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CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

17.ª SESSÃO

EM 17 DE AGOSTO DE 1905

SUMMARIO.— Lida e approvaria a acta e não havendo expediente, o Sr. Presidente propõe á Camara um voto de sentimento pelo fallecimento dos Srs. Conselheiro Castro Mattoso e Conselheiro Emygidio Navarro. Associam-se a esta proposta por parte do Governo o Sr. Ministro da Justiça (Arthur Montenegro), por parte dos partidos progressistas e regeneredor os Srs. Antonio Cabral e Pereira dos Santos. Exaltam as qualidides dos extinctos os Srs. Pereira de Lima, Ahel Brandão, Conselheiro Eduardo Villaça (Ministro dos Negocios Estrangeiros), Carlos Ferreira e Paulo Cancella. Por proposta do Sr. Antonio Cabral a sessão foi levantada em signal de sentimento. A proposta da presidencia foi approvada por unanimidade.

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2 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Presidencia do Exmo. Sr. Libanio Antonio Fialho Gomes (Vice-Presidente)

Secretarios — os Exmos. Srs.:

Gaspar de Abreu de Lima
Eduardo Valerio Augusto Villaça

Primeira chamada — Ás 2 1/2 horas da tarde.

Presentes — 12 Srs. Deputados.

Segunda chamada — Ás 3 horas da tarde.

Presentes — 52 Srs. Deputados.

São os seguintes: Abel da Cunha Abreu Brandão, Abel Pereira de Andrade, Alfredo Pereira, Alvaro da Silva Simões, Antonio Augusto Pereira Cardoso, Antonio Ferreira Cabral Paes do Amaral, Antonio Rodrigues Ribeiro, Carlos Augusto Ferreira, Conde de Carcavellos, Conde de Penha Garcia, Conde de Sucena, Diogo Domingues Peres, Eduardo Frederico Schwalbach Lucci, Eduardo Valerio Augusto Villaça, Francisco Limpo de Lacerda Ravasco, Francisco Miranda da Costa Lobo, Gaspar de Abreu de Lima, Henrique de Carvalho Nunes da Silva Anachoreta, João Alberto Pereira de Azevedo Neves, João Augusto Pereira, João Baptista Ribeiro Coelho, João da Costa Santiago de Carvalho e Sousa, João Joaquim Izidro dos Reis, João Maria Cerqueira Machado, João Pinto Rodrigues dos Santos, João de Sousa Bandeira, João de Sousa Tavares, Joaquim Hilario Pereira Alves, Joaquim Pedro Martins, José Affonso Baeta Neves, José Antonio Alves Ferreira de Lemos Junior, José Augusto de Lemos Peixoto, José Augusto Moreira de Almeida, José Christovam Patrocinio de S. Francisco Xavier Pinto, José Coelho da Motta Prego, José da Cruz Caldeira, José Ferreira de Sousa Junior, José Gonçalves Pereira dos Santos, José Maria Pereira de Lima, José Mathias Nunes, José Paulo Monteiro Cancella, José Simões de Oliveira Martins, José Vicente Madeira, Libanio Antonio Fialho Gomes, Luiz Eugenio Leitão, Luiz Filippe de Castro (D.), Luiz Pizarro da Cunha de Porto Carrero (D.), Manoel Joaquim Fratel, Matheus Teixeira de Azevedo, Miguel Antonio da Silveira, Pedro Doria Nazareth, Visconde do Ameal, Visconde da Torre.

Entraram durante a sessão os Srs.: Adriano Anthero de Sousa Pinto, Alberto de Castro Pereira de Almeida Navarro, Alfredo Cesar Brandão, Antonio Caetano de Abreu Freire Egas Moniz, Antonio Homem de Gouveia, Antonio Maria de Carvalho de Almeida Serra, Antonio de Mattos Magalhães, Antonio Rodrigues da Costa Silveira, Antonio de Sousa Athayde Pavão, Antonio Tavares Festas, Arthur da Costa Sousa Pinto Basto, Arthur Pinto de Miranda Montenegro, Augusto Faustino dos Santos Crespo, Eduardo Fernandes de Oliveira, Emygdio Lino da Silva, Francisco Pessanha Vilhegas do Casal, João Serras Conceição, Joaquim Augusto Pereira da Fonseca, José Alberto da Costa Fortuna Rosado, José Maria de Oliveira Simões, José Vieira da Silva Guimarães, Julio Ernesto de Lima Duque, Miguel Pereira Coutinho (D.), Rodrigo Affonso Pequito, Thomaz de Almeida Manoel de Vilhena (D.).

Não compareceram a sessão os Srs.: Albino Augusto Pacheco, Alexandre Proença de Almeida Garrett, Alfredo Carlos Le Cocq, Anselmo de Assis Andrade, Antonio Alberto Charula Pessanha, Antonio Alves Pereira de Mattos, Antonio Augusto Pires de Lima, Antonio Cassiano Pereira de Sousa Neves, Antonio Centeno, Antonio José Garcia Guerreiro, Antonio José Gomes Lima, Antonio Maria Dias Pereira Chaves Mazziotti, Antonio Peixoto Correia, Antonio Rodrigues Nogueira, Antonio de Sousa Horta Sarmento Osorio, Augusto de Castro Sampaio Côrte Real, Augusto Cesar Claro da Ricca, Augusto Guilherme Botelho de Sousa, Bernardo de Alpoim de Cerqueira Borges Cabral, Clemente Joaquim dos Santos Pinto, Conde de Agneda, Conde do Alto Mearim, Conde de Castro e Solla, Conde de Paçô-Vieira, Conde da Ribeira Grande (D. Vicente), Duarte Gustavo de Roboredo Sampaio e Mello, Eduardo Burnay, Ernesto Julio de Carvalho Vasconcellos, Eusebio David Nunes da Silva, Fernando Augusto Miranda Martins de Carvalho, Fernando de Sousa Botelho e Mello (D.), Francisco Joaquim Fernandes, Francisco Xavier Cabral de Oliveira Moncada, Francisco Xavier Correia Mendes, Francisco Xavier da Silva Telles, Frederico Alexandrino Garcia Ramirez, Gaspar de Queiroz Ribeiro de Almeida e Vasconcellos, Gil de MontAlverne de Sequeira, Henrique Carlos de Carvalho Kefidall, João Augusto Pereira, João Catanho de Menezes, João Ferreira Franco Pinto Castello Branco, João José Sinel de Cordes, João Monteiro Vieira de Castro, Joaquim José Cerqueira, Joaquim José Pimenta Tello, Jorge Guedes Gavicho, José Cabral Correia do Amaral, José Joaquim Mendes Leal, José Joaquim de Sousa Cavalheiro, José Maria de Oliveira Mattos, José Maria Queiroz Velloso, José Osorio da Gama e Castro, Julio Dantas, Lourenço Caldeira da Gama Lobo Cayolla, Luciano Affonso da Silva Monteiro, Luis José Dias, Luiz Maria de Sousa Horta e Costa, Luiz Vaz de Carvalho Crespo, Manoel Antonio Moreira Junior, Manoel Francisco de Vargas, Manoel Telles de Vasconcellos, Marianno Cyrillo de Carvalho, Mariarino José da Silva Prezado, Mario Augusto de MirandaMonteiro, Ovidio de Alpoim de Cerqueira Borges Cabral, Paulo de Barros Pinto Osorio, Raul Correia de Bettencourt Furtado, Sertorio do Monte Pereira, Vicente Rodrigues Monteiro, Visconde das Arcas, Visconde de Guilhomil, Visconde de Pedralva, Visconde da Ribeira Brava, Zeferino Candido Falcão Pacheco.

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SESSÃO N.° 17 DE 17 DE AGOSTO DE 1905 3

ABERTURA DA SESSÃO - As 3 horas da tarde

Não houve expediente.

O Sr. Presidente: - É com a mais sentida magua que communico á Camara a infausta noticia do fallecimento dos Srs. Conselheiros Mattoso Côrte Real e Emygdio Navarro, antigos Deputados e notaveis homens publicos.

Francisco de Castro Mattoso Côrte Real foi um magistrado integerrimo, e um espirito muito illustrado. Pela forma como soube sempre desempenhar a sua elevada missão de julgador, grengeou a estima e o respeito dos seus concidadãos.

Emygdio Navarro, o mais notavel ornamento do jornalismo portuguez, foi tambem um Ministro das Obras Publicas, a cuja acção patriotica e benemerita a agricultura e a industria nacionaes mais serviços devem. As suas medidas de fomento, tão ferteis em resultados práticos, são um padrão immorredoiro da vastidão do seu engenho e da cultura do seu privilegiado espirito.

A Camara decerto quer que na acta das nossas sessões se lance um voto de sentimento por tão irreparaveis perdas. (Apoiados).

O Sr. Ministro da Justiça (Arthur Montenegro): - Sr. Presidente: por parte do Governo, associo-me ao voto de sentimento que V. Exa. acaba de propor.

Quiz o destino desapiedado que não bastasse á Camara dos Senhores Deputados commemorar na sessão de hoje a morte de um dos seus antigos membros. Juntou dois, e escolheu-os entre os mais distinctos. (Apoiados).

O Conselheiro Mattoso Côrte Real era juiz do Supremo Tribunal de Justiça. Nascido numa familia fidalga, com fortuna propria, e tendo na politica do seu paiz uma situação distincta, a sua vida podia ter-lhe sido fácil, sem que faltasse brilho á sua carreira publica. (Apoiados).

Não succedeu assim; o trabalho attrahiu-o, dedicou-se á magistratura judicial e nella occupou todos os logares, desde juiz de 3.ª classe a juiz do Supremo Tribunal de Justiça.

Fez das suas funcções um sacerdocio; imparcial até o escrupulo, assiduo até o ultimo momento em que teve saude. (Apoiados).

Na sua vida particular o Conselheiro Mattoso era de uma afabilidade que todos prendia. Primorosamente educado e com muito espirito, a sua companhia era sempre um prazer. (Apoiados).

Eu tive com elle e com a sua familia estreitos laços de amizade. Por isso á homenagem que presto á memoria do homem publico, junta-se a saudade que me deixa o amigo.

O Conselheiro Emygdio Navarro foi uma das mais poderosas intelligencias do paiz. O logar que deixou não se preenche.

Tudo quanto foi o deveu a si. (Muitos apoiados). Empregou principalmente a sua actividade no jornalismo e na politica. Os seus artigos eram de um grande vigor de argumentação, de um grande brilho de forma e escriptos com uma convicto que se communicava.

Tinha, como poucos, o segredo de saber impor a sua opinião ao leitor.

Como politico a sua principal obra foi a gerencia do Ministerio das Obras Publicas, como V. Exa. já disse muito bem.

Os caminhos de ferro, os portos, o ensino technico, e, em geral, todo o fomento agricola é industrial, devem á suar iniciativa um valoroso impulso.

É pois com muito sentimento que o Governo se associa á manifestação da Camara.

(O orador não reviu).

O Sr. Antonio Cabral: - Ainda hontem nesta Camara se ouviram palavras de sentimento pelo desaparecimento de alguns dos seus antigos membros e já hoje temos de novo de lastimar a perda de dois dos mais distinctos dos seus ornamentos!

A Camara ouviu, com a attenção merecida, as palavras que V. Exa. acaba de proferir e as que pronunciou o nobre Ministro da Justiça; e eu, por parte da maioria, associo me a ellas e lamento que desaparecessem do numero dos vivos dois espiritas tão alevantados e tão nobres como os dos Conselheiros Francisco de Castro Mattoso e Emygdio Julio Navarro.

Conheci o Conselheiro Francisco de Castro Mattoso juiz em Coimbra, nos tempos saudosos de uma mocidade já um pouco longinqua. Desde então o tratei e sempre com as boas relações que se teem cora um cavalheiro tão distincto como elle era.

Francisco de Castro Mattoso era um magistrado digno e integerrimo; foi um distincto ornamento dos tribunaes d'este paiz, e na carreira que fez, desde delegado de procurador régio até o mais alto degrau - Conselheiro do Supremo Tribunal de Justiça - deixou assignalada a sua passagem por sentenças tão rectas e tão justas, como leal e digno era o seu caracter. (Muitos apoiados).

E, portanto, de justiça, Sr. Presidente, que nós - e que eu, o mais humilde membro d'esta Camara, que tive a honra de ser collega de Francisco de Castro Mattoso, porque fui com elle juntamente Deputado em outras sessões d'esta Camara, - é de justiça, digo, que nos todos nos associemos ao voto de sentimento que V. Exa. acaba de propor á Camara.

Da mesma forma, em nome da maioria, me associo ao voto de sentimento que V. Exa. tambem propoz pelo desapparecimento de Emygdio Navarro.

Deixo de parte o politico para apreciar o jornalista, em resumidas e breves palavras.

Todos se recordara ainda dos tempos aureos do jornalismo progressista, em que Emygdio Navarro se irmanava com Antonio Ennes. Eram dois pujantes lutadores como em muitos raros paizes apparecem! (Apoiados).

Os artigos de Emygdio Navarro e Antonio Ennes liam-se, e a convicção resultava immediatamente para o leitor.

Quer no Paiz, quer no Progresso, e quer no Correio da Noite, que hoje o dirigido pelo nosso amigo Carlns Ferreira, Emygdio Navarro deixou assignalada a sua passagem com artigos da sua penna, que, ferindo como espada, deixavam sulcos de luz que iam irradiar a verdade por todo o paiz.

Portanto, Sr. Presidente, é de justiça que todos nós nos associemos ao voto de sentimento pela sua perda. (Muitos apoiados).

Concluo, Sr. Presidente, pedindo licença para mandar para a mesa uma proposta, á qual, estou certo, toda a Camara se associará.

Mando, pois, para a mesa a seguinte

Proposta

Não podendo o Sr. Presidente do Conselho de Ministros comparecer á sessão de hoje, visto achar-se de nojo pelo fallecimento de seu irmão o antigo Deputado e actual Par do Reino Conselheiro Francisco de Castro Mattoso, proponho que a, sessão se levante e que á familia dorida se communique o voto de sentimento d'esta Camara.

Sala das sessões, 17 de agosto de 1905.= O Deputado, Antonio Cabral.

Foi admittida.

(O orador neto reviu estas notas).

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4 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

O Sr. Pereira dos Santos: - Sr. Presidente, terminou a existencia de um dos vultos mais notaveis da galeria dos homens publicos de Portugal!...

Emygdio Navarro foi grande. (Muitos apoiados). Nada ha que mais engrandeça um homem do que o talento; mas o brilho do talento resalta mais vivo e intenso, quando é manifestado no meio da luta. Ora, Emygdio Navarro não era só um talento de primeira grandeza: era um lutador; e foi o conjunto d'estas duas qualidades que engrandeceram a sua carreira publica.

Na arena parlamentar foi Emygdio Navarro um athleta dos mais arrojados, apresentando-se sempre onde o ataque era mais energico.

Como funccionario publico, lembram-se todos dos serviços prestados no Ministerio das Obras Publicas, de onde dependem todas as manifestações do trabalho nacional, quer dizer, de quasi toda a economia do paiz.

Os seus serviços naquelle Ministerio foram verdadeiramente extraordinarios. (Vozes: - Muito bem).

Sr. Presidente: onde a estatura de Emygdio Navarro tomou, porem, proporções gigantescas foi na imprensa periodica, a estancia mais apropriada ao seu caracter de lutador intemerato. Emygdio Navarro foi um jornalista que fez escola. Ninguem como elle sabia implantar principios e definir theorias; ninguem como elle sabia convencer, porque tinha a superior qualidade de, apresentando raciocinios, fazê-lo, com tal elegancia de forma, que os leitores se deleitavam e ao mesmo tempo se iam deixando dominar. (Apoiados).

Emygdio Navarro deixa um nome escrito em letras de ouro na historia do jornalismo portuguez. (Muitos apoiados).

Durante a sua vida algumas accusações se notaram ao seu proceder - o que não é de admirar, porque são sempre os principaes lutadores aquelles que criam maior numero de inimigos. (Apoiados). Não sei, não quero saber d'essas accusações; direi todavia que, embora ellas sejam grandes, nunca poderão eclipsar o alto valor das suas faculdades e os seus grandes merecimentos. (Apoiados).

O colorido do seu valor era tal que essas accusações nunca poderão empanar o brilho do seu talento; o mais que puderam foi produzir pálidos esbatidos.

O partido regenerador, representado nesta Camara, presta pois a sua homenagem de alta consideração e manifesta a sua saudade pela memoria d'esse varão illustre que se chamou Emygdio Navarro. (Apoiados).

Em nome da minoria regeneradora associo-me tambem ao voto de pesar que V. Exa. propoz pela perda do Digno Par e antigo membro d'esta Camara, Sr. Francisco de Castro Mattoso.

Fui durante annos, em Coimbra, companheiro do illustre extincto, e na sua convivencia aprendi muito e tive occasião de conhecer os primores do caracter de S. Exa.

E por isso que me associo pessoalmente ao voto de sentimento pela sua morte (Apoiados geraes).

Tenho dito. (Vozes: - Muito bem, muito bem).

(O orador não reviu).

O Sr. Pereira Lima: - Nunca nesta Camara pronunciei um elogio funebre. Esta tarefa, esta missão triste e ingrata, incumbe desde a Presidencia ato o Governo, e desde o leader da maioria até o leader da minoria.

Esta é a praxe e por isso nunca tive a ousadia de me metter em taes commemorações funebres que aliás, em meu entender, devem ser sentidas, sim, mas manifestadas nos mais breves termos que seja possivel.

Hoje, porém, abro uma excepção para commemorar, sentidamente, como membro d'esta Camara, a perda de um dos mais illustres politicos portuguezes que teem passado d'esta vida para a eternidade; para commemorar o passamento de um homem com cuja amizade me honrei - Emygdio Navarro.

Deve elle ser considerado sobre tres aspectos: o de jornalista, o de estadista e o de orador.

Como jornalista primou entre essa pleiade brilhante que tem honrado a imprensa portugueza. (Muitos apoiados).

Se a imprensa regeneradora teve homens como Sampaio, Teixeira de Vasconcellos, e Pinheiro Chagas - a imprensa progressista honra-se com os nomes de Marianno de Carvalho, Emygdio Navarro e Antonio Ennes. (Muitos apoiados).

Felizmente, ainda guardamos uma d'aquellas pennas que valem mais do que um exercito: a de Marianno de Carvalho, que ainda é hoje uma das reliquias d'esse tempo, um dos homens que lutaram incessantes e intemeratos.

Mas acaba de cair na valia um d'esses homens de que um paiz, mesmo que fosse maior do que Portugal, se devia honrar; um homem que tinha, por um lado, a actividade, a energia, a rapidez de conceito do polemista Rochefort, e por outro lado, a malleabilidade, o poder da synthese, a convicção que a todos communicava.

Era cumo o grande Girardin. Emygdio Navarro era o Girardin portuguez.

O francez teve um amigo que colleccionou as suas polemicas de longos annos nos jornaes. Mas quem sabe se Emygdio Navarro terá alguém que tenha o cuHado de collecciouar tantos artigos, tantos jornaes, em que a sua poderosa intelligencia se cristalizou?

Se os mortos passam depressa - e os jornalistas são d'esses, passam como cometas que desapparecem e não teem orbita propria - é mister, pelo menos, que aquelles que ficam, como successores legitimos da sua geração, lhe perpetuem a memoria e gritem, bem alto, a honra e gloria aquelles que lutaram"!...

Emygdio Navarro foi uma victima de si proprio. Nas lutas enormes que se travaram no seu intimo, o seu grande talento collaborava com o seu caracter energico. Mas essa dupla acção gasta enormemente os lutadores E é isso o que acaba de levar para uma outra existencia esse homem, qne era um coração de criança, mas que tinha uma energia máscula de estadista.

Commetteu erros? É possivel.

Mas quantas vezes o arrebatamento de uma hora converte e estabelece uma phase completamente nova, na qual o homem que ainda hontem era cordeiro se vê obrigado a transformar-se num tigre?

Quantas vezes, homens que querem espargir flores no seu caminho, no caminho do seu paiz, se vêem obrigados a empunhar um gladio, para se defenderem, de frente d'aquelles que os atacam pelas costas?

É por isso que, muitas vezes, os que são fortes, não medem bem a expansão da sua força; falta-lhes a válvula de segurança e resvalam no tumulo.

A força intellectual o, para os gigantes, como a força physica, - e o homem de talento não pode medir até onde o seu golpe vae parar. Se alguem teve aggravos de Emygdio Navarro, nesta hora solemne de requiescat in pace, estou certo de que só lembrará o homem patriota, de coração altruista, que desempenhou no seu paiz o papel de um trabalhador indefeso, que deixou um nome immorredoiro no nosso jornalismo, e tambem, como disseram outros oradotes, um nome no estadismo do nosso paiz. (Apoiados).

Foi dos poucos que tinham essa estatura de estadista, que tantos almejam ter. A sua passagem pelo Ministerio das Obras Publicas, se não é do tempo que fazia Marqueses de Pombal, é do tempo em que, apesar de se dizer mal de tudo e de todos, produziu uma obra tão grande que todos a citam.

Esse homem, prevendo o grande movimento da economia social moderna; vendo que estavamos atrasados agricola, industrial e commercialmente, - mas principalmente agricolamente, - e não tendo nascido de lavradores, comprehendeu pela intuição do seu talento, que a

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terra portugueza só pela agricultura se podia levantar. Foi nesta pasta, que é uma multiplicidade de pastas, - para as quaes lá fora se pretendem tres ou quatro homens de larga envergadura, - que elle mostrou que tinha arcaboiço para todas. Dedicou-se especialmente ao lado agricola e industrial, e ahi demonstrou as suas ideias excepcionaes de estadista e mostrou o seu braço de ferro. (Apoiados).

Não nos deslumbrou com innumeros relatorios, não nos incommodou com innumeras commissões, não consultou este e aquelle para não fazer cousa nenhuma; estudou, reflectiu, gerou e produziu. (Apoiados). E a obra é d'elle, é de Eraygdio Navarro. (Apoiados).

Quando um dia alguem pretender fazer com que esta terra, atrasada como está, se levante ao nivel das nações de segunda ordem,-onde o progresso o perfeitamente senhor d'ellas, onde a civilização campeia,- ha de lembrar-se de Emygdio Navarro.

Como parlamentar, Emygdio Navarro se não foi um José Estevam, um Garrett, foi um parlamentar notavel. Se a sua modalidade era principalmente para o jornalismo, como parlamentar foi distincto entre os mais distinctos. (Apoiados).

Do Conselheiro Francisco de Castro Mattoso posso dizer que tive com elle relações pessoaes sufficientes para lamentar a sua perda e para sentir que a magistratura portugueza perdesse um dos seus ornamentos mais brilhantes.

Aproveito o ensejo para dirigir ao nobre Presidente do Conselho, de quem o illustre extincto era irmão e com cuja amizade muito me honro, - embora d'elle me distanciem as opiniões politicas, - as minhas condolencias, humildes mas sentidas. (Vozes: - Muito bem, muito bem).

(O orador não reviu estas notas).

O Sr. Abel Brandão: - Permitta-me V. Exa. e a Camara que me associe tambem, com profundo pesar, á dor enorme que neste momento invade a alma portugueza.

A memoria do Conselheiro Francisco de Castro Mattoso já os oradores precedentes se referiram brilhantemente, enaltecendo as qualidades do morto tão illustre; eu, porém, como Deputado dos mais humildes e dos menos conhecidos, não quero deixar de render as minhas ultimas homenagens áquelle que em vida foi uma das glorias mais eminentes e mais alevantadas da magistratura portugueza.

Espirito esclarecido, caracter austero, a sua figura, como juiz, jamais se apagará nos tribunaes do nosso paiz e as suas sentenças, sempre ditadas por uma imparcialidade, por uma rectidão e por uma justiça só proprias do seu caracter, são verdadeiros repositorios dos principios mais nobres da nossa sciencia judicial.

E por isso que em mim, como em todos nos, se sente uma dor tão profunda pela sua morte e que rendemos á sua memoria a nossa mais respeitosa homenagem. (Vozes:- Muito bem, muito bem).

O Sr. Carlos Ferreira: - Sr. Presidente: uma referencia tão amavel, como immerecida, do meu querido amigo e leader da maioria o Sr. Antonio Cabral, chamou-me á realidade do cumprimento dos meus deveres, a que não costumo eximir-me.

Cumpre-me, Sr. Presidente, neste momento, associar-me, não como membro d'esta casa do Parlamento, - porque então não teria de o fazer, a não ser com o meu voto, visto que o elogio dos illustres extinctos já foi feito pelo Governo e pelos representantes da maioria e da minoria, mas especialmente como jornalista, á memoria de Emygdio Navarro, o mestre do jornalismo portuguez, o gigante da tribuna da imprensa.

Não podia, Sr. Presidente, deixar de o fazer desde que foi lembrado qne Emygdio Navarro escrevera no Correio da Noite, jornal que actualmente tenho a honra de dirigir.

Foi nesse jornal que Emygdio Navarro tanto brilhou, onde o seu espirito irradiou a mais intensa luz, numa época em que o seu talento não era maior, mas que tinha os clarões da mocidade, e estava em toda a pujança da vida.

Era, pois, meu dever levantar-me para saudar com respeito a sepultura d'aquelle que em tempo tanto honrou esse jornal.

Emygdio Navarro foi uni dos mais distinctos ornamentos d'esta Camara. Quando cheguei ao campo da politica, quando me filiei no partido progressista, circumstancias especiaes, d'essas tempestades que de repente se levantam neste mar encapellado que se chama a politica, tinham-no afastado do partido progressista: mas o que nunca deixei de reconhecer em Emygdio Navarro foi a incontestavel superioridade que o discipulo reconhece ao seu mestre. (Muito bem).

Tive muitas vezes que combater com elle - e tive sempre de reconhecer que Emygdio Navarro, no mais acceso da luta, no maior ardor da paixão, foi sempre grande.

Junto, pois, como jornalista, o meu sentido preito á memoria do homem que tanto honrou o jornalismo, e que, como Ministro das Obras Publicas, prestou serviços que mostraram o seu elevado talento e grande envergadura. (Apoiados).

Paz á sua alma, como homem; respeito á sua penna de jornalista,- que se quebrou no momento em que se quebraram as ultimas energias d'aquelle grande espirito!

Associo-me, tambem de todo o coração, e com verdadeiro pesar, ás manifestações de sentimento pela morte do Sr. Conselheiro Mattoso Côrte Real.

Respeitei-o sempre como magistrado, como homem, e tenho gratas recordações da deferencia e cortesia com que sempre me tratou.

Se me não ligaram ao Conselheiro Mattoso Côrte Real relações intimas de amizade, sentia nelle como que o reflexo da estima e consideração que me dispensa seu irmão, o nobre Presidente do Conselho.

O elogio do Sr. Conselheiro Mattoso Côrte Real está feito por membros dos mais distinctos d'esta Camara. Resta-me, pois, apenas, dizer que o extincto soube juntar ás tradições fidalgas de sua familia as qualidades do trabalho. (Apoiados).

(O orador neto reviu).

O Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros (Eduardo Villaça): - Permitta-me V. Exa. e a Camara juntar uma nota pessoal ás commemorações que acabam de ser feitas pelo fallecimento de dois homens que foram distinctos ornamentos d'esta Camara.

A existencia do Conselheiro Mattoso Côrte Real pode dizer-se que foi brilhante e unicamente vivida para o seu paiz nos largos e numerosos cargos que desempenhou.
Francisco Mattoso foi amigo dedicado dos meus paes e meu.

Portanto, ao respeito que devo á sua memoria, junto a saudade que me faz o seu desapparecimento.

De Emygdio Navarro, a quem já se referiram todos aquelles que me antecederam no uso da palavra, eu direi que, como jornalista, ninguem o excedeu, como parlamentar poucos o igualaram, e como estadista deixou no Ministerio das Obras Publicas memoria immorredoira das providencias de largo alcance que decretou, e que ainda hoje frutificam com vantagem para o paiz. (Apoiados geraes).

Em todos os campos da actividade em que exerceu o seu pujantissimo talento, deixou de si um sulco profundo, denunciador do muito que valiam as suas poderosas faculdades de talento e de trabalho. (Apoiados).

Mas Emygdio Navarro teve uma acção demasiado valorosa e viva na luta dos ultimos trinta e cinco annos para

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que, a menos de vinte e quatro horas do seu passamento, se lhe possa já fazer a justiça como elle a merece.

Aos homens da estatura de Emygdio Navarro o preciso deixar que recue o tempo, que se esbatam na sombra alguns dos seus contornos mais insignificantes, para que a toda a luz da verdade o brilho da sua individualidade possa surgir taes como são.

O dia de amanhã ha de fazer inteira justiça a Emygdio Navarro.

Não era, porém, sob esse aspecto que eu desejava dizer duas palavras acerca de Emygdio Navarro.

Entrei na vida politica pela mSo de Emygdio Navarro, Foi elle que me trouxe para o partido progressista e que me apresentou ao chefe d'esse partido. Fui pela sua inflo e, segundo a sua indicação, que pela primeira vez me filiai no partido a que pertenço - e, se já vão decorridos vinte annos depois d'isso, não é esse prazo tão curto na vida de um homem que deva ser desprezado.

Atraves de todas as vicissitudes que se deram, encontrei sempre em Emygdio Navarro um coração amigo e carinhoso, e, neste momento, a consciencia segreda-me que eu também sempre lhe quiz muito, a elle e aos seus.

Permitta-me, portanto, a Camara que d'este logar, onde posso exprimir abertamente o meu pensar é sentir, envie nas vibrações das palavras singelas, mas bera maguadamente sentidas, até ao corpo do meu querido amigo, que a morte já começou a arrefecer, a expressão da minha grande dor e grande saudade pela sua perda - e a homenagem e preito do meu coração grato e dolorido. (Vozes: - Muito bem).

(S. Exa. não reviu).

O Sr. Paulo Cancella: - Não era decerto a mim que me competia levantar a voz para lastimar a perda que a magistratura portuguesa acaba de soffrer com o fallecimento do conselheiro Mattoso Côrte Real; mas, tenho de cumprir esse dever.

Quando fui delegado, tive como superior o Conselheiro Mattoso Côrte Real; mais tarde, vindo para Lisboa, encontrei-o aqui como juiz, e devo dizer a V. Exa. e á Camara que esse magistrado, quer como ajudante do procurador regio no Porto, quer como juiz que foi na primeira e segunda instancia, nunca vi que se deixasse guiar senão pelos ditames da maior imparcialidade.

A perda do Conselheiro Mattoso Côrte Real deixou um vacuo immenso na magistratura portugueza e a sua memoria ha de ser sempre lembrada com saudade.

Eu, como já disse, fui seu subordinado e collega, e por isso lamento que a magistratura portugueza perdesse um dos seus mais brilhantes ornamentos.

O Conselheiro Mattoso Côrte Real, além de ser um magistrado rectissimo, era um amigo dedicado. Quem se aproximava d'elle, quem tratava com elle, ficava sendo seu amigo.

Feitas estas pequenas considerações permitta-me V. Exa. e a Camara que expresse tambem a minha profunda saudade pela perda de outro meu dedicado amigo: o Conselheiro Emygdio Navarro.

Conheci-o em Coimbra; já então o seu talento era brilhante, e a sua influencia na academia era grande. Mais tarde encontrei-o na Camara, onde se tornou notavel pelo seu talento, pela paixão que punha nos seus discursos.

Se como estadista deixou na sua passagem pelo Ministerio das Obras Publicas um rasto de luz, que ainda hoje assombra a todos, como jornalista o seu nome é enorme. (Apoiados)..

Sr. Presidente: permitta-me V. Exa. que eu o considere ainda sobre outro aspecto.

Emygdio Navarro teve na vida dois aspectos distinctos: um como jornalista, em que empunhando o estadulho escrevia artigos violentos que impulsionavam todos; o outro como homem de familia, como amigo cheio de encantos, que a todos deliciava.

Quem visse Eraygdio Navarro junto da esposa e dos filhos, affeetuoso, amante, carinhoso, ficava encantado d'aquella suavidade de vida de familia. Eu, que tive a honra de ser seu amigo dedicado, e que o conheci na vida intima, lamento sinceramente a falta d'aquelle amigo, como homem publico e como homem particular.

Para elle e para Mattoso Côrte Real uma sentida saudade. (Vozes: - Muito bem).

(O orador não reviu).

O Sr. Presidente: - Está esgotada a inscripção. Vae ler-se na mesa para ser votada a proposta do Sr. Antonio Cabral.

Foram approvadas as propostas do Sr. Antonio Cabral e do Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - A proxima sessão é na segunda feira 21, sendo a ordem, do dia a mesma que estava dada para hoje.

Está encerrada a sessão.

Eram 4 horas menos 5 minutos da tarde.

O REDACTOR = Barbosa Colen.

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