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CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

18.ª SESSÃO

EM 21 DE AGOSTO DE 1905

SUMMARIO. - Approvada a acta e lido o expediente, abre-se inscripção para se commemorar ainda a morte de Castro Mattoso e Emygdio Navarro, falando os Srs. Martins de Carvalho e Joaquim Tello. - Apresenta uma proposta de lei o Sr. Ministro da Guerra e uma proposta para accumulação o Sr. Ministro da Marinha.

Na ordem do dia continua o incidepte da crise ministerial, falando os Srs. Oliveira Mattos, Conde de Penha Garcia, Antonio Centeno e Antonio Cabral, que fica com a palavra reservada - Em materia de explicações falam os Srs. João Pinto dos Santos, Presidente
do Conselho e Rodrigo Pequito. - Encerra-se a sessão, marcando-se a seguinte para o dia 22.

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2 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Presidencia do Exmo. Sr. Libanio Antonio Fialho Gomes (Vice-Presidente)

Secretarios - os Exmos. Srs.:

Conde de Agueda
Gaspar de Abreu de Lima

Primeira chamada - Ás 2 horas da tarde.

Presentes - 11 Srs. Deputados.

Segunda chamada - Ás 2 1/2 horas.

Presentes - 62 Srs. Deputados.

São os seguintes: - Abel da Cunha Abreu Brandão, Abel Pereira de Andrade, Albino Augusto Pacheco, Alfredo Cesar Brandão, Alfredo Pereira, Antonio José Garcia Guerreiro, Antonio Maria de Carvalho de Almeida Serra, Antonio Rodrigues da Costa Silveira, Antonio Rodrigues Nogueira, Antonio Rodrigues Ribeiro, Antonio Tavares Festas, Augusto Cesar Claro da Ricca, Augusto Faustino dos Santos Crespo, Conde de Agueda, Conde de Carcavellos, Conde de Castro e Solla, Conde de Sucena, Diogo Domingues Peres, Duarte Gustavo de Roboredo Sampaio e Mello, Ernesto Julio de Carvalho e Vasconcellos, Eusebio David Nunes da Silva, Fernando Augusto Miranda Martins de Carvalho, Francisco Pessanha Vilhegas do Casal, Francisco Xavier da Silva Telles, Gaspar de Abreu Lima, Henrique de Carvalho Nunes da Silva Anachoreta, João Alberto Pereira de Azevedo Neves, João Augusto Pereira, João Baptista Ribeiro Coelho, João da Costa Santiago de Carvalho e Sousa, João Maria Cerqueira Machado, João Pinto Rodrigues dos Santos, João Serras Conceição, João de Sousa Bandeira, João de Sousa Tavares, Joaquim Augusto Ferreira da Fonseca, Joaquim José Cerqueira, Joaquim José Pimenta Tello, José Affonso Baeta Neves, José Alberto da Costa Fortuna Rosado, José Augusto de Lemos Peixoto, José Augusto Moreira de Almeida, José Christovam Patrocinio de S. Francisco Xavier Pinto, José da Cruz Caldeira, José Ferreira de Sousa Junior, José Gonçalves Pereira dos Santos, José Maria de Oliveira Simões, José Simões de Oliveira Martins, José Vicente Madeira, Libanio Antonio Fialho Gomes, Lourenço Caldeira da Gama Lobo Cayolla, Luciano Affonso da Silva Monteiro, Manoel Joaquim Fratel, Manoel Telles de Vasconcellos, Mário Augusto de Miranda Monteiro, Matheus Teixeira de Azevedo, Miguel Pereira Coutinho (D.), Pedro Doria Nazarett, Raul Correia de Bettencourt Furtado, Visconde das Arcas, Visconde de Guilhomil e Visconde de Pedralva.

Entraram durante a sessão os Srs.: - Adriano Anthero de Sousa Pinto, Alberto de Castro Pereira de Almeida Navarro, Alexandre Proença de Almeida Garrett, Alfredo Carlos Le Cocq, Alvaro da Silva Simões, Anselmo de Assis Andrade, Antonio Alberto Charula Pessanha, Antonio Augusto Pereira Cardoso, Antonio Augusto Pires de Lima, Antonio Caetano de Abreu Freire Egas Moniz, Antonio Cassiano Pereira de Sousa Neves, Antonio Centeno, Antonio Ferreira Cabral Paes do Amaral, Antonio José Gomes Lima, Antonio Maria Dias Pereira Chaves Mazyiotti, Antonio de Sousa Athayde Pavão, Antonio de Sousa Horta Sarmento Osorio, Arthur da Costa Sousa Pinto Basto, Arthur Pinto de Miranda Montenegro, Augusto de Castro Sampaio Côrte Real, Bernardo de Alpoim de Cerqueira Borges Cabral, Carlos Augusto Ferreira, Clemente Joaquim dos Santos Pinto, Conde do Alto Mearim, Conde de Penha Garcia, Eduardo Burnay, Eduardo Fernandes de Oliveira, Eduardo Frederico Schwalbach Lucci, Eduardo Valerio Augusto Villaça, Emygdio Lino da Silva, Fernando de Sousa Botelho e Mello (D.), Francisco Limpo de Lacerda Ravasco, Francisco Miranda da Costa Lobo, Francisco Xavier Cabral de Oliveira Moncada, Francisco Xavier Correia Mendes, Frederico Alexandrino Garcia Ramirez, Gaspar de Queiroz Ribeiro de Almeida e Vasconcellos, Gil de Mont'Alverne de Sequeira, Henrique Carlos de Carvalho Kendall, João Catanho de Menezes, João Ferreira Franco Pinto Castello Branco, João Joaquim Izidro dos Reis, João José Sinel de Cordes, João Monteiro Vieira de Castro, Joaquim Hilario Pereira Alves, Joaquim Pedro Martins, Jorge Guedes Gavicho, José Antonio Alves Ferreira de Lemos Junior, José Cabral Correia do Amaral, José Coelho da Motta Prego, José Joaquim Mendes Leal, José Joaquim de Sousa Cavalheiro, José Maria de Oliveira Mattos, José Maria Pereira de Lima, José Maria Queiroz Velloso, José Mathias Nunes, José Osorio da Gama e Castro, José Paulo Monteiro Cancella, José Vieira da Silva Guimarães, Julio Dantas, Luiz Eugenio Leitão, Luiz Filippe de Castro (D.), Luiz Maria de Sousa Horta e Costa, Luiz Pizarro da Cunha Porto Carrero (D.), Luiz Vaz de Carvalho Crespo, Manoel Antonio Moreira Junior, Manoel Francisco de Vargas, Marianno José da Silva Prezado, Miguel Antonio da Silveira, Ovidio de Alpoim de Cerqueira Borges Cabral, Paulo de Barros Pinto Osorio, Rodrigo Affonso Pequito, Thomaz de Almeida Manoel de Vilhena (D.), Visconde do Ameal, Visconde da Ribeira Brava, Visconde da Torre e Zeferino Candido Falcão Pacheco.

Não compareceram á sessão os Srs.: - Antonio Alves Pereira de Mattos, Antonio Faustino dos Santos Crespo, Antonio Homem de Gouveia, Antonio de Mattos Magalhães, Antonio Peixoto Correia, Antonio Simões dos Reis, Augusto Guilherme Botelho de Sonsa, Conde de Paçô-Vieira, Conde da Ribeira Grande (D. Vicente), Francisco Joaquim Fernandes, Julio Ernesto de Lima Duque, Luiz José Dias, Marianno Cyrillo de Carvalho, Sertorio do Monte Pereira e Vicente Rodrigues Monteiro.

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SESSÃO N.º 18 DE 21 DE AGOSTO DE 1905 3

ABERTURA DA SESSÃO - Ás 3 horas da tarde

Acta - Approvada

EXPEDIENTE

Officio

Do Ministerio da Marinha remettendo 160 exemplares do relatório e propostas de lei apresentados pelo titular d'aquella pasta.

Á secretaria.

O Sr. Presidente: - Chamo a attenção da Camara.

Como alguns Srs. Deputados, e entre elles o Sr. João Franco, tiveram motivo bastante para crer que não havia sessão no dia 17 do corrente, em que foi commemorado na Camara o fallecimento dos Conselheiros Castro Mattoso e Emygdio Navarro, e como S. Exas. desejam usar da palavra nesse sentido, vou consultar a camara sobre se consente que se abra inscripção especial para esse fim.

Consultada a Camara, resolveu-se affirmativamente.

O Sr. Martins de Carvalho: - Sr. Presidente: V. Exa. acaba de communicar á camara o motivo por que os Deputados do partido regenerador-liberal não se associaram na ultima sessão á homenagem prestada á memoria tanto de Mattoso Côrte Real como de Emygdio Navarro.

Calculávamos que não havia sessão, e só por esse motivo não comparecemos aqui a prestar a homenagem que estava absolutamente no nosso espirito.

Como advogado, conheci Mattoso Côrte Real juiz da Relação e juiz do Supremo Tribunal de Justiça, e foi sempre o mais honroso possivel para S. Exa. o conhecimento que tive das suas qualidades como magistrado e como homem.

Sr. Presidente: confesso que com grande custo tomo a palavra para me associar á homenagem prestada á memória de Emygdio Navarro, e por uma razão simples: é que estão gastos com mediocridades todos os adjectivos que se poderiam applicar com justiça a um homem como o fallecido jornalista. (Apoiados).

Tudo quanto se possa dizer de um homem excepcional, como Emygdio Navarro, encontra-se, por assim dizer, compromettido e prejudicado pelo esgotamento dos adjectivos e por isso a homenagem mais própria á memoria d'elle, seria talvez um silencio justificado, para o não confundir em adjectivos com os elogios a individuos que lhe são absolutamente incomparaveis.

Sr. Presidente: Emygdio Navarro foi a matéria prima de um estadista, e foi-o num paiz onde é vulgar a materia prima para Ministros de Estado; mas foi, principalmente, um jornalista. Caracteriza-se este paiz pela uniformidade desoladora dos homens e dos factos. São elles tão iguaes na sua mediocridade que a historia do paiz podia, quasi que com vantagem, ser substituida por simples estatisticas.

Emygdio Navarro, se era incomparavel como jornalista, não foi precisamente um logico; foi antes um psychologo dominando pela suggestão, e o seu processo caracterizava-se pela harmonia do aspecto, pela maneira como elle sabia collocar qualquer questão, e collocá-la habilmente, porque esse foi sempre o mais brilhante dos seus talentos.

Emygdio Navarro tinha a singular habilidade de por tantas vezes dar à sua psychologia um tal aspecto, que chegava a apresentar a forma de uma simples verdade do senso commum.

Emygdio Na varro caracterizava-se tambem pela qualidade excepcional de, falando do tempo presente e dos factos a que estava ligado, o fazer por forma como se effectivamente estivesse seculos afastado d'elles e escrevendo acima dos homens e das circumstancias.

Como jornalista tinha um poder de improvisação verdadeiramente de orador, mas a sua penna era um singular instrumento de precisão.

Eu, que fui sempre um admirador da prosa, e que conheço pela biographia dos grandes prosadores o grande trabalho que a prosa perfeita importa, admiro principalmente em Emygdio Navarro o talento com que da simples improvisação jornalistica, immediata e espontanea, lhe saia tantas vezes uma prosa absolutamente perfeita.

Quem sabe que a naturalidade tem as suas evoluções como a propria natureza, não pode deixar de admirar o talento maravilhoso de um homem como foi Emygdio Navarro.

Como jornalista atacou por vezes com o seu estadulho proverbial e muitas vezes, ultimamente, se defendia com as argucias de um florete, mas num ou noutro processo, fosse qual fosse a phrase de evolução, elle melhor que ninguém sabia resistir a todos os ataques de todos aquelles para quem a penna é de ponta e mola.

Associo-me, como disse, á homenagem prestada por esta Camara á memoria do extraordinario talento que foi Emygdio Navarro e faço-o pessoalmente e pelo partido a que pertenço e que me confiou essa honra.
(O orador não reviu).

O Sr. Joaquim Tello: - Agradeço a V. Exa. e á Camara a benevolencia com que accederam ao meu pedido.

Vou fazer algumas referencias muito ligeiras e muito resumidas sobre o assumpto a que acaba de referir-se, com muita eloquencia, o meu illustre collega Sr. Martins de Carvalho.

Por incommodo de saude não pude assistir á sessão de quinta-feira, do que peço desculpa ao Sr. Presidente e á Camara. Também não suspeitava de que nesse dia se faria a commemoração do fallecimento de dois homens illustres, que foram membros d'esta Camara, porque do contrario, mesmo com esforço, não teria faltado.

Os homens illustres a que me refiro, sabe-o a camara são os Conselheiros Francisco do Castro Mattoso e Emygdio Navarro.

O primeiro foi um magistrado integro e um caracter de eleição.
Não foram intimas as minhas relações com o illustre extincto, mas sempre affectuosas e bastantes para apreciar os seus dotes de intelligencia e primores de caracter.

Mas a Emygdio Navarro prendiam-me relações de outra ordem. Conheci-o desde os bancos da Universidade e fui seu companheiro inseparável durante muitos annos. Com elle collaborei em tres jornaes politicos, Progresso, Correio da Noite e Novidades. Dos dois ultimos fomos até dos seus fundadores.

Durante este largo periodo não occorreu entre nós um accidente, o menor attrito que perturbasse ou empallidecesse esta affectuosa intimidade.

Vivemos sempre como irmãos, auxiliando-se e aconselhando-se consoante as forças de cada um. N'esta reciprocidade de serviços, é claro, tomei eu sempre o melhor quinhão. Devia-lhe, por isso, altas provas e muitas attenções.

A elle, principalmente, devi a situação que hoje occupo, aliás disputada então por quem se abordoava em boas influencias. Prevaleceu, porém, o patrocinio da amizade. E elle bem sabia que não distinguia um ingrato,

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porque sempre me encontrou a seu lado nos transes mais difficeis da sua accidentada vida.

Mas deixemos estes pormenores que menos valem.

Como já disse, assim vivemos muitos annos na mais affectuosa intimidade e tive então largo ensejo para apreciar as grandes qualidades d'aquelle espirito superior, d'aquelle pujante talento e daquelle coração sempre prompto a sacrincar-se por um amigo. (Apoiados), Que se livrassem, porém, de o aggredir, de o melindrar, que a resposta era certa, prompta, e por vezes violenta. Não recuava, não voltava as costas, não se cansava em largas explicações; rompia com desafogo, intemeratamente, sem medir conveniências, nem interesses de ninguem. (Apoiados).

Uma grande qualidade sobresaia n'aquelle espirito complexo-não tinha vaidades nem invejas de ninguém. Quanto mais os seus amigos cresciam em importância e consideração social, mais satisfeito vivia aquelle generoso coração. Nunca se apavorou com as conquistas dos outros. Se lhe aprazia estender a mão aos desprotegidos, envaideciam-no sempre os triumphos dos seus amigos.

Estão ahi a confirmar, entre outros, os seus prezados amigos Villaça, illustre Ministro dos Negócios Estrangeiros, e o Digno Par Dias Costa, duas glorias do partido progressista; e assim o affirmaria tambem Carlos Lobo de Avila.

A ascensão ao poder destes seus dilectos amigos foi motivo de sincero enthusiasmo para Emygdio Navarro; direi mesmo de vaidade, que só assim elle a sentia e comprehendia. (Apoiados).

Quando Emygdio Navarro voltou de Paris, para onde foi em 1892 exercer o cargo de nosso Ministro n'aquella capital, tomou nova orientação politica, discordando da minha. Por este motivo esfriaram as relações politicas entre nós, mas mantiveram-se sempre integras e com igual effusão as relações pessoaes.

Não me demorarei em traçar o perfil do seu caracter, nem a fazer o elogio das suas preclaras e excepcionaes faculdades de jornalista, que foi o primeiro do seu tempo (Apoiados), e de estadista, que deixou affirmações valiosissimas no Ministerio das Obras Publicas, que exerceu com larga e fecunda iniciativa (Apoiados), porque essa descripção já foi feita em ambas as casas do Parlamento por vozes muito mais autorizadas do que a mi nhã, e com outro relevo e brilhantismo que pela minha parte não lhe posso dar. Mas doia-me a consciência se deixasse passar este momento doloroso, sem mais uma vez affirmar todo o meu respeito, toda a minha gratidão pelo homem que foi um dos meus melhores amigos.

Antes de terminar, permitta-se-me que faça uma indicação ou melhor que dirija um pedido ao nobre Ministro das Obras Publicas, Commercio e Industria, homem de bem e espirito recto, que decerto o apreciará justamente.

É o seguinte: Emygdio Navarro nasceu em Viseu. Emygdio Navarro foi o Ministro que mais desenvolveu e radicou, entre nós, o ensino industrial e commercial. (Apoiados).

N'aquella cidade existe uma escola industrial ainda sem nome. Seria mais um preito de homenagem ao antigo Ministro das Obras Publicas mandar S. Exa. lavrar uma portaria que desse á escola industrial de Viseu o nome de Escola Industrial Emygdio Navarro. (Muitos apoiados).

É pouco, bem sei. mas será mais uma modesta affirmação de saudade por aquelle que foi um cidadão illustre e um amigo dedicado. (Vozes: - Muito bem).

Peço desculpa á Camara dos momentos que lhe roubei, mas pareceu-me que era este o meu dever.

(S. Exa. foi cumprimentado).

(O orador não reviu).

O Sr. Ministro da Guerra (Sebastião Telles): - Pedi a palavra para mandar para a mesa uma proposta de lei.

Para não tomar tempo á Gamara, farei mui rapidamente a sua leitura, dispensando-me de ler o seu relatorio.

É a seguinte:

(Leu).

(Vae publicada no fim da sessão).

O Sr. Ministro das Obras Publicas (D. João de Alarcão): - Apesar das más condições da Camara, consegui ouvir dizer no discurso do Sr. Deputado Joaquim Tello, que desejava que, em homenagem a Emygdio Navarro, fosse dado o seu nome á escola industrial de Viseu. Pedi pois a palavra para me associar calorosamente ás palavras que S. Exa. proferiu em homenagem ao Conselheiro Emygdio Navarro, cujo fallecimento todos deploramos.

Foi o Ministro de mais larga iniciativa que tem passado pelo Ministerio das Obras Publicas, e é pois agradável associar-me a essa manifestação a que o illustre Deputado se referiu.

Tenho dito.

(O orador não reviu).

O Sr. Ministro da Marinha (Moreira Junior): - Começo por mandar para a mesa a seguinte

Proposta

Senhores. - Em conformidade do disposto no artigo 3.° do Primeiro Acto Addicional á Carta Constitucional da Monarchia, o Governo pede á Camara dos Senhores Deputados permissão para que possa accumular, querendo, o exercicio das suas funcções legislativas com o do seu emprego e commissões dependentes deste Ministerio o Sr. Deputado Ernesto Julio de Carvalho e Vasconcellos.

Secretaria de Estado dos Negocios da Marinha e Ultramar, em 21 de agosto de 1905. = Manoel Antonio Moreira Junior.

Foi approvada.

Aproveito o ensejo para ler á Camara o relatório referente á situação economica e financeirajdas nossas colonias e propostas da minha pasta.

(Leu.)

Vae publicado no fim da sessão.

O Sr. Oliveira Mattos: - Antes de entrar no assumpto para que pediu a palavra, seja-lhe permittido associar-se ao voto de sentimento que esta Camara deliberou lançar na acta da sessão pelo fallecimento dos antigos deputados Francisco Mattoso Côrte Real e Emygdio Julio Navarro.

Não esteve presente a essa sessão e por isso só hoje o pode fazer.

Outros, com mais auctoridade e competência, fizeram já o elogio dos illustres extinctos; mas elle, orador, faltaria ao seu dever se, na primeira occasiào em que lhe coube a palavra, não se associasse, com a mais profunda magua, á commemoraçâo pela morte desses dois grandes vultos, que foram seus particulares amigos, durante um longo periodo de quasi trinta annos.

Elle, orador, viveu na intimidade de ambos, Conservando sempre uma amizade inalteravel, ainda nos periodos mais accesos das luctas politicas e até quando discordava por completo das opiniões por elles sustentadas, como succedeu muitas vezes com Emygdio Navarro, pois, através de tudo, nunca deixou de lhe reconhecer os seus grandes meritos e excellentes qualidades.

Hoje todos pensam da mesma forma; mas o que é triste é que seja necessario que venha a morte, e quasi sempre com ella a miseria e a pobreza da familia, para que se faça justiça, a intriga cesse e a calumnia se cale.

Sem se alongar nas considerações a que se prestavam

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a vida d'estes dois antigos Deputados, remata esta parte do seu discurso, dizendo que Mattoso Côrte Real foi um magistrado integerrimo, respeitadissimo, que deixou um vacuo importante na magistratura portugueza, e que Emygdio Navarro foi um estadista de larga iniciativa, um jornalista notável, o primeiro da imprensa do nosso paiz.

Passando agora a outra ordem de considerações, áquella para que pedira especialmente a palavra, promette ser muito breve, porque, convalescente ainda, não lhe pode dar a extensão que o assumpto requeria.

Embora tivesse pedido a palavra quando falava o Sr. Pinto dos Santos, é seu dever responder em primeiro logar ao Sr. Pereira dos Santos, leader da opposição regeneradora.

Não pode deixar sem resposta, e até sem protesto, algumas considerações de S. Exa. quando se occupou do que se passou na ultima sessão.

E Deputado desde 1886, e a Camara conhece-o bem para saber que disse sempre o que pensava com toda a hombridade e franqueza. Accusavam-no até de violento e irrequieto, mas agora vae ser o mais sereno possivel, não só porque assim lho exige o seu estado de saude, mas porque a ei proprio se impoz esse dever.

O Sr. Pereira dos Santos, commentando o que se passou na penultima sessão, irritou-se e, embora reconhecesse que se tratava, em grande parte, de uma questão pessoal com que nada tinha, referiu-se constantemente a ella.

Elle, orador, não o seguirá neste caminho, porque as questões pessoaes cada um as dirime e liquida como quer. O que faz apenas é lamentá-las.

O Sr. Pereira dos Santos entrando no caminho das recriminações foi injusto, e depois na apreciação da crise foi infeliz, porque o que se deu agora com a saida do Sr. Alpoim é o mesmo que se dá em todas as crises.

O Sr. José d'Alpoim discordou dos seus collegas num assumpto de administração. Ora como não eram os outros que estavam em maioria que haviam de sair para que a opinião de S. Exa. prevalecesse, foi S. Exa. quem teve de abandonar os Conselhos da Coroa. O mesmo succedeu com o Sr. Teixeira de Sousa, quando foi substituido pelo Sr. Pequito, e dessa vez com a aggravante de que todo o paiz, do norte ao sul, se tinha insurgido contra as medidas de S. Exa.

E o que aconteceu agora. Nada mais simples; saiu um Ministro, entrou outro.

Já disse quanta falta fazia n'aquella camara o brilho da palavra eloquente do illustre estadista Sr. Alpoim, e agora não pode deixar de se referir, apresentando-lhe a homenagem dos seus respeitos, ao seu prezadissimo amigo Sr. Arthur Montenegro, que decerto, pelo- seu talento, pelo seu caracter, pela sua intelligencia, tantas vezes comprovada nos debates parlamentares, como o tem sido na Universidade, desempenhará o seu mandato com brilho e proveito publico.

Reduzida assim a crise á sua expressão mais simples, vê-se bem que ella não vale tantos alardes, tantas censuras, tanto alvoroço como o que se tem feito.

Poderão objectar-lhe que foi em condições excepcionaes que se deu essa crise; mas realmente não foi. Divergencias de opiniões dão-se todos os dias, como se dão em todas as aggremiações maiores ou menores. No próprio Parlamento se tem visto por vezes um dos membros dessas commissões não concordar por absoluto e completo com as medidas dos seus correligionarios, não as apoiar, não as votar. Elle proprio, orador, já por vezes se tem permittido a liberdade de discordar da marcha seguida por Ministros que apoia e defende.

Deve ainda dizer, já que vem a talhe de foice, que nunca o nobre chefe do partido progressista, quer fosse Presidente do Conselho, quer estivesse simplesmente em sua casa, como chefe do partido, obrigou um correligionario a fazer aquillo que não deveria fazer, a proceder contra, a sua consciencia. Nunca S. Exa. teve imposições para com ninguém. Não pode haver a menor duvida sobre istu. A Camara é testemunha das vezes que elle, orador, tem discordado de diversas medidas ou resoluções dos Governos que apoia. Assim tem procedido sempre, quando a sua consciencia lho determina. Nenhuma dependencia o prende, nem ao Governo, nem ao partido, nem ao chefe; e note-se que não se reputa, nem mais independente, nem mais modesto do que os seus correligionarios; todos são iguaes perante o respeito e estima do seu chefe.

Não admitte imposições de ninguem e tambem as não faz.

Reputa-se, pelo menos, tão honrado, tão digno, tão brioso como todos os seus amigos e adversarios. Não vive da politica, nunca exerceu um logar publico remunerado no seu paiz, nunca fez cousa que pudesse prender a sua palavra, ou o seu voto.

Pode affirmar isto bem alto, como aquelles que bem alto podem levantar a sua voz.

Quando defender qualquer acto do Governo é porque está convencido de que é um acto de boa administração, um acto moral. Desafia seja a quem for a que conteste esta asserção. Nunca a sua palavra, modestissima como é, nunca o seu nome honrado esteve ao serviço de interesses particulares desta ou d'aquella companhia, e se por qualquer circunstancia assim não pudesse fazer, saia as portas do Parlamento para nunca mais ali voltar. Faz a justiça de suppor que todos os seus collegas pensam como elle, orador.

Divergir de opiniões é uma cousa; defender os interesses da nação é outra.

Se elle, orador, tivesse a certeza de que no Governo que apoiasse havia um Ministro que atraiçoava os interesses que lhe estavam confiados, favorecendo os interesses de qualquer companhia ou grupo financeiro, seria o primeiro a accusá-lo.

O seu illustre amigo Sr. João Pinto dos Santos, a quem não se cansa de prestar a mais sincera homenagem da sua consideração pelo seu caracter e intelligencia, historiou no seu discurso o que se tinha passado na commissão de fazenda. Fê-lo com áquella hombridade e independencia que todos, como elle, orador, lhe reconhecem.

Não quer discutir agora o contrato dos tabacos, que não está em discussão, mas sim o incidente da commissão de fazenda, do qual unicamente poderão ser expositores aquelles que pertenceram a essa commissão, e que começaram os seus trabalhos na maior concordancia de ideias.

Os factos ali occorridos só podem ser recordados pelos que os presenciaram e nem mesmo conhecidos pela respectiva acta, pois que todos sabem como são feitas as actas das sessões de commissões.

Não é que na commissão de fazenda se tivesse passado qualquer facto que não possa ser relatado; e diz isto bem alto.

Nada ali se fez nem disse que seja contra a honra e dignidade de ninguem. Assim pode garantir á Camara que ninguem na commissão de fazenda recebeu com o tom de desprezo as propostas apresentadas pelo seu illustre amigo, o Sr. Centeno. O illustre presidente da commissão, o Sr. Marianno de Carvalho, ao referir-se a ellas, não foi com o intuito que se lhe attribue.

Se S. Exa. assim falou, foi isso devido ao seu génio faceto e chalaceador, que todos lhe reconhecem. Ao Sr. Marianno de Carvalho, que é um humorista, um homem de grande talento e que sobretudo n"1o duvidou fazer, o sacrificio de ir presidir áquella sessão numa cadeira, ás costas de dois homens, devia-se relevar tal facto, tanto mais que d'ahi não resultava offensa para ninguem.

O outro ponto principal e importante a que S. Exa. se referiu, como tambem o Sr. Pereira dos Santos, é que

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no contrato dos tabacos havia luvas a Reilhac. Não é verdade. É perfeitamente injusta tal asserção.

E se porventura as houvesse, então tambem as havia no contrato de 16 de junho...

(O discurso será publicado na integra quando o orador restituir as notas tachygraphicas).

O Sr. Pereira de Lima: - A camara acaba de ouvir o brilhante discurso do illustre parlamentar Sr. Oliveira Mattos, conceituado entre a maioria como um dos seus primeiros. Escolhido para relator da questão mais difficil, a dos tabacos, decerto S. Exa. marcará um cunho indelével a esta discussão, sendo o primeiro a tratar d'ella em defesa do Governo.

O Sr. Oliveira Mattos principiou, tem pena em dize-lo, por uns prenuncios de mau agouro, por uma commemoração funebre; na segunda parte tratou de defender o Governo; mas elle, orador, confessa que não percebeu se era defesa ou ataque; a terceira parte foi um capitulo de romance especial, que se poderá intitular - romance R. X. e Companhia.

Quanto á primeira parte dirá que o Sr. Oliveira Mattos teve occasião, antes da ordem do dia, para render esse preito de homenagem. Começando S. Exa. por uma oração funebre, deu a impressão de que o Governo estava já, não na agonia, mas em principio de enterro.

Já na outra Camara um dos marechaes mais importantes do partido progressista, querendo congratular-se com o Governo pela sua subida aos conselhos da Coroa, começou tambem por um elogio funebre. Entra o Governo, elogio funebre; está o Governo em agonia, elogio funebre. Se isto não é de mau agouro, as pessoas menos supersticiosas não o deixam de considerar assim.

De resto elle, orador, pergunta a si proprio, não com muita admiração, mas com espanto, se porventura nas cadeiras do poder ainda está o Ministerio organizado pelo Sr. José Luciano de Castro, se na cadeira do Ministro da Fazenda ainda se encontra o Sr. Espregueira.

Recorreu o Sr. Oliveira Mattos a propósito do discurso do Sr. Presidente do Conselho, ao summario da respectiva sessão; mas deve observar que não é elle talvez a affirmação exacta d'aquillo que se passou na Camara, não porque no serviço tachygraphico não estejam individuos competentes, mas sim porque o respectivo quadro está reduzido. Ainda assim o que consta do summario já é o bastante para se comprehender que de ha muito tempo até esta data não houve uma sessão mais dolorosa para as instituições politicas do que aquella.

Admira que ainda depois disto haja a coragem de se conservar, não diz a mesma situação, mas intacto o actual Ministerio. Não se pode dizer que seja um Ministerio progressista, apesar de estar á sua frente o Sr. Luciano de Castro. Não é tambem um Ministerio das mil e uma noites, mas é, pelo menos, o Ministerio das mil e uma maravilhas. Não dirá a razão por que assim o apoda, porque a camara ficaria enfastiada, e ainda porque não é esta a hora mais propria para fazer do actual Ministerio a historia irónica, ou a historia politica.

O Sr. Presidente do Conselho, que era na opposição um paladino da divisão das duas operações, apenas chegou ao poder não fez mais do que seguir o systema que condemnou.

S. Exa. veio ao Parlamento fazer amende honorable; vem dizer: onde digo, digo que não digo, porque entendeu que a melhor maneira de levar a fim a operação financeira dos tabacos era confundindo as duas operações.

Onde estão portanto todos esses vituperios, todas essas objurgatorias, todos esses discursos proferidos pelo partido progressista, quando fazia parte da minoria?

Onde está o seu patriotismo?

Onde está a honestidade que do lado onde elle, orador, se senta actualmente tanto se apregoava?

O que se vê, dados os factos occorridos no seio da commissão e os que se teem dado na Camara, é que as modificações que se não queriam fazer, fizeram-se, e que o ponto principal que se pregava na opposição que se devia fazer, e que a opinião publica ultimamente reclamava, não se fez. Aqui está resumida a situação do Governo, que é insustentavel.

Pelo que respeita á crise, o illustre Deputado Sr. Oliveira Mattos proferiu, a tal respeito, palavras tão ambiguas, que difficilmente elle, orador, se pode guiar por ellas; e, não querendo referir-se á questão Reilhac, não querendo saber se lhe é dada ou não participação nos lucros, limita-se a dizer que não tem relações financeiras com grupo algum, nem desta terra, nem de terra estranha. Pela sua parte não vae por gregos, nem por troyanos.

Deu o seu recado, conforme entendeu em sua opinião, mostrando que a posição do Governo é insustentavel; que as suas opiniões são contraditorias, que a posição de alguns dos Ministros e da membros da commissão é insustentável perante o paiz e a maioria, e que, portanto, o Sr. José Luciano de Castro, que tão elevadamente tem presidido até hoje ao seu partido - áparte as occorrencias que se teem dado n'este ultimo periodo, a que a historia constitucional deve chamar o periodo nicotino - deve saber o que lhe cumpre fazer, n'esta hora angustiosa e perigosa que o paiz está atravessando.

(O discurso será publicado na integra quando o orador restituir as notas tachigraphicas)

O Sr. Conde de Penha Garcia: - Tendo feito parte da commissão de fazenda, e tomando a palavra n'esta discussão, ha de dizer a sua opinião francamente, como sempre o tem feito em toda a sua vida, sem agravo para ninguem.

Antes, porem, seja-lhe permittido alludir, em poucas palavras, ao discurso do illustre Deputado Sr. Pereira de Lima que, com a sua forma sempre ironica, a qual tão bem lhe vae, começou por fazer notar que em hora angustiosa, funesta e de maus prenuncios, o Sr. Oliveira Mattos lançara o seu discurso em defesa do Governo. Ora, as cousas funebres nem sempre são de mau agouro, e diz um velho proverbio, que quem espera por sapatos de defunto, muitas vezes tem que esperar largos annos.

Pelo que respeita ao que se passou na commissão de fazenda, parece que o illustre Deputado estava mal informado. Não foi, como se julga, sobre os pontos de detalhe, sobre as modificações, que cabiam nas linhas geraes do contrato apresentado á Camara, que se levantaram duvidas entre a commissão e o Governo.

Sobre isso, as declarações do Sr. Presidente do Conselho foram categoricas e, dentro d'ellas, todos procuraram, com o seu trabalho, resolver a questão. O Governo não poz facas ao peito a ninguem; a todos deu plena liberdade para discutir e votar o contrato dos tabacos, dentro do seu criterio.

Disse tambem o Sr. Pereira de Lima que a opposição nem sequer Bestava representada na commissão de fazenda.

Ainda nesta asserção S. Exa. não corresponde, inteiramente, á verdade dos factos, porquanto o presidente da commissão é o Sr. Conselheiro Marianno de Carvalho, e não consta que S. Exa. seja, nem partidario dos progressistas, nem dos regeneradores.

Respondidos, ainda que rapidamente, os principaes pontos do discurso do Sr. Pereira de Lima, para que não fiquem duvidas no espirito de quem não conhece a fundo esta questão, seja-lhe permittido referir-se ao assumpto trazido á camara pelo Sr. Presidente do Conselho: a questão politica e a crise partidaria.

Pelo que respeita á crise politica, uma palavra dirá, apenas, e que traduz o intimo do seu pensamento: lamenta-a profundamente; e, se alguma cousa pode suavizar

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a sua magua de ver sair do seu logar, no Governo, o Sr. Conselheiro José de Alpoim, é vê-lo substituido pelo Sr. Arthur Montenegro, distincto membro do partido progressista, que se tem assignalado pela sua aprimorada intelligencia, merecendo, de todos, a maior estima e consideração.

Alludindo, ainda, á divisão de opiniões no seio da commissão, a propósito da separação, ou não, das duas operações na questão dos tabacos, diz que um exame, ainda que rapido, dos documentos que acompanham o contrato que foi distribuido, levou-o ao convencimento de que nenhuma das propostas apresentadas, quanto á forma da separação das operações, representava, só por si, maiores vantagens do que essa mesma forma, mettida na conjugação das operações.

Pelo que respeita á conversão, encontrava uma offerta em condições iinanceiras taes, como não se encontra em nenhum outro contrato, li isto só, se não lhe bastasse a fé, a consciencia e a lealdade politica e partidaria que deve a todos os homens do seu partido; se não bastasse o facto de, pelo seu exame pessoal, não encontrar um facto concreto que o autorizasse a suppor que da separação das operações adviria uma vantagem; se não bastasse isso, da própria declaração do Sr. Presidente do Conselho lhe resultaria a convicção de que da separação das operações não proviriam melhores resultados financeiros.

Mais ainda. Tratando-se de uma questão que agitava a opinião publica, elle, orador, tinha o dever de segui-la e estudá-la; e, quando foi para a commissão de fazenda, já pelos trabalhos anteriormente feitos, já pelo estudo dos documentos, levava a convicção de que o contrato dos tabacos celebrado pelo Governo, era o melhor de todos os contratos apresentados á sancção parlamentar. E assim o considera ainda hoje.

De resto, sendo necessario sair do regimen de 1891 a que estamos acorrentados; sendo necessario fazer um novo contrato dos tabacos é sua opinião que se aproveite agora este ensejo, quando as circumstancias se apresentam tão extraordinariamente favoráveis para nos libertarmos do peso da divida fluctuante externa, pondo o Thesouro em condições de realizar a grande operação economica e financeira de ter o cambio ao par.

As vantagens que, a seu ver, se encontram no contrato, de que a camara vae occuparse, sobre o contrato de 1891, são: 1.°, quanto á renda, um augmento consideravel que ascende a cerca de 1.000:000$000 réis, fazendo entrar já em linha de conta a partilha de lucros; 2.°, quanto á operação financeira de um emprestimo, um beneficio immediato, derivado sobretudo da diminuição do encargo da divida fluctuante consolidada dos titulos de 4 por cento, que se pode computar em 1.100:000$000 réis, o que dá uma vantagem immediata de 2.100:000$000 réis; 3.°, a libertação possivel e facil do actual regimen do monopolio, logo que expire a nova concessão, cujo prazo se reduziria a 19 annos; 4.°, a faculdade do reembolso em prazo tão curto, porque basta a denuncia, a partir de 1915, para que o Governo o possa realizar.

Ora esta faculdade de reembolso é só por si um privilegio vantajoso, porque as condições do mercado variam sem pré de momento para momento: 5.°, a modificação no actual preço do tabaco, o que é tambem vantajoso porque, desde que se permitte alterar esse preço, do tabaco, o rendimento do exclusivo augmenta proporcionalmente, é facto; mas, para o consumidor, não é differente que se mantenha o preço actual; 6.°, o direito de opção, o qual representa um dos elementos mais valiosos, uma das conquistas mais effectivas do futuro do contrato.

Expostos estes motivos, que o levaram a approvar o contrato na commissão, dirá mais que, se se convencesse, realmente, de que o Governo do seu paiz tinha faltado ao seu dever e não tinha, numa questão ponderosa, sabido corresponder á confiança que n'elle depositava todo o partido progressista elle, orador, sabia o caminho que tinha a seguir.

Para si, a questão dos tabacos é, puramente, uma questão de administração.

É assim que ella deve ser discutida nesta Camara. Deante da franqueza e sinceridade de uma discussão parlamentar, aberta e franca desapparece qualquer questão pessoal, para só se ver o interesse do paiz.

(O discurso será publicado na integra quando o orador restituir as notas tachygraphicas).

O Sr. António Centeno: - Sr. Presidente: pedi a palavra na ultima sessão porque no correr do debate por varias vezes foi proferido o meu nome, como tendo apresentado na commissão de fazenda a proposta da qual resultou o incidente que estamos discutinde.

Antes, porém, de entrar nas minhas considerações, permitta-me a camara que não só por motivos politicos, mas por consideração pessoal, me refira ao Sr. Conselheiro Montenegro, que pela primeira vez vejo sentado nos Conselhos da Coroa. Os altos méritos de S. Exa. e a sua larga folha de serviços ao paiz e ao partido progressista, a nobreza e distincção do seu caracter, conhecido de todos, amigos e adversarios, receberam a consagração que de direito era devida. (Apoiados).

Feito este cumprimento, que é tão grato ao meu coração como á minha consciencia, apresso-me a declarar a V. Exa. e á camara que serei muito breve, e que não discutirei a questão dos tabacos, que não está na ordem do dia, muito embora o pudesse fazer, aproveitando o ensejo offerecido pelo Sr. Presidente do Conselho e pelos distinctos oradores que teem trazido essa questão para o campo do debate.

Tambem não quero cansar a Camara renovando as narrações do incidente passado na referida commissão.

Não faria senão repetir, com menos brilho e menor lucidez, a exposição de lactos e as affirmações feita pelo meu querido amigo o Sr. João Pinto dos Santos.
O illustre parlamentar, com o calor que dá uma convicção profunda e a nitidez própria de uma grande consciencia (Apoiados), tudo contou, e nada, absolutamente nada do que disse soffreu a mais leve impugnação. (Apoiados}.

Não discuto, Sr. Presidente, se a separação ou a conjunção das operações, adjudicação do exclusivo e conversão, qual das duas será mais util, mais necessaria ou mesmo indispensavel.

Não discuto se o quantum da renda é o que deve ser, ou está abaixo d'aquillo a que o Estado tem direito a receber.

Não discuto se o encargo real da operação, resultante da conversão, é justificado ou não perante a situação financeira do paiz e o seu crédito no estrangeiro depois de realizado o convenio.

Não discuto ainda se ha equivalencia entre os beneficios que deste contrato adveem agora para o nosso orçamento e os encargos e peias administrativas que da sua prolongação resultam. (Apoiados).

Não discuto nem analyso este contrato tão nocivo, tão pernicioso, que traz no seu seio germens de tantos males que as próprias emendas n'elle introduzidas ainda mais avolumam as difficuldades que hão de acarretar ao paiz, ao mesmo tempo que enche de ouro as arcas dos financeiros n'elle interessados. (Muitos apoiados).

Sr. Presidente: estas emendas inutilizara qualquer futura conversão, tornando-a impossivel em 1926, ao findar o periodo da duração do exclusivo, e portanto são illusorias todas as faculdades que parecem ser concedidas ao Estado, para este, n'aquella data, ou mais tarde, durante os sessenta annos da vida do emprestimo, poder libertar-se dos monopolistas e assumir o exercicio da industria dos tabacos. (Muitos apoiados).

Sr. Presidente: eu me explico. Na emenda ou antes

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na substituição do já famoso e bem conhecido artigo 15.° estabelecia-se que o Estado em 1926, epoca marcada para o fim do monopolio, não poderia tomar conta do exclusivo, libertar-se dos monopolistas, sem que previamente estivessem integralmente pagas, reembolsadas todas as obrigações do emprestimo, ou então, quando o pagamento do reembolso estivesse efficazmente garantido.

Sr. Presidente: explica-me o que é esta garantia efficaz? Attenda V. Exa. bem: esta garantia efficaz é o deposito integral, em especie, de toda a importancia das obrigações antes de se iniciar a operação, na mão dos banqueiros que fazem o serviço.

São os mesmos que agora assignam este contrato, de maneira que para o Estado acaba-se a possibilidade de poder fazer qualquer transacção que não seja com elles.

Por esta clausula tão espantosa fica assim desde já prorogado por sessenta annos o monopolio dos tabacos. Depois d'isso ainda a companhia exige, para garantir qualquer eventualidade de futuro, que a partir de 1926 o Estado lhe garanta para a exploração dessa industria, depois de effectuar as contas que ella organiza e as despesas que realiza, o juro de 6 por cento que ha de sair, se tanto for preciso, da renda fixa que ella tem de pagar.

Sr. Presidente: é preciso falar claro, dizer-se tudo, que o paiz saiba o que o espera no futuro com o tal contrato dos tabacos. Eu não posso deixar de vir aqui soltar um grito de angustia e de dor no seio do Parlamento contra o que se pretende fazer.

N'estas emendas muitas outras cousas ha que eu podia agora referir, mas isso afastava-me do cumprimento da promessa que fiz a V. Exa. e á Camara, de não me demorar na discussão da questão dos tabacos, por não ser esta a occasião propria...

O contrato virá ao Parlamento como deve vir, e então cada um terá ensejo de dizer da sua justiça e da sua razão.

Não é um proposito - e estou convencido de que fazendo esta affirmação a faço em nome d'aquelles que como eu se filiam no partido progressista - nem a mais leve ideia de levantar conflictos politicos. (Apoiados).

Temos sido accusados de termos pronunciado phrases e descido a minucias improprias da gravidade e da seriedade do Parlamento. Appello para V. Exa., e a V. Exa., que com tanta dignidade (Muitos apoiados) tem presidido ás nossas sessões, eu peço que me diga se alguma vez tem intervindo, usando dos meios que o regimento lhe faculta, para evitar desmandos de phrase ou incorrecções de proceder. (Apoiados).

Somos tambem accusados de procurar entravar a acção governativa do Gabinete, protelando a discussão parlamentar por meio de discursos numerosos e longos.

Prometti que hei de ser breve, se-lo-hei, e áquelles que, como eu, embora militando nas fileiras do partido progressista, não sentem sympathia pelo contrato dos tabacos, e se inscreveram neste incidente, eu exorto a que desistam da palavra, a que mais não falem sobre este assumpto.

Faço lhes esta supplica em nome dos altos interesses do paiz, e até em nome da honra partidaria.

Eu bem sei que se faz erguer deante de nós a ameaça da dissolução, e se tal ameaça se praticar na realidade, não seremos nós que queiramos provocá-la. Fortes na nossa consciencia, cumprimos sempre o nosso dever como portuguezes, como Deputados e como membros do partido progressista (Apoiados), embora separados do Governo numa questão que o proprio Sr. Conde de Penha Garcia classificou de unicamente administrativa.

Se essa dissolução vier mais tarde, eu e os meus amigos, n'essa occasião, frisaremos mais uma vez que a dissolução ha de fazer se unica e exclusivamente por causa do contrato dos tabacos. Reclamamos a sua discussão o mais breve possivel. Nós não nos queremos furtar ao estudo de um assumpto que tanto interessa ao paiz, mas fique bem clara e registada a seguinte declaração: dissolução agora, dissolução mais tarde, é o contrato dos tabacos o garrote dos que divergem a seu respeito.

Tenho dito.

(O orador não reviu).

O Sr. Antonio Cabral (sobre a ordem): - Em harmonia com as prescripções do regimento, manda para a mesa a seguinte

Moção

"A Camara, satisfeita com as explicações do Governo, approva o seu procedimento, e passa á ordem do dia. = Antonio Cabral".

Nunca ninguem, dentro desta casa do Parlamento, se encontrou como hoje elle, orador, em posição mais difficil e embaraçosa; porque, se por um lado tem amizades profundas, que não renega, e recordações que durarão toda a vida, por outro lado tem o seu partido, o Governo e o seu chefe respeitado, de quem tem recebido tantas provas de affecto e estima, que seria o maior dos ingratos se não viesse sustentá-lo com o seu voto.

Por isso é difficil e embaraçosa a sua situação. Como, porém, nunca lhe repugnou seguir o caminho direito, estando bem com a sua consciencia, continuará nesse caminho do dever, vindo perante o Parlamento e o Governo do seu paiz por a sua desvaliosa personalidade ao serviço do seu partido e d'esse Governo.

Pelos seus adversarios politicos, que muito respeita e admira, é accusado de ser facciosamente partidario. Se-lo-ha; e, por isso mesmo, lamenta essa crise partidaria, porque outra cousa não é esse triste espectaculo a que ha longos mezes se vem assistindo. Deplora as guerras civis; que fazem correr sangue entre irmãos; e, por isso mesmo, lamenta e entristece-se quando vê que se cruzam espadas de individuos que pertencem á mesma nacionalidade. Por isso lamenta a guerra civil que se travou no seu partido. E elle, orador, que tantas vezes, estando na opposição, se orgulhava de ver que no seu partido havia firmeza, união e obediencia respeitosa ao seu chefe, vê hoje que os seus adversarios se devera orgulhar e rir, por verem que no seio do partido progressista, esse nobre e valente partido liberal, ha divergencia e lutes que veem desvirtuar as melhores acções.

Confia, porém, em que ha de haver um lampejo de luz em cérebros, talvez obcecados, e que todos, firmes e unidos como irmãos, á sombra da bandeira do partido liberal, hão de combater os seus verdadeiros adversarios, chegando ao fim commum: - o bem do paiz.

Pode, porventura, haver portuguezes que não vejam que tudo isto redunda em prejuizo do paiz e de mais ninguem?! Poderá haver quem não veja que de tudo isto resultam apenas divisões, lutas, "lavar de roupa suja", que a ninguem ennobrecem?! Pode porventura haver no paiz, quem não esteja convencido de que é necessario que haja partidos unidos, disciplinados, aos quaes presida uma ideia fixa, a de desenvolver e fomentar todos os differentes ramos da nossa actividade?!

Convencido de que não ha absolutamente ninguém que não tenha essa ideia, elle, orador, nutre, no mais intimo da sua alma, a esperança de que em breve ha de terminar essa luta de irmãos, essa divisão no partia do, reconhecendo todos no mesmo chefe, aquella autoridade que a todos se impõe pelo seu caracter, pelas suas qualidades e pelo seu passado de Ministro, e que todos hão de seguir o mesmo caminho glorioso que até hoje tem seguido o velho partido progressista.

Mas, se porventura essa obcecação continuar, elle, orador, dirá, ao Governo, não cpm a auctoridade da sua palavra, porque não a tem, mas com a pequena auctoridade da situação que o Governo lhe deu, que elle pode contar com a sua maioria porque tem a seu lado dedicações que não se confundem. Por sua parte está conven-

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cido de que em toda a grande maioria desta Camara ha pelo Governo aquella dedicação que se deve ter por um Governo que está trabalhando unica e simplesmente a bem do seu paiz.

Quando, ha pouco, em França se deu a crise politica, que deu logar á saida do Governo do grande estadista, cujo nome está preso á historia d'aquelle paiz - Delcassé -, o parlamento irancez não apresentou o triste e deploravel espectaculo que o Parlamento portuguez está apresentando.

Pois pode, porventura, uma crise estorvar a acção de um paiz e não deixar que um Governo siga o caminho que deve seguir? Não pode, nem deve ser assim.

Sentindo-se fatigado e sabendo achar-se inscrito, para antes de se encerrar a sessão, o Sr. João Pinto dos Santos, elle, orador, pede que seja consultada a Camara sobre se permitte ficar com a palavra reservada para a proxima sessão.

Consultada a Camara resolve affirmativamente.

(O discurso será publicado na integra quando o orador restituir as notou tachygraphicas).

O Sr. João Pinto dos Santos (para explicações): - Eu interrompi o illustre Deputado e meu amigo o Sr. Oliveira Mattos, quando estava fazendo referencia ao que se tinha passado na commissão de fazenda, mas S. Exa. não pôde permittir-me essa interrupção porque estava então respondendo a um áparte do illustre leader da minoria regeneradora, o Sr. Pereira dos Santos.

Tomei então a deliberação de pedir a palavra para explicações, antes de se encerrar a sessão, e a camara consentiu que eu usasse d'ella. Prometto ser breve.

Eu disse aqui que na commissão de fazenda o illustre Presidente do Conselho tinha feito a declaração de que com o contrato que o Governo apresentara ficava liquidada a questão Reilhac. (Apoiados).

Disse isto e não disse mais nada; não disse que havia participação ou que deixava de have-la, e o illustre Presidente do Conselho, com a nobreza que lhe é própria, respondeu o que a Camara toda conhece, não fazendo a, contestação d'aquillo que eu affirmara, limitando-se a dizer que o dinheiro não saia do Estado.

Não disse a maneira como se realizava a operação, nem eu a isso alludi.

N'essa mesma sessão o illustre Ministro da Fazenda, o Sr. Conselheiro Espregueira, fazendo tambem referencia este assumpto, disse umas cousas que podiam parecer o contrario do que dissera o Sr. Presidente do Conselho, mas fiquei tão tranquillo que nem sequer fiz notar a resposta jesuitica de S. Exa., que bem fazia lembrar a do frade, sacudindo as mangas e affirmando que por ali ninguem tinha passado.

Disse que não tinha havido ou que tinha havido trocas e baldrocas e eu não me importei nada com o que S. Exa. disse porque não reclamavam contestação as suas palavras.

Hoje, porém, o Sr. Oliveira Mattos voltou a referir-se a esta questão, e em vista disso eu tenho de affirmar categoricamente o que se passou; narrarei então, que, depois das palavras do Sr. Presidente do Conselho sobre a questão Reillhac, o Sr. Centeno disse-lhe que tivesse cuidado em regular o negocio para que não fizesse da mesma forma como tinha ficado em 1891. Não foi portanto, uma só palavra pronunciada pelo Sr. Presidente do Conselho, foi um caso debatido.

Não foi uma palavra unicamente pronunciada, foi uma cousa debatida entre o Sr. Antonio Centeno e o Sr. Presidente do Conselho.

O Sr. Antonio Centeno lembrou que tinha havido uma auctorização para liquidar a questão Reilhac. Não se fez essa liquidação e agora apperecem as mesmas exigencias.

Não fiz affirmações; limitei-me a dizer o que se tinha passado na commissão de fazenda.

Tenho sempre a coragem dos meus actos, e não queria que, num ponto tão fundamental como este, pudesse haver qualquer suspeita de que, tendo feito uma affirmativa, viesse agora dizer o contrario.

O Sr. Presidente do Conselho declarou em plena commissão que uma das vantagens do contrato dos tabacos era a liquidação da questão Reilhac.

Como a Camara vê, não se tratou de simples palavras proferidas por incidente; foi uma questão debatida. Ninguem o pode negar. Se alguem o fizer, eu bem sei que não é no Parlamento que se dirimem e resolvem as questões de honra.

Outros campos ha para isso.

Tenho dito.

(O orador não reviu).

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros (José Luciano de Castro): - Sr. Presidente: pedi a palavra, porque não posso deixar sem resposta o que acaba de dizer o Sr. Pinto dos Santos. Eu nunca disse que para Reilhac saia qualquer quantia dos cofres do Estado. O que disse foi que, se se dava qualquer quantia a Reilhac, ou a qualquer outra pessoa, ella não saia nem do contrato dos tabacos nem dos cofres publicos.

Repito simplesmente: se se dá qualquer quantia a Reilhac, nem sae dos cofres publicos nem do contrato dos tabacos.

É exactamente isto que eu quero que fique bem claro.

Não me posso lembrar de todas as palavras que disse na commissão de fazenda, mas posso repetir o meu pensamento.

Eu disse que este contrato tinha, entre outras vantagens, a de liquidar a questão Reilhac, porque ficava assegurada a cotação dos fundos portuguezes.

Grande sussurro.

Ápartes.

Interrupção.

O Orador: - Na commissão não se falou em dar qualquer quantia a Reilhac ou a qualquer pessoa. (Apoiados}. O que eu disse foi que a questão Reilhac ficava resolvida. (Apoiados}.

Se eu disse que ficava resolvida a questão Reilhac, foi porque pelo contrato era assegurada a cotação dos fundos portuguezes.

Portanto, suppunha que, como consequencia, ficava tambem resolvida a questão Reilhac.

Ápartes.

Sussurro.

Uma voz: - O que Reilhac quer é dinheiro.

O Orador: - A questão Reilhac tinha influido na cotação dos nossos fundos, e desde que o Governo Francez concedesse a cotação das obrigações, isso indicava que estavam vencidos todos os attritos e que a questão Reilhac deixava de influir na cotação. Se não empreguei a palavra - cotação - pelo menos o meu pensamento, a minha ideia foi essa. (Apoiados}.

Ápartes.

Se no contrato de 4 de abril ha alguma cousa a respeito de Reilhac, tambem havia no contrato de 16 de julho. (Apoiados).

Interrupções.

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O Sr. Pereira dos Santos: - No contrato de 16 de julho não havia nada sobre isso.

Trocam-se outros ápartes. Agitação.

O Sr. Presidente (agitando a campainha): - Peço ordem.

O Orador: - Se no contrato actual ha alguma cousa a respeito do Reilhac, tambem havia no anterior.

Vozes na esquerda: - Nesse não havia nada. Absolutamente nada.

O Orador: - Se não havia nada no contrato de julho, tambem não ha neste.

Affirmo que no contrato não ha nada que diga respeito a Reilhac.

O Sr. Pereira dos Santos: - Mas V. Exa. declarou que havia, dizendo que com este projecto ficava liquidada a questão.

O Orador: - O que ha, se ha, é o que havia no contrato de 16 de julho.

O Sr. Pereira dos Santos: - No contrato de 16 de julho não havia nada sobre isso.

Protestos da esquerda.

O Sr. Presidente: - Peço ordem. O Sr. Pereira dos Santos não tem a palavra.

O Orador: - Estou a dar uma simples explicação pessoal.

Não ha nada!

Se ha luvas a Reilhac, como dizia o Sr. Pereira dos Santos num destes dias, havia-as no contrato de 16 de julho. As clausulas são perfeitamente iguaes. (Protestos da minoria regeneradora).

Pois se então não havia referencia a Reilhac, tambem hoje não ha. (Apoiados).

Não desejaria eu que esta questão fosse trazida á Camara; mas, desde que ella veio, não posso recusar-me a referir-me a ella para dizer que o Governo não reconhece, por principio algum, o direito a Reilhac de reclamar qualquer quantia, porque não se lhe deve nada, e quem não deve não é obrigado a pagar. Não reconhecemos nenhum direito a Reilhac; nunca tratámos com elle directa ou indirectamente.

É affirmando isto, dizendo que não auctorizei qualquer indemnização ou qualquer quantia que se de a Reilhac, parece-me ter feito por parte do Governo as declarações que devo fazer, embora os illustres Deputados continuem a explorar, como entenderem, este assumpto.

(O Sr. Presidente do Conselho não reviu).

O Sr. Rodrigo Pequito: - Sr. Presidente: quando falava o illustre Deputado o Sr. Oliveira Mattos, pedi licença para o interromper em virtude da affirmação de S. Exa. de que, se havia luvas no contrato de abril, tambem as havia no de julho. Referia-se, evidentemente, á questão Reilhac.

Respondendo agora, o Sr. Presidente do Conselho pretendeu envolver, juntar, misturar as affirmações que eu fiz no relatório que apresentei com o contrato dos tabacos, no anno passado, com as affirmações que S. Exa. fez no seio da commissão de fazenda. Ora, é exactamente essa separação que quero fazer. (Apoiados).

S. Exa. disse na commissão de fazenda que o contrato de abril punha fim á questão Reilhac, que era uma questão liquidada; e a isso oppuz eu a affirmação de que ao tratar-se de realizar o contrato de 16 de julho, nem sequer se tinha falado em Reilhac.

Como pode S. Exa. vir dizer que o contrato de julho estava nas mesmas condições do actual? Não pode ser.

O Sr. Antonio Cabral: - O Sr. Presidente do Conselho não disse que no contrato de 16 de junho se fazia qualquer referencia a Reilhac.

Agitação. Trocam-se ápartes.

O Sr. Antonio Cabral: - Desde que o Sr. Presidente do Conselho assegurou, sob sua palavra de honra, que não se tinha trocado uma palavra a respeito de Reilhac no contrato, já não pode haver a minima duvida.

O Sr. Presidente: - Peço aos Srs. Deputados que deixem falar o orador.

O Orador: - Não posso por em duvida a palavra de honra do Sr. Presidente do Conselho, mas o facto é que S. Exa. affirmou que com o novo contrato termina a questão Reilhac.

Sussuro. Ápartes.

O Sr. Presidente: - Amanhã ha sessão, sendo a ordem do dia a mesma que estava dada para hoje.

Está levantada a sessão.

Eram 7 horas e 10 minutos da noite.

Proposta de lei apresentada nesta sessão pelo Sr. Ministro da Guerra

Proposta de lei n.° 10-N

Senhores. - A presente proposta de lei tem por fim melhorar um pouco os vencimentos dos officiaes do exercito, e os quadros das armas de artilheria e de cavallaria.

A necessidade da. melhoria de vencimento deve ser admittida por uma forma geral, logo que se attenda a que a ultima revisão das tarifas de vencimento dos officiaes data de 22 de agosto de 1887, e que desde então até hoje, se tornaram incomparavelmente mais caros, todos os elementos necessarios á vida.

Estas simples considerações, já teriam levado ha mais tempo a conceder algumas vantagens de vencimento, se não fossem as condições difficeis do thesouro, e não sor fácil compensar o augmento de despeza que d'ahi resultaria. Hoje estas circumstancias estão modificadas.

A melhoria financeira do thesouro, embora felizmente accentuada, não consentiria ainda um tal augmento de despeza, e por isso o não proporiamos, se as condições actuaes da nossa organisação militar, não permittissem fazer economias, que o podem compensar.

O problema apresenta-se agora em novos termos. Não se exige ao thesouro o augmento de despeza que resulta desta proposta; exige-se apenas que não aproveite da economia que se póde fazer na organisação militar. Em condições sufficientemente desafogadas para admittir esta conclusão, está hoje o thesouro publico.

Ao pequeno augmento de quadros nas armas de artilheria e de cavallaria, se póde applicar iguaes considerações, notando ainda que, se esse augmento for justificado pelas necessidades do serviço, elle se deverá impor independentemente das condições financeiras em que temos fallado.

O que se torna pois necessario é apresentar os cálculos do augmento de despeza proveniente desta proposta, e da

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compensação que elle póde ter com a economia resultante de propostas que já vos foram presentes, e de outras medidas que podem ser adoptadas.

Mas antes disso tratemos de justificar as disposições da proposta de lei.

Seria muito para desejar que o augmento de vencimento se podesse applicar aos officiaes de todos os postos e de todas as areias e serviços, como o fez em 1887 o governo saido do partido progressista, que então estava á frente dos negocios publicos; mas as condições restrictas que estabelecemos, mostram logo que esta aspiração geral tem de ser posta de parte.

Não podendo applicar a todos a melhoria, deve então ser aquelles que mais a necessitem, isto é, aos que auferem menores vencimentos, e ainda assim, variando conforme outras condições dignas de ser attendidas.

Para estabelecer esta gradação, assentámos que o augmento de vencimento, seria feito no soldo e na gratificação, e em ambos os casos de 5$000 réis mensaes.

O augmento de soldo applica-se aos capitães e tenentes de todas as armas e serviços, ficando excluidos desta vantagem os officiaes de graduação superior a capitão, por isso que tendo maior vencimento podem melhor, fazer face ás difficuldades que se apresentam a todos. É a consequencia do que anteriormente estabelecemos como regra geral.

Não estão nas mesmas condições os alferes das differentes armas e serviços, a quem se não augmenta o soldo, mas isto resulta de considerações de outra ordem. A lei hoje em vigor, concedeu a promoção por diuturnidade aos postos de alferes e de tenente, e com isto uma vantagem muito importante, que tambem se traduz por um augmento da despeza publica.

Em vista disto, e ainda pela difficuldade na distribuição dos subalternos, entendemos dever propor-vos, na proposta alterando a lei de promoção, a suppressão d'aquellas vantagens.

Tratando-se agora do augmento de vencimentos, deviam ser comprehendidos os alferes, e assim passava-se a augmentar o que se tinha diminuido.

Deixando pois estes officiaes na situação estabelecida pela legislação actualmente em vigor, conservam-se-lhes vantagens importantes que dispensam o augmento de vencimento, tanto mais que esse posto deve ser considerado como de transição, onde se permanece um praso fixo e curto para cada arma. Assim se justifica o disposto no n.° 1.° da proposta de lei.

O n.° 2.° da proposta trata do augmento de gratificação, applicado ainda por uma forma mais restricta, em vista de considerações de valor analogo ás anteriormente apresentadas.

O augmento de gratificação aproveita tambem aos capitães e tenentes, mas tanto num como noutro posto, se estabelecem varias excepções.

Nos capitães excluem-se:

1.° Os do quadro do serviço do estado maior, das armas de engenheria e de artilheria, e do corpo de medicos militares, pois que já hoje vencem gratificações superiores aos de cavallaria e de infanteria, e continuam com esta proposta, ainda em condições de superioridade;

2.º Os dos corpos de almoxarifes de engenheria e artilheria, administração e secretariado militar, pois que tiveram com a reforma do exercito de 1899 um importante augmento de gratificação;

3.° Os dos corpos de pharmaceuticos, capellães, picadores e almoxarifes do serviço de saude, porque estão sujeitos a condições muito mais fáceis de admissão no exercito do que todos os outros officiaes.

Entendemos que para todos os capitães exceptuados, a melhoria do soldo que resulta do disposto no n.° 1.° da proposta é relativamente sufficiente.

Aos tenentes das differentes armas e serviços applicam-se as mesmas excepções que fizemos para os capitães, resalvando apenas os tenentes das armas de artilheria e do corpo de médicos militares, a quem tambem se faz o augmento de gratificação, em vista da demora a que são obrigados neste posto e das gratificações que actualmente lhes estão arbitradas.

Ha ainda uma ultima excepção que foi considerada; é a de applicar aos tenentes coronéis e majores de cavallaria, de infanteria e do corpo de veterinarios militares, o augmento da gratificação, não só porque são os officiaes superiores que percebem menor gratificação, mas tambem para não ficarem com gratificação igual á dos capitães dos mesmos quadros.

O disposto no n.° 3.° da proposta é justificado logo que se attenda a que, o novo material de artilheria de campanha, levando a adoptar baterias a 4 peças em vez de 6, permitte reduzir o numero de subalternos de cada bateria.

Esta diminuição, compensada com a disposição em que se destina o cargo do ajudante só para tenentes, produz uma economia que permitte augmentar 3 tenentes coroneis, 4 majores e 12 capitães, o que é aconselhado pelas necessidades do serviço e pelo atraso da promoção na arma.

O atraso da promoção nas armas differentes da infanteria, já levou a estabelecer na lei em vigor, a promoção por equiparação para um quinto a mais dos quadros de coronel e de capitão.

Esta disposição produziu o augmento do quadro da arma de artilheria de 3 coroneis e de 17 capitães.

Tendo nós proposto a revogação desta disposição, em uma outra proposta de lei, ficariam 20 officiaes supranumerarios que mais desigual ainda tornaria a promoção.

O que se contém no n.° 3.° da presente proposta, é uma medida aconselhada pelas necessidades do serviço da arma, e alem d'isso uma compensação pela revogação proposta nas alterações sobre a lei de promoção.

Não propomos augmento algum no quadro de coronéis, porque elle não seria justificado pelas necessidades do serviço.

As outras disposições contidas no mesmo numero da proposta, são tão simples que dispensam qualquer justificação.

O disposto no n.° 4.º, tem apenas por fim augmentar 6 capitães no quadro da arma de cavallaria, com o fim de compensar a perturbação proveniente de acabar a promoção para um quinto do quadro de capitães, não havendo alteração no quadro de coroneis pelas mesmas rasões que apontámos, referindo-nos á arma de artilheria.

Temos a observar que a compensação no quadro dos capitães não é completa, por isso que o quinto do quadro é 14; mas parece-nos ainda sufficiente, porque os atrasos não existem já hoje, e aquelles que se poderão dar de futuro, serão de certo compensados pelo augmento proposto.

Vamos agora avaliar o augmento de despeza produzido por esta proposta.

[Ver tabela na imagem]

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[Ver tabela na imagem]

Como anteriormente dissemos, existem economias produzidas por outras propostas de lei, que já tivemos a honra de vos apresentar, que permittem compensar este augmento de despeza.

As alterações á organisação do exercito, feitas pelo projecto que já está em discussão nesta camara, devem produzir, pelo menos, a economia de 100:000$000 réis.

A suspensão da promoção para um quinto a mais dos quadros de coronel e de capitão, nas armas differentes da infanteria, e que vos foi presente na proposta que introduz algumas modificações na lei de promoção, deve produzir, pelo menos, a economia de 9:000$000 réis.

Com a compensação destas duas verbas, o augmento de despeza resultante da presente proposta fica reduzido a 51:000$000 réis.

Não seria um sacrificio exagerado para o thesouro, em vista da justiça e das vantagens da proposta.

Mas, apesar disso, este augmento de despeza não se realisará, porque, com a reforma de alguns serviços do ministerio da guerra, e que não dependem de sancção parlamentar, se póde fazer economias na importancia desta ultima verba.

Para conseguir este resultado, será sufficiente constituir o pessoal permanente das escolas praticas de artilheria, de cavallaria e de infanteria com unidades permanentemente destacadas dos correspondentes corpos do exercito activo. Estas modificações serão realisadas, quando o projecto de reforma do exercito for approvado e posto em execução.

Em vista pois das considerações que deixamos expostas, submettemos ao vosso esclarecido exame esta proposta de lei, esperando que lhe dareis a vossa approvação.

Proposta de lei

Artigo 1.° Na legislação em vigor sobre o vencimento dos officiaes e sobre os quadros, das armas de artilheria e de cavallaria, serão feitas as seguintes alterações:

1.° O soldo dos capitães e tenentes de todas as armas e serviços do exercito activo, será augmentado de 5$000 réis mensaes;

2.° Será augmentada de 5$000 réis mensaes a gratificação de exercicio dos: tenentes coroneis, majores e capitães das armas de cavallaria, de infanteria e do corpo de veterinarios militares; tenentes das armas de artilheria, cavallaria, infanteria e dos corpos de médicos e de veterinarios militares;

3.° O quadro da arma de artilheria será augmentado de tres tenentes coronéis, quatro majores e doze capitães; e diminuido de vinte e dois tenentes.

Os grupos independentes de artilheria serão commandados por tenentes coroneis ou majores, e os de artilheria de campanha, reunidos em regimentos, por majores.

Os ajudantes dos grupos de artilheria de guarnição serão tenentes.

As baterias de artilheria de campanha terão dois subalternos em tempo de paz e tres em tempo de guerra; e as de artilheria a cavallo tres e quatro nas mesmas condições.

4.° O quadro da arma de cavallaria será augmentado de seis capitães.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.

Secretaria d'estado dos negócios da guerra, 21 de agosto de 1905. = Sebastião Custodio de Sousa Telles.

Foi enviada á commissão de guerra, ouvida a de fazenda.

Relatorios e propostas de lei apresentadas pelo Sr. Ministro da Marinha

Proposta de lei n.° 10-O

Senhores. - Para um país possuidor de vastas colónias, como são as nossas, que alem-mar abrangem para cima de 2.000:000 de kilometros quadrados, é principio assente a necessidade de um serviço de navegação directa, regularmente estabelecido, entre a metropole e as possessões ultramarinas.

É materia de bons resultados económicos ser a navegação feita sob bandeira nacional; entre nós isto se prova com o facto benéfico de ser o trafico commercial maritimo, com as nossas possessões cia costa Occidental de Africa, realizado sob a bandeira portuguesa, graças ás leis vigentes que, por uma bem entendida orientação, teem mantido esse privilegio.

D'elle advém, quasi, não ter desapparecido, por completo, a nossa marinha mercante.

Teem-se nacionalizado esses dominios e tem-se nacionalizado o commercio que com elles se entretém.

O regime de excepção que ainda existe, para os portos do districto do Congo, é uma prova indirecta a frisar aquelle facto; porque, datando de 1887 a nossa occupação effectiva nestes territórios e sendo relativamente recente a extensão da carreira de navegação nacional até aos portos do districto, nem todos regularmente servidos, e existindo ha cerca de um anno a escala por Landana, sem duvida o mais importante porto do Congo, são estes portos os que menos relações mercantis teem com a metropole, visto o seu commercio ser quasi todo directamente feito com as praças de Liverpool, Hamburgo e Marselha, não tendo sido possivel ainda nacionalizá-lo em larga escala.

Não é portanto uma utopia, antes evidentemente se affirma o principio, tantas vezes enunciado, de que a mercadoria segue a bandeira.

Motivos alheios á vontade dos Governos conduziram-nos a um regime que não convinha prolongar e contra o qual se levantavam queixumes dignos de attenção. A elevação de tarifas de fretes e passagens 1 se, para um estado de aggravamento do preço do ouro, tinha alguma justificação, dadas as circunstancias especiaes do país, não pode sustentar-se sem detrimento do commercio, perante a diminuição progressiva e quasi constante do ágio. A interferencia do Governo impunha-se e só poderia realizar-se procurando os meios de obter um contrato directo, ou após concurso publico, o qual, contra a grande vantagem do exclusivo da concessão das passagens e carga do Estado e suas valiosas consequencias, proporcionasse uma tarifa geral mais equitativa, fundada nos principies económicos modernos, de que resulta a asserção de advir, seguramente, do barateamento dos meios de transporte e estreitamento de relações e de interesses, e multiplicação e desenvolvimento do commercio e da marinha que o serve.

Não devendo manter-se um tal estado de coisas, em plena liberdade do regime de navegação sem concorrencia.

1 Refiro-me especialmente ás tarifas para a costa occiaenta

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era preciso melhorar o serviço e defender o commercio e a industria contra a elevação de tarifas, a qual redunda em prejuizo dos beneficios pautaes que usufrue a mercadoria nacional, importada nos portos da África portuguesa. Productos pobres, sob o peso de fortes tarifas, teem jazido inexplorados; productos de largo trafico tambem vergam sob o jugo da tarifa máxima, o que tem dado logar a que os mesmos productos, provenientes do industria estrangeira, possam combater vantajosamente os nacionaes em detrimento da nossa industria. Mas não só no que respeita a tarifas pareceu ao Governo correr-lhe o dever de procurar salutar remedio á penosa situação que atravessamos. Tornava-se igualmente indispensavel, para algumas das colónias, aumentar o numero de carreiras, que eram muito distanciadas, com gravame para os passageiros, serviços postaes e carga, e desafogar os portos secundarios de Angola e Moçambique, libertando-os do unico recurso das lanchas de vela, sem regularidade de serviço, sujeitas a eventualidades de varias ordens, dando por vezes logar a perdas de vidas e de valores, não animando nem promovendo o desenvolvimento desses portos, muitos d'elles ex-ellentes serventias de magnificas propriedades agricolas ou centros commerciaes de prospero futuro.

Tratava-se de um problema interessante e de alta magnitude, e assim não duvidou o Governo entregar o seu estudo a uma commissão que foi nomeada em 18 de janeiro do corrente anno, em portaria regia, cuja doutrina sobresae da sua leitura e que salientei ao ter a honra de fazer a sua installacão. Da forma por que ella foi constituida, tambem claramente se deprehende quaes os intuitos do Governo, dando representação condigna não só aos directamente interessados mas tambem ás principaes agremiações ou corporações que mais se teem evidenciado em estudos technicos e económicos de navegação. Procurei nessas agremiações as individualidades que mais genuinamente as podiam representar e possuiam competencia indiscutivel para o encargo que, com tanta isenção e patriotismo, nobremente acceitaram. A Sociedade de Geographia, onde se debatem todas as questões de interesse colonial, as associações commerciaes e industriaes de Lisboa e Porto, as empresas de navegação e armadores, negociantes e agricultores coloniaes, e a Liga Naval, instituição que se destina a desenvolver a marinha nos seus diversos ramos, todos tiveram voz na commissão a fim de fazerem valer os seus interesses e direitos, que neste caso eram interesses e direitos do país.

A todos expus o meu modo de ver e o meu sentir sobre tão importante questão, delineando em bases geraes qual o pensamento do Governo sobre o problema, cuja resolução mais efficaz e pratica, pela conjugação de todos os interesses legitimos, eu pedia me fosse dada. Ao mesmo tempo insisti em que se definisse se as carreiras regulares officiaes, de navegação para as nossas colonias, deveriam no seu conjunto ser ligadas todas sob o mesmo regime, ou separadas e feitas sob varios regimes, entendendo porem indispensavel accentuar que, ainda neste caso e ao menos para a nossa Africa, a bandeira nacional me parecia imprescindivel. Dispunha o Governo, como compensa cão ao serviço de navegação assim indicado, do exclusivo de passagem e carga, da conservação do subsidio actual, decrescente, garantido pelo contrato da Africa Oriental, e de algum novo subsidio que estivesse em harmonia com os recursos do Thesouro e com o serviço ou serviços que se entendesse conveniente criar. Considerava acima de tudo, como mais essencial e urgente, as carreiras para a Africa, quer fossem conjugadas ou distinctas. N'essas condições a commissão indicaria as bases de concurso, competindo-lhe igualmente designar o numero de carreiras, qualidades e andamento dos vapores e suas commodidades, os portos de escala na metrópole e colónias, cabotagem apropriada ao serviço das carreiras geraes e bem assim as tabellas de fretes e de passagens. No serviço de cabotagem entendia que se deveria melhorar a navegação costeira em volta da ilha de S. Thomé, a navegação interinsular no archipelago de Cabo Verde e entre Cabo Verde e Guiné, e estabelecer com regularidade o serviço costeiro de Angola e Moçambique.

Da commissão esperava, attento o seu conhecimento da questão, indicar-me a forma de realizar tudo isto.

Finalmente julguei ainda conveniente, como explicação ultima, expor á commissão que alguns elementos haviam chegado ao conhecimento do Governo, com respeito á navegação para as nossas colonias, entre os quaes estava uma proposta para uma carreira directa entre Lisboa e Mormugão, mediante um contrato de seis annos, para viagens mensaes, mas que parecia deficiente por não marcar dias certos de partida e chegada, o que era prejudicial para o serviço postal e commercial, e não fixar os dias de viagem nem garantir uma determinada velocidade. Não era porem só para a India, mas tambem para a Africa Occidental, que uma outra firma estrangeira se propunha, por meio de embandeiramento dos seus navios sob bandeira portuguesa, fazer concorrencia á Empresa Nacional de Navegação, desde que a esta não fosse dada preferencia alguma. A alludida casa assegurava estar habilitada a effectuar reducção de tarifas.

Inteirando a commissão do que acabava de lhe referir, tinha em vista expor a situação e apresentar-lhe ideias geraes, modificáveis segundo as indicações que a commissão se dignasse dar-me, sobre um problema que ficava agora, por completo, entregue ao seu esclarecido criterio.

No desempenho da sua missão, houve-se esta por forma altamente honrosa para os elevados créditos de todos os seus membros. Os seus trabalhos bem orientados e de effeitos praticos são dignos de todo o elogio. Independentemente da forma como assentou o serviço entre a metropole e a Guiné e entre Cabo Verde e esta ultima possessão, marcando as carreiras, as tabellas respectivas e os subsidios correspondentes, afora as carreiras de circumnavegação em S. Thomé que calorosamente defendeu e lucidamente organizou, consignou tambem o principio valiosissimo de se estabelecer um serviço de cabotagem a vapor entre os portos secundarios da costa de Angola, definindo-o por completo nos elementos constituintes e mostrando o grande futuro que lhe está reservado em tão extensa linha de costa,, que abrange cerca de 1:625 kilometros, entrecortada de portos, enseadas e recessos, onde, em differentes épocas, teem florescido importantes plantações e fazendas agricolas, merecedoras de revivescer.

Effectivamente diz a commissão no seu relatorio:

"Ao serviço costeiro que nesta consulta se aconselha, e que é novo na costa de Angola, liga o commercio a máxima importancia e valor. Nenhum elemento de nacionalização politica pode ser mais efficaz do que o que deriva da bandeira que faz a pequena cabotagem.

Se este conceito é indiscutivel em toda a parte e a tal ponto que nenhuma nação permitte a pequena cabotagem com bandeira diversa da soberana, na região em que essa pequena cabotagem se exerce, nas colonias que estão ainda longe de uma acção continuada e não interrompida sob todos os pontos de vista, em que a exploração dos seus portos secundarios, recessos e pequenos ancoradouros possa ter logar, pela cabotagem sob a bandeira nacional, a segurança de não estarem isolados os aventureiros que vão abrir ao commercio e á exploração essas regiões absoluta ou incompletamente exploradas, são o elemento

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mais fecundo de affirmar a influencia da bandeira e a iniciativa originaria que depois se expande e fortifica, tendendo para sempre a conservar-se sob a base nacional que lhe foi origem.

Acaba-se o isolamento perigoso das feitorias da costa, cria-se incentivo seguro a novas explorações, radica-se no animo do gentio a posse soberana pela presença da bandeira nacional, faculta-se a garantia da propriedade e da ordem pela facilidade de acudir com meios de repressão seguros em occasião de presumiveis ataques si propriedade, dão-se á autoridade superior da provincia meios de occupação soberana effectiva, equivalentes ao que depois da conferencia de Berlim ficaram constituindo direito publico colonial com respeito a esferas de influencia, que exigem garantias seguras de propriedade e vidas, para que se reconheçam como effectivas a dominação e soberania".

Por igual accentuou, definiu e marcou as bases e tabellas concernentes á carreira costeira da costa oriental, já iniciada tão patrioticamente pela Empresa Nacional, o que, a julgar pelo trafego commercial existente entre todos os portos de Moçambique e nas suas relações com as colónias vizinhas, deve, sem gravame avultado, em prazo relativamente curto, prestar grande serviço, concorrendo para aportuguesar o commercio, quasi inteiramente desnacionalizado.

Pelas bases em que assentou o seu projecto e que passo a transcrever, podereis ver as conclusões a que a commissão chegou 1.

Base 1.º

A navegação entre a Guiné e a metrópole será feita segundo as condições do mappa A.

Base 2.°

A navegação entre a metropole e as colónias da costa occidental de Africa e a de cabotagem das respectivas costas será feita segundo as indicações do mappa B.

Base 3.º

A navegação entre a metrópole e as colónias da costa oriental de Africa e a de cabotagem da respectiva costa serão feitas segundo as indicações do mappa C.

Base 4.º

As passagens e fretes de carga e do serviço de navegação para as nossas possessões de África assim occidental como oriental, e os da navegação costeira nos mares territoriaes d'aquellas colónias são os que constam dos mappas n.ºs 1 a 16.

Base. 5.º

A empresa adjudicataria terá sempre á disposição do Governo um vapor para transporte de tropas.

A carga e passageiros do Estado para os portos servidos por os vapores da companhia adjudicataria são considerados privilegio da mesma companhia.

Base 6.°

Quando o agio do ouro estiver ao par, ou quando passar alem de 20 por cento, é autorizado o Governo, de acordo com a companhia adjudicataria, a organizar as tarifas para menos ou para mais segundo o que for julgado equitativo.

Quando o preço do carvão nas minas for inferior ou superior era 20 por cento ao de 13 shillings a tonelada, que serviu de base ao computo das tarifas, poderá ter logar a revisão de tarifas nas condições expressas para as oscillações do agio do ouro.

Base 7.º

O contrato vigorará por dez annos.

Base 8.º

O subsidio maximo a conceder á companhia adjudicataria será:

Para o serviço com o prolongamento da carreira de Cabo Verde até a Guiné 6:000$000 réis.

Por tres viagens a mais do que as que actualmente se fazem até Bolama 12:000$000 réis.

Para o serviço costeiro na Africa occidental 48:000$000 réis.

Para o serviço costeiro na Africa oriental 60:000$000 réis.

Estes subsidios vigorarão nos primeiros cinco annos, sendo respectivamente reduzidos a metade no segundo periodo de cinco annos da vigencia do contrato.

Na portaria de 19 de maio findo, mostrou o Governo o apreço que lhe mereceu o trabalho da commissão, proficiente e brilhantemente presidida pelo conselheiro Amaral, que uma vez mais revelou os seus altos méritos e devoção civica.

Tendo, como disse, a commissão concluido os seus trabalhos, iinmediatamente encetei negociações com a Empresa Nacional, no sentido de ter pelo menos esta empresa portuguesa no concurso para a adjudicação, em bloco, de todo o serviço das carreiras geraes da nossa Africa.

A Empresa Nacional, em face do problema que ia ser encarado pela commissão nomeada e onde ella tinha um dos seus administradores mais conspicuos, não duvidou acceder então á proposta de adiamento que lhe fiz; no tocante á rescisão do contrato para a Africa Oriental de 10 de janeiro de 1903, approvado por carta de lei de 7 de maio do mesmo anno, em harmonia com a condição 32.ª Não sabendo ainda qual a orientação definitiva a tomar, visto ella dever resultar das indicações e estudo da commissão, não convinha ao Governo usar desse direito, sem estar devidamente elucidado, mormente quando na África do Sul se ventilava a questão importantissima dos Shipping Freights.

A rescisão do contrato, nesta altura, poderia mesmo vir provocar uma nova luta de tarifas, envolvendo-nos numa questão que teria, por certo, ulteriormente, como consequencia, o aumento de subsidio compensador da diminuição excessiva do frete, a que ás empresas estrangeiras obrigariam a futura empresa concessionaria.

Accedendo, provou logo de principio o desejo de collaborar na boa solução do problema que o Governo se propusera resolver.

Na alludida empresa encontrei sempre, é certo, a defesa tenaz dos seus interesses, mas não intransigencias menos justas quando eram inilludiveis os fundamentos das reclamações que, em abono dos interesses do Estado, tive de lhe apresentar. Cumpre-me dizer isto e gostosamente o faço, porque foi longa, mas leal, a discussão havida.

É preciso encarar as questões como ellas realmente são, e assim, se é certo que por vezes tem havido da parte do publico reclamações tendentes a melhorar serviços, nem sempre perfeitos, e tambem acerbas apreciações teem sido emittidas, justo é attender, e principalmente isto se impõe aos Governos que teem o dever de analysar os problemas de administração publica sem paixão e com são criterio, a que os capitães empregados na empresa, o movimento que ella representa no nosso apoucado meio maritimo e o pessoal que sustenta, quer na tripulação dos seus navios, quer nos seus escritórios, agencias e armazens, são dignos de dedicada protecção. Sustentar, amparar e desenvolver as empresas de navegação, mormente quando ellas sejam genuinamente nacionaes, é dever dos Governos, é dever de todos nós, é dever da nação. Mas se isto assim é, nunca deve ser esquecido tambem que

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tudo tem limites, os quaes cumpre definir pela conjuncção feliz dos varios interesses a defender. Foi quanto procurei conseguir.

Por vezes se tem falado na possibilidade de empresas estrangeiras, desejosas de açambarcar o trafico da costa Occidental de Africa, procurarem vencer o rigor das prescrições legaes, embandeirando os seus navios sob bandeira portuguesa, para a concorrencia de fretes maritimos. Eu mesmo, como tive occasião de dizer á commissão, fui procurado por um representante de uma importante companhia estrangeira, que estava pronta a derivar para Portugal uma parte valiosa do seu material, estabelecem em Lisboa os seus escritórios o, sujeitando-se ás leis portuguesas, vir para cá desde que outros direitos de preferencia a qualquer empresa não fossem dados, estabelecendo carreiras de navegação a vapor para a nossa Africa. Outras negociações poderia fazer, com alguma casa americana, por exemplo, se tal fora a orientação do Governo.

Evidente é que uma tal concorrencia, valiosa de momento para o commercio colonial, seria lesiva dos interesses de uma sociedade genuinamente portuguesa, radicada no país e nas colonias.

Mas se o Governo tinha o dever de analysar o problema da navegação, encarando o nas consequencias proximas o futuras que da sua orientação poderiam advir, seria lamentável que qualquer intransigencia de interesses alienasse á marinha mercante nacional a natural sympathia e justa protecção que lhe é devida.

Nas negociações feitas para assegurar ao concurso a vinda de empresa genuinamente nacional, obtive varios beneficios a inscrever nas bases desse concurso, não só para o Estado, mas ainda para o publico. Dei, como era legitimo, a segurança de que só uma empresa nacional teria o exclusivo da carga e passagens do Estado e as facilidades correlativas.

Como vereis, porem, não são estas ultimas de molde a aggravarem os interesses do Estado, nem saem fora dos direitos e encargos que resultam dos contratos lealmente feitos.

Assim, não hesitei em assentar bases que evitassem no concurso naval a adjudicação a empresa só apparentemente portuguesa, e na realidade estranha, como não receei garantir que inseriria, na proposta de lei que elaborasse, a clausula de não serem aumentados quaesquer impostos ou encargos durante a vigencia do contrato que se realizasse, como ainda poder o concessionario servir-se da doca fluctuante de Loanda, pagando só os gaitos estrictos de entrada e saida e reparação, concessão esta que julguei deveria fazer-se desde que se estabelece, pela primeira vez, o serviço de cabotagem a vapor ao longo da costa, a fim de alcançar tambem a reducção do subsidio bastante valioso, proposto pela commissão. Disto deriva igualmente ser o serviço feito com um só vapor, sem detrimento, todavia, do que a commissão julgou necessario aos interesses da provincia de Angola.

Se o trabalho da commissào foi relevante, definindo os principios fundamentaes e os subsidios maximos, cumpria-me fiscalizar os interesses geraes do Estado e dos particulares, indo ainda alem do que a commissão obteve, se possivel fosse, merce dos meios de que o Governo poderia dispor, a fim de obter as vantagens que o exclusivo da carga e passageiros do Estado, o incremento natural do movimento do commercio ultramarino e as actuaes condições cambiaes, muito provavelmente ainda melhoraveis, tornaram legitimo exigir.

A seguinte nota estatistica referente á Africa Occidental basta para vos convencer de que não é insignificante o exclusivo da carga e passageiros do* Estado, mesmo sem lhe addicionarmos o preço dos transportes dos destacamentos ou contingentes que periodicamente teem de ser enviados para o ultramar ou que dali regressam:

Passagens Fretes

[Ver tabela na imagem]

Suppondo que quantia igual se pagou do ultramar para a metrópole, temos, no primeiro caso, 317:944$992 réis e no segundo 338:912$090 réis, ou seja uma media de 106:000$000 reis nos primeiros tres annos e 113:000$000 réis nos ultimos, o que dá uma media de 109:000$000 réis por anno.

Isto é, o Estado fornece á sociedade adjudicataria uma receita de 109:000$000 réis por anno, nas suas relações com as provincias de Cabo Verde, Guiné, S. Thomé e Angola.

Mas a causa mais efficiente das vantagens obtidas depende do facto de ficar assegurado, pelo menos para a Africa Occidental portuguesa, a grande massa do seu trafego.

Não são inteiramente desafogadas as circunstancias do Thesouro para permittirem subsidiar, já não digo com a largueza com que isso se pratica nos países estrangeiros, mas com regular compensação, as empresas ou sociedades de navegação portuguesa.

Infelizmente não é facilmente comportavel com os nos sós recursos um tal sacrificio e, por isso, é forçoso encontrar a maneira de retribuir os serviços da navegação, quer nas suas relações postaes, quer nas de transporte de passageiros e carga, tanto do Estado como dos particulares.

Ao longo da costa africana do Atlantico, e junto a ella, possuimos vastos dominios, cujo trafico com a metropole está, e continua, como disse e muito convém, reservado á bandeira nacional; o movimento commercial que ella serve orça por cerca de 25.000:000$000 réis, em escala crescente, sendo de presumir que tenha dado, como interesse, liquido de despesa e encargos, 1 por cento para ser numerar a industria dos transportes maritimos, quasi integra nas suas mãos.

De onde se conclue que a concessão, nos termos em que será feita, não é de molde a desprezar-se, principalmente no seu conjunto;

A nota estatistica que acima apresentei em relação ao trafico geral do Estado e a verba a que chegou o movimento commercial com as colónias do occidente africano, influiram no meu espirito por forma a requerer vantagens compensadoras da situação segura que, á empresa que explorasse o movimento maritimo para a nossa Africa Occidental, seria criada.

Assim obtive sobre as tabellas combinadas, e já bem differentes das que actualmente vigoram, reducção sensivel na tabella das passagens das carreiras geraes para a Africa Occidental, com apreciável beneficio para o publico e para o Estado; ausencia de subsidio de 18:000$000 réis pelas carreiras da Guiné e entre a Guiné e Cabo Verde; reducção a 10:000$000 réis do subsidio annual pela cabotagem em Angola, marcado em 48:000$000 réis, e a 36:0003000 réis o subsidio de 60:000$000 réis pela de Moçambique,

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subsidios reduzidos a metade no fim de cinco annos, alem da reducção de 10 por cento nas passagens do Estado e 20 por cento na sua cavga, sobre as novas tabellas que para o publico hão de vigorar.

Bem assim, iniciado em 6, em cada carreira geral, o numero dos colonos a transportar gratuitamente, aumentará de anno em anno este numero, e, pelo exame dos trabalhos que aqui incluo, vereis ainda que o publico ficará fruindo o beneficio, reclamado por diversas vezes, de bilhetes de ida e volta, com o bonus habitual, e uma reducção de 5 por cento nos bilhetes para familias de tres ou mais pessoas e seus criados.

Evidentemente estas vantagens resultam do desafogo em que a empresa adjudicataria ficará, livre da guerra de tarifas, e ainda do valor e importancia que sobresaem do exclusivo concedido pelo Estado.

A importação directa que já hoje se faz das sementes oleaginosas que na Guiné abundam e alimentam uma industria prospera de oleos, sabões, velas e adubos, justifica a necessidade de maiores facilidades se darem ás communicações maritimas com aquella nossa colonia que, pela importancia que está adquirindo, as reclama insistentemente.

A carreira da linha Guiné, que é actualmente feita de 40 em 40 dias passa a ser de 30 em 30 dias.

Como é muito para ter em conta a exploração agricola da Ilha do Principe, importante centro de producção de cacau, não me pareceu conveniente, desde que largamente desenvolvia o serviço de navegação costeira em volta da Ilha de S. Thomé, ligada hoje á metrópole por tres carreiras mensaes, deixar de dar aquella formosa ilha, se não tão larga regalia como a que ficará gozando S. Thomé, circumnavegação quatro vezes por mês, ao menos parte d'ella, e por isso introduzi a condição de, numa das viagens mensaes da circumnavegação, ir o vapor respectivo tocar no Principe, estabelecendo isto em conjuncção com a terceira carreira de serviço geral.

O serviço de cabotagem ao longo da costa do Angola, comprehendendo os portos fluviaes do Zaire, acarretaria encargos para o concessionario a que não é justo obrigá-lo, sem o recompensar por meio de subsidio.

Este ficou em 10:000$000 réis, ao passo que a commissão o computara em 48:000$000 réis, obtendo assim o Governo uma notavel reducção, para que contribuiu, em parte, o facto de passar a ser feito por um só vapor o serviço que fora planeado para dois.

Esse serviço, porem, como o demonstrou o estudo ulteriormente feito, é realizavel com um só vapor. Pedia a empresa 42:000$000 réis de subsidio para empregar um só vapor; era bastante elevado aquelle, tanto mais que. o desenvolvimento commercial d'aquella provincia deve beneficiar de um grande impulso.

Attenta esta consideração e outras facilidades concedidas, ficou o subsidio reduzido á importancia referida.

Baseado no grande incremento que tem tido o commercio nos portos secundarios da provincia de Moçambique, desde que se estabeleceu a rede de postos de occupação ao longo do littoral entre o Lurio e Quelimane, e ás crescentes relações com as colonias vizinhas, alcancei tambem a certeza de que a adjudicação se faria com a garantia de um subsidio de 36:000$000 réis annuaes, em vez dos réis 60:000$000 que a commissão propusera, para o serviço quinzenal costeiro n'aquella nossa rica colonia.

Se em maior reducção d'este não insisti, deriva isso do facto de me parecer mais util conceder em bloco a navegação do que separar a de longo curso da de cabotagem e ver a empresa resolvida a querer antes a separação, se menor fosse o subsidio.

Em concurso aberto n'aquella provincia, talvez, conseguisse menor subsidio, admittindo capitães estrangeiros. Para contribuir para a nacionalização d'aquella afastada colonia e para influir na perfeição do serviço, julguei melhor manter, em conjuncção, a navegação de longo curso e a de cabotagem.

Outro ponto largamente debatido foi o lapso de tempo durante o qual vigorará o contrato a effectuar.

Se é certo que difficilmente poderá conseguir-se uma combinação vantajosa para ambas as partes contratanste sem que ella vigore por um largo periodo de annos, a fim de, nos ultimos, pelo incremento natural do movimento commercial, haver para a empresa adjudicataria a compensação que porventura nos primeiros seja duvidosa ou attenuada, não é menos evidente que, em questão melindrosa como esta, preciso se torna não ser tambem muito extensa a prisão do Estado e do publico ás mesmas tarifas.

Por tudo isto, e mantendo o periodo de dez annos para o contrato, julguei conveniente, e este foi, repito, um dos pontos mais fortemente debatidos, ficar o Governo com a garantia de poder terminar aquelle, decorridos os primeiros 6 annos.

Justo era que igual garantia fosse concedida á empresa adjudicataria.

Para o commercio, e para o publico em geral, representam as tabellas insertas na proposta de lei um beneficio, relativamente ao que actualmente vigora, de cerca de 100:000$000 réis annuaes no transporte da carga e de 40:000$000 réis annuaes nas passagens, alem das vantagens advindas do serviço costeiro que deverão orçar aproximadamente por 20:000$000 réis annuaes, só pela differença de tarifas, afora o rapido desenvolvimento commercial a que este dará origem e que tornará maior o beneficio advindo.

O exame das tabellas actuaes e das que vigorarão prova á evidencia as vantagens conseguidas. E elevada a reducção que nas tabellas da commissão figura, a que acresce a que obtive nas carreiras geraes da Africa Occidental.

Por seu turno, para o Estado, já ficou inscrito quanto significa a combinação estabelecida, alem do beneficio advindo d'aquellas tabellas.

Feitas as alterações a que acabo de me referir, só me cumpria aproveitar tudo mais que a commissão delineou e se contém nas bases que fazem parte da proposta que adeante encontrareis.

No sentido de estreitar as nossas relações commerciaes com as nossas possessões da India, da China e de Timor, seria do todo o ponto vantajoso que a bandeira portuguesa sulcasse os mares do oriente, para a permuta dos productos d'aquelles dominios com os nossos, agricolas ou industriaes.

Mas as razões económicas que influiram no animo da commissão, preponderaram tambem no meu espirito.

Efectivamente não podia obter-se o serviço de transportes maritimos regulares, sob bandeira nacional, sem um largo subsidio que permittisse á empresa que o explorasse a livre concorrencia com as muitas e poderosas companhias estrangeiras que fazem as carreiras do oriente.

Iriamos aumentar o movimento pelo canal de Suez e por tantos portos de escala estrangeiros em que seria necessario tocar, unicamente á custa do Thesouro, porque o commercio maritimo não o recompensaria ou, só muito tarde até, equilibraria as despesas.
Não estamos no caso, pelo menos por emquanto, de nos abalançarmos a esse ensaio de oneroso subsidio. O processo, pois, consiste em contratar a navegação para aquellas nossas colonias com alguma das companhias es-

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trangeiras do norte da Europa ou orientaes que se empregam n'aquellas linhas da navegação e passam pela nossa costa.

Pelo que respeita a Macau seria para desejar, até sob o ponto de vista politico, que o serviço desta nossa provincia pudesse ser feito pela companhia japonesa Nippon Youshu Kaisha, mas, infelizmente, o contrato que ella tem com o governo do Mikado não lhe consente negociar livremente as condições em que se prestaria a fazer o serviço respectivo.

Dadas, porem, as nossas relações com a Hollanda, e a amigavel vizinhança que com ella mantemos em Timor, não seria difficil alcançar que a empresa que realiza com tanto exito o serviço de ligação com as Indias Neerlandesas viesse ao porto de Lisboa, para ter mais um cliente, que lhe daria de inicio, ida e retorno, um trafego de pnssageiros, para Macau e Timor, que regula por 32:000$000 réis.

Para a India já uma companhia inglesa, que faz o serviço do Golfo Pérsico, começou a tocar regularmente em Lisboa, recebendo carga directa para Mormugão e procurou mesmo lançar as bases para obter um contrato que lhe garantisse o exclusivo dos passageiros do Estado.

Nas condições em que actualmente nos encontramos em relação ao contrato celebrado com a Southern Marahata, o aumento do trafego da linha férrea e do porto de Mormugão são penhores de que devemos aproveitar a actual situação para alargar as nossas relações com a India.

Os cultivadores de algodão da região austral do Decan, preferirão o porto de Mormugão para a exportação dos seus productos para a Europa e nós devemos proteger este movimento, animando e promovendo a ligação directa d'aquelle nosso porto com os mercados consumidores europeus, libertando-o de ser subsidiario do porto de Bombaim.

Torna-se pois urgente habilitar o Governo a contratar com alguma das companhias inglesas que exploram a costa do Malabar e do Concão, o serviço de navegação regular mensal entre Lisboa e Mormugão, tomando para base de garantia o exclusivo dos passageiros e carga do Estado, cuja media annual regula por 20:000$000 réis.

Igual systema deverá seguir-se para o Extremo Oriente, incluindo Timor, dentro da base de 32:000$000 réis por que regula tambem o movimento dos passageiros e carga do Estado.

Todos estes principios se definem na proposta de lei que tenho a honra de vos apresentar.

Preferi elaborá-la a concluir qualquer contrato mesmo provisorio, submettendo-o ulteriormente á vossa apreciação, porquanto desejo que o Parlamento se pronuncie sobre os fundamentos, em que esses contratos podem ser effectuados, e até sobre os principios a que julgo dever estar subordinada a navegação mercante ultramarina.

Quis o Governo deixar plena liberdade de acção aos representantes do pais, visto como diversa do que acabo de expor, a traços largos, pode ser a maneira de apreciar este magno problema da nossa vida economica.

Urge, é certo, a efficaz solução desta questão bem importante para o estreitamento das relações commerciaes, e até de ordem politica, da metropole com as colonias; não quis, porem, o Governo resolve-la sem que o país conhecesse previamente a forma como lhe parece util effectuá-la, e que negociações entaboladas tornam realizavel. Oxalá a marcha dos trabalhos parlamentares permitta a rápida discussão do que na proposta se contém.

Ao criterio esclarecido dos illustres deputados da nação submetto, pois, a seguinte proposta de lei, convicto de que benéfica será a sua influencia no movimento commercial entre a metrópole e as colonias, quando posta em completa execução.

Proposta de lei

Artigo 1.° Fica o Governo autorizado, precedendo concurso, a contratar o serviço de carreiras regulares de navegação entre a metropole e as provincias ultramarinas de Cabo Verde, Guiné, S. Thomé e Principe, Angola e Moçambique, em harmonia com as bases geraes que fazem parte d'esta lei.

Art. 2.° Fica o Governo autorizado a contratar em concurso ou directamente, e conjuntamente ou separadamente, segundo for mais util, com empresa ou empresas de marinha mercante estrangeira, o serviço de carreiras regulares de navegação para a India, Macau e Timor, tomando como base de encargo a despesa media annual feita pelo Governo no ultimo triennio com transporte de carga e passageiros para cada uma d'aquellas possessões.

Art. 3.° Fica revogada a legislação em contrario.

Secretaria de Estado dos Negocios da Marinha e Ultramar, aos 21 de agosto de 1905. = Manoel Antonio Moreira Junior.

Bases para o contracto, da navegação para a Africa que fazem parte da lei d'esta data

Base 1.°

O serviço mensal de navegação dos portos de Lisboa-Leixões para as provincias ultramarinas de Cabo Verde, S. Thomé, Principe e Angola fica constituido por duas carreiras geraes, tendo por termo o porto de Mossamedes, com as seguintes escalas:

1.ª carreira: Madeira, S. Thiago, Principe, S. Thomé, Santo Antonio, Loanda, Novo Redondo, Lobito e Benguella.

2.ª carreira: S. Vicente, S. Thiago, Principe, S. Thomé, Cabinda, Ambriz, Loanda, Novo Redondo, Lobito e Benguella.

Base 2.ª

Como complemento d'estas viagens estabelece-se um serviço de cabotagem, por meio de um vapor entre Loanda e Landana, com escalas por:

Ambriz, Musserra, Ambrizette, Mucula, Santo Antonio do Zaire, Quissanga, Boma, Noqui, Matadi e Cabinda, saindo de Loanda a 15 do mês, e entre Loanda e Bahia dos Tigres com escalas por:

Benguella Velha, Novo Redondo, Egito, Lobito, Benguella, Cuio, S. Nicolau, Mossamedes e Porto Alexandre, saindo de Loanda a 1 de cada mês.

Base 3.ª

O serviço da Guiné será mensal e directo entre Lisboa e Bolama, com escala por Bissau.

Base 4.ª

Haverá um serviço de cabotagem entre as ilhas de Cabo Verde, extensivo á Guiné, com escala por Bissau e Bolama, conjugando-se com uma das carreiras geraes da costa Occidental em S. Thiago.

Base 5.ª

Do mesmo modo haverá uma carreira complementar em torno da ilha de S. Thomé, quatro vezes por mês, indo uma vez por mês ao Principe.

Base 6.ª

A capacidade dos vapores da carreira da costa occidental não será inferior a 2:800 toneladas (gross registered), com acommodações para 60 passageiros em 1.ª classe, 30 de 2.ª e 120 de 3.ª e o andamento effectivo de 12 milhas maritimas por hora.

Base 7.ª

A capacidade dos vapores da carreira de cabotagem de

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Cabo Verde e Guiné não será inferior a 300 toneladas (gross registered) com logares para 10 passageiros de 1.ª classe; 5 de 2.ª e podendo conduzir até 100 praças de pret. Velocidade effectiva de 8 milhas por hora. Os vapores do serviço costeiro de S. Thomé serão identicos em capacidade, acommodações e andamento.

Base 8.ª

O serviço directo da Guiné será feito por vapores de capacidade não inferior a 1:000 toneladas brutas, com acommodações para 20 passageiros de ha classe, 10 de 2.ª classe e 50 de 3.ª classe. Velocidade 10 milhas effectivas.

Base 9.ª

A capacidade dos vapores da carreira de cabotagem ha provincia de Angola não será inferior a 500 toneladas (gross) e 10 passageiros de 1.ª classe, 6 de 2.ª classe; velocidade effectiva de não menos de 9 milhas.

Base 10.ª

O serviço dos portos de Lisboa-Leixões para a Africa Oriental fica constituido por uma carreira mensal com termo em Moçambique, tocando em S. Thomé, Loanda, Lourenço Marques e Beira.

Base 11.ª

O serviço quinzenal, costeiro, da Africa oriental será estabelecido entre Lourenço Marques e ibo, tocando em todos os portos intermediarios.

Base 12.ª

A capacidade dos vapores da carreira geral de África Oriental não será inferior a 3:800 toneladas (grous}; 80 passageiros de 1.ª classe, 50 de 2.ª classe e 120 de 3.ª classe, com camarotes e beliches; velocidade effectiva a 12,5 milhas maritimas por hora.

Base 13.ª

A capacidade dos vapores costeiros não será inferior a 850 toneladas (gross) e 18 passageiros de 1.ª classe, 10 de 2.ª classe e 50 de 3.ª classe; velocidade 9 milhas garantidas.

Base 14.ª

As passagens e fretes de carga de serviço de navegação para as nossas possessões de Africa e bem assim os da navegação costeira das mesmas possessões são os que constam das tabellas juntas, que ficam fazendo parte integrante d'estas bases.

Base 15.ª

A carga e passageiros do Estado para os portos servidos em harmonia com estas bases é considerada privilegio da sociedade que obtiver a adjudicação.

Base 16.ª

A empresa adjudicataria terá sempre á disposição do Governo um vapor pára transporte de tropas, com abatimento de 45 por cento das tarifas de passagens.

Base 17.ª

Quando o cambio estiver ao par, ou quando o agio do ouro passar alem de 20 por cento, é autorizado o Governo, de acordo com a empresa adjudicataria, a organizar as tarifas, para menos ou para mais, segundo o que for julgado equitativo. Identicamente poderá ter logar a revisão de tarifas quando haja diminuição ou aumento de 20 por cento no custo de carvão.

Base 18.ª

O contrato vigorará por 10 annos, sendo rescindivel por qualquer das partes, no fim de 6 annos, com prévio aviso de 6 meses.

Base 19.ª

Os subsidios directos a conceder ao adjudicatario serão apenas os seguintes:

Pelo serviço dei carreira geral da Africa Oriental, o que está estabelecido e pelo tempo apenas em que o foi.

Pelo serviço costeiro ao longo da costa de Angola, 10:000$000 réis annuaes. Por identico serviço ao longo da costa de Moçambique, 36:000$000 réis annuaes.

a) Estes subsidios costeiros serão reduzidos a metade no fim do primeiro periodo de 5 annos, após a assinatura do contrato.

b) Os subsidios costeiros serão pagos pelas respectivas provincias ultramarinas.

Base 20.ª

Os passageiros e carga de conta do Estado terão uma reducção de 10 por cento e de 20 por cento, respectivamente, nos preços das tabellas.

Base 21.ª

As familias de tres ou mais pessoas, incluindo criados, terão uma redacção de 5 por cento nas passagens e haverá bilhetes de ida e volta com o abatimento habitual.

Base 22.ª

Será mantida a concessão de passagens gratuitas a seis colonos em cada vapor das carreiras geraes, acrescendo, de anno a anno, 10 por cento, no numero total de colonos a transportar com guias do Estado.

Base 23.ª

O Governo concedo ao adjudicatario a faculdade de poder servir-se da doca fluctuante de Loanda, pagando apenas os gastos realizados, sem lucro para o Estado.

Base 24.ª

O Governo garante á sociedade concessionaria que, durante a vigencia do contrato a effectuar, não serão aumentados quaesquer dos actuaes encargos, como direitos, contribuições, impostos, etc., que incidem sobre a navegação entre a metrópole e todos os portos visados no contrato.

Base 25.ª

O serviço de navegação a que estas bases se referem só poderá ser adjudicado a portugueses ou a sociedade constituida só por portugueses e da qual façam parte sómente cidadãos portugueses.

a) N'este ultimo caso os socios da sociedade adjudicataria, qualquer que seja a forma por que a mesma se tenha constituido e a denominação que adopte, comprovarão sempre e em qualquer occasião e por qualquer meio legal a sua qualidade de portugueses;

b) Os navios da mesma sociedade serão devidamente nacionalizados nos termos do acto de navegação de 8 de julho da 1863 e mais legislação vigente e sob as penas comminadas na mesma, assim como n'aquelle diploma;

c) As acções ou titulos da sociedade adjudicataria nunca poderão transmittir-se por meio de endosso em branco, deixando de ser pagos os respectivos dividendos ou lucros e divisão de capital aos que se não acharem averbados a favor de cidadão português;

d) Quando taes acções ou titules vierem por qualquer forma a pertencer a estrangeiro, fica este obrigado a aliená-los a cidadão ou entidade portuguesa, dentro de trinta dias, a partir d'aquelle em que tenham vindo ao seu poder, sob pena de incorrer nas comminações legaes;

e) Esse estrangeiro não poderá em caso algum receber da sociedade os juros, dividendos ou partes de propriedade que tocarem ás acções ou titulos de que seja dono, nem ingerir-se por qualquer forma no governo e administração da sociedade, nem tomar parte e votar nas assembleias geraes e reuniões dos associados;

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SESSÃO N.° 18 DE 21 DE AGOSTO DE 1905 19

f) Os navios, acções ou titulos sociaes que se encontrem fora das condições que ficam declaradas serão apprehendidos e vendidos a portugueses e o producto reverterá para o fnndo do Instituto de Soccorros a Naufragos;

g) Os navios, acções e titulos referidos não poderão ser obrigados por hypotheca ou contrato a favor de estrangeiro, salvo os casos expressamente declarados no Codigo Commercial;

h) Os navios da mencionada sociedade serão, nos termos da legislação vigente, tripulados por portugueses, sendo tambem de nacionalidade portuguesa todo o pessoal de machinas, excepto quando o não haja habilitado, e o primeiro engenheiro, que poderá ser de nacionalidade estrangeira;

i) Os agentes da sociedade, em todos os portos de escala, serão igualmente portugueses;

j) As viagens dos navios da sociedade considerar-se-hão começadas e findas nos portos do continente do reino, não podendo, em caso algum, a carga trazida por esses navios ser transportada, nos mesmos, para portos estrangeiros.

Base 26.ª

O Governo terá como delegado junto da sociedade adjudicataria da navegação para a Africa um official de marinha a fim de examinar como se cumprem as condições do respectivo contrato. Este delegado só ganhará o soldo e gratificação da patente respectiva. Afora esta fiscalização, poderá o Governo exercer, permanente ou accidentalmente, nas carreiras de cabotagem, a que julgar conveniente.

Base 27.ª

Á sociedade adjudicatária será permittido um anno, após a assinatura do contrato, para a completa execução do que neste se estatue, cumprindo todas as suas clausulas e vigorando as novas tabellas nas carreiras que se estabelecerem e á medida que forem sendo estabelecidas.

§ unico. Os subsidios pela navegação de cabotagem em Angola e Moçambique vigorarão durante o anno referido, em harmonia com o grau, qualidade e extens&o do serviço realizado nesse lapso de tempo.

Base 28.ª

Fica o Governo autorizado a acordar, com o adjudicatario, a substituição de alguns dos portos de escala das carreiras de cabotagem, por outros que a experiencia prove mais necessitados deste serviço e a ampliar este tambem quando tal se torne conveniente.

Secretaria de Estado dos Negocios da Marinha e Ultramar, aos 21 de agosto de 1906. = Manoel Antonio Moreira Junior.

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20 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Tabellas de fretes

N.° 1

Carreira para qualquer porto da costa occidental de Africa, inclusive S. Thomé e Príncipe

Tabella de fretes

[Ver tabela na imagem]

N.° 2

Carreira da costa occidental para Lisboa ou Leixões

Tabella de fretes

[Ver tabela na imagem]

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N.° 3

Carreira de Cabo Verde e Guiné

Fretes de carga - Viagem de ida

[Ver tabela na imagem]

Carreira de Cabo Verde e Guiné

Fretes de carga - Viagem de regresso

[Ver tabela na imagem]

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22 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

N.º 4

Carreira de Cabo Verde e Guiné

Tabella de fretes entre as Ilhas de Cabo Verde e Guiné

[Ver tabela na imagem]

Entre Bissau e Bolama o mesmo frete do que entre as ilhas.

Cavallos ou muares, o preço de uma passagem de 3.ª classe; bois ou vacas, o preço de uma passagem de 3.ª classe; cães, gado asinino, lanígero, caprino, suino, por cabeça, metade de uma passagem de 3.ª classe.

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SESSÃO N.° 18 DE 21 DE AGOSTO DE 1905 23

N.º 5

Navegação costeira a vapor em torno da Ilha de S. Thomé

Tabella de fretes da bahia de Anna Chaves para qualquer dos portos da escala, ou vice-versa

[Ver tabela na imagem]

Itinerario

[Ver tabela na imagem]

Condições

1.ª Toda a carga é recebida e entregue ao portaló.

2.ª O sustento dos animaes a bordo é a cargo dos carregadores.

3.ª As descargas poderão ser coadjuvadas com as embarcações de bordo, mediante pagamento.

4.ª Quando o peso ou medição declarado pelo carregador á mercadoria for inferior em mais de 5 por cento ao que se veri6que, cobrar-se-ba em dobro o frete contado, sendo retida a mercadoria até embolso do supplemento de frete.

5.ª Quando as mercadorias não possam ser retiradas de bordo, pelo mau estado do mar ou por falta de embarcações do destinatario, regressarão á cidade pagando o carregador 50 por cento d'esse frete, ficando com direito a seguir na subsequente viagem.

6.ª Carga vinda da costa da Ilha, não retirada de bordo dentro de seis horas úteis, contadas d'aquella em que o navio fundear na bahia de Anna Chaves, pagará uma sobretaxa de 50 por cento sobre o frete que lhe venha a competir.

7.ª Volumes de grande peso de medição dependem de ajuste particular.

8.ª Nas praias Lagarto, Conchas, Almoxarife, Plancas e Ribeiro, que não constam do itinerario, o vapor só fundeara quando de terra lhe seja indicado por sinaes convencionaes que ha carga ou passageiros a embarcar.

9.ª Os fretes da presente tabella podem ser aumentados, segundo as circunstancias que serão consideradas entre o Governo e a Empresa.

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24 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

N.° 6

Serviço costeiro na Africa Occidental

Tabella de fretes

[Ver tabela na imagem]

Carga não especificada: - 4$000, 5$000, 6$000 e 5$000 por tonelada ou metro cubico, á opção do vapor.

Frete minimo: - 500, 600, 800 e 600.

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SESSÃO N.° 18 DE 21 DE AGOSTO DE 1905 25

N.º 7

Carreira de Lisboa ou Leixões, S. Thomé e Loanda para a costa oriental de Africa

Tabella de fretes por tonelada, metro cubico ou 600 litros

[Ver tabela na imagem]

Os fretes dos vinhos de pasto, tintos ou brancos, communs, teem o abatimento de quinze por cento e os vinhos licorosos o de dez por cento.

Descarga em Lourenço Marques, 2$200 réis. - Acostando aos caes pagará a tarifa respectiva.

Nos outros portos da província de Moçambique, 2$800 réis.

Estes fretes são aumentados com vinte por cento para os portos aonde haja trasbordo para os vapores costeiros.

Classificação da carga

Primeira classe. - Aduelas, alhos, arroz, asfalto, barro, batatas, café, cacau, cal, carris de feno, carvão, castanba verde, cascos vazios, cebola, cimento, cortiça ferro, coado e em bruto, chapas, varões e arcos de ferro, fio de vela, folha, louça ordinaria, madeiras o mais materiais de construcção, obra de vime, palha, panellas de ferro, papel para embrulhar, papelão, peixe em salmoura, fosforos amorfos, rolhas, sabão, ancaria vazia, sal, soda, tejolo ordinario e refractario, e vigas do ferro.

Segunda classe. - Aço em obra, aguardente, aguas mineraes, alcatrão, arame, azeite, bacalhau, bolacha, cabos, cachimbos de barro, candieiros e seus pertences, carros, carroças, carruagens e seus pertences, cereaes, cerveja, cofres do ferro, comestiveis, conservas, espingardas, farinha, feltro, ferragens, ferro em obra, fogões, folha em obra, fruta verde, garrafões vazios, genebra, generos coloniaes, latão em obra ordinário, legumes, licores, louça fina, machinas e machinismos, manteiga, mobilia, papel, pimentão, pinceis, sardinhas em conserva, tabaco, tintas, toucinho, velas de illuminação, vidros, vinho e vinagro.

Terceira classe. - Botões, calcado, chapeus, contaria, drogas, estopa, fazendas de algodão, lã e seda, fruta seca, livros, lonas, obrado latão fina, perfumarias o todos os mais artigos não especificados.

N.° 8

Carreira da Africa Oriental para Lisboa ou Leixões

Tabella de fretes

[Ver tabela na imagem]

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26 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

N.° 9

Serviço costeiro na Africa Oriental

Tabella de fretes

[Ver tabela na imagem]

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SESSÃO N.° 18 DE 21 DE AGOSTO DE 1905 27

N.º 10

Tabella de passagens para a costa occidental da Africa e vice-versa

[Ver tabela na imagem]

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N.° 11

Carreira de Cabo Verde

Tabella de passagens

[Ver tabela na imagem]

O passageiro que seguir de qualquer das ilhas para a Guino e vice-versa pagará uma passagem e meia da estipulada nesta tabella para a viagem de S. Vicente a Brava.

Os menores do 3 annos, livres; de 3 a 5 annos, 1/4 de passagem; de 5 a 10 annos, 1/2 passagem.

Bagagem livre de cada passageiro: em 1.ª classe, 1/2 metro cubico; em 3.ª classe, 1/4 de metro cubico.

O excedente é pago pela tabella da carga.

Os preços d'esta tabella não incluem comedorias.

A importancia das passagens não inclue comida mas dá direito, na 1.ª e 2.ª classe, a 1 beliche.

Haverá restaurante a bordo, sendo o preço de cada almoço 600 réis, e cada jantar 800 réis.

Bagagem concedida: 1/2 metro cubico para a 1.ª classe; 1/4 de metro para a 3.ª classe.

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30 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

N.° 12

Navegação costeira a vapor em torno da Ilha de S. Thomé

Tabella de passagens (sem comedorias)

[Ver tabela na imagem]

Crianças:

Até 2 annos, grátis; de 2 a 4 annos, 1/4 de passagem; de 4 a 9 annos, 1/2 passagem.

Serviçaes:

Grupos de 3 a 10 serviçaes abatimento de 15 por cento.

Grupos de 10 a 20 serviçaes abatimento de 20 por cento.
Grupos de 20 a 30 serviçaes abatimento de 25 por cento.
Grupos de 30 a 40 serviçaes abatimento de 30 por cento.
Grupos de 40 a 50 serviçaes abatimento de 40 por cento.
Grupos de 50 para cima serviçaes abatimento de 50 por cento.

Condições

Passageiro algum pode alterar o seu desembarque para fora do grupo para que tomar bilhete, sem que pague qualquer differença que para mais se dê entre o que haja satisfeito e o preço até o ponto para que altere a sua saida.

Como bagagem de transporte gratuito entende-se um pequeno volume de mão. Qualquer outro volume está sujeito a frete e será embarcado de vespera, quando a viagem começar de madrugada.

O passageiro que faltar á saida do vapor perde metade da sua passagem.

No porto da cidade nenhum passageiro é recebido a bordo sem estar munido do bilhete passado pela respectiva agencia.

Nas praias: Lagarto, Conchas, Almoxarife, Planca e Ribeiro, que não constam do itinerario, o vapor fundeará quando de terra lhe seja indicado, por sinaes convencionaes, que ha passageiros a receber.

Os preços das passagens podem ser aumentados de acordo com o Governo e a empresa adjudicataria, quando as circunstancias assim o exijam.

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N.° 13

Serviço costeiro na Africa Occidental

Tabella das passagens

[Ver tabela na imagem]

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SESSÃO N.º 13 DE 21 DE AGOSTO DE 1905 33

N.° 14

Tabella das passagens de Lisboa e Leixões para os portos da Africa Oriental e vice-versa

[Ver tabela na imagem]

Os trabalhadores ou serviçaes indígenas contratados, que viagem entre os portos da costa oriental e S. Thomé ou vice-versa, teem o abatimento de 50 por cento na tarifa das suas passagens em 3.ª classe.

Crianças até um anno gratis, de um anno para cima uma decima sexta parte de passagem por cada anno que tiverem até completarem 16 annos.

N.° 15

Tabella de passagens entre os portos da costa oriental de Africa

[Ver tabela na imagem]

As passagens no convés não incluem refeições.

Haverá restaurante a bordo, sendo o preço do almoço 600 réis, e jantar 900 réis.

O passageiro de 1.ª e 2.ª classe tem direito a um beliche.

Bagagens: 1/2 metro cubico de 1.ª e 2.ª classe; 1/4 metro para 3.ª classe.

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34 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

N.° 16

Refeições

1.ª camara

Das seis ás oito horas da manhã

Chá, café, chocolate, leite: biscoitos, torradas, pão, queijo e manteiga.

Almoço

Ás dez horas da manhã

Peixe, uma entrada, ovos, bifes ou costelletas, dois pratos frios, azeitonas, conserva, queijo, manteiga, chá, café e leite.

Lanche

Ás duas horas da tarde

Sopa, dois pratos frios de carne, um prato frio de peixe, queijo, manteiga, frutas verdes e secas e doce

Ás quatro horas da tarde

Chá e biscoitos.

Jantar

Ás seis horas da tarde.

Sopa, relevé, três entradas, um legume, um assado, salada, doce, queijo, frutas verdes e secas, chi e café.

Ás nove horas da noite

Chá, biscoitos, torradas, pão, queijo e manteiga.
Vinho á discreção ao almoço e ao jantar.

2.ª camara

Das seis és oito horas da manhã Café, leite, biscoitos, pão e manteiga.

Almoço

Ás dez horas da manhã

Peixe, uma entrada, bifes ou costelletas com ovos ou batatas, um prato frio, azeitonas ou conserva, manteiga, chá, café e leite.

Lanche

Ás duas horas da tarde

Sopa, dois pratos frios, queijo, frutas verdes e secas.

Jantar

Ás seis horas da tarde

Sopa, relevé, duas entradas, um legume, um assado, salada, queijo, frutas verdes e secas, chá e café.

Ás nove horas da noite

Chá, biscoitos, pão e manteiga.
Vinho á discreção ao almoço e ao jantar.

3.ª camara

Ás sete e meia horas da manhã

Café e bolacha.

Almoço

Ás nove horas da manhã

Peixe ou bacalhau ou carne, café e pão.

Jantar

Ás três horas da tarde

Sopa, carne cozida ou assada com arroz e batatas, dois decilitros de vinho e pão.

Ás sete horas da tarde

Chá, pão com manteiga.
Ao domingo, doce ou fruta ao jantar.

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SESSÃO N.º 18 DE 21 DE AGOSTO DE 1905 35

Proposta de lei n.° 10-P

Senhores. - A rede dos cabos submarinos que amarram no continente e ilhas adjacentes e nas diversas provincias dos nossos dominios coloniaes já attinge um desenvolvimento consideravel, sendo bem conhecidas as razões de interesse publico que teem levado o Governo, em diversas epocas, a propor ao Parlamento as concessões que regem a exploração d'essas linhas.

As mais importantes dessas concessões teem sido feitas ás companhias inglesas Eastern Telegraph, Western Telegraph, Eastern & South African Telegraph, West African Telegraph e Europe & Azores Telegraph, as quaes actualmente são todas associadas da primeira, da Eastern Telegraph, a mais antiga do grupo e certamente uma das mais poderosas empresas n'este genero de emprehendimentos, podendo afoitamente affirmar-se que quasi todas teem sido feitas em condições vantajosas para o Estado e para o Thesouro, ao qual teem trazido, sem encargos pecuniarios, lucros importantes.

A receita annual d'esta proveniencia já attinge actualmente um valor muito elevado, que provavelmente ainda crescerá em breve prazo a muito maiores proporções. Assim, só a importancia das taxas de transito e as percebidas pelo trafego nos cabos da Eastern, Western e Europe & Azores, que em 1870 se elevavam apenas a 11:118 francos, ouro, (antes de abertos á exploração os cabos da ultima d'aquellas companhias), foi em 1885 de 125:243 francos, em 1895 de 543:446 francos, em 1901 de 857:413 francos e no primeiro semestre de 1902 chegou á somma de 496:957 francos.

A exploração dos cabos que amarram em territorio portugues confirma, pois, não só os créditos de idoneidade technica e de aptidão commercial tão largamente confirmados por outros trabalhos de grande extensão e difficuldade executados por aquellas empresas, como ainda as sabias disposições contidas nos contratos que o Parlamento tem sanccionado em diversas épocas.

Contrastando, porem, com estas vantagens obtidas pelo Estado da exploração da maioria dos cabos em serviço, a concessão dos cabos de Africa Occidental, primitivamente feita ao Conde Thadeu de Oksza, em 1884, e transferida depois á West African Telegraph muito antes desta companhia se encorporar no grupo da Eastern, a que hoje pertence, tem trazido constantes encargos ao Thesouro, que, tendo attingido nos primeiros annos da exploração mais de 180 contos de réis annuaes, ainda hoje importam um despendio oscillante entre 111 e 130 contos de réis annuaes, aproximadamente, que a tanto sommam as garantias do trafego a cargo do Governo Português. Apesar destas garantias e comtudo, certo que a propria Companhia West African não tem fruido vida desafogada, antes se tem mantido apenas, segundo parece, pelo poderoso auxilio do grupo a que se ligou ha alguns annos.

Este encargo proveniente dos contratos vigentes com a Companhia West African está longe de extinguir-se, pois que a referida garantia de trafego, incidente em quasi toda a extensão dos cabos, é ainda subsistente por mais sete annos.

Foi n'estas circunstancias que a Companhia Eastern as suas associadas, com a evidente intenção de offerecerem ao Governo Português ensejo de diminuir os seus encargos pecuniarios em relação ás linhas de Africa Occidental, vieram solicitar, em troca da prorogação dos seus privilégios, a diminuição d'aquella garantia e o complemento, por meios apropriados, entre os quaes se comprehende a telegraphia sem tios, da rede submarina, pertencente ao Estado, que actualmente liga muitas ilhas do archipelago açoriano, satisfazendo se, de tal modo, as constantes aspirações dos povos açorianos e o desejo tanta vezes manifestado pelo Governo, de deferir as justas só licitações desses povos.

O Governo transacto, animado do desejo de simultaneamente realizar uma importante economia e um melhoramento tão desejado, tencionou apresentar ao Parlamento uma proposta de lei tendente a deferir, era harmonia com os interesses publicos, os pedidos d'aquellas empresas.

Não pôde, porem, realizar em tempo opportuno esse desejo, por não estarem ultimadas as negociações emprehendidas para aquelle fim.

Em nome do interesse publico resolveu em junho passado publicar um decreto dictatorial sobre o assumpto, em que se fixassem as garantias concedidas e os beneficios obtidos.

N'elle se estabelecia que, em troca das prorogações dos direitos exclusivos de que gozam as Companhias Eastern e Western, e da concessão á Eastern and South African do direito exclusivo de amarração de cabos submarinos na costa oriental da Africa, se estipulasse a reducção de 25 por cento no encargo resultante da garantia de trafego nos casos da Africa Occidental, a amarração do cabo submarino da costa oriental com a Beira e Quelimane, e a obrigação de ligação, por meio da telegraphia sem fios conductores ou, no caso d'esta ser improficua, por meio de cabos submarinos, das ilhas de Santa Maria, Flores e Corvo á rede dos Açores.

Demorou ainda a solução definitiva do assumpto, apear de impresso já o decreto dictatorial, em virtude de reflexões feitas pelo Ministerio da Marinha e das quaes adveio conseguir o illustre ministro d'aquella pasta elevar, reducção de 25 por cento a 30 por cento na importancia effectiva que todos os annos onera o Thesouro pela garantia concedida á West e derivada do contrato de 1885 em 15 de outubro mandou este illustre estadista elaborar a respectiva proposta de lei e nesta, se se quisesse dar ao publico apreciavel reducção nas taxas dos telegrammas para a nossa Africa Occidental, seria ella temporaria e ibsorveria, em parte ou na totalidade, o beneficio proveniente d'aquella reducção de garantia.

A crise ministerial sobrevinda impediu que se convertesse em realidade, ou pelo menos em proposta de lei, a combinacão a que se chegara.

Não satisfizeram ao actual Governo as vantagens que eram dadas ao país em troca de prorogação de privilegios demasiado longa - 25 annos - e da criação de um novo exclusivo, qual o de amarração nas nossas possessões da Africa Oriental. Aquellas deviam ser maiores e os beneficios dados ás companhias sensivelmente reduzidos. Não foi facil a tarefa, tanto mais que as negociações estavam ultimadas.

Todavia muito se conseguiu, como O Parlamento facilmente apreciará, examinando o que se obteve e que, representando vantagens muito inferiores para as companhias, trouxe para o país lucro de centenas de contos. Os exclusivos da Eastern e da Western serão prorogados, não por 25 annos, mas por 15 annos apenas, sendo cerceadas as isenções aduaneiras que áquella eram dadas, e a Eastern & South African obterá, não um exclusivo, mas simplesmente o direito de preferencia na costa oriental da Africa Portuguesa, sendo certo que, marcado o prazo de 25 annos para aquelle nas negociações do Governo transacto, a preferencia só será gozada durante 20 annos. O que se obteve no tocante ás tarifas telegraphicas, alem do que se conseguiu na reducção effectiva da garantia que pelo contrato de 1885 demos á West African, resalta, com eloquencia, do exame das negociações feitas. A enorme conquista alcançada para o publico e o beneficio advindo para o Thesouro na importancia a despender nos telegrammas para a Africa Occidental avalia-se nitidamente pelo seguinte quadro, tomando o franco a 220 réis, importancia que lhe era marcada na epoca das negociações:

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[Ver tabela na imagem]

Para os telegrammas officiaes conseguiu-se que as tarifas fossem 50 por cento das reduzidas.

Sabendo se que a West African tem garantido o exclusivo, attento o contrato de 1885, por vinte e dois annos ainda, facilmente se apura a enorme vantagem que do contrato feito advém.

Isto só por si pode avaliar-se em muitas centenas de contos de réis, cerca de 300:000$000 réis para o Thesouro e de 450:000$000 réis para o publico, admittindo um movimento telegraphico apenas igual ao do anno ultimo, sendo quasi seguro que em muito mais se deve computar o beneficio conseguido, visto como é de prever que o trafego telegraphico augmentará.

Alem d'isto fica definitivamente garantida uma differença annual importante das nossas responsabilidades para com a West African, a qual, na peor hypothese, será nos dois primeiros annos do contrato de menos 23:000$000 réis annualmente do que foi em 1904, e de menos 31:000$000 réis nos cinco seguintes, ou seja um lucro de, pelo menos, 201:000:5000 réis nos sete annos em que se mantém a garantia que concedemos á West African em 1885.

Por seu turno fixou-se tambem que todas as vantagens alcançadas posteriormente aos contratos que iam ser prorogados se manteriam, o que tem apreciavel valor, attenta a redução de que ulteriormente começavam a gozar os telegrammas officiaes nalguns dos cabos d'aquella companhia.

O Governo transacto fora sondado officiosamente sobre se acceitaria uma proposta que se dizia proveniente de entidades portuguesas, e relativa á amarração de cabos submarinos entre Portugal e outro país da Europa, entre Portugal e o Brasil, tocando na Madeira e em Cabo Verde, e entre estas, ilhas e a Africa Central, sem prejuizo das concessões já feitas a outras companhias, e relativa tambem ao exclusivo por trinta e tres annos da telegraphia, sem fios, dando-se ao Governo, porem, o direito de a todo o tempo chamar a si esse serviço, pagando á companhia o custo das installações. Essa companhia seria fundada com o capital de 2.000:000 de libras ou 9.000:000$000 réis, ouro.

Ao Governo actual foi oficialmente apresentada uma proposta análoga, differente d'aquella em não se pretender o exclusivo da telegraphia sem fios, mas a exploração desta, e em se dar uma reducção de 20 por cento sobre as taxas maximas actuaes, quer para os telegrammas ordinarios, quer para os officiaes.

Segundo as informações fornecidas pelo seu autor, e o Governo sabia ser isso exacto, era a proposta patrocinada por uma poderosa instituição bancaria allemã.

Isto significa que, apparentemente nacional, era, pelo capital, estrangeira, como o são as companhias com as quaes foi feito o contrato provisório e no qual se define que, quer no exercicio dos seus direitos, quer no cumprimento das suas obrigações, em territorio nacional, ficarão sujeitas ás leis regulamentares e tribunaes portugueses, seja qual for a nacionalidade das pessoas que as constituirem ou representarem.

Affirma-se mais no contrato que as questões relativas á execução ou interpretação do contrato serão decididas por árbitros nomeados em igual numero pelo Governo e pelas empresas, sendo, no caso de empate, e não havendo acordo na nomeação do arbitro que deverá definitivamente resolver o litigio, nomeado o que o Supremo Tribunal de Justiça indicar.

Só parece que, na realidade, apreciavel fosse a differença de situação a este proposito.

Visava a proposta a criar a livre concorrencia em substituição do regime de exclusivos até hoje vigente e a nacionalizar a telegraphia submarina.

Quanto á nacionalização, facilmente se aprecia o seu alcance, sendo o capital estrangeiro, e nem outra cousa seria fácil, porquanto teria de ir muito alem de 9:000 contos (ouro) o dispendio para estabelecer todas aquellas ligações requeridas, tanto mais que seriam feitas por cabos duplos.

Na proposta de que venho tratando explorar-se-iam os cabos:

a) Entre o continente português, Madeira, Cabo Verde e Brasil;

b) Entre aquelle e um porto da Europa;

c) Entre o mesmo e as colonias portuguesas de Africa Occidental e Oriental.

Admittindo mesmo que todo o movimento nacional se fizesse por aquelles cabos, tendo de excluir o das possessões de Africa Occidental, a que se refere o contrato de 1885 por mais de uma vez citado, facil e apurar como financeiramente seria inferior o resultado obtido, afora a circunstancia de poder ser desviado o trafego, que em grande massa se faz pelas linhas inglesas, que em portos nossos amarram e que tem engrossado de anno para anno. Mais sensivel seria a differença para o Governo se a reducção de 20 por cento abrangesse as taxas terminaes e de transito que ao Governo pertencem, como é presumivel.

Entrar em tal caminho seria uma verdadeira aventura financeira, alem de mais.

Por seu turno, no tocante á telegraphia sem fios, é principio geralmente seguido entre nós e em diplomas officiaes já consignado, que deve ser explorada pelo Estado.

Não parece facil, exposto isto, que a orientação u seguir fosse differente da tomada pelo Governo: obter das prorogações dos privilégios e de outras vantagens concedidas, o máximo que fosse possivel em beneficio do Thesouro e do publico e fazer aquella por um lapso de tempo reduzido.

Como acima fica dito, grandes teem sido os beneficios advindos ao país das concessões de que gozam a Eastern e a Western, pelo augmento do trafego successivamente crescente, e natural é que o seu progredimento successivamente se acuse com utilidade para as companhias e para o nosso país.

Quanto á preferencia dada á Eastern & South African, relativamente á amarração na nossa Africa Oriental, creio que valiosa compensação se encontra na ligação, á rede de cabos submarinos, da Beira e Quelimane, que, muito onerosa na installação, será pouco remuneradora para aquelles, por dever ser diminuto o trafego telegraphico a que darão origem. A despesa a fazer é calculada superior a cem mil libras.

Pelo que respeita ao complemento das ligações entre as ilhas dos Açores, é ocioso encarecer a sua importancia, de todos bem conhecida, convindo notar que o problema de ligar telegraphicamente a Ilha das Flores ao Faial, por meio da telegraphia senrfios conductores, não deve offerecer difficuldades insuperaveis, por isso que se tem conseguido vencer com exito distancias muito mais consideraveis; e é indispensavel adoptar esta solução, por ser opinião dos technicos mais abalisados que um cabo submarino estabelecido n'estas paragens deve ter vida curta e precaria.

Apresentando a proposta de lei para que pede a sancção do Parlamento, não quer o Governo deixar de consignar que encontrou nas companhias referidas um procedimento sempre leal, o que não significa que não defendessem acrisoladamente os seus legitimos interesses, como o Governo devotadamente defendeu, o isso lhe cumpria, os da nação.

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Proposta de lei

Artigo 1.° É approvado o contrato celebrado em 11 de fevereiro de 1905 entre o Governo e as Companhias Eastern Telegraph, Western Telegraph e Eastern & South African Telegraph, relativo á prorogação por 15 annos dos direitos e privilégios exclusivos concedidos á Eastern pelo contrato de 19 de março de 1870 e renovado pelo artigo 36.º do contrato de 17 de junho de 1893 e á Western Telegraph, successora da Brasilian Telegraph, pelo contrato de 12 de novembro de 1872 e já renovados pelo artigo 36.° do contrato de 17 de junho de 1893; e relativo tambem á concessão por 20 annos do direito de preferencia na amarração na nossa costa de Africa Oriental á Eastern & South African Telegraph, excluidos os que tenham sido concedidos a outras empresas por contratos ainda vigentes.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.

Secretaria de Estado dos Negócios da Marinha e Ultramar, em 21 de agosto de 1905.= Manoel Antonio Moreira Junior. = D. João de Alarcão Velasques Sarmento Osorio.

Contrato provisorio

Aos 11 dias do mês de fevereiro de 1905, no Ministerio das Obras Publicas, Coramercio e Industria e gabinete de S. Exa. o Ministro, onde vim eu, Alfredo Pereira, do Conselho de Sua Majestade, servindo de secretario geral do mesmo Ministerio, ahi se achavam presentes, de uma parte o Illmo. e Exmo. Sr. Conselheiro Manoel António Moreira Junior, Ministro e Secretario de Estado dos Negócios da Marinha e Ultramar, e o Illmo. e Exmo. Sr. Conselheiro Eduardo José Coelho, Ministro e Secretario de Estado dos Negocios das Obras Publicas, Commercio e Industria, como primeiros outorgantes em nome do Governo, e da outra parte, como segundo outorgante, o Sr. Carlos Ferreira dos Santos Silva, representante das Companhias Eastern Telegraph, Western Telegraph, successora da Brasilian Submarine Telegraph, Eastern & South African Telegraph e Europe & Azores Telegraph, que provou ser por documentos autenticos que ficam archivados na Secretaria Geral dcste Ministerio, assistindo tambem o Illmo. e Exmo. Sr. Conselheiro Antonio Candido Ribeiro da Costa, procurador Geral da Coroa e Fazenda; e por elles Exmos. Ministros, primeiros outorgantes, foi dito na minha presença e das testemunhas ao deante mencionadas que, tendo o Governo resolvido usar da faculdade concedida pelo artigo 24.° da organização dos serviços de telegraphos, correios e industrias electricas, approvada por decreto com força de lei de 24 de dezembro de 1901, cujo teor é o seguinte: "Artigo 24.° As concessões para o estabelecimento de exploração de cabos submarinos serão feitas por lei, podendo porem o Governo celebrar, mediante concurso ou sem esta formalidade, os contratos provisorios que hajam de ser submettidos a approvação das Côrtes", contratava provisoriamente com as referidas Companhias, representadas pelo segundo outorgante Carlos Ferreira dos Santos Silva, o que consta das clausulas abaixo escritas, ao cumprimento das quaes elles Exmos. Ministros se obrigam em nome do Governo e o segundo outorgante em nome das Companhias que representa, ficando bem entendido, todavia, que este contrato provisorio só se tornará definitivo depois da approvação das Côrtes, a cuja sancção será apresentado na proxima sessão do Parlamento.

Clausula 1.ª

O Governo Português obriga-se:

a) A prorogar por mais 15 annos os direitos e privilégios exclusivos concedidos á Companhia Eastern Telegraph pelo contrato de 19 de março de 1870 e já renovados pelo artigo 36.° do contrato de 17 de junho de 1893;

b) A prorogar por mais 15 annos os direitos e privilegios exclusivos dai Companhia Western Telegraph, sucsessora da Brasilian Submarine Telegraph, concedidos pelo contrato de 12 de novembro de 1872 e já renovados pelo artigo 36.° do contrato de 17 de junho de 1893;

c) A conceder á Companhia Eastern & South African Telegraph, por 20 annos, o direito de preferencia para a amarração de cabos submarinos na costa oriental da Africa Portuguesa, com exclusão dos que tenham sido concedidos a outras empresas por contratos ainda vigentes.

Clausula 2.ª

A Companhia Eastern & South African Telegraph obriga-se:

a) A ligar a Beira e Quelimane com a sua rede submarina;

b) A lançar um novo cabo submarino directo entre Moçambique e Durban, logo que o tranco o exija e o Governo Português assim o reconheça.

Clausula 3.ª

As Companhias Eastern Telegraph e Western Telegraph obrigam-se a pagar annualmente á Companhia West Afrieaa Telegraph, ou á empresa ou companhia para que se transfiram legalmente os direitos e obrigações desta, trinta por cento da importancia que o Governo é obrigado a pagar á mesma companhia em virtude da garantia fixada no contrato celebrado entre esta companhia e o Governo Português em 5 de junho de 1885, ficando bem entendido, e disto tomam a responsabilidade as referidas companhias Eastern e Western que, em caso algum, a somma pagavel pelo Governo Português excederá réis 88:000$000 por anno até junho de 1907, data a partir da qual esta somma será reduzida a 80:000$000 réis. Obrigam-se outrosim a realizar os precisos acordos com a Companhia West African e tomam a responsabilidade de que as taxas totaes dos telegrammas ordinarios e officiaes do Governo Português entre Portugal e as suas colonias na costa occidental da Africa sejam as seguintes:

Telegrammas ordinarios. - Bissau e Bolama, fr. 3,85; S. Thomé, fr. 5,72 1/2 Principe, fr. 5,725 1/2; Loanda, fr. 6,22 1/2; Benguella, fr. 6,22 1/2; Mossamedes, fr. 6,225 1/2.

Telegrammas officiaes. - Bissau e Bolama, fr. 1,92 1/2; S. Thomé, fr. 2,86 1/4; Principe, fr. 2,86 1/4; Loanda, fr. 3,11 1/4; Benguella, fr. 3,11 1/4; Mossamedes, fr. 3,11 1/4.

As quantias que serão creditadas, em reducção da garantia de 188:550$000 réis, serão as seguintes:

Telegrammas ordinarios. - Bissau e Bolama, fr. 2,66; S. Thomé, fr. 4,51; Principe, fr. 4,59; Loanda, fr. 5,22; Benguella, fr. 4,56; Mossamedes fr. 4,13.

Telegrammas officiaes. - Bissau e Bolama, fr. 1,33; S. Thomé, fr. 2,25 1/2; Principe, fr. 2,29 1/2; Loanda, fr. 2,61; Benguella, fr. 2,88; Mossamedes, fr. 2,6 1/2.

Clausula 4.ª

A Companhia Eastern Telegraph obriga-se a estabelecer, por forma que possam ser abertas á exploração no mais curto prazo possivel, que não excederá dois annos contados da data do contrato definitivo, as estações necessarias para communicação por meio da telegraphia sem fios conductores, entre Ponta Delgada e a Ilha de Santa Maria, do Archipelago dos Açores, entendendo-se que a referida companhia será obrigada não sómente a construir por sua conta o edificio necessario para a estação em Santa Maria como a estabelecer os mastros, apparelhos e instrumentos que o Governo julgar necessarios para o regular funccionamento das duas estações, que ficarão sendo propriedade do Governo e serão exploradas por conta deste pelo Ministerio das Obras Publicas, Commercio e Industria.

Clausula 5.ª

Caso o Governo Português, durante o periodo fixado na clausula 4.ª, reconhecer, em diploma publicado na Fo-

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lha Official, que é impraticavel o estabelecimento ou o regular funccionamento das communicações a que se refere a mesma clausula, a Companhia "Eastern Telegraph" será obrigada a estabelecer a ligação entre a Ilha de Santa Maria e Ponta Delgada, por meio de um cabo submarino, que será lançado e aberto á exploração no periodo de um anno, a contar da data em que o Governo Português tiver reconhecido officialmente aquella impraticabilidade.

§ unico. A Companhia "Europe & Azores Telegraph" obriga-se a acceitar, em relação a este cabo, os encargos e obrigações que, pelos contratos de 17 de junho de 1893, e 29 de julho de 1899, pertencem aos restantes cabos dos Açores, que são propriedade do Governo Portugues, ficando todavia dispensada do cumprimento da clausula 4.ª deste ultimo.

Clausula 6.ª

A Companhia "Eastern Telegraph" estabelecerá, por forma que possam ser abertas á exploração no mais curto prazo possivel, que não excederá dois annos, contados da data do contrato definitivo, as estações necessarias para communicação por meio de telegraphia sem fios conductores entre o Faial e as ilhas das Flores e Corvo, entendendo-se que a referida Companhia será obrigada não sómente a construir por sua conta os edificios necessarios para as estações nas Flores e Corvo, como a estabelecer os mastros, apparelhos e instrumentos que o Governo julgar necessarios para o regular funccionnmento das tres estações, que ficarão sendo propriedade do Governo e serão exploradas por conta deste pelo Ministerio das Obras Publicas Commercio e Industria.

§ unico. Logo que estejam a funccionar regularmente as tres estações de telegrapho sem fios conductores, a Companhia Europe & Azores Telegraph será dispensada do cumprimento da clausula 2.ª do contrato de 29 de julho de 1899.

Clausula 7.ª

Caso o Governo Português, durante o periodo fixado na clausula 6.ª, reconhecer, era diploma publicado na Folha Official, que é impraticavel o estabelecimento ou o regular funccionamento da communicação entre o Faial e a Ilha das Flores a que a mesma clausula se refere, a Companhia Eastern Telegraph pagará de indemnização ao mesmo Governo a importancia de 5:000 libras esterlinas.

Clausula 8.ª

Cada uma das estações de telegraphia sem fios conductores a que se referem as clausulas 4.ª e 6.ª será estabelecida com um systema de apparelhos que permitta não sómente as communicações entre as ilhas respectivamente mencionadas n'essas clausulas, como a correspondencia com os navios no mar.

§ unico. O Governo Português obriga-se a explorar o serviço, das estações de telegraphia sem fios conductores, em harmonia com os preceitos das convenções internacionaes vigentes, sobre o assumpto, a que o mesmo Governo tenha adherido.

Clausula 9.ª

As estações de telegraphia sem fios conductores a que se referem as clausulas 4.ª e 6.ª, serão estabelecidas em conformidade com os projectos previamente approvados pelo Governo, pelo Ministerio das Obras Publicas, Commercio e Industria.

§ unico. Concluido o estabelecimento das referidas estações verificado que satisfazem ás condições dos projectos approvados, considerar-se-hão as installações como definitivamente recebidas, lavrando-se o respectivo auto que será entregue á companhia concessionaria, como prova do cabal cumprimento das mencionadas clausulas.

Clausula 10.ª

Fica expressamente declarado que todas as vantagens obtidas pelo Governo Portugues posteriormente á celebração dos contratos vigentes até esta data, feitos com as companhias Eastern Telegraph, Western Telegraph e Eastern & South African Telegraph serão integralmente mantidas.

Clausula 11.ª

As companhias a que se refere este contrato, no exercicio dos seus direitos e no cumprimento das suas obrigações em territorio português, tanto nas suas relações com o. Estado como nas suas relações com o publico, ficarão sujeitas para todos os effeitos ás leis e regulamentos e aos tribunaes portugueses, qualquer que seja a nacionalidade das pessoas que as constituirem e das que as representarem.

Clausula 12.ª

Todas as questões que se suscitarem entre o Governo e as empresas sobre a execução ou interpretação d'este contrato serão decididas por arbitros, dos quaes dois serão nomeados pelo Governo e dois pelas empresas. Para prevenir o caso de empate sobre o objecto em questão será um quinto arbitro nomeado a aprazimento de ambas as partes.

Faltando acordo para esta nomeação, será deferida ao Supremo Tribunal de Justiça a nomeação do quinto arbitro.

E com as clausulas acima exaradas deram os outorgantes por feito e concluido o presente termo de contrato provisório, ao qual assistiram como testemunhas presentes os amanuenses d'este Ministerio Arthur Eduardo Chichorro da Costa e António João de Bastos Junior.

E eu Alfredo Pereira, do Conselho de Sua Majestade, servindo de Secretario Geral deste Ministerio, em firmeza de tudo e para constar onde convier, fiz escrever, rubriquei e vou subscrever o presente termo de contrato provisório, que vão assignar commigo as pessoas já mencionadas depois de lhes ser lido por mim e de ter sido verificado por todas que a folio 157 está feita a competente resalva das emendas feitas nas linhas 28.ª e 30.ª do mesmo folio.

Logar de duas estampilhas do imposto do sello na importancia total de 1$700 réis, devidamente inutilizadas com a data 11 de fevereiro. = (Assinados) Manoel Antonio Moreira Junior = Eduardo José Coelho = Carlos F. dos Santos Silva = Arthur Eduardo Chichorro da Costa = Antonio João de Bastos Junior = Alfredo Pereira.

Fui presente = Antonio Candido Ribeiro da Costa.

Está conforme. - Secretaria Geral do Ministerio das Obras Publicas, Commercio e Industria, em 15 de fevereiro de 1905. = Servindo de Secretario Geral, Alfredo Pereira.

Proposta de lei n.° 10-Q

Senhores. - Os países coloniaes que com desvelo tratam do desenvolvimento dos seus territorios ultramarinos, cuja riqueza carinhosamente procuram alimentar e fazer progredir, não esquecem que a base essencial d'aquelle desenvolvimento reside na instrucção apropriada dos que nas suas possessões empregam a intelligencia e exercitam ;a actividade.

Esta será tanto mais fecunda quanto mais util e solida for a instrucção d'aquelles a quem a vida colonial attrae, ou se veem obrigados a emigrar para afastadas regiões, attenta a plethora do funccionalisino metropolitano e as difficuldades, ás vezes insuperaveis, que na mãe patria embaraçam as differentes carreiras, o que de anno em anno se torna mais grave.

Na phase de effervescencia colonial que atravessamos e em que é necessario caminhar depressa, sendo preciso até decidido arrojo da parte dos governos nos planos que con-

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cebem sobre o progredimento dos territórios em que a acção colonizadora tem de se affirmar, tudo será pouco frutifero sem a conveniente instrucção dos que lá vão exercer o seu labor, na esphera das funcções administrativas, ou tenham de o empregar fora d'ella.

A todos é indispensavel instrucção sabiamente orientada e pratica, e quanto maior for a diffusão desta e mais perfeitos os processos empregados, mais benéficos serão tambem os resultados colhidos. De resto, para que se torne proficuo o nosso dominio, é mister não só cuidar do ensino colonial metropolitano, como tambem da instrucção que nas colonias tenha de ser dada e nas quaes infelizmente é, entre nós, deficientissima e impropria.

Util em, these, mais evidentes se revelam as vantagens do ensino colonial quando se conjugue o ensino metropolitano com o das colónias, tal como deve ser ministrado n'ellas. Por esta forma se tornará tambem cada vez mais intensa e arreigada a nossa influencia.

Com effeito, aquelles povos, na sua maioria rudes, não são insensiveis aos serviços que se lhes façam e que a breve trecho se traduzam em beneficios reaes, como são os que rapidamente hão de compensar os esforços patrioticos que neste sentido se empreguem. Tão certo isto é, como louca será a pretensão e censuravel o desperdicio de trabalho meramente especulativo, de tudo que se não manifeste com utilidade bem visivel.

N'aquellas remotas regiões alguma cousa principalmente deve neste sentido dominar: o ensino profissional.

Não é só nas velhas sociedades, mas mais fortemente ainda n'aquelles povos que da primitiva rudeza queremos chamar ao convivio social, que, de forma inilludivel, o ensino essencialmente pratico se impõe.

Criar agricultores que saibam o seu mister, negociantes que sejam esclarecidos, homens de trabalho e de negocios, no melhor sentido destas expressões, tal deve ser o fito principal da instrucção a diffundir nas colonias.

Implantar ou manter estudos classicos, cousas theoricas que reflictam as velhas formulas do ensino metropolitano, seria um erro grave.

A uniformidade do ensino, porem, seria lamentavel, embora aquelle principio fundamental se mantenha: differenças devem existir e, numa sabia organização, a ellas é indispensavel attender; differenças harmónicas com os usos e costumes, grande desenvolvimento e até a religião dos varios povos em que a acção civilizadora terá de exercer-se.

D'aqui se deduz que não é simples a tarefa e que multiplos são os factores a interferir, quando se queira espalhar largamente, nas nossas possessões, a instrucção, o mais poderoso meio de as valorizar em trabalho reproductivo.

Na instrucção a dar aos indigenas; derramando os conhecimentos praticos mais uteis, alguma cousa, ha de que não nos devemos esquecer tambem: diffundir a nossa lingua, um dos mais valiosos instrumentos de assimilação.

Elucidativos são os exemplos que em nações mais positivas no aproveitamento das riquezas coloniaes podemos colher.

Independente de outros exemplos, e bem frisantes, a servir-nos de norma neste campo da actividade governativa, temos, bem recente, o do general Gallieni em Madagascar, cuja acção guerreira e educativa se tem desentranhado nos mais bellos frutos para a França.

Após a acção militar, pela qual tornou respeitado o predominio francês n'aquella vasta região, soube implantar as medidas essenciaes para adoçar este e influir no progredimento material d'aquella grande ilha, criando e desenvolvendo escolas profissionais e tornando obrigatorio em todas, mesmo nas particulares, o ensino da lingua francesa.

Não é, porem, trabalho tão singelo como num exame perfunctorio da questão poderia parecer, o que disto tudo deriva e, porque assim é, no intuito de ser realmente util, julguei preciso pedir aos governadores das nossas possessões ultramarinas os elementos indispensaveis a uma remodelação do ensino, em cada uma d'ellas. Para tanto, foi-lhes indicado consultarem as entidades officiaes ou particulares que mais e melhor poderiam contribuir para uma justa solução do magno problema.

Se não é conveniente proceder a esta remodelação do ensino nas colónias sem os esclarecimentos e indicações pedidas, apropriando algumas instituições existentes, eliminando outras e criando novas, alguma cousa, todavia, se pode fazer já quanto á organização do ensino colonial na metrópole. Sejam modestos os moldes .muito embora, e susceptiveis de successivos aperfeiçoamentos, mas lancem-se as suas bases essenciaes.

N'este sentido o que deve fazer-se?

Deve haver uma instrucção geral, util a quantos para as colonias vão, e, particularmente, para os que se empreguem em funcções administrativas, mas, afora isto, preciso é tambem estabelecer a instrucção especializada, technica, concernente ás profissões mais importantes, pelo menos.

Os funccionarios administrativos, propriamente ditos, difficilmente poderão desempenhar em cada colónia o seu cargo, com evidente utilidade, sem os conhecimentos que da referida instrucção adveem, da mesma forma que os technicos não poderão cumprir a sua missão na ausencia do ensino conveniente, o que não significa que o ensino geral lhes não possa servir de grande auxilio tambem.

No que respeita ao ensino technico, tres formas principaes deve revestir: o ensino agricola, o ensino commercial e o ensino medico.

No que á ultima modalidade convém, já estão lançados os fundamentos essenciaes, o que é honroso para o meu illustre antecessor, Conselheiro Teixeira de, Sousa, que de tal se occupou.

Todavia, no que é concernente ao ensino commercial, figura-se-me insuficiente o que está estabecido; alguma cousa se deve fazer não só como complemento de estudo para aquelles que nos cursos de commercio dos nossos Institutos Industriaes e Commerciaes tenham colhido o ensino superior ou o ensino secundario do commercio, mas ainda como base essencial de educação de quantos, sem a instrucção n'estes estabelecimentos colhida, á vida commercial se queiram dedicar e é de presumir que constituam a grande massa dos que, pertencendo a familias pobres ou muito modestas estarão dispostos a empregar-se no commercio colonial.

Fazer isto, mais não é do que imitar nações previdentes, bem orientadas no capitulo da colonização e nas quaes os esforços governativos se consorciam com os. dos institutos particulares, de maneira a diffundirem em larga escala a instrucção.

Sem falar noutros países que ás colonias dedicam amais acurada attenção e desvelada solicitude, bastar-me-ha referir, no que ao ensino commercial colonial é attinente, vasado em moldes práticos, e simples, independentemente da acção official, a interferencia prestimosa e devotada da união colonial, que era Paris tomou a iniciativa de cursos coloniaes commerciaes, e das camaras de commercio de Marselha e de Leão que no mesmo sentido se orientaram n'aquellas grandes e laboriosas cidades francesas.

E se do ensino commercial passassemos ao ensino agricola que maravilhosas demonstrações do que é o conheci-

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mento criterioso das obrigações que neste ramo impõe um vasto patrimonio colonial eu poderia colher, analysando o que teem feito a Inglaterra, a Hollanda, a Allemanha, a Russia, a Belgica e a França!

Porque esta modalidade de ensino technico fará parto de uma proposta de lei que tenciono elaborar, tal é a sua importancia, mais largamente me referirei então a enorme utilidade que nos poderá advir da sua organização entre nós.

Facilmente se comprehende a urgente necessidade de possuir o pessoal administrativo colonial a instrucção conveniente, evitando, o que tantas vezes tem succedido, irem para as colónias funccionarios inscientes da região em que a sua actividade terá de se desenvolver, da lingua dos povos com que hão de lidar, bem como desconhecedores dos seus usos e costumes, das suas producções e até da sua situação geographica. Não se imagine, porem, que o enthusiasmo que uma tal ideia é susceptivel de accender, seja de molde a que a phantasia esvoace livremente, delineando plano de tal forma vasto que entre nós se tornasse inexequivel.

O grato intuito de prestar um serviço ao pais, só por si é bastante para impedir que sejam propostas, com excessiva grandeza, as medidas mais preconizadas. Somos um país pobre e jamais devemos esquecer isto.

Nem possuimos recursos tamanhos que nos permittam dotar o país com estabelecimentos de custosa implantação e sustentação, nem seria facil bruscamente cairmos da situação, neste ponto bem mesquinha, em que nos encontramos, para, outra que hombreasse com os magnificos institutos coloniaes, alguns riquissimos, de estranhas nações.

Mais modesta deve ser a nossa pretensão, precisamente para se traduzir de maneira effectiva.

Uma escola colonial em que seja dada a instrucção mais universalmente reputada indispensavel aos funccionarios ultramarinos, tal é a criação que se impõe. A isto essencialmente visa a proposta de lei que estas considerações antecedem.

Como do singelo exame da proposta resalta, foi pr-occupação justa dotar a escola colonial apenas com as cadeiras verdadeiramente uteis, não tornando longo e dispendioso o curso. O conhecimento das matérias que as constituem é de natureza a facilmente revelar a sua absoluta necessidade. Um ponto apenas me merece agora maior referencia: o estudo das linguas indigenas.

Na impossibilidade de ter nesse curso todas as linguas das nossas possessões, o que notavelmente o avolumaria, foram introduzidas apenas as duas fundamentaes das nossas colonias - Angola e Moçambique - que são as mais importantes e de cujo conhecimento advirão maiores beneficios.

O valor que tem o conhecimento da lingua da região para onde vae qualquer funccionario, é tão evidente, que facilmente se explica a sua inclusão nos cursos das escolas e institutos coloniaes estrangeiros de melhor e mais completa organização.

Na escola colonial de Paris, por exemplo, alem das linguas estrangeiras e europeias do curso geral (inglesa, allemã e hespanhola) ha linguas indigenas em cada uma das secções administrativas, que são os cursos especiaes dos seus respectivos funccionarios.

Assim, na secção indo-chinesa, ha as linguas annamita e cambodgiana e, na africana, as linguas árabe e malgache.

Para que resalte bem a importanciado conhecimento das linguas indigenas, é util indicar que na escola das linguas orientaes de Paris, á maneira da sua similar de Berlim, alem dessas, ensinam-se igualmente as linguas africanas e que, na Inglaterra, se organizou a classe dos interpretes diplomados, que é muito illustrada e muito bem paga, evidenciando-se por esta forma a importancia enorme que aquelle grande país liga á circunstancia de officialmente se relacionar com os indigenas das suas multiplas colonias, na lingua propria.

Porque assim é, os ingleses obrigam os funccionarios que enviam para a India, por exemplo, ao conhecimento da lingua da presidencia onde vão prestar serviço.

Os hollandeses impõem o conhecimento do javanes e do malaio entre as matérias de exame a que sujeitam os aspirantes ao serviço colonial.

Poderia parecer conveniente a inclusão da lingua concani no curso que delineamos, mas muito sobrecarregado ficaria, tanto mais que conhecimentos preparatorios de alguma importancia devem ser exigidos para a matricula.

As disciplinas que formam o curso, constituem a parte fundamental e indispensavel do que deve ser o ensino colonial, particularmente destinado a funccionarios administrativos.

Outras materias poderiam ser aggregadas, mas não são de absoluta necessidade, nem deixariam de criar o obice que devemos evitar, pelo menos nos primeiros tempos, a grande extensão do curso.

Para aquelles que queiram ter o diploma do curso colonial, propriamente dito, torna-se indispensavel, porem, o prévio conhecimento de varias disciplinas, visto como é mister terem noções geraes, valiosas, do varios ramos do humano saber.

Exigir-se-lhes a approvação em qualquer escola official das disciplinas que se requerem para a primeira matricula nos cursos do Instituto Commercial e Industrial de Lisboa, não é demasiado, parece-me, e torna-se preciso como cultura geral antecedendo o estudo cuidado das disciplinas propriamente coloniaes. Mas para frutificar a ideia que o Governo praticamente deseja realizar com a criação da Escola Colonial, bem modesta, aliás, é preciso inserir disposições que a tornem viavel.

Como incentivo a seguir-se o curso colonial estabelece a proposta de lei a preferencia para a nomeação dos concorrentes ás vagas em que a promoção não esteja definida pela antiguidade do serviço.

No mesmo sentido influirá a attenuação do serviço militar obrigatorio.

Derivar para o curso colonial muitos dos que a outros cursos se destinariam, na falta d'aquelle, não só é serviço valioso feito ás colónias, pela cultura intcllectual dos seus futuros funccionarios, mas vantajoso será tambem contribuindo para diminuir o numero dos que ás profissões liberaes, com exercicio na metropole, se entregariam.

Resta-me referir á sede e á matricula na Escola Colonial.

Pela indole especial da Sociedade de Geographia de Lisboa, pelas excellentes collecções coloniaes ali existentes e, até, por ser um estabelecimento central, alem da economia que de tal advirá e é sempre para attender, claramente está indicada aquella corporação para n'ella se installar a Escola Colonial. Não quero deixar de inserir aqui o meu reconhecimento pela acquiescencia da sua illustre direcção aos desejos que o Governo n'este sentido formulou. Uma, vez mais pôs em evidencia o patriotismo que a anima e de que constantemente tem dado as mais exuberantes demonstrações.

N'esta Sociedade conveniente é augmentar as collecções que formam o seu museu colonial, aliás já rico no campo scientifico, estabelecer n'elle uma secção - a secção commercial -, á qual esteja annexa a cadeira de commercio colonial, que, independente do cruso geral colonial, sirva de complemento ao ensino commercial ministrado nos nos-

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sos Institutos Industriaes e Commerciaes, para aquelles que ao commercio das colonias se dediquem, e ministre as noções mais importantes e de caracter pratico aos que, tendo aspirações mais modestas, queiram todavia - empregar-se no commercio das nossas possessões ultramarinas.

Para a matricula destes ultimos apenas se deverá exigir o exame da lingua portuguesa e de uma lingua estrangeira - francês, inglês ou allemão.

Attenta a natureza do ensino que tem de prestar e a. possibilidade de ser muito frequentada por individuos do segundo grupo referido, util é que estes sejam obrigados á frequencia, inas á frequencia apenas, das cadeiras de geographia colonial e de hygiene. Num só anno poderão conseguir a instrucção precisa.

É certo que da organização da Escola Colonial, como fica delineada, advirá ónus ao Thesouro, mas não só este deverá incidir no orçamento das colónias, como ainda tirarão estas lucro enorme da pequena verba que terão de partilhar.

É pequena a despesa e grande o beneficio que de semelhante medida ta a esperar; porque assim é, não teme o Governo submetter ao esclarecido criterio e accendrado patriotismo da membros do Parlamento a seguinte proposta de lei, na qual se traduz quanto ficou a traços largos expendido.

Proposta de lei

Artigo 1.° Será estabelecida na Sociedade de Geographia de Lisboa, ficando a cargo da mesma Sociedade e sob a inspecção superior do Governo, uma Escola Colonial, destinada especialmente a dar instrucção aos que se dediquem ao funccionalismo das nossas possessões ultramarinas.

§ 1.° O director da escola será o presidente da direcção da Sociedade de Geographia, annualmente eleito.

§ 2.° Quanto respeita á administração da escola, disciplina interna, acquisição do material escolar e sua conservação, será da competencia da direcção da Sociedade de Geographia, a qual fará tambem a escolha e nomeação do pessoal menor ao serviço proprio da Escola.

Art. 2.° O curso colonial professado nesta Escola será de dois annos e constituido pelas seguintes disciplinas:

[Ver tabela na imagem]

§ unico. A 1.ª, 2.ª, 3.ª, 4.ª, 5.ª e 6.ª cadeiras serão professadas tres vezes por semana e a 7.ª cadeira duas vezes.

Art. 3.º A Escola Colonial estará annexa uma cadeira de commercio colonial, independente do curso colonial, propriamente dito, professada num anno, e em que serão estudados os artigos de importação e exportação colonial, os mercados dos productos coloniaes, os usos e costumes commerciaes nas colonias e nos mercados de consumo dos seus productos, e os meios de transporte.

Art. 4.° O museu colonial será remodelado, de harmonia com o ensino que se estabelece, e n'elle será criada uma secção commercial intitulada - museu commercial -, especialmente destinado a facilitar o ensino da cadeira de commercio colonial, e a que deverá estar appenso um serviço de informação commercial.

Art. 5.° Fará a matricula no curso colonial será preciso que o alumno satisfaça as seguintes condições:

1.ª Ter quinze annos, pelo menos;

2.ª Ser robusto;

3.ª Ter o curso geral dos Lyceus centraes, ou, pelo menos, a approvação em qualquer das escolas officiaes nos exames de:

a) Lingua portuguesa;

b Lingua francesa;

c) Geographia;

d) Historia;

e Arithmetica e geometria plana;

f) Principios de physica e chimica;

g Noções de historia natural;

h) Desenho geometrico.

§ 1.° Para a matricula na cadeira de commercio colonial basta satisfazer as condições 1.ª e 2.ª d'este artigo e ter approvação nos exames de:

a) Lingua portuguesa;

b) Uma das tres linguas, francesa, inglesa ou allemã.

§ 2.° Os alumnos da cadeira de commercio colonial terão de apresentar certidão de frequencia das cadeiras de geographia colonial, e de hygiene colonial antes de serem submettidos ao exame d'aquella cadeira.

Art. 6.° As aulas da Escola Colonial abrirão em 1 de outubro e serão encerradas em 31 de maio do anno seguinte, havendo uma época unica de exames, que será no decurso do mês de junho.

Art. 7.° A matricula será feita por processo análogo ao de outros estabelecimentos de ensino official, e obriga ao pagamento da propina de sello de 5$000 réis. A igual sello obriga o encerramento da matricula.

§ unico. A receita desta proveniencia pertencerá ao Ministerio da Marinha e Ultramar, e será especialmente destinada ao melhoramento da estabelecimentos de ensino colonial.

Art. 8.° Os professores da Escola Colonial são considerados em commissão e serão escolhidos entre os actuaes professores das escolas de Lisboa, offieiaes do exercito e da armada que tenham provado evidente conhecimento de assumptos coloniaes, e tambem entre funccionarios civis que tenham servido no ultramar e publicado trabalhos de valor sobre alguma das materias regidas no curso colonial.

§ 1.° O professor da cadeira do commercio colonial deverá ser pessoa idonea, que tenha estado no ultramar ou tenha larga pratica do commercio colonial metropolitano, e haja feito qualquer trabalho ou conferencias sobre as materias professadas n'aquella cadeira.

§ 2.° As primeiras nomeações do pessoal docente serão feitas sem precedencia de concurso; as seguintes serão por concurso de provas publicas.

§ 3.° Os vencimentos dos professores constam da tabella annexa e serão considerados apenas como gratificação de exercicio durante o periodo escolar effectivo.

Art. 9.° O curso, colonial será motivo de preferencia no provimento dos cargos ultramarinos.

§ 1.° Esta preferencia não prejudica o que se encontra estabelecido para o curso colonial professado na Universidade, quanto aos cargos especiaes a que este se destina.

§ 2.° Para se tornar effectiva a preferencia deverá dois annos depois de começar a funccionar a Escola Colonial ser publicada mensalmente, no Diario do Governo, a lista dos cargos vagos no ultramar.

Art. 10.° O serviço militar obrigatorio ficará reduzido a um anno effectivo para os individuos que tenham o curso colonial e poderá ser desempenhado a partir dos dezasete annos.

§ unico. Os que tenham este curso ficam livres do serviço da primeira reserva e dispensados de comparecer as formaturas da segunda reserva, quando estejam nas colonias.

Art. 11.° Para occorrer á despesa a realizar com a organização d'este ensino, será inscrito no orçamento an-

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nual de cada uma das provincias ultramarinas e districto autoomo, respectivamente, uma verba em proporção com as receitas ordinarias do orçamento correlativo.

Art. 12.° Como compensação á Sociedade de Geographia, em cuja sede será installada a Escola Colonial, pela sua installação, custeio e conservação, pelo augmento do pessoal menor que determine, material escolar, illuminação, deterioração do mobiliario e expediente da Escola, será concedido um subsidio annual de 1:200$000 réis.

§ 1.° A Sociedade de Geographia prestará á Escola o auxilio derivado do museu colonial a seu cargo, biblioteca, mappas e mais material util e preciso á laboração da escola.

§ 2.° A secção commercial do museu colonial e respectivo serviço de informação terá a dotação annual de 600$000 réis e será dirigida pelo professor da cadeira do commercio colonial.

Art. 13.º O Governo, sob proposta da Sociedade de Geographia, ouvido o conselho escolar, fará os regulamentos necessarios para o cumprimento d'esta lei.

Art. 14.° Fica revogada a legislação em contrario.

Secretaria de Estado dos Negocios de Marinha e Ultramar, em 21 de agosto de 1905. = Sebastião Custodio de Sousa Telles = Manoel Antonio Moreira Junior.

Tabella da despesa

[Ver tabela na imagem]

Secretaria de Estado dos Negocios da Marinha e Ultramar, em 21 de agosto de 1905. = Manoel Antonio Moreira Junior.

Proposta de lei n.° 10-R

Senhores. - A instrucção publica nas nossas colónias, tal como se acha estabelecida e regulamentada, não satisfaz nem no seu conjunto nem nos moldes em que foi vazada, e longe está de representar o beneficio real a que teem direito.

Se a instrucção não constitue; só por si, o1 principal elemento de predominio, nos povos entregues á administração de uma nação colonial e que esta pretende civilizar, é, todavia, ura. poderoso instrumento de acção que irá propagando, com a diffusão do ensino e da lingua da metropole, a sua influencia n'esses grandes meios, onde a vida social lentamente se vae desenvolvendo. Ao Governo, pois, impende o dever de no que ao ensino colonial é concernente, criar o que falta, corrigir o que é defeituoso, dar emfim ás populações cuja civilização lhe está confiada a educação conveniente, por forma que ellas possam valorizar, o país; em que vivem. Para isso, longe de attender unicamente á criação de institutos de ensino theorico, de escolas superiores ou secundarias, de caracter classico, cumpre-lhe, essencialmente cuidar da organização do ensino; profissional, na sua mais ampla accepção, isto é; criar estabelecimentos de ensino technico, cuja falta tanto se faz sentir nas nossas possessões de alem-mar.

Já neste, sentido: a comer inicia, porventura, de uma orientação que tão evidentemente se impunha, foi publicada a regia, portaria de 21 de setembro do anno findo, estabelecendo em Cabo Verde, Angola e Moçambique, por uma forma rudimentar, escolas praticas para o ensino das linguas portuguesa, inglesa e francesa e alguma lingua vernácula mais importante, a par de outros estudos que muito se prendiam com a vida pratica n'aquellas colonias. Não chegara, porem, a ser ainda regulamentada tal criação, quando, em 2 de dezembro do mesmo anno, resolvi, em portaria d'esta data, determinar aos governadores das provincias ultramarinas e do districto autónomo de Timor que enviassem, com a possivel brevidade, a fim de serem opportunamente consideradas, as propostas relativas ao ensino publico, e chamava em especial a sua attenção para a organização do ensino profissional, promovendo o seu desenvolvimento, devendo ser-me enviadas ás bases da sua remodelação, com consulta previa das autoridades e corporações idoneas.

Assim iria o Governo colligindo elementos que, conjugados com o estudo dos exemplos fornecidos neste assunto por outras nações coloniaes, o habilitariam a realizar o desideratum que se- propusera. O que urgia, o que se impunha, a meu ver, quanto antes, era facilitar os meios de vida ás populações indigenas, educando-as, formando-as para o trabalho, a par e passo que se promoveria, com esse mesmo trabalho, a valorização da terra em que nasceram e habitam.

Mas as condições de vida e a indole dos indigenas, variando de região para região, obrigam a differenciar quaesquer providencias que se pretende decretar. São essas as considerações que levam o Governo, na proposta que tem a honra de vos apresentar e relativa á criação de escolas com caracter accentuadamente profissional em Cabo Verde, S. Thomé e Angola, a discriminar as differenças que as varias condições de meio justificam.

Ao indigena, que é de natural indolente, em Cabo Verde, habituado á assistencia com que se tom procurado attenuar-lhe as crises famintas, e a quem importa, por isso, incutir o habito do trabalho, convém que o ensino profissional seja obrigatorio, para que possa adquirir habilitações que lhe permitiam, por si, angariar os meios de subsistencia. Já em S. Thomé se não torna necessario impor tal obrigação, porque o pequeno indigena não precisa ser ameaçado pela familia para frequentar a escola: fá-lo por gosto, não hesitando vir de longas distancias com uma pontualidade admiravel.

Da mesma forma, as naturaes tendencias do indigena em cada provincia e as condições diversas de producção e as differentes necessidades das mesmas, os recursos de que dispõem e que convém explorar, fazem variar as especialidades profissionaes que importa introduzir ou desenvolver em cada escola.

A actual organização do ensino no ultramar, com maior desenvolvimento numas provincias, talhada noutras em moldes mais modestos, tem obedecido apenas ao intuito de educar a população escolar no sentido de lhe abrir carreiras que, naturalmente, nunca ambicionaria. Estabelecidos institutos de ensino mais apropriados á metropole que aos dominios coloniaes, tem sido dispendiosa a instrucção ministrada e falha d'aquella orientação criteriosa que tanto distingue a colonização hollandesa, por exemplo.

Justo é dizer que, contra este ultimo inconveniente, lutou a louvavel iniciativa de alguns dos illustres Ministros que sobraçaram a pasta da Marinha, criando estabelecimentos em que, alem dos indispensaveis elementos de estudo theorico, se ministravam as noções de ensino pratico e profissional, formando artifices babeis em diversos mesteres. Infelizmente, porem, depois de acolhida com enthusiasmo a ideia que os criou, a extensão dos planos

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primitivos, em meios ainda não preparados para os receber, deu em resultado, numas colonias, o definhamento completo da semente lançada, e, noutras, a necessidade, em presença da modicidade dos resultados obtidos, da restricção d'aquelles planos.

Assim se criaram as Escolas de Artes e Ofncios de Moçambique (1879) e de Macau (1894), a Escola Profissional de Artes e Officios de Loanda, em 1883, e se fundou,, em 1871, o Instituto Profissional de Goa, a que se annexou na mesma occasião uma Escola de Pilotagem.

Uns, porem, nem chegaram a ter vida propria, como a Escola Profissional de Loanda e a de Artes e Officios de Macau; outros viram o seu regime desapparecer, transformando-se dentro de moldes mais exiguos. Tal foi, com a extincção do Instituto Profissional de Goa, por decreto de 31 de outubro de 1892, a criação de uma Escola de Artes e Officios para Pangim, que, por fim, veio a acabar em 1898, attentas razões de ordem economica e o nenhum proveito para a provincia colhido de tal estabelecimento.

A Escola de Artes e Officios de Moçambique, embora com esperanças de vantajoso alcance, transitou, por seu turno, para a administração ecclesiastica, no intuito desta lhe poder prestar mais cuidado interesse (1896).

O illustre estadista que operou a transformação do Instituto de Goa em Escola de Artes e Officios, o Sr. Conselheiro Ferreira do Amaral, então Ministro da Marinha, no relatorio que antecede o decreto da extincção do Instituto Profissional, reorganização do Lyceu Nacional de Nova Goa e criação de uma Escola de Artes e Officios na mesma cidade, frisou os inconvenientes da transição rapida do antigo regime de ensino essencialmente classico, para o regime de uma educação pratica. E porque assim o entendeu, e considerou que os planos do referido instituto eram por demais vastos para a nossa India, resumiu a ideia do legislador de 1871 dentro de mais estreitos limites, adoptando um regime e criando um estabelecimento que melhor satisfariam ás exigencias do ensino profissional n'aquella colonia.

O actual governador geral de Angola, na sua consulta á portaria circular de 2 de dezembro do anno findo, acima citada, diz, por sua vez, que as anteriores tentativas para a implantação do ensino profissional n'aquella provincia não deram resultado, por terem sido delineadas em planos demasiado grandiosos e de difficil e dispendiosa execução.

D'esta forma se susteve em Angola a ideia do ensino, profissional; d'esta forma, em Goa, com o desapparecimento da Escola de Artes e Officios o ensino voltou, como era antes de 1871, a tomar afeição puramente classica, havendo apenas em 1899 a tentativa da criação, pelo Governo local, de uma aula de commercio, que funcciona annexa ao Lyceu Nacional, de Nova Goa.

Poderá, depois do que vem exposto, condemnar-se o systema, preconizando-se para o ultramar, exclusivamente, a continuação do regime até hoje usado? Certamente não.

São condições principaes para o exito de qualquer plano que se adopte neste sentido dois importantes factores - o tempo e a persistencia. Não se colhem de pronto os effeitos da educação de um povo. Se em certas colónias assim succede como em Madagascar, em que, após a conquista, a sabia administração do general Galliéni conseguiu que os. resultados fossem quasi immediatos á implantação do ensino sob uma, forma pratica, sendo realmente para admirar como já hoje da unica escola profissional em Tananarivo o Governo Francês usufrue tão proveitosas vantagens, - noutros países coloniaes só o tempo irá evidenciando o que de bom tem o systema, que, n'elles, pode até impor, para efficaz resultado, uma successiva e constante adaptação e transformação. Tal succede nas Indias Neerlandesas, em que aquelle ensino, reconhecido já como util, quer para os indigenas, quer para a própria administração, não tem tomado o completo incremento que, no dizer de autoridades locaes consideradas, conviria não se perder de vista.

Outra condição indispensavel é persistir no intuito primitivo. Convém que a modicidade dos primeiros resultados não destrua uma instituição que, por tantas e diversas vezes, se tem reconhecido de evidente alcance. Convém que se não desanime com a circunstancia de os effeitos não serem immediatos, o que de varias causas pode provir. É esse desanimo que necessariamente se tem dado, infelizmente, em Angola e na India, e que desinteressou o Governo, do assunto, em Moçambique. Em Macau, por excepção, o facto justificar-se-hia, de alguma forma, porquanto a mão de obra não pode competir, em barateza e perfeição, com a dos chins, e porque, sob o ponto de vista do ensino commercial, o curso de commercio, presentemente annexo ao lyceu d'aquella cidade, satisfaz, dentro do possivel, os interesses dos filhos da terra, os quaes procuram, n'este ramo, ganhar convenientemente a sua vida na colonia ou fora d'ella.

Sendo evidente a utilidade do ensino pratico entre os indigenas (a questão está em escolher a forma mais adaptavel), resulta, de quanto vem dito, a necessidade de grande constancia no proseguimento da tentativa e de maior esperança nos resultados. Embora tardios estes, em certas provincias, o exito ha de vir, como se tem manifestado em muitas colónias estrangeiras, umas em condições de vida, iguaes ás de varias nossas, e outras em peores condições de progredimento local.

Se as funcções publicas, nas colonias, não offerecem logar a todos os pretendentes das classes indigenas, a educação theorica representa para elles perda de tempo e de dinheiro. Por outro lado, a ansia pelos empregos publicos distrae um grande numero de braços necessarios á agricultura e a outros trabalhos. Importa, pois, não lhes vedando em absoluto o accesso a taes logares, nem lhes prohibindo aquelles estudos, facultar-lhes o ensino em que, segura e mais facilmente, venham a ganhar os seus meios de subsistencia.

Nas escolas profissionaes cuide-se menos do ensino literario e scientifico e mais do que respeita ás artes e officios. O ensino technico terá duas vantagens: sob o ponto de vista moral e sob o ponto de vista de utilidade pratica. Moral, porque o indigena, affeito a respeitar o exemplo que parte de cima, acostumar-se-ha a dar o devido apreço ao trabalho manual, quando seja o proprio Governo que o tome sob a sua direcção e ensino pratico, porque aprenderá a ganhar a sua vida e a sustentar, porventura com lucro, a concorrencia vinda de fora. Vantagem, pois, para elle e para o Governo. Tal regime, com firmeza seguido, em alguns annos resolverá importantes questões economicas e politicas.

Por estar convicto de que o estabelecimento do ensino profissional nas nossas colóõias é de urgente necessidade, o Governo resolve apresentar ao vosso esclarecido criterio a presente proposta de lei. N'este intuito, teve em consideração, tanto quanto lhe era possivel, os multiplos factores que lhe cumpria attender.

Não podendo, nem devendo generalizar um plano concebido para todas as colónias, por falta de elementos indispensaveis para bem ajuizar das condições d'aquellas que n'esta proposta se não comprehendem, e justamente porque pareceu não ser conveniente decretar, no conjunto, para todas, sendo melhor o plano resumido de principio,

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e não eivado dos mesmos defeitos que prejudicaram os anteriores, por demasiadamente vastos, dispendiosos e impraticaveis, - a proposta que o Governo tem a honra de apresentar á vossa apreciação attende apenas á implantação de escolas de caracter profissional em Cabo Verde, S. Thomé e Angola, visto como, e relativamente a estas colonias, são sufficientes os elementos de estudo de que já dispõe.

Nas escolas a criar attende-se, como era mester, para cada colónia, ás differenças a introduzir no ensino profissional, segundo os usos e costumes, grau de desenvolvimento e outras condições de cada uma d'ellas.

Em todas se estabelece obrigatorio o estudo e o uso da nossa lingua que, como referi na proposta do ensino colonial metropolitano, é um dos mais valiosos instrumentos de assimilação. Esse estudo, porem, será simples, sem intuito, no caso bem censuravel, de incutir no indigena as finuras grammaticaes da nossa lingua, mas de forma a, sem interprete, o funccionario recem chegado se fazer entender pelos habitantes da terra em que se encontra.

São n'esta materia bem sugestivos os exemplos da França, quer no Senegal (Paidherbe em 1884), quer em Madagáscar (Galiéni).

Rapidamente exporei algumas das disposições contidas na proposta de lei que tenho a honra de vos apresentar. Para as tres especialidades a attender - ensino industrial, commercial e agricola, impunha-se, para cada provincia, respeitar n'ellas o ensino que mais importava desenvolver. Em todas se introduziu o primeiro, como indispensavel, variando, porem, em cada, o numero e a qualidade das profissões mais apropriadas. Assim, se em Cabo Verde são criadas officinas para habilitar operarios de construcção, das artes de serralheiro, e, seguidamente, outras de menor importancia, antes de tudo se attendeu á habilitação dos indigenas numa escola de pilotagem, em vista da sua natural aptidão para a vida do mar, escola tanto mais precisa quanto no decreto de 4 de junho de 1902 se exigem aos individuos empregados na grande cabotagem, e que abrange a de Cabo Verde, habilitações que só difficilmente elles poderão obter, com grandes sacrificios, fora da provincia, o que se não compadece com as circunstancias de uma navegação tão pobre como a de cabotagem das ilhas do archipelago. Manter esta com elementos nativos, susceptiveis de melhor aproveitamento, mediante educaçã.O profissional conveniente, era a orientação que indiscutivelmente se impunha. E, tambem, porque á provincia muito interessa a questão da pesca, não descurou o Governo o assunto, procurando, dentro de certos limites, educar o indigena de modo a colher d'aquella industria um proveitoso resultado.

Em S. Thomé, não se podendo, desde já, applicar com o preciso desenvolvimento a attenção dos seus naturaes no ensino agricola, ensino que tanto lhes importa conhecer, distribuiu-se o ensino profissional por varios mesteres que foram julgados mais apropriados ás necessidades da terra.

Em Angola, onde as officinas do Estado teem um tão importante desenvolvimento, aos trabalhos mecanicos e de carpintaria se attendeu em primeiro logar, sem que, para uma colonia como esta, se descurassem outras artes e officios.

Embora com caracter elementar, de principio, o ensino agricola nas tres provincias pode, porem, ter logar. N'este sentido se comprehende uma disposição que tende a levá-lo a effeito, em harmonia com a proposta de lei que elaborei e relativa á organização dos serviços agricolas na nossas colonias.

Quanto ao ensino commercial, que em certas posses soes pode só por si satisfazer (Macau) - nas tres provincias que considero, Angola, S. Thomé e Cabo Verde, ao deve ser posto de parte, as actuaes condições de cada ma d'ellas, todavia, não tornam de urgente necessidade, criação desse ensino em moldes desenvolvidos. Os governadores regularão a opportunidade da introducção d'esse desenvolvimento nas suas respectivas provincias.

Para os diversos mestres de officinas, contratados no reino, arbitra-se uma percentagem sobre o valor das obras produzidas sob sua direcção, para, juntamente com a garantia da reforma, se poder obter artistas competentemente habilitados. Aos mestres que podem ser contratados dentro das provincias, indigenas habeis nos seus mesteres, concede-se-lhes menor vencimento, não teem direito reforma, mas como incentivo fica a renovação successiva de contrato quando prestem bom serviço e a percentagem gual á dos mestres europeus.

Com o fim de prender o indigena ao ensino das espias profissionaes, são os alumnos, bem como os mestres, interessados convenientemente na producção das suas respectivas obras.

Por outro lado, se em S. Thomé e Angola o ensino pode ser centralizado em edificios proprios, montados, todavia, modestamente, de onde, com o tempo, os artistas e profissionaes n'elles habilitados irradiarão para pontos diversos d'essas provincias, indo diffundir os conhecimentos adquiridos e estabelecer, por conta propria, ou do Governo, futuros estabelecimentos de identico ensino, - em Cabo Verde, as circunstancias económicas da provincia, multiplicidade de ilhas e os recursos de que pode dispor, não permittindo a fundação, de uma escola central, necessario se tornou dividir o ensino profissional por diversos edificios do Estado, aproveitando, nesses edificios, os serviços congeneres que, nalguns, se acham montados.

Em S. Thomé é extincta a escola principal, que, de acto, ha muito não funcciona e dá-se collocação conveniente ao respectivo professor.

Quanto aos meios de que se dispõe para obviar aos encargos resultantes da criação destes estabelecimentos de ensino, serão elles provenientes de donativos particulares, das obras feitas pelos alumnos que trabalham nas oficinas, e pelos subsidios das camaras municipaes. Finalmente, será elemento importante a dotação que o Governo fará inscrever no orçamento de cada provincia destinada a este serviço, pois que, exceptuando, porventura, Angola, pequeno será o subsidio com que as corporações municipaes de S. Thomé e Cabo Verde poderão concorrer, attentos os seus parcos recursos. Mas se os encargos, a que a presente organização obriga e constam das respectivas tabellas, são limitados quanto possivel, tenderão elles a aumentar quando, com o progredimento de cada escola, se torne necessario o desenvolvimento do serviço, e, com elle, o aumento do pessoal. Mas por outro lado, sendo esse desenvolvimento funcção do aumento do trabalho escolar e respectiva mão de obra, os rendimentos escolares tenderão a compensar, se não a exceder, qualquer acréscimo de despesa; depois, com o tempo, poderão mesmo equilibrar toda a despesa que importa a criação destes estabelecimentos de ensino.

Levando a effeito este seu plano, tem o Governo a convicção de que cumpre um dever para com os povos coloniaes cuja administração lhe está confiada, todos necessitados do seu desvelo num ramo de serviço publico que, até hoje, tem estado sujeito a normas incompletas, nem sempre acertadas, geralmente improductivos, e que se afastam do regime que norteia outras nações melhor orientadas.

Assim, tenho a honra de submetter á vossa esclarecida apreciação a seguinte proposta de lei:

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Organização do ensino profissional nas colonias

CAPITULO I

Cabo Verde

Artigo 1.° São criadas, nos principaes centros de trabalho do archipelago e sob a administração do Governo, escolas praticas de aprendizagem, sem internato, frequenta das por aprendizes, sob a direcção de mestres devidamente habilitados.

Art. 2.° Todos os aprendizes silo obrigados á frequencia da escola de instrucção primaria da localidade onde residirem.

Art. 3.° As escolas praticas de aprendizagem de Cabo Verde destinam-se a habilitar:

a) Profissionaes da arte maritima e da de pesca;

b) Operarios de construcção, carpinteiros, pedreiros, canteiros, etc.;

c) Operarios das artes de serralheiro, ferreiro, calafate, fundidor, moldador, etc.;

d) Profissionaes dos officios de sapateiro, alfaiate, encadernador, etc.;

e) Individuos capazes de dirigir praticamente os trabalhos agricolas.

Art. 4.° É criada no archipelago de Cabo Verde, com sede na cidade da Praia, uma a Escola elementar de navegação, que habilitará para o cargo de pilotos da marinha mercante:

Art. 5.° O professor da Escola de navegação de Cabo Verde será um official subalterno da marinha de guerra, com tirocinio para o posto immediato, á escolha do Governo, e accumulará estás funcções com as de chefe da delegação maritima da Ilha de S. Tiago, podendo ser tambem encarregado do posto meteorológico da Praia, logo que seja devidamente organizado.

Art. 6.° O professor da Escola de navegação, alem dos seus vencimentos como official da marinha de guerra, embarcado fora dos portos do continente, do reino, vencimentos que serão pagos pelo cofre da provincia, receberá mais uma gratificação especial de 30$000 réis mensaes, pela regencia das aulas, paga pelo mesmo cofre.

§ unico. O pessoal menor da Escola será tirado do pessoal da delegação maritima.

Art. 7.° O professor da Escola de navegação realizará, no edificio da mesma, conferencias para a propaganda da pesca e da salga. Auxiliar-se-ha, para o mesmo fim, de apparelhos que ficarão a cargo da Escola e cujo emprego será ensinado praticamente em experiencias feitas com os alumnos, com os marinheiros do Governo e ainda com os particulares que o desejem.

Art. 8.° É criada uma "Escola para operarios de construcção", admittindo-se na Direcção das Obras Publicas da Praia, e na secção da cidade do Mindello, um numero determinado de aprendizes.

Art. 9.º Cada aprendiz, desde que entra na Escola, terá o vencimento de 2$000 réis mensaes, que irá aumentando até o dobro, quando elle se torne notavel pelo seu merito profissional e bom comportamento.

Art. 10.° Fica o Governo autorizado a criar um curso especial de desenho quando o desenvolvimento do ensino o exija. Entretanto, os mestres da Escola são obrigados a dar aos seus alumnos as noções elementares de desenho necessarias a cada mester.

Art. 11.° As duas escolas de que se trata ficarão sob a direcção superior do engenheiro que dirigir as obras publicas da provincia, sem que, por isso, receba gratificação alguma especial.

Art. 12.° É criada uma "Escola para operarios serralheiros" junto das officinas do Estado, na Ilha de S. Vicente, seguindo-se de modo analogo o que fica estatuido para a Escola dos operarios constructores.

Art. 13.° A direcção superior deste ensino é confiada

ao director das officinas, que, por este serviço, não perceberá gratificação alguma especial.

Art. 14.° Tornando-se necessario, pela introducção d'estes serviços, o desenvolvimento das officinas do Estado, fica o Governo autorizado a realizá-lo á medida que tal necessidade se manifeste.

Art. 15.° No Asylo da Praia, cuja criação está autorizada, serão montadas "Officinas de sapateiro e de alfaiate", e, de futuro, quaesquer outras de caracter particularmente sedentario, cuja necessidade e conveniencia for reconhecida pelo governo local e por elle propostas superiormente.

Art. 16.° Este asylo ficará sendo destinado unicamente para crianças de ambos os sexos, cujo numero poderá subir a 50.

Art. 17.° A criação d'esta escola no asylo, constituindo um centro de producção de trabalho, deve produzir receitas.

§ unico. Deve sempre ter-se em vista que as receitas não sejam obtidas á custa de exigencias anormaes de trabalho aos menores, nem constituam uma concorrencia que torne incompativel o trabalho particular.

Art. 18.° O Asylo deverá ser organizado por forma a habilitar os alumnos do sexo feminino a proverem ás necessidades da vida por meio do trabalho, ensinando-lhes os mesteres de costureira, engomadeira, cozinheira, etc.

Art. 19.° O Asylo deverá facultar os meios dos asylados se poderem estabelecer, tornando assim mais efficaz e completa a sua missão protectora. Os meios de o conseguir poderão obter-se com o rendimento das officinas e donativos particulares que lhe sejam feitos.

Art. 20.° É obrigatoria a frequencia de alguma das escolas referidas para os filhos dos indigenas do archipelago de Cabo Verde.

CAPITULO II

S. Thomé

Art. 21.° É criada na capital da provincia, em edificio apropriado, uma escola de ensino profissional denominada "Escola de Artes e Officios".

Art. 22.° O governador nomeará de entre os funccionarios civis ou militares o director da escola, que servirá o logar em commissão, e o sub-director que será tirado do corpo docente.

Art. 23.° Alem do director, haverá um professor de instrucção primaria elementar, um professor de instrucção primaria complementar (o antigo professor da Escola principal) e serão contratados os mestres de officinas que se julguem indispensaveis.

Art. 24.° As disciplinas a cursar são:

1.ª Instrucção primaria elementar;

2.ª Instrucção primaria complementar. - Noções de contabilidade commercial;

3.ª Principios geraes de agricultura;

4.ª Principios geraes de veterinaria;

5.ª Desenho industrial;

6.ª Gymnastica elementar;

7.ª Musica;

8.ª Telegraphia.

Art. 25.° As artes e officios professados na escola são:

1.° Carpinteiro;

2.° Marceneiro;

3.° Serralheiro;

4.° Pedreiro;

5.º Alfaiate;

6.º Sapateiro;

7.º Funileiro;

8.º Espingardeiro;

9.° Typographo;

10.° Encadernador.

Art. 26.° Alem das disciplinas 1.ª e 2.ª para as quaes ha, desde já, os respectivos professores, algum professor

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de instrucção primaria nomeado pelo governador para servir na Escola em commissão e o antigo professor da Escola principal, as disciplinas 3.ª e 4.ª serão regidas conforme o disposto no artigo 29.°. O desenho industrial será já ensinado por um empregado da Direcção das Obras Publicas da provincia, e, quando possivel, a gymnatsica, a musica e a telegraphia por funccionarios do Estado, competentes, que residam na capital, e mediante uma pequena gratificação arbitrada pelo governador.

Art. 27.° As officinas do Governo serão utilizadas para ensino dos aprendizes dos officios de carpinteiro, pedreiro, marceneiro, serralheiro, funileiro, typographo, encadernador e outros.

§ 1.° Na Escola devem estabelecer-se as officinas de alfaiate, sapateiro e quaesquer outras que não possam utilizar-se fora da mesma escola.

§ 2.° Na pharmacia do Estado serão admittidos até tres alumnos da Escola, como praticantes.

Art. 28.° A Escola principal é snpprimida, devendo o actual professor exercer na Escola de Artes e Officios as disciplinas do n.° 2.° do artigo 24.°

Art. 29.° O agronomo e o veterinario do Governo, quando os houver, abrirão na Escola de Artes e Officios um curso livre, ficando incumbidos da regencia do ensino constante dos n.05 3.° e 4.° do artigo 24.º

CAPITULO III

Angola

Art. 30.° É criada, annexa ás Officinas do Estado em Loanda, uma escola profissional, denominada "Escola Profissional D. Carlos I".

Art. 31.° O ensino nesta escola comprehenderá o ensino theorico e o ensino pratico.

I. - O ensino theorico, ministrado por dois professores, constará das seguintes disciplinas:

a) Ensino da lingua portuguesa, por uma forma simples que habilite os alumnos a falarem-na e escreverem-na com a indispensavel correcção;

b) Conhecimento perfeito das quatro operações sobre inteiros e decimaes:

c) Systema legal de pesos e medidas;

d) Doutrina enrista;

e) Noções de geographia e historia. Factos notaveis da historia patria. Noções geraes de chorographia de Portugal e colonias portuguesas, principalmente de Angola;

f) Elementos de geometria;

g) Principios de desenho linear;

h) Elementos de contabilidade commercial;

i) Rudimentos de agricultura, em especial applicaveis á provincia.

II. - O ensino pratico é ministrado nas Officinas do Estado e abrange todos os officios que n'ellas se exercem e desenho applicado a esses officios; noções de gymnastica, natação e remar, conhecimentos geraes da arte de marinheiro e dos exercicios da escola de soldado e de pelotão; officios de sapateiro, alfaiate, carpinteiro e funileiro.

§ 1.° A aprendizagem nas officinas de cada um dos officios a que o alumuo se dedique será feita sob a direcção de mestres, que ensinarão tambem aos seus discipulos o desenho dos trabalhos do officio a executar.

§ 2.° Um instructor especial, official marinheiro da armada, de reconhecida aptidão e comportamento exemplar, ensinará aos alumnos, em dia e horas que o horario da escola estabelecer, sem prejuizo da aprendizagem nas officinas, ligeiras noções de gymnastica, natação e remar, ficando igualmente a seu cargo o ensino dos exercicios da escola de soldado e de pelotão, bem como o de conhecimentos geraes da arte de marinheiro, para o que no pateo interior das officinas se montará um mastro devidamente apparelhado e a capitania fornecerá embarcação apropriada.

Art. 32.° Os quatro operarios indicados na tabella III coadjuvarão os mestres das officinas na instrucção dos alumnos. Gozarão das vantagens apontadas no artigo 43.° Dará os mestres, quanto á confirmação, após igual tempo de contrato, e reforma, sem direito porem á percentagem ali indicada.

Art. 33.° A Escola Profissional terá a sua installação em edificio contiguo ás officinas do Estado e onde os alumnos terão alojamento adequado e o pessoal da Escola habitação.

Art. 34.º Os alumnos ordinarios serão todos indigenas resgatados aos sobas no interior da provincia, ou órfãos de pae e mãe propostos pelos administradores dos concelhos.

§ unico, O numero d'estes alumnos não excederá cincoenta, no primeiro anno de funccionamento da Escola, podendo ser successivamente elevado segundo o desenvolvimento d'esta e o governador geral entender.

Art. 35.° Nenhum alumno poderá entrar na Escola Profissional sem ter sido previamente inspeccionado pela Junta de Saude da Provincia e julgado por esta com a necessaria robustez e em boas condições de saude para a vida em commum na Escola.

Art. 36.° O director da Escola Profissional será o director das officinas, e, como tal, um technico, machinista naval de reconhecida competencia.

§ unico. Por esta acrescencia de serviço vencerá a gratificação mensal de 50$000 réis, com direito a luz; agua e lenha, fornecidas pelas officinas e a moradia no edificio da Escola.

Art. 37.° Os dois professores indicados na tabella III distribuirão entre si as materias constantes do n.° 1.° do artigo 31.°, podendo a disciplina i) ser regida pelo agronomo que dirigir o ensino agricola pratico conforme as disposições insertas adeante.

Art. 38.° O restante pessoal da Escola Profissional será o designado na tabella III e terá os vencimentos n'ella consignados.

Art. 39.° Fica o governador geral autorizado a estabelecer, com caracter provisorio, noutros pontos da provincia, sobretudo em Benguella e Mossainedes, escolas succursaes da de Loanda, sob um plano, porem, mais restricto, mas debaixo do mesmo regime, quando entenda opportuno faze-lo, - propondo superiormente a sua criação definitiva se julgar que ellas teem condições de existencia e de efficaz e progressivo desenvolvimento.

Art. 40.° Com respeito á instrucção profissional de mulheres, para os mesteres que lhes são proprios, o governador geral proporá, quando entender conveniente, os meios de a tornar effectiva, ministrando-se-lhes o ensino em edificio annexo ou dependente da Escola Profissional.

Art. 41.° Quando as circunstancias o aconselhem, criar-se-ha, sob proposta fundamentada do governador geral, annexo á escola, um "curso commercial" com o desenvolvimento necessario para a habilitação de individuos que queiram dedicar-se a esta especialidade. Para este fim, será nomeado um professor do reino devidamente habilitado a fim de montar e dirigir o referido curso.

CAPITULO IV

Disposições geraes

Art. 42.° Fiscaliza superiormente todo o serviço das Escolas Profissionaes, em cada uma das tres provindas, respectivamente, um inspector que, em Cabo Verde e S. Thomé, é o secretario geral do Governo, e, em Angola, o inspector das officinas do Estado, sem gratificação especial, por não ser considerado como accumulação de serviço, mas uma obrigação inherente ao cargo.

Art. 43.° Os mestres das diversas officinas serão individuos reconhecidamente competentes, contratados na metropole por tres annos, findos os quaes, se o seu serviço ti-

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ver sido considerado bom, poderão ser confirmados pelo Governo nos respectivos legares, e com direito a reforma, quando completo o tempo legal determinado para aposentação dos empregados civis.

§ unico. Terão os vencimentos das tabellas annexas, competindo-lhos, alem d'isso uma percentagem de 5 por cento do valor das obras produzidas nas suas respectivas officinas.

Art. 44.° Os mestres indigenas que possam ser contra tados dentro da provincia serão de competencia e honestidade, servirão por tres annos, sem direito a confirmação e reforma, mas a renovação de contrato por igual tempo, quando o seu serviço satisfaça.

§ unico. Vencerão o salario maximo de 1$000 réis dia rios e a percentagem estabelecida, pelo § unico do artigo anterior para as obras produzidas dentro das suas respectivas officinas.

Art. 45.° A admissão dos alumnos nas Escolas Profissionaes terá logar dos treze aos quinze annos. A aprendizagem será de tres a cinco annos, conforme a arte ou officio. O alumno que se matricular em qualquer das Escolas é obrigado a aprender as disciplinas respectivas, alem da arte ou officio a que especialmente se dedique.

Art. 46.° As condições geraes de admissão são a certidão de idade, attestado de facultativo quanto á robustez e vaccinação, declaração dos pães ou tutores em que autorizem a entrada. E condição de preferencia a orfandade de pae, e, especialmente, a de pae e mãe.

Art. 47.° Para os togares de operarios do Governo serão preferidos os alupinos das escolas que apresentem habilitação nalguma ou algumas das artes ou officios professados nas mesmas escolas.

Art. 48.° Será motivo de preferencia para os empregos burocraticos, especialmente destinados a indigenas, a circunstancia de ter o candidato certidão de approvação nas disciplinas professadas nas Escolas Profissionaes.

Art. 49.° Quando a frequencia dos alumnos nas escolas tenha o caracter de internato e importe, por isso, para o Estado um encargo por cada alumno, serão estes, finda a aprendizagem, obrigados a servir o Estado tres a cinco annos, conforme o tempo gasto na aprendizagem, ou como artifices, durante dois a quatro annos, a bordo dos navios da provincia.

§ 1.° Poderão remir-se deste serviço, indemnizando o cofre da provincia da somma com elles despendida desde o dia em que entraram para a Escola.

§ 2.° Quando concorram circunstancias especiaes de exemplar comportamento e aproveitamento notavel do alumno, os governadores poderão reduzir aquelle tempo de serviço ou a importancia da indemnização.

§ 3.° Findos os annos da aprendizagem, sem aproveitamento, é o alumno compollido a servir no exercito ou nos navios da provincia durante seis a nove annos.

§ 4.° Quando haja em qualquer escola alumnos ordinarios sob o regime do internato, poderão ser admittidos alumnos voluntarios que tenham familia, quando propostos pelas camaras municipaes aos governadores e paguem uma mensalidade que estes arbitrarão. Taes alumnos poderão sair da Escola quando suas familias, por intermedio da camara municipal que propôs a admissão, o requeiram ao governador e este autorize a saida.

§ 5.° Sob o regime do internato, os alumnos ordinarios, quando doentes, serão tratados nos hospitaes do Governo; os voluntarios que pagam a aprendizagem igualmente o poderão ser, recebendo o hospital a quantia correspondente aos dias que ali estejam, descontada da mensalidade a pagar á Escola.

Art. 50.° O vestuario dos alumnos dentro das escolas deverá ser uniforme, apropriado a indigenas, e, quanto possivel, económico e hygienico.

§ unico. Na Escola Profissional de Loanda a alimentação e vestuario dos alumnos serão fornecidos pelo Estado e este satisfará ás mesmas condições de economia e hygiene.

Art. 51.° Alem dos alumnos que se destinam a habilitar-se com o curso das Escolas Profissionaes e uma arte ou officio a que, pelo artigo 45.°, são obrigados, admittir-se-hão em todas as escolas alumnos externos, em numero dependente da capacidade das mesmas escolas, para matricula singular em determinada arte ou officio, á escolha dos interessados.

§ unico. Serão excluidos da Escola os alumnos a que se refere este artigo quando deem um determinado numero de faltas, opportunamente calculado para cada orneio, ou quando seja insuficiente o seu aproveitamento.

Art. 52.° Todos os alumnos, indistinctamente, após seis meses de frequencia, no 1.° anno, sujeitam-se a um exame de capacidade, depois do qual, sendo approvados, recebem um salario que varia de 20 a 30 réis diarios, conforme a classificação que tiverem.

Os alumnos do 2.° anno que satisfaçam ao exame vencem um salario quotidiano que varia de 40 a 50 réis diarios, conforme a sua classificação.

Os do 3.° anno, satisfazendo identicas condições, receberão diariamente o salario de 60 a 70 réis.

Os do 4.° anno, de 80 a 90 réis.

Os do 5.° anno, de 50 a 100 réis diarios.

§ unico. Estes salarios serão tirados do producto das obras dos mesmos alumnos nas officinas onde trabalhem.

Art. 53.° Findo o curso, aos alumnos ordinarios que n'elle se habilitaram, em quem se tenha dado o internato, e em que concorram condições de decidido aproveitamento e comportamento exemplar, o Governo dará um premio pecuniario da importancia de 50$000 réis; de 20$000 réis aos que, sem internato, simplesmente terminem o seu curso; e aos externos, de matricula singular, uma collecção resumida de ferramentas do officio em que se tenham habilitado.

Art. 54.° O serviço de escrituração e contabilidade das Escolas Profissionaes, em cada provincia, estará a cargo de um empregado da Repartição Superior de Fazenda, mandado pelo governador servir temporariamente nas escolas, conservando-se-lhe todos os seus vencimentos por aquella repartição e mais a gratificação de 30$000 réis mensaes.

§ 1.° A escolha deverá recair entre os que tiverem melhores informações na respectiva Repartição de Fazenda, conservando-se-lhes o direito ao accesso no seu quadro.

§ 2.° Em Loanda, terá moradia no edificio da Escola, luz, agua e lenha, como os demais empregados. - Em S. Thomé e Cabo Verde, logo que seja possivel, dar-se-lhe hão iguaes vantagens.

§ 3.° Em Gabo Verde este empregado fixará a sua residencia e funccionará na Escola elementar de navegação, recebendo e averbando as contas que lhe forem enviadas pelos conselhos administrativos, a que se refere o § unico do artigo 57.°

Art. 55.° Ficam os governadores autorizados a introduzir novas officinas, á medida que as condições das Escolas Profissionnes, nas suas provincias, forem melhorando e as necessidades da colonia o exigirem.

Art. 56.° É obrigatorio o uso da lingua portuguesa dentro das escolas, e, mesmo dentro das officinas, entre os indigenas, sobretudo para os alumnos do 2.° anno em deante, estabelecendo-se penas para os que transgredirem este preceito.

Art. 57.° Os fundos para fazer face aos encargos com as differentes escolas serão: donativos particulares, as ferias dos alumnos que trabalham nas officinas do Governo, producto das obras, subsidio das corporações municipaes e dotação do Governo.

§ unico. Estes fundos serão administrados, em cada escola, por um conselho composto do director e de dois profes-

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sores, servindo mu de thesoureiro e o outro de secretario. Em Cabo Verde, estes dois cargos poderão ser desempenhados por mestres, nas escolas de aprendizagem ou officinas onde não haja professores.

Art. 58.° Estabelecida a reorganização dos serviços agronómicos coloniaes, segundo o disposto na proposta de lei correlativa e fundados nas diversas provincias os postos experimentaes agricolas, ficarão elles constituindo verdadeiras "Escolas praticas de cultura". Os colonos e os indigenas que ali trabalhem na execução dos serviços que lhes competirem farão a aprendizagem das operações agricolas indispensaveis ás nossas culturas ou ao aperfeiçoamento dos processos antigos indigenas. Estes postos experimentaes serão dirigidos por um agrónomo, por um silvicultor ou por um regente agricola, conforme a natureza e a importancia technica dos trabalhos a que se destinem.

Art. 59.° Os "postos experimentaes" de agricultura que se vão criar deverão ter feição "zootechnica" sempre que isso convenha á região em que se installarem.

§ 1.° Para se colherem vantagens desta instituição, os trabalhadores contratados em Cabo Verde para o posto serão coagidos a cumprir o contrato, quando porventura abandonem o trabalho, sustando-se por esta forma a deserção d'elles nos annos em que não haja crise faminea.

Art. 60.° Attenta a negação que os indigenas, em regra, teem para os trabalhos agricolas, sobretudo em S. Thomé, o respectivo governador proporá os meios necessarios para chamar alumnos a este ensino, interessando-os n'elle por forma que se appliquem e não descurem tudo o que se liga ao trabalho da cultura da terra.

Art. 61.° Nos assuntos relativos ao ensino agricola era cada provincia, o pessoal dirigente fica subordinado aos inspectores das Escolas Profissionaes.

Art. 62.° Quando se achem montados os serviços da sua especialidade, um veterinario ministrará ensino aos alumnos que lhe forem confiados.

Art. 63.° O vencimento do pessoal encarregado do ensino nos postos experimentaes e demais encargos com estes estabelecimentos constam da proposta de lei relativa á reorganização dos serviços agronomicos coloniaes.

Art. 64.° Os directores dos postos terão os auxiliares europeus que forem indispensaveis e o pessoal indigena que o trabalho manual exigir.

Art. 65.° Os governadores da provincia de Cabo Verde e de S. Thomé e Principe e o governador geral de Angola, tomando por base a presente organização, mandarão formular os regulamentos necessarios para o completo funccionamento dos serviços que ella estabelece, submettendo os mesmos regulamentos á approvação do Governo central.

Art. 66.° Fica revogada a legislação em contrario.

Secretaria de Estado dos Negocios da Marinha e Ultramar, em 21 de agosto de 1905. = Manoel Antonio Moreira Junior.

TABELLA 1

Pessoal das "Escolas Praticas de Aprendizagem" de Cabo Verde

[Ver tabela na imagem]

TABELLA II

Pessoal da "Escola de Artes e Officios" de S. Thomé

[Ver tabela na imagem]

TABELLA III

Pessoal da "Escola Profissional" de Loanda

[Ver tabela na imagem]

Secretaria de Estado dos Negocios da Marinha e Ultramar, em 21 de agosto de 1905. = Manoel Antonio Moreira Junior.

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SESSÃO N.° 18 DE 21 DE AGOSTO DE 1905 49

Proposta de lei n.° 10-S

Senhores.- Se é uma verdade, já consagrada em aphorismo, que o continente de Portugal é um país principalmente agricola, com a mesma exactidão pode affirmar-se a predominancia da agricultura nas possessões portuguesas do ultramar.

A exportação do nosso dominio ultramarino é quasi exclusivamente constituida por productos agricolas. Num valor total de 12.584:600$000 réis, considerando sómente a exportação para o continente para consumo e reexportação, as mercadorias agricolas, as principaes, figurara com o valor de 11.907:571$000 réis, mais de 94 por cento da totalidade.

D'este modo se evidencia o caracter agricola actual das nossas possessões, que, tudo o leva a crer, mais se accentuará ainda no futuro.

A constante e alta energia da vegetação nos climas tropicaes, por onde se estende, principalmente, o nosso dominio ultramarino; a natureza do solo, por largos tratos, de exuberante fertilidade; a indole de grande parte da população indigena; o alto valor que attingem, nos mercados do mundo, alguns productos coloniaes; o, relativamente a outros ramos da industria, a menor exigencia de capital da exploração agricola, asseguram a esta um exito completo e fazem-na mais accessivel á capacidade colonizadora do nosso país.

Seguramente a exploração mineira, que em muitas colonias constitue a principal attracção dos capitães e da emigração das respectivas metropoles, será um precioso recurso em parte de algumas das nossas provincias de alem mar. Só poderá abranger, porem, regiões restrictas do nosso territorio.

No decorrer do tempo a população indigena e europeia ha de certamente empregar-se em outros ramos da actividade industrial. Já agora mesmo algumas industrias podem dar lucrativa applicação ao trabalho e ao capital: o fabrico do açucar e a destillação, por exemplo. São, comtudo, industrias derivadas da agricultura e solidarias com o seu desenvolvimento.

Por largo tempo o commercio de permuta, tendo por elemento fundamental os productos agricolas, continuará a ser a principal occupação dos portugueses nas colonias. É tradicional e porventura a nossa mais caracteristica aptidão. As colónias de portugueses são essencialmente commerciaes; no Brasil, na America do Norte, na Europa, por toda a parte, o emigrante português procura o exito no exercicio do commercio.

E talvez a manifestação de um atavismo de raça. Modernamente, o commercio é o ramo de actividade humana que melhor corresponde ás qualidades que, no passado, nos levaram á navegação, ás descobertas e ás conquistas. Nenhuma outra industria offerece mais sobresaltadas alternativas, nem mais probabilidades de enriquecimento apido e de afortunado exito.

O commercio será, porem, nas nossas possessões, o mais poderoso estimulo do desenvolvimento agricola. As mercadorias que até agora lhe tem offerecido, a productividade espontanea das colónias ou uma agricultura rudimentar, terão de ser fornecidas por novos recursos naturaes e pela agricultura methodica e technicamente dirigida. A exploração extractiva que o preto exerce, a eventualidade dos seus fornecimentos, a possibilidade de que a concorrencia de outras colónias o afaste dos seus actuaes mercados, se por um lado ameaça exhaurir as regiões que actualmente explora, cria tambem ao commercio uma instabilidade de fornecimento e de preços que o ha de forçar a procurar a formação de uma base mais segura e estavel para o seu trafego.

O papel da agricultura será assim reconstituir a riqueza natural depauperada, explorar novos recursos da flora e da fauna, fundar explorações e fazendas que assegurem ao commercio uma offerta perenne e abundante, offerecendo ao mesmo tempo á emigração e aos capitães disponiveis da metropole, larga e lucrativa applicação, criando riqueza e actividade suficientes para garantir, á crescente producção do continente, vastos e remuneradores mercados.

Esta multipla funcção económica da agricultura nas colonias não pode ter realidade efficaz sem uma organização agricola que disponha de todos os recursos que a sciencia e a industria modernamente facultam á exploração do solo. Não a pode realizar uma agricultura escassamente conhecedora do meio em que vae trabalhar e que só disponha de pessoal imperfeitamente habilitado e de processos primitivos.

A cultura tropical é relativamente nova. Não tem ainda uma tradição longa em que a experiencia successiva de muitos tenha determinado methodos seguros.

Não pode repetir as praticas seguidas na metrópole porque nas colonias tudo e diverso: as plantas, o clima, até mesmo, em muitos pontos, o solo. É forçoso deduzir os processos culturaes das condições do meio e da vegetação, e applicá-los com intelligente criterio. O trabalho mecanico tem larga applicação, tanto mais quanto as extensões a explorar são vastissimas.

Só uma organização agricola perfeitamente technica pode satisfazer a estas condições.

Assim o parecem entender todos os países coloniaes, que não hesitam em despender largas sommas com a educação de pessoal agronomico, com o estudo das aptidões dos solos, das floras e faunas tropicaes, com a fundação de estabelecimentos especialmente affectos á experimentação agricola, com o ensino da população indigena, com tudo, emfim, que concorra para fornecer á agricultura um conhecimento completo das condições de trabalho, pessoal habilitado, plantas e machinismos previamente estudados e experimentados.

E o acordo unanime de todas as nações que trabalham no mesmo emprehendimento colonial que nos preoccupa é, sem duvida, uma prova formal da indispensabilidade do emprego de taes meios.

Assim o reconheceram muitos dos meus antecessores. Desde longo tempo quasi todos os Ministros do ultramar teem promulgado medidas n'aquella ordem de ideias. Não me referirei, porem, a toda a legislação, já numerosa, e que, por motivos diversos, foi de quasi nullos effeitos.

Referir-me-hei apenas ás organizações completas que foram promulgadas em 1876 e em 1899, por serem as unicas que representam um systema.

A carta de lei de 7 de abril de 1876, regulamentada sor decreto de 27 de dezembro de 1877, criava em cada uma das provincias ultramarinas:

Um posto experimental de agricultura;

Um museu e uma biblioteca agricolas;

Um conselho de agricultura provincial;

Um logar de agronomo, com o vencimento annual de 900$000 réis, e com obrigação de fazer um curso de agricultura e de zootechnia, e de publicar os annaes agricolas da provincia, no respectivo boletim.

Esta organização nunca se realizou completamente. Foram nomeados alguns agronomos. Estabeleceram-se pousos postos com diminutas dotações. Os cursos de agricultura e de zootechnia não chegaram a funccionar, e não chegaram a publicar-se annaes de qualquer provincia, nem se installaram os museus e as bibliotecas.

A exiguidade dos vencimentos não attrahia ás colonias senão os funccionarios que não encontravam collocação no continente. Os escassos recursos das provincias não permittiram que os postos experimentaes se desenvol-

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vessem. Limitaram-se apenas a alguns ensaios de culturas tropicaes, cujos resultados são na maior parte desconhecidos, e não puderam ser confirmados por não se repetirem.

Todavia é manifesto que este regime poderia ter sido util se fosse executado com rigor e com persistencia. Pelo menos poderiamos ter hoje bem averiguado, por uma experiencia de quasi trinta annos, a possibilidade de cultivar muitas plantas, cujo exito nas colónias é ainda hoje incerto. Os agronomos teriam archivado nos annaes e nos museus muitas observações e muitos productos uteis á caracterização dos climas, dos solos e dos recursos da sua producção, que seria, sem duvida, uma valiosa base para o estudo das nossas possessões.

Afigura-se-me que o principal defeito desta organização de serviços consistiu no defeituoso recrutamento do pessoal e na exiguidade das dotações concedidas.

Havia então em Portugal um pequeno numero da agrónomos, de que os mais distinctos encontravam relativamente facil collocação no continente. O ensino que recebiam, deficiente, sem caracter pratico, era de todo alheio a assuntos coloniaes. Teria sido possivel recorrer a pessoal estrangeiro se a isso se não oppusesse a parcimonia dos vencimentos.

Os postos experimentaes mal dotados pouco mais poderiam ter sido, por maior boa vontade de quem os dirigia, do que realmente foram; pequenos ensaios, donde nada podia deduzir se applicavel á grande cultura colonial, e nada era possivel experimentar com rigor technico.

Em 9 de novembro de 1899, reconhecida a insufficiencia da legislação anterior, pensando-se que uma das causas d'esta inefficacia era a enorme extensão das provincias ultramarinas, cada uma das quaes estava confiada a um só agronomo, foi decretada a reorganização dos serviços agricolas do ultramar.

O decreto estabelecia:

Um horto experimental e para viveiro de plantas em cada um dos districtos ultramarinos;

Um logar de agronomo, tambem em cada districto, com a obrigação de fazer missões de ensino e propaganda du rante seis meses por anno, e com ingerencia na administração dos prazos da Coroa, administrados pelo Estado;

Autorizava tambem o Governo a subsidiar agrónomos para irem ao estrangeiro estudar culturas coloniaes.

É esta a legislação actualmente em vigor. Eu proprio appliquei algumas das suas disposições, contratando dois agronomos para servirem nos districtos de Loanda e do Congo, estagiando previamente o primeiro no Jardim Colonial de Victoria, nos Camarões, e o segundo no Jardim Colonial de Libreville, no Congo francês.

Assim se pode já obviar, em parte, á falta de pessoa especialmente educado para o serviço agronomico nas colonias.

Como se vê, a organização de 1899 applicava aos dis trictos o que a anterior havia decretado para as provincias, e diminuia por este modo a área que estava a cargo de cada funccionario agronomico.

Na execução, a reforma de 1899 foi mais longe do qu tinha ido a antecedente.

Estabeleceram-se campos de ensaios em quasi todos as provincias ultramarinas.

Foram nomeados diversos agronomos. Os trabalhos effectuados foram, porem, de pequeno alcance e tiveram de suspender-se por falta de verbas sufficientes. Os agronomos fizeram alguns relatorios, mas a maior parte permaneceu sem occupação effectiva e sem influencia util na agricultura colonial.

Do mesmo modo que a respeito da organização de 1876 pode dizer-se em relação a esta que uma execução completa e sufficientemente dotada teria produzido resultado benéficos, tanto para informação dos particulares sobre a condições agricolas das possessões, como para esclarecimento da administração publica e desenvolvimento da colonização.

O decreto de 16 de julho de 1902, fundamentando-se em que na falta de centralização e de coordenação dos serviços agronomicos é que consistia a principal causa da sua inefficacia, remodelou em parte a lei de 1899, e criou logar de director de agricultura de Angola e um quadro e doze regentes agricolas na mesma provincia.

Quando me foi confiada a pasta da Marinha e Ultramar, corria o prazo do concurso para o provimento do logar de director de agricultura.

Tendo-me convencido desde logo da necessidade de mais ampla reforma dos serviços agricolas ultramarinos, julguei conveniente suspender o concurso para, depois lê mais demorado estudo, o reabrir ou extinguir o logar como parecesse mais conveniente.

Na organização que proponho não figura effectivamente aquelle logar, de todo dispensavel, e cujas attribuições, nas condições actuaes das nossas colonias, difficil seria terem realidade util.

Cumpre-me agora justificar as bases da organização que proponho, explanando a par e passo as ideias que me determinaram propô-la.

A base 1.ª estabelece, na 3.ª Repartição da Direcção Geral do Ultramar, uma secção especialmente affecta aos serviços agronómicos coloniaes e define e enumera o objectivo e attribuições que lhes dizem respeito.

Qualquer que fosse a organização adoptada, esta secção tornar-se hia sempre indispensavel. O caracter especial dos serviços agricolas e o desenvolvimento que vão ter exige pessoal privativo e não permitte conservá-los confundidos no já demasiado e complexo expediente de qualquer das actuaes secções da 3.ª Repartição.

O ensino technico, o reconhecimento das condições agricolas coloniaes e do seu estudo experimental, o registo da propriedade rustica, a administração dos bens ruraes do Estado, a exploração das florestas, o regime de caça e pesca, a estatistica da producção, toda a informação emfim que habilite o Governo a estudar com efficacia os problemas da agricultura ultramarina, não podem claramente ser confiados a pessoal sem habilitações especiaes e que tenha simultaneamente de occupar-se de outros assuntos.

Não julgo porem indispensavel ainda, como porventura o será no futuro, o estabelecimento de uma repartição privativa. Na iniciação de serviços será certamente indispensavel a competencia dos especialistas, mas será diminuto o expediente, que só aumentará consideravelmente quando as instituições e serviços a installar successivamente estiverem em plena e definitiva realização.

Será sempre tempo de ampliar a parte burocratica do systema que proponho, quando bem o justifique o desenvolvimento dos trabalhos que lhe competem.

Pela primeira vez, supponho eu, se discrimina e limita o que se entende por serviços agronomicos, na administração publica ultramarina.

Pareceu-me conveniente fazê-lo para evitar confusões e incertezas de competencia e objectivar precisamente as attribuições dos funccioriarios especiaes. Não será possivel, assim, a permanencia inactiva dos empregados já nomeados, nem a nomeação de outros para onde nada haja que dar-lhes a fazer. O agronomo, o silvicultor, o regente agricola deixarão de ser, nas colonias, estas entidades, por

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assim dizer abstractas, de cuja utilidade só vagamente se desconfia.

Ma enumeração dos serviços comprehendidos sob a rubrica de agronomicos, abrangem-se tambem mais todos os que teem caracter technico incontestavel e por intermedio dos quaes o Governo pode influir na manutenção e desenvolvimento da agricultura colonial.

E isto evidente para o que diz respeito ao ensino, aos postos experimentaes, e ás missões de estudo. Pode haver duvidas no que se refere a carta agricola e cadastro, á administração das explorações do Estado, e á informação commercial.

Certamente o levantamento da carta e do cadastro constituem em boa parte trabalho que pertence a outra categoria de funccionarios technicos. Mas é sobretudo pela agricultura e em favor dos seus interesses que taes trabalhos devem executar-se. Na sua execução são indispensaveis os conhecimentos especiaes dos technicos agricolas. O trabalho topographico é fundamental, mas não é o unico nem o principal. Como hão de classificar se terrenos e culturas, determinar rendimentos e valores de predios rusticos sem a intervenção dos technicos respectivos?

Sendo ao mesmo tempo estes serviços indispensaveis ao Estado e á boa administração das condições agricolas e da propriedade rural, é manifesta a utilidade de os reunir com o fim de convergirem todos para o mesmo rim: o desenvolvimento progressivo da agricultura colonial.

A administração das propriedades do Estado, florestaes ou agricolas, estão no mesmo caso.

Confiadas, como até agora, a funccionarios a cuja educação foi de todo estranha a agricultura, nem podem manter-se sem perda consideravel, nem podem servir de escola ao indigena e de exemplificação aos colonos.

Todas as quintas regionaes do Estado, nas circunscrições de Lourenço Marques, prédios extensos de 100 hectares pelo menos, em numero de cinco, dão apenas o rendimento bruto de 3:0005000 réis!

Estes estabelecimentos são indispensaveis nos postos de occupação, inicios de colonização onde tem de manter-se pessoal europeu, porque a alimentação ou tem de ser carissima, quando constituida por productos da metrópole importados, ou pouco favoravel á hygiene alimentar, se tiver de recorrer-se aos generos indigenas.

Com effeito a substituição dos frutos e legumes importados, em conservas, por productos frescos, recommenda se pela hygiene e pela economia da alimentação.

Sendo indispensavel manter as explorações agricolas por conta do Estado, impõe se o duplo fim a dar-lhes, industrial e de experimentação. Seria um desperdicio de actividade, e de dinheiro não aproveitar o ensejo que fornecem para ministrar ensinamentos práticos aos trabalhadores indigenas e informações, experimentalmente averiguadas, aos colonos.

Assim planeada, esta exploração não pode deixar de entregar-se a funccionarios especiaes competentemente habilitados.

Pelo que diz respeito ao dominio florestal menores hesitações pode haver. As florestas coloniaes constituem por si mesmas uma valiosissima riqueza avultada ainda hoje, mesmo nas colonias onde uma devastadora exploração as empobrece progressivamente. Noutra proposta de lei me refiro especialmente ás florestas da India, cujo regime me proponho modificar, exactamente para impedir a sua completa destruição.

Mas não só como riqueza devem preoccupar o Governo. A floresta é, ao mesmo tempo, uma exploração, e a garantia de outras explorações. O fornecimento de madeiras de construcção e de lenhas, os numerosos e utilissimos, frutos e materias primas que produzem, a regularização dos cursos de agua, o saneamento dos terrenos, a melhor alimentação das nascentes, são condições indispensaveis ao exito da colonização.

Caracteristicamente agricolas, concorrendo, sem duvida alguma, para a prosperidade das colónias e fornecendo valiosos meios de a promover, as explorações florestaes não podem deixar de ser abrangidas na mesma organização de serviço em que interesses congeneres devem ser estudados e coordenados.

O regime de caça e de pesca constitue serviço que, em todos os países, anda sempre annexo a exploração florestal.

A informação commercial não constitue, manifestamente, serviço agronomico.

É incluida aqui, como sempre que hajam funccionaripa que a possam fornecer. A cada passo precisa a administração do Estado dessa informação.

Os funccionarios agricolas vão estar em contacto com a principal riqueza que o commercio explora; quotidianamente poderão obter noticia de factos que possam commercialmente instruir a administração publica e os particulares; seria erro administrativo desaproveitar este ensejo para obter taes esclarecimentos.

O pessoal da secção é o restrictamente indispensavel. Um agrónomo para os serviços propriamente agricolas - outro para a parte florestal, que em toda a parte constitue especialidade, de caracter technico complexo, e tem particular importancia nas nossas possessões - um veterinario para os serviços de sanidade pecuaria colonial, que a cada passo preoccupam os Governos, não só no interesse da criação do gado, importantissimo ramo de exploração em quasi todas as nossas possessões ultramarinas, mas ainda no ponto de vista das relações internacionaes que obrigam a tomar providencias especiaes de defesa para evitar a propagação de epizootias dizimadoras.

Estão já ao serviço da 3.ª Repartição vim agrónomo e um veterinario.

Pequeno aumento de despesa resultará da nomeação de outro agronomo, de um regente agricola e dois amanuenses para o serviço de expediente.

Adopta-se o provimento por concurso.

Afigura-se-me o meio mais efficaz para a acquisição de pessoal idoneo.

Na base 2.ª é criado o ensino agronómico colonial. E uma antiga aspiração dos Governos Portugueses e já em 1899 esteve a ponto de realizar-se. Todos os países coloniaes teem, ha muito tempo, installado este ensino. Uns criaram institutos especiaes de ensino colonial abrangendo o agricola; outros nos estabelecimentos já existentes fundaram secções exclusivamente destinadas ao ensino da agricultura tropical. Finalmente ainda outros, como a Allemanha e a França, instituiram escolas unicamente affectas á agricultura das colonias.

O primeiro congresso colonial realizado em Lisboa incluiu nas suas reclamações aos poderes publicos o ensino agronomico.

E ninguem mais do que aquelles a quem está confiada a administração ultramarina sente a necessidade deste ensino.

Não ha organização de serviços, por mais intelligentemente concebida, que possa vingar, se não tiver a realizá-la um pessoal com perfeita competencia technica e verdadeira dedicação profissional.

A competencia só a pode dar o ensino bem estabelecido e praticamente orientado; a dedicação profissional nasce na escola e fortalece-a o exercicio da profissão, com o exito que só uma instrucção solida e especializada pode garantir.

Decerto podemos recorrer ao estrangeiro, onde existe, de longa data, a educação profissional que até agora nos tem faltado.

Algum tempo ainda teremos de lançar mão d'este re-

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curso, emquanto o ensino proposto não começar a produzir os seus naturaes resultados.

E todavia um recurso deprimente e perigoso para nós.

Todos os países procuram estabelecer uma educação privativa. E um acto de emancipação intellectual e que a pedagogia fundamenta na necessidade de adaptar os methodos de ensino ao caracter da nação.

No estado actual do nosso dominio ultramarino não ha duvida de que é arriscado recorrer a funccionarios estrangeiros, sobretudo para lhes dar funcções dirigentes na exploração das riquezas naturaes das colonias. Não devendo porem restringir a acção do Estado no desenvolvimento efficaz da agricultura colonial, forçoso será, por um periodo embora curto, a elle recorrer.

Para que o risco apontado seja pouco duradouro e ao mesmo tempo se tornem pratica e valiosamente conhecedores das culturas coloniaes os agrónomos habilitados no nosso Instituto de Agricultura, indispensavel me parece mandar portugueses ás escolas estrangeiras. Assim conseguiremos melhorar o trabalho nacional com o auxilio de estabelecimentos já antigos e perfeitamente installados, sem os riscos e inconvenientes do recurso permanente a estranhos, indifferentes e porventura até hostis a prosperidade nacional.

Seguiremos deste modo o exemplo da Inglaterra, cuja orientação pratica se revela em todos os actos da sua administração. Para explorar o seu vastissimo dominio florestal na India, emquanto não póde utilizar os discipulos da escola de Dhera-Dum, enviou á escola de Nancy trinta e dois engenheiros ingleses, que ali seguiram o curso florestal. E o seu intuito não era só a exploração florestal immediata, era tambem a fundação do ensino.

Nesta proposta de lei estabeleço o ensino no Instituto de Agronomia e Veterinaria.

E o processo menos dispendioso e de maior efficacia.

A criação de um instituto exclusivamente de ensino colonial, abrangendo todos os seus ramos, representaria um pesadissimo encargo para o Thesouro, para ser realmente util. Uma instituição mal dotada arrastar-se-hia numa vida enfezada e inutil. Despendendo-se pouco, tudo seria um desperdicio. Uma dotação conveniente não é possivel agora. A proposta referente ao ensino colonial geral definiu a minha orientação, que é sem duvida modesta, mas que quis tornar realizavel e util.

Por maioria de razões não proponho uma escola especial de agricultura. Custaria quasi tanto como uma grande escola colonial, e daria um só genero de ensino.

Recorrendo ao nosso Instituto Agricola, o effeito pratico é o mesmo e a realização menos cara.

Nas installações do Instituto existem já laboratorios, museus e gabinetes, aproveitam-se collecções de estudo e algum pessoal, alem da conveniencia incontestavel de entregar a direcção do ensino a um corpo docente, já constituido na mesma orientação technica, e cuja competencia é por todos reconhecida e prazer tenho em frisar.

Poderá parecer acanhada a organização que alvitro. O ensino ministrado por duas cadeiras apenas afigurar-se-ha deficiente, caso se compare a organização que proponho á de outros países.

A Escola Superior de Agricultura em Paris tem dez cadeiras. O ensino de agricultura tropical na Bélgica, dependente do Estado, divide-se por quasi todas as cadeiras do Instituto Agricola de Gemblux. O Estado Independente do Congo estabeleceu o Instituto de Laeken.

Obedeço ao criterio já anteriormente justificado. Julgo preferivel instituir sómente o que possa dotar-se bem. Desenvolver o ensino por muitas cadeiras e não lhe poder dar os elementos indispensaveis para uma demonstração experimental completa, seria um erro e uma mera apparencia, em vez da realidade que se torna indispensavel.

Isolo nas duas cadeiras propostas as matérias que ou não cabem no quadro dos assuntos das outras cadeiras, tal é a geographia, ou viriam sobrecarregar-lhe demasiadamente o ensino. Estão neste ultimo caso as culturas, a zootechnia e a technologia coloniaes.

O corpo docente do Instituto, que mais de uma vez tem reclamado a inclusão da agricultura colonial no plano de ensino que lhe está confiado, saberá, orientar os programmas das restantes cadeiras da sua escola, de modo a faze-las collaborar, quanto possivel, no exito do ensino colonial. Tanto mais que aos restantes agronomos não serão inuteis noções referentes ás colonias, embora para ellas não vão.

Alem dos laboratorios e museu que o Instituto já possue torna-se indispensavel, todavia, um jardim colonial.

É o complemento inevitavel do ensino indicado. Não bastam as collecções de museu, os herbarios ou os exemplares modelados; é indispensavel o exemplar vivo para que a demonstração seja rigorosamente scientifica e educativa, para que o alumno não fique imaginando sómente como são os animaes e os vegetaes, mas tenha a noção viva da realidade. E depois não basta conhecer uma planta em certa phase da vegetação; é preciso segui-la no desenvolvimento de toda a sua evolução, observar a cada momento o seu aspecto e as suas exigencias em relação á temperatura, á humidade, ao estado do solo, etc.

E o jardim colonial não será apenas uma installação de ensino.
Satisfará a outras exigencias: ao estudo de especies e variedades novas, a experiencias de cultura, e á criação e multiplicação de plantas que forem indispensaveis aos postos exporimentaes das colonias; será tambem um centro de informação para todos aquelles que se interessam pela agricultura colonial e um meio de manter relações com os jardins congéneres estrangeiros e obter por troca novos exemplares e novas variedades, uteis á exploração do solo ultramarino.

Esta instituição auxiliará assim tambem o Ministerio da Marinha e Ultramar em todas as questões technicas que seja indispensavel resolver. Já hoje acodem com frequencia á Direcção Geral do Ultramar pedidos do informação sobre animaes e plantas tropicaes, regimes de caça, remessas de exemplares a classificar e consultas dos governadores das provincias ultramarinas que envolvem problemas technicos. A secção do ensino colonial no Instituto fica com todos os elementos para satisfazer a todas estas exigencias e será o archivo, todos os dias enriquecido, dos recursos agricolas coloniaes, de publicação e de estudos e de conhecimentos fundamentaes para a resolução dos problemas ultramarinos. Como está projectada, a installação do ensino não é immutavel, está definida e em termos de poder desenvolver-se successivamente, com o auxilio do Governo e dos particulares, que em todos os países concorrem largamente para o estabelecimento e para a melhoria das instituições congeneres.

Não me pareceu conveniente encorporar o novo ensino no curso geral de agronomia, tornando-o obrigatorio para todos os agronomos e silvicultores que saiam do Instituto. Limito me a exigi-lo aquelles que se destinem ao serviço no ultramar. Se é certo que a todos serviria aquelle ensino e a todos daria noções uteis e aproveitaveis a quem faz parte de um país colonial como o nosso, é verdade tambem que para adquirir os conhecimentos geraes que podem orientar na apreciação dos assuntos ultramarinos, basta a frequencia das outras cadeiras, nas quaes mais ou menos haverá referencias ás colónias, e seria sobrecarregar o curso geral obrigar á frequencia de um ensino especializado de que mais tarde se não tiraria larga vantagem pratica.

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Não me preoccupa só o ensino superior.

A acção do agrónomo tem de ser completada pelo regente agricola. Em muitos casos, pelo menos no inicio dos postos experimentaes a que se refere a base 3.ª, será preferivel empregar o regente.

A colonização particular satisfaz mais o regente do que agronomo, a não ser em grandes explorações, que seja preciso dividir em grandes secções de trabalho, cada uma das quaes precisará de um regente, e cuja direcção geral e superior exigirá então um agronomo.

Praticamente se averiguou já em Africa a vantagem do serviço que podem prestar os regentes agricolas, tanto no serviço do Governo como de particulares. Nos archivos do Ministerio ha referencias lisonjeiras dos governadores a estes modestos funccionarios.

Nas roças de S. Thomé trabalham alguns regentes.

No ensino especial d'estes funccionarios ha já ensino de agricultura tropical.

Basta que o jardim colonial forneça, tanto á escola de Coimbra como á de Santarém, herbarios, collecções e plantas, para que aquelle ensino tome um caracter mais effectivo do que tem agora; por seu turno o tirocinio dos regentes, no mesmo jardim, e a frequencia das conferencias dos chefes de serviço bastarão para completar a sua educação inicial de funccionarios coloniaes.

O ensino do officio de cultivador é tambem indispensavel no ultramar, quer para o colono quer para o indigena.

O trabalho horticola, de tratamento de pomares, as diversas operações agricolas, constituem officios especializados.

Os colonos que se destinam ás nossas possessões ultramarinas nem sempre partem da população agricola, e mesmo quando tal succeda não teem a mais pequena ideia da cultura colonial.

O indigena, que muitas vezes de operações agricolas apenas conhece a colheita, quando é cultivador segue os processos tradicionaes, rudimentares e imperfeitos. Se o colono que chega; e fica em convivencia próxima com o indigena, fosse um cultivador habil, a população local iria insensivelmente assimilando este ensino.

Actualmente acontece, porem, justamente o contrario. O colono e que aprende os processos do indigena.

Assim, nas explorações do Estado, em Moçambique, são os processos indigenas que dominam. Os poucos trabalhadores europeus, os degredados, aprendem a cultivar com o preto.

O ensino agricola elementar, o do cultivador, na metropole, é um problema que ainda não está resolvido.

Instituir escolas primarias agricolas, especiaes, não o consente a enorme despesa que seria inevitavel.

O colono pode porem receber, como o indigena, a educação pratica, mesmo no ultramar. É mais vasto o territorio do que na metropole, mas a colonização faz-se pelo estabelecimento successivo de nucleos de população, que fica assim condensada em centros limitados, e ahi juntamente colonos e indigenas poderão receber ensino, exercitando a profissão.

E, sem duvida, ás missões que poderá facilmente competir este modesto e utilissimo serviço: a educação do trabalhador.

O cultivador e o elemento fundamental da agricultura.

E o seu trabalho modesto, tenaz, constante, que faz a prosperidade agricola, do mesmo modo que o trabalho subterraneo, incessante, vermicular, que a raiz desempenha no solo, é indispensavel á vegetação mais impetuosa e exuberante dos tropicos.

Educar este factor essencial da riqueza das colonias apropria: Se ás funcções do missionario, e mais do que outrem pode este faze-lo com efficacia, seja qual for a raça que se pretenda conduzir á disciplina do trabalho.

Disto advém a utilidade de habilitar o missionario a exercer esta valiosa funcção.

Aqui mesmo em Lisboa, no Lenho, ao pé de Cintra, existe magnificamente installado o Seminario do Espirito Santo, onde os missionarios recebem uma completa educação agricola.

De alta vantagem seria fazer o mesmo em Sernache do Bom Jardim, dotando este estabelecimento com todos os elementos indispensaveis á habilitação dos missionarios para ensino agricola.

Lamento, por isso, não poder dedicar lhe verba mais avultada do que a que exarei na proposta. Mão o posso fazer dentro dos limites que me impus, sendo apenas sufficiente a que lhe destino, para a habilitação absolutamente precisa.

Na base a que estou referindo-me ha ainda disposições que me cumpre justificar.

Prohibe-se ao lente, que servir de director do jardim colonial, e aos chefes de serviço, o desempenho de qualquer outro cargo differente do que lhe é incumbido por esta base.

Desde muito tempo todos reconhecem quanto seria util para o ensino que o respectivo pessoal a elle exclusivamente só dedicasse, salvo o exercicio de algum cargo ou funcção que intimamente se ligue com o proprio ensino e até possa concorrer para o seu aperfeiçoamento.

Não é, porem, possivel uma tal restricção aos funccionarios, sem lhes dar vencimentos que simultaneamente lhes garantam uma vida despreoccupada das dificuldades de acquisição dos mais elementares meios de subsistencia e de bem estar.

É por isto que, sendo imprescindivel, ao bom desempenho dos serviços que lhe confio, a completa e exclusiva dedicação do pessoal de ensino, lhe acrescento em gratificações o vencimento normal, perfazendo assim o que me pareceu indispensavel nas condições actuaes da vida em Lisboa e attendendo ás categorias que lhe respeitam.

A base 3.ª refere-se aos serviços agronomicos que teem de realizar-se nas possessões ultramarinas.

O primeiro destes serviços é o reconhecimento da riqueza agricola colonial.

Não será efficaz a legislação colonial sem o conhecimento das condições de explorabilidade das nossas colonias.

O melhor processo a seguir, com este intuito, seria fazer passar pelo territorio de todas as provincias ultramarinas uma missão de estudo que, previamente a qualquer installação definitiva, nos indicasse de maneira bem precisa quaes as condições de meio a attender e o fim agricola a visar.

Os postos experimentaes da agricultura e as cartas agricolas e florestaes, realizados segundo os planos que as missões tivessem estabelecido, fixariam definitivamente os conhecimentos indispensaveis á administração do Estado e nos colonos.

Mais tarde as estações e as explorações agricolas e florestaes seriam instituições a estabelecer com perfeita segurança de exito, para mais vasta e proficua colonização.

Não pode integralmente seguir se sempre este methodo, tendo de variar por vezes a sua execução.

A organização das missões de estudo tem necessariamente de differir conforme a região a percorrer e a indole dos respectivos estudos. Conviria mesmo, em muitos casos, não as limitar ao estudo da agricultura. Aqui só me refiro ás missões agricolas por ser este o intuito exclusivo da presente proposta de lei. O que fica disposto não impede,

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porem, que a estas missões outras se juntem e com ellas se combinem de modo a abranger nas suas investigações não só o que interesse á agricultura, mas a todos os outros vamos da economia colonial.

Não permittem os meios de que o Governo dispõe organizar, desde já, missões em todas as provincias ultramarinas.

Julgo, porem, urgentemente preciso o estudo de Cabo Verde e da Guiné.

O desenvolvimento da provincia de Cabo Verde, e em especial a sua arborização, é um problema antigo, muitas vezes tentado e nunca resolvido.

Por diversas vezes teem sido estabelecidos postos experimentaes de cultura, teem-se feito diversos ensaios culturaes, mas tudo incompleto, com interrupções e sem plano, por forma que não se obtiveram resultados seguros para basear qualquer resolução.

O actual governador apresentou ao Governo, pela Direcção Geral do Ultramar, um vasto projecto para a installação de postos experimentaes, do uma estação de agricultura tropical, para a arborização da provincia e para a organização de uma repartição de agricultura. Em todas as disposições d'este projecto se revela, porem, a necessidade de um estudo previu, por uma missão que o proprio governador propõe. Evidencia se a necessidade de estudar de um modo completo aquella provincia, para evitar as frequentes crises da alimentação e da falta de trabalho, que affligem a sua população, retardam o seu desenvolvimento economico e sobrecarregam o Estado com avultadas despesas.

A Guiné, pela fertilidade dos seus terrenos, pela riqueza das suas florestas e pela relativa proximidade da Europa, offerece fundadas probabilidades de lucrativa exploração agricola, cuja realização só poderá todavia effectuar-se com segurança depois de minucioso estudo.

Outras missões são necessarias tambem: a India, onde a exploração florestal tem largas probabilidades de exito; a provincia de Angola e a de Moçambique, onde as condições de desenvolvimento da cultura do algodão e da cana de açucar exigem tambem estudos previos conscienciosos e completos. N'estas provincias, porem, a installação de outros serviços permanentes, como a administração florestal, os postos experimentaes, as explorações agricolas do Estado, já indispensaveis ao seu desenvolvimento, servirão, ao mesrno tempo, para o estudo completo das suas condições agricolas. A todas diligenciará o Governo fazer chegar as missões de estudo o mais rapidamente possivel, logo que possa conseguir os recursos indispensaveis.

Os postos constarão apenas de campos de cultura e de uma ou outra pequena installação de machinismos para descaroçar e cardar o algodão, para simples destillação de materias primas coloniaes, ou para preparação da borracha.

As estações exigem organização mais complexa: deverão ter campos para ensaios culturaes, laboratorios e officinas.

Deste modo os postos serão apenas sondagens da possibilidade agricola das regiões em que se estabelecerem; pelo seu pequeno custo poderão ser numerosos; destinam-se a uma duração curta, para desupparecerem mais tarde, fundindo se em estacões, que continuarão permanentemente o trabalho de investigação e fomento.

A favor da utilidade destas instituições depõe a pratica uniforme de todos os países coloniaes. A Hollanda, a Inglaterra, a Allemanha. a França, o Estado Independente do Congo, a America do Norte, possuem hoje notabilissimos estabelecimentos d'este genero, e despendem largas sommas com a sua conservação.

Proponho-me começar pelos postos experimentaes, instituições mais modestas e que exigem menor despesa e meios pessoal.

O jardim colonial servirá para os fornecer de sementes e de plantas, para lhes orientar o trabalho a que se destinam e para realizar os estudos de materias primas e das suas applicações, que não poderão fazer se no ultramar sem laboratorios e pessoal muito especializado.

Os postos experimentaes serão tambem escolas praticas de cultura. Os colonos e os indigenas que ali trabalhem na execução dos serviços que lhes competirem farão a aprendizagem das operações agricolas indispensaveis ás novas culturas ou ao aperfeiçoamento dos processos antigos indigenas.

Manifestamente estas instituições revestirão, em alguns casos, aspecto mais complexo, para satisfazerem as exigencias differentes de regiões diversissimas.

Aos ensaios de culturas tropicaes acrescentar-se-hão os de culturas europeias que seja vantajoso aclimar; ás culturas succederão os ensaios technologicos indispensaveis á valorização dos seus productos; circunstancias haverá que indiquem a experimentação de processos zootechnicos e desaproveitamento de animaes uteis, selvagens ou domesticos.

Assim, por transições successivas, alguns postos se transformarão em estações experimentaes.

Conto para isto com alguma receita produzida pelas instituições criadas e com a collaboração dos particulares.

A venda de sementes e de plantas deverá dar receita, e avultada, quando se conseguirem variedades seleccionadas.

Ha, sem duvida, que contar com a coadjuvação dos particulares, sobretudo das companhias coloniaes.

Em todas as colonias estrangeiras esta collaboração é valiosissima, e até em muitas é sómente a expensas dos agricultores que instituições identicas se fundaram e manteem.

Nas colonias inglesas e nas da Hollanda e da America ha estações experimentaes de agricultura, cuja dotação sobe a mais de 30:000$000 réis, exclusivamente concedida pelos particulares interessados nos trabalhos especiaes d'essas estações.

Em Portugal os agricultores coloniaes muitas vezes teem recorrido dispendiosamente aos estabelecimentos e ao pessoal technico estrangeiro.

Não é provavel que deixem de concorrer para terem proximo, ou nas suas proprias explorações, serviços iguaes aos que procuram no estrangeiro, mais em harmonia com as condições em que cultivam, logo que se convençam da seriedade e da execução verdadeiramente pratica de taes serviços.

A carta agricola e o cadastro constituem uma aspiração que todavia teve já começo de realidade.

Na India ha trabalhos importantes de carta agricola.

As secções de agrimensura, no serviço de concessões de terras, teem elaborado trabalhos valiosos que podem considerar-se inicio de cadastro.

Se a todos estes serviços se imprimir uma ordonação systematica, pouco a pouco poderemos conseguir um esboço da carta agricola de algumas regiões.

A carta agricola constituirá a representação graphica dos recursos agricolas das colónias e será uma espécie de projecto do cadastro.

No que proponho apenas procuro fazer acompanhar os trabalhos topographicos das secções de agrimensura, por forma a simultaneamente archivarem com os aspectos do terreno a observação das suas aptidões agricolas e da riqueza que, porventura, produzam já.

O cadastro, a aspiração maxima da administração publi-

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ca, não seria apenas o inventario da riqueza territorial, nem sómente uma base bem perceptivel da incidencia do imposto predial.

Um grande alcance económico teria a sua execução: fazer dos vastos terrenos coloniaes um poderoso instrumento de credito, permittindo a mobilização da propriedade pela applicação da lei Torrens, cuja origem foi precisamente em territorio colonial.

Infelizmente não é possivel tentar a sua execução, sempre carissima e que para dar utilidade permanente exige uma revisão constante e tambem subidamente dispendiosa.

Limito-me pois a aproveitar os serviços já montados, para lhes dar maior alcance e ir colligindo elementos e preparando pessoal, á espera de mais desafogada situação.

A administração directa, pelo Estado, de explorações agricolas não é uma disposição a estabelecer como regra. É apenas uma necessidade.

Todos conhecem os motivos que nos impõem a occupação effectiva do dominio colonial que nos pertence. Estão no espirito de todos e não é aqui o logar para a sua enumeração.

Desde porem que tenhamos de occupar, militarmente, territorios afastados do litoral, com dificilimas communicações e, consequentemente, com transportes caros, temos forçosamente de procurar prover á alimentação da contingentes que hão de estacionar permanentemente nos postos de occupação. Alimentá-los exclusivamente com géneros importados, já o indiquei, representa uma grande despesa e prejudica a saude das pessoas a que se destinam.

Foram exactamente estas as razões que levaram a estabelecer as granjas que hoje existem nas sedes das circunscrições de Lourenço Marques, e a granja da Huilla. Desde que existem, e é.forçoso conservá-las, e será porventura necessario fundar novas quintas, julguei util aproveitá-las para irem colhendo elementos que facilitem a colonização, promovendo a e garantindo-a mais tarde.

E por isto que no §,4.° da base a que me estou referindo disponho que tenham sempre pontos experimentaes de agricultura.

E é precisamente com essas quintas que mais conto para os postos de caracter zootechnico.

O gado constituo em muitas das nossas colonias um factor predominante da industria agricola. Não só como alimentação, mas como meio de transporte, o gado é indispensavel a colonos, a indigenas e á occupação militar. Todos os generos de gado teem largo futuro nas colonias. E todos precisam de aperfeiçoamento nos processos de criação e de ensaios de acclimação que permittam obter novos recursos.

Installações especiaes, com o unico fim de seleccionar ou de acclimar gado, custam caro e não podem dar resultado senão em grande. Os ensaios culturaes podem fazer-se em poucos hectares e não precisam de alojamento importante. A criação e a selecção do gado exigem grande numero de ca becas, que, por sua vez, só podem sustentar-se em largas áreas. Isoladamente seriam portanto caras essas instituições, e só muito tarde poderiam produzir rendimento compensador da grunhe despesa que motivariam.

Precisando porem o Estado manter explorações ruraes, podem estas aproveitar-se simultaneamente para estações zooteclmicas, visto como hão de manter forçadamente gado, teem área bastante grande e podem empregar o gado que submetiam a experiencia e que seleccionem e acclimatem.

Neste caso a sua direcção não pode ser, como até aqui, confiada a pessoal estranho á technica agricola. Nem mesmo o que as administra agora garante uma direcção pratica economica. Os rendimentos escassos que hoje produzem as quintas regionaes são absolutamente insignificantes em comparação do que custam.

Sendo arriscada a administração pelo Estado, previno a hypothese de poder entregar a administração das quintas regionaes a particulares. E para não perder o ensejo indicado de as fazer servir ao fomento colonial, dispõe-se que seja sempre clausula do contrato a obrigação de manter postos experimentaes segundo os planos que o Governo determinar.

Com a administração das florestas acontece quasi o contrario do que succede com a das quintas regionaes. E a administração dos particulares a menos economica e a mais nefasta. Pode mesmo affirmar-se que a administração particular destruirá as florestas.

A floresta criada representa uma grande riqueza, immediatamente utilizavel, se ha mercados que a consumam. É uma tentação a que poucos resistem. Não a impede a certeza de que se extingue um rendimento permanente. De mais a mais o colono português não vae ás colonias senão procurar riqueza rápida. Não é a riqueza do futuro que o preoccupa, é a actual, immediatamente realizavel, que o attrae.

Para o indigena a floresta é muitas vezes um embaraço: é o abrigo e o criadouro dos animaes ferozes que dizimam os seus gados. A. floresta arroteada faz debandar essa vizinhança incommoda e o terreno descoberto é uma óptima pastagem para os seus gados. O fogo é o processo rápido e barato de conseguir estas vantagens, o indigena não hesita em empregá-lo.

O Estado não pode deixar assim destruir uma das grandes riquezas das colónias, onde a floresta produz tão preciosos e variados generos alimenticios e industriaes; tem forçadamente de tomar a propriedade florestal. Esta exploração é que tem maiores exigencias technicas, porque, pelas razões expostas, a pratica não pode estabelecer regras para uma exploração a quem não a exerceu nunca longo tempo.

Todavia previne-se tambem a hypothese de entregar a administração das florestas a particulares. Será sempre preciso estabelecer previamente um regime florestal e as regras de ordenamento da exploração. O particular tem assim apenas que executar cortes, impondo-se-lhe todavia, preceitos inflexiveis de que não possa afastar-se.

Na base 4.ª estabeleço os vencimentos e as condições de serviço dos funccionarios nas colonias.

Adoptei o principio do vencimento progressivo.

Todos conhecem a difficuldade com que o emigrante nacional se fixa nas colónias. Não vae para lá senão para voltar o mais rapidamente possivel. Sem um forte interesse, que o attraia não se demorará. E todos sabem tambem os graves inconvenientes, para qualquer especie de serviços, que resultara da mudança frequente do pessoal que os executa. Mudanças de processos e de criterios, alterações de disciplina, abandono de trabalhos encetados, tudo tira a continuidade e a fixidez de plano de trabalho que é indispensavel para o fazer dar resultado proficuo.

É preciso, portanto, estimular o pessoal a permanecer no ultramar, e o vencimento progressivo parece-me que satisfará a este desideratum. Seguimos ainda o exemplo da Inglaterra.

O direito á reforma é a consequencia logica dos vencimentos diminutos e da longa permanencia nas colonias.

Não podemos nos vencimentos ir tão longe como vão os países estrangeiros, e attingir ordenados que possam dar logar a largas economias que vão constituindo capital cujo rendimento venha a equivaler ao vencimento da reforma.

Exigir uma longa permanencia e ao cabo de uns poucos de annos de serviço, aniquiladas todas as energias pela

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acção definhante de um clima deprimente, e depois mandar embora o funccionario, é, alem de uma crueldade injustificavel, um acto de administração contraproducente.

O resultado dos ordenados exiguos e da falta de reforma dá o que todos os dias presenciamos: os funccionarios abandonam o serviço publico e procuram outras occupações onde obtenham o que o Estado lhes recusa, a garantia do futuro.

Julgo pois que na minha proposta ha justiça e utilidade.

Nos vencimentos dos funccionarios estabeleci differenças que as condições diversas de salubridade e de custo de vida bem fundamentam.

Do principio adoptado, o vencimento progressivo, não resulta senão pequeno aumento de despesa no primeiro periodo. No segundo periodo sobe a despesa de 5:600$000 réis, e em igual quantia no terceiro periodo.

São insignificantes aumentos de despesa que julgo bem compensados obtendo-se em troca uma organização systematica, cujo bom exito é licito esperar e, a meu ver, a legislação actual não garante.

Afigura-se-me, com effeito, que a legislação em vigor pecca por falta de dotação sufficiente, de pessoal idoneo e dos meios de o formar, e por indefinida na indole dos serviços e das attribuições.

Criaram-se serviços antes de determinar as exigencias a que haviam de satisfazer. Foram nomeados funccionarios onde nada havia em que empregá-los, e onde os particulares nem mesmo sabiam como utilizá-los.

As instituições criadas, aliás uteis em si, não o puderam ser realmente por falta de meios para as installar e manter.

O pessoal não tinha os conhecimentos especiaes indispensaveis. Com os pequenos recursos de que se dispunha, não se recrutaram funccionarios de alto mérito como convinha no inicio de serviços inteiramente novos. Não havia ensino especial para os funccionarios nacionaes.

Os serviços agronómicos não foram bem destacados na administração ultramarina. Ficaram confundidos na vasta e complicada engrenagem administrativa e de ahi muitas vezes os próprios governadores das provincias não saberem bem em que deviam empregar os agronomos, e, em contraposição, alguns darem serviços caracteristicamente agricolas a funccionarios militares ou civis, sem noção alguma de agricultura. Ha actualmente regentes agricolas a servirem de amanuenses, agronomos a advogar, militares a administrar matas e explorações ruraes, individuos sem habilitação especial encarregados de arborização e de propriedades ruraes.

Todavia os Governos das provincias não occultavam a necessidade dos serviços agronómicos e insistiam pela sua installação. E assim sugestionaram a installação de serviços dispersos e a nomeação de funccionarios, havendo no orçamento ultramarino uma despesa de proximamente réis 70:000$000 por anno.

Actualmente a despesa com pessoal e custeio dos serviços agricolas no ultramar é a seguinte: vencimentos, 30:000$000 réis; custeio, 40:000$000 réis; alem de ajudas de custo ao pessoal em serviços fora da sua residencia official.

Não é uma despesa que possa considerar-se exagerada em relação ao interesse publico a que se destina. É todavia exageradissima relativamente á utilidade effectiva que produz.

Pareceu-me portanto indispensavel fazer terminar esta situação em tão importante ramo da administração que me foi confiada, e a este intuito obedece a presente proposta de lei.

D'esta proposta advirá uma despesa immediata, annual, de cerca de 18:000$000 réis mais que a importancia actualmente inscrita no orçamento ultramarino.

Explica-se este acréscimo pela organização conveniente, e desde muito instantemente reclamada, do ensino agronomico colonial; pelo estabelecimento da secção dos serviços próprios na Direcção Geral do Ultramar; e pela installação dos postos experimentaes, ordenamento das matas, etc.

Maior seria o dispendio se não tivesse sido melhor disposto e aproveitado quanto existe já e que está longe de poder considerar-se despesa reproductiva.

N'estes termos fica esboçada a organização que proponho á illustrada apreciação do Parlamento.

Proposta de lei

Artigo 1.° É o Governo autorizado a reorganizar os serviços agronomicos coloniaes, na metropole e no ultramar, nos termos das bases que seguem e ficam fazendo parte d'esta lei.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.

Secretaria de Estado dos Negocios da Marinha e Ultramar, em 21 de agosto de 1905. = Manoel Antonio Moreira Junior = D. João de Alarcão Velasques Sarmento Osorio.

Bases para a organização dos serviços agricolas coloniaes

Base 1.ª

Na 3.ª Repartição da Direcção Geral do Ultramar haverá uma secção denominada secção dos serviços agronómicos coloniaes.

A esta secção compete:

O expediente de todo o serviço agronomico colonial na metropole e no ultramar;

Colligir e coordenar todos os elementos de estudo da agricultura colonial;

Organizar a estatistica da producção e commercio agricolas do ultramar;

Informar sobre todos os assuntos referentes aos serviços que lhe são confiados.

Os serviços agronómicos comprehendem:

O ensino agricola;

Postos experimentaes de agricultura;

Missões de estudo;

Carta agricola e cadastro da propriedade rustica;

Direcção e administração das explorações agricolas e florestaes do Estado;

Regime florestal, de caça e de pesca;

Informação e estatistica do commercio de productos agricolas.

§ 1.° O pessoal da secção será o seguinte:

Um agronomo silvicultor, chefe de secção;

Um agronomo;

Um veterinario;

Um regente agricola;

Dois amanuenses.

§ 2.° Os vencimentos deste pessoal serão os seguintes:

[Ver tabela na imagem]

§ 3.° O pessoal será provido por concurso de provas publicas, nos termos do regulamento.

Base 2.ª

No Instituto de Agronomia e Veterinaria serão criadas duas cadeiras exclusivamente destinadas ao ensino-agricola colonial.

O ensino destas cadeiras comprehenderá:

1.° Geographia económica e culturas coloniaes;

2.° Technologia e zootechnia coloniaes.

A installação d'este ensino comprehenderá, alem das

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aulas, gabinetes dos lentes e secções especiaes nos laboratorios e museu do Instituto, um jardim colonial.

§ 1.° O jardim colonial é destinado á demonstração experimental do ensino, á reproducção, multiplicação, selecção e cruzamento de plantas uteis a fornecer ás colonias, ao estudo de culturas e doenças dos vegetaes tropicaes, e ao tirocinio de regentes agricolas que desejem servir no ultramar.

Logo que as receitas e dotação o permittirem, haverá no jardim colonial uma estação zootechnica.

§ 2.° O pessoal encarregado do ensino e do jardim colonial será o seguinte:

Dois lentes;

Dois chefes de serviço;

Dois preparadores;

Um jardineiro chefe;

Um ajudante de jardineiro;

O pessoal jornaleiro que for indispensavel.

Um dos lentes será o director do jardim colonial, nomeado pelo Governo, mas proposto pelo conselho escolar do Instituto.

Os serviços de laboratorios, do museu e do jardim colonial serão distribuidos pelos chefes de serviço e preparadores, conforme o conselho escolar indicar, sobre proposta dos lentes respectivos.

§ 3.° O provimento dos lentes, chefes de serviço e preparadores, será por concurso de provas publicas, nos termos da lei e do regulamento do Instituto.

O jardineiro chefe e o ajudante serão contratados e poderão ser estrangeiros.

§ 4.° Os vencimentos dos lentes, dos chefes de serviço e dos preparadores serão os mesmos do pessoal de iguaes categorias já ao serviço do Instituto.

O serviço do jardim colonial dá direito ás seguintes gratificações:

[Ver tabela na imagem]

Para a retribuição do jardineiro chefe e seu ajudante será marcada á quantia máxima annual de 2:500$000 réis.

Ao lente director, aos chefes de serviço e preparadores é expressamente prohibido exercer qualquer outro cargo ou commissão de serviço publico ou particular.

§ 5.° A dotação dos serviços do ensino, comprehendendo o jardim colonial, será de 4:000$000 réis annualmente.

As receitas do jardim colonial, provenientes da venda de plantas, de frutos e de animaes, ou de qualquer outra origem, poderão ser empregadas no custeio e no melhoramento das installações do mesmo jardim.

§ 6.° Os lentes, durante os primeiros cinco annos de exercicio, pelo menos, são obrigados a visitar, nas ferias, as escolas e jardins coloniaes estrangeiros e as colónias portuguesas que forem indicadas pelo Ministerio da Marinha e Ultramar, nos termos do regulamento. A verba para custeio destas viagens será de 2:000$000 réis annualmente.

§ 7.° Os funccionarios agronómicos do ultramar, quando se encontrarem em Lisboa, são obrigados a fazer conferencias no Instituto sobre as regiões em que tiverem servido.

§ 8.° Os chefes de serviço e o jardineiro chefe farão igualmente lições sobre assuntos da sua competencia, segundo programmas elaborados pelos lentes e approvados pelo conselho escolar.

§ 9.° A todo o pessoal encarregado do ensino e do jardim colonial cumpre informar o Governo sobre todos os assuntos da sua competencia.

§ 10.° Todos os agronomos e silvicultores que pretenderem servir o Estado no ultramar são obrigados á frequencia do ensino que fica indicado e só poderão ser nomeados depois de apresentarem certidão dos exames das cadeiras criadas por esta base, nos termos dos regulamentos. Esta disposição tornar-se-ha effectiva dois annos depois de iniciado o serviço agronomico colonial.

Os regentes agricolas que desejarem servir o Estado no ultramar são obrigados ao tirocinio de seis meses no jardim colonial, e á frequencia, durante este tempo, das lições dos chefes de serviço, a que allude o § 8.° d'esta base. Serão igualmente submettidos a exames nos termos do regulamento.

§ 11.° Fica o Governo autorizado a despender até a quantia de 1:000$000 réis com a criação do ensino pratico elementar de agricultura no seminario de Sernache do Bom Jardim.

Base 3.ª

Os serviços agronomicos a realizar nas possessões ultramarinas serão os seguintes:

Missões de estudo;

Postos experimentaes de agricultura;

Carta agricola e florestal e cadastro;

Administração das explorações agricolas e florestaes;

Informação e estatistica.

§ 1.° As missões de estudo são destinadas a fazer o reconhecimento das aptidões agricolas das provincias ultramarinas e a elaborar os planos e projectos de trabalhos e de explorações a effectuar para o estudo definitivo e para a valorização do territorio colonial.

1.° Estas missões realizar-se-hão gradual e successivamente ou simultaneamente, conforme as necessidades do desenvolvimento colonial e a força das verbas destinadas ao seu custeamento;

2.° O pessoal das missões, variavel com as regiões a percorrer e com os fins a que se destinem, será o seguinte: um agronomo ou um silvicultor, um regente agricola, dois trabalhadores europeus, os auxiliares indigenas que forem indispensaveis;

§ 2.° Os postos experimentais de agricultura são destinados a ensaios de culturas industriaes e alimentares, a producção de sementes e de plantas, a ensaios technologicos e ao ensino pratico de colonos e indigenas.

1.° Os postos experimentaes serão installados onde as missões de estudo indicarem ou onde os governadores propuserem, em propriedades do Estado ou de particulares, e serão estabelecidos por decreto, de harmonia com os planos propostos pelos funccionarios technicos em serviço nas respectivas regiões ou pelo lente encarregado do jardim colonial;

2.° Os postos experimentaes serão dirigidos por um agronomo, por um silvicultor ou por um regente agricola, conforme a natureza e importancia technica dos trabalhos a que se destinem.

Os directores dos postos terão os auxiliares europeus que forem indispensaveis e o pessoal indigena que o trabalho manual exigir;

3.° O serviço dos postos experimentaes será custeado pelas suas proprias receitas e pela verba orçamental que em cada anno for possivel destinar a este fim;

4.° Por proposta dos governadores das provincias ou a solicitações dos principaes agricultores da região respectiva, os postos experimentaes poderão ser transformados em estações agricolas, florestaes, zootechnicas ou com todos estes fins, quando o permitiam as verbas disponiveis para este destino ou as quantias com que os agricultores se prontifiquem a concorrer.

§ 3.° A carta agricola e florestal e o cadastro serão confiados ás secções de agrimensura, sendo aggregados a cada uma destas secções um agronomo ou um silvicultor.

A execução destes serviços será ordenada em decreto especial para cada provincia onde possam destinar-se-lhes verbas sufficientes.

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§ 4.° As explorações agricolas do Estado, já estabelecidas ou que vierem a installar-se para fornecimentos aos postos de occupação ou por necessidade do promover ou sustentar nucleos cqlonizadores, serão adjudicadas em concurso a particulares ou administradas directamente pelo Governo, nas condições que o regulamento indicar.

No primeiro caso será sempre clausula da adjudicado o estabelecimento obrigatorio de um posto experimental de agricultura, segundo o plano approvado pelo Governo.

No segundo caso, a direcção technica e administrativa será confiada a agronomos ou regentes agricolas, conforme a sua. importancia e fins, e no plano de exploração será incluido do mesmo modo um posto experimental de agricultura.

Os postos experimentaes de agricultura estabelecidos nestas condições deverão ter feição zootechnica sempre que isto convenha á região em que se installarem.

1.° O pessoal technico encarregado das explorações agricolas administradas pelo Governo terá, alem dos vencimentos que vão consignados na base 4.ª, participação, não excedente a 20 por cento, nos lucros liquidos da exploração.

2.° Os planos de exploração das propriedades a que se refere esta base serão propostos pelos funccionarios das missões, pelos technicos que estiverem servindo nos districtos onde aquellas propriedades forem installadas, ou pela secção dos serviços agronomicos do Ministerio da Marinha e Ultramar.

No primeiro caso os planos de exploração serão executados logo que sejam approvados pelo respectivo governador da provincia, e enviados ao Governo, que os mandará modificar quando o julgar conveniente.

No segundo caso os planos de exploração serão approvados pelo Governo, ouvido o governador respectivo.

§ 5.º Elaborado pelas missões, a que esta base se refere, o plano de regime florestal de qualquer districto ou provincia, e determinadas as florestas que devem ficar na posse do Estado, será a administração destas concedida em adjudicação, por concurso publico, a particulares, ou feita directamente pelo Estado, conforme as condições do regulamento, seguindo-se o que dispõe o § 4.° e seus numeros desta mesma base.

§ 6.° Todas as receitas, tanto das florestas como das explorações agricolas, poderão ser applicadas no custeio e melhoramento da installação dos serviços agronomicos.

§ 7.° E obrigação de todos os funccionarios enviar á secção de serviços agronómicos, no Ministerio da Marinha e Ultramar, todas as informações e dados estatisticos que possam concorrer para o conhecimento da producção e commercio coloniaes, e bem assim organizar e expedir as collecções de productos e materias primas que lhes forem exigidas pela mesma secção.

Base 4.ª

Os vencimentos do pessoal a que se refere a base 3.ª serão os seguintes:

Agronomos e silvicultores:

[Ver tabela na imagem]

Regentes agricolas:

[Ver tabela na imagem]

§ 1.° Os funccionarios auxiliares europeus que forem indispensaveis serão contratados nas melhores condições possiveis.

§ 2.° Para pagamento aos funccionarios que for indispensavel nomear e para installação e custeio dos serviços será inserida no orçamento colonial averba de 68:920$000 réis para o primeiro periodo de tres annos, de 74:520$000 réis no segundo periodo de tres annos e 80:120$000 réis no periodo definitivo. Esta verba será dividida pelas differentes possessões ultramarinas, segundo as exigencias dos serviços agronómicos que lhes dizem respeito.

§ 3.° Para missões extraordinarias nas colonias ou no estrangeiro será inserida no orçamento a verba de réis 20:000$000.

§ 4.º Todos os funccionarios technicos que attingirem dez a quinze annos de serviço effectivo nas colonias, quando impossibilitados, teem direito á reforma com o ordenado correspondente ao primeiro periodo de serviço; os que attingirem mais de quinze annos de serviço, nas mesmas condições, lerão igualmente direito á reforma com o ordenado correspondente ao segundo periodo de serviço.

§ 5.° O pessoal actualmente em serviço, nos termos do seu contrato ou nomeação, será collocado em qualquer dos serviços mencionados nas bases 1.ª ou 3.ª, até findarem os periodos de serviço mencionados nos diplomas respectivos e tem o direito de preferencia, quando em igualdade de classificação, nos concursos a que se referem as bases 1.ª, 2.ª e 3.ª

§ 6.° Todos os funccionarios a que se refere a base 3.ª serão providos nos respectivos logares por concurso de provas publicas, nos termos do regulamento.

Para todos os logares a que se referem as bases anteriores poderá o Governo, depois de effectuados os respectivos concursos, enviar ás escolas estrangeiras e ás colónias de outras nações os funccionarios approvados, para tirocinio dos seus respectivos cargos.

§ 7.° O Governo fará publicar os regulamentos indispensaveis á execução d'esta lei.

Secretaria de Estado dos Negocios da Marinha e Ultramar, em 21 de agosto de 1905. = Manoel Antonio Moreira Junior.

Proposta de lei n.° 10-T

Senhores. - Ha tres annos que em consequencia da alta produzida pelos trusts americanos nas cotações do algodão nos principaes mercados dos Estados Unidos, um movimento de reacção se produziu nos centros industriaes ingleses no sentido de se obter dentro do país, e com os seus recursos, a materia prima indispensavel á plena laboração das suas grandes fabricas, libertando a industria inglesa da dependencia estrangeira. A iniciativa deste movimento, tomada pela camara de commercio de Oldham, foi logo secundada e desenvolvida por uma associação constituida pelos proprietarios das fiações e fabricantes de algodão, com o fim de incitar e promover a cultura do algodão nas differentes colonias e protectorados ingleses, visando primeiramente a garantir a materia prima necessaria à própria industria, estabelecendo, principalmente no oeste africano, grandes plantações e postos agricolas modelos, que fossem agencias de distribução de boas sementes e escolas praticas onde os indigenas aprendessem os modernos processos de cultura e exploração do algodão com o emprego de machinas e instrumentos os mais aperfeiçoados.

A British Cotton Growing Association, com assistencia do Governo, obteve terrenos onde os primeiros ensaios de cultura foram iniciados no continente africano, de uma e outra costa, tendo sido coroados do melhor exito, afirmando-se desde logo que na costa Occidental, com o algodão indigena e dispondo de vastos tractos de terreno, com uma mão de obra abundante, todas as indicações eram as mais favoraveis. Em fins de 1903 e principios de 1904

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chegaram a Inglaterra as primeiras remessas de algodão colonial e o facto foi considerado de tão alta importancia que a elle se fez referencia no Discurso da Coroa como uma lisonjeira promessa para a industria nacional, que num futuro proximo poderia encontrar nas colónias toda a matéria prima até aqui importada quasi exclusivamente do estrangeiro: recebendo-se das Indias Orientaes - da espécie barbadense (Sea Island); da Africa Occidental - das espécies americanas, e da Africa Oriental - das qualidades egypcias. O movimento inglês foi dentro em pouco tempo secundado na Allemanha pelo comité colonial de agricultura e em França pela Association Cotonnière Colonialé.

Em maio de 1904 reuniu-se em Zurich o primeiro congresso internacional dos delegados das associações dos proprietarios fiadores e fabricantes de algodão, sendo n'elle representada a industria portuguesa, que ali levou uma memoria revindicando para Portugal a prioridade dos trabalhos de cultura e exploração algodoeira em Africa.

Na interessante discussão havida no congresso, em que os representantes dos diversos países deram conta dos trabalhos já realizados com o fim de promover a cultura do algodão, foi claramente demonstrado que era indispensavel desenvolver a propaganda e o trabalho encetado, dando-lhes uma organização completa, para a qual o concurso de todas as nações seria preciso. O problema a resolver, interessando altamente os grandes países algodoeiros, á frente dos quaes se achava a Inglaterra, não poderia ser indifferente mesmo para aquelles cuja industria, mais limitada, nem por isso deixa de estar dependente de materia prima estrangeira. Se por um lado as violentas fluctuações das cotações paralysam á industria, por outro a alta excessiva dos preços da materia prima determinaria um enorme aumento do custo da produccão, prejudicando o rendimento do capital empregado e, por causas concorrentes diversas, ameaçando absorver todo o lucro da industria.

A Allemanha, por iniciativa do comité colonial de agricultura de Berlim, iniciou os seus ensaios de cultura do algodão no Togo em 1900, estendendo-os depois ás outras colónias allemãs, nos Camarões, no sudoeste africano, na Africa Oriental Allemã, tendo conseguido obter em 1904 cerca de 140:000 libras de algodão. Era França os primeiros trabalhos realizados assinalaram como em condições favoraveis para a cultura do algodilo o Soudan, o Dahomó e a Colonia de Madagascar e suas dependencias. A Association Cotonnière. fundada com o concurso dos industriaes, das camaras de commercio e das companhias coloniaes, encontrou decidido apoio no Governo e fixou como programma: - desenvolver e aperfeiçoar a cultura do algodão nas colónias, estudar e applicar os melhores processos de exploração e cuidar de facilitar os meios de transporte, incitar os agricultores a melhorar as condições do producto da cultura algodoeira e a facilitar a criação de centros de permuta ou de compra de algodão.

O Estado Independente do Congo procurou introduzir e acclimar nos seus territorios as melhores espécies de algodão americano e egypcio, especie esta que parece ser a destinada a predominar na cultura. A Italia e a Austria tambem se interessaram neste momentoso assunto e os seus representantes no congresso de Zurich affirmaram o seu propósito de collaborarem na obra internacional da matéria algodoeira. Entre as conclusões votadas pelo congresso avultava a de ser exposto pelo comité aos Governos, ás associações e ao commercio dos diversos países europeus o voto formulado pelos representantes da industria algodoeira, no sentido de serem empregados todos os esforços para desenvolver e aumentar por toda a parte a cultura do algodão, visto que, para defender a industria algodoeira, uma grande producção de materia prima é necessaria e essencial, pois d'esta industria depende o bem estar de todos os países europeus.

Portugal, como foi affirmado e reconhecido no congresso de Zurich, acha-se realmente em condições especiaes no meio da activa propaganda algodoeira da Europa.

Os seus dominios ultramarinos são dos mais proprios para a cultura e exploração algodoeira, nascem n'elles espontaneamente varias espécies de algodão e outras, introduzidas ha cincoenta annos, estão perfeitamente acclimadas e a sua exploração methodica e regular teve tão largo impulso que chegou a permittir uma exportação de mais de 800 toneladas de algodão, classificado de primeira qualidade e competindo com as mais reputadas marcas similares estrangeiras.

Solicitada a attenção do Governo, pela Associação Industrial Portuguesa, para as conclusões do congresso de Zurich, nomeou em 8 de agosto de 1904 uma commissão composta de representantes do commercio e da industria nacional, da agricultura colonial, do professorado agricola, da agronomia, da administração colonial, a fim de estudar a questão sob o ponto de vista dos interesses do pais, tendo em consideração os precedentes da nossa legislação ultramarina, a opportunidade da sua simples renovação ou da sua modificação aconselhavel pelo estado dos trabalhos ultimamente realizados no estrangeiro com analogo intuito. A commissão concluiu, os seus trabalhos em 17 de março ultimo, e, analysando-os cuidadosamente, pronunciou-se o Governo por uma formula que contém os principies fundamentaes n'aquelles indicados e que, procurando por um lado obter uma assistencia efficaz do Governo, crie, por outro, incentivos ao desenvolvimento da acção individual ou collectiva do commercio e da industria, principalmente com o fim de assegurar a valorização do algodão colonial e a sua perfeita adaptação ás necessidades da industria nacional. O Governo, pela sua parte, favorecerá essa valorização, eliminando todos os direitos e impostos que rossam onerar a materia prima, tanto na sua exportação do ultramar, como na sua importação na metropole, procurando facilitar os transportes, o que para o desenvolvimento colonial é indispensavel, e influir, quanto possivel, numa hábil e proveitosa direcção das explorações culturaes nas provincias ultramarinas. Esta formula, alem de estar em perfeita harmonia com os precedentes de uma antiga legislação ultramarina sobre o assunto, amplia muito os beneficios que se queriam dar como incentivo á cultura algodoeira ultramarina, pelas providencias de fomento colonial promulgadas em 1899 e 1901 pelos Ministros da Marinha e Ultramar, Srs. Conselheiros Antonio Eduardo Villaça e Antonio Teixeira de Sousa, e a que na pratica se tem dado, pelo que se refere á lei de 1899, uma interpretação diversa da que n'ella realmente se contém. Procurando facilitar o concurso dos elementos industriaes e commerciaes para a obra da restauração da cultura e exploração algodoeira nas provincias ultramarinas, a formula exposta tem a manifesta vantagem de pretender assimilar iniciativas, que no estrangeiro teem prosperado e merecido, mais do que a sympathia e o favor, o apoio dos Governos.

Ao Governo cabe, pelos meios ao seu alcance, o dever de dar as possiveis garantias de que o esforço particular não será nem improficuo nem inutil.

A fixação da area necessaria para fornecer a materia prima á industria nacional dependerá dos resultados que produzir a nova exploração methodizada que se fizer no ultramar.

Decerto a cultura do algodão não pode ser incluida na categoria das culturas chamadas ricas, mas pode-o na das culturas sufficientemente remuneradoras, se methodica-

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mente feita e escolhidas as zonas de plantação por forma a fazer coincidir a facilidade da producção e a excellencia da qualidade com a facilidade do transporte. É este, sem duvida, um dos mais palpitantes aspectos do problema colonial no momento presente. É a questão das vias de communicação ou, por uma forma generica, a dos melhoramentos materiaes.

Ainda ha pouco no Parlamento Francês um illustre deputado, tratando justamente da questão algodoeira, affirmava que, se o Governo queria tornar efficaz o trabalho de desenvolvimento da cultura do algodão nas colónias francesas, o unico meio seria desenvolver as vias de communicação e os meios de transporte. Portugal tem, em parte, asseguradas, dentro de certas zonas, nas duas costas do continente africano, as communicações pela via ferrea e pela agua; em relação a esta ultima via carece ella de ser estudada, em ordem a ser aproveitada convenientemente. Para isto ha trabalhos realizados e outros em caminho de realização, os quaes será necessario ampliar e desenvolver tanto quanto o permitiam os recursos da respectiva provincia e de que, entre outros, já se occupa, com louvavel solicitude, o actual governador geral da provincia de Angola.

Bom seria que os recursos do país permittissem que se entrasse resoluta e confiadamente na execução de um plano de melhoramentos materiaes necessarios ás provincias ultramarinas, porque esse seria o meio de as transformar por completo, criando, com novas fontes de receita, novos elementos de prosperidade e de grandeza.

A cotação do algodão nacional nas bolsas officiaes, principio definido na proposta de lei, é funcção propria d'ellas, estabelecida pelo Codigo Commercial; procura-se, porem, pela influencia dos elementos commerciaes e industriaes, evitar a depreciação do producto, pois que a sua valorização será o melhor incentivo á sua cultura, tanto para o effeito da compra no ultramar, como da sua venda na metropole. A possibilidade admittida de se organizar no pais, por accordo entre o commercio e a industria, um ou mais centros promotores algodoeiros, com delegações nas provincias ultramarinas, instituições perfeitamente de propaganda, visando a defesa de interesses communs, como os que, sem prejuizo, antes em declarada vantagem para todos, existem em Inglaterra, em França e na Allemanha, n'este país até centralizado num comité official, justifica-se pela convenienciade abrir logar a que a iniciativa individual, ou collectiva, dos interessados no commercio e na industria se possa livremente exercer. Regulando as cotações do algodão colonial pela dos similares estrangeiros utilizaveis pela industria nacional, estabelecendo paridade entre os preços de compra no ultramar e os preços de venda na metrópole, far-se-ha o que se tem feito em Inglaterra, com manifesta vantagem para o algodão colonial. No congresso de Zurich foi um dos principios mais calorosamente sustentados o da necessidade do commercio e da industria terem sempre informações exactas e seguras sobre a situação dos algodões, a fim de poderem proteger efficazmente os seus interesses, que manifestamente se conjugam, porque o aprovisionamento da matéria prima dependerá da compensação que se garanta á cultura e exploração do algodão, e o funccionamento das fabricas algodoeiras, em condições de vantagem, a coberto das contingencias das fluctuações das cotações nos mercados estrangeiros, pelas influencias de especulação, dependerá da maior quantidade e da melhor qualidade da materia prima nacional que se possa obter.

A isenção de impostos e direitos sobre o algodão exportado do ultramar e importado na metrópole para consumo, das fabricas nacionaes traduz-se em incentivo poderoso, apesar de parecer, em parte, pelo menos, principio já consagrado na legislação ultramarina: não só é mais ampla a isenção, mas é desharmonico com os principies legaes o que está aduaneiramente estabelecido.

Este auxilio abrange tambem a isenção de direitos para as machinas, instrumentos e apparelhos destinados á agricultura, no regime pautal vigente nas colonias desde 1892, e aclarado em portaria de 11 de novembro de 1904, a fim de evitar difficuldades para a importação de ma chinas agricolas modernas, acompanhadas de motores especiaes, assim como de sobresalentes e accessorios que frequentemente ha necessidade de renovar. A eventual criação de postos experimentaes algodoeiros, com o fim de, pela lição das cousas, promover a instrucção dos trabalhadores indigenas e pondo em evidencia os resultados práticos dos novos processos de preparação, estava naturalmente indicada desde que se pensasse dar uma direcção efficaz á exploração agricola do ultramar. A sua criação, o seu numero e a sua dotação serão determinados pelas necessidades reconhecidas de cada provincia e dentro dos recursos disponiveis, procurando-se attingir o fim com o menor dispendio, utilizando cuidadosamente todos os elementos existentes.

O auxilio do Governo, finalmente, manifesta-se nas grandes facilidades que, no caso especial, distinguem a concessão de terrenos, o que da analyse da proposta de lei nitidamente resalta.

Como meio de valorizar as colonias e em nome da nossa tradição ultramarina, reconhecida e assegurada, affirmando e procurando manter a prioridade do trabalho dos portugueses na cultura e exploração algodoeira nas terras de alem-rnar, procura o Governo corresponder ao appello dirigido pelo congresso de Zurich ás potencias coloniaes europeias, a fim de assegurarem á industria o aproveitamento de matéria prima necessaria á laboração das suas fabricas.

Relativamente a Portugal, neste campo de actividade colonial, o passado justifica o presente e, o que é mais, justifica a esperança no futuro. Em Inglaterra e em França a representação nacional não hesitou um momento em manifestar a sua sympathia e a sua adhesão a uma declarada assistencia dos Governos á obra das associações promotoras da exploração algodoeira e, deante de taes exemplos, é licito crer que o Parlamento Português não negue o seu voto, nem. recuse a sua sympathia a uma proposta de lei que tem fim tão valioso e que muito poderá contribuir para abrir novos horizontes á agricultura, á industria e ao commercio da nação.

Proposta de lei

Artigo 1.° Nas Bolsas de Lisboa e Porto far-se-hão transacções sobre algodão colonial, nos termos do Codigo Commercial, em vista de amostras ou de typos commerciaes que se organizem, apresentados pelos vendedores, indicando-se a procedencia e as quantidades existentes em deposito ou em viagem.

Por intermedio das associações commerciaes e industriaes de Lisboa e Porto e das congéneres das colónias, organizar-se-hão commissões regionaes destinadas á compra do algodão por conta e ordem dos commerciantes e industriaes e a incitar e proteger a sua cultura:

1.° A cotação dos algodões coloniaes far-se-ha segundo a nomenclatura e classificação dos productos similares dos mercados estrangeiros, tendo em vista os typos preferidos pela industria nacional;

2.° As cotações das praças de Lisboa e Porto serão communicadas telegraphicamente pelo Ministerio da Marinha e Ultramar para as provincias ultramarinas onde se produza o algodão, a fim de serem publicadas semanalmente nos respectivos Boletins Officiaes;

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3.º No caso de se fundar no país uma ou mais associações ou centros promotores algodoeiros, analogos aos estabelecidos na Allemanha, Inglaterra e França, ser-lhes-hão com me t tidas attribuições identicas ás fixadas no presente artigo para as associações commerciaes e industriaes.

Art. 2.° O regime de concessões de terrenos destinados á cultura do algodão nas provincias ultramarinas será subordinado ás regras seguintes:

a) As concessões serao feitas por aforamento, independentemente de hasta publica e com a clausula de remissão do foro, a qual só poderá, comtudo, verificar-se quando o emphyteuta haja cultivado, pelo menos, a quinta parte da área concedida;

b) O preço do foro é de 10 réis por hectare;

c) As concessões não excederão a 1:000 hectares por cada colono ou agricultor, sendo as áreas concedidas reguladas em harmonia com os recursos que os requerentes demonstrarem possuir e com a natureza e situação dos terrenos;

d) Salvo legitima causa devidamente comprovada, os terrenos concedidos deverão estar devidamente aproveitados dentro de um prazo, não superior a cinco annos, que será fixado nos alvarás de concessão, devendo ainda os emphyteutas, ao findar o prazo de dois annos, contados d a data dos respectivos alvarás, ter em estado de regular cultura, pelo menos, a quinta parte dos mesmos terrenos. A falta de cumprimento destas obrigações importará a perda do terreno que os emphyteutas não tiverem aproveitado, ou o pagamento de uma multa annual variavel, conforme os casos, entre 100 e 500 réis por hectare ou fracção de hectare desaproveitado, revertendo para o Estado as parcelas de terreno sobre que tenha incidido durante tres annos a multa supracitada;

e) As concessões serão feitas pelos governadores das provincias respectivas, sem dependencia de confirmação superior: não poderão porem ser transferidas nem por qualquer forma alienadas sem especial autorização do Governo;

f) Os emphyteutas ficam sujeitos ás disposições da legislação em vigor sobre concessões de terrenos no Ultramar que não houverem sido modificadas pelas regras precedentes, ficando porem dispensados de prestar deposito por caução.

§ unico. Nos prazos da Coroa as concessões de terrenos por aforamentos, com destino a cultura do algodão, serão feitas em harmonia com o decreto com força de lei de 18 de novembro de 1890 e regulamentos de 7 de julho e 7 de outubro de 1892, com as modificações constantes das regras fixadas no presente artigo.

Art. 3.° E extensiva a todas as provincias ultramarinas, em favor do algodão em rama, ou em caroço n'ellas produzido e durante quinze annos, pelo menos, a isenção dos direitos de exportação pelas respectivas alfandegas e de importação pelas alfandegas do reino e ilhas adjacentes, estabelecida pelos artigos 1.° e 3.° do decreto com força de lei de 2 de setembro de 1901.

Art. 4.° Fica isento do pagamento de qualquer addicional á contribuição industrial o algodão em rama, ou em caroço de producção das provincias ultramarinas, manufacturado nas fabricas nacionaes, quando importado em navios portugueses pelas alfandegas do reino e ilhas adjacentes.

Art. 5.° Continua em vigor a isenção de direitos de importação nas provincias ultramarinas para as machinas, instrumentos e utensilios destinados á agricultura e industria, em harmonia com o artigo 4.° da carta de lei de 2 de setembro de 1901, tendo em vista o disposto na regia portaria de 11 de novembro de 1904.

Artigo 6.° Fica autorizado o Governo a estabelecer quando a iniciativa particular não realize este emprehendimento, os postos experimentaes algodoeiros que julgar necessarios para a selecção e producção das sementes e sua plantação e cultura, a adquirir e installar machinas modelos destinadas a habilitar o pessoal empregado na cultura e exploração do algodão nas provincias ultramarinas, e a inscrever no orçamento destas provincias a verba, julgada necessaria para custear estas despesas.

Artigo 7.° Fica autorizado o Governo a conceder a isenção de direitos ao material de transporte importado para serviço dos centros productores de algodão colonial.

Art. 8.° A importação de sementes de algodão nas provincias ultramarinas será isenta de direitos, quando se prove que foram escolhidas nos centros de producção por technicos nacionaes, ou por intermedio das sociedades algodoeiras estrangeiras, assegurando-se a sua pureza e indemnidade.

Art. 9.° É extensiva a todas as provincias ultramarinas a isenção de quaesquer impostos sobre a exploração agricola e industrial do algodão até a sua transformação em ama, estabelecida pelo artigo 6.° do decreto com força de ei de 2 de setembro de 1901.

Art. 10.° Fica revogada a legislação em contrario.

Secretaria de Estado dos Negocios da Marinha e Ultramar em 21 de agosto de 1905. = Manoel Affonso de Espregueira = Manoel Antonio Moreira Junior.

Proposta de lei n.° 10-O

Senhores: - O desenvolvimento que teem tomado nas provincias ultramarinas do continente africano as plantações de canna saccharina e a sua exploração industrial, não é em Moçambique, onde o fabrico do assucar, iniciado ha dez para doze annos, já tinha attingido uma certa importancia, em tres fabricas, uma estabelecida em Mopeia, outra em Marromeu, outra no Luabo, quando se criou ha tres annos uma fabrica em Inhambane, começando agora a construir-se outra em Sena, territorios sob a administração da Companhia de Moçambique, mas ainda em Angola, onde a renovação das plantações de canna saccharina data de tres ou quatro annos, estando já installadas tres fabricas, dotadas com machinismos os mais aperfeiçoados, trouxe á industria assucareira colonial um novo e interessante aspecto, a que não pode ser indifferente a acção dos Governos, aos quaes cabe o dever de a proteger e defender, tanto quanto lhe seja possivel.

O incremento dado á industria assucareira colonial foi principalmente devido á segurança de protecção dada, em 1899 e em 1901, ao assucar produzido nas provincias de Angola e Moçambique, importado para consumo pelas alfandegas do continente do reino e das ilhas adjacentes, garantindo-se-lhe por quinze annos, em 1901, mas para quantidade limitada, o tratamento differencial de 50 por cento, nos direitos de importação, estabelecidos pelas pautas de 1892, para todos os productos de origem colonial. Na Africa Oriental temos a fabrica de Marromeu, cuja companhia de exploração foi fundada com o capital de 270:000$000 réis; a de Mopeia, cujo capital é de 1.350:000$000 réis; a do Luabo com 810:000$000 réis (ouro); a de Inhambane, cujo capital inicial foi de 180:000$000 réis (ouro), e são respectivamente as companhias: do Assucar do Marromeu, do Assucar de Moçambique, Assucareira da Africa Oriental e Inhambane Sugar Estate Limited. A nova fabrica de Sena, em construcção, deverá começar a funccionar em 1908 e terá uma capacidade de producção de algumas centenas de toneladas por mês.

As plantações de canna em Marromeu abrangiam, em junho de 1904, uma área de 813 hectares. N'este anno a producção elevou-se a 3:550 toneladas, contra 1:140, resultado da colheita de 1903, cuja venda na Europa e na Africa produziu 75:660$100 réis (ouro). A fabrica de Mopeia produziu 59:596 sacos de assucar, em 1903, ou sejam 1:787 toneladas, o que foi devido, como succedeu á de Marromeu, ás más condições do tempo, pouco favoraveis á cultura e ás colheitas. Em 1905 o desenvolvimento

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das plantações faz prever uma producção minima de 4:000 toneladas. A área das plantações já excede 1:400 hectares. O assucar produzido pelas fabricas da Africa Oriental é exportado para a metrópole, não sendo consumido na provincia, porque não podendo ser ali refinado por falta de machinismos proprios, não pode competir com os assucares estrangeiros que teem acceitação no mercado. Porque assim é, na presente proposta de lei, com o fim de favorecer e facilitar a preparação dos assacares coloniaes no próprio local da produccão, a isenção de direitos, assegurada pelo artigo 6.° do decreto com força de lei de 2 de setembro de 1901, para as machinas, instrumentos e respectivos pertences destinados á fabricação do assucar, é ampliada ás machinas destinadas á sua preparação, clarificação e refinação.

Em Angola estão installadas as fabricas de Novo Redondo, do Cazengo e do Dombe Grande, cujo desenvolvimento e fabrico, estando dependentes das disponibilidades de materia prima, sómente poderão começar a accentuar-se com as colheitas de 1905-1906. No entretanto a sua capacidade, productora deve ser superior a 9:000 toneladas, a qual dentro de tres ou quatro annos será facilmente attingida. Segundo os relatorios conhecidos das fabricas da Africa Oriental, a producção d'este anno deverá exceder 8:000 toneladas; em 1908, entrando em laboração a nova fabrica de Sena, essa producção elevar-se-ha a 12:000 ou 14:000 toneladas.

Quer dizer: em tres ou quatro annos, a producção de-assucar, nas provincias de Angola e de Moçambique, terá attingido mais de 20:000 toneladas de assucar. Estando, assegurada á industria assucareira dos Açores, pela lei de 15 de julho de 1903, a introducção na metropole, com garantia do differencial de 50 por cento dos direitos, de 4:000 toneladas de aesucar de betarraba, e devendo a data de 1908 coincidir com a plena fabricação do assucar, nos Açores, teremos que, a partir de 1909, as duas provincias ultramarinas e este archipelago poderão, por si só, supprir a, quasi totalidade do assucar necessario ao consumo da metropole, que regula por 30:000 toneladas por anno, alem de poderem por igual eliminar a importação de assucar do estrangeiro nas colonias, que não excede, comtudo, 600 toneladas.

O quadro seguinte dá a nota do que tem sido, de 1894 a 1904, a importação na metrópole do assucar colonial:

Assucar, procedente das possessões portuguesas, importado para consumo nos anãos de 1894 a 1904

(Quantidades em kilogrammas e valores em mil réis)

[Ver quadro na imagem]

Em vista dos factos é evidente que, devendo já a producção em Moçambique exceder este anno o limite de 6:000 toneladas da garantia do differencial, assegurada pelo decreto com força de lei, de 2 de setembro de 1901, e em anno proximo aproximar-se muito do limite a producção em Angola, se o não attingir, teremos que, ao excedente da producção, faltará a protecção que consideravelmente beneficiou a producção, até 6:000 toneladas, em cada uma d'aquellas provincias. Sem alterar a formula da protecção estabelecida, parece chegada a opportunidade de fixar um regime de protecção aos assucares de origem colonial portuguesa, em ordem a dar as possiveis garantias aos capitães importantes que essa industria já representa e aquelles que n'ella se aventurem, assegurando aos seus productos um tratamento differencial temporario, mas certo e definido, que lhes permitta concorrer, com vantagem, com os productos similares estrangeiros, nos mercados da metropole, até que, fortalecida e consolidada essa industria, ella esteja realmente em condições de viver de. si, por si e para si, livre de todas as contingencias, principalmente das que manifestamente resultariam da desigualdade de tratamento, que já derivaria do excesso da producção, sobre o limite fixo da garantia do differencial (decreto de 2 de setembro de 1901).

Indispensavel é, porem, conciliar os interesses dá industria colonial, com os interesses do Thesouro, e com este justificado fim, adoptando a formula fixada no decreto com força de lei, de 2 de setembro de 1901, a solução que se afigura justa e razoavel é a que, mantendo, a garantia do differencial pautai de 50 por cento, para as primeiras 12:000 toneladas de assucar produzido nas provincias de Moçambique e de Angola, 6:000 em cada uma d'ellas, eleve o limite a 24:000 toneladas, 12:000 para Moçambique e 12:000 para Angola, mas estabeleça uma nova formula de differencial, em escala descendente, de modo que, tendo, em cada provincia, as primeiras 6:000 toneladas a protecção de 50 por cento nos direitos de importação na metropole, as 3:000 seguintes tenham a protecção de 30 por cento, e as ultimas 3:000 do limite agora marcado de 20 por cento. Findos os 15 annos da garantia fixada em 1901, isto é, em 1916, o regime geral dos assucares coloniaes, importados para consumo na metrópole, será então uniformemente estabelecido e na percentagem de beneficio que, nessa época ainda afastada, for julgada justa.

Parallelamente, parece opportuno modificar o regime dos assucares, nas provincias ultramarinas, favorecendo e incitando, o mais possivel, o consumo do assucar nas proprias colonias. Em 1892, quando, se publicaram as pautas ultramarinas, entendeu-se que se devia estabelecer, para os assucares estrangeiros, o direito especifico de 40 réis, por kilogramma, donde resultava que, sendo uma grande

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Parte do assucar consumido no ultramar reexportado da metrópole, beneficiava de 20 por cento do3 direitos, pagando por isso 32 réis: em kilogramma.

Pelo decreto com força de lei, de 2 de setembro de 1901, o direito sobre os assacares estrangeiros foi elevado a 80 réis, do que resultou pagar o reexportado 64 réis em kilogramma. Este mesmo diploma estabeleceu um imposto de consumo de 20 réis, em kilogramma, para os assucares de origem provincial. Dado o sensivel aumento da producção assucareira, em Moçambique e em Angola, tudo indica a conveniencia de elevar os direitos de importação dos assucares estrangeiros, como meio indirecto de incitar, e por um lado, o aperfeiçoamento do fabrico do assucar colonial e, por outro, de lhe garantir, quanto seja possivel, o consumo local.

Assim os direitos de importação do assucar, nas provincias ultramarinas, são elevados a 100réis por kilogramma, do que resultará para o reexportado da metrópole um direito de 80 réis, egual á taxa actual do direito especifico de importação.

Ao mesmo tempo e com o mesmo fim, como a lei de 15 de julho de 1903, que garantiu aos assucares dos Açores, o tratamento differencial de 50 por cento, até um limite de 4:000 toneladas, importadas na metropole, não invalidou as disposições dos preliminares das pautas das provincias ultramarinas, que fixam para todos os productos da agricultura e industria da metropole e ilhas o tratamento differencial de 90 por cento nos direitos de importação, sendo por consequencia conveniente prevenir a hypothese de um alargamento de producção de assucar, nas ilhas dos Açores, que, pagando apenas um imposto de producção e consumo de 30 réis em kilogramma, poderiam ter vantagem em procurar os mercados do ultramar, não parece inopportuno, que, adoptando o principio já legislado, para os assucares da Ilha da Madeira, importados na metrópole e no ultramar, que, por- decreto de 24 de setembro de 1903, ficaram considerados como estrangeiros, se applique igual disposição aos assucares de origem açoriana, importados nas provincias ultramarinas portuguesas.

Estabelecidos estes principios, que todos são próprios a dar á industria assucareira colonial as maiores garantias de exito, manteem-se-lhe igualmente as concessões que lhe foram feitas, pelo decreto com força de lei de 2 de setembro de 1901, relativamente a machinas e a sacaria e direitos de consumo e de exportação. Uma nova concessão lhe é feita e esta tem por fim obstar a que as camaras municipaes possam diminuir os favores concedidos pelo Governo á industria assucareira, criando e lançando, a titulo de imposto de consumo, qualquer taxa sobre a canna saccharina produzida nos respectivos concelhos ou n'elles introduzida, com destino ao consumo das fabricas da provincia, o que se justifica pelo facto de algumas camaras municipaes a haverem tributado, logo que as fabricas da respectiva zona jurisdicional municipal foram collocadas na situação de plena actividade. Embora a taxa exigida fosse de 500 réis, por tonelada de canna, no entretanto, estabelecido o principio, nada impedia que ella fosse aumentada e generalizada, em condições onerosas para a industria.

Por esta forma a industria assucareira colonial, ficando numa situação definida, livre das incertezas e das indecisões do regime que lhe garantia apenas o differencial para 12:000 toneladas, gozando agora um tratamento de protecção que, sem prejuizo do que lhe estava assegurada, lhe garante, por muitos annos, beneficio pautai, até 24:OOC toneladas, tem facilitados os meios de aperfeiçoar e melhorar a producção, de modo a poder igualmente aproveitar os mercados coloniaes, o que muito dependerá da sua iniciativa e do seu trabalho. Garantida ao assucar produzido, em Moçambique e em Angola uma importação protegida de 24:000 toneladas, dada igual garantia a 4:000 toneladas de assucar produzido nos Açores, ainda fica uma margem de 2:000 toneladas para o assucar produzido, em qualquer das outras provincias ultramarinas.

Taes são os fundamentos da proposta de lei. que tenho s honra de submetter á vossa esclarecida e patriotica apreciação.

Proposta de lei

Artigo 1.° É mantido e assegurado, até 31 de dezembro de 1916, aos assucares produzidos, nas provincias de Moçambique e de Angola, e importados, para consumo, pelas alfandegas do reino e ilhas adjacentes, um differencial sobre os direitos pautaes actualmente em vigor na metropole, nos termos do decreto, com força de lei, de 2 de setembro de 1901 e do presente decreto, elevando-se o imite da importação, com garantia de differencial, a 2:000 toneladas, para cada uma d'aquellas provincias.

Art. 2.° Os assucares, a que se refere o artigo antecedente, importados, para consumo, pelas alfandegas do reino, e ilhas adjacentes, pagarão, até o limite de 6:000 toneladas, para cada uma das provincias de Moçambique e de Angola, 50 por cento dos direitos das pautas vigentes, de 6:000 a 9:000 toneladas pagarão 70 por cento dos mesmos direitos e 80 por cento de 9:000 a 12:000 toneladas.

Art. 3.° São elevados a 100 réis, por kilogramma, os direitos de importação de assucar, nas provincias ultramarinas, sendo este direito applicado igualmente ao assucar de origem açoriana importado, para consumo, nas mesmas provincias.

Art. 4.° É mantida e assegurada, até 31 de dezembro de 1916, a isenção de direitos de importação, nas provincias de Moçambique e Angola, das machinas, instrumentos e apparelhos e seus pertences, destinados á fabricação do assucar, em harmonia com o artigo 6.° do decreto com orça de lei de 2 de setembro de 1901, tendo em vista o disposto na regia portaria de 11 do novembro de 1904, sendo esta isenção extensiva ás machinas destinadas á preparação e tratamento dos assucares.

Art. 5.° E mantida e assegurada, até 31 de dezembro de 1916, a isenção de direitos de importação, estabelecida nas pautas vigentes e garantida por quinze annos pelo artigo 6.° do citado decreto, com força de lei, de 2 de setembro de 1901, para os sacos de grossaria ou canha-maços de linho e seus congeneres de origem nacional, destinados á exportação do assucar, produzido nas provincias de Moçambique e Angola.

Art. 6.° Não é permittido ás camaras municipaes, das provincias de Moçambique e Angola, lançarem e cobrarem qualquer imposto, sobre a materia prima produzida ou entrada, nos respectivos concelhos, com destino á fabricação do assucar.

Art. 7.° São applicadas aos assucares clarificados e refinados, nas provincias de Moçambique e Angola, as disposições dos artigos 5.° e 6.° da lei de 27 de abril de 1896, em vigor na metropole.

Art. 8.° Fica revogada a legislação em contrario.

Secretaria de Estado dos Negócios da Marinha e Ultramar, em 21 de agosto de 1905. = Manoel Affonso de Espregueira = Manoel Antonio Moreira Junior.

Proposta de lei n.°10-V

Senhores. - E sem duvida o problema da viação aquelle que hoje, em melhoramentos materiaes. mais interessa á nossa florescente colónia de S. Thomé. Pouco produzindo do que consome, sendo todavia enorme, mas muito especializada, essa producção, tem o seu duplo movimento de exportação e importação uma excepcional importancia e a elle se deve ligar todo o interesse sob o ponto de vista

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da precisa economia dos seus transportes. Economia directa, pelo muito que elles actualmente custam, como indirecta, pelo desvio a que, pela sua deficiencia e primitividade, obrigam de braços que todos poucos são para o incessante e exigente trabalho agricola da ilha.

Até hoje, apesar dos bons esforços officiaes, bem patentes no decreto com força de lei de 19 de novembro de 1896 e carta de lei de 17 de agosto de 1899, pouco de util ali se tem feito em matéria de viação.

As causas multiplas residem em grande parte nas difficuldades que a resolução pratica do problema apresenta e com as quaes o Estado de per si só não pode nem deve arcar, chamando pelo contrario ao verdadeiro caminho de orientação, na matéria, os proprietarios agricolas de toda a ilha.

Baseia-se, pois, nesta dupla circunstancia, conjugada com a obrigação que o Estado tem de prover ás necessidades maiores que digam respeito e interessem não a um só nem a grupo muito limitado de individuos, mas a um conjunto de interesses mais geraes ou collectivos, a doutrina essencial do presente projecto de lei de caminhos de ferro em S. Thomé.

Numa colonia em pleno e brilhante periodo do seu desenvolvimento, toda occupada e distribuida em propriedades agricolas ricas e importantes, mas com uma área total relativamente pequena e a disposição topographica singular de S. Thomé, utopia seria pensar na construcção de redes geraes de caminhos de ferro, com largo e arriscado percurso, de dispendiosissima construcção e, portanto, de difficeis resultados de exploração. Da mesma forma e por iguaes motivos, de lado deve ser posta a ideia de organização de qualquer grande companhia ou syndicato para a construcção e exploração de taes ou de outros quaesquer caminhos de ferro n'aquella ilha.

Os interesses e o trafego a servir são de tal modo singulares e restrictos que só poderão bem ser attendidos nas suas irregulares exigencias por uma exploração toda assente em bases que perfeitamente se lhe accommodem e ajustem.

D'aqui, como conclusão, não só a ideia de disseminar pela ilha, devidamente estudados e traçados, pequenos e acommodados troços de caminhos de ferro, radionaes, quanto possivel, com a necessidade de fazer interferir na sua construcção e exploração unicamente ou quasi exclusivamente, pelo menos, os capitães da ilha directamente interessados.

O grande perimetro molhado da Ilha de S. Thomé, que é guarnecido de excelleutes bahias, como sejam Praia Melão, Angolares, Agua Izé, Praia Grande, S. Miguel, Fernão Dias e outras, por onde até já fazem escala regular os vapores de circumnavegação, indica naturalmente, e até impõe, a via maritima como principal modo dos seus transportes para o porto principal, na bahia Anna de Chaves. Como ligação indispensavel dos differentes centros agricolas, representados por grupos maiores ou menores de propriedades, com essas bahias secundarias, é que apparece a necessidade dos caminhos de ferro radionaes que, quanto possivel, virão a seguir os valles dos rios mais importantes da ilha.

A esses, outros sem duvida se devem ligar, era ramificação transversal, de modo a irem assim prccurar-se os mais reconditos e restrictos interesses.

Comprehendendo-se, porem, que nunca a acção do Estado pode descer a servir interesses individuaes, e partindo-se do principio provado de que nenhum de taes caminhos de ferro pode dar resultados acceitaveis de exploração commercial, facilmente se justifica o principio fundamental da presente lei, que procura conjugar, numa justa medida, a acção tutelar do Estado com a dos proprietarios agricolas da ilha.

A todos são conferidas vantagens que vão crescendo com a importancia e latitude dos interesses a servir.

Não ha, pode bem dizer-se, em S. Thomé, caminhos de ferro que sejam de interesse geral; ali, alem da cidade-capital, são destituidos de importancia os centros de população. Resta considerar os centros de producção, isto é, as propriedades agricolas.

É, pois, conforme o numero e valor do seu trafego que ás propriedades de certa região se deve distribuir as vantagens a conceder para o restabelecimento dos seus caminhos de ferro. Devem procurar essas vantagens os particulares interessados. Deve o Estado attende-los conforme o merecerem e dentro dos recursos financeiros de que a provincia dispõe.

E assim que se estabelecem os dois principios de favorecimento na construcção dos caminhos de ferro collectivos e dos caminhos de ferro restrictos. A base adoptada para a classificação foi, como não podia deixar de ser, o trafego que concedem as propriedades interessadas, o que, dada a extensão media das propriedades em S. Thomé e a densidade da sua producção, facilmente se transforma no numero minimo das propriedades, que se podem agrupar para requerer ao Governo o seu caminho de ferro.

Aos caminhos de ferro que sirvam o minimo de dez propriedades, representando pelo menos 1:000 toneladas de productos de exportação, o que corresponde a mais de 1:500 de trafego total, concedeu-se as maiores vantagens. São os caminhos de ferro collectivos.

Fazendo para estes o Governo á sua conta, toda a infrastructura, o que é mesmo mais do que a simples construcção de uma estrada com a mesma directriz geral, a parte de capital que os particulares ali vão applicar, na superstructura e material circulante, é de tal modo reduzida que nem merece ser considerada num balanço serio dos lucros totaes, indirectos principalmente, que o systema lhes proporciona.

São decididas vantagens estas que certamente terão como consequencia o rapido incremento da viação em S. Thomé, como necessario se torna para harmonia d'aquelle bello conjunto de obra colonial portuguesa.

Desde já é referido um troço de caminho de ferro que gozará das vantagens concedidas aos de interesse collectivo, quando seja requerido pelos interessados nos termos d'esta lei.

Tanto pelos estudos a que se tem procedido, como pelo que se conclue de todas as informações officiaes, esse troço, denominado Caminho de Ferro do Norte, mereço sem duvida aquellas decididas vantagens.

Deixa, porem, a lei o campo aberto a quaesquer outras regiões da ilha que porventura reunam os mesmos requisitos e demonstrem a mesma necessidade para aquelle reconhecida.

O Caminho de Ferro do Norte, servindo as zonas altas da Trindade e Magdalena, é desde sempre reconhecido como de indispensavel construcção. Para elle já ha, como se disse, estudos feitos, o que apressará a sua execução, desde que seja requerida em breve, como é de esperar.

É este, de todos os caminhos de ferro collectivos que venham a construir-se, o unico que não terá caracter meramente agricola, podendo n'elle contar-se com movimento de passageiros. Em todos os demais será quasi exclusivamente de mercadorias o seu trafego.

Quanto a material e typo de via, tarifas e regulamento de exploração, que tudo tem de ser perfeitamente acommodado ás condições especiaes do trafego a servir, deixa presente lei ao cuidado de regulamentos que opportuna-

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mente se elaborem, a fixação dos preceitos que se lhe devem applicar. Não são de modo algum excluidos do gozo das vantagens que a presente lei confere, quaesquer caminhos de ferro de perfil ou systema especiaes. Pelo contrario lhes são concedidos auxilios compativeis com a classificação que merecem ter no estudo de um conjunto de vias de communicação, acommodadas ás necessidades da agricultura da ilha.

Tambem sobre o modo de tracção fica o campo aberto para todas as iniciativas. Bem pode ser que as especiaes disposições orographicas da ilha, onde ha cascatas de agua como a do Abbade, com 65 metros, do Agua Grande com 10 metros, do Manoel Jorge com 12 metros, e outras, permittam o estabelecimento de tracção eléctrica em alguns dos troços de caminhos de ferro a construir. Fica essa parte á iniciativa das respectivas sociedades exploradoras, visto que o Estado não vae, na sua acção directa, alem da plataforma, reservando-se apenas, como deve e é natural, o direito de fiscalização, technica e administrativa.

Oxalá a colónia de S. Thomé saiba bem apreciar e sobretudo aproveitar as grandes vantagens que lhe são conferidas, tirando d'ellas o partido que pode e deve tirar, para complemento luzido da sua grande obra de aproveitamento agricola da ilha.

Mas, a par da viação accelerada, é preciso tambem considerar em S. Thomé, estradas ou caminhos vicinaes, com typo de construcção muito economico, constituindo meios de communicação destinados a satisfazer certos fins especiaes.

As estradas com faixa de rolagem apropriada para o transito de mercadorias são de difficil e muito cara construcção e de mais difficil e dispendiosa conservação em S. Thomé. Qualquer dos modos vulgares de empedrado, mas sobretudo a macadamização, que melhor satisfaz a um trafego intenso, encontram na ilha condições extraordinariamente desfavoraveis de applicação. Não custa menos de 5:000$000 réis a construcção de macadam em 1 kilometro de estrada e são taes os cuidados que elle exige que por vezes se tem dito já que elle se torna impossivel em S. Thomé.

E a essa serie de inconvenientes e obstaculos que se obvia com a substituição por caminhos de ferro das estradas cujas directrizes drenarem mais intenso trafego de mercadorias.

Todavia nem só as relações commerciaes directas exigem modo de communicação que as sirvam; alem d'essas existem as relações geraes dos differentes centros entre si e com a cidade-capital, que demanda vias geraes de communicação para peões, cavalleiros e quiçá para carruagens.

Para esse restricto movimento satisfazem estradas ou caminhos vicinaes de typo reduzido, com leito térreo devidamente preparado, quasi todos, que publica e desafogadamente permittam a livre circulação por toda a ilha.

Não deverão ter mais que 5 metros de largura estas vias de communicação e, assim executadas, não deverá a sua construcção exceder 5:000$000 réis por kilometro, sobretudo porque se conta a facilidade de expropriações que a actual lei promove.

Em termos taes, o prolongamento da Estrada do Norte, alem de Guadalupe e até ás regiões do Buida, e da Estrada do Sul, alem Sant'Anna e até aos Angolares, que são os troços mais urgentes, e o primeiro até indispensavel, não deverão custar mais que 200:000$000 réis, visto medirem menos que 50 kilometros e destes poder aproveitar-se ainda uma certa extensão de caminhos já abertos dentro das propriedades atravessadas, que os cederão para o dominio publico de preferencia a deixarem expropriar uma nova faixa dos seus terrenos.

Alem d'aquelles, serão necessarios outros troços de ligação secundaria com ellas, ou na zona central do norte da ilha, de ligação directa com a cidade, que todos não medirão uma extensão total superior a 100 kilometros, grande parte dos quaes serão, como já se referiu, de caminhos já abertos dentro das propriedades atravessadas.

Alem d'essas estradas, outras secundarias ou subsidiarias d'aquellas ou dos caminhos de ferro, poderão ser construidas sob a acção d'esta lei e com a coadjuvação do Estado, que decretará as expropriações e as facilitará nos terrenos atravessados, quando não pertençam a proprietarios que directa ou indirectamente sejam beneficiados pela construcção pretendida.

E assim, por este conjunto de estradas e caminhos vicinaes, complementares ou subsidiarios da rede de caminhos de ferro collectivos ou restrictos, fica substituida, com vantagem decidida e economia manifesta, a custosa rede geral de estradas traçadas no decreto de 19 de novembro de 189G, da qual não ha até hoje executados mais do que 40 kilometros das tres centenas que certamente com aquella orientação seriam necessarios para bem e completamente servir toda a ilha, com despesa que não seria de modo algum interior a 3.000:000$000 réis.

A obra da viação em S. Thomé sempre tem sido ligada a não menos importante obra de saneamento do logar ou legares onde tem de residir a sua população, estranha ao viver localizado da agricultura.

Assim, com o traçado imposto ao caminho de ferro do Norte, se procurou oscular o ponto onde reconhecidamente se deve na montanha situar a pretendida população altitudinal da ilha. Mas não basta.

No local da actual cidade, á beiramar, na bahia Anna de Chaves, o porto de escala da ilha, ha de sempre permanecer a cidade commercial; ahi hão de fatalmente ser situadas: a alfandega, a capitania, os entrepostos e tudo quanto directamente se lhes ligue.

Ahi, portanto, tem que viver, grande parte do tempo pelo menos, uma grande parte dos funccionarios e dos colonos. E, pois, do mais elementar dever social e humanitario proporcionar, a esses habitantes, regulares condições de salubridade, no ar que respiram e nas habitações que occupam.

Ora coadunam-se perfeitamente com as condições economicas do systema escolhido de viação, e até com as condições de exploração do porto, os de salubridade apontados.

Os focos primaciaes de infecção palustre de toda a área occupada hoje pela cidade de S. Thomé são o rio Agua Grande e suas margens pantanosas (Santo António principalmente) e a lagoa de S. Sebastião. Esta, sobretudo, e principalmente os terrenos baixos adjacentes, altamente palustres e situados a barlavento da cidade, são temiveis focos de infecção urbana.

Depois a sua situação, por essa mesma circunstancia de exposição, impede o aproveitamento da melhor parcela de terreno urbano - a peninsula de S. Sebastião.

É ali, na estreita faixa de terrenos que medeia entro a lagoa e a praia, pelo nascente, que a Companhia do Cabo Submarino situou a repartição dos seus serviços; ali é onde ultimamente foi installado o unico sanatorio que existe na ilha; ali é emfim onde devem construir-se os melhores edificios da cidade de S. Thomé - porque aquelle é o unico ponto salubre de toda a planicie que guarnece a bahia de Anna Chaves.

A conquista, pois, dessa área de terrenos, medindo nada menos de 30 hectares, representa sem duvida uma grande vantagem e uma grande necessidade.

Uma grande vantagem, porque se saneia uma superficie consideravel que pela sua influencia deletéria muito con-

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corre para a deficiencia de condições hygienicas da cidade de S. Thomé: uma grande necessidade porque, completando parallelamente aquelle beneficio, se poderá nessa superficie, que é lavada pelos ventos dominantes, construir, segando os bons preceitos da salubridade e conforto, um novo bairro, destinado a repartições publicas e, especialmente, a residencia de europeus, actualmente accumulados no estreito ambito da cidade e obrigados a viver em edificações incommodas e doentias dispostas ao longo de arruamentos defeituosamente traçados e orientados.

A conquista a que me estou referindo, verificar-se-ha-á custa de drenagens e aterros que em grande parte se realizarão removendo os assoreamentos successivamente accumulados no fundo da bahia de Anna de Chaves e que pelo seu crescimento já constituem um embaraço ao trafego do porto, a ponto de ser dentro em breve difficil, se não se tornar até impossivel, a atracação das pequenas embarcações de cabotagem em marés normaes. Convirá ainda não esquecer o saneamento de outros pantanos que circundam a cidade, os quaes poderão ser beneficiados com o auxilio de trabalhos de vallagem que inutilizem os seus perniciosos effeitos.

Assim saneia-se a cidade, beneficia-se o porto, facultam-se commodidades ao serviço publico e á população europeia pertencente á classe do funccionalismo official e ainda, por ventura, á que se dedica ao commercio que, pelos seus habitos e pelas exigencias da sua labutação, não accede, em regra, a deslocar-se diariamente entre os seus estabelecimentos e o local da Trindade, construindo aqui as suas residencias, e deste conjunto de melhoramentos redundará, por certo, um novo elemento insufflador de vida, actividade e bem estar que muito deve concorrer para o progredimento económico da ilha de S. Thomé.

Está estimativamente orçada em 700:000$000 réis a despesa a fazer com a drenagem e aterro do pantano de S. Sebastião; vallagens nos restantes pantanos; canalização e arruamentos arborizados no novo bairro a construir, sendo o funccionamento da primeira efficazmente auxiliado pela abundante agua de que pode dispor-se; acquisição de um crematorio indispensavel para a reducção dos residuos tanto publicos como domésticos; rampas e vasadouros e ainda com a abertura de uma avenida marginal ligando o referido bairro com a cidade actual.

Todos estes melhoramentos são na verdade de indiscutivel necessidade e, sem duvida, urgentes. Ha ainda um outro que, com quanto relacionado com aquelles, por isso que pode contribuir possantemente para o beneficiamento hygienico de S. Thomé, visa mais particularmente a satisfazer necessidades do trafego commercial do porto. Quero referir-me á utilização, como doca de mares, da lagoa existente na peninsula de S. .Sebastião. Os estudos já feitos não são ainda sufficientes para poder resolver-se fundamentadamente sobre a conveniente exequibilidade de um tal melhoramento que convém seja previamente apreciado com toda a cautela, tanto mais que o seu custo é relativamente elevado. E preciso, pois, completar esses estudos e attender a todas as circunstancias influenciadoras antes de tomar-se uma deliberação definitiva. Não obstante, como muito importa collocar a cidade e porto de S. Thomé em condições de não prejudicar, mas antes de favorecer o desenvolvimento agricola e commercial da ilha, entendi que não devia deixar de mencionar nesta proposta de lei a condicional realização do alludido emprehendimento.

Ainda sob o ponto de vista do trafego commercial do porto de S. Thomé, é necessario considerar os indispensaveis trabalhos de melhoramento da respectiva alfandega e seus annexos, a fim de collocar esta em termos de attender, como deve, ás circunstancias especiaes em que aquelle trafego se apresenta, tanto na importação, como especialmente na exportação, sendo ás vezes necessario embarcar, em horas, 7:000, 8:000 e 10:000 volumes de mercadorias.

Desde a promulgação do decreto com força de lei de 19 de novembro de 1896 que no orçamento da provincia de S. Thomé e Principe figura uma verba especial com destino ao serviço de viação da provincia.

Essa verba, que começou em 50:000$000 réis e é progressiva com os rendimentos aduaneiros, está actualmente em cerca de 70:000$000 réis.

Da applicação que a tal quantia orçamental se tem annualmente dado, resalta a sua verdadeira ineficácia. Não só ella tem deixado em muitos annos de ser consumida como até tem, por vezes, sido applicada a fins diversos d'aquelle a que ordinaria e unicamente era destinada.

Dado o modo especial por que o problema de viação em S. Thomé deve e tem de ser encarado, a applicação inteira e proveitosa, immediata e legal, d'essa importante annuidade impõe-se e justifica-se indiscutivelmente.

A autorização, pois, que a presente lei dá ao Governo para contrahir um emprestimo até 2.650:000$000 réis expressa e unicamente destinados aos melhoramentos materiaes era S. Thomé, a que se refere a presente lei, é o meio o mais valioso de se dar immediata applicação áquellas verbas annualmente inscritas no orçamento da provincia.

É certo que, contando mesmo com a taxa de 5,25 por cento ao anno, para juro e amortização, não chega aquella verba para annuidade, nem justo é que toda se distribua para esse fim.

Deixando ali, porem, para conservação das estradas existentes tudo o que vae alem de 60:000$000 réis, esta ultima importancia, junta á de 5:000$000 réis que igualmente figura no orçamento provincial para obras de saneamento, representa uma parte importante da annuidade precisa, que em caso algum deve ir alem de 139:125$000 réis. O que resta, cerca de 74:000$000 réis, será por força das disposições desta lei, annualmente inscrito na tabella de despesas da provincia, que tem saldo orçamental bastante para, sem sacrificio, cobrir mais esta despesa, em grande-parte directamente pruductiva e toda ella, como dito fica, de justificada necessidade e largo alcance colonial.

Proposta de lei

CAPITULO I

Artigo 1.° É o Governo autorizado a auxiliar a construcção em S. Thomé, em cooperação com os proprietarios agricolas da ilha e pela forma que julgar mais conveniente aos interesses do Estado, dos troços de caminhos de ferro, e a construir o conjunto de estradas, obras e installações, referidos na presente lei e nos seus precisos termos.

CAPITULO II

Art. 2.° Os caminhos de ferro de S. Thomé construidos com o auxilio do Estado podem ser:

a) de interesse collectivo;

b) de interesse restricto;

§ 1.° São considerados caminhos de ferro collectivos, alem do que designadamente vae referido no artigo 3.°, os que interessem e sejam requeridos por não menos de dez proprietarios agricolas, representando o minimo de 1:000 toneladas de generos coloniaes produzidos e exportados pelas suas propriedades.

§ 2.° São considerados caminhos de ferro restrictos os que sirvam e sejam requeridos por um grupo de não menos que tres proprietarios agricolas, representando o minimo de 100 toneladas de productos coloniaes produzidos, e exportados no todo pelas suas propriedades.

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Art. 3.° Fica desde já considerado de interesse colle-ctivo, e como tal gozando das vantagens concedidas pela presente lei, o troço do a Caminho de Ferro do Norte" ligando de modo conveniente com o porto de Anna de Cha-ves as regiões altas da Trindade, SantAnna e Magdalena; a testa deste caminho de ferro será em ponto conveniente dos terrenos de S. Sebastião adjacentes á bahia de Anna de Chaves.

Art. 4.º Os caminhos de ferro collectivos serão construidos pela conjugação de esforços do Estado e dos particulares interessados, nos termos geraes seguintes:

1.° Os proprietarios de qualquer região da ilha que reunam as condições exigidas no § 1.° do artigo 2.°, demonstram perante a "Junta Local dos Caminhos de Ferro de S. Thomé" que se acham constituidos era sociedade, por si ou com agrupamento de outros capitães portugueses, para a construcção e exploração do caminho de ferro que requerem como interessando immediata ou muito directamente ás suas propriedades, que d'elle não prescindam como instrumento de seus transportes;

2.° Desde que a "Junta Local" informe favoravelmente aquelle requerimento, o Governo, conformando-se, manda traçar e faz construir, por sua conta directa, toda a infrastructura (terraplenagens e obras de arte) depois do que a sociedade ou grupo requerente procederá ao assentamento da via e fará por sua directa acção e conta a exploração da linha.

Art. 5.° Os caminhos de ferro restrictos serão construidos a expensas da proprietarios directamente interessados com a coadjuvação do Estado, dentro das condições geraes seguintes:

1.° Requerimento justificado dos proprietarios que reunam as condições exigidas no § 2.° do artigo 2.°, pelo qual comprovem terem-se reunido em sociedade, por s só ou com intervenção de capitães estranhos, mas portugueses, para a construcção e exploração do caminho de ferro que requerem como instrumento indispensavel de seus transportes;

2.° Informação favoravel da "Junta Local dos Caminhos de Ferro de S. Thomé", depois da qual o Governo, conformando-se, manda por sua conta directa proceder aos estudos e fornece agentes technicos para a direcção da construcção até seu final, decretanto tambem como de utilidade publica, nos termos da lei, os terrenos a occupar e procedendo por sua conta a essas, expropriações, tendo em attenção sempre as prescrições do artigo seguinte.

Art. 6.° Os proprietarios agricolas requerentes de caminhos de ferro collectivos ou restrictos ficam isso facto obrigados á cedencia gratuita de todos os seus terrenos precisos para a construcção das vias férreas que lhes interessam.

§ unico. Os terrenos cuja expropriação for de utilidade publica e tenha de ser paga pelo Estado, nunca serão cotados em preço superior a 50 réis.

Art. 7.° O Governo concede a estas sociedades de caminhos de ferro collectivos e restrictas plena isenção de direitos alfandegarios a todo o material: machinas, apparelhos e utensilios necessarios para a construcção e exploração.

Art. 8.° A exploração, suas tarifas e regulamentos fica sujeita á fiscalização do Governo, dentro de preceitos que opportunamente serão prescritos.

Art. 9.° O typo e perfil da via, material fixo e circulante, serão do modelo indicado pelo Governo.

Art. 10.° Os caminhos de ferro de interesse collectivo ou restricto que a requerimento dos proprietarios interessados tenham de ser construidos no uso das vantagens que esta lei concede, serão quanto possivel radionaes, isto é, de ligação das regiões agricolas com a bahia ou porto d'ellas mais proximo.

§ unico. No caso de serem transversaes os caminhos de ferro requeridos, só lhes poderão ser concedidas as vantagens da presente lei, quando se destinem a ligar a zona agricola que os requer com o caminho de ferro radional construido ou em construcção, que mais lhes convenha.

Art. 11.° Os caminhos de ferro construidos sob o impulso da presente lei ficarão sendo de uso publico, podendo-se-lhes, portanto, com autorização do Governo, ouvida a sociedade exploradora, ligar outros quaesquer de interesse tambem collectivo, restricto ou mesmo individual, desde que sejam da mesma bitola e se sujeitem na sua exploração ás clausulas que o artigo 7.° prescreve.

Art. 12.° .As vantagens especiaes por esta lei conferidas aos proprietarios agricolas de S. Thomé só poderão aproveitar aos requerimentos presentes na junta local, nos termos expressos nos artigos 4.° e 5.°, dentro do prazo de 5 annos a contar da data de promulgação d'esta lei.

Art. 13.° Quando o rendimento liquido de qualquer dos caminhos do ferro collectivos exceder 6 por cento do capital n'elles empregado pela sociedade constructora, o Estado compartilhará em 50 por cento dos lucros excedentes.

§ unico. O producto desta percentagem do excedente dos lucros de exploração será encorporado na verba destinada á melhoria da viação ordinaria e sobretudo á construcção de estradas nas regiões onde os caminhos de ferro sejam de difficil e muito cara implantação, ou não tenham mesmo viabilidade de execução.

Art. 14.° Na rede de caminhos de ferro de S. Thomé, com interesse collectivo ou rettricto, poderá ser incluida a construcção de quaesquer troços de systema e perfis excepcionaes, adaptados ás caprichosas formas topographicas da ilha, como cabos aéreos, planos inclinados, etc., que grupos de proprietarios directamente interessados, e que reunam quaesquer das condições exigidas pelos artigos 4.º e 5.°, requeiram e justifiquem perante a Junta Local e que d'ella obtenham informação favoravel.

§ unico. Estes caminhos de ferro excepcionaes, embora sejam alguns de interesse collectivo, serão sempre considerados como de interesse restricto para o gozo das vantagens que a estes a presente lei confere.

Art. 15.° É criada em S. Thomé, annexa á direcção das obras publicas e subordinada ao respectivo engenheiro-director, uma Repartição de Caminhos de Ferro, dirigida por um engenheiro, pela qual corram todos os assumptos que respeitem á construcção e exploração de quaesquer caminhos de ferro na ilha.

§ 1.° Esta repartição será dotada com o pessoal technico e administrativo que necessario for para prover ás necessidades variaveis dos serviços que lhe competem.

§ 2.° Annualmente será inscrita no orçamento da provincia a verba necessaria para occorrer ás despesas variaveis dessa repartição.

Art. 16.° Para o devido cumprimento desta lei e ao mesmo tempo para a administração perfeita do fundo especial de que adeante se trata, é criada em S. Thomé uma Junta Local dos Caminhos de Ferro de S. Thomé, composta do governador da provincia, como presidente, dois engenheiros, director das obras publicas e chefe da repartição dos caminhos de ferro, e do inspector de fazenda.

CAPITULO III

Art. 17.° O Governo procederá por sua conta directa e por administração ou empreitada, como melhor convenha, aos interesses do Estado, á construcção das estradas complementares da rede de viação constituida pelos caminhos de ferro definidos nos artigos anteriores.

§ 1.° São assim consideradas as estradas que se destinam a ligar com a cidade capital, ou com qualquer bahia ou porto da ilha, centros de população ou de producção que não sejam ou não possam ser do mesmo modo servidas por caminhos de ferro collectivos ou restrictos.

§ 2.° O typo e modo de construcção d'essas estradas

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complementares será estudado de harmonia com o fim especial e restricto a que se destinam.

Art. 18.° O Governo auxiliará a construcção de estradas ou caminhos vicinaes subsidiamos da rede geral de viação constituida por caminhos de ferro e estradas, complementares.

§ 1.º A construcção d'essas estradas será requerida e depois custeada pelos proprietarios interessados e que a requeiram como ligação "indispensavel e unica acceitavel" das suas propriedades com a rede geral de viação.

§ 2.° Desde que a Junta Local informe favoravelmente e o Governo se conforme, serão essas estradas mandadas estudar e a sua construcção será dirigida por agentes technicos do serviço do Estado.

§ 3.° Para essas estradas ou caminhos serão decretadas pelo Governo, como de utilidade publica, as precisas expropriações.

Art. 19.° Os proprietarios requerentes ou immediatamente servidos pelas estradas construidas nos termos da presente lei, desde que ellas sejam via publica terrestre unica das suas propriedades, ficam obrigadas á cedencia gratuita dos terrenos necessarios.

§ 1.° Quando dentro das propriedades a atravessar haja qualquer caminho de directriz acceitavel para o traçado geral que se pretenda, não será o respectivo proprietario obrigado a nova expropriação desde que o ceda para o dominio e uso publico da serventia do mesmo caminho.

§ 2.° Qualquer expropriação de terrenos a fazer para a. construcç3o de estradas ou caminhos, vicinaes não o será por preço superior a 50 réis o metro quadrado.

CAPITULO IV

Art. 20.° O Governo procederá por sua conta e por administração directa ou por empreitada, nos termos da lei respectiva, conforme melhor convenha aos interesses do Estado, ás seguintes obras de saneamento e melhoria de condições do porto e cidade de S. Thomé:

a) Conquista, por drenagem e aterramento, dos terrenos da peninsula de S. Sebastião;

b) Abertura nos terrenos assim conquistados de um novo bairro em perfeitas condições hygienicas, para de futuro poder ser a verdadeira cidade commercial de S. Thomé;

c) Beneficiamento, por. meio de trabalhos de vallagem, dos outros pantanos que perniciosamente influem ha cidade de S. Thomé;

d) Regularização e limpeza do rio Agua Grande na parte em que banha a cidade;

e) Melhoramentos na alfandega de S. Thomé e seus annexos, com o fim de attender ás exigencias do trafego commercial;

f) No caso de ser considerada convenientemente exequivel e accentuadamente util, construcção de uma doca de marés em S. Sebastião, na actual lagoa do mesmo nome.

Art. 21.° A doca de marés de S. Sebastião, no caso de ser construida, constituirá a testa do caminho de ferro do Norte, servindo ao mesmo tempo de centro a todo o movimento alfandegario da ilha.

§ unico. Para esse effeito serão ali construidos um edificio para administração aduaneira e os necessarios armazéns e depósitos alfandegarios, tudo era perfeita harmonia com a natureza e intensidade do trafego do porto a servir.

Art. 22.° No caso considerado no artigo precedente, o projecto definitivo do conjunto de obras que constituem a doca de S. Sebastião será elaborado pela Repartição dos Caminhos de Ferro de S. Thomé e submettido á informação da Junta Local dos Caminhos de Ferro.

§ unico. Para o effeito desta informação serão annexados á Junta, como vogaes extraordinarios, o capitão dos portos e o administrador da alfandega.

CAPITULO V

Art. 23.° Para prover aos encargos que resultam para o Estado da execução desta lei é o Governo autorizado a contrahir um emprestimo até á quantia de 2:600 contos de réis, cujos encargos não poderão exceder a 5,25 por cento ao anno, incluindo juro e amortização, durante 75 annos.

§ 1.° Os resultados d'esse emprestimo são unica e exclusivamente destinados á construcção de caminhos de ferro, estradas, doca de mares e demais obras complementares ou subsidiarias d'estas, descritas na presente lei e nos seus precisos termos.

§ 2.° Servirão de base ao levantamento d'este emprestimo:

1.° A verba fixa de 60:000$000 réis, retirada da quantia actualmente inscrita no orçamento da provincia por virtude das disposições do decreto com força de lei de 19 de novembro de 1896;

2.° A verba fixa de 5:000$000 réis, que figura no orçamento provincial como dotação das obras de saneamento.

3.° A verba que necessaria for para, juntamente com aquellas duas, perfazer o encargo annual representante do emprestimo a que o Governo pela presente lei fica autorizado, verba que annualmente será mandada inscrever nas tabellas de receita e despesa da provincia de S. Thomé e Principe.

Art. 24.° Fica revogada a legislação em contrario.

Secretaria de Estado dos Negocios de Marinha e Ultramar, em 21 de agosto de 1905. = Manoel Antonio Moreira Junior.

Proposta de lei n.° 10-X

Senhores: - Ha muito se. pensa no caminho de ferro de Quelimane; já em 1888 era o capitão Affonso de Moraes Sarmento encarregado, pelo Governo, de estudar uma linha de Quelimane á confluencia do Chire, passando por Mopeia, com um ramal para o Vicente, no Zambeze.

O caminho de ferro devia ligar Quelimane com este rio e o commercio podia assim vir, por intermedio d'elle, até ao mar.

Facilitava-se desta maneira o transporte das mercadorias que então seguiam com grandes difficuldades pelo Quaqua e Zambeze para Tete e territorios marginaes do Chire.

Pelo projecto Moraes Sarmento viu-se que o caminho de ferro era muito dispendioso e, como na mesma época o coronel Paiva de Andrada descobriu o porto do Chinde, em communicação facil com o Zambeze, foi aquelle posto de parte, para o que tambem concorreram os acontecimentos politicos e a crise financeira que adveio.

Notou-se logo que, o porto do Chinde não era tão bom como o de Quelimane, permittindo apenas a entrada de pequenos vapores. O conhecimento deste facto e o desejo de chamar áquella villa o trafego da região dos lagos foram a causa de, no contrato de 16 de setembro de 1895, ser imposto á Companhia dos Caminhos de Ferro da Zambezia a condição de proceder aos estudos e construcção do caminho de ferro de Quelimane ao Ruo, transferindo-lhe a Companhia da Zambezia a faculdade de construir caminhos de ferro, concedida por decreto de 19 de abril de 1894.

Aquella encarregou o major Soeiro de proceder aos estudos da linha respectiva e submetteu á approvação do Governo o projecto elaborado pelo citado engenheiro, dizendo, porem, que lhe era impossivel realizar este melhoramento sem o auxilio do Estado.

Pela carta de lei de 7 de julho de 1808 é o Governo autorizado a contratar com a Companhia dos Caminhos de Ferro da Zambezia a construcção e exploração da linha do Quelimane ao Ruo.

Em 8 de agosto de 1898 assinou-se o contrato em que se autorizava a Companhia a emittir obrigações até ao va-

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lor nominal de £ 1.400:000, concedendo-se-lhe mais o rendimento do imposto de 3 por cento ad valorem sobre as mercadorias em transito no caminho de ferro durante o prazo de sessenta e cinco annos, dentro dos quaes a Companhia devia reembolsar as obrigações. Concedia-se-lhe mais o abono annual complementar, como empréstimo, da quantia necessaria para, junta ao producto da exploração da linha e rendimento do transito, poder fazer face aos encargos das obrigações autorizadas, não podendo, porem, este abono ser superior ao excesso, no anno respectivo, do rendimento das alfandegas da Zambezia sobre a media annual das receitas, nos annos de 1893 a 1897.

Apesar destas concessões o caminho de ferro não se fez, e esta razão, junta á necessidade de desenvolver o territorio da British Central África, levaram a "The Shire Highlands (Nyassaland) Railway Limited", por contrato de 31 de dezembro de 1902, a obter do Governo Inglês a concessão de uru caminho de ferro de Chiromo a Blantyre.

A necessidade e urgencia de tal caminho de ferro é evidente como consequencia da difficuldade dos transportes no territorio inglês, o que sempre mostraram nos seus relatorios os commissarios britannicos, especialmente o actual, Sir. Alfred Sharpe.

É antiga esta ideia do caminho de ferro no territorio da British Central África e todos os commissarios aconselharam a sua construcção e ligação com o mar.

O caminho de ferro está sendo construido pela British Central Africa Company, que contratou a sua construcção e exploração, entre Chiromo e Blantyre, podendo mais tarde estende-lo até ao Nyassa, mediante accordo com o Governo Inglês.

Como se vê, este caminho de ferro liga Chiromo com o país ao norte; tal facto mostra o desejo de aproveitar a navegação do Zambeze e Chire e preferir assim o Chinde a Quelimane, como porto de mar. Como o Chire, porem, não tem agua na estiagem, para a conducção do material do caminho de ferro, o Governo Ingles autorizou uma linha provisoria entre Port-Herald e Chiromo, que, segundo consta, considerou ultimamente como definitiva e susceptivel de se prolongar para o sul até á fronteira.

Quando iniciou a construcção, a British Central Africa Compauy tentou começar a linha em Chuanga e lá existem os restos de um aterro junto a fronteira; como o terreno, porem, é muito pantanoso e inundado, o que torna a construcção da linha muito dispendiosa, e como, alem d'isto, se reconheceu que na estiagem o Chire só é navegavel até Villa Bocage, entendeu-se que o caminho de ferro devia ser prolongado até esta povoação, passando o rio em Netumbe. Neste sentido fez a companhia inglesa um pedido ao Governo do districto da Zambezia para a concessão do caminho de ferro entre Villa Bocage e Netumbe. A este pedido, pelo governador transmittido para Lisboa, respondeu-se que, em harmonia com o disposto no tratado de 11 de junho de 1891, a concessão de tal linha dependia de negociações diplomáticas entre o Governo Português e o Inglês.

Este caminho de ferro tinha, como mostrámos, o fim manifesto de ligar a linha ferrea com a navegação fluvial, quasi toda inglesa. A Zambezia portuguesa em nada seria servida e, pelo contrario, a esperança de trazer a Quelimane o commercio da região dos lagos ir-se-hia. Nem mesmo o territorio inglês da British Central Africa ficaria bem servido, pois, segundo a opinião de Sir Alfred Sharpe, o que lhe convém é a ligação com o mar por intermédio de um caminho de ferro. Para este ha, segundo elle, duas soluções: ligação com a Beira ou com Quelimane. Para a Beira é preciso, de Chiromo, uma linha de 300 milhas; para Quelimane fica reduzida a 100 e sem as dificuldades da ponte no Zambeze.

Apresentada assim a necessidade do caminho de ferro de Quelimane, resta ver a maneira de levar á pratica tal melhoramento.

No relatorio da proposta de lei apresentada ao Parlamento em 11 de abril de 1904 dizia-se: "Este traçado da linha inglesa evidenciava a intenção, por parte da British Central Africa, de aproveitar a navegação do Chire e de Zambeze e obrigava a derivar para o sul a linha de Quelimane, aggravando muito o perigo da concorrencia da navegação fluvial e, porventura, impossibilitando, em vista desta concorrencia, a cobrança do imposto de transito em Quelimane B.

"N'estas circunstancias a Companhia dos Caminhos de Ferro da Zambezia solicitou do Governo a suppressão deste imposto e, tornando-se assim absolutamente eventual o auxilio que lhe fora concedido, declarou que, para poder obter o capital preciso para a construcção e para a exploração do caminho de ferro, era indispensavel que o abono complementar para o serviço das obrigações fosse concedido sem a restricção de não poder exceder o acrescimo dos rendimentos das alfandegas da Zambezia".

"Pouco depois, na camara dos Senhores Deputados, approvou-se um additamento á proposta de lei para o empréstimo de 2.000:000$000 réis destinado ao caminho de ferro da Swazilandia e obras do porto de Lourenço Marques, autorizando o abono annual complementar, até á importancia de cerca de 60:000 libras, mas a proposta de lei e o additameuto não chegaram a ser discutidos na Camara dos Dignos Pares do Reino".

Por seu turno o decreto com força de lei de 15 de julho de 1903, que autorizou o empréstimo para o caminho de ferro da Swazilandia e porto de Lourenço Marques, nada disse relativamente ao caminho de ferro de Quelimane.

No anno seguinte, em 11 de abril de 1904, era apresentada ao Parlamento uma proposta de lei que autorizava o Governo a reduzir o auxilio de 60:746 a 40:000 libras, diminuir ou supprimir o imposto de transito, e que habilitava o Governo a construir e explorar a linha por conta do Estado, se não pudesse chegar a um acordo com, a Companhia dos Caminhos de Ferro da Zambezia ou se esta não começasse os trabalhos e não concluisse a construcção nos prazos fixados. Alem d'isto, o contrato de 8 de agosto de 1898 era ligeiramente modificado. Todavia esta proposta de lei não foi discutida na Camará; assim mantem-se apenas vigente aquelle contrato.

Em 31 de março de 1904 foi nomeada pelo Governo uma missão de estudos do caminho de ferro de Quelimane ao Chire, tendo ultimamente o chefe, Delphim Monteiro, apresentado o relatorio dos seus trabalhos, em que opina pela ligação, por meio de um caminho de ferro, de Quelimane com a linha inglesa no Chire, perto da foz do Chironge.

No traçado estudado aproveitam-se cerca de 58 kilometros do traçado Quelimane-Ruo.

Interrogada officialmente a Companhia dos Caminhos de Ferro da Zambezia sobre se, modificado o traçado da linha Quelimane ao Ruo de forma a ligar com o caminho de ferro em construcção no territorio da British Central Africa, podia e queria cumprir o contrato de 8 de agosto de 1898, declarou ella, em officio de 22 de abril corrente,

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após varia correspondencia trocada, que podia e acceitava fazer o caminho de ferro projectado.

As difficuldades que a impossibilitavam de construir o caminho de ferro foram vencidas, segundo declarou; sendo assim, e mantendo-se as responsabilidades que derivam do contrato de 1898, algumas clausulas é justo n'elle inserir, os quaes garantam, o seu rápido cumprimento e se harmonizem com a menor extensão da nova linha e a circunstancia de estar já feito o estudo definitivo dos primeiros 58 kilometros.

Com effeito, ha quasi sete annos que se assinou aquelle contrato e, infelizmente, á Companhia não tem sido possivel construir o caminho, de ferro de Quelimane, o que tem influido de maneira nociva no desenvolvimento da 2ambezia, a qual difficilmente pode prosperar sem a referida, linha ferrea. Nestas condições entende o Governo que deve estar preparado para a construir, se á Companhia sobrevierem quaesquer obstáculos financeiros ou outros que a impeçam de realizar este desideratum.

N'isto dá o Governo evidente testemunho da boa vontade que o anima e da persuasão em que está de ser valioso elemento de riqueza para a Zambezia o caminho de ferro de que vem tratando.

De resto, esta autorização já era pedida na proposta de lei de 7 de abril do anno findo; e, no relatorio que a acompanhava, mostrava-se a necessidade e urgencia da construcção d'aquelle caminho de ferro.

Dizia-se, e é exacto, que as difficuldades de navegação do Chire, mesmo para jusante de Netumbe, muito reduzem o perigo, para a linha portuguesa, da concorrencia da navegação fluvial. Isto veio tirar, os receios que em muitos havia da sua proveitosa construcção. Por outro lado, o resultado da experiencia, em escala, importante, da cultura do algodão no Protectorado Britannico. quanto á aptidão da região, ao custo do trabalho e á qualidade do producto, foi tão lisonjeiro, que a British Cotton Growing Association, em um estudo comparativo das colonias inglesas em relação á mesma cultura, considera o Protectorado como uma das regiões mais promettedoras para o futuro abastecimento do mercado inglês, e propõe-se promover a sua cultura em larguissima escala.

No relatorio de Sir Alfred Sharpe diz-se que a exportação do algodão attingirá n'este anno 50:000 libras, devendo multiplicar-se muitas vezes esta quantia em prazo curto. Diz tambem que, quando o territorio da British Central Africa estiver ligado com o mar por meio de um caminho de ferro, a exportação de milho para o Transvaal deve fazer-se em grande escala;

Mais ainda: no Protectorado Britannico a importação foi de 128:529 libras em 1901-1902 e de 143:790 em 1902-1903 e a exportação passou de 150:331 a 178:556 libras.

Outros factores contribuem para assegurar valioso trafego ao projectado caminho de ferro.

Assim, na Rhodesia do Norte, teem-se feito, ultimamente, importantes descobertas mineiras e se o caminho de ferro for construido depressa, deve contar-se tambem com o transporte do material para a construcção da linha "ntre o Nyassa e o Tanganyka. A ponte do caminho de ferro sobre o Zambeze em Victoria Falis está (concluido a linha já attiuge Kalomo e todos os dias avança. Desta maneira, construida a linha entre o Nyassa e o Tanganyka, fica assegurado para Quelimane o trafego do sul da região dos lagos.

Convém não esquecer que para os nossos caminhos de ferro em Moçambique ha uma situação feliz e talvez unica no mundo. As nossas linhas são o prolongamento das que existem já feitas ou a construir no territorio inglês. Não vemos, assim, que esperar apenas o trafego da região que a nossa linha atravesse: devemos ter em contar tambem o do interior, onde ha já caminhos de ferro que, por intermedio dos nossos, communicarão com o mar.

No Congresso Colonial de Bruxellas dizia o major Thys: "Dans les pays européens, le problème des chemins de fer est celui-ci: il existe un mouvement commercial et industriel qui necessite des transporte. Quels sont les chemins de fer qu'il faut construire pour faciliter et améliorer ces transports et développer le commerce et l'industrie? Aux colonies e problème est tout autre; voici un pays à peu près vierge de toutes communications, mais où il y a des terres isolées à cultiver, un commerce à étendre, des industries à créer. Quels chemins de fer faut il construire pour permettre à l'activité du vieux monde de s'y développer ?"

Não se pode esperar que, nos primeiros annos, o trafego do caminho de ferro seja grande: isso virá depois.

Foi o que succedeu com o caminho de ferro do Congo, que rápida e extraordinariamente o desenvolveu, emquanto que a nossa antiga provincia de Angola não prospera largamente á mingua de vias. de communicação. É o que se dá no sertão de Benguella, cujo commercio tem, em parte, fugido para o Congo e seus caminhos de ferro.

Este facto está igualmente de acordo com os estudos de Mr. Shelford, os quaes demonstram que, passado algum tempo depois da construcção dos primeiros troços de uma via ferrea, esta rende o bastante para cobrir a despesa de exploração: "Quanto mais a linha penetra no interior do país, mais consideraveis se tornam os lucros e estes crescem proporcionalmente ao quadrado da profundidade da região explorada".

"A 400 kilometros da costa um caminho de ferro produz quatro vezes mais do que produziria se o seu terminus fosse a duzentos; levado até oitocentos kilometros, a linha produziria dezaseis vezes mais".

D'aqui se conclue que é de toda a conveniencia prolongar os caminhos de ferro até ao novação do país e é, sabendo-o, que os ingleses começam, sempre que podem, por um caminho de ferro de penetração.

E d'esta natureza o de Quelimane, que se prolongará pela via ferrea inglesa até o Nyassa. Mais tarde, quando se fizer a ligação, em projecto, entre o Nyassa e Tanganyka, elle prolongar-se-ha, assim, até o caminho de ferro do Cabo ao Cairo. Por seu turno, quando se pensar numa via ferrea até á região mineira, portuguesa ou inglesa, ao norte do Tete, será certamente prolongado até Serenje, outro ponto d'aquella grande arteria africana.

O caminho de ferro de Quelimane tem, pois, um grande futuro, e esta cidade será uma outra Lourenço Marques, sem o perigo da concorrencia de qualquer outra linha, porquanto, se ao caminho de ferro da Beira for o trafego da linha do Cabo ao Cairo, ao sul do Zambeze, o do norte, até ao Tanganyka, sem duvida irá a Quelimane.

O desenvolvimento da região da Zambezia, que elle atravessará, será enorme; a sua riqueza agricola florescerá rapidamente, bem como as industrias correlativas.

Assim, a industria pecuaria será uma das que ha de receber accentuado incremento.

Ha já na Zambezia muitos milhares de cabeças de gado vacum; facilitado o transporte até Quelimane, poderá este ser exportado em larga escala e abastecer em grande parte a provincia de Moçambique, que o importa de Madagascar.

Este caminho de ferro, que partindo de Quelimane irá

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directamente ao Chire, junto á foz do Chironje, deverá ter 225 kilometros e custar cerca de 4.000:000$000 réis. Nestas condições tenho a honra de apresentar ao Parlamento a seguinte

Proposta de lei

Artigo 1.° E o Governo autorizado a modificar, em conformidade com as bases que acompanham esta proposta de lei e fazem parte integrante d'ella, o contrato de 8 de agosto de 1898, celebrado nos termos da carta de lei de 7 de julho do mesmo anno com a Companhia dos Caminhos de Ferro da Zambezia.

Art. 2.° Se a Companhia não acceitar as modificações a que se refere o artigo antecedente, ou deixar de cumprir o que em harmonia com as bases acima referidas for estabelecido, é o Governo autorizado a proceder por conta propria á construcção e exploração do caminho de ferro a que respeitam as citadas bases, podendo levantar por empréstimo, para este fim, até a quantia de 4.000:000$000 réis, sem que, todavia, os encargos effectivos, provenientes da operação financeira a realizar, sejam, incluidos juros e amortização, superiores a 5,25 por cento ao anno.

Art. 3.° Fica revogada a legislação em contrario.

Secretaria de Estado dos Negocios da Marinha e Ultramar, em 21 de agosto do 1905. = Manoel Antonio Moreira Junior.

Bases para a construcção e exploração de um caminho de ferro ligando o porto de Quelimane com a linha inglesa, no territorio da British Central Africa.

1.ª

A presente concessão tem por objecto a construcção e exploração de um caminho de ferro que ligue o porto de Quelimane com. a linha, inglesa, no territorio da British Central África, num ponto que o Governo approve. Modifica-se d esto maneira a directriz do caminho de ferro de Quelimane ao Ruo, a que se refere a carta de lei de 7 de julho de 1898 e contrato de 8 de agosto do mesmo anno.

A sua duração será de noventa e nove annos, contados da data do diploma que approve o contrato respectivo a fazer, findos os quaes o Estado entrará immediatamente na posse do caminho de ferro com todo o seu material fixo e circulante, edificios e dependencias de qualquer ordem que sejam, sem que a Companhia tenha por isso direito a receber indemnização alguma.

2.ª

A Companhia dos Caminhos de Ferro da Zambezia poderá emittir obrigações até o valor nominal de £ 1.000:000, reembolsaveis num. prazo nunca excedente a sessenta e seis annos e cujo producto será exclusivamente destinado á construcção e exploração do mencionado caminho de ferro, e ao pagamento dos respectivos juros por um periodo de tempo não excedente a cinco annos, contados da realização da emissão, e isto sem embargo do disposto no artigo 196.° do Codigo Commercial, comtanto que o capital em acções seja, pelo menos, um setimo do capital em obrigações.

O typo e condições desta emissão serão previamente submettidos á approvação do Governo e os juros vencidos pelas obrigações são isentos de imposto de rendimento.

3.ª

O Governo faz cessão á Companhia, pelo prazo que for estipulado para amortização das obrigações, nunca excedente a sessenta é cinco annos, do producto do imposto de transito internacional que venha a cobrar-se sobre as mercadorias transportadas pelo caminho de ferro que for construido.

§ 1.° O Governo poderá reduzir, ou annullar, o imposto de transito a que se. refere esta base, não ficando, porem, obrigado para com a Companhia, annualmente, a ceder, como compensação, quantia superior á que produziria aquelle imposto, no anno respectivo, se não tivesse sido reduzido ou annullado.

§ 2.° Fica entendido que o prazo d'esta cedencia será o fixado no primeiro contrato da emissão, ainda mesmo quando, de futuro, a Companhia realize qualquer outra operação com os obrigatarios.

4.ª

É mantida ao Governo a faculdade de ter um commissario, funccionando junto do conselho de administração da Companhia.

O Governo organizará, pela forma que julgar mais conveniente, os serviços de fiscalização technica e administrativa, tanto durante o periodo de construcção como durante o da exploração, em ordem a garantir a mais rigorosa e exclusiva applicação dos capitães especialmente realizados para esta concessão, e a boa execução de todas as obras e fornecimentos.

§ unico. Os vencimentos dos respectivos funccionarios serão pagos pela Companhia, devendo os do commissario régio ser iguaes aos dos administradores, e os do fiscal technico não exceder a quantia de 6:000$000 réis por anno.

5.ª

A presente concessão caducará, considerando-se para todos os effeitos rescindido o respectivo contrato e entrando o Estado na posse immediata, e sem formalidades judiciaes de processo, de todas as obras construidas e de todo o material de qualquer natureza, fixo e circulante, existente ou fornecido á Companhia, sem que seja possivel qualquer forma de opposição, e sem direito a reclamação alguma ou pedido de indemnização de qualquer especie, quer por parte da mesma Companhia, quer dos obrigacionistas ou de terceiros que com ella tenham contratado:

a) Se a Companhia, a quem incumbem as negociações com a British Central Africa Company, ou com quem no futuro a represente e substitua na construcção e exploração do caminho de ferro Chire-Blantyre, não puder acordar com ella na ligação das duas linhas;

b) Se a construcção dos primeiros 58 kilometros da linha Quelimane ao Ruo, communs ao caminho de ferro Quelimane-Chire, e cujos estudos estão já em poder do Governo, não for concluida dentro do prazo de doze meses, contados da assinatura do novo contrato;

c) Se, depois, a linha não for continuada em escala proporcional á sua extensão, concluindo-se por anno 85 kilometros pelo menos;

d) Se toda a linha não for aberta á exploração dentro do prazo máximo de tres annos, contados da data da assinatura do novo contrato.

6.ª

Dado o caso da Companhia faltar ao cumprimento dos encargos das obrigações, ou por qualquer outro motivo for impossibilitada de continuar a exploração, poderá o Governo, se assim lhe convier, tomar conta da linha ferrea e de tudo o que estiver na posse ou exploração da Companhia, sem que seja possivel qualquer forma de opposição, adquirindo, pelo reembolso ao par, todas as obrigações emittidas, ainda não amortizadas, ou pagando annualmente os encargos dessas obrigações. Para uma ou outra hypothese se reserva o Governo pleno direito, a cujo exercicio não poderá admittir-se, sob nenhum pretexto, a menor opposição da parte dos obrigacionistas ou dos seus curadores.

§ unico. No caso previsto nesta base, não haverá nunca logar a reclamação ou pedido de indemnização de espécie alguma, quer por parte dos obrigacionistas e dos curadores, quer pela dos accionistas.

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7.ª

Em qualquer epoca, depois de terminados os vinte e cinco primeiros annos, a datar do prazo estabelecido para a conclusão da linha, terá o Governo a faculdade de resgatar a concessão inteira.

Para determinar o preço da remissão toma-se o producto liquido obtido pela Companhia durante os 7 annos que tiverem precedido aquelle em que a remissão deva effectuar-se, deduz-se d'esta somma o producto liquido que corresponda aos dois annos menos productivos, e tira-se a media dos outros annos, a qual constitue a importancia de uma annuidade que o Governo pagará á empresa durante cada um dos annos que faltarem para terminar o prazo da concessão, não podendo esta annuidade ser inferior a 4 por cento do capital desembolsado, na razão do preço por que se effectuar a adjudicação.

N0este preço de remissão não é incluido o valor do carvão, coke ou outros abastecimentos, que serão avaliados em separado e pagos pelo Governo, na occasião de serem entregues, pelo preço da avaliação.

No caso previsto nesta base o Governo reserva-se a faculdade de reembolsar ao par todas as obrigações ainda hão amortizadas.

8.ª

As vantagens concedidas nas bases precedentes applicam-se unica e exclusivamente á concessão do caminho de ferro que nas mesmas bases se menciona e não poderão ser invocadas em favor de outras linhas ou ramaes que a Companhia dos Caminhos de Ferro da Zambezia pretenda construir e explorar e o Governo approve.

9.ª

Ficam mantidas as disposições contidas nas bases 3.º e seu § unico, 4.ª, 6.ª e seu § unico, 7.ª, 8.ª, 9.ª, 10.ª, 13.ª, 16.ª, 17.ª e 18.ª annexas á lei de 7 de julho de 1898.

Secretaria de Estado dos Negocios da Marinha e Ultramar, em 21 de agosto de 1905. = Manoel Antonio Moreira Junior.

Proposta de lei n.° 10-Y

Senhores.- A contribuição predial é um dos elementos do systema tributario que na colónia do Macau mais carecem de attento estudo. O thesouro da provincia tem arrecadado sob este titulo nos ultimos annos economicos as seguintes receitas:

Patacas

[Ver tabela na imagem]

Neste limitado periodo de dez annos diversos factores, de caracter accentuadamente economico, influenciaram todo o organismo social do extremo oriente, devendo necessariamente a sua acção repercutir-se no regime financeiro dos differentes países e colónias ali situados.

Da conjugação desses factores derivou a depreciação da moeda local, passando os diversos valores a serem representados por mais avultado numerario e, consequentemente, a attingirem mais elevadas cifras determinadas verbas dos diversos orçamentos.

Em contrario deste movimento económico e financeiro o rendimento collectavel permanece na matriz da nossa colónia completamente estacionario; e se é de suppor que elle na formação da matriz fosse calculado, como geral mente succede, muito inferior ao real, pode-se prever como actualmente está baixo e longe da verdade. Daqui advém um elevado prejuizo para o Thesouro Publico a que convém obviar, tanto mais que, na colonia, o rendimento dos prédios urbanos se aproxima de 10 por cento, e não ha o encargo do imposto de renda de casas vigente em Cabo Verde, Guiné, S. Thomé, Angola e Moçambique, e que, apesar de recair sobre os inquilinos, tem influencia sobre o rendimento dos predios.

Se na metropole, onde este rendimento raro é superior a 5 por cento, se procura accentuadamente extrahir dos prédios urbanos a legal e justa contribuição pelos processos mais aconselhados pela sciencia e methodo das finanças, com mais justa razão os mesmos principios se devem applicar á colónia onde a propriedade urbana usufrue mais ncontestaveis vantagens e onde o contribuinte é muito menos onerado. Para notar as vantagens fruidas pela propriedade urbana, basta observar que occupando a maioria dos predios cerca de 60 metros quadrados e custando cerca de 24 a 30 patacas o metro quadrado construido em dois pavimentos, as novas construcções teem um rendimento proximo de 10$000 réis (20 patacas) mensaes e que nos predios situados na Praia Grande e nos bairros commerciaes chinas a renda mensal se eleva a 25$000 e 30$000 réis, 50 e 60 patacas, não havendo na colónia prédio que pela sua insignificancia tenha rendimento inferior a 18$000 réis (36 patacas) annuaes.

E para se ajuizar do ónus que pesa sobre o contribuinte, é concludente a repartição per capita do imposto. Se subtrahirmos á receita total da provincia as rendas dos exclusivos dos jogos ou lotarias, os foros e rendas dos predios e bem assim todas as outras receitas que devem ser consideradas rendimentos próprios e que não tenham o caracter economico de tributo, o imposto per capita será de 5,93 patacas ou 3$000 réis, inferior ao menor da Europa que é de 24 francos, na Suissa.

Impõe-se consequentemente a formação de um novo cadastro; mas o processo estatuido pelo decreto de 19 de março de 1893, que regulamenta a contribuição predial na colonia, não é o mais adequado em materia tributaria trabalhos d'esta natureza.

A inspecção directa, tendo por objecto a inscrição e descrição dos prédios executada por informadores-avaliadores, pessoal de menor categoria, de não curada instrucção, percebendo diminutos vencimentos, e geralmente dependentes de influencias locaes, não se coaduna com os interesses do Estado e origina frequentemente desigualdades nas avaliações, fazendo soffrer a justiça e a equidade. Por esse facto as nações mais adeantadas, que aos systemas tributarios dedicam o mais attento estudo, tomam por base do seu regime predial o cadastro geometrico.

Se no reino se tem adiado a sua execução porque as forças do Thesouro Publico se não teem harmonizado com tal emprehendimento, que exige avultada despesa, o mesmo não deve acontecer na colonia que, pelas suas exiguas dimensões, facilita e torna pouco dispendioso esse, a todos os respeitos, importantissimo trabalho, que por motivos de outra ordem é tambem considerado impreterivel.

Para obviar aos enunciados inconvenientes para a propriedade urbana, promulgaram-se, no reino, os decretos de 18 de março de 1893 e 29 de julho de 1899, que representam um avançado passo em materia predial; a sua adaptação á colonia, conforme a proposta formulada no officio n.° 9 de 24 de abril de 1903, seria ainda um incontestavel progresso que muito beneficiaria o thesouro provincial.

Por esse documento era proposto:

1.° Que fossem criadas na provincia commissões compostas de um official do exercito com o curso da arma, servindo de presidente, de um proprietario nomeado pelo Leal Senado dentro dos quarenta maiores contribuintes, de um conductor de obras publicas e de um empregado de fazenda, servindo de secretario, sem voto, a fim de

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procederem á inspecção directa, avaliação e revisão de matrizes da propriedade urbana e rustica da provincia;

2.° Que os resultados das inspecções directas e avaliações obtidos pela commissão fossem enviados ao escrivão de fazenda para todos os effeitos legaes, servindo de base para a formação de novas matrizes;

3.° Que postas em vigor as matrizes da propriedade urbana, as avaliações que de futuro fossem necessarias pela modificação ou nova construcção de prédios, ficassem a cargo da Direcção das Obras Publicas, á qual o inspector de fazenda deveria requisitar annualmente esse serviço, fornecendo-lhe todos os esclarecimentos que aos escrivães de fazenda obrigatoriamente cumpre prestar;

4.° Que as descrições dos predios fossem acompanhadas em agrupamentos definidos de uma planta, limitando pelo menos a area occupada por cada um.

O seu objectivo traduzia-se na confecção do cadastro geometrico, de inadiavel necessidade, e na substituição das declarações dos informadores avaliadores pelos pareceres de uma commissão technica que, pela sua especial organização e exacto conhecimento da propriedade urbana, que lhe cumpria levantar, dava plena garantia de ser justa e equitativa, sem prejudicar os interesses da Fazenda Publica.

Ao mesmo fim visava a disposição que estatue sobre as futuras construcções ou reedificações, incumbindo o serviço respectivo á direcção das obras publicas que pelas qualidades que lhe são inherentes, é a mais apta para cabalmente se desempenhar dessa missão.

Não emprehendia a alludida proposta alterar o principio fundamental da lei, que estatue que a contribuição predial seja calculada sobre o rendimento collectavel determinado pela renda dos predios, embora fosse conhecido que outras soluções ha menos complicadas, de mais fácil applicação, e evitando principalmente abusos sempre prejudiciaes em materia fiscal.

Os methodos fundados na taxação por metro quadrado de superficie gozam d'essas vantagens.

N'estes systemas, os predios são divididos em agrupamentos, segundo a natureza dos seus materiaes e conforme o fim a que se destinam, e, pelo seu lado, as povoações são divididas em zonas segundo a importancia commercial, industrial ou as circunstancias peculiares a cada uma. A taxa por metro quadrado de area construida é funcção dos diversos agrupamentos e da zona em que o predio está situado, mas é constante para os predios em igualdade d'aquellas circunstancias. D'aqui deriva uma ideia geral de proporcionalidade sob o dominio de unico principio.

Em virtude das razões expostas propõe-se que a contribuição predial seja remodelada segundo as bases que acompanham esta proposta de lei e que merecerão, estou certo, a cuidada attenção do Parlamento.

Proposta de lei

Artigo 1.° A contribuição predial em Macau será remodelada segundo as bases annexas.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.

Secretaria de Estado dos Negocios da Marinha e Ultramar, em 21 de agosto de 1905. = Manoel Antonio Moreira Junior.

Bases a que se refere a proposta supra

1.ª

A contribuição predial será proporcional, não ao rendimento dos predios, mas á area dos terrenos que os constituem ou que elles cobrem; sendo os predios classificados em duas classes: incluindo uma as edificações, os terrenos por ellas cobertos, os annexos a edificios ou d'elles dependentes, como pateos, jardins, hortas, etc.; e os terrenos tomados de aforamento com a condição expressa de serem destinados para construcções; e a outra os terrenos não cobertos, nem destinados legalmente a serem cobertos por edificações. Considerar-se-hão pertencentes á ultima classe os terrenos cobertos por edificios accessorios de industrias agricolas que se exerçam nas parcelas de terreno onde estão situados.

Dentro de cada classe os predios grupar-se-hão em diversas ordens, conforme a sua situação nas differentes zonas em que a colonia for dividida.

Esta divisão, marcada pelo governo da provincia, terá em attenção a importancia commercial e todos os factores que possam valorizar a situação da propriedade. Dentro da 1.ª classe, e independentemente da sua ordem, os predios serão tambem classificados em grupos caracterizados pela natureza dos materiaes que se empregarem na sua construcção e o fim a que os mesmos predios são destinados.

2.ª

Os predios de 1.ª classe pagarão, conforme a respectiva tabella, uma taxa annual fixa por cada metro quadrado de terreno coberto ou por elle occupado, variando essa taxa segundo a ordem e o grupo a que o predio pertencer. Quando o edificio tiver mais de um pavimento, a taxa correspondente aos pavimentos superiores será uma fracção fixa da taxa tabular. A contribuição applicavel aos prédios de 2.ª classe consistirá numa taxa annual fixa, inscrita em tabellas, pôr 100 metros quadrados, ou por hectare d'esses predios, variando a taxa conforme a ordem a que o terreno pertencer.

3.ª

As matrizes da contribuição predial deverão conter sempre as seguintes indicações: nome do proprietario; local e confrontação do predio; medições do predio, descrição das construcções e dos terrenos que o constituem, com noticia dos materiaes empregados, e applicação d'elles e dos terrenos annexos; data e noticia da concessão originaria do terreno, indicação da classe, ordem e grupo a que o predio pertencer, e contribuição annual que sobre o predio dever recair.

4.ª

Servirão de subsidio para a formação da nova matriz: as actuaes matrizes da contribuição predial; a planta cadastral da provincia, que se deve mandar organizar; os registos das concessões de terreno; os registos da conservatoria e as declarações dos proprietarios.

5.ª

Para a organização das novas matrizes prediaes, todos os proprietarios da provincia deverão enviar á Repartição de Fazenda as informações necessarias para que esses prédios sejam incluidos nas matrizes e classificados para o lançamento da contribuição. N'estas informações o proprietario indicará as medições das construcções e dos terrenos que constituem o predio, declarando a natureza dos materiaes de que as construcções são feitas e a applicação a que ellas e os terrenos são destinados, e bem assim o numero de pavimentos de cada edificio e a medição de cada pavimento. Sobre a falta de informação ou falsidade das declarações deverá recair pena pecuniaria.

6.ª

As novas matrizes serão revistas anuualmente, para n'ellas serem introduzidos os novos predios, e nellas se registarem as modificações que tenham soffrido os predios já anteriormente inscritos, quando essas modificações deverem influir na contribuição devida por elles.

7.ª

O governo da provincia deverá propor o regulamento necessario para a boa execução d'esta contribuição, facilitando ao contribuinte da contribuição predial, que tambem estiver sujeito ao pagamento da contribuição indus-

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74 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

trial de taxa fixa, o pagamento das duas contribuições por meio de uma só guia.

Secretaria de Estado dos Negocios da Marinha e Ultramar, em 21 de agosto de 1905. = Manoel Antonio Moreira Junior.

Numero de predios dos concelhos de Macau e da Taipa accusados no recenseamento de 1896

Concelho de Macau

[Ver tabela na imagem]

Concelho da Taipa

[Ver tabela na imagem]

Proposta de lei n.° 10-Z

Senhores.- O melhoramento das condições financeiras e económicas da India Portuguesa é um dever que se impõe a consideração dos Governos do país.

A nossa India, cuja historia regista os factos gloriosos de nossos antepassados, teve em eras já idas, infelizmente, um periodo aureo que depois pouco a pouco se desvaneceu, em virtude de causas varias e complexas, que a reduziram ao papel modesto que hoje -desempenha no nosso meio colonial, em luta com difficuldades que lhe impedem uma desafogada mediocridade.

São estas difficuldades exuberantemente provadas, desventuradamente, nos orçamentos da India Portuguesa, que desde annos accusam um déficit importante que tem de ser solvido com recursos estranhos.

Comprehende-se, pois, quanto importa extinguir, ou, pelo menos, reduzir este deficit a insignificantes proporções e para isso concorrerá a adopção de medidas tendentes a proporcionar o maximo aproveitamento da recursos que o solo indiano, apesar de pobre, pode offerecer, visto estar desde muito reconhecido que na labutação agricola reside a base essencial da prosperidade economica da India Portuguesa.

Um dos problemas de mais instante resolução é o das subsistencias. O arroz, artigo indispensavel á alimentação indigena, não se produz na nossa India em quantidade suficiente ás necessidades do consumo, o que obriga annualmente a uma importação consideravel, feita quasi na sua totalidade da India Britannica.

As estatisticas são assaz eloquentes na demonstração da gravidade desta questão. D'ellas se vê que no largo periodo que medeia desde 1879 até 1902-1903 a importação de arroz na India Portuguesa foi, em contos de réis, a seguinte:

[Ver tabela na imagem]

O que representa, em 22 annos, uma drenagem de réis 9.311:000$000, correspondendo a uma media animal de 423:000$000 réis, encargo importantissimo, ainda aggravado pelos cambios que oneram o pagamento deste producto nos mercados da India Britannica, onde não tem curso a moeda de prata nacional.

Para cobrir este enorme déficit, depara-se, em primeiro logar, o melhoramento dos processos culturaes, sendo para isso de efficaz auxilio, alem de quaesquer medidas de caracter administrativo que se julgue conveniente adoptar, os trabalhos de irrigação para tornar mais intensa a producção nos terrenos já em cultivo e nos que venham a ser empregados na cultura do arroz; a limpeza dos rios e a abertura de estradas para facilitar a commoda e economica circulação dos productos, e a propaganda official, intelligentemente exercida, para que, pelo ensino e pelo exemplo, cheguem ao conhecimento dos cultivadores os processos mais aperfeiçoados da cultura e as vantagens de utilizar os recursos que a industria moderna hoje offerece á agricultura, e especialmente aquelles que mais estejam ao alcance dos parcos recursos do agricultor indiano.

Por outro lado, é preciso promover e incitar o aproveitamento na cultura do arroz dos consideraveis tractos de terrenos incultos existentes nas Novas Conquistas que sejam susceptiveis de utilizar-se para tal fim, convindo não esquecer que pela rectificação dos principaes rios de Goa se poderão preparar, para serem concedidos, uns 1:000 hectares de terrenos de alluvião, formados em grande parte pela acção das correntes fluviaes, que recebem na India a denominação de "Sapaes" e são muito próprios para cultura, do arroz e do coqueiro.

Hoje que no territorio das Novas Conquistas mais a mais se vae accentuando a segurança da propriedade e dos individuos, torna-se successivamente mais facil a utilização dos seus terrenos incultos, sendo conveniente que, mercê de disposições apropriadas, seja attrahido capital para a sua exploração.

Chevilliard, no seu recente livro Les Colonies Anglaises, accentua que na India Britannica quasi que se não encontram grandes propriedades, estando as terras divididas em parcelas de 3 a 5 acres, systema este que, se permitte prestar melhores cuidados á cultura, tem tambem o inconveniente de difficultar melhoramentos que só uma grande exploração, possuindo capital, pode realizar, do que resulta ser apenas o Estado quem tem de supportar os encargos de taes melhoramentos de manifesta utilidade publica.

Mas nem todos os terrenos ainda incultos da India Portuguesa são próprios para arrozaes, o que deve incitar o seu aproveitamento em outras culturas. D'estas algumas ha que, por mais demoradas em produzir lucros conpensadores para os capitaes n'ellas empregados, exibirão o emprego de disposições especiaes que favoreçam aquelle aproveitamento.

Está, por exemplo, neste caso a cultura de palmares. O desenvolvimento de uma palmeira, até á sua plena frutificação, exige um periodo de cerca de 14 annos, affirmando o Dr. Julio Henriques que o coqueiro começa a produzir dos cinco para os seis annos, aumentando a sua producção até aos vinte annos: vê se, portanto, que o tratamento e repovoamento dos palmares só pode convir a um arrendatario que tenha a garantia de poder colher por um prazo sufficientemente longo o pleno fruto do seu trabalho e capital.

D'aqui resulta a necessidade de modificar-se a carta de lei de 9 de maio de 1901, sobre que assenta toda a nossa legislação relativa a concessões de terrenos no ultramar, de modo que as suas disposições referentes ao Estado da India, que apenas consideram a forma de concessão por arrendamento, durante vinte annos, dos predios rusticos, não contrariem a realização do desideratum acima exposto.

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SESSÃO.N.° 18 DE 21 DE AGOSTO DE 1905 75

Ha na India Portuguesa uma importantissima fonte de riqueza que, por mal aproveitada, não tem produzido as receitas de que é susceptivel.

Quero referir-me ás matas nacionaes de Goa e ás de Praganã-Nagar-Avely, no districto de Damão. Muito vasta, segundo a tradição, em épocas remotas, a extensão da aiva florestal da India foi-se successivamente restringindo, com a evolução social, á medida que a civilização progredia e mais ingentes se tornavam as necessidades da sua população: assim succedeu na velha Europa, na America e de igual modo se pratica em extensas regiões africanas.. Mas, em contrario do que devia ser, não mereceram os devidos cuidados as florestas remanescentes: abusos de toda a espécie, mais ou menos conscientemente tolerados, traduziram-se, quer em usurpações da area florestal, com-mettidas dolosamente pelos particulares, quer na abertura no seio das florestas, pela acção do fogo, de clareiras - cumerins - mais ou menos extensas, onde o indolente indigena, graças á adubação feita pelas cinzas das queimadas, realiza, com um minimo de trabalho, as suas culturas, quer, finalmente, numa exploração defeituosa que, para satisfazer interesses proprios, ou por ignorancia, destruia ricas e valiosas essencias.

Foram estas as causas principaes de definhamento e as caracteristicas que por largos aunos definiram o regime florestal da India Portuguesa, a despeito de diversas medidas promulgadas, mas mal cumpridas, e de variados relatorios e estudos feitos com as melhores intenções para regenerar uma riqueza bem credora de toda a consideração e desvelo.

Das devastações soffridas pelas matas da India teem resultado, alem do inconveniente de depreciar-se o seu valor, outras consequencias não menos funestas. Attribue-se fundamentadamente áquellas devastações as crises de fome recentemente occorridas, assim como se cita o abuso dos cumerins, transformando em escalvados os terrenos cobertos de frondosa arborização, o desapparecimento da vegetação florestal em grande parte da provincia de Pernem, outr'ora tão abundante, do que adveio, em prejuizo da hydrologia local, o assoreamento dos rios Chaporá e Tiracol.

Pode prever-se, de quanto fica exposto, que tem sido diminuto o rendimento das matas nacionaes da India. Assim o demonstram, com effeito, os seguintes dados:

As despesas fixadas para as matas da India desde 1899-1900 até 1902-1903 foram, segundo as respectivas tabellas:

[Ver tabela na imagem]

As receitas d'estas matas, nos mesmos annos, não incluindo o valor dos fornecimentos feitos ao Estado, foram:

[Ver tabela na imagem]

O rendimento foi portanto:

[Ver tabela na imagem]

Tem-se avaliado em cerca de 3:000 contos o valor das matas nacionaes de Goa e em igual quantia as do districto de Damão, mas é forçoso confessar que, especialmente para as matas de Goa e aparte certas areas florestaes, esta avaliação não assenta em base digna de confiança. Para que a riqueza florestal da India possa ser determinada com sufficiente exactidão é necessario definir e demarcar a area occupada pelas referidas matas, levantar as plantas perimetraes e parcelares, fazer um inventario consciencioso dai espécies vegetaes existentes em cada floresta e estudar cuidadosamente as condições em que se encontram. E preciso, numa palavra, fazer o cadastro nas matas, sem o qual não é possivel regular a gestão d'esta riqueza.

A este importantissimo serviço se está procedendo nestes ultimos annos, mas com uma lentidão que não é devida a menos zelo e actividade do funccionalismo que delle está encarregado, mas sim á falta de sufficientes recursos indispensaveis, e de varias ordens elles são, para dar-lhe o preciso desenvolvimento.

Com effeito, as tabellas actuaes de despesa do Estado da India consignam apenas para despesas diversas da secção de agrimensura a verba de 800$000 réis, sendo réis 200$000 para jornaes e serventes no campo, 200$000 réis para transportes em trabalhos de campo e 400$000 réis para compra de instrumentos e impressão de cartas. O pessoal de agrimensura compõe-se, alem do desenhador, de um director e quatro agrimensores de 2.ª classe. Com taes recursos não é possivel impulsionar devidamente o levantamento das plantas a que me referi, o que constituo um grave inconveniente, porquanto, sem se fixar rigorosamente a area florestal da India, é muito difficil evitar usurpações que redundam em consideraveis prejuizos para o Estado.

O inventario das matas da India deve ser confiado a individuo que tenha toda a competencia technica para desempenhar este serviço com o preciso rigor scientifico, visto como do exame feito ás espécies florestaes depende a orientação a seguir no seu tratamento futuro. Está naturalmente indicado para este serviço um engenheiro silvicultor, nacional ou estrangeiro, ao qual deverá ser depois confiada a direcção dos serviços de exploração com a coadjuvação de tantos auxiliares tambem technicos - regentes florestaes - quantos forem os grandes grupos ou circunscrições em que se dividir a area florestal. Não constitue esta orientação novidade alguma, por isso que ella se encontra traduzida na pratica em países coloniaes onde as florestas merecem toda a consideração dos respectivos Governos.

As medidas que ficam expostas exigem uma maior dotação nas verbas orçamentaes destinadas a serviços da repartição de agrimensura e da administração das matas; mas este aumento será largamente compensado pelos importantes acrescimos de proventos derivados de uma exploração racional e methodica das florestas da India Portuguesa.

Para a exploração das matas da India promulgaram-se dois regulamentos, ambos era vigor, sendo um, de 1897, applicavel ás matas de Praganã-Nagar-Avely, e outro, de 1899, referente ás matas de Goa.

Se é certo que ambos estes regulamentos tiveram em vista a regeneração e aproveitamento de uma importante fonte de receita, evitando abusos condemnados desde muito tempo, tambem não pode contestar-se que da sua rigorosa applicação resultará provavelmente o reconhecer se a necessidade de modificar, supprimir ou additar algumas das suas disposições para o fim da melhor utilização e fiscalização das referidas matas.

Por outro lado, quando á testa da administração distas ultimas esteja um funccionario com os predicados precisos para garantir ás matas processos de tratamento e exploração moldados nos melhores preceitos scientificos, é tambem de suppor que os citados regulamentos tenham

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de sofffrer alterações mais ou menos importantes que muito convém se não demorem, porque assim o exige a urgente necessidade de prover de remédio aos males que affrontam a nossa India, provenientes do regime defeituoso a que as suas matas teem estado sujeitas.

Creio haver por esta forma justificado a proposta de lei que tenho a honra de submetter á vossa apreciação, a qual visa essencialmente a modificar algumas disposições legaes em vigor para o fim de melhorar, sob dois importantes pontos de vista, as condições económicas e financeiras da India Portuguesa.

Proposta de lei

Artigo 1.° É o Governo autorizado a tomar as providencias que julgar convenientes para promover e incitar o desenvolvimento da agricultura e remodelar os serviços de exploração das matas nacionaes no Estado da India, nos termos das bases annexas a esta lei e que fazem parte integrante d'ella.

Art. 2.° O Governo dará opportunamente conta ás Cortes do uso que fizer d'esta autorização.

Art. 3.° Fica revogada a legislação em contrario.

Secretaria de Estado dos Negocios da Marinha e Ultramar, em 21 de agosto de 1905. = Manoel Antonio Moreira Junior.

Bases a que se refere a proposta supra

1.ª

Serão modificadas as disposições da carta de lei de 9 de maio de 1901, referentes a concessões de terrenos no Estado da India, no sentido de:

a) Promover e incitar o aproveitamento dos seus terrenos incultos pela applicação a arrozaes dos que forem proprios para esta especie de cultura, e utilizando os restantes nas culturas de que forem susceptiveis, preferindo-se as mais necessarias para consumo local e, depois, as mais rendosas;

b) Attrahir capitães á exploração dos terrenos incultos e, especialmente, daquelles que puderem ser utilizados em culturas que pela sua natureza exigem um mais largo periodo para remunerar sufficientemente o capital e trabalho n'ellas empregados;

c) Incitar os agricultores a aumentar a producção dos seus terrenos, adoptando, alem de outros meios que a sciencia aconselha, os recursos que a industria moderna faculta para tal fim, e cuja acquisição for mais compativel com os capitaes mais ou menos modestos de que aquelles puderem despender, e cuja utilidade lhes será demonstrada por uma efficaz propaganda e, quanto possivel, pelo exemplo.

2.ª

Emquanto se não concluir o cadastro das matas nacionaes do Estado da India, consignar-se-ha no respectivo

orçamento uma verba restrictameute indispensavel para activar a demarcação e o levantamento das plantas perimetraes e parcelares das referidas matas.

Parallelamente, deverá dar-se o necessario impulso á elaboração das suas respectivas monographias, organizadas pelo modo designado no modelo A, annexo ao regulamento para a administração das matas de Goa, approvado por decreto de 30 de novembro de 1899, sendo este serviço incumbido a um engenheiro silvicultor, coadjuvado pelo pessoal technico que for absolutamente necessario, incluindo se tambem no orçamento do Estado da India a verba sufficiente para o pagamento dos vencimentos deste pessoal e das demais despesas necessarias para este serviço.

Nas verbas acima indicadas comprehender-se-hão as que já se acham consignadas no orçamento do Estado da India para despesas com serviços da mesma especie.

3.ª

Proceder-se-ha a uma revisão do regulamento para a administração das matas de Goa approvado por decreto, com força de lei, de 30 de novembro de 1899, e do regulamento de serviço das matas da administração rural e florestal da Prnganã-Nagar-Avely, approvado por portaria do commissario régio do 1 de fevereiro de 1897, introduzindo-se-lhes quaesquer modificações que a pratica das suas diversas disposições tenha suggerido, e todas as alterações e additamentos que sejam julgados necessarios para o devido aproveitamento das riquezas florestaes e, bem assim, remodelar-se-hão os quadros do respectivo pessoal, attendendo-se a que a direcção superior de todos os serviços florestaes deve ser confiada a um engenheiro silvicultor, coadjuvado pelo pessoal technico que seja necessario para dirigir, sob as ordens d'aquelle engenheiro, os serviços de cada uma das circunscrições em que se julgue conveniente dividir a area florestal.

De acordo com o que fica exposto, serão modificados os artigos do orçamento do Estado da India referentes á administração das matas.

Secretaria de Estado dos Negocios da Marinha e Ultramar, em 21 de agosto de 1905. = Manoel Antonio Moreira Junior.

Proposta de lei n.° 10-AA

Senhores. - Macau occupa incontestavelmente uma invejavel posição entre as colonias portuguesas, porquanto apresenta successivos saldos orçamentaes que muito concorrem para a manutenção do nosso dominio ultramarino. Para o demonstrar é sufficiente consignar o balanço orçamental das nossas colónias nos ultimos annos economicos, em milhares de réis:

[Ver tabela na imagem]

O importante papel que Macau desempenha na economia colonial deriva da sua privilegiada posição geographica entre os dois grandes rios que servem a productiva e populosa região ao sul de Cantão.

Todo o país circunvizinho é tributario do commercio da nossa colonia e por isso o numero representativo do seu valor commercial attinge elevada cifra.

O relatorio da alfandega Malowchow, que unicamente consigna o movimento em juncos, accusa no anno de 1902 os seguintes numeros, convertidos em moeda portuguesa á razão de 750 réis por Haikwan tael.

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SESSÃO N.° 18 DE 21 DE AGOSTO DE 1905 77

Exportação de Macau para a China:

[Ver tabela na imagem]

Não inclue o mesmo relatorio os algarismos relativos ao commercio sob navegação a vapor: este porem deve ser superior ao commercio em juncos, como se deprehende dos elementos elaborados na capitania dos portos da provincia, relativos aos annos de 1899 e 1900 e convertidos em moeda portuguesa á razão de 500 réis por pataca.

[Ver tabela na imagem]

Estes algarismos, que denotam a superioridade do commercio sob a navegação a vapor, são baseados apenas nas simples declarações dos negociantes chinas, sempre propensos a diminuir o valor do seu commercio, declarações que não teem correctivo, porque Macau é porto franco. Presume-se que o commercio geral da colonia seja bastante superior ao que é manifestado pelas alfandegas, chinas como feito em juncos, calculando-se em vinte e cinco mil contos proximamente.

Em todas as nossas colónias, com excepção de Moçambique, o commercio não se aproxima de tão elevada cifra.

Deduz-se dos algarismos exarados que as relações commerciaes, em juncos, da provincia com a China, attingiram em 1902 a importancia de 8.979:000$000 réis; infelizmente não é possivel conhecer o valor exacto do commercio total com aquelle imperio por falta dos elementos relativos á navegação a vapor. Comtudo é interessante precisar que aquelle valor só de per si é proximamente igual ao commercio da Russia com a mesma nação, o qual, em 1902, foi traduzido nos seguintes algarismos:

[Ver tabela na imagem]

Das regiões do Extremo Oriente só o Japão, India e Hong-Kong teem commercio com a China em valor superior ao da nossa colonia; os outros países occupam posição subalterna, sendo as suas relações commerciaes traduzidas nos seguintes numeros:

[Ver tabela na imagem]

Mas a excellencia da posição geographica de Macau na região ao sul de Cantão e o seu valor commercial são bem evidenciados pelo estudo comparativo das relações commerciaes da nossa colónia e da colónia vizinha de Hong-Kong com a mesma região.

D'esse estudo deduz-se que o nosso commercio, em 1902, foi superior ao d'esta praça em 3:485 contos, apesar da extraordinaria quantidade de arroz que pela má colheita aquella colonia inglesa exportou para o imperio.

Um outro elemento pode lançar luz sobre o valor da colonia: é a frequencia da sua navegação.

Esse movimento, extrahido dos mappas elaborados na capitania dos portos, é representado pelos seguintes numeros:

[Ver tabela na imagem]

Da importancia commercial de Macau deriva a necessidade impreterivel de facilitar a expansão de todos os elementos de que depende o seu engrandecimento.

Em virtude das crescentes receitas com que os jogos teem contribuido para o thesouro da provincia, o que facilmente se deprehende pelo exame dos mappas annexos, pouco tem importado o aproveitamento dos factores económicos que são preponderantes no desenvolvimento de uma colónia que é um verdadeiro interposto commercial, e por isso esta provincia ultramarina tem vivido sob um regime fiscal menos adequado e estacionarias as receitas que d'aquelles adveem. Predomina na colónia o regime dos exclusivos: uns, como o do opio cozido, imposto por circunstancias criadas por convenções internacionaes; outros, como os dos jogos de azar, fantán, lotaria de Vae-seng e pacapio, determinados por circunstancias de ordem interna; e, finalmente, outros, como o exclusivo da venda do sal, do peixe, da venda da carne de porco, em cujo favor não milita circunstancia alguma de ordem administrativa ou economica, e que representam um obstáculo permanente ao desenvolvimento da industria e commercio da colonia.

O regime a que estos factores de riqueza d'aquella possessão tem estado sujeitos precisa ser alterado fundamente e a elle respeitam as considerações que seguem:

O exclusivo da venda de sal é exerculo segundo as clausulas do contrato celebrado pelo Governo da provincia em 23 de março de 1901 com os chinas de Ho-loo e Lu-kuong-u, devendo terminar o seu periodo de vigencia em 30 de junho de 1906.

Pelo teor desse contrato, o exclusivista tem o direito de conceder ou de negar licença a qualquer particular para negociar neste artigo, isto é, importá-lo, reexportá-lo e vende-lo por grosso ou a retalho, devendo unicamente exigir a taxa de 5% ad valorem sobre o sal que entrar na provincia.

As embarcações com carregamento d'este artigo são obrigadas a participar ao exclusivista a quantidade que transportam e a natureza da transacção que desejam effectuar; sem esta participação não é permittida a descarga ou trasbordo. O exclusivista tem o direito de fiscalização sobre o desembarque e pesagem da mercadoria.

Com estas regalias, o arrematante obriga-se a pagar ao Estado a renda annual de 30:600 patacas e a nunca exceder na venda os preços fixos no mesmo contrato.

O effeito immediato deste regime é um pesado onus que sobrecarrega o artigo. Os elementos estatisticos da capitania dos portos de Macau accusam, nos annos de 1899 e 1900, um commercio no valor de 77:711 e 64:869 patacas e, sendo, a receita cobrada, sob este titulo na im-

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portancia de 43:100 patacas, o sal soffreu um onus que lhe aumentou o preço no mercado em 55 e 66%.

Actualmente, que o rendimento do exclusivo é de 30:600 patacas, esse onus deve ser computado em 40% do seu valor natural.

A observação não seria digna de muita attençao se o sal fosse unicamente destinado ao consumo interno, em vista do diminuto valor da mercadoria; porem na sua maior parte o artigo é destinado á salga de peixe para exportação, que é uma industria importante da colónia e susceptivel de largo incremento.

O onus, abrangendo tambem o sal destinado a este fim especial, constitue um serio obstaculo á expansão da industria que, por todos os modos, convém facilitar.

Por esse motivo, diversas representações teem subido ao Governo de Sua Majestade e as estações competentes são unanimes em condemnar o regime actual.

Não é de boa politica económica que o sal destinado á salga, de peixe, ou á exportação e reexportação, supporte um pesado onus e, por esse motivo, o decreto de 1 de julho de 1882, que na metropole criou o imposto do sal, isentou do referido imposto o artigo destinado áquelles fins especiaes.

É uma orientação geral que não convém illudir com o objectivo de arrecadar magra receita. N'essa ordem de ideias se propõe a extincção do exclusivo da venda do sal, substituindo o por um imposto que pouco onera o artigo destinado ao consumo, e que é simplesmente estatistico para o destinado á salga de peixe e ao commercio de reexportação e trasbordo.

Se o exclusivo da venda do sal é de nocivos effeitos para o desenvolvimento da colonia, o exclusivo do peixe padece dos mesmos inconvenientes.

O exclusivo do peixe é regido pelo contrato lavrado em 26 de setembro de 1900 entre o Estado e o china Chi-Hong, e o seu periodo de vigencia termina em 30 de junho de 1911.

Segundo é expresso neste contrato, o exclusivista tem o direito de cobrar as taxas de 1 por cento ou 1,8 por cento ad valorem, conforme a especie do pescado, sobre toda e qualquer porção de peixe fresco ou salgado pescado nas aguas de Macau, ou trazido em embarcações de qualquer natureza que fundeiem no porto. As casas de commercio de peixe que negociarem em Macau sobre peixe armazenado fora de Macau pagarão igualmente ao exclusivista as taxas mencionadas, sendo obrigadas a dar diariamente uma participação exacta das transacções feitas no dia antecedente e a pagar tambem diariamente a devida taxa. As embarcações com carregamento de peixe não podem transaccionar, nem proceder ao desembarque, sem participar o peso aproximado e a qualidade de peixe que transportam.

Em virtude deste exclusivo o Estado cobra annualmente a receita de 27:750 patacas.

A simples enumeração das clausulas mais essenciaes do contrato põe em evidencia a apertada engrenagem em que se desenvolve este ramo de negocio, que constitue uma importantissima industria da colónia, como demonstram os seguintes algarismos representativos da importação de peixe salgado na China, em juncos, pela alfandega de Malowchow, na sua quasi totalidade procedente de Macau:

[Ver tabela na imagem]

Sendo neste ultimo anno (1902) a discriminação por procedencias traduzida pelos seguintes numeros:

De Macau, 14:569 toneladas no valor de 1.138:252$500
De Hong-Kong, 7 toneladas no valor de 552$750

Não se conhece a quantidade nem o valor do peixe fresco e salgado consumido na colonia; mas nSo é um exagero attribuir-lhe a importancia de 500:000 patacas ou 250:000$000 réis em uma população de cerca de 100:000 habitantes, para a qual o peixe constitue uma das bases de alimentação.

Seria superfluo accentuar a situação vexatoria em que está collocada a industria e o commercio do peixe: o succinto extracto do contrato bem o denota.

Na colonia, se o imposto regulamentado não representa um pesado ónus, a subordinação immediata e rigorosa em que o negociante está, perante o exclusivista, constitue um forte obstaculo á expansão da industria, obstáculo que convém e é urgente eliminar.

Por esse motivo se propõe a extincção do actual exclusivo, substituindo-o pela industria e commercio livre com um imposto de 2 por cento ad valorem sobre o pescado e o imposto estatistico de 1 por mil ad valorem sobre o peixe exportado.

Os rendimentos publicos não serão lesados, pois que, tomando para base o ultimo anno de 1902 e computando o consumo interno em 250:000$000 réis, a receita cobrada seria de:

[Ver tabela na imagem]

Ou cêrca de 58:000 patacas, isto é, a receita que actualmente produzem os exclusivos reunidos do sal e do peixe.

O contrato termina porem em 1911, é necessario, pois, que o Governo seja autorizado a providenciar para obter, sem prejuizo para o Estado, a sua extincção em época menos afastada.

Com os mesmos inconvenientes do exclusivo da venda do sal e do peixe, vigora em Macau o exclusivo da venda de carne de porco.
O commercio do gado suino é subordinado em Macau ao contrato de 2 de março de 1902 e, na restante colónia, ao de 31 de março do mesmo anno, terminando o periodo de vigencia em 30 de junho do corrente anno.

Pelos termos do contrato, o exclusivista recebe pela venda de cada cabeça 8 condorius (60 réis), se o animal for importado por mar, e 6 condorins (45 réis), se a importação se efiectuar por terra, alem de 3,3 por cento ad valorem pela importação do mesmo gado. No acto da matança o exclusivista recebe ainda 150 ou 90 réis, conforme o peso do animal, e paga á camara municipal 25 réis, tendo o direito de reter os redenhos gordurosos, á razão de 1 pataca ou 500 réis por 18 cates (10k,800). O exclusivista pode ainda receber consignações para venda de gado, limitando a 6 por cento a percentagem de agencia.

Para os effeitos do contrato, considera-se realizada uma venda logo que os animaes importados por mar sejam desembarcados ou baldeados para outra embarcação; e os chefes das embarcações não poderão desembarcar gado sem o communicar ao exclusivista. Por estas regalias este paga ao Estado a importancia de 27:560 patacas.

Como se deprehende das clausulas essenciaes que ficam exaradas, este negocio está embaraçado por um grande numero de obstáculos fiscaes que não lhe facilitam o seu desenvolvimento, e por isso todo o gado importado é destinado a ser abatido para o consumo interno, como o demonstram os seguintes numeros:

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SESSÃO N.° 18 DE 21 DE AGOSTO DE 1905 79

Gado exportado por Malowchow (sendo o seu principal destino Macau):

[Ver tabela na imagem]

Gado abatido no matadouro da cidade de Macau:

[Ver tabela na imagem]

O commercio externo é seriamente prejudicado pelo actual regime, que, não obstante os diversos onus que faz recair sobre o gado, ainda considera realizada uma venda logo que haja uma operação de trasbordo.

Considerado como inacceitavel e improprio para o desenvolvimento deste ramo de negocio, propõe-se a extincção do exclusivo, sendo substituido por uma taxa de réis por este, ou 600 grammas, no acto da matança, e um imposto estatistico de 50 réis por cabeça na importação.

Accusando as estatisticas um peso médio de 100 cates por animal e tendo em conta a percentagem de 20 por cento isenta de pagamento, cada animal abatido renderá para o Estado cerca de 370 réis, o que produzirá receita superior á que actualmente se cobra.

O commercio interno embolsará os lucros actualmente arrecadados pelo exclusivista e o commercio externo, ape nas onerado em 0,8 por cento ou 0,66 ad valorem, pois que o preço do gado oscilla entre 13 e 15 patacas, poderá desenvolver-se livremente, se for approvada a seguinte

Proposta de lei

Artigo 1.° O regime dos exclusivos da venda do sal, do peixe e da venda da carne de porco deverá terminar com os actuaes contratos, devendo o respectivo commercio passar a fazer-se livremente na colonia de Macau, nos termos das bases annexas a esta lei.

Art. 2.° É revogado o § 4.° do artigo 90.° do decreto de 30 de dezembro de 1887 na parte relativa ás lojas de venda de sal, peixe e carne de porco. Estes estabelecimentos pagarão as taxas fixadas nos termos do § unico do artigo 95.º do mesmo decreto. As casas que unicamente fizerem negocio de exportação são isentas do pagamento d'estas taxas.

Art. 3.° Fica revogada a legislação em contrario.

Secretaria de Estado dos Negocios da Marinha e Ultramar, em 21 de agosto de 1905. = Manoel Antonio Moreira Junior.

Bases annexas a que se refere a proposta de lei

1.ª

O sal procedente de territorio estrangeiro e importado em Macau, Taipa e Coloane pagará o imposto de 2 réis por kilogramma na occasião do seu desembarque, ou á entrada em territorio nacional.

2.ª

É isento do imposto a que se refere a base antecedente, devendo unicamente pagar a taxa estatistica de 0,5 réis por kilogramma, o sal de inferior qualidade destinado á salga de peixe para exportação, o sal destinado ao commercio de reexportação, e o sal que apenas soffrer transbordo nos portos da provincia.

3.ª

O sal destinado á salga de peixe será depositado em local indicado pelo Governo da provincia e sob a immediata vigilancia da autoridade.

O sal destinado a reexportação será convenientemente depositado pela forma indicada em regulamento especial.

4.ª

Todo o pescado, quer de agua doce quer do mar, fresco, seco ou salgado, pagará de imposto, á entrada em Macau, Taipa e Coloane, a taxa de 2 por cento ad valorem, segundo a forma que será estabelecida no respectivo regulamento.

5.ª

Quando for impossivel a cobrança immediata do imposto por falta de pagamento do producto da venda pelos compradores (no caso de abundancia), será permittida a sua liquidação mensal aos commandantes das embarcações, quando prestarem fiança idonea.

6.ª

Será permittido o pagamento dó imposto por meio de avença, pelo prazo-de um anno económico, mediante fiança prestada pelo avençado, sendo a avença paga em prestações mensaes.

7.ª

O pescado que houver pago o respectivo imposto em um dos portos da provincia fica isento de novo pagamento de entrada.

8.ª

O pescado de qualquer natureza ou espécie, exportado para fora da provincia, pagará o imposto estatistico de 1 por 1:000 ad valorem.

9.ª

As embarcações de pesca continuarão isentas do pagamento das licenças a que se refere o regulamento de 19 de janeiro de 1887.

10.ª

A importação de gado suino, procedente de territorio estrangeiro, em Macau, Taipa e Coloane, está sujeita á taxa estatistica de 50 réis por cabeça, quer a importação se effectue por mar quer por terra.

11.ª

O gado suino, abatido em matadouros publicos ou fora d'elles, deverá pagar a taxa de 4 réis por cate, sendo isentos d'esta imposição os intestinos do gado suino, que podem ser computados em 20 por cento de peso vivo.

12.ª

As camaras municipaes poderão avençar-se com a Fazenda Publica para a cobrança unica e exclusiva do imposto de matança.

13.ª

É o Governo autorizado a rescindir, sendo possivel sem preciavel prejuizo para o Estado, os actuaes contratos por maneira a entrar em vigor em 1 de janeiro de 1906 o regime proposto.

Caso a rescisão se não possa effectuar nos termos referidos, irá sendo posto o regime que desta proposta de lei provém, á medida que sejam extinctos os contratos vigentes.

14.ª

O Governo da provincia deverá propor os regulamentos necessarios para a boa e efficaz fiscalização d'estes impostos.

Secretaria de Estado dos Negocios da Marinha e Ultramar, em 21 de agosto de 1905. = Manoel Antonio Moreira Junior.

Foram enviadas ás commissdes respectivas.

O REDACTOR = Sergio de Castro.

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