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SESSÃO DE 31 DE MARÇO DE 1871

Presidencia do ex.mo sr. Antonio Cabral de Sá Nogueira

Secretarios - os srs.

Adriano de Abreu Cardoso Machado

Julio Cesar de Almeida Rainha

Summario

Apresentação de representações, requerimentos, projectos de lei e notas de interpellação. Ordem do dia: Discussão e approvação do projecto de lei n.° 4, relativo á reducção dos direitos sobre as carnes — discussão e approvação do projecto de lei n.º 5, que auctorisa o governo a conceder á camara municipal de Trancoso o edificio do antigo convento de Santa Clara.

Chamada — 52 srs. deputados.

Presentes á abertura da sessão — os srs.: Adriano Machado, Agostinho de Ornellas, Osorio de Vasconcellos, Anselmo José Braamcamp, Pereira de Miranda, Sá Nogueira, Veiga Barreira, Antunes Guerreiro, A. J. Teixeira, Freire Falcão, Pedroso dos Santos, Pequito, Sousa de Menezes, Rodrigues Sampaio, Antonio Telles de Vasconcellos, Antonio de Vasconcellos, Bernardino Pinheiro, Ferreira de Andrade, Pereira Brandão, Eduardo Tavares, Francisco Mendes, Francisco Pereira do Lago, Francisco Coelho do Amaral, G. Quintino de Macedo, Barros Gomes, Palma, Santos e Silva, Zuzarte, Mártens Ferrão, Candido de Moraes, Ulrich, Mendonça Cortez, Alves Matheus, Nogueira Soares, Faria Guimarães, J. A. Maia, Bandeira Coelho, Mello e Faro, Elias Garcia, Figueiredo de Faria, Rodrigues de Freitas, Almeida Queiroz, Moraes Rego, José Tiberio, Julio do Carvalhal, Julio Rainha, Luiz Pimentel, Affonseca, Thomás Lisboa, D. Miguel Pereira Coutinho, Pedro Franco, Visconde de Villa Nova da Rainha.

Entraram durante a sessão — os srs.: Soares de Moraes, Villaça, Antonio Augusto, A. M. Barreiros Arrobas, Barjona de Freitas, Falcão da Fonseca, Eça e Costa, Augusto de Faria, Barão do Rio Zezere, Barão do Salgueiro, Conde de Villa Real, Francisco Beirão, F. M. da Cunha, Van-Zeller, Silveira da Mota, Jayme Moniz, Pinto de Magalhães, Lobo d'Avila, Mello Gouveia, Nogueira, Mendes Leal, Teixeira de Queiroz, Paes Villas Boas, Pedro Roberto, Sebastião Calheiros, Visconde de Valmór.

Não compareceram — os srs.: Alberto Carlos, Santos Viegas, Cau da Costa, Saraiva de Carvalho, Pinheiro Borges, Francisco de Albuquerque, Caldas Aulete, Pinto Bessa, Freitas e Oliveira, Barros e Cunha, J. J. de Alcantara, Augusto da Silva, Gusmão, Dias Ferreira, José Luciano, Latino Coelho, Rodrigues de Carvalho, J. M. dos Santos, Mexia Salema, Lopo de Sampaio e Mello, Luiz de Campos, Camara Leme, Marques Pires, Visconde de Montariol, Visconde de Moreira de Rey, Visconde dos Olivaes.

Abertura — Á uma hora e meia da tarde.

Acta — Approvada.

EXPEDIENTE

A QUE SE DEU DESTINO PELA MESA

Officios

1.° Do ministerio da justiça, devolvendo, para serem presentes á camara, o requerimento e documentos de Christovão Carneiro de Andrade, o qual pede que o governo seja auctorisado a pagar-lhe uma quantia, que diz fôra desencaminhada do deposito publico.

Para a secretaria.

2.° Do ministerio da guerra, remettendo uma nota dos requerimentos feitos pelo tenente do exercito Nuno Leopoldo de Magalhães Infante, ácerca da sua antiguidade, e copia do que sobre essas pretensões tem informado o conselheiro procurador geral da corôa ou seus delegados.

Para a secretaria.

Representações

1.ª Dos vendedores de vinho por miudo no concelho de Belem, pedindo que a taxa do seu gremio não seja elevada a mais de 20 por cento sobre o que paga actualmente.

2.ª De dois individuos classificados na tabella como «especuladores», reclamando contra o excessivo augmento de contribuição industrial que lhes é exigido pela proposta do governo.

3.ª Dos mestres de obras, pedindo que a mesma proposta de lei não seja approvada na parte que lhes diz respeito.

4.ª Dos proprietarios de fabricas de vidros de Lisboa, no mesmo sentido.

5.ª De dois fabricantes de tecidos de seda, no mesmo sentido.

6.ª Dos ervanarios, contra a mesma proposta de lei.

7.ª Dos torneiros com estabelecimento, no mesmo sentido.

8.ª Dos actores, actrizes e empregados de todos os theatros de Lisboa, no mesmo sentido.

9.ª Dos feitores de obras de oiro e de prata do Porto, no mesmo sentido.

10.ª Dos mercadores de oiro e de prata do Porto, no mesmo sentido.

11.ª Dos mercadores de ferragens novas do Porto, pedindo que a mesma proposta seja modificada na parte que lhes diz respeito.

12.ª Dos proprietarios de estabelecimentos de trens de aluguer de Lisboa, no mesmo sentido.

13.ª Da camara municipal do concelho de Mogadouro, pedindo a construcção da estrada que vae de Mogadouro a Moncorvo.

14.ª Dos editores de almanaks, contra a proposta de lei de contribuição industrial.

Foram todas enviadas ás commissões respectivas.

Participação

Participo que o meu collega e amigo Julio do Carvalhal não póde comparecer á ultima sessão, por incommodo de saude. = Pereira do Lago.

Inteirada.

SEGUNDAS LEITURAS

Projecto de lei

Senhores. — A pouca regularidade do serviço de saude da armada e do ultramar, por falta de pessoal habilitado, deu logar á carta de lei de 11 de agosto de 1860, que instituiu a classe de aspirantes a facultativos navaes e das provincias ultramarinas, concedendo vantagens aos individuos que em concurso fossem admittidos na referida classe; lei que se acha subrogada pelo decreto de 23 de dezembro de 1869.

Não tem comtudo nem as vantagens garantidas por aquella lei, nem por outras providencias anteriores, sido sufficientes para attrahir concorrentes para o incommodo e perigoso serviço de saude da armada e do ultramar. Existem hoje dezeseis vacaturas no quadro de saude das provincias ultramarinas, numero que se elevará em breve, porque ha alguns facultativos d'aquelle quadro com direito a novo destino.

É pois urgente acudir a esta deficiencia de pessoal medico.

O projecto de lei que tenho a honra de apresentar-vos tem por fim obstar a tão grave estado de cousas, desviando um obstaculo ao provimento dos logares de aspirantes a facultativos e creando mais incentivo para estes logares.

A pratica tem mostrado que uma das causas de afastamento de concorrentes á classe de que se trata, provém da exigencia da condição de terem os candidatos de apresen-

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tar certidão de recenseamento e sorteamento, e de não serem dispensados do serviço do exercito quando admittidos. Effectivamente taes disposições são inconvenientes, porque muitos dos candidatos não podem, na occasião da matricula, satisfazer aquellas condições, e são injustas com relação a individuos que se destinam a uma classe, na qual desde a sua admissão são sujeitos ás leis e regulamentos militares, obrigando-se a servir, depois de habilitados com o curso, por um espaço de tempo muito superior aquelle a que poderiam ser obrigados pela lei do recrutamento.

Propondo-vos tambem o augmento do subsidio, que já se concedia aos aspirantes a facultativos da armada e do ultramar, em relação com o numero de annos de habilitação no respectivo curso, ou que vão adquirindo depois de admittidos, tenho em vista convidar mais candidatos nas epochas das matriculas e outros já depois de adiantados no referido curso.

Para obviar de alguma fórma ao pequeno augmento de despeza que trará esta ultima disposição, estatue-se que a despeza com os subsidios aos aspirantes a facultativos que até aqui era toda paga pelo cofre da metropole, passe a ser dividida, pagando-se por este a despeza com os quatro aspirantes destinados para o serviço da armada; e pelos das provincias ultramarinas a que houver de ser feita com os destinados ao serviço de cada uma. D'esta fórma fica o thesouro do reino alliviado da despeza com o subsidio a dezeseis aspirantes a facultativos para o quadro de saude do ultramar.

Senhores: se a saude publica é, em geral entre os diversos ramos de administração, o mais importante e o que mais serios cuidados demanda dos poderes publicos; com respeito ao ultramar, onde aos climas insalubres e inhospitos acresce a falta de recursos medicos, não me parece que possa considerar-se exagerado qualquer sacrificio para, regularisar tão valioso serviço.

São estes os fundamentos que me levam a sujeitar á vossa consideração o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.° São dispensados de satisfazer á condição 2.ª do artigo 4.º do decreto de 23 de dezembro de 1869, a qual se refere á certidão de recenseamento e sorteamento, os candidatos no provimento dos logares de aspirantes a facultativos da armada e do ultramar, sendo igualmente dispensados do serviço do exercito os que forem admittidos definitivmente n'esta classe.

Art. 2.° Os alumnos a facultativos navaes e das provincias ultramarinas recebem um subsidio com natureza de pret, regulado pela seguinte fórma:

De 400 réis emquanto frequentarem o 1.° anno da escola medico-cirurgica.

De 450 réis emquanto frequentarem o 2.° anno.

De 500 réis emquanto frequentarem o 3.º anno.

De 600 réis emquanto frequentarem o 4.º anno.

De 700 réis emquanto frequentarem o 5.º anno.

Art. 3.° O subsidio dos quatro aspirantes a facultativos da armada é pago pelo cofre do ministerio da marinha, e o dos dezeseis destinados ao serviço das, provincias ultramarinas, pelos cofres das provincias em que forem servir.

Art. 4.º Ficam em vigor as disposições do decreto de 23 de dezembro de 1869 na parte em que não são alteradas por este projecto, e é revogada toda a legislação em contrario.

Salas das sessões da camara dos senhores deputados, 27 de março de 1871 = O deputado por Macau, Francisco Maria da Cunha — D. Luiz da Camara Leme, deputado pela India = João Candido de Moraes = João José d?Alcantara.

Foi admittido e enviado á commissão respectiva.

O sr. Presidente: Apresentou se á mesa uma deputação da associação commercial de Lisboa, composta da mesa e de alguns cavalheiros d'aquella associação, entregando uma representação ácerca da contribuição industrial, e mostrando desejo que ella fosse lida. Vou portanto consultar a camara sobre se consente que seja lida a representação (apoiados).

A camara annuiu.

Foi lida na mesa a representação, e enviada á commissão de fazenda.

O sr. Pedro Franco: — Mando para a mesa tres representações — duas pertencentes aos gremios dos peixeiros e belfurinheiros da cidade de Lisboa, e uma pertencente ao gremio dos merceeiros do coneelho de Belem.

Esta classe, com especialidade, acha se já muito sobrecarregada com os impostos que paga ao estado e á camara municipal. Ainda ha pouco se lhe elevou o real d'agua, cujo imposto, reunido ao das licenças, sellos e contribuição municipal, a sobrecarregam de tal modo, que lhe é totalmente impossivel supportar um extraordinario augmento de 150 por cento, como o sr. ministro da fazenda propoz.

Esta classe promptifica-se a concorrer para as urgencias do estado com um augmento que não exceda a 20 por cento; mas ir mais longe, seria aggravar mais a sua situação, ou prejudicar o consumidor, que já se acha bastante sobrecarregada.

Peço pois a esta camara que attenda a esta reclamação, e peço á mesa se digne mandar-lhe dar publicidade no Diario do governo, como tem feito ás mais representações.

O sr. Santos e Silva: — Tenho a honra de mandar para a mesa duas representações, que peço licença a v. ex.ª e á camara para não ler.

Uma d'estas representações é dos srs. mercadores de cal, areia, tijolo, telha e objectos analogos; a outra é dos srs. mercadores de palha para sustento dos animaes; reclamando ambas as classes contra a taxa da contribuição industrial, que acham exagerada.

Peço a v. ex.ª que tenha a bondade de lhes mandar dar o competente destino e que a respectiva commissão as tome na consideração que merecerem.

Mando tambem uma representação, era que a camara municipal de Abrantes reclama contra o projecto de lei, cuja discussão principiou n'esta camara em 18 de março, que prescreve que as licenças para venda que eram passadas até aqui pelos escrivães das camaras municipaes, sejam passadas d'aqui em diante pelos escrivães de fazenda.

Parecem-me muito attendiveis as rasões em que se funda esta representação, por consequencia peço a v. ex.ª que a mande á respectiva commissão, para tambem a tomar na consideração que merece.

O sr. Osorio de Vasconcellos: — Pedi a palavra, para mandar para a mesa uma representação dos artistas professores de piano na cidade de Lisboa, reclamando contra a sua inscripção na 4.ª classe, da proposta de lei apresentada pelo sr. ministro da fazenda, relativamente á contribuição industrial.

Os signatarios d'esta representação não se levantam contra o augmento do imposto, porque conhecem as necessidades do thesouro; mas reclamam contra a taxa e collocação em certa e determinada classe.

Mando tambem duas representações de diversos cidadãos da cidade de Evora, representações que o meu illustre amigo e collega, o sr. Pinheiro Borges, me encarregou de apresentar.

Participo, por esta occasião, que este meu illustre collega me encarregou de dizer á camara, que não póde comparecer á sessão, em virtude do seu estado de saude, pois se acha bastante doente e de cama.

Mando, finalmente, mais dois requerimentos, e peço a v. ex.ª que tenha a bondade de os mandar á illustre commissão de guerra.

O sr. Arrobas: — Mando para a mesa uma representação dos merceeiros o individuos que têem armazens de viveres na cidade de Setubal.

Não posso deixar de ligar muita importancia a esta representação que traz muitas assignaturas de pessoas respeitaveis. Conheço o caracter de alguns dos signatarios, os quaes não se querem eximir ao pagamento do imposto, o que pedem é que seja revista a proposta do governo so-

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bre contribuição industrial, em attenção a que a cidade de Setubal é uma cidade de terceira ordem.

Maodo tambem uma representação dos caixeiros de escriptorio e caixeiros de fóra, da mesma cidade, os quaes estão nas mesmas e circumstancias. Hei de fazer todos os esforços para que elles sejam attendidos.

Mando outra dos individuos classificados como especuladores, da mesma cidade, que se queixam do modo por que são collectados n'aquella proposta.

Estes individuos estão no mesmo caso, e parece-me que se lhes deve dar toda a consideração e attenção.

Mando tambem um requerimento da camara municipal de Setubal, queixando-se dos effeitos que produz a legislação posterior á carta de lei de 30 de junho de 1860, relativa á viação municipal.

Queixa se a camara de que, em virtude da legislação de 1864, ella é obrigada a fazer consideraveis despezas para estudos de estradas de que não reconhece a immediata utilidade, absorvendo-se grande somma com o pessoal da commissão de viação.

O sr. Pedro Franco: — Apoiado. Isso é exacto.

O Orador: — A camara pede que voltemos á legislação de junho de 1860 (apoiados), ficando-lhe livre o direito de propor as receitas extraordinarias para qualquer d'estas obras que sejam da maior urgencia.

Peço licença para não ter esta representação, como se fez á da associação commercial, porque não se ouve a leitura, e esta toma muito tempo á camara.

O sr. Francisco Costa: — Pedi a palavra para participar que, por motivos justificados, faltei ás tres ultimas sessões.

Aproveito a occasião para remetter para a mesa duas representações: uma da irmandade de Santo André e Almas, erecta na igreja de S. Martinho da villa de Cintra; e outra da junta de parochia da freguezia da mesma invocação, em que pedem uma alteração ou modificação na lei da desamortisação, na parte que estabelece o processo das remissões perante o thesouro publico.

Estas representações são similhantes a uma outra que, ha tempo, tive a honra de enviar para a mesa, a qual era dirigida pela camara municipal de Cintra.

Peço portanto que seja dado a estas representações o mesmo destino que se deu á outra, isto é, que sejam remettidas á commissão de fazenda, ouvida a de administração publica.

O sr. Teixeira de Queiroz: — Mando para a mesa duas representações, uma dos advogados e outra dos solicitadores d'esta capital.

Abstenho me de fazer considerações sobre a justiça que assiste aos supplicantes, e quando o assumpto vier á discussão direi o que julgar conveniente.

Por esta occasião participo a v. ex.ª que não tenho comparecido, nem posso comparecer ás sessões d'esta camara, nas segundas e quintas feiras, por motivo de impedimento do serviço publico.

Eu tenho a honra de ser juiz do tribunal do commercio d'esta cidade, e a camara teve a bondade de permittir que accumulasse as funcções legislativas com as do meu emprego, mas em consequencia de serem as sessões do tribunal do commercio ás segundas e quintas feiras, não posso por esse motivo comparecer ás sessões da camara nos dias indicados.

O sr. Presidente: — Tenho a advertir ao sr. deputado que é permittido accumular as funcções de deputados com as dos respectivos empregos, mas que o serviço da camara prefere a todos os outros.

O sr. Teixeira de Queiroz: — O tribunal do commercio continua a abrir ás dez horas da manhã, e por consequencia só quando as sessões d'aquelle tribunal acabarem cedo é que posso vir á camara; do contrario não hei de interromper a sessão e mandar embora os jurados.

O sr. Eduardo Tavares: — Mando para a mesa duas representações — a primeira dos individuos que têem n'esta cidade estabelecimentos de vinhos engarrafados, que pedem para serem conservados na 5.ª classe em vez de passarem para a 3.ª, como se pretende na proposta sobre contribuição industrial que o sr. ministro da fazenda apresentou.

Estes individuos allegam que, podendo ser elevada ao decuplo a taxa da 3.ª classe, para a qual os querem passar, póde dar-se a hypothese de pagarem 450$000 réis, mesmo não incluindo os 40 por cento para viação, o que é exorbitante e nenhum d'elles póde pagar.

A segunda representação é dos adelos, com estabelecimentos n'esta capital, pedindo para que a taxa com que os querem gravar não seja exagerada, e que os conservem na classe em que se acham.

Peço a v. ex.ª que dê a estas representações o destino que tem outras de igual natureza.

O sr. Ornellas: — Participo a v. ex.ª que não compareci ás tres ultimas sessões por incommodo de saude.

O sr. Faria Guimarães: — Mando para a mesa cinco representações — uma dos mercadores de papel para escrever, outra da corporação dos advogados, outra dos fabricantes de aguardente, outra dos mercadores por miudo de tecidos de lã, e a ultima dos donos de hospedaria, todos do Porto, clamando contra a excessiva taxa que se lhes quer impor pela proposta da contribuição industrial.

A representação dos advogados foi dirigida ao sr. Pinto Bessa e a mim, mas como o sr. Pinto Bessa não está em Lisboa, por isso tomei a deliberação de apresentar hoje as representações.

Peço a v. ex.ª que as mande publicar no Diario do governo, conforme a deliberação da camara.

O sr. Julio do Carvalhal: — Mando para a mesa uma representação dos empregados do governo civil de Villa Real, em que pedem que lhes seja concedida a aposentação, como em uma proposta do governo se concede aos empregados das camaras municipaes e das administrações.

Parece-me de toda a justiça esta pretensão, porque não vejo motivo pelo qual se concedam aposentações aos empregados das camaras municipaes e das administrações, e não se concedam aos empregados dos governos civis.

Nós já aqui concedemos a aposentação a um governador civil que tinha trinta annos de serviço publico. Eu votei-a tambem, porque entendi que era um acto de justiça, porque se tratava de um cavalheiro que tinha feito grandes serviços nas campanhas da liberdade, e depois os tinha feito igualmente como governador civil; mas entre os signatarios d'esta representação ha alguns que gemeram nas masmorras durante o tempo da usurpação, que foram empregados logo que se verificou a creação de governos civis, e que têem servido constantemente até agora.

Se foi justo conceder-se a aposentação ao sr. Nicolau Anastacio Bettencourt, parece-me tambem ser justo que se conceda a empregados da mesma natureza que têem trinta e tantos annos de serviço. Peço a v. ex.ª que faça remetter esta representação á commissão de administração publica, á qual está affecta a proposta de lei do governo, para ser devidamente considerada.

O sr. Pereira de Miranda: — Mando para a mesa varias representações, A primeira é de 16 carteiros da administração central do correio de Lisboa, que vem perante a camara pedir justiça.

Os supplicantes tinham direito, segundo o artigo 14.º do decreto de 30 de dezembro de 1864, ao augmento de um quinto do seu vencimento quando tivessem mais de dez annos de bom e effectivo serviço, e de um terço quando tivessem completado vinte annos de serviço. Trinta e seis carteiros que tinham completado este tempo pediram o augmento de vencimento e foi-lhes concedido; veiu porém o decreto de 25 de janeiro de 1869 suspender temporariamente a concessão d'estes augmentos, e estes 16 carteiros que tinham direito a elles vem hoje pedir á camara que se lhes faça justiça.

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Mando tambem para a mesa uma representação dos advogados da cidade de Coimbra e outra da classe industrial da mesma cidade, assignada por proximo de mil cidadãos, ácerca da contribuição industrial. Estas representações foram enviadas ao illustre deputado por áquelle circulo o sr. Alberto Carlos, que não as podendo entregar na camara me encarregou de as apresentar, para serem enviadas á commissão respectiva.

O sr. Antunes Guerreiro: — Mando para a mesa as seguintes representações — uma dos moradores da povoação da Pastoria, outra dos da povoação de Seara Velha, outra dos de Lamadarcos, todas tres na comarca de Chaves, outra dos moradores da povoação de Solveira na comarca de Mont'Alegre, outra dos povos da Couto da Correlhã, na comarca de Ponte de Lima, e outra da camara municipal d'esta ultima comarca, nas quaes se pede a revisão e interpretação da carta de lei, chamada dos foraes, de 22 de junho de 1846. Mando igualmente para a mesa um requerimento, renovando a iniciativa das representações no mesmo sentido apresentadas por mim e pelo sr. Carlos Bento nas legislaturas de 1869 e 1870.

Limitar-me-ía a mandar para a mesa estas representações, pedindo á illustre commissão de legislação que tomasse d'ellas conhecimento, mas como na sessão em que tratei do assumpto a que ellas se referem, o illustre deputado o sr. Falcão da Fonseca me arguiu de menos exacto, quando attribui á serenissima casa de Bragança as injustiças e vexames que se praticavam com os povos do antigo almoxarifado de Chaves e Barroso, vou mostrar a s. ex.ª e á camara...

O sr. Presidente: — Lembro ao sr. deputado que esse objecto não está em discussão; a hora está muito adiantada, devemos passar á ordem do dia, e ainda ha alguns srs. deputados que têem a palavra.

O Orador: — Sei perfeitamente que este negocio não está em discussão, mas sei tambem que é conforme ás praxes parlamentares, que v. ex.ª não corte a palavra aos deputados quando elles querem ou precisam motivar os seus requerimentos e justificar-se de arguições que lhes foram feitas. V. ex.ª viu que se me fez uma arguição n'esta casa; v. ex.ª estranhou mesmo que eu tomasse tanto tempo á camara com as poucas palavras que proferi, e em vista d'isso, não me tendo chegado a palavra n'aquella sessão, não quererá privar-me d'ella hoje para justificar-me.

Sr. presidente, estou n'esta casa ha tres legislaturas e nunca vi que se cortasse a palavra ao deputado quando quer fallar em sua justa defeza e de seus constituintes, e muito sentido ficaria eu se fosse privado da palavra, não por mim que sou insignificante pessoa, mas pelo logar que occupo aqui como representante da nação...

O sr. Presidente: — Peço perdão...

O Orador: — Quando se trata de um negocio que affecta um milhão de familias, que interessa á terça parte do paiz, v. ex.ª estranha que eu tome tempo á camara fallando sobre assumpto tão grave...

O sr. Presidente: — Peço perdão ao sr. deputado...

O Orador: — E isto quando n'esta camara se gastaram quatro sessões consecutivas na questão das ostras. Eu não posso deixar de ficar maguado com a advertencia que v. ex.ª me faz, que importa o mesmo que querer impedir que eu falle n'este assumpto...

O sr. Presidente: — Eu não fiz mais do que cumprir o regimento (apoiados). O regimento manda-me chamar os srs. deputados á questão, e dirigir os trabalhos de modo que estes possam caminhar com regularidade (apoiados). Alem d'esta attribuição dá-me o regimento outras muito mais latas, e não uso d'ellas muitas vezes, porque a minha tendencia é dar a maior liberdade aos deputados para fallarem (muitos apoiados).

Ninguem tem rasão para estranhar que o presidente use das suas attribuições (apoiados), sobretudo quando d'ellas usa com tanta moderação (repetidos apoiados).

O sr. deputado póde continuar a fallar, mas peço lhe que não tome muito tempo á camara com uma questão que já tem tratado repetidas vezes e por muito tempo (apoiados); d'outro modo terei que fazer o que manda o regimento, que é entrar na ordem do dia, quando para isso chega a hora, e reservar-lhe a palavra para outra occasião.

Não se demore muito o sr. deputado a fallar sobre um objecto que não está em discussão, porque os trabalhos da camara não hão de ficar parados (apoiados).

O Orador: — Sr. presidente, logo no principio disse que me limitaria a mandar para a mesa estas representações, e pedir á illustre commissão de legislação que emitisse o seu parecer ácerca d'ellas; mas tendo eu sido arguido n'aquella sessão pelo sr. Falcão da Fonseca de que eu avançára proposições menos exactas com relação á administração da casa de Bragança, quando a accusei dos vexames, violencias e injustiças que tem praticado com os povos foraleiros, podia eu, em vista d'uma arguição d'esta ordem, deixar de me justificar? Podia deixar me ficar sob o peso de uma tal accusação? Não podia. Devia defender-me e justificar-me, embora isso não esteja no regimento, mas está nas praxes d'esta casa. Nunca se impediu que um deputado fallasse mais ou menos largamente sobre um assumpto, que reputa importante e indispensavel occupar-se d'elle. Portanto, digo, que se isto não está no regimento está nas praxes d'esta casa, e só por excepção se praticaria commigo...

O sr. Presidente: — Tambem não está nas praxes da camara, porque ahi está o sr. Agostinho de Ornellas, deputado pela ilha da Madeira, que estando a fallar largamente sobre uma representação que enviava para a mesa, eu pedi licença a s. ex.ª para lhe lembrar, que esse objecto não estava em discussão, e s. ex.ª pela rasão e justiça da minha reclamação cedeu immediatamentc e não continuou a fallar. (Apoiados — Vozes: — É verdade.) Portanto não se póde dizer que está nas praxes da camara, assim como tambem se não póde dizer que eu fiz excepção com o sr. deputado (apoiados).

O Orador: — Se houe esse facto com o sr. Agostinho de Ornellas, e que eu presenciei, ainda não vi outro, e eu senti-o então pelo sr. Agostinho de Ornellas, como hoje o sinto por mim. Eu entendo que se não devo cortar a palavra ao representante do paiz quando elle vem trazer á camara questões da ordem d'aquellas de que me tenho occupado.

Mas, como ía dizendo, o sr. Falcão da Fonseca arguiu-me de eu accusar os agentes da administração da casa de Bragança de que praticavam injustiças, vexames e violencias contra os pobres foreiros da casa de Bragança. Vou por tanto mostrar a v. ex.ª e á camara como é que ali se tem procedido por parte dos agentes d'aquella casa, e depois a camara decidirá se fui menos exacto no que disse a similhante respeito.

A administração da casa de Bragança intenta as suas acções por esta fórma: allega nos seus articulados a posse que tem de receber os fóros dos bens que em outro tempo pertenceram aos duques de Bragança, taxando-os de patrimoniaes, e junta um documento para comprovar o seu dominio directo, e o direito que tem a esses fóros, documento que é nada mais e nada menos do que o traslado ou copia de um tombo que não teve principio; um tombo illegal o informe, e que sobretudo não é mais do que a copia de um tombo.

A administração da casa de Bragança chama a isto um documento comprovativo do seu direito. Será muito bonito na fórma, porque é cheio de bonitas letras, mas que na essencia não tem valor algum, como v. ex.ª e a camara comprehenderão, porque não é mais do que a descripção dos bens d'aquelle casal, uma apegação e confrontação d'elles, e a declaração dos possuidores que os tinham na occasião em que se fez o tombo.

Em seguida apresenta uma prova de tres testemunhas, sempre as mesmas em todos os processos, todas ellas em-

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pregadas e dependentes da administração da casa de Bragança, e, como taes, interessados por ella para provar com ellas a tal posse de receber!

E assim têem ido todas as suas questões a juizo, e os réus quer contestem, quer não, têem sido condemnados no pagamento das quantias pedidas por aquellas acções.

O documento, como disse, é extraindo de um livro informe e illegal, que nem mesmo é um tombo, mas simplesmente a copia de um tombo; um livro sem termo de abertura, escripto sem regularidade, achando se n'elle exarado um termo, notem v. ex.ª e a camara, e peço aos srs. tachygraphos que tomem nota exacta d'estas datas; um termo, digo, com a data de 15 de abril de 1520, e em seguida a elle outro com a data de 13 de abril do mesmo anno!!

O primeiro é de 15 e o segundo é de 13! Vejam v. ex.ª e a camara a regularidade com que foi feito este tombo, que de mais a mais contém objectos differentes do seu titulo! No fim d'elle encontrase o termo de encerramento, feito em 8 de maio de 1581. Veja v. ex.ª: o primeiro termo é de 1520, o termo de encerramento é de 1584, e o traslado do tombo é feito em 9 de janeiro de 1611! Estou me referindo a um processo, porque eu não podia fazer aqui a analyse de cada um dos muitos instaurados na comarca de Chaves!

Mas que documento é este para se fazer obra por elle, até o ponto de por elle se pensionar as terras e condemnar o pobre demandado no pagamento de quantias imaginarias?

Pois com um documento d'esta ordem, extraindo de uma copia de um tombo, póde a casa de Bragança pedir fóros e querer constituir um direito que não lhe pertence?! Pois póde, e tanto póde que tem alcançado a condemnação dos demandados, sem excepção de um. De mais a mais esse documento é um traslado de traslado, extrahido sem requerimento, sem despacho do juiz, sem a citação da parte a quem vae ferir ou a quem vae interessar, sem inclusivamente a declaração do recibo da entrega d'esse documento original a quem o apresentou. E é este o documento com que a casa de Bragança instrue os processos que manda instaurar contra os pobres foreiros, com o qual e com aquella magnifica prova testemunhal ella pretende restabelecer o direito que teve aquelles fóros!!

Não havia ninguem que apresentasse um documento d'esta ordem, mas apresenta-o a casa de Bragança, e faz obra por elle! O documento que a casa de Bragança devia apresentar era a investidura dos prazos, era a escriptura com que comprovasse o contrato emphyteutico d'aquelle terreno ou propriedade, mas similhante documento não existe nos processos que estão instaurados pela casa de Bragança contra os foreiros do almoxarifado de Chaves, nem póde existir porque a casa de Bragança o não tem, nem podia ter, porque aquelles bens pertenceram á corôa, e provieram á casa de Bragança por doação regia, feita pelo Senhor D. João I ao condestavel, e d'este passaram em dote de casamento a sua filha D. Beatriz Pereira e seu marido D. Affonso, primeiro duque de Bragança, sem perderem a natureza de bens da corôa.

Pois com um documento d'esta ordem, como acabo de referir, póde pensionar-se a terra, e obrigar se um povo inteiro a pagar fóros que estão extinctos pelo decreto de 13 de agosto de 1832, e carta de lei de 22 de junho de 1846? Pois fóros constituidos em foral, e impostos em bens provenientes da corôa por titulo generico, extinctos pelas leis de 13 de agosto e 22 de junho, podem ainda ser pedidos em presença das referidas leis? Podem, porque é a casa de Bragança que os exige, mas qualquer outro donatario não o faria, como eu já tive occasião de dizer n'outra occasião.

O sr. Falcão da Fonseca: — Se este assumpto continua eu peço a v. ex.ª a palavra. Eu desejaria que não continuasse, mas se continua peço a palavra.

O Orador: — Sr. presidente, querem v. ex.ª e a camara saber como é que se fez a lei de 22 de junho de 1846, que é o açoute dos pobres foreiros, e causa de tantos vexames?

Quando pelo decreto de 13 de agosto foram extinctos os fóros, a casa de Bragança, que se julgou muito prejudicada com este decreto, tratou de empregar a sua influencia para alcançar uma indemnisação pelos prejuizos que lhe provieram d'esse decreto. Veiu pois o decreto de 9 de agosto de 1833, que foi o primeiro passo para a lei de 22 de junho de 1846, reconhecer o direito ás taes indemnisações, e nomeou-se a final uma commissão para liquidar essas indemnisações, mas essa liquidação não chegou a fazer-se, porque as exigencias da casa de Bragança eram de tal ordem que ninguem se atrevia a satisfaze-las.

Mas as exigencias da casa de Bragança continuaram, e, como quem porfia mata caça, elaborou-se a carta de lei de 22 de junho de 1846, fatal pelas suas consequencias, e fatal até pela epocha em que ella se discutiu e se votou, epocha calamitosa, epocha desgraçada, de que todos nós nos recordâmos, e cujas consequencias ainda estamos sentindo!

Ainda assim a casa de Bragança, tal era a consciencia de que não podia com facilidade levar os povos foraleiros ao convencimento de que deviam pagar-lhe esses fóros, deixou passar muito tempo sem os pedir. Mas a final pediu-os, e tem instado por elles! Tem pedido inclusivamente pensões que lhe não pertenciam, porque as tem pedido do tempo de outros administradores!

Ainda mais. A casa de Bragança não só tem pedido essas pensões que lhe não pertenciam, e temas pedido sem habilitação de processo e sem formalidade alguma, mas até está ainda hoje intentando acções contra os povos foraleiros, por dividas que prescreveram, em desprezo do que determina a expressa disposição do artigo 543.° do codigo civil, e tambem contra a do artigo 1:684.º do mesmo codigo. E vence as acções e obtém o pagamento!

Não será isto filho do poder e influencia que tem a casa de Bragança? É, sem duvida. É devido a essa influencia que exerce, que se menoscabam as leis do paiz!

A proposito d'isto, permitta-me v. ex.ª e a camara que eu leia uma apreciação feita pelo sr. Silva Ferrão quando foi encarregado de liquidar a indemnisação dos prejuizos causados á casa de Bragança pelo decreto de 13 de agosto. Vou ter a apreciação d'elle nos seus Direitos e encargos da serenissima casa de Bragança, obra de que a mesma serenissima casa entendeu por bem esgotar completamente a edição, tal era o merecimento que lhe achou! E lerei conjunctamente a opinião do sr. Sebastião de Almeida e Brito tambem a esse respeito, e que o sr. Silva Ferrão citou a folhas 29 (leu).

Isto diziam esses respeitaveis jurisconsultos em 1852, ha deznove annos; de então para cá calcule v. ex.ª quantas prepotencias, vexames e injustiças se terão praticado para com aquelles foreiros! Ainda mais.

Um accordão do supremo tribunal de justiça, de 21 de fevereiro de 1851, aprecia a questão por esta fórma (leu).

Eis aqui tem v. ex.ª como o supremo tribunal apreciou uma d'estas questões.

E sou eu o arguido quando vejo os povos massacrados por força armada, e perseguidos pela acção da justiça, reclamada pela casa de Bragança para os obrigar, pelo direito da força, a reconhecer um dominio que a lei extinguiu, e a pagar um tributo abolido?

Sr. presidente, tudo quanto acabo de dizer é uma verdade; e se a camara avocasse a si um dos processos, instaurados pela casa de Bragança, no almoxarifado de Chaves, havia de pôr as mãos na cabeça, e admirar-se como por um processo tão monstruoso e irregular se condemna um homem a pagar centos de mil réis e contos de réis!

Disse o illustre deputado que não era verdade que se pedissem fóros de trinta annos? Pois eu declaro ao illustre deputado que é verdade, e sou competente para o dizer, como o illustre deputado declarou; mas se o não é, s. ex.ª

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me provará que eu falto a ella; e, apesar do que s. ex.ª avançou, dizendo que se tinham feito perdões aos povos, não me consta que nos processos existam termos de desistencia ou perdão d'essas quantias fabulosas que a casa de Bragança exige, ou de parte d'ellas; e, pelo contrario, sei que existem processos contra pobres lavradores por quantias que não podem pagar sem ficarem arruinados. Isto é uma verdade.

E vír para aqui lançar-se-me em rosto que era eu que mandava avisar os povos para que fugissem quando a justiça ía exercer as suas funcções, é uma cousa que eu não esperava do illustre deputado. Não lanço nunca insinuações a ninguem, por isso não desejo que m'as lancem a mim.

Eu não sou vigia de ninguem, e os povos não precisam de mim para esse fim; são todos por um e um por todos; e têem muito quem os avise.

E para maior prova de que não é exacto o que o nobre deputado avançou, devo dizer-lhe que todas as vezes que a justiça tem ido ás povoações exercer as suas funcções contra os suppostos foreiros, não sei se me engano, mas parece-me poder assegurar ao illustre deputado que não estava eu em Chaves, mas sim em Lisboa, e d'aqui não os podia mandar avisar.

O sr. Falcão da Fonseca: — Eu não disse que s. ex.ª o tinha feito.

O Orador: — Mas deu a entender claramente.

O sr. Falcão da Fonseca: — Se s. ex.ª assim o entendeu, isso é com s. ex.ª

O Orador: — Entendi-o eu e entendeu-o a Camara. S. ex.ª mesmo não o devia dizer não tendo provas, e se as tem apresente-as, para me confundir.

Sr. presidente, eu não quero fazer accusações á casa de Bragança, Deus me livre de as querer fazer; não quero. Se as minhas intenções fossem accusar a casa de Bragança; se quizesse mostrar que já não ha duques de Bragança, podia fazê-lo. Podia levar essa questão muito longe; mas não quero. Quero localisar a questão; quero apenas convencer a camara que é uma necessidade urgentissima que se tome conhecimento d'esta questão; d'esta desgraçada questão. V. ex.ª não sabe o estado em que estão aquelles povos para com a justiça e para com a casa de Bragança, e d'esta para com elles, e... não passo adiante, porque as minhas palavras ouvem-se lá fóra, e eu não quero ser mal interpretado, aliás poderia ir muito longe com as minhas divagações e até invocar o artigo 72.° da carta constitucional, que diz que a pessoa do Rei é inviolavel e sagrada, e se o chefe do estado é inviolavel e sagrado não póde estar em juizo, e entretanto está-o e tem sido condemnado nas custas dos processos, em sentenças proferidas n'alguns tribunaes!

(Interrupção.)

É á mesma cousa, nem mais nem menos.

Podia tambem argumentar com os artigos 1.° e 32.° do codigo civil, mas não quero: entretanto se me forçarem a isso, não teria duvida em faze-lo, tinha coragem de mais para isso.

Não digo isto por espirito de malquerença com a casa de Bragança; pelo contrario sou filho de um homem que se sacrificou pela liberdade e pela casa de Bragança; não se póde portanto pôr em duvida o meu modo de pensar a respeito d'ella.

Não quero que se me lancem insinuações injustas; não quero que se me façam aqui accusações que não mereço ao illustre deputado, que sempre considerei; e uma arguição d'estas não se faz a um homem que tem assento n'esta casa; mas se porventura as insinuações continuarem hei de levanta-las.

Sr. presidente, a casa de Bragança foi a arca santa em que se salvou do diluvio universal o feudalismo portuguez, como ultimo resto das nossas velhas instituições.

As ordens religiosas, os dizimos, as alcaidarias mores tudo se afogou n'esse mar immenso. A casa do infantado e a casa da Rainha não escaparam ao cataclysmo. Desamortisou-se tudo quanto era desamortisavel; os bens dos parochos, das mitras, dos cabidos, das collegiadas, dos municipios, dos hospitaes, das misericordias, das parochias, tudo emfim se desamortisou, mas a casa de Bragança saíu sã e salva d'essa desamortisação. Tributou-se tudo quanto era possivel tributar-se, mas a casa de Bragança não será das que mais ha de pagar. Extinguiram se os morgados, mas os da casa de Bragança subsistem. E se isto é assim poder-se-ha dizer que a lei é igual para todos? Não é. A lei no nosso paiz não é igual para todos, porque se o fosse a lei da desamortisação havia de comprehender a casa de Bragança; a lei dos morgados havia de comprehender a casa de Bragança; e os povos não haviam de encontrar tanto desfavor e tanta desprotecção.

Sr. presidente, vou fazer uma declaração, que desejo que seja bem ouvida por esta camara. Eu não tenho a mais pequena idéa de lançar insinuações nem de fazer injustiça a quem a não mereça; vá a pedra a quem toca, a carapuça talha-se para quem ella é, e se fallo assim é porque me custa ver duzias de processos, de que tenho conhecimento, instaurados de uma maneira tão tumultuaria e tão fóra da lei, e condemnados por elles muitos individuos na perda das suas fortunas, que já mal lhes chegam para viver, unicamente porque não podem resistir ao poder da casa de Bragança.

Custa-me a ver por um processo organisado por esta fórma, sem um unico documento comprovativo do contrato enphyteutico, do direito que a casa de Bragança tem aquelles fóros, condemnado um pobre homem a perder o pouco que tem, obrigado de mais a mais a pagar pelos outros, como acontece com os cabeceis.

Disse ainda o illustre deputado, que era preciso que acabasse esta questão.

Eu não posso deixar de declarar ao illustre deputado, que n'essa parte, não obstante respeita-lo muito, e ter por s. ex.ª a maior consideração, não estou resolvido a fazer lhe a vontade.

Hei de tratar esta questão, hei de lembra la aqui todas quantas vezes eu entender necessario e indispensavel, para chamar a attenção da camara.

Estou no meu direito emquanto tiver uma cadeira n'esta casa.

Tenho dito.

O sr. Presidente: — Eu lembro ao sr. deputado a inconveniencia de se fazerem accusações pelo modo que o sr. deputado as tem feito a outros poderes do estado. Fallo do poder judicial (apoiados).

O sr. deputado trouxe de algum modo para a discussão o chefe do estado, o que tambem não é conveniente. O illustre deputado, para que sejam attendidas as suas reclamações, póde propor que a lei a que se refere seja interpretada.

O sr. Guerreiro: — Agradeço a v. ex.ª a sua lembrança, mas eu não preciso que se me ensine o que tenho a fazer.

O sr. Presidente: — O meio que eu acabo de indicar é o mais regular para a camara tomar conhecimento d'este assumpto.

Agora, repito, o que não convem é, antes da ordem do dia, estar a accusar, como o illustre deputado tem feito, outros poderes do estado (apoiados); digo isto em cumprimento do meu dever.

Tem a palavra o sr. Candido de Moraes. Mas eu lembro que já deu a hora para se passar á ordem do dia,

O sr. Candido de Moraes: — Mando para a mesa um requerimento.

O sr. Villaça: — Mando para a mesa uma representação da camara municipal de Villa Franca de Xira, representando contra os projectos de contribuições predial, industrial e pessoal apresentados pelo sr. ministro da fazenda.

O sr. Rodrigues de Freitas: — Mande para a mesa uma representação dos capellistas da cidade do Porto, os

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quaes pedem que o seu gremio seja collocado em classe inferior aquella que lhes destina a proposta do sr. ministro da fazenda.

O governo, a commissão respectiva e a camara têem dado suficientes provas de que deseja attender a tudo quanto, sendo requerido pelos contribuintes, for fundado na rasão; como a hora está adiantada, sr. presidente, e como são tão prudentes e judiciosas as tenções dos poderes publicos, julgo desnecessario acrescentar quaesquer reflexões, certo de que serão attendidos, até onde for equitativo, os dignos signatarios do documento que mando para a mesa.

O sr. Adriano Machado: — Os directores dos estabelecimentos de credito, da cidade do Porto, nomearam uma deputação para vir á capital entregar uma representação á camara dos dignos pares e dos srs. deputados, ácerca da contribuição industrial.

Eu desejava dizer algumas palavras a este respeito; mas como a hora está muito adiantada peço desculpa aos illustres representantes dos estabelecimentos bancarios do Porto se não digo agora o que tencionava expor a este respeito, e reservo-me para a discussão do projecto da contribuição pessoal.

Se não fôra a conveniencia de entrarmos desde já na ordem do dia occuparia por algum tempo a attenção da camara, e estou certo de que ella havia de

prestar-m'a, porque o objecto é importante. Trata-se de estabelecimentos de credito. Entretanto, esta materia ha de ser objecto de discussão, e n'esse momento eu farei as reflexões que suscita o assumpto.

É evidente que esta representação ha de ser publicada no Diario do governo, como têem sido as outras; porque se classes menos illustradas têem representado de um modo tão digno, para mostrarem que os povos estão dispostos a pagar mais, estes estabelecimentos não são menos interessados na consolidação do credito, e não podem dizer nada que prejudique a solução da questão de fazenda.

Mando a representação para a mesa.

O sr. Presidente: — O sr. Mariano de Carvalho tinha pedido a palavra para quando estivesse presente o sr. ministro da marinha. Eu lembro ao sr. deputado que a hora está muito adiantada.

O sr. Mariano de Carvalho: — Eu desejava chamar a attenção do sr. ministro da marinha, para um negocio que julgo importante; como a hora está muito adiantada desisto de o fazer hoje. Entretanto mando para a mesa um projecto de lei, e duas notas pedindo esclarecimentos.

O sr. Presidente: — Vae passar-se á ordem do dia. Os srs. deputados que tiverem papeis a mandar para a mesa podem faze-lo.

O sr. Barros Gomes: — Mando para a mesa uma nota de interpellação ao sr. ministro da marinha.

O sr. Silveira da Mota: — Mando para a mesa um requerimento.

ORDEM DO DIA

Projecto de lei n.º 4

Senhores. — Á vossa commissão de fazenda foram presentes a proposta de lei apresentada pelo governo e o projecto redigido pelos srs. deputados Latino Coelho, Saraiva de Carvalho, Thomás Lisboa, Elias Garcia e Pereira de Miranda, uma e outro tendentes a melhorar as condições do abastecimento de carnes na capital. A commissão de fazenda, tendo ouvido os pareceres auctorisados das illustres commissões de administração publica e do commercio e artes, tratou assiduamente de examinar este assumpto, tendo em vista ao mesmo tempo os interesses do thesouro, a conveniencia de favorecer os progressos agricolas na legitima esphera da acção dos poderes publicos, e a necessidade predominante de melhorar a alimentação publica na capital.

Na verdade, senhores, urge acudir com remedios promptos e efficazes aos males que affligem o povo de Lisboa na mais imperiosa necessidade da natureza humana. As condições da vida animal têem de anno para anno peiorado n'esta cidade, tanto pelo effeito pernicioso de causas permanentes de viciação do ar, como porque a excessiva carestia dos generos alimenticios aggrava e accelera a acção morbida de uma atmosphera impura e de um clima excessivo. O corpo mal alimentado offerece menor resistencia ás influencias morbidas e ao mesmo tempo possue pequena potencia parado trabalho. A machina humana, privada das convenientes doses de alimentos azotados e carbonosos, trabalha pouco e mal e com facilidade se desarranja, principalmente se coincidem com a má alimentação outras causas de destruição, que infelizmente não faltam em Lisboa.

Esta situação deploravel da nossa primeira cidade prova-se por todos os factos. A estatistica mostra que o numero dos nascimentos apenas excede o dos obitos para uma população de 170:000 almas, emquanto na cidade de París, com 1.800:000 almas, o numero dos nascimentos excede 8 a 9 por cento o numero dos obitos. Em Lisboa, no anno de 1862, o numero dos casamentos foi apenas de 1:108, emquanto París, com uma população dez vezes maior, viu em 1868, 17:201, isto é, quinze vezes mais.

A explicação d'estes factos lamentaveis encontra-se não menos no alto preço de generos alimenticios, que nas outras condições hygienicas desfavoraveis. A carestia diminue a ração alimentar do povo em taes proporções, que a cada habitante de Lisboa pertencem apenas 42 kilogrammas de carne, ao mesmo tempo que em París cada individuo dispõe de uma ração de 83 kilogrammas de carne, que a ração normal é de 85 kilogrammas, e que já em 1857 me concelho do Porto cada habitante consumia mais de 50 kilogrammas.

Sob o influxo d'estas causas poderosissimas diminue a população, abastardeia-se a raça e os braços enfraquecidos não podem produzir tanto trabalho util. O simples aspecto da população de Lisboa demonstra até a evidencia as suas pessimas condições hygienicas e dieteticas. Os sentimentos da humanidade e os bons preceitos economicos exigem que os poderes publicos acudam energicamente a este estado, que constitue uma verdadeira calamidade publica.

Infelizmente grande parte do mal provém do excesso dos direitos de consumo e a situação melindrosa do thesouro publico não permitte empregar já o remedio decisivo. Não ha cidade na Europa onde a carne de vacca pague, como em Lisboa, 60 réis por kilogramma, a de gado lanigero e caprino 30 réis, a de gado suino 65 réis; cada kilogramma de pão 6,2 réis; cada kilogramma de vinho 31 réis; cada kilogramma de azeite 48 réis. Tal rede de impostos de consumo é peculiar a Lisboa. A commissão de fazenda com verdadeira dor reconhece que os habitantes da capital pagam quasi 1.400:000$000 réis de impostos municipaes, cuja minima parte (500:000$000 a 520:000$000 réis) é applicada em despezas do concelho, mas sabe tambem que o thesouro publico não póde prescindir dos 800:000$000 réis liquidos que a alfandega municipal de Lisboa lhe rende. Apertada d'este modo pela dupla necessidade de melhorar as condições da alimentação publica em Lisboa, e de não cercear os rendimentos do thesouro, lamenta não poder propor á vossa illustrada apreciação aquelles meios radicaes, cujo effeito benefico seria incalculavel, mas insiste na conveniencia de ao menos realisar pequenas diminuições que, sem risco da receita, favoreçam o consumo e facilitem o abastecimento da capital pela amputação de todas as formalidades fiscaes que embaracem o commercio e abriguem monopolios tão pnejudiciaes aos interesses dos consumidores como aos dos productores.

Pelo que respeita ás carnes verdes do gado bovino, o modo como actualmente se cobra em Lisboa o imposto do consumo prejudica gravemente o progresso da industria pecuaria, desfavorece o consumo e unicamente póde aproveitar a marchantes, que pretendam colligar-se para impôr a lei aos creadores e aos productores.

É facil demonstrar estas proposições.

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O direito de consumo recáe sobre a carne limpa enxuta, na rasão de 60 réis por kilogramma afóra alguns addicionaes, e, por ser tal a fórma do direito, resulta que o peso da carne limpa é o regulador em todas as transacções da marchanteria.

Os marchantes que abastecem a cidade não compram geralmente aos creadores ou engordadores, tratam com individuos chamados contratadores, que percorrem o paiz, reunem o gado destinado aos talhos da capital e o trazem ao mercado da Malveira. Ali vão os marchantes fazer as suas compras, e ajustam o gado a tanto por arroba de carne limpa, ficando todos os riscos até o momento do gado ser abatido a cargo do contratador. Não se limita, porém, a isso toda a vantagem dos marchantes, antes vae muito mais longe, não só porque são elles os compradores quasi unicos que apparecem na Malveira, como porque em regra dispõem das pastagens em volta do mercado. O contratador que não se sujeitasse aos preços oferecidos pelo marchante, teria que retirar os seus gados com grande despendio e perda de peso dos animaes, visto como todo o trabalho d'estes, em marcha, ou por qualquer outro modo, representa quebra de um equivalente de carne. O gado vae depois para o matadouro, onde é abatido, decepado, postas as peças a enxugar e pesadas para pagarem os direitos. É por este peso que os marchantes pagam aos contratadores, expedem a carne para os talhos e vendem as miudezas e couramas.

D'este systema resulta que não ha negocio mais seguro e livre de prejuizo, que o dos marchantes, porque estes, não affrontados pela concorrencia, marcam o preço por que compram na Malveira, fixam o preço dos talhos e até pagam só aos contratadores, ao fisco e ao matadouro depois de terem embolsado pela venda ao publico o dinheiro com que hão de pagar. Alem d'isso, como a unica pesagem é a da carne limpa, como no matadouro só existe a balança da alfandega e esta não quer saber de que rezes provém as peças, succede que os contratadores têem que confiar absolutamente na boa fé dos marchantes e seus agentes a respeito do producto das rezes que venderam.

A este acrescem outros males. Já em 1860 dizia um cavalheiro entendido n'estas materias:

«A rez é abatida no matadouro e preparada pelo magarefe que, no acto de separar a cabeça do tronco e de limpar a sangria, defrauda o contratador pelo menos em seis arrateis. Deprehende-se do que fica dito que a parte mais desfavoravel do commercio das carnes verdes pertence ao contratador que, em regra geral, recebe o preço que lhe arbitra o marchante, corre todos os riscos dos sinistros que podem soffrer as rezes, está sujeito aos descontos do perdimento de carnes das mesmas rezes desde que as compra ao creador até que são abatidas, e não póde finalmente obstar á acção furtiva dos magarefes. Parte d'estas inconveniencias vão recaír sobre o creador e sobre o consumidor, porque o marchante impõe a lei a todos, fazendo um negocio salvo de eventualidades e riscos.»

O conselho do commercio na sua consulta de 23 de março de 1865 dizia:

«Apesar de serem os marchantes perto de trinta, combinam ordinariamente entre si o preço que hão de offerecer aos consumidores... Cumpre observar que os marchantes dispõem de todas as pastagens em volta do mercado da Malveira...»

A tal ponto chegaram estes males, que os creadores de gados se abstiveram de mandar por sua conta o gado á Malveira ou ao matadouro, tão escarmentados ficaram pelos prejuizos que artificialmente lhes foram inflingidos. D'este estado de cousas têem resultado phenomenos apparentemente inexplicaveis. Assim no anno economico de 1868-1869, ao passo que a carne descia em Lisboa até o preço excepcional de 180 e 160 réis por kilogramma, os creadores de gados eram pelos agentes dos marchantes soicitados para vender e obtinham preços mais altos que na epocha em que a carne se vendia nos talhos a 240 e 260 réis. Era a mesma a causa d'estes dois factos contradictorios; cessára a boa harmonia entre os marchantes.

Se este monopolio de facto existe na capital, o modo como o fisco cobra os direitos robustece-o. Desde que o peso da carne limpa é a unidade e que no matadouro não é possivel estabelecer fiscalisação ácerca do producto de cada rez, os creadores abstêem-se de mandar ali gado de sua conta com receio de prejuizos enormes á sombra da mistura das peças de origem differente. Tão grande é este inconveniente, que não ha muito tentaram alguns creadores obter providencias da camara de Lisboa ou da alfandega municipal, a fim de poderem enviar rezes suas ao matadouro. Estes esforços baldaram-se e os marchantes ficaram completamente senhores do terreno.

Ha, porém, ainda maiores inconvenientes que resultam do systema fiscal em vigor.

A chamada carne limpa compõe-se da fibra muscular, de ossos e sebo que são vendidos como carne, e de excesso de sebo que é preciso separar no talho. Pagando o sebo direitos como carne limpa, e não podendo ser vendido senão por metade ou menos do preço da carne, os marchantes tendem a procurar rezes que tenham a minima quantidade d'aquella substancia. D'ahi resulta que, como a rez em meia engorda póde levar até 7 kilogrammas de sebo, e a rez completamente gorda 14 ou 15 kilogrammas, os marchantes não compram para o consumo da capital rezes que excedam a meia engorda. Por tal fórma o excellente gado que vae para Inglaterra não póde entrar no consumo de Lisboa, emquanto tem proveitosa entrada tudo quanto são rezes velhas, de carne dura, veiosa e coriacea.

Os prejuizos que d'aqui resultam para os consumidores, para os creadores e em geral para a riqueza publica estão largamente desenvolvidos nos relatorios da proposta do governo e do projecto dos srs. deputados de Lisboa. A tabella C prova tambem como, apesar dos progressos da engorda, não tem augmentado o peso da carne limpa produzida pelas rezes abatidas em Lisboa.

Condemnado assim o systema em vigor, convem indagar qual convenha substituir-lhe. Tres systemas se apresentam:

Exigir o direito por cabeça;

Exigi-lo em relação a 50 por cento do peso vivo;

Exigi-lo sobre o peso vivo, mas convenientemente reduzido.

O primeiro systema não é aceitavel, porque afastaria do consumo todas as rezes de pequeno peso, diminuindo por um lado a offerta total de carne para o talho, e augmentando por outro a procura de rezes de grande corporatura. Ambas estas causas teriam o effeito de augmentar o preço. Assim a raça algarvia, que é facil e economicamente cevadiça, mas de pequeno corpo, ficaria quasi excluida do consumo de Lisboa. O mesmo suecederia ás femeas de quasi todas as raças.

Este systema seria tambem contrario aos interesses agricolas, porque as rezes de grande corpo não são as que melhor se adaptam ás nossas circumstancias, tanto pelo pequeno desenvolvimento da cultura intensiva, como pela pobreza dos pascigos naturaes. Os bois de grande corpulencia devem ser preferidos para a engorda, quando os alimentos são abundantes e ricos, ou quando ha pastagens de primeira qualidade. Fora d'estas circumstancias, que não são as predominantes em Portugal, vale mais escolher bois pequenos ou vaccas, e, sendo assim, o fisco não deve entorpecer a creação do que é mais natural ao nosso clima e ao nosso solo.

O segundo systema afastaria do consumo de Lisboa todo o gado que tivesse menos de 50 por cento de carne limpa, abatido o excesso do sebo, e tenderia portanto a elevar os preços.

O terceiro systema é o unico aceitavel, quando se regule

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convenientemente o direito. É simples, evita fraudes e promove a escolha de boas raças e a engorda completa das rezes.

Este systema já approvado em duas consultas do conselho de commercio e agricultura foi tambem o que adoptaram o governo e os srs. deputados por Lisboa.

A vossa commissão de fazenda, assim como as illustres commissões de administração publica, e de commercio e artes, aceitam-no igualmente. O quantum do direito depende da relação entre o peso da carne limpa e o peso vivo, relação que para o nosso paiz se acha estabelecida em 51,3 por cento pelas experiencias feitas sobre 1:093 rezes em 1857 (tabella A), e em 51,62 por cento pelas experiencias feitas este anno (tabella B). Sendo esta relação proximamente de 50 por cento, o governo na sua proposta fixou o direito em 30 réis por kilogramma de peso vivo, com o fim de conservar o actual producto de 323:000$000 réis, que dá o direito sobre as carnes verdes de gado bovino consumidas em Lisboa.

Porém a vossa commissão, considerando que as relações achadas de 51,3 por cento e 51,62 por cento existem entre a carne limpa não enxuta e o peso vivo, porém são superiores á que se dá entre a carne limpa enxuta ou peso fiscal e o peso vivo, de modo que o direito de 30 réis por kilogramma de peso vivo seria superior ao de 60 réis por kilogramma de carne limpa (peso fiscal), foi de opinião, de accordo com o governo, que o direito se reduzisse a 25 réis por kilogramma de peso vivo.

Procedendo d'este modo, o governo e a vossa commissão foram de accordo com o parecer do conselho do commercio e agricultura, o qual já em 23 de março de 1865 era de opinião que o direito podia ser reduzido a 25 réis por kilogramma do peso vivo, sem por isso diminuir o rendimento do imposto.

Com esta providencia vão combinadas outras tendentes a augmentar a concorrencia de carne verde no mercado de Lisboa, e portanto a diminuir os preços. Continua a permittir-se a introducção de carnes verdes de animaes abatidos fóra da capital, comtamto que os matadouros d'onde provenha a carne estejam sujeitos á inspecção de auctoridade technica. A camara municipal de Lisboa é auctorisada a estabelecer esses matadouros onde mais convenha, devendo sujeitar-se á clausula de que a carne assim abatida seja exclusivamente destinada ao consumo da capital. D'este modo ficam salvos os direitos dos municipios, em cujos territorios esses matadouros hajam de ser estabelecidos.

A vossa commissão não julga que estes matadouros arredados da capital possam vantajosamente servir para a matança do gado manso, tanto porque o modo mais economico do transporte das carnes e outros despojos d'este gado ainda é o de trazer as rezes pelo seu pé, como porque forçosamente hão de perder-se grande parte das miudezas e intestinos. O mesmo não succede em relação ao gado bravo, cujo transporte em vivo é perigoso, difficil e caro, e prejudica a qualidade da carne. Para o gado bravo devem principalmente servir os matadouros extra-arbanos, tão proximos quanto possivel das pastagens e das linhas ferreas.

E convem dizer que muito irracionalmente tem sido limitada e ás vezes prohibida a matança de gado bravo para consumo da capital. O gado bravo é effectivamente um mal sob o ponto de vista agricola, mas esse mal é necessario como o unico meio de exploração das charnecas ribatejanas emquanto por força de circumstancias ellas existirem. A carne d'este gado, quando não provenha de touros velhos ou excessivamente magros, é nutriente e saborosa, superior até em certas epochas do anno á carne de gado manso consumido em Lisboa. O gado bravo ceva-se facilmente e com pequeno casto, o seu viver é rustico, o seu penso isento de grandes exigencias, e póde fornecer para Lisboa carne barata. Ainda quando seja menos boa que a carne de gado manso, convem dar-lhe admissão, porque mais vale haver carne barata, embora um pouco inferior, para os pobres, que não haver nenhuma.

Ainda com o mesmo intuito de augmentar a concorrencia e de facilitar aos creadores os meios de trazerem carne verde a Lisboa, é auctorisada a camara municipal a estabelecer talhos, ou antes pequenos mercados, onde, mediante o pagamento do custeio d?esses estabelecimentos, os lavradores possam expor á venda a carne dos céus gados. A camara, tanto pelo estabelecimento de matadouros filiaes, como pelo d'estes talhos, póde concorrer poderosamente para melhorar e baratear o abastecimento de carnes sem pôr obstaculos á liberdade do commercio. N'estes talhos sujeitos á sua acção deve a camara municipal determinar a venda das carnes por categorias, como existe em todas as cidades da Europa, com vantagem dos consumidores. Effectivamente sendo em Lisboa, como em Paris, divididas as carnes em quatro categorias, se o preço da melhor for um, o da carne da segunda qualidade póde ser quatro quintos, o da carne da terceira tres quintos, e o da carne da quarta qualidade dois quintos, Os marchantes de Lisboa têem resistido teimosamente a estabelecer esta ou similhante divisão, de modo que o consumidor abastado que compra grandes peças obtem carne de boa qualidade pelo mesmo preço por que o pobre compra a badanas, chambões, osso e sebo. Desde que nos talhos municipaes exista a divisão em categorias, os talhos particulares terão que seguir este exemplo com grande proveito dos consumidores. A venda a pregão pelas ruas, que qualquer póde emprehender, deve contribuir para o mesmo fim.

Finalmente a vossa commissão julga conveniente auctorisar o governo a suspender a cobrança do imposto de transito sobre o transporte nas linhas ferreas de gado e carne verde para consumo de Lisboa, quando a companhia abata sufficientemente as tarifas. O governo poderá suspender ou mandar cobrar o imposto conforme as conveniencias publicas.

O consumo de carne de gado lanar não tem attingido em Lisboa as proporções a que devêra chegar. Em muitas cidades da Europa a carne ovina entra por porte muito principal na alimentação publica; em Lisboa é apenas um accessorio pouco importante. Assim em 1858-1859 foram abatidas para consumo da capital só 11:596 cabeças, pesando 136:215 kilogrammas de carne limpa; em 1864-1865 o consumo não passou de 15:856 cabeças, pesando 190:276 kilogrammas; em 1869-1870 desceu a 14:286 cabeças, pesando 185:727 kilogrammas. No ultimo anno o consumo de carne de vacca fui de 5 399:658 kilogrammas provenientes de 29:052 rezes.

Entende a vossa commissão que é conveniente favorecer o consumo d'esta carne, tanto pela utilidade da agricultura, como pelo interesse dos consumidores.

As regiões montanhosas e as mais incultas do paiz, onde apenas se encontram pastos serranos ou bamburraes ephemeros nas charnecas, são mais talhadas para a creação de gado miudo, que para a de gado grosso. O augmento de consumo na capital, que bem póde gastar 100:000 ou 200:000 cabeças de gado ovino, animaria poderosamente a creação de rezes lanares n'aquellas regiões e a sua recreação em terrenos mais ferteis.

A falta de consumo de carne ovina em Lisboa deve em grande parte attribuir-se, tanto á sua qualidade geralmente má, como ao direito de 30 réis por kilogramma que sobre ella pesa. Mas não se póde dizer que seja má a carne do nosso gado lanar, quando elle é novo e bem cevado. As rezes charnequeiras, os careos, creadas nas hervagens finas das nossas montanhas e baldios, produzem carne excellente, como se póde verificar nas boas terras da provincia e se prova pela exportação de dezenas de milhares de cabeças para consumo de Madrid e outras cidades hespanholas. Porém para o gado lanar tem succedido como ao bovino; o que ha de bom exporta-se, e á capital só vem rezes que o consumo estrangeiro não admittiria. Particularmente de car-

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neiro só apparecem commuramente em Lisboa badanas, carneiros não castrados e com carne impregnada de sugo.

A vossa commissão de fazenda julga que o abatimento do direito e a sua incidencia por cabeça, póde attrabir a Lisboa carneiro de boa qualidade, que n'esta condição e no preço agrade ao consumidor. A commissão desejaria esta belecer o direito pelo peso vivo, mas encontrou obstaculos na falta de dados officiaes. É verdade que em França, na opinião dos melhores zootechnistas, o peso de carne limpa excede 50 por cento do peso vivo, mas não são para comparar os nossos carneiros eticos e maltrapilhos com os das boas raças francezas, puros ou modificados pelo cruzamento com os southdaum ou outras inglezes grandes productores de carne.

A vossa commissão, ponderando que em 1858-1859 o carneiro pagou em Lisboa, termo medio, 315 réis por cabeça, que em 1864-1865 pagou 360 réis, em 1865-1866 pagou 391 réis e em 1869-1870 pagou 390 réis; considerando por outro lado quanto convem promover o augmento de corporatura de nossas raças lanares, resolveu, de accordo com o governo, estabelecer o direito de 260 réis por cabeça. O direito por cabeça, sendo modico, não tem os mesmos inconvenientes que para as rezes bovinas. Para facilitar á introducção de carne fresca de gado ovino foi o direito sobre ella reduzido de 30 a 20 réis por kilogramma. Esta reducção compensa qualquer inconveniente do direito por cabeça.

A commissão pensa que não póde tomar grande incremento o consumo de carne de gado caprino, principalmente em attenção á vantagem de immolar as crias de leite para aproveitar as pelles. Entretanto resolveu propor tambem aqui uma reducção de direito. Em 1858-1859 e consumo foi de 3:885 rezes, que pagaram, termo medio, 66 réis por cabeça; em 1865-1866 foi de 2:380 rezes, que pagaram 90 réis por cabeça, e era 1869-1870 de 1:900 cabeças, que pagaram igualmente 90 réis. A commissão propõe que o direito seja reduzido a 60 réis por cabeça e o da carne limpa a 20 réis por kilogramma.

As diminuições propostas nos direitos dos gados lanar e caprino não podem produzir sensivel reducção da receita publica, porque em 1868-1869 ambas essas especies de gado apenas produziram 5:742$820 réis. O augmento de consumo compensará de certo qualquer desfalque que possa manifestar-se.

A vossa commissão deliberou conservar o artigo 6.º da proposta do governo, no qual se propõe a despeza de réis 2:000$000 para exposições o premios tendentes ao aperfeiçoar as raças pecuarias destinadas ao talho. Como assumpto de interesse particular da cidade, deveria esta despeza correr a cargo do cofre municipal, se não existisse o facto anomalo da receita dos impostos de consumo entrar pela maxima parte no thesouro. O conhecimento das vantagens que as exposições e premios têem dado na Inglaterra, na França e na Allemanha deixa fóra de duvida a efficacia d'estes meios de incitar ao aperfeiçoamento da creação e engorda dos gados.

Taes são os meios que a commissão de fazenda julga possiveis na actualidade para augmentar e melhorar o abastecimento da capital e promover os progressos da industria pecuaria. A commisBâo não desconhece, porém, que só poderiam dar resultados de grande alcance, por um lado, a reducção muito consideravel dos direitos de consumo, e pelo outro providencias geraes que modifiquem o clima pela arborisação, extingam os pantanos, melhorem o regimen dos rios e desenvolvam os trabalhos de irrigação. Assim poderá augmentar-se a creação e engorda de gados, que directamente é uma das funcções mais productivas da economia rural e e indirectamente o meio mais efficaz de desenvolver a agricultura intensiva. A producção de carne e a de pão acham-se tão intimamente ligadas, que não progride uma sem a outra. Carne e pão são termos correlativos na boa economia rural como na economia social.

TABELLA A

Experiencias no matadouro de Lisboa de janeiro a agosto de 1857

[Ver Diário Original]

1:093 Media da proporção de carne limpa............ 51,3

O minimo verificou-se em bois algarvios com... 47,8

O maximo em bois mirandezes com............ 62,1

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TABELLA B

Experiencias feitas no matadouro de Lisboa em 1871

[Ver Diário Original]

Media menor (de 7 rezes)................................. 47,1

Media maior (de 9 rezes)................................. 56,3

Media de 58 rezes....................................... 51,4

Media geral............................................ 51,6

TABELLA C

Consumo de carnes de gado bovino em Lisboa

[Ver Diário Original]

Artigo 1.º O gado bovino abatido no matadouro publico de Lisboa e seus filiaes pagará, como direito da carne limpa, courama, miudezas e mais despojos, 25 réis por kilogramma do peso das rezes vivas.

§ unico. Pela mesma fórma o gado ovino abatido no matadouro publico e seus filiaes pagará o direito de 260 réis por cabeça, e o gado caprino o direito de 60 réis por cabeça.

Art. 2.° Continua a ser permittida a admissão de carnes verdes pelas barreiras da cidade, ficando sujeita á inspecção prescripta nos regulamentos sanitarios e fiscaes.

§ 1.º A carne limpa de gado bovino, que vier a despacho nos termos d'este artigo, pagará o direito de 60 réis por kilogramma, sendo porem isentas de direitos as miudezas correspondentes.

§ 2.° A carne limpa do gado ovino e caprino pagará na mesma hypothese o direito de 20 réis por kilogramma, sendo tambem isentas de direitos as miudesas correspondentes.

Art. 3.° Fica a camara municipal de Lisboa auctorisada a providenciar ácerca do regular abastecimento das carnes verdes, tendo em vista as seguintes disposições:

1.ª Estabelecer matadouros especiaes e filiaes do de Lisboa nos pontos que fóra da cidade julgar mais convenientes, unicamente para matança dos gados destinados ao consumo da capital;

2.ª Abrir talhos ou açougues municipaes onde os mercadores ou negociantes de gado possam mandar decepar as suas rezes e vender a carne, segundo as condições estabelecidas pela camara em harmonia com os regulamentos fiscaes e sanitarios.

Art. 4.° É auctorisada a despeza até 2:000$000 réis para estabelecimento de concursos e premios, com o fim especial de promover o melhoramento das rezes destinadas ao consumo da capital.

Art. 5.° O governo poderá suspender, emquanto o julgar conveniente, a cobrança do imposto de transito sobre o preço do transporte de gados e carnes verdes que venham para consumo de Lisboa pelos caminhos de ferro de norte e leste, em presença das reducções que a companhia effectuar nas respectivas tarifas, e quando essas reducções sejam superiores ao imposto.

Art. 6.° O governo publicará os regulamentos necessarios para a execução d'esta lei.

Art. 7.º Fica revogada toda a legislação em contrario.

Sala da commissão, em 27 de março de 1871. = Anselmo José Braamcamp (com declarações) = Antonio Rodrigues Sampaio (com declarações) = Alberto Osorio de Vasconcellos (com declarações) = João Baptista da Silva Ferrão de

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Carvalho Mártens = José Dionysio de Mello e Faro = Antonio Maria Barreiros Arrobas = João Antonio dos Santos e Silva (cora declarações) = João José de Mendonça Cortes (vencido em parte) = Henrique de Barros Gomes (com declarações) = Augusto Saraiva de Carvalho (com declarações) = Antonio Augusto Pereira de Miranda (vencido em parte) = Eduardo Tavares = José Joaquim Rodrigues de Freitas Junior (com declarações) = João Henrique Ulrich = José Dias Ferreira (com declarações) = José Luciano de Castro (com declarações) = Mariano Cyrillo de Carvalho, relator.

Senhores. — A commissão de administração publica, avaliando devidamente o projecto do governo n.º 1-A, e o projecto de iniciativa dos srs. deputados de Lisboa sobre o mesmo objecto;

Attendendo a que ambos têem por fim melhorar as condições de alimentação publica da capital, e até certo ponto ambos attingem este fim;

Attendendo porém a que o projecto dos srs. deputados de Lisboa vae ferir os interesses fiscaes do governo:

É de parecer, de accordo com o governo, que seja approvado o projecto n.º 1-A, e julga prejudicado o projecto dos srs. deputados por Lisboa, fazendo porém ao projecto do governo as seguintes modificações:

Ao artigo 4.° acrescenta-se: «em harmonia com o decreto com força de lei de 21 de julho de 1858».

No § unico do artigo 4.°, onde se diz «nos matadouros especiaes, pertencentes á camara municipal de Lisboa», deve dizer-se «nos matadouros auctorisados nos termos d'este artigo».

Sala da commissão, em 16 de março de 1871. = Antonio Rodrigues Sampaio = João José de Mendonça Cortez (com declarações) = Barão do Salgueiro = Francisco Antonio da Silva Mendes (vencido em parte) = Augusto Cesar Cau da Costa = João de Azevedo Sovereira Zuzarte (vencido em parte) = Francisco Coelho do Amaral (vencido no artigo 6.°) = Joaquim de Vasconcellos Gusmão (vencido em parte).

Senhores. — Á commissão de commercio e artes foram presentes a proposta de lei n.º 1-A e o projecto de lei n.º 1-K, tendo ambos por fim procurar para o consumo das carnes na capital condições mais conformes com as exigencias da população.

Observa a commissão que ha perfeito accordo entre a proposta do governo e é projecto dos illustres representantes de Lisboa no que toca á idéa capital de tomar por base para o pagamento do imposto sobre a carne a rez viva na rasão de 50 por cento do seu peso, em vez do pão da carne limpa, actualmente estabelecido.

Com esta simples e utilissima innovação confia a commissão do commercio que o córte e venda das carnes poderá ficar ao abrigo de uns certos embaraços, a que se presta o methodo actual de cobrança do imposto, e que livre d'essas peias, poderá o consumidor fornecer-se em melhores condições.

Para attingir a este resultado propõe pela sua parte o governo algumas indicações que, ou estão já estabelecidas em lei, ou nos regulamentos que regem a materia, ou que poderiam com boa rasão chamar-se de natureza puramente municipal, e como taes, menos bem cabidas no projecto de que se trata, mas n'estas indicações não vê a commissão cousa que possa prejudicar o pensamento cardeal que se tem em vista, e apenas uma explicação mais larga das intenções do governo.

Pela sua parte, porém, entenderam os illustres deputados por Lisboa que, em vista das circumatancias peculiares da capital, alguma cousa mais devia fazer-se, e por isso propozeram uma alteração no imposto de consumo da carne, alteração que consiste em reduzir o direito sobre o peso vivo da rez, de 30 réis em kilo, proposto pelo governo, como inversão do de 60 réis em kilo sobre a carne limpa, a 20 réis por kilo do mesmo peso vivo.

Esta reducção de um terço na importancia do direito poderia corresponder a um desfalque decercade 100:000$000 réis por anno, se não houvesse rasão para esperar que a baixa do preço, produzindo como natural consequencia o augmento do consumo, traga alguma compensação. Em abono d'esta opinião apresentam os illustres deputados por Lisboa, no relatorio com que precedam o seu projecto de lei, dados que parecem á commissão muito instructivos, e dos quaes resulta que o consumo cresceu gradualmente, e com elle a importancia do imposto, á proporção que o preço da carne foi baixando. Em reforço d'esta demonstração veiu o mez de fevereiro passado provar que, com os preços elevados, se retrahiu tão consideravelmente o consumo, que a importancia do imposto teve uma diminuição de mais de 7:000$000 réis, o que bem deixa ver que uma modica reducção no imposto deve contribuir, restabelecidas as condições normaes do mercado, para augmentar em vez de diminuir o producto do mesmo imposto.

Mas, talvez mais para fugir ao reparo de que, com tal reducção, se poderiam cercear os recursos do thesouro, do que para evitar qualquer desfalque possivel, entenderam os illustres deputados por Lisboa que poderia estabelecer-se um imposto de exportação de 1$500 réis por cabeça de gado grosso, de 5 por cento ad valorem sobre a cortiça, e de 1 por cento sobre os minerios.

A este respeito entende a commissão de commercio, por uma rasão de ordem que é intuitiva, que não póde esta questão de direitos de exportação ter cabimento n'um projecto de lei, que deve tender exclusivamente a providenciar sobre o abastecimento de carnes em boas condições na capital.

Quanto porém á reducção, proposta pelos mesmos illustres deputados, do imposto do consumo em Lisboa de 30 réis em kilogramma, a 20 réis sobre o peso de rez viva, julga á commissão de commercio dever ponderar que:

Attendendo a que Lisboa está sobrecarregada com impostos de consumo, que montam á enorme somma de cerca de 1.400:000$000 réis por anno, isto é, a mais de 66 por cento de todo o imposto predial que paga o continente do reino e as ilhas;

Attendendo a que, ainda na sessão passada, com as modificações feitas na pauta dos direitos do consumo de Lisboa, se foram levar ao thesouro recursos calculados em mais de 50:000$000 réis;

Attendendo a que o imposto de 20 réis em kilogramma sobre o peso da rez viva é ainda maior que os impostos analogos estabelecidos em capitães muito mais ricas e opulentas, e quatro vezes ainda mais elevado que o que o estado recebe no Porto;

Considerando que a capital apresenta o espectaculo desolador de uma população definhada, em que o numero da mortalidade, na maior parte das suas freguezias, excede em muito o dos nascimentos;

Considerando finalmente, que entre as medidas propostas se conta a do imposto pessoal, em que de ora em diante ficarão comprehendidos a maior parte, senão a quasi totalidade, das classes operarias e desvalidas:

Por todas estas rasões parece á commissão do commercio, que o pensamento enunciado na proposta do governo e no projecto dos illustres deputados por Lisboa, de tomar por base para o pagamento do imposto da carne o peso da rez viva, deve ser adoptado, e que, nas circumstancias deploraveis e excepcionaes da prpulação da capital, seria não só rasoavel, mas sobretudo de prudente politica aceitar uma modificação no imposto actual, que collocasse a carne mais ao alcance do consumidor, ainda quando para isso fizesse o thesouro algum sacrificio, que bem cabido parece elle á commissão, quando aproveite á saude e ao bem estar de classes muito numerosas e tão desfavorecidas da população da capital.

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Sala da cornrnissão, 17 de março de 1871. = José Joaquim Figueiredo de Faria = José Maria de Almeida Teixeira de Queiroz = José Joaquim Rodrigues de Freitas Junior (vencido em parte) = Antonio Augusto Pereira de Miranda = José Dionysio de Mello e Faro, relator.

O sr. Lisboa: — Sr. presidente, eu não posso votar silencioso o projecto em discussão, pois se poderia deprehender que aceito de bom grado o imposto que fica subsistindo sobre a carne que se consome em Lisboa.

O projecto apenas melhora o systema de cobrança do imposto, facilitando a concorrencia dos productores ao mercado, e favorecendo a melhor qualidade de carne para o consumo. A questão porém da carestia das subsistencias fica intacta.

Entretanto considero ter-se ganho muito terreno para a resolução d'esta instante questão, principalmente no reconhecimento de que a população da capital se definha debaixo do peso de grande numero de causas deprimentes.

O deploravel facto dos obitos serem em Lisboa em maior numero do que os nascimentos, feriu a consciencia dos deputados por Lisboa e dos membros das illustres commissões de fazenda e obras publicas. Em tres relatorios se trata com desenvolvimento e verdade o estado em que se acha a população de Lisboa.

Sr. presidente, se os exageradissimos impostos de consumo que pagam os habitantes de Lisboa revertessem ao menos em beneficio das suas condições hygienicas e commodidades, ainda haveria uma compensação n'aquelles sacrificios, porém a par do encarecimento das subsistencias pelos vexatorios impostos de consumo, o municipio não póde occorrer, por falta de meios, ás innumeras necessidades de uma população de perto de 170:000 habitantes.

Em Lisboa ainda não se construiu uma unica escola, nem um lyceu; a miseria é soccorrida por meio de loterias, que a seu turno são uma das maiores causas de miseria e de desmoralisação. A canalisação da cidade, as margens infectas do Tejo, os bairros insalubres, o pavimento das ruas, emfim todos os serviços municipaes estão imperfeitissimos por falta de meios.

Temos pois conspirando para deprimir a população de Lisboa todas as causas physicas e moraes; o que admira pois que os obitos sejam em maior numero do que os nascimentos? Este facto, unico na historia moderna das povoações, demonstra só por si o deploravel estado das condições da capital.

E de esperar que os poderes publicos não se demorem em providenciar como é de conveniencia e de justiça, mas se continuarem a olhar com indifferença para um estado, que no proprio entender das commissões é uma verdadeira calamidade, não será para estranhar que o primeiro movimento popular que haja em Lisboa tenha por bandeira a terminação de tão injustificaveis vexames.

Foi approvado o projecto na generalidade.

Artigo 1.º

O sr. Mariano de Carvalho: — Em relação ao gado ovino não apresento nenhuma indicação alem das que contém os relatorios do projecto da commissão e da proposta do governo. Mas a respeito do gado caprino, surgem-me algumas pequenas duvidas que me parece conveniente resolver em relação ao que póde succeder no futuro.

Hoje póde dizer-se que não ha em Lisboa consumo de gado caprino adulto; apenas ha importação de cabritos pelas portas de Lisboa. Mesmo essa importação tem diminuido consideravelmente de anno para anno, de maneira que se póde dizer que não ha em Lisboa consumo nenhum de gado caprino. Mas como é possivel que para o futuro se desenvolva na capital o consumo de chibatos, e como o chibato póde ter peso igual ou superior ao do carneiro, como relator da commissão o de accordo com o governo, entendo dever apresentar uma alteração á parte ultima do § unico do artigo 1.°, para ser elevado a 260 réis o direito que o gado caprino tem de pagar por cabeça.

A substituição é a seguinte:

«§ unico. Pela mesma fórma o gado ovino e o caprino, abatidos no matadouro publico e seus filiaes, pagarão o direito de 260 réis por cabeça.»

Esta substituição parece-me rasoavel, porque o peso de carne que póde ter um chibato excede ás vezes o peso de carne que póde ter um carneiro. Hoje não vem chibatos ao consumo de Lisboa, mas podem vir, por isso a substituição parece me que está no caso de ser attendida, porque tende a acautelar um caso que se póde dar no futuro.

Mando pois para a mesa a substituição.

Leu-se na mesa a seguinte

Emenda

Artigo 1.°

§ unico. Pela mesma fórma o gado ovino e o caprino abatido no matadouro publico e seus filiaes, pagarão o direito de 260 réis por cabeça. = Mariano Cyrillo de Carvalho.

Foi admittida,

O sr. Julio do Carvalhal: — Pedi a palavra para oferecer uma emenda ao § unico do artigo 1.°, é a seguinte (leu).

O fim que tenho n'esta proposta é fazer desapparecer dos talhos de Lisboa a pessima carne de carneiro que ali se vende, e substitui-la por carne sadia e saborosa.

Os hespanhoes dizem «de las carnes el carnero», e eu que sou portuguez e muito portuguez, que espero sê-lo toda a vida, e que não tenho geito maldito para ser hespanhol, n'esta parte, isto é, na apreciação da carne de carneiro, vou com elles; porque a boa carne de carneiro, é para mim a carne por excellencia. Prefiro-a á boa vitella, ao perú, a todas as carnes.

Não obstante esta minha predilecção pela carne de carneiro, não a posso comer em Lisboa; e não posso porque é pessima, e é pessima porque é de carneiros não castrados; como reconhece a illustre commissão de fazenda, no seu bem elaborado relatorio, quando diz:

«A falta de consumo de carne ovina em Lisboa deve em grande parte attribuir-se tanto á sua qualidade, geralmente má, como ao direito de...

«Mas não póde dizer-se que seja má a carne do nosso gado lanar quando elle é novo e bem cevado. As rezes creadas nas ervagens finas dos nossos montados e baldios, produzem carne excellente, como póde verificar-se nas boas terras de provincia, e se prova pela exportação de dezenas de milhares de cabeças para consumo de Madrid e outras cidades hespanholas. Porém para o gado lanar tem succedido como ao bovino; exporta-se o que é bom, e á capital só vem rezes que o consumo estrangeiro não admittiria. Particularmente de carneiro só apparecem em Lisboa, badanas, carneiros não castrados, e com a carne cheia de sugo.»

A illustre commissão vê aonde eu vejo a causa de ser pessima a carne de carneiro em Lisboa; e não póde ser boa emquanto por qualquer meio, directo ou indirecto, se não promover a vinda ao matadouro de Lisboa de carneiros castrados.

Eu não soube por muito tempo a causa de me enjoar esta carne em Lisboa, e não a poder comer; mas quando fui a Setubal no dia da inauguração do caminho de ferro, indo com alguns amigos passeiar ao campo do Bomfim, vi lá um grande rebanho de carneiros já cerrados, e todos por castrar! Sendo isto novo para mim (porque eu e os meus patricios creadores de gado, como eu, mandâmos castrar todos os carneiros quando têem um anno, e alguns mais novos, deixando só por castrar os destinados á padreação, isto é, um por cada dez ovelhas pouco mais ou menos), dirigi-me ao guardador e perguntei lhe que destino tinha aquelle gado? «É, me respondeu elle, para matar em Lisboa, e para lá vão ámanhã. » Pois matam lá carneiros por castrar, lhe perguntei eu?! « Para que se ha de ter o trabalho de os castrar? (Retorquiu-me elle.) Lá comem tudo!... » Fiquei sabendo

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então o motivo por que eu não podia comer em Lisboa, e me repugnava a carne de carneiro.

Desengane-se a camara, que emquanto alguma medida não chamar ao matadouro de Lisboa os carneiros capados, e desviar os não castrados, nunca os habitantes d'esta cidade hão de comer carne de carneiro que não seja pessima ao paladar e nociva á saude. Eis o fim da minha proposta, diminuindo 20 réis na proposta da illustre commissão, para os carneiros capados, e elevando o imposto a 300 réis para os carneiros não castrados; por esta fórma creiam o nobre ministro e a illustre commissão que não produzirá menos o imposto, não só porque a maioria do gado que por algum tempo vier ao matadouro ainda será por castrar, e pagará 300 réis por cabeça; e quando todo vier castrado, o que ainda ha de acontecer, a diminuição de 20 réis no direito proposto não prejudicará o thesouro nem a camara municipal, porque o consumo de rezes ha de ser muito maior pela melhoria da carne.

Emquanto se não fizer o que proponho, não contem que a Lisboa venha boa carne de carneiro, porque é grande a exportação de carneiros capados para Hespanha, e porque nas provincias vae-se tambem desenvolvendo muito o gosto pela carne de carneiro.

Lembra me que quando eu era rapaz matava-se um carneiro, uma ou outra vez para a ceifa ou para a debulha; mas os jornaleiros não comiam a carne senão assada. Ninguem comia sopa ou arroz de carneiro, e diziam que fazia mal á saude! Agora toda a gente gosta já de sopa e arroz de carneiro, e até dão-caldos d'elle aos doentes.

O que ninguem come, porém, nas provincias, nem fóra de Lisboa é carne de carneiro por castrar, nem ainda as classes mais pobres, porque nos mezes do cio, isto é, desde maio a outubro, ella é de um gosto repugnante, mucosa e fetida.

Creiam a illustre commissão e o nobre ministro que fazem um bom serviço á capital aceitando a minha proposta, porque os 60 réis de differença no direito entre o carneiro castrado e o por castrar hão de fazer com que todos os creadores os mandem castrar em devido tempo, para os reputarem melhor, porque a despeza da castração é quando muito de 10 réis por cabeça.

Far-se ha tambem com isto um bom serviço a esta industria agricola da creação do gado ovino, porque o carneiro castrado não só dá melhor carne, mas muito mais carne, e por estas rasões os creadores os reputarão melhor.

Peço pois que esta minha proposta vá á illustrecommissão, para a apreciar como ella merecer. Mando a para a mesa, entendendo que ella deve ter nova redacção, porque a tinha feito antes de ter o sr. Mariano de Carvalho apresentado a sua proposta de emenda, quanto ao gado caprino.

Tenho dito.

Leu-se na mesa a seguinte

Proposta

Proponho:

§ l.º Pela mesma fórma o gado ovino, abatido no matadouro publico e seus filiaes pagará 240 réis por cabeça, exceptuando os carneiros por castrar, para os quaes o direito por cabeça será de 300 réis. = JulÍo do Carvalhal Sousa Telles.

Foi admittida.

O sr. Mariano de Carvalho: — Ouvi ler com toda a attenção a proposta apresentada pelo illustre deputado; e, depois de consultar a maior parte dos membros da commissão de fazenda, julgo-me auctorisado a declarar que a commissão aceita a emenda, salva a redacção.

O sr. Lisboa: — Esta proposta do sr. Julio do Carvalhal seria muito conveniente se pelo projecto se não admittisse que na cidade entrasse carne morta; mas, sendo admittida a entrada de carne morta, é inutil a disposição que o illustre deputado quer consignar na lei, porque, recusados no matadouro de Lisboa os carneiros não castrados, hão de ser levados para fóra da cidade para os introduzirem mortos.

Ora depois de mortos e esfollados não se póde conhecer se são ou não castrados.

Isso seria bom para regulamento da materia; mas desde que se faz a concessão que consta do projecto, ao matadouro não virá gado inteiro, mas matar-se-ha fóra de portas, e introduzir se-ha morto.

O sr. Mariano de Carvalho: — Parece-me que as observações apresentadas pelo sr. Lisboa não prejudicam de modo nenhum a emenda do sr. Julio do Carvalhal.

Todos os carneiros de melhor qualidade hão de vir ao matadouro, para serem abatidos, a fim de gosarem do beneficio do direito differencial; os carneiros que não forem castrados podem entrar pelas portas, mortos, pagando o direito, de 20 réis em kilogramma.

(Áparte do sr. Lisboa.)

O illustre deputado está enganado.

A media do peso da carne limpa dos carneiros vendidos em Lisboa é de 13 kilogrammas, e estabelecendo-se o direito de 260 réis por cabeça, o que corresponde a 20 réis cada kilogramma, é evidente que os productores têem interesse em trazer ao matadouro de Lisboa gado que produza mais de 13 kilogrammas, e por consequencia gado maior e de melhor qualidade.

A carne que entrar pelas portas ha de ser de gado, que tenha menos de 13 kilogrammas de peso, ou que deixe de ser castrado, mas ficará pagando um direito maior.

De maneira que o direito differencial favorece por dois modos o matadouro e o consumo de Lisboa: por um modo promovendo a admissão de carneiros com mais de 13 kilogrammas de peso; por outro modo promovendo a admissão de carneiros que forem castrados.

Por consequencia a hypothese do sr. Lisboa, repito, não prejudica a alteração proposta pelo sr. Julio do Carvalhal, elevando a 300 réis o direito do carneiro não castrado e diminuindo para 240 réis o do carneiro castrado.

O illustre deputado póde não concordar com que se permitta a entrada de rezes abatidas, e levantar essa questão, se quizer; mas o caso é outro, e não é d'esse ponto que se trata.

O sr. JuliO dO Carvalhal: — Em vista das considerações que o sr. Mariano de Carvalho acaba de fazer, cedo da palavra.

O sr. Secretario (Adriano Machado): — A proposta do sr. Julio do Carvalhal fica substituindo a da commissão?

O sr. Mariano de Carvalho: — Ha duas substituições que não se oppõem uma á outra. A substituição do sr. Julio do Carvalhal refere-se ao direito do gado bovino, a da commissão ao direito do gado caprino.

O sr. Presidente: — Vae votar-se.

O sr. Mariano de Carvalho (sobre o modo de propor): — Se a camara combinar o § unico do artigo 1.° do projecto com a substituição que tive a honra de mandar para a mesa, ha de ver que a alteração proposta pela commissão se refere ao gado caprino.

E emquanto ao gado ovino propõe-se o que estava no projecto primitivo.

O que se póde fazer é votar-se a substituição apresentada por mim, sem prejuizo da do sr. Julio do Carvalhal, porque a proposta apresentada por mim regula principalmente o direito do gado caprino, e a do sr. Julio do Carvalhal a do gado ovino.

O sr. Presidente: — Póde votar-se o artigo, salvas as emendas que vieram para a mesa, e depois votar-se cada uma d'ellas (apoiados).

Posto á votação o artigo 1.º, foi approvado.

Substituição offerecida pelo sr. Mariano de Carvalho por parte da commissão — approvada.

Substituição offerecida pelo sr. Julio do Carvalhal — approvada.

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DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Artigos 2.°, 3.°, 4.°, 5.°, 6.° e 7.° — approvados sem discussão.

O sr. Presidente: — Passa-se á discussão do projecto de lei n.º 5.

É o seguinte:

Projecto de lei n.º 5

Senhores. — Á vossa commissão de fazenda foi presente o projecto de lei n,° 1-X, do sr. deputado Alberto Osorio de Vasconcellos, auctorisando a concessão, por parte do estado, das ruinas do convento de freiras bernardas, com a invocação de Santa Clara, situado na villa de Trancoso, á camara municipal do concelho do mesmo nome;

Considerando que de se effectuar a concessão proposta deverá resultar um notavel aformoseamento para a villa de Trancoso, e o melhor aproveitamento do material proveniente da demolição d'aquellas ruinas;

Considerando ainda que o prejuizo que d'ahi possa advir para a fazenda nacional é insignificante, não existindo senão pouca probabilidade de effectuar a venda de um edificio meio derocado, e nas condições em que se acha hoje o mencionado convento de Santa Clara;

A vossa commissão, tendo ouvido o governo, e de accordo com este, tem a honra de sujeitar á apreciação illustrada da camara o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.° É o governo auctorisado a conceder á camara municipal de Trancoso o edificio do antigo convento de Santa Clara, a fim de lhe dar a applicação que julgar mais conveniente.

Art. 2.° Fica revogada toda a legislação em contrario.

Sala da commissão, 28 de março de 1871. = Anselmo José Braamcamp = João José de Mendonça Cortez = Antonio Augusto Pereira de Miranda = Antonio Maria Barreiros Arrobas = João Antonio dos Santos e Silva = Alberto Osorio de Vasconcellos = Augusto Saraiva de Carvalho = Mariano Cyrillo de Carvalho = José Dionysio de Mello e Faro = Antonio Rodrigues Sampaio = José Joaquim Rodrigues de Freitas Junior = João Henrique Ulrich = Eduardo Tavares = Henrique de Barros Gomes, relator.

O sr. Presidente: — Está em discussão na generalidade e na especialidade.

O sr. Barros Gomes: — De accordo com a commissão mando para a mesa a seguinte substituição á ultima parte do artigo 1.° (leu).

As rasões que justificam esta alteração são evidentes; e por isso não me canso em demonstrar á camara a necessidade d'ella.

Leu-se logo na mesa a seguinte

Substituição

Proponho que em seguida ás palavras «antigo convento de Santa Clara» se acrescentem as seguintes, substituindo a parte final do artigo 1.°:

«Obrigando-se a mesma camara a empregar os materiaes que resultarem da demolição d'aquelle convento na construcção de um edificio accommodado aos diversos serviços publicos.»

Sala das sessões, 30 de março de 1871. = Henrique de Barros Gomes.

Foi admittida.

Posto a votos o artigo 1.º do projecto com esta substituição á sua ultima parte, foi approvado.

Artigo 2.° — approvado.

O sr. Presidente: — Não ha sobre a mesa trabalhos que possam ser dados para ordem do dia.

A camara ha de querer trabalhar ámanhã em commissões, a fim de se prepararem trabalhos para a discussão.

E na segunda feira abre-se a sessão para o expediente e para a apresentação de pareceres de commissões.

Eu convido as commissões a que trabalhem activamente, a fim de apresentarem pareceres que possam entrar em discussão.

E depois da apresentação de pareceres, haverá trabalhos em commissões.

O sr. Quintino de Macedo: — Mando para a mesa um parecer da commissão de guerra.

O sr. Presidente do Conselho de Ministros (Marquez d'Avila e de Bolama): — Desejo chamar a attenção da camara e da illustre commissão de fazenda por parte do governo, para a necessidade urgente que me parece, que todos reconhecemos, de se entrar quanto antes na discussão do orçamento.

Eu sei que a illustre commissão de fazenda se occupa muito seriamente das propostas apresentadas pelo governo para o augmento da receita publica. Declaro á camara, e peço-lhe que acredite que é sincera esta minha declaração por parte do governo, de que ao mesmo tempo que a illustre commissão de fazenda está estudando essas propostas, o governo está tambem meditando muito seriamente sobre as representações que lhe têem sido remettidas e a esta camara com relação a algumas d'essas propostas, a fim de poder combinar com a illustre commissão de fazenda sobre as modificações que convirá fazer-lhes para as tornar tão justas quanto possivel.

Mas emquanto a illustre commissão de fazenda está procedendo a este estudo, que leva muito tempo e que é conveniente que seja feito com toda a reflexão e madureza, parecia-me que a camara se podia occupar da discussão do orçamento da despeza.

A illustre commissão de fazenda dividiu por alguns dos seus membros os orçamentos da despeza com relação aos diversos ministerios e á junta do credito publico. V. ex.ª e acamara comprehendem a importancia que tem a discussão do orçamento da despeza. Todavia nós não carecemos para discutir, por exemplo, o orçamento da despeza do ministerio do reino, de termos tambem presente o orçamento do ministerio da marinha, nem para a discussão d'este carecemos de ter presente o orçamento do ministerio da guerra, e o mesmo a respeito dos outros ministerios.

Pedia por consequencia á illustre commissão que, sem prejuizo do exame consciencioso e reflectido sobre as propostas de augmento de receita, trouxesse á discussão quanto antes o seu parecer sobre os orçamentos da despeza dos diversos ministerios, á medida que cada um d'elles estivesse prompto, a fim de que a camara podesse entrar quanto antes n'esse exame.

Eu estou convencido de que o primeiro orçamento da despeza que for submettido á discussão trará logo comsigo a discussão larga e placida da questão de fazenda; e o governo deseja ardentemente que se entre quanto antes n'essa discussão. O governo apresentará, com a franqueza que deve á camara e ao paiz, a sua opinião sobre essa questão, mas espera esclarecer-se com o debate, e aceitará de bom grado todas as propostas de reducção na despeza, que forem compativeis com as necessidades do serviço.

Peço pois á illustre commissão de fazenda que continue, como até aqui, no exame das propostas que lhe foram mandadas; mas que, sem prejuizo d'esse exame, convide os seus membros, encarregados dos pareceres sobre os orçamentos da despeza dos diversos ministerios, a apresentarem quanto antes um ou alguns d'esses pareceres, para que a camara se possa occupar d'elles com toda a urgencia. Estou persuadido de que essa discussão ha de tranquillisar o paiz, porque lhe ha de dar a prova a mais convincente de que nós collocámos a questão de fazenda acima de tudo, conseguindo-se assim que a camara n'esta sessão legislativa, a exemplo da precedente, faça ao paiz o grande serviço de contribuir para que nós saíamos das difficuldades com que lutâmos, e para que se restabeleça o indispensavel equilibrio entre a receita e a despeza do estado.

O sr. Braamcamp (por parte da commissão de fazenda): — Ouvi as palavras proferidas pelo illustre presidente do conselho, e os desejos que s. ex.ª manifestou de que as

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DIARIO DA CAMARA DOS PENHORES DEPUTADOS

propostas de fazenda e os diversos orçamentos sejam discutidos com a maior brevidade possivel.

S. ex.ª sabe que esses são tambem os desejos de todos os membros da commissão de fazenda. Todos nós estamos empenhados na resolução da questão de fazenda, e have mos de pôr de parte qualquer consideração de ordem secundaria, para nos desempenharmos do encargo principal que nos foi commettido pela camara. O illustre ministro já teve occasião de conhecer que a commissão se occupa activamente d'estes trabalhos.

Os membros da commissão, a que já foram distribuidos os diversos orçamentos, estão procedendo aos estudos necessarios, e a commissão não póde pela sua parte obrigar os relatores nomeados a darem com precipitação o seu parecer sem terem obtido e examinado todas as informações que lhes devem ser fornecidas pelas differentes secretarias d'estado. S. ex.ª póde ter a certeza, e n'estas palavras não pretendo justificar a commissão de quaesquer arguições que seriam infundadas; s. ex.ª, digo, póde ter a certeza de que a commissão não carece de ser instigada para cumprir o seu dever, e logo que os meus illustres collegas se julguem habilitados com os esclarecimentos de que necessitam, a commissão ha de empenhar todos os seus esforços para trazer á camara com a maior brevidade o resultado dos seus trabalhos. S. ex.ª deve ainda considerar, que n'este ponto ha uma questão preliminar a tratar. Até agora os pareceres sobre os orçamentos dos diversos ministerios têem sido apresentados em globo, reunidos em um só documento; s. ex.ª propõe agora um novo methodo de trabalho, lembrando a conveniencia de apresentar e discutir successivamente cada um d'estes pareceres. Este alvitre carece de ser discutido na commissão, devendo talvez o resultado d'essa discussão ser submettido á camara, para esta resolver o que tiver por mais conveniente.

Por ultimo posso assegurar á camara, que a commissão de fazenda tem o firme desejo da cumprir o mandato que lhe foi conferido pela camara, mas para isso não deve precipitar o estudo de assumpto tão importante, sacrificando á brevidade a regularidade dos trabalhos. A commissão ha de attender quanto seja possivel a estas duas condições, e trazer sem demora á camara o resultado dos seus estudos e das suas discussões.

O sr. Presidente do Conselho de Ministros: — Quero agradecer ao illustre presidente da commissão de fazenda a segurança que deu ao governo e á camara, de que a commissão ha de empregar todos os seus esforços para satisfazer ao pedido que lhe dirigi.

Mas eu desejo constatar claramente, porque talvez não tivesse sido bem explicito a esse respeito, que comecei por fazer justiça á illustre commissão de fazenda; e digo isto, porque me pareceu ouvir ao seu digno presidente que a commissão não precisava ser instigada por ninguem para cumprir o seu dever. Estou convencido d'isso; assim o declarei; mas pareceu-me que o governo tinha obrigação de manifestar á camara, e pela camara ao paiz, os desejos de que nós todos estamos possuidos, e isto não só para tranquillidade da camara, como tambem do paiz.

Parece-me que estas declarações feitas pelo governo e pela commissão de fazenda têem um grande alcance, porque manifestam que nós todos estamos inspirados do desejo vehemente de cumprir fielmente a missão que nos incumbe.

Peço pois ao illustre presidente da commissão de fazenda e á camara, que não infiram das expressões que empreguei não ter eu confiança no zêlo da illustre commissão; bem pelo contrario, fui o primeiro a fazer-lhe justiça, e se fosse necessario repetir as declarações que fiz a este respeito não teria n'isso a menor duvida.

Tenho tido a fortuna de assistir a algumas das suas sessões, e vi muito bem, e não precisava lá ter ido para o saber; vi muito bem, repito, e com muita satisfação, que a illustre commissão de fazenda procurava; por todos os meios desempenhar, de uma maneira digna d'ella e da camara, a missão que a camara lhe confiou.

Quanto ao methodo que indiquei, devo dizer que não tenho direito de tomar a iniciativa n'esta camara de propostas d'este genero; mas como desde muitos annos occupo uma cadeira no parlamento, posso assegurar ao illustre presidente da commissão de fazenda que o methodo que indiquei tem sido seguido muitas vezes.

Convenho em que a illustre commissão tenha a tomar uma resolução a esse respeito, e ver se é mais conveniente trazer os orçamentos de cada ministerio separadamente, ou todos juntos.

Convenho que é uma questão previa que a illustre commissão deve examinar e que a camara deve resolver; mas essa questão tem sido resolvida já no sentido que indiquei, e com vantagem.

(Interrupção do sr. Cortez, que não se ouviu.)

Posso citar muitos precedentes...

(Interrupção do sr. Cortez, que não se ouviu.)

Eu invejo a declaração que fez o illustre deputado, e estimaria muito poder faze-lo; mas não posso. Occupo uma cadeira no parlamento desde 1834. Houve mais de uma occasião em que o estado das nossas finanças se assimilhava ao actual, e se adoptou o alvitre que lembrei. Ali está um velho parlamentar que não tem agora, mas que já teve, assento n'esta casa, e que está confirmando o que eu digo. (Alludia ao digno par do reino o sr. José da Costa Pinto Bastos.) Digo, houve occasião em que a situação da nossa fazenda era tambem muito difficil; e seguiu-se este methodo. Á medida que os pareceres sobre os orçamentos de cada ministerio estavam promptos, eram apresentados e vinham á discussão da camara.

Se desejo que venham os pareceres sobre os orçamentos de cada ministerio, á medida que estejam promptos, é porque estimava que se abrisse quanto antes uma discussão rasgada, placida e illustrada sobre a nossa situação financeira. Essa discussão vem necessariamente quando se apresentar o primeiro parecer. Supponhamos que é o parecer sobre o orçamento do ministerio da marinha, e fallo d'este, porque ha pouco me asseverou o illustre membro da commissão de fazenda, encarregado d'esse orçamento, que apresentaria em muito poucos dias o seu trabalho á illustre commissão.

Supponhamos, digo, que temos a fortuna de começar pelo orçamento do ministerio da marinha, é inevitavel que n'essa occasião se não abra uma discussão geral, não só sobre o orçamento d'esse ministerio, mas sobre o orçamento geral do estado; e essa discussão é que o governo deseja que venha quanto antes; porque então, ainda que se não queira, ha de examinar-se até que ponto se póde levar a effeito o systema das reformas e das economias (apoiados).

Hão de apontar-se necessariamente muitas reformas e muitas economias. O governo ha de indicar aquelles que está resolvido a fazer, aquellas que já poz em pratica. Os illustres membros da camara e da commissão hão de indicar as que lhes parecerem exequiveis, e o governo ha de aceitar de muito bom grado todas aquellas que forem compativeis com o serviço. Essa discussão até ha de servir para arredar algumas questões de interesse secundario, e ir-se á questão do maximo interesse, que é a questão de fazenda (apoiados).

Por consequencia peço ao illustre presidente da commissão de fazenda, o sr. Braamcamp, que não veja na minha insistencia uma manifestação de injustiça para com a illustre commissão. Não era eu capaz de o fazer; mas entendo que preencho um dever por parte do governo declarando bem alto ao paiz que o governo deseja que se entre quanto antes n'essa discussão; e parece-me que até fiz um serviço á illustre commissão dando-lhe occasião para fazer, como fez, uma declaração em termos tão energicos, de que se está occupando d'este assumpto e que em breve ha de trazer os seus trabalhos á camara.

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O sr. Presidente: — Varios srs. deputados têem pedido a palavra, e creio que a camara quererá que eu lh'a conceda (apoiados).

O sr. Gandido de Moraes: — V. ex.ª acaba de declarar que não havendo trabalhos sobre a mesa, tinha de occupar-se a camara na segunda feira apenas da apresentação de pareceres de commissão.

Ha pouco tempo a commissão de guerra mandou para a mesa um parecer, e eu julgo opportuno que v. ex.ª mande imprimir esse parecer, fazendo-o distribuir logo em seguida pelas casas dos srs. deputados, e que peça auctorisação á camara para que, dispensando-se o regimento, elle possa entrar em discussão na segunda feira (apoiados).

O sr. Presidente: — Creio que a camara annue ao pedido do sr. deputado. Portanto, como a leitura do parecer já hoje póde ter logar, mando-o imprimir para ser distribuido pelas casas dos srs. deputados, e dou-o para ordem do dia de segunda feira (apoiados).

Leu-se na mesa o parecer da commissão de guerra.

O sr. Mariano de Carvalho: — Toda, a camara faz certamente justiça ás rectas e patrioticas intenções do nobre presidente do conselho de ministros, quando pede á commissão de fazenda que dirija os seus trabalhos por fórma tal que se possa brevemente discutir o orçamento do estado (apoiados).

Pela minha parte, como membro da commissão de fazenda, não posso senão lisonjear-me com as palavras amabilissimas que s. ex.ª dirigiu áquella commissão.

O sr. Presidente do Conselho de Ministros: — E justas.

O Orador: — Justas não posso eu dizer, porque sou membro da commissão, e por isso digo só pelas palavras amabilissimas que o sr. presidente do conselho nos dirigiu.

Devo acrescentar, entretanto, que a commissão tem tido sessões quasi todos os dias, sessões que não têem durado menos de quatro horas; a proposito d'este projecto das carnes que ha pouco se votou, eu e outros membros da commissão tivemos n'um dos ultimos dias nove horas de trabalho em commissões. Creio que não se póde exigir mais.

Tambem devo acrescentar que, se fosse possivel inverter a ordem do tempo, isto é, se as sessões do fim de março podessem ter vindo antes das sessões do principio de fevereiro, a camara veria bem quanta rasão eu tinha quando sustentava que mais valia ser nomeada uma commissão de orçamento, do que augmentada a commissão de fazenda.

A commissão de fazenda, apesar de augmentada e apesar de toda a sua boa vontade, ou ha de preterir o estudo das propostas de fazenda de tanta importancia para o paiz para dedicar-se ao do orçamento, ou ha de proceder de modo inverso, mas sempre prejudicando uma parte dos as sumptos que lhe estão confiados; se houvesse as duas commissões, talvez que a esta hora já se podesse discutir o orçamento, e talvez que as propostas de fazenda estivessem muito mais adiantadas.

Era isto que pretendia dizer á camara, exactamente porque tendo eu sustentado em fevereiro que a commissão de fazenda não devia ser augmentada e que era preferivel nomear-se uma commissão de orçamento, fui censurado por isso, chegando a dizer-se que era mostrar receio de que na commissão de fazenda entrassem outros cavalheiros, e querer fazer monopolio da sciencia financeira.

Não era assim. Eu o que queria era que os trabalhos da camara corressem de um modo que me parecia mais conveniente, e os factos estão mostrando que tinha rasão.

Não me estava então movendo nenhuma rasão pessoal ou politica no mau sentido da palavra, era apenas o interesse publico. O tempo deu-me rasão.

O sr. Braamcamp: — Era simplesmente para declarar ao sr. presidente do conselho de ministros, que eu estou capacitado de que s. ex.ª não pretendeu irrogar a menor censura á commissão de fazenda, porque não tem nem podia ter o minimo motivo para isso. O que eu desejava era que se não podesse dar ás palavras de s. ex.ª outro sentido que não fosse aquelle que o nobre marquez manifestou.

A commissão de fazenda tem trabalhado tanto quanto tem cabido em suas forças, e podem, s. ex.ª e a camara, tar a certeza de que ella ha de continuar a

empenhar-se, como se tem empenhado até aqui, em estudar as questões que lhe estalo submettidas (apoiados).

O sr. Presidente: — Está encerrada a sessão.

Eram pouco mais de quatro horas da tarde.

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