

Abstenho-me de ter o relatorio do projecto por ser extenso, mas direi que para mostrar a necessidade d'este projecto, basta notar que ha dezeseis vagas de facultativos no quadro de saude do ultramar, e este numero ha de augmentar dentro em pouco, porque alguns dos que ali existem tem direito a novo destino.

ORDEM DO DIA

Continuação da discussão na generalidade do projecto de lei n.º 20

O sr. Cortez: — Como as considerações que tenho a fazer se referem exclusivamente ás que hontem ouvi ao sr. ministro das obras publicas, a respeito do estabelecimento de ostreiras no litoral do Algarve e da provincia da Extremadura, peço a v. ex.ª que mande convidar o sr. ministro para assistir á discussão, ou então que me reserve a palavra para quando s. ex.ª estiver presente.

O sr. Presidente: — O sr. deputado quer fazer algum requerimento?

O Orador: — Peço a v. ex.ª que mande convidar o sr. ministro das obras publicas para assistir a esta discussão, porque as considerações que tenho a fazer dizem respeito ao que s. ex.ª disse hontem n'esta casa com relação ao projecto de que se trata.

Vozes: — Está presente o sr. ministro das obras publicas.

O Orador: — N'esse caso começarei.

Não tencionava fallar n'esta questão, porque me parecia que pela fórma por que o assumpto foi apresentado n'esta casa em outro tempo, e estando esta questão em circumstancias analogas ás d'aquelle, não merecia realmente a pena gastar-se muito tempo em a discutir.

Uma voz: — Apoiado.

O Orador: — Eu ouvi um apoiado de um collega meu, mas posso dizer-lhe que as reflexões que aqui se fizeram, em vez de me desviar algumas ligeiras duvidas que eu tinha no meu espirito, pelo contrario concorreram para as radicar e augmentar a tal ponto, que me compelliram a fazer a proposta, que passo a ler (leu).

Sr. presidente, as considerações que o sr. ministro das obras publicas fez na ultima sessão não me convenceram, e eu vou analysar o que s. ex.ª disse, e estimarei que s. ex.ª me convença de que estou em erro.

Peço licença, porém, para fazer desde já uma observação preliminar, e vem a ser que, não estando resolvido a fazer um grande esforço para levantar a voz, se as condições acusticas da casa não mudarem, eu prescindo da palavra, porque não posso gritar demasiadamente, portanto desejava que os meus collegas me dispensassem um pouco da sua preciosa attenção, pois que não costumo abusar muito da benevolencia da camara, como v. ex.ª e ella podem testemunhar.

Tratando agora da questão direi que ha um ponto em que todos concordâmos, e é que a industria da pesca no nosso paiz, não só no ramo de que se trata, mas em todos os outros, está em um estado lastimoso, devido a muitas rasões, mas sendo a principal a incuria, ignorancia e bruteza, permitta-se-me a expressão, é rude mas é merecida, d'aquelles que mais interessam em que a pesca se desenvolva como podia desenvolver-se n'este nosso abençoado paiz.

Vejo-me obrigado a desenvolver um pouco as considerações que tenho a fazer sobre este ponto, porque são a base

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importante e fundamental da proposta que acabei de ler.

Nos reinados de D. Affonso IV e de D. João I a pesca da baleia tinha assumido grandes proporções, pois que vemos da carta de 1 de setembro de 1352, e de outra de 15 de março de 1424, que se concedia a baleiação a differentes individuos, o que prova que a pesca da baleia era importante no nosso paiz n'esse tempo.

Hoje todos sabem que esta pesca não tem importancia alguma, é completamente nulla, pois que só por acaso as ondas arrojam ás praias algum d'esses enormes cetaceos.

No tempo de D. Affonso IV e D. Affonso V vejo que se tomaram differentes providencias para se assegurar o estabelecimento de uma esquadra que protegesse os nossos estabelecimentos piscatorios e a exportação das pescarias que em larga escala se fazia por Vianna, Villa do Conde e outros pontos não só para os nossos vizinhos de Hespanha, mas principalmente para os portos do Mediterraneo, Levante e Inglaterra, etc.

Vejo que até ao fim do seculo passado pelas cartas de 15 de janeiro de 1450, 30 de setembro de 1483, e pelo alvará de 2 de março de 1711 concedeu se o monopolio da pesca do coral a differentes individuos, e entre outros ao duque de Tarento por tres annos. Isto demonsta que sendo este paiz desde alta antiguidade abundantissimo em pescarias, tem, pela incuria e desleixo da classe dos pescadores e dos poderes publicos, deixado chegar essa fonte de riqueza e prosperidade ao estado de decadencia em que actualmente se acha. D'aqui deduzo que é preciso que a industria da pesca seja regulamentada, e como corollario que seja regulamentada tambem a ostricultura como sua parte importante.

N'este ponto todos concordam, mas no que não concordâmos é nos meios que o ministerio apresenta para chegar áquelle resultado; no que não estamos de accordo é na modalidade com que o governo pretende revestir o decreto promulgado em 15 de dezembro de 1868.

Isto leva-me a analysar desde já os pontos mais importantes das considerações do sr. ministro das obras publicas, nobre e intelligente caracter, diante do qual me curvo reverente; mas v. ex.ª comprehende que estas considerações, que são de grande peso para altearem s. ex.ª na minha estima, não valem nada para me impedir de tratar a questão desassombradamente; e peço a s. ex.ª que, se nas considerações que vou fazer eu interpretar mal as suas palavras, tenha s. ex.ª a bondade de o declarar, porque sinceramente desejo ser esclarecido.

Dizia s. ex.ª: «É necessario o monopolio, porque é o desiderandum da regulamentação d'esta industria; se elle acabasse, se deixasse de existir, mal iria á industria piscatoria».

Eu concordo em que é necessario haver o monopolio, mas no que não concordo é em que o monopolio exista pela maneira por que o governo quer que nós o admittamos.

Que o monopolio exista, para que um certo e determinado cidadão possa construir parques de engorda ostreiras e especular com ellas, de maneira que se aproveitem as riquezas que elle saiba arrancar ao mar, nada mais justo e consentaneo com os principios que regulam a nossa sociedade civil, com os principios da carta constitucional, e com os verdadeiros interesses das nossas pescarias; mas o que não posso admittir é que o monopolio seja concedido em condições taes que, envolvendo todo o litoral aproveitavel, offenda, a meu ver, o artigo 145.° §§ 21.º e 23.° da carta constitucional, como me parece que já hontem aqui um sr. deputado nos disse.

Eu vejo que na Belgica, na Hollanda, na Dinamarca e na Inglaterra, onde ha ostreiras ricas, antigamente mais ricas talvez do que as nossas, e hoje se não tão ricas, isso depende das condições ichtylogicas dos mares que banham esses paizes; vejo, digo, que ali as providencias que se têem tomado para regalar a industria da ostricultura admittem os monopolios até certo ponto, mas não o levam ao excesso que revela o contrato que s. ex.ª apresenta para nós approvarmos.

Concedem-se ali certas e determinadas zonas para se estabelecerem bancos artificiaes de ostreiras ou parques para engorda das ostras e seu desenvolvimento, mas o que não vejo é que em paiz nenhum d'estes se conceda a um certo e determinado concessionario a área toda, todos os bancos, todas as ostreiras d'esse paiz.

Isto é que creio que s. ex.ª me não póde mostrar em paiz algum; e não obstante são paizes importantissimos que nos devem servir de modelo, não só n'isto como em muitos outros ramos de administração, mas particularmente n'este que tem importancia como fonte de alimentação e como fonte de riqueza publica.

Diz s. ex.ª, que a regulamentação é necessaria; de accordo, mas regularise-se, combinando o exercicio da propriedade particular com o livre direito que todos os cidadãos têem de usarem livremente, nos limites da lei e dos regulamentos, das faculdades da sua intelligencia e dos seus capitaes.

Seja permittido a A, a B ou a C estabelecer um parque para engorda das ostras em qualquer ponto do paiz onde ellas porventura existam, conceda-se-lhes o monopolio da exportação dos productos d'aquella zona, nada mais justo e consentaneo com o nosso direito civil, e mesmo com as nossas leis fundamentaes; mas se qualquer d'estes individuos vier pedir a concessão exclusiva, para elle só explorar a ostricultura em todo o paiz, isso é o que me parece que realmente as leis não consentem, nem a indole constitucional das nossas instituições o permitte.

Toda a gente sabe que a propriedade das minas é uma propriedade tão respeitavel, tão sagrada, tão magestatica, como é a propriedade territorial, como é a propriedade urbana e a propriedade rustica. Pois bem; todos hesitariamos em conceder a um só concessionario, embora poderosissimo, a exploração de todas as minas do paiz. Porque deixaria de haver o monopolio que concorre e desenvolve, para haver o monopolio que esmaga e aniquila.

Esta questão está perfeitamente no mesmo caso.

Todos têem direito de pedir que se lhes conceda a exploração d'esta ou d'aquella mina, prestando-se ás condições que as leis e regulamentos estabelecem, e que o sr. ministro das obras publicas sabe melhor do que eu que são apenas para que a concessão não seja uma illusão, para que a nação não seja defraudada nos seus justos interesses, para que o governo não seja illudido.

Eu tenho muito receio d'esta concessão de que se trata. As rasões e algarismos que se apresentaram, cuja linguagem é eloquente, por isso mesmo que é simples, creio que provam que este projecto, cuja approvação se nos pede, não é tão simples como realmente parece.

Estava resolvido, sr. presidente, a votar a favor da concessão pelas considerações que fiz, pelo desprezo e mau uso que os pescadores fazem da sua liberdade, prejudicando elles mais do que ninguem os seus interesses futuros; não obstante, as considerações que se fizeram levaram me a hesitar, a ter serios receios; as palavras do nobre ministro das obras publicas, que eu esperava que me haviam de tranquillisar, sobresaltaram-me, de modo que hoje duvido de dar a minha approvação a este contrato.

Disse-nos s. ex.ª que se acaso não mencionassemos a restricção, a liberdade da exportação implicava essa restricção o contrato mesmo, que se não concedessemos ao concessionario o privilegio exclusivo da exportação, iriamos prejudicar a industria particular. S. ex.ª liga este direito ao direito sacratissimo da propriedade. Parece-me que ha n'isto equivoco. Discrepo das idéas de s. ex.ª

Que o concessionario tenha direito sacratissimo á propriedade dos parques artificiaes, ninguem questiona; mas s. ex.ª sabe que em toda a parte onde ha parques artificiaes, de pouco servem estes sem os bancos naturaes que os alimentam.

Aqui o que se pede é o direito exclusivo de exportação,

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o que se promette é a construcção dos parques artificiaes; mas s. ex.ª o sr. ministro das obras publicas está perfeitamente desprevenido para o caso de que o concessionario queira exportar tambem dos bancos naturaes só d'estes e não dos parques artificiaes. Se s. ex.ª nos trouxesse um contrato, pelo qual a exportação fosse sómente dos parques artificiaes, eu aceitava esse contrato por um certo numero de annos, ainda que abrangesse toda a zona das nossas costas, os pescadores e as camaras haviam de m'o agradecer; mas s. ex.ª não nos apresenta um contrato assim; apresenta-nos um contrato para ser concedido a um concessionario o direito exclusivo de exportação, exportação que não sabemos se ha de ser dos bancos naturaes, se dos parques artificiaes.

É verdade que na condição 2.ª se estabelece que no fim de tres annos os parques artificiaes devem estar em plena actividade, mas todos sabemos o que são estas cautelas, que valem muito quando apenas basta boa fé, a justiça e a moralidade, mas que valem pouco para a execução das leis, que não póde só depender da boa fé, justiça e moralidade, que, se são elementos poderosissimos no mundo espiritual, são deficientissimos no mundo juridico.

Por consequencia o contrato é insufficiente, e é por esse lado e é por esse receio que eu desejo que o sr. ministro das obras publicas me responda, porque talvez s. ex.ª me apresente rasões que me satisfaçam n'este ponto e me tirem esses receios, que em pouco mostrarei por algarismos serem fundados.

Diz s. ex.ª, que é necessario conceder-se uma área extensa, porque não sendo assim, não podem desenvolver-se os parques artificiaes. De accordo com s. ex.ª e não de accordo.

S. ex.ª tem rasão em dizer que é indispensavel uma área maior do que a necessaria para estabelecer os parques artificiaes, a fim de poderem abranger os bancos naturaes que os alimentarão. Mas a experiencia demonstra, e não fallo só da experiencia que temos desde 1866, mas da experiencia d'estes estabelecimentos lá fóra, que datam de muito mais tempo, porque os romanos já conheciam as ostreiras artificiaes e naturaes; a experiencia, repito, que tem os inglezes, os hollandezes e os belgas, etc, mostra que a concessão deve ser de uma área extensa, de modo que o parque artificial possa ser facilmente alimentado, mas o que não ensina é que comprehenda uma só concessão todo o litoral. É n'isto que eu discrepo do nobre ministro.

S. ex.ª, pela consideração que apresentou, parece indicar que a área necessaria para a alimentação dos parques e bancos é a que se pede no contrato; isto é, desde Lagos até á embocadura do Guadiana, inclusivè, e desde Mira até Ovar e lagoa de Obidos; quer dizer, um litoral de approximadamente, se me não engano, 180 a 200 kilometros de desenvolvimento.

Ora, eu vejo que as concessões de áreas que se dão lá fóra para exploração, como por exemplo na Inglaterra, Belgica e França, são demasiadamente pequenas, comparadas com esta. Ahi está o que me sobresalta.

Quer v. ex.ª saber quantas eram as ostreiras que em 1823 existiam na Belgica, tendo no tempo da imperatriz Thereza uma só? Tinha apenas duas. E quer v. ex.ª saber quantas tinha em 1866? Tinha onze.

Ora, toda a gente sabe que a ostra é um mollusco que se não dá em todas as localidades, e que depende das condições locaes das costas, embocaduras dos rios, fontes submarinas, flora submarina, etc. e que por isso é claro que grande porção dos kilometros do litoral belga e hollandez são perfeitamente inuteis, e que por isso a área das onze ostreiras de que fallo ainda mais fica reduzida. Pois apesar d?isso em 1866 tinham a Belgica e a Hollanda onze concessões. Nós para uma área enorme apenas uma só.

E não só na Belgica, a Inglaterra, por exemplo, tem umas poucas, eu cito apenas as ostreiras do Tamiza, do Coln e do Crouch.

Ora d'aqui deduzo eu que comquanto seja necessario o governo conceder uma certa área para estabelecer o banco natural, que ha de alimentar o parque artificial, a área que se pede é grande de mais, muito grande.

O sr. José Vicente Barbosa du Bocage, que fez um contrato em 10 de agosto de 1867, em virtude do qual veiu a esta camara o projecto de 15 de junho de 1868, pediu uma concessão para uma área apenas de 3 kilometros no Tejo; a área que se pede hoje não é de 3, nem de 30, nem de 40, é approximadamente de 200 kilometros.

Aqui tem s. ex.ª a rasão por que acho uma differença radical entre o contrato, que nós approvámos, do sr. dr. Bocage, e este, cuja approvação ora se nos pede, do nobre marquez de Niza.

Se acaso as condições dos dois contratos fossem precisamente as mesmas, eu não teria duvida nenhuma em approvar este; mas as condições dos dois contratos não são as mesmas. Quando mais não seja, não é a mesma a condição da área, que para mim é importantissima. Bem sei que o n.º 1.º do projecto de 15 de junho de 1868 corresponde á 13.º condição d'este, que faz parte do projecto de lei que discutimos. O n.º 2.° á 14.ª, o n.º 3.º corresponde á 15.ª, o n.° 4.° á 16.ª N'isso não temos duvida, estamos de accordo. Mas ha algumas differenças, que eu peço licença a v. ex.ª e á camara para indicar, ainda que summariamente, que sabemos existem embora não appareçam nos respectivos contratos.

Ponho agora de parte a differença da área, que para mim é radical e fundamental; mas ainda ha outras muito importantes.

O concessionario, no contrato do sr. dr. Bocage, apresentava-se como explorador. Como todos nós acreditavamos havia de dar-se a exploração, á testa da qual se punha.

No contrato actual a condição varia um pouco, o que é para mim uma differença importante. Não se trata de uma condição de caracter puramente legislativo ou juridico; mas nem por isso me vejo menos obrigado a fazer obra por ella, porque tem muito peso na minha consciencia.

Em segundo logar no outro contrato estabelecia-se a necessidade da creação de parques. Aqui estabelece-se essa necessidade da mesma maneira; mas lá o interesse particular garantia-o, aqui o interesse particular só me parece garantir a exportação. E a este respeito devo lembrar á camara o que se passa em Inglaterra.

Desde 1858 em Inglaterra o desenvolvimento da ostricultura cessou ou tem sido escassissimo, e até, como a camara sabe, foi nomeada uma commissão em 1866 para investigar as causas do atrazo e retrocesso do desenvolvimento da ostricultura, e achou-se ali que desde 1858 os bancos naturaes não progrediam, e apresentavam um decrescimento natural e fatidico que não havia poder humano que o evitasse.

Sendo isto assim, e sendo esta concessão provavelmente feita a concessionarios porventura estrangeiros, eu tenho o receio de que a exploração venha a transformar-se apenas em exportação, isto é, na total ruina dos nossos bancos de ostras, sem remedio possivel.

Peço a attenção do sr. ministro das obras publicas para esta observação, e para o seguinte calculo que me dei ao trabalho de fazer, servindo me de um calculo do sr. Bocage.

Supponha s. ex.ª a apanha, para exportar, de 500:000 ostras, suppondo necessarios 1:866 dias de trabalho, a 1 franco e 50 centimos, teremos:

Apanha de 500:000 ostras — 2:799 francos.

Apparelhos collectores — 1:100 francos.

Barco e guarda — 800 francos.

Direito de exportação, 180 réis por metro cubico segundo a condição 6.ª do contrato — 50 francos.

Frete em vapor de sufficiente velocidade, porque, comquanto Hamon demonstrasse que estes molluscos se podem conservar fóra de agua durante 17 dias, comtudo, suppon-

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do que um transporte rapido d'aqui para Inglaterra importe em 3:000 francos, totalidade 7:749 de despezas de 500:000 ostras exportadas e postas nos parques inglezes ou francezes.

Ora, sabe o illustre ministro das obras publicas que em Acajour o termo medio do preço é de 45 francos por milhar, preço que aliás regula pelo dos mercados inglezes e allemães. Mas suppondo que as nossas ostras não são vendidas pelo mesmo preço por que são vendidas as ostras francezas quando saem para o consumo, suppondo que apenas obtêem o preço baixo nos parques; suppondo mesmo que só obterão um preço de 20 por cento inferior, porque não são ostras propriamente ditas como as francezas e inglezas, mas pertencem ao genero que Bruguière propoz, que se separasse da ostroea, e de que Lamark effectivamente fez um genero separado, griphea (griphea angulata), e que portanto teriam menor valor no mercado.

Na primeira hypothese teriamos o preço de 22:500 francos, na segunda 20:000 francos, na terceira 15:000 francos; d'onde resulta que no primeiro caso o exportador teria o lucro de 14:769 francos, quer dizer, 200 por cento; no segundo caso 12:250 francos, isto é, 160 por cento; no terceiro caso 7:250 francos, ou 100 por cento. Isto nas peiores condições.

Ora, tenho receio de que a exportação venha a ser a unica exploração provocada pela grandeza do lucro, por um lado, e pelo outro pela necessidade sentida de que os bancos de Inglaterra se repovoem de ostras, embora estrangeiras. Note-se que não sei que esteja averiguado que as ostras do Algarve e de Aveiro sejam a griphea como a lisbonense.

Espero que o sr. ministro acautele esta hypothese, que creio possivel, e é essa a rasão por que estou fallando d'esta fórma.

Disse hontem o illustre ministro, que este assumpto não era importante, porque não envolvia riqueza publica.

Peço licença para discordar de s. ex.ª Este assumpto é de riqueza publica, se por estas palavras entendermos alimentação publica.

Creio que os physiologistas ensinam que, termo medio, são necessarias para a alimentação de um homem, por dia, 315 grammas de substancias azotadas seccas; ora, segando as experiencias de Payen, são necessarias 172 ostras para darem aquella quantidade de azote.

Os algarismos de apanha das ostras, pelo sr. Garrelon, durante dois annos, são de 20.000:000 de ostras, d'onde, suppondo que os bancos agora pedidos produzirão apenas 30.000:000 de ostras, acharemos que isto representa a alimentação de cerca de 170:000 homens n'um dia, ou de 480 homens durante um anno.

Ora, se notarmos que as ostras se reproduzem extraordinariamente, e que, ou se admittam os calcules de Meunier, Davaine, ou os mais modestos de Deshayes, sempre nos convenceremos de que estes algarismos estão muito áquem da realidade, e que isto não póde passar por indifferente á alimentação publica.

Se por aquellas palavras tomarmos o que renderá provavelmente para o fisco a exportação das ostras, eu peço licença para discordar ainda de s. ex.ª; pois que suppondo ainda que os bancos pedidos só produzam 30.000.000 de ostras, teremos que a 180 réis por metro cubico o fisco receberá 540$000 réis.

Ora, 540$000 réis é uma quantia modesta, mas não é insignificante, não é ainda por este lado que s. ex.ª póde dizer que este assumpto é de pouca importancia.

Tambem não concordo com s. ex.ª se aquellas palavras querem dizer valor venal, porque, se calcular este valor pelo preço que as ostras têem em Arcachon, nos mercados inglezes, nos mercados da Hollanda e na Allemanha, embora abatendo 20 por cento, vemos que esse valor será approximadamente de 1.080:000 francos, isto é, approximadamente 200:000$000 réis.

Ora, com o augmento de que é susceptivel este commercio, aperfeiçoado pela industria humana, e quando eu vejo que só uma companhia, sómente a companhia Whitstahle, a que já se referiu o meu collega e amigo, Adriano Machado, no seu excellente e pensado discurso, em 1862 para 1863 apresentou nos seus relatorios ter um valor nas suas ostreiras de 400:000 libras, isto é, 1.800:000$000 réis, não posso acreditar que este assumpto seja de pequena importancia para a riqueza publica.

Repito, pois, que me parece que s. ex.ª nos deve elucidar mais sobre estes pontos. Pelo menos eu preciso muito de algumas explicações para poder votar verdadeiramente com conhecimento de causa, porque, como já disse, presentemente não tenho conhecimento de rasões bem convincentes que me habilitem a votar o contrato.

Ainda o sr. ministro das obras publicas fez mais algumas considerações, taes como as que referem ao facto dos nossos pescadores não viverem exclusivamente da pesca das ostras, as que se referem ao que se faz na Belgica e na Hollanda, as que se referem á exploração ostreira, ao nosso regulamento de 15 de dezembro de 1868, feito sobre o regulamento francez de 4 de julho de 1853, etc.; mas similhantes considerações, a que eu aliás me referirei, se me vir obrigado a pedir de novo a palavra, parece-me que cedem de importancia diante d'aquellas a que acabo de responder. Repito, as duvidas que me assalteiam o espirito são bastante fortes para me inhibirem de poder votar presentemente n'esta questão emquanto não for esclarecido.

Por consequencia mando para a mesa a proposta, que já li, na qual peço á camara que remetta de novo este projecto á commissão, para que ella, attendendo ás reclamações que vieram á camara e ao contrato que, dizem, foi enviado para a mesa pelo sr. Bernardo Machado de Faria e Maia, dê um parecer definitivo, porque ainda que eu esteja inclinado, repito, a votar a questão, as duvidas que eu acabo de apresentar á camara fazem com que o meu animo fique perplexo para poder votar com inteiro conhecimento de causa.

Se a camara, permitta-se me que o declare, entender em sua alta sabedoria, a qual eu sempre respeito e acato, que não póde admittir a minha proposta, peço então licença a v. ex.ª e á camara para não votar. Agradeço a attenção dos meus nobres collegas.

Vozes: — Muito bem.

Leu-se na mesa a seguinte

Proposta

Proponho que seja nomeada uma commissão especial para examinar as representações que estão sobre a mesa, relativas ao projecto n.º 20, e o contrato de Bernardo Machado de Faria Maia, que se diz ter sido enviado a esta camara.

Sala das sessões, em 29 de março de 1871. = 0 deputado, João José de Mendonça Cortez.

O sr. Presidente: — Esta proposta é um adiamento, e como tal tem de ser apoiado antes de entrar era discussão.

Foi apoiado e ficou em discussão.

O sr. Ministro das Obras Publicas: —... (S. ex.ª não restituiu o seu discurso a tempo de ser publicado n'este logar.)

O sr. Cortez (para um requerimento): — Pedi a palavra para um requerimento, a fim de que s. ex.ª e a camara consintam que faça uma pequena emenda na minha proposta. Quando n'ella me referi a uma commissão especial, foi minha intenção referir-me á commissão que já tinha dado parecer sobre o projecto, porque pareceria que da maneira por que está redigida, envolvia a idéa de suspeição á commissão, suspeição que estava muito longe do meu espirito. Julgava que era uma commissão especial que tinha dado parecer sobre o contrato, e por isso me referi a essa commissão especial; mas conhecendo agora que a commissão de commercio e artes foi quem deu parecer, peço que se substituam as palavras = commissão especial = por estas — commissão de commercio e artes =.

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O sr. Presidente: — Queira mandar outra proposta.

Leu-se na mesa a seguinte

Proposta

Proponho que o projecto n.º 20 volte de novo á commissão de commercio e artes para examinar as representações que estão sobre a mesa relativas ao mesmo projecto, e o contrato de Bernardo Machado de Oliveira Maia, que se diz ter sido enviado a esta camara, e fazer as alterações que julgar convenientes no mesmo projecto n.º 20.

Sala das sessões, 28 de março de 1871. = João José de Mendonça Cortez. Admittida.

O sr. Mariano de Carvalho: — Não sei se ámanhã, haverá trabalhos em commissões: no caso de os haver e de não se reunir a camara, pedia a v. ex.ª que mandasse distribuir por casa dos srs. deputados o projecto de lei sobre a diminuição dos direitos nas carnes em Lisboa, a fim de ser dado com urgencia para discussão.

O sr. Candido de Moraes: — Requeiro a v. ex.ª que consulte a camara sobre se está discutida a materia do adiamento.

O sr. Osorio de Vasooncellos (sobre o modo de propor): — Peço que á proposta apresentada pelo sr. Cortez se addicione, que a commissão de accordo com o governo faça as delimitações nas areas concedidas.

O sr. Presidente: — Não é agora occasião de fazer essa proposta. Dei-lhe a palavra, porque julguei que queria pedir votoção nominal.

O sr. presidente do conselho pediu a palavra: pergunto se é sobre o modo de propor? (Vozes: — Falle, falle.)

O sr. Presidente: — Tem a palavra.

O sr. Presidente do Conselho de Ministros (Marquez d'Avila e de Bolama): — Não sei até que ponto me será permittido fazer as observações que desejava apresentar á camara, mas a camara será benevola com um antigo parlamentar, que por vinte e sete annos occupou estes logares, e que ainda hoje se lembra d'elles com saudade.

(Vozes: — Falle, falle.)

Parece-me que a camara me permittlrá que diga que esta questão de adiamento seria melhor tratada, discutindo-se juntamente com a materia principal, e parece-me tambem; que o novo adiamento que o illustre deputado indicou, póde muito bem formar parte do adiamento mandado para a mesa. E visto que a camara é tão benevola para commigo eu direi que não tomei parte n'este debate até agora, porque este negocio foi feito pelo ministerio das obras publicas, e eu não tenho hoje a honra de ser ministro das obras publicas.

Não entendi, pois, que este contrato fosse um contrato vinculado ao meu nome; entendi que estava vinculado ao sr. ministro das obras publicas. E eu não quiz privar o meu illustre amigo e collega o sr. visconde de Chancelleiros, que me fez a honra de se associar commigo para me ajudar a completar o ministerio, e era muito mais capaz do que eu de sustentar esta questão; não o queria privar, digo, da gloria que lhe havia de resultar da maneira por que tem andado n'este assumpto, e que lhe tem merecido os applausos da camara.

Mas tenho muita necessidade tambem de declarar, pela minha parte, os motivos por que fiz este contrato, ainda que esses motivos foram expostos pelo meu illustre collega, e se reduzem a muito pouco.

Eu achei um contrato feito com o sr. Bocage, e approvado pela lei de 9 de setembro de 1868. Este contrato tinha por fim a creação entre nós de uma industria, que não tinhamos, a industria da creação e engorda das ostras, que n'outros paizes tem attingido grandes proporções, e as póde tambem attingir no nosso paiz. Essa lei teve por complemento o decreto de 15 de dezembro do mesmo anno.

Tanto o contrato com o sr. Bocage como o decreto de 15 de dezewtae de 1868 tinham por fim crear aquella industria por meio do monopolio. O concessionario era obrigado a crear ostreiras artificiaes, a melhorar as naturaes, e tinha em recompensa do seu trabalho e dos capitães que empregava o exclusivo da exportação, tanto das ostras que creasse, como das que colhesse nos bancos naturaes. Esta é a verdade. Esse monopolio não podia porém tolher aos particulares a liberdade que tinham de colher ostras nos bancos naturaes, para o consumo do paiz. O monopolio, repito, comprehendia unicamente o commercio externo.

Posteriormente ao contrato feito com o sr. Bocage celebrou-se outro que, embora tivesse por base o concurso, que eu adopto em principio, não me pareceu preencher o fim que se tinha tido em vista, porquanto os concorrentes foram postos fóra da praça por um licitante que cobriu os lanços, e deixou depois de solicitar o andamento do seu negocio, como é pratica. Pareceu-me, pois, que era preferivel para o desenvolvimento d'aquella industria seguir o methodo que se tinha adoptado para com o sr. Bocage, fazendo-se as concessões sem concurso, como tinha sido feita aquella, mas adoptando as mesmas condições sem alteração alguma. É o que se fez no contrato que se discute.

Se v. ex.ª e Os srs. deputados quizerem comparar as condições d'este contrato com a concessão feita ao sr. Bocage hão de achar que o contrato feito com o sr. Bocage foi copiado textualmente, addicionando-se-lhe as disposições prescriptas pela lei de 9 de setembro de 1868, que approvou esse contrato, e pelo decreto de 15 de dezembro de 1868, que teve por fim tornar exequivel essa lei. Este contrato ficou pois ainda mais garantido do que o contrato feito com o sr. Bocage.

Parece-me que, assim como se tinha feito a concessão ao sr. Bocage sem concurso, não tendo resultado inconveniente nenhum, antes vantagem d'essa concessão, se podia fazer tambem esta.

D'aquelle contrato resultou o começar-se a crear n'este paiz uma industria nova, a qual eu espero que produzirá um novo elemento de riqueza para elle, sem prejuizo da liberdade, repito, que todos têem de colher ostras nos bancos naturaes para o commercio interno.

Mas infelizmente a verdade é que se tem levantado receios a este respeito; receios que se não podem justificar em presença do contrato, receios que estou convencido se hão de desvanecer, depois de um estudo mais reflectido do contrato e dos documentos que vieram á camara, alguns dos quaes foram lidos agora, e outros são as representações dos interessados feitas depois da celebração do contrato. A verdade é tambem, que muitos srs. deputados, que um numero consideravel de membros d'esta camara, como o provou a votação de hontem, se não julgam suficientemente habilitados para votar, pedem novos elementos de informação, e não offendem a commissão que deu parecer sobre este projecto, porque o sr. Cortez pediu que fosse mandado á mesma commissão, o que prova que não houve da parte de s. ex.ª intenção de desconsiderar a commissão que já tinha estudado este assumpto; n'estas circumstancias eu, que estou convencido de que o governo andou como devia n'este negocio, zelando os interesses do paiz, entendo que dou uma prova d'esta convicção, e do respeito que tenho por esta camara, declarando por parte do governo, que o governo não põe difficuldade alguma a que se proceda a um exame mais minucioso sobre o assumpto, na convicção, repito, de que a camara depois d'esse exame ha de convencer-se de que não tem outra cousa a fazer senão approvar este contrato, talvez com algumas modificações, mas segundo o espirito d'elle.

Desde o principio da discussão o meu collega, o sr. ministro das obras publicas, declarou que o governo não se pronunciava sobre as questões de adiamento apresentadas. Esta declaração tem sido feita por differentes vezes na camara; e eu declaro que me associo a ella.

A camara foi que rejeitou bontem o adiamento. Mas se deseja hoje que a commissão examine de novo o assumpto,

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e as reclamações que posteriormente vieram a esta casa, e alguns outros documentos, que foram produzidos durante o debate, e o governo porá á disposição da commissão todos os que tem em seu poder, e designadamente o documento que o meu collega acaba de ler, eu não posso senão sympathiser com esse desejo, e cooperar pela minha parte para que elle seja satisfeito.

Esta é a posição do governo ácerca d'este assumpto.

O governo entende que fez o que devia, e está prompto a sustentar a sua obra; mas se a camara entende que lhe faltam alguns esclarecimentos e deseja que se faça um novo estudo sobre o assumpto, o governo está prompto a cooperar com a commissão e a pôr á disposição d'ella todos os elementos que possue para a resolução d'esta questão, que não é insignificante, como alguem tem dito, e merece ser resolvida, como todas as que vem a esta camara, com conhecimento de causa, fazendo-se uma lei digna da camara. (Vozes: — Muito bem.) Eu pediria portanto a s. ex.ª que considerasse a segunda proposta de adiamento como fazendo parte da primeira, porque me parece que a segunda por fórma nenhum a prejudica a primeira, e que no caso de a camara approvar uma se entendesse que approvava as duas.

O sr. Presidente: — Ha só uma proposta de adiamento, e uma substituição a ella, mandadas para a mesa pelo sr. Cortez. Vão ler-se.

(Leram-se na mesa).

O sr. Presidente: — Os senhores que entendem que está sufficientemente discutida a proposta de adiamento do sr. Cortez, queiram ter a bondade de se levantar.

Julgou-se discutida.

O sr. Presidente: — O sr. presidente do conselho referiu-se a duas propostas de adiamento, mas na mesa não está senão uma.

É verdade que o sr. Osorio de Vasconcellos enunciou uma proposta, porém não a mandou ainda para a mesa.

O sr. Arrobas: — Está a escreve-la.

O sr. Osorio de Vasconcellos; — Desisto da proposta.

O sr. Presidente: — Vae ler-se a proposta do sr. Cortez.

O sr. Barros Gomes (sobre o modo de propor): — Como esclarecimento e para fundamentar as poucas palavras que desejo dizer a este respeito, pedia que, se está sobre a mesa a proposta de adiamento, que foi hontem rejeitada, e tinha sido offerecida pelo sr. Adriano Machado, se procedesse á leitura d'ella. Eu desejava fazer a comparação das duas propostas.

O sr. Presidente: — Peço perdão ao sr. deputado. Não é occasião opportuna de fazer essa comparação, porque a materia foi julgada discutida. Vae votar se.

Posta á votação a proposta de adiamento do sr. Mendonça Cortez, foi qpprovada.

O sr. Freitas e Oliveira (para um requerimento): — Sequeiro a v. ex.ª que consulte a camara sobre se consente que eu tenha a palavra para explicações.

O sr. Presidente — Devo dizer ao sr. deputado que as explicações, segundo o regimento, dão-se em hora de prorogaçao de sessão, sem interrupção dos trabalhos da camara.

O sr. Freitas e Oliveira: — É por isso que eu requeiro que a camara, dispensando o regimento, me conceda que eu dê agora as explicações.

O sr. Presidente: — Consulto a camara.

A camara resolveu afirmativamente.

O sr. Presidente: — Tem a palavra.

O sr. Freitas e Oliveira: — Começo por agradecer á camara a benevolencia que se dignou dispensar-me.

Pesa sobre mim uma grave responsabilidade. Fui accusado de herege em materia constitucional e de pouco respeitador da dignidade do parlamento.

O meu silencio perante esta accusação seria a confissão tacita de taes crimes, e impedimento moral para poder entrar aquella porta.

Já hontem, felizmente, o illustre deputado, o sr. Osorio de Vasconcellos, me fez justiça, justiça que eu agradeço, porque vamos por tempos taes que os homens publicos só têem a esperar dos amigos adulação e favor, e dos adversarios offensas e injurias. A justiça é rara e por isso mais de agradecer.

Se eu tivesse declarado, no seio da representação nacional, que defendera um contrato convicto de que o defendia contra a rasão e contra a justiça; se eu tivesse sido ministro e promovesse um capitão a general por affectos pessoaes, com offensa da lei, com prejuizo dos direitos de outrem, e com quebra da disciplina militar; se eu tivesse n'essa elevada posição celebrado contratos entre as quatro paredes do meu gabinete, contratos para que a lei reclamava concurso e o decoro pessoal pedia publicidade; se eu tivesse sido membro de um jury e julgado candidatos a um concurso, e dado o meu voto, e, quando esses candidatos me pedissem a publicidade das suas provas e da classificação que d'ellas fizera, eu a recusasse, a minha posição era menos critica e a minha responsabilidade menos grave. Mas tive a sinceridade de declarar que votava a favor do contrato das ostras, porque, tendo a consciencia de que elle não prejudicava interesses pessoaes e particulares, interesses de nenhuma industria creada, nem interesses do thesouro, podia alliar ao voto da minha consciencia o affecto do meu coração; sou accusado de herege em materia constitucional e de pouco respeitador da dignidade parlamentar! Severo mas merecido castigo para tanta simplicidade.

Votar o monopolio das ostreiras, e vota-lo por taes principios e com tal intuito, é ultrajar realmente a dignidade do parlamento, e desprezar inteiramente as liberdades publicas. Votar o monopolio das ostras ao digno par do reino, o sr. marquez de Niza, tendo-o votado ao illustre professor o sr. Bocage, é dar realmente uma prova de cynismo politico, que merecia o castigo de ser privado de todas as immunidades concedidas pela constituição do estado a todos os portugueses. Mas preparar a opinião publica para a resurreição do monopolio do tabaco; promover uma crise politica, e pôr em risco uma situação por se julgar necessario e economico que a nomeação do patriarcha recaísse n'um ecclesiastico que foi a Roma votar a infallibilidade do Papa, isso sim, que é de liberaes sem macula, e de herdeiros illustres de José Estevão e Passos Manuel!

Votar o monopolio das ostras ao sr. marquez de Niza só o faz um homem, que pretende offender a dignidade do parlamento e destruir os principios de igualdade, que a carta constitucional marca e consigna para todos os cidadãos!

Disse que votava o monopolio das ostras, e votava-o porque entendia que elle não prejudicava interesses de individuos, nem de industrias, nem do thesouro, e os proprios srs. ministros tambem hoje assim o declararam.

O proprio orador, que tão proficientemente tratou esta materia, esse mesmo foi bem claro a este respeito. S. ex.ª disse, que não sabia se o contrato era monopolio ou não, e que não sabia mesmo se, sendo monopolio, iria favorecer os interesses da industria, ou se os iria prejudicar.

Pois quando um homem, que estudou tão proficientemente esta materia, tem taes duvidas, como podia eu, ignorante em tão importante ramo do saber humano, não vendo representações de ninguem, porque nem o governo as viu, nem as viu a commissão; como podia, repito, votar n'este assumpto por outra inspiração que não fosse aquella que manifestei?

Sou réu d'este crime. Deixo-me mover pelo affecto, quando o affecto não está em contradicção com os interesses publicos e com a minha consciencia. Do que nunca fui, nem serei accusado, é de ser movido por odio ou por inveja na votação de qualquer questão pessoal ou politica; e tanto assim me consideram que, quando se tratou aqui de um dos projectos de que se tem occupado este parlamento n'esta sessão, porque elle tem demonstrado quanto se interessa pelas cousas publicas, na preferencia que tem dado aos as-

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sumptos mais importantes; quando se tratou aqui, repito do projecto para se conceder ao concelho da Gollegã uma annexação de terreno, fui tambem solicitado por um cavalheiro, que tinha votado contra mim n'uma questão pessoal, para votar a favor d'essa annexação, e eu que me persuadi que não havia prejuizo para ninguem com tal annexação, que não sabia se existiam representações de povos de outros concelhos contra ella, comprometti-me com esse cavalheiro a votar a favor do seu desejo, para assim lhe agradecer o voto que elle tinha dado, n'uma questão pessoal, contra mim.

Peço desculpa á camara d'estas minhas sinceridades; nunca mais as tornarei a ter; nunca mais serei accusado por este delicto.

Quando der o meu voto em assumptos de tal magnitude e o quizer declarar, lembrar-me-hei sempre de que as conveniencias publicas, as liberdades populares, o interesse do thesouro, a independencia nacional e o equilibrio europeu é que me inspiram para votar a favor ou contra pareceres de tanto alcance politico e economico (riso).

Até um illustre academico, que muito respeito, nos disse, que queriamos ir esbanjar as riquezas do mar, como já tinhamos esbanjado as riquezas da terra! E até o visconde de Almeida Garrett foi incommodado, para vir de reforço ás pavorosas imagens de tão severa rethorica! Se aquelle genio estivesse aqui hoje, como elle sorriria de todas estas questões importantes e sisudas que nos estão preoccupando, se as comparasse com as que se ventilavam no seu tempo, com as questões insignificantes de principios e doutrinas, e onde a paixão apparecia, a paixão que hoje é necessario banir de todas as discussões, porque só o calculo, a especulação e o interesse tem cabimento nas questões vitaes da actualidade! É preciso tratar da questão de fazenda e por isso nos temos occupado durante umas poucas de sessões de um contrato d'esta ordem, que ha de ser o preparativo indispensavel para a organisação das finanças e para pôr boa ordem na administração!

E o illustre deputado que me accusou de pouco respeitador do parlamento e das immunidades constitucionaes, foi aquelle que, apontando com desdem para as cadeiras dos ministros, disse — não sei se isto é progressista, se é conservador! O homem zeloso dos principios e que tem assento n'esta casa, o homem politico, porque não se póde ser outra cousa dentro do parlamento, está na ignorancia completa sobre se o ministerio é progressista ou conservador! Eu não faço taes perguntas nem preciso faze-las.

Não tenho empenho algum em levantar a questão politica, como julgou o meu honrado amigo o sr. ministro das obras publicas, não a quero levantar, e creio que ninguem quer commetter esse grande crime, mas o que eu posso asseverar a s. ex.ª é que se ella não saíu hoje da questão das ostras, foi porque esse humilde marisco não póde dar á luz tão grande assumpto; mas saírá da questão das carnes, que naturalmente ha de ser tratada para a Paschoa, que é o tempo proprio. (Riso.) Ahi virá a questão politica sem que ninguem possa tolher-lhe o passo.

Disse o illustre deputado que eu votava contra o adiamento por que esse adiamento é uma hypocrisia. Pois a que estamos nós assistindo senão a uma grandissima hypocrisia politica? (Apoiados.) Que outra cousa é senão uma hypocrisia esta conciliação ficticia que estamos presenceando? (Apoiados). Ha boa intenção da parte do governo, e sobre tudo do digno presidente do conselho, mas boa intenção que não se ha de realisar, porque os factos e as cousas são mais fortes do que os seus bons desejos, e do que as suas nobillissimas aspirações (apoiados).

Concluo declarando que, apesar das accusações que me fizeram, não julgo que tivesse offendido nem de leve a dignidade do parlamento, porque nem v. ex.ª o podia consentir, nem a camara deixaria de se levantar como um só homem se nas minhas palavras houvesse a mais leve offensa á sua dignidade.

Dando a explicação do meu voto disse o que sentia no meu coração e não offendi lei nenhuma, porque antes que dissesse que era o affecto pessoal que me levava a votar d'aquella maneira, declarei que na minha consciencia entendia que o contrato de que se tratava não offendia os interesses do thesouro, nem os interesses particulares, nem nenhuma industria creada.

Peço perdão á camara de lhe ter tomado algum tempo, e a v. ex.ª agradeço a attenção que me dispensou.

(O orador foi comprimentado por muitos srs. deputados.)

O sr. Eduardo Tavares: — Mando para a mesa uma representação dos editores de almanaks e annuarios, contra a proposta do governo, ácerca do imposto industrial.

Queixam se do excessivo da taxa que lhes é applicada, e pedem á camara que tenha em consideração a sua justa queixa.

O sr. Presidente: — Dá-se-lhe o competente destino; mas devia ser apresentada na 1.ª parte da ordem do dia.

Passa-se á discussão do projecto de lei n.º 3, que deve ter uma só discussão na generalidade e especialidade, por isso que tem um só artigo.

Leu-se na mesa e é o seguinte:

Projecto de lei n.º 3

Senhores. — Pela carta de lei de 20 de agosto de 1861 foi concedida á camara municipal de Figueiró dos Vinhos uma parte do extincto convento do Carmo d'aquella villa, para ali se estabelecerem as repartições publicas d'aquelle concelho.

A camara estabeleceu ali o tribunal judicial e paços do concelho; e porque o estabelecimento das outras repartições no mesmo edificio só se podia fazer á custa de grandes despezas, pelo estado de ruina do convento, e porque lhe pareceu que o local, por ficar separado da villa, não convinha á guarda dos importantes papeis que se acham a cargo das differentes repartições, não levou a effeito ainda a mudança da administração do concelho e repartição de fazenda para o referido edificio.

Estando agora para se vender um edificio pertencente á misericordia da mesma villa, que pelo seu estado de conservação, muita capacidade, e pelo sitio em que se acha muito convem para n'elle se estabelecerem todas as repartições publicas do concelho; pede a camara municipal que as côrtes a auctorisem a vender a parte do convento que lhe foi concedida pela referida carta de lei, para com o producto da venda comprar o edificio da misericordia que fica indicado.

Em vista do exposto a vossa commissão de administração publica, considerando que, pelas rasões que dá a camara, se consegne melhor o fim da carta de lei pela fórma que se propõe, sem prejuizo para o estado e com grande vantagem para o municipio; é de parecer, de accordo com o governo, que se deve attender á representação da camara municipal de Figueiró dos Vinhos, por meio do seguinte projecto de lei, que tem a honra de submetter ao vosso esclarecido exame:

Artigo 1.° É auctorisada a camara municipal de Figueiró dos Vinhos a vender a parte do extincto convento do Carmo, que lhe foi concedida pela lei de 20 de agosto de 1861, para com o producto da venda comprar um edificio pertencente á misericordia da mesma villa, com o fim de n'elle estabelecer todas as repartições publicas do concelho.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.

Sala da commissão, 23 de março de 1871. = Antonio Rodrigues Sampaio = João de Azevedo Sovereira Zuzarte = Francisco Antonio da Silva Mendes = Francisco Coelho do Amaral = Barão do Salgueiro, relator.

Foi logo approvado.

O sr. Presidente: — Não ha mais objecto algum dado para a discussão.

Tenho a pedir ás commissões que apresentem pareceres sobre as propostas que lhes foram mandadas, a fim da camara ter de que se occupar, porque não ha para discutir

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DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

senão o parecer da commissão de fazenda relativamente á reducção do imposto nas carnes, e mais um projecto simples, que não ha ainda tres dias foi apresentado.

Aproveito a occasião para tornar a declarar, que os projectos que têem estado ultimamente em discussão não preteriram a discussão de outros apresentados pelo governo, porque os não havia. E digo isto, porque se tem dado a entender que a mesa tem preterido projectos de interesse geral, quando não é assim.

O sr. Freitas e Oliveira: — Se é a mim que v. ex.ª se refere, peço que acredite que não houve da minha parte a menor censura no que ha pouco disse.

V. ex.ª tem presidido aos trabalhos da camara com a maior imparcialidade; por consequencia eu não podia de modo algum querer irrogar a v. ex.ª a mais leve censura.

O sr. Rodrigues de Freitas: — Peço a v. ex.ª que consulte a camara se quer que estes documentos que foram remettidos para a commissão de fazenda, ácerca de uma proposta do sr. ministro da fazenda para a venda de matas e florestas, sejam publicados no Diario da camara.

São documentos que recebi da repartição de agricultura do ministerio das obras publicas, e parece-me conveniente que toda a camara tenha d'elles conhecimento (apoiados).

Decidiu-se affirmativamente.

O sr. Presidente: — A ordem do dia para ámanhã é trabalhos em commissões; e para sexta feira, na primeira parte o projecto n.º 5 e depois o projecto sobre a reducção dos direitos nas carnes. Este ha de ser distribuido pelos srs. deputados logo que venha da imprensa.

Está levantada a sessão.

Eram tres horas e tres quartos da tarde.

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