O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Página 1

CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

19.ª SESSÃO

EM 22 DE AGOSTO DE 1905

SUMMARIO. - Lida e approvada a acta, dá-se conta do expediente, que consta de dois officios. - O Sr. Presidente propõe e a camara approva um voto de sentimento pelo fallecimento do antigo Sr. Deputado J. Antonio de Carvalho. - Os Srs. Ministro da Justiça (Arthur Montenegro) e Ministro das Obras Publicas (D. João de Alarcão) lêem e mandara para a mesa propostas de lei.- Os Srs. Alberto Navarro, Martins de Carvalho e Ferreira de Lemos mandam para a mesa avisos previos ao Sr. Ministro do Reino (Eduardo José Coelho). - O Sr. Paulo Cancella e Ferreira de Lemos apresentam requerimentos. - O Sr. Rodrigues Nogueira propõe e a Camara approva a aggregação de oito Srs. Deputados á commissão do ultramar.

Na ordem do dia falam sobre o incidente da crise ministerial os Srs. Antonio Cabral, João Franco, Presidente do Conselho (José Luciano de Castro) e João Pinto dos Santos. - A Camara recusa a palavra ao Sr. Queiroz Ribeiro que a pedira para explicações.

Página 2

2 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Presidencia do Exmo. Sr. Libanio Antonio Fialho Gomes (Vice-Presidente)

Secretarios os Exmos. Srs.:

Conde de Agueda
Gaspar de Abreu de Lima

Primeira chamada - Ás 2 1/2 horas da tarde.

Presentes - 10 Srs. Deputados.

Segunda chamada - Ás 3 horas da tarde.

Presentes - 67 Srs. Deputados.

São os seguintes: Albino Augusto Pacheco, Alfredo Carlos Le Cocq, Alfredo Pereira, Alvaro da Silva Simões, Antonio Augusto Pereira Cardoso, Antonio Augusto Pires de Lima, Antonio Ferreira Cabral Paes do Amaral, Antonio Maria de Carvalho de Almeida Serra, Antonio Maria Dias Pereira Chaves Mazziotti, Antonio Rodrigues da Costa Silveira, Antonio Rodrigues Nogueira, Antonio Rodrigues Ribeiro, Antonio de Sousa Athayde Pavão, Antonio Tavares Festas, Arthur Pinto de Miranda Montenegro, Augusto de Castro Sampaio Côrte Real, Carlos Augusto Ferreira, Conde de Agueda, Conde do Alto Mearim, Conde de Carcavellos, Conde de Siicena, Diogo Domingues Peres, Duarte Gustavo de Roboredo de Sampaio e Mello, Fernando Augusto Miranda Martins de Carvalho, Francisco Limpo de Lacerda Ravasco, Francisco Miranda da Costa Lobo, Francisco Xavier da Silva Telles, Gaspar de Abreu de Lima, Henrique Carlos de Carvalho Kendall, João Alberto Pereira de Azevedo Neves, João Baptista Ribeiro Coelho, João da Costa Santiago do Carvalho e Sousa, João Ferreira Franco Pinto Castello Branco, João Joaquim Izidro dos Reis, João José Sinel de Cordes, João Pinto Rodrigues dos Santos, João Serras Conceição, João de Sousa Bandeira, João de Sousa Tavares, Joaquim José Cerqueira, Joaquim José Pimenta Tello, Joaquim Pedro Martins, Jorge Guedes Gavicho, José Antonio Alves Ferreira de Lemos Junior, José Augusto de Lemos Peixoto, José Augusto Moreira de Almeida, José da Cruz Caldeira, José Ferreira de Sousa Junior, José Maria de Oliveira Mattos, José Mathias Nunes, José Paulo Monteiro Cancella, José Simões de Oliveira Martins, José Vicente Madeira, Julio Dantas, Libanio Antonio Fialho Gomes, Lourenço Caldeira da Gama Lobo Cayolla, Luciano Affonso da Silva Monteiro, Luiz Eugenio Leitão, Luiz Vaz de Carvalho Crespo, Manoel Telles de Vasconcellos, Miguel Pereira Coutinho (D.), Ovidio de Alpoim de Cerqueira Borges Cabral, Pedro Doria Nazareth, Visconde do Ameal, Visconde das Arcas, Visconde de Guilhomil, Visconde da Ribeira Brava.

Entraram durante a sessão os Srs.: Abel da Cunha Abreu Brandão, Abel Pereira de Andrade, Adriano Anthero de Sousa Pinto, Alberto de Castro Pereira de Almeida Navarro, Alexandre Proença de Almeida Garrett, Alfredo Cesar Brandão, Antonio Alberto Charula Pessanha, Antonio Caetano de Abreu Freire Egas Moniz, Antonio Cassiano Pereira de Sousa Neves, Antonio Centeno, Antonio José Garcia Guerreiro, Antonio José Gomes Lima, Antonio de Sousa Horta Sarmento Osorio, Augusto Cesar Claro da Ricca, Augusto Faustino dos Santos Crespo, Bernardo de Alpoim de Cerqueira Borges Cabral, Clemente Joaquim dos Santos Pinto, Conde de Castro e Solla, Conde de Paçô-Vieira, Conde de Penha Garcia, Eduardo Fernandes de Oliveira, Eduardo Frederico Schwalbach Lucci, Eduardo Valerio Augusto Villaça, Emygdio Lino da Silva Junior, Ernesto Julio de Carvalho e Vasconcellos, Eusebio David Nunes da Silva, Fernando de Sousa Botelho e Mello (D.), Francisco Pessanha Vilhegas do Casal, Francisco Xavier Cabral de Oliveira Moncada, Francisco Xavier Correia Mendes, Frederico Alexandrino Garcia Ramirez, Gaspar de Queiroz Ribeiro de Almeida e Vasconcellos, Henrique de Carvalho Nunes da Silva Anachoreta, João Augusto Pereira, João Catanho de Menezes, João Maria Cerqueira Machado, João Monteiro Vieira de Castro, José Affonso Baeta Neves, José Alberto da Costa Fortuna Rosado, José Cabral Correia do Amaral, José Christovam Patrocinio de S. Francisco Xavier Pinto, José Coelho da Motta Prego, José Gonçalves Pereira dos Santos, José Joaquim Mendes Leal, José Joaquim de Sousa Cavalheiro, José Maria de Oliveira Simões, José Maria Pereira de Lima, José Osorio da Gama e Castro, José Vieira da Silva Guimarães, Luiz Filippe de Castro (D.), Luiz Maria de Sousa Horta e Costa, Luiz Pizarro da Cunha de Porto Carrero (D.), Manoel Antonio Moreira Junior, Manoel Francisco de Vargas, Manoel Joaquim Fratel, Mario Augusto de Miranda Monteiro, Matheus Teixeira de Azevedo, Miguel Antonio da Silveira, Paulo de Barros Pinto Osorio, Raul Correia de Bettencourt Furtado, Rodrigo Affonso Pequito, Sertorio do Monte Pereira, Thomaz de Almeida Manoel de Vilhena (D.), Visconde de Pedralva, Visconde da Torre, Zeferino Candido Falcão Pacheco.

Não compareceram a sessão os Srs.: Anselmo de Assis Andrade, Antonio Alves Pereira de Mattos, Antonio Faustino dos Santos Crespo, Antonio Homem de Gouveia, Antonio de Mattos Magalhães, Antonio Peixoto Correia, Antonio Simões dos Reis, Arthur da Costa Sousa Pinto Basto, Augusto Guilherme Botelho de Sousa, Conde da Ribeira Grande (D. Vicente), Eduardo Burnay, Francisco Joaquim Fernandes, Gil de Mont'Alverne de Sequeira, Joaquim,Augusto Ferreira Fonseca, Joaquim Hilario Pereira Alves, José Maria Queiroz Velloso, Julio Ernesto de Lima Duque, Luiz José Dias, Marianno Cyrillo de Carvalho, Marianno José da Silva Prezado, Vicente Rodrigues Monteiro.

Página 3

SESSÃO N.° 19 DE 22 DE AGOSTO DE 1905 3

ABERTURA DA SESSÃO - Ás 3 horas da tarde

Acta - Approvada.

EXPEDIENTE

Officios

Do Ministerio da Marinha, remettendo a synopse das providencias de natureza legislativa que, tendo sido julgadas urgentes, foram promulgadas por aquelle Ministerio, desde maio a julho do corrente anno.

Para a secretaria.

Do Ministerio dos Negocios Estrangeiros, remettendo 120 exemplares da 1.ª parte do Livro Branco, relativa ao commercio de vinhos, para serem distribuidos pelos Srs. Deputados.

Para a secretaria.

O Sr. Presidente: - Cumpre-me participar á camara que falleceu hontem, em Porto de Mós, o Sr. João Antonio de Carvalho, antigo Deputado.

Decerto a camara quererá que na acta desta sessão se lance um voto de sentimento pela perda deste antigo parlamentar. (Muitos apoiados).

O Sr. Ministro da Justiça (Arthur Montenegro): - Em nome do Governo associo-me, com muito pesar, ao voto de sentimento que V. Exa. acaba de propor pelo fallecimento do nosso antigo collega.

O Sr. Antonio Cabral: - Associo-me tambem, em nome da maioria, á manifestação de pesar que V. Exa. acaba de propor pelo fallecimento do antigo Sr. Deputado João Antonio de Carvalho.

O Sr. Pereira dos Santos: - Em nome da minoria regeneradora associo-me igualmente ao voto de sentimento proposto pela presidencia. Tive o prazer de conhecer o finado, que militou durante alguns annos no partido regenerador.

O Sr. Martins de Carvalho: - Em nome do partido regenerador-liberal, associo-me tambem ao voto de sentimento.

O Sr. Presidente: - Em vista da manifestação da Camara, considero a minha proposta approvada. (Apoiados geraes).

O Sr. Ministro da Justiça (Arthur Montenegro): - Vou ter a honra de ler e mandar para a mesa duas propostas de lei, que teem por fim: reorganizar a magistratura judicial e alterar a constituição dos jurys criminal, civel e commercial.

(Leu).

Vão publicadas no fim da sessão.

O Sr. Ministro das Obras Publicas (D. João de Alarcão): - Vou ler e mandar para a mesa uma proposta de lei referente á construcção de bairros ou grupos de casas baratas para operarios e classes pobres, estabelecendo a concessão de terrenos, subsidios e isenções, quer por parte do Estado, quer pela das municipalidades, para serem levadas a effeito as referidas construcções.

(Leu).

Vae publicada na integra no fim da sessão.

O Sr. Presidente: - Os Srs. Deputados que tiverem papeis à apresentar podem mandá-los para a mesa.

O Sr. Alberto Navarro: - Mando para a mesa o seguinte

Aviso previo

Desejo interrogar o Sr. Ministro do Reino sobre os extraordinarios factos, attentatorios da liberdade e da lei, occorridos nas eleições municipaes de Bouças e Maia, nos tres actos eleitoraes a que ali se procedeu. = Alberto Navarro.

Mandou-se expedir.

O Sr. Martins de Carvalho: - Mando para a mesa o seguinte

Aviso previo

Renovo o aviso previo ao Sr. Ministro do Reino sobre a censura ao jornal O Mundo. = Fernando Martins de Carvalho.

Mandou-se expedir.

O Sr. Paulo Cancella: - Mando para a mesa o seguinte

Requerimento

Peço que me seja enviada a nota do numero de processos distribuidos na Relação de Ponta Delgada nos annos de 1902-1903, 1903-1904 e 1904-1900, agrupando-os segundo a sua natureza. = O Deputado, Paulo Cancella.

Mandou se expedir.

O Sr. Ferreira de Lemos: - Mando para a mesa o seguinte

Aviso previo

Desejo interrogar o Sr. Ministro do Reino sobre o adiamento da eleição da Misericordia de Santo Thyrso, ordenado pelo Sr. governador civil e que devia realizar-se na epoca expressamente determinada pelo compromisso que rege aquella irmandade. = José Ferreira de Lemos Junior.

Apresento tambem os seguintes

Requerimentos

Ao Ministerio da Fazenda:

Requeiro que, pela Direcção Geral das Contribuições Directas, me seja fornecida nota de todos os estabelecimentos para banhos de aguas minero-medicinaes, insertos nas matrizes industriaes organizadas para o lançamento da contribuição do corrente anno de 1905 nos concelhos do districto do Porto, designando-se o nome do contribuinte e se o estabelecimento é de grande ou de pequena escala.

Requeiro que, pela Direcção Geral das Contribuições Directas, me seja fornecida uma relação de todos os empregados que se acham ausentes dos seus respectivos logares e das repartições a que pertencem, indicando-se o motivo da ausencia, o serviço que prestam e em que repartição. = José Ferreira de Lemos.

Mandaram-se expedir.

O Sr. Rodrigues Nogueira: - Por parte da commissão do ultramar, mando para a mesa e peço que seja considerada urgente a seguinte:

Proposta

Proponho para serem aggregados á commissão do ultramar os Srs. Deputados:

Alfredo Pereira.
João Alberto Pereira de Azevedo Neves.

Página 4

4 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Sertorio de Monte Pereira.
Ernesto Julio de Carvalho e Vasconcellos.
Joaquim Augusto Ferreira da Fonseca.
Joaquim Hilario Pereira Alves.
José Christovam Patrocinio de S. Francisco Xavier
Pinto Abel da Cunha Abreu Brandão.
A. R. Nogueira.

Julgada urgente, foi em seguida approvada.

ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Vae proseguir a discussão do incidente que ficou pendente na sessão anterior, continuando com a palavra o Sr. Antonio Cabral.

O Sr. Antonio Cabral: - Sr. Presidente: pouco tempo tomarei á Camara, que deve já estar cansada de me haver ouvido hontem (Não apoiados), e desejosa de ouvir outros oradores de voz mais auctorizada e eloquente.

O Sr. Presidente do Conselho já aqui fez, com toda a clareza, a narração dos factos que deram logar á crise politica de que nos temos occupado; desnecessario, portanto, será repetir o que S. Exa. aqui disse com toda a auctoridade da sua posição e da sua palavra.

Saiu dos Conselhos da Coroa o Sr. Conselheiro José de Alpoim, Ministro da Justiça, e entrou em substituição de S. Exa. o Sr. Conselheiro Arthur Montenegro, que occupava n'esta Camara, com toda a dignidade e distincção, o logar de leader da maioria.

Antes de mim já outros oradores deste lado da Camara disseram com quanto sentimento nos vimos sair dos Conselhos da Coroa o Sr. Alpoim, parlamentar illustre, tribuno eloquentissimo, cuja palavra máscula todos nos admiravamos, um jornalista distinctissimo de penna vernacula elegantissima, porque S. Exa. é inquestionavelmente uma figura de destaque não só no partido progressista, como no nosso meio politico. (Apoiados). Foi por isso que o partido progressista viu com profundo sentimento sair dos Conselhos da Coroa o Sr. Conselheiro Alpoim. (Apoiados).

Mas, Sr. Presidente, não foi por culpa do partido progressista, nem da maioria desta Camara que S. Exa. abandonou os Conselhos da Coroa. Em substituição de S. Exa. foi nomeado Ministro da Justiça o Sr. Conselheiro Montenegro, com cuja amizade ha muito tempo me honro, tendo eu muitissimo prazer em dizer que vejo o Sr. Conselheiro Montenegro occupar o logar que desde ha muito lhe pertencia por direito de conquista. (Apoiados}. E, disse-o ainda hontem o Sr. Conde de Penha Garcia no seu elegantissimo discurso, o Sr. Conselheiro Montenegro subiu aos Conselhos da Coroa sem atropelar ninguem, porque conquistou o seu logar passo a passo, estudando e discutindo as questões com aquella elevação e sobriedade que é propria de um homem de verdadeiro merecimento. (Apoiados).

Todo o paiz conhece o Sr. Conselheiro Montenegro desde que S. Exa. depois de um curso brilhantissimo, occupou a sua cathedra de lente da Universidade, ensinando com aquelle conhecimento da sciencia juridica que S. Exa. conquistou em largos dias e noites de estudo e de trabalho.

Toda a Camara conhece, de ha largo tempo, o Sr. Conselheiro Montenegro e eu folgo de dirigir a S. Exa. pessoalmente e em nome da maioria progressista as minhas felicitações cordiaes, sinceras e dedicadas não só de correligionario que o estima, mas de amigo que o respeita e tem pelo seu talento e pelo seu caracter a maior admiração.

O Sr. Conselheiro Montenegro occupou o logar a que tinha direito incontestavel, que conquistou pelo seu caracter, pelo seu estudo, pela sua dedicação ao chefe do seu partido. (Muitos apoiados).

Com referencia ao procedimento da illustre commissão de fazenda, não quero entrar em apreciações sobre elle. Não tenho a honra de fazer parte d'essa commissão, não assisti, portanto, ás suas sessões em que se deram os acontecimentos que foram aqui referidos e d'elles sei apenas o que foi referido na Camara por um dos seus membros.

Ha porém um facto que não vi ainda frisado na Camara e que, desde que tive conhecimento d'elle, me poz logo de sobre aviso e suspeitoso, por não ser vulgar: a decisão, tomada logo na primeira sessão, de não aggregar ou não querer aggregar de nenhum outro Deputado alem dos que haviam sido eleitos membros d'ella.

E este um facto que eu quero pôr em relevo, sem lhe fazer commentarios, mas para que a Camara veja que havia, pelo menos, um parti-pris da parte da maioria d'essa commissão e alguma cousa se preparava ou delineava de anormal.

Queria a maioria da illustre commissão de fazenda que o Governo fizesse o contrato dos tabacos, mas separando as duas operações - conversão e concessão do exclusivo.

O nobre Presidente do Conselho já disse - e parece-me que tambem o disse o illustre Ministro da Fazenda - que o Governo igualmente queria, coherente com os principios estabelecidos e defendidos na opposição, que as duas operações se fizessem separadamente; tentou mesmo faze-lo; empregou para isso todos os esforços.

Onde está, portanto, a incoherencia do Governo, que tentou, quando subiu aos Conselhos da Coroa, seguir pelo caminho que tinha traçado, mas que encontrou taes difficuldades, que não pode deixar de desistir das ideias e principies que anteriormente tinha sustentado?

É evidente, Sr. Presidente, que o Governo tinha todo o desejo de fazer a separação das duas operações, mas não o pode conseguir, e eu vou dizer á Camara a razão d'este facto.

Dada a separação das duas operações, a da conversão e a do exclusivo, havia de começar-se ou pela conversão ou pela adjudicação. Supponhamos que se começava pela conversão das obrigações dos tabacos.

N'esse caso o Governo encontrava-se logo com a difficuldade de não encontrar preço acceitavel, porque os grupos financeiros que desejavam fazer a operação queriam primeiro saber qual era a forma adoptada pelo Governo para a adjudicação do exclusivo, o que não é para estranhar visto que o rendimento dos tabacos é que é a garantia da conversão.

Admittindo mesmo que o Governo adjudicasse o exclusivo nas condições do contrato vigente, os grupos financeiros ainda assim podiam não ficar satisfeitos, porque não sabiam se a administração seria garantia suficientemente segura.

Foi isto o que succedeu. Foi isto que obrigou o Governo a pôr de parte a ideia da separação das duas operações;

É certo que appareceu a proposta americana que tomava o empréstimo de dois milhões sem querer saber qual a forma da adjudicação. O preço offerecido nessa proposta era muito inferior áquelle por que se tinha contratado. Alem disso, Sr. Presidente, a casa americana reservou para mais tarde o accordo sobre aã condições de garantia.

Quaes eram essas condições? O que haveria atrás disso? É necessario que saibamos que tudo o que se diz, quer seja dos bancos da opposição, quer seja do lado da maioria, e o que os jornaes dizem lá fora, não tem um forte sentimento de responsabilidade, porque não ha o conhecimento profundo das varias circumstancias que occorrem, e, também, quem não passa pelos Conselhos da Coroa não pode avaliar as dificuldades que tem de vencer um Ministro quando tem que negociar com um grupo financeiro para levar a cabo qualquer negociação. Por isso não podia o Governo acceitar essa proposta, e

Página 5

SESSÃO N.° 19 DE 22 DE AGOSTO DE 1905 5

alem disso essa proposta dava um empréstimo, mas não fazia a conversão e alem disso deixava de pé as difficuldades.

É preciso ter tambem isto em linha de conta para se ver que, apesar da proposta da casa americana, não se podia fazer com ella o contrato.

Vamos a ver agora outro aspecto da questão; e isto muito rapidamente e sem querer discutir a dos tabacos, tenho de me referir a ella, por se acharem unidas ambas.

Suppondo que se fazia a adjudicação em concurso, como foi defendido e pugnado do alto de todas as tribunas, o resultado qual seria?

Como é sabido, a Companhia dos Tabacos tem o direito de opção.

Não apparecendo concorrente, acceitando-se a proposta da Companhia dos Phosphoros tinha logo a Companhia dos Tabacos um lucro de muitos contos de réis.

Mas ainda ha mais.

É muito natural que não apparecesse outro concorrente alem desse, porque durante muitos meses não appareceu outro concorrente e a companhia não usava do direito de opção.

O que succederia?

Succederia que o Governo teria de reembolsar as obrigações dos tabacos em circulação, porque sem esse reembolso não podia tomar posse do exclusivo.

Desde o momento que apparecesse outro concorrente e o concessionario não usasse do direito de opção, o Governo tinha de reembolsar as obrigações dos tabacos em circulação, e não podia neste caso tomar posse do exclusivo, e nesta hypothese succedia que o Governo, apertado pelas circumstancias, ficava á mercê de um syndicato de um grupo financeiro; e, senão quizesse acceitar as condições impostas, tinha de dar indemnização ao concessionario, que não seria pequena, e, mais ainda: se os concorrentes se entendessem e o concurso ficasse deserto, em que situação, ficaria o Governo?

É necessario que nós notemos uma cousa, é que os estadistas teem muitas vezes, senão a maior parte d'ellas, de attender ás circumstancias e aos factos que vão apparecendo, e quantas vezes seguem por caminho diverso d'aquelle que porventura desejariam seguir. Mas, suppondo ainda outra hypothese: o concessionario ficava com o exclusivo. Que interesse teria elle depois de concorrer á conversão? Não tinha interesse nenhum, desde o momento que lhe ficava adjudicado o exclusivo, era-lhe indifferente a outra operação; e quando se discutir o contrato dos tabacos, que o ha de ser largamente, se dirá a razão por que não se podia fazer a separação das duas operações como a illustre maioria da commissão de fazenda tanto ambicionava.

Mas, pergunto eu, contratou ou não o Governo em condições superiores a toda a expectativa? Contratou, sem duvida alguma. (Apoiados).

Com respeito á conversão o preço das obrigações foi superior a tudo quanto se esperava; com respeito ao exclusivo, a renda fixa de 6.000:000$000 réis é incontestavelmente superior a tudo quanto seria de prever. (Apoiados).

O meu illustre amigo Sr. Centeno disse que o contrato dos tabacos era tudo quanto ha de mais pernicioso; que as emendas que lhe foram feitas ainda mais o prejudicavam. Nós havemos de ver isso, e então saberemos se elle é ou não pernicioso aos interesses do Estado, e que se por acaso havia algum Governo que melhor contratasse, - porque é preciso que se note, e o, Sr. Conde Penha Garcia disse-o hontem, - que o Governo não está livre de qualquer peso; porque, como todos sabem, o Governo obrigou-se a negociar nas condições que todo o paiz conhece; não fez o que podia fazer qualquer individuo, que vae livremente ao mercado realizar uma operação financeira livre de qualquer peia e difficuldades; porque é conhecida a crise que pesa sobre o paiz desde 1891.

O contrato disse eu e diz este lado da Camara: é bom.

Poderia ser melhor? Não sei; mas nas condições do nosso paiz e do nosso Thesouro parece-me que não o podia ser, e estou certo que isto ha de ser demonstrado á evidencia perante a Camara e o paiz, não só pelos membros do Governo, mas tambem pela maioria parlamentar, que hão de defender esta operação financeira como sendo a mais vantajosa que se tem feito nos ultimos annos.

Permitta-me a camara que eu fale por mim. Não sou por qualquer companhia, nem pela dos phosphoros, nem pela dos tabacos; eu não defendo interesses particulares, seja de quem for; não pertenço, mercê de Deus, a companhias, nem a syndicatos, e seria incapaz de pôr a minha palavra ao serviço destas causas, que porventura estivessem em jogo, e não fossem em harmonia com os interesses do Estado e a bem do paiz. (Muitos apoiados).

Teem falado muito nesta questão em homens de bem. De acordo, eu respeito a todos; mas se ha homens de bem que atacam o contrato dos tabacos - tambem ha homens de bem que o defendem. (Muitos apoiados).

N'este lado da Camara não ha nada secreto nem sequer obscuro. Neste contrato não ha pensamento ou disposição secreta, não ha absolutamente nada que não possa vir á discussão, que não possa ser examinado em plena luz; tudo na de ser discutido.

Ninguem era capaz de vir aqui defender interesses menos dignos; faço justiça a todos os homens publicos do meu paiz; nenhum aqui viria defender interesses particulares, porque todos nós precisamos de defender os interesses do Thesouro e os da nossa patria. (Muitos apoiados).

Para que estamos todos os dias com ataques, se não directos, pelo menos indirectos, á honra de cada um?

Se ha alguem que tenha provas de que qualquer homem publico portuguez tem interesses neste contrato, se ha alguem que possa provar, perante o Parlamento, que algum Ministro, algum funccionario publico, algum parlamentar ou homem publico tem neste contrato algum interesse inconfessavel, - seja o primeiro a vir apresentar esta prova.

As calumnias, as insinuações, as diffamações, as punhaladas, isso não; contra isso protesto eu, em nome dos homens publicos de Portugal!

É necessario que, de uma vez para sempre, acabe esta guerra de toupeiras, esta guerra indigna, que vem manchando e enchendo de insinuações os homens publicos, que, com verdadeiros sacrificios, se sentam nas cadeiras do poder; é necessario que acabe, de uma vez para sempre, esta guerra vilissima, que fazem uns aos outros os homens publicos do nosso paiz, calu-mniando os adversarios, na imprensa - n'aquella que admitte estes debates, porque ha alguma que os não admitte, seguindo no caminho do seu dever - no Parlamento, e, quando não é no Parlamento, nas esquinas e nas escadas; é necessario que acabe esta villania, que repugna a todas as consciencias dos homens de bem. (Vozes: - Muito bem).

Os homens publicos do meu paiz morrem quasi todos na pobreza, na miseria. Eu podia citar muitos, que foram acoimados, em vida, do desencaminho de milhares de contos e que, por fim, tiveram de recorrer á esmola e á caridade publica, e cujas familias tiveram de ser sustentadas por aquelles que os atacavam em vida.

Estes exemplos não são de ha muito tempo. É necessario que acabe esta guerra de insinuações, e nunca a houve tão infame, tão vil, tão indigna, como aquella que se trava era volta deste contrato!... (Apoiados).

Nunca a vi tão capaz de arrancar lagrimas a. corações de pedra, como em volta do nome honrado do Sr. Conselheiro José Luciano. Eu vi despejar sobre S. Exa. do alto de columnas de jornaes indignos um jorro do calumnias e de torpezas como nunca VI despejar sobre nenhum outro homem publico.

A todos S. Exa. resistiu com aquella impavidez de caracter que todos lhe reconhecemos. (Muitos apoiados).

Página 6

6 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

É justo que fique esta lição a todos que seguem a senda publica; é justo que fique este padrão de gloria a um estadista nobre, que ao fim da sua carreira honrada se vê injuriado e resiste impavido porque considera os interesses do paiz superiores a tudo.

Haja alguém que apresente provas. Não é só fazer insinuações, é necessario que alguém venha á arena publica e diga: o Sr. Presidente do Conselho fez este contrato porque teve este ou aquelle interesse. Desafio quem quer que seja a que venha provar aqui, na imprensa, seja onde for, que algum interesse mesquinho, miseravel, levou o Sr. Presidente do Conselho a sacrificar a sua saude, a sua vida, dia a dia, hora a hora, como eu assisti, numa lucta tenaz e persistente em favor dos interesses do paiz! (Apoiados)

Posso assegurar que o Sr. Presidente do Conselho não defenderia com mais calor qualquer interesse seu individual, do que defendeu os interesses do paiz. É assim que se paga a quem trabalha, é assim que se paga a quem se sacrifica, a quem sae do seu leito de enfermo para impor a sua actividade, a sua experiencia dos negocios publicos, o brilhantismo do seu cerebro ao serviço da causa publica? (Apoiados). Contra isto protesto eu, porque não temo nem receio. Nós não devemos e não tememos.

É-me indiiferente que amanhã essa imprensa, que eu classifico de indigna, venha lançar sobre mim calumnias, porque não receio injurias nem temo calumnias; affronto seja quem for, peço provas. Se alguem tiver de accusar algum membro do meu partido, prove-o.

Guerra de toupeira, não a quer a gente honesta, e contra ella protesto, em nome do Sr. Presidente do Conselho, em nome do Governo, em nome do meu partido, e em nome do paiz.

Abandonemos, pois, para sempre, este caminho, porque este paiz nobre, de tradições gloriosas, que vem illuminando o mundo, ha tantos seculos, com a luz das suas descobertas e das suas conquistas; este paiz que pode ter sido reduzido á decadencia, mas que é nobre e honrado, não deve dar á Europa este espectáculo tão desgraçado! E os que na vida publica mourejam, sacrificando os seus nervos e perdendo o seu sangue, precisam de que alguém lhes faça justiça.

A hora da justiça, que ás vezes chega tarde, mas que chego sempre, ha de chegar para os actos do Governo, para os actos do Sr. Presidente do Conselho - affirmo-o, asseguro-o - e quando forem conhecidos os esforços do Governo, quando for bem claro e evidente o trabalho athletico do Sr. Presidente do Conselho no contrato dos tabacos e em beneficio do seu paiz, a Historia far-lhe-ha justiça inteira. (Apoiados).

Creio que está justificada a minha moção, e para terminar quero apenas dizer que não proferi, que eu saiba, uma palavra irritante, nem pela minha situação no partido a que tenho a honra de pertencer, nem pelo logar que occupo nesta casa o poderia fazer. Se o fiz, porém, atraiçoei aquillo que o pensamento e a consciencia me dictavam.

Entretanto, se no calor da discussão eu não pude dominar, por caso, a minha palavra, e me excedi, desde já peço a V. Exa. e á camara que de essa palavra por não dita, e me releve - a mim, que nunca no Parlamento proferi uma palavra que tivesse de retirar - de a ter proferido, se a proferi.

Sr. Presidente: agradeço á Camara a attenção com que me escutou, pedindo desculpa do tempo que lhe tomei, mas repito o que disse hontem. Sou apaixonadamente partidario, tenho nesta Camara e nesta questão uma situação embaraçosa, mas anima-me esta cousa luminosa e sagrada que se chama cumprimento do dever (Apoiados); e quando deante de mim tenho de seguir a estrada recta do direito e do dever, sigo por ella afoitamente, com o coração nas mãos. (Apoiados).

Prezo-me de ser sincero e dedicado; sincero, porque nunca disso nesta Camara cousa que a minha consciencia não me aconselhasse, e dedicado, porque puz ao serviço do meu paiz e do meu partido toda a minha actividade e toda a minha intelligencia.

Ninguem, Sr. Presidente, como eu lamenta os acontecimentos que se deram, mas, como não posso ser superior a elles, sigo em harmonia com a minha consciencia, e espero que tudo se harmonize.

Rogo a V. Exa. e á camara desculpa do tempo que lhe tomei, e peço ao nobre chefe do meu partido que continue seguindo como até aqui, victoriosamente, o seu caminho, porque, quando chegar a S. Exa. a hora da justiça, essa hora ha de ser de glorificação.

Tenho dito. (Vozes: - Muito bem).

(O orador foi cumprimentado).

(Lida na mesa a moção, foi admiitida).

(O orador não reviu).

O Sr. João Franco: - Deu-se uma dissidencia no partido progressista; manifestou-se ella na commissão de iazenda e repetiu-se depois entre os membros do Governo. Saiu o Ministro da Justiça, deu-se o adiamento das Cortes e agora explicam-se as causas da crise.

Por parte da commissão de fazenda, ou de alguns dos seus membros, justifica-se a dissidencia da maioria dessa commissão.

Que as dissidencias sejam de caracter administrativo, restrictas simplesmente á questão dos tabacos, tomo uns pretendem, ou que sejam de caracter politico, representando uma divergencia de maior amplitude, podem ser cousas que muito interessem ao partido progressista, mas a que é absolutamente estranho o Parlamento.

Os partidos não teem organização legal, não ha lei que os reconheça e, por consequencia, com o seu modo de ser intimo nada tem o Parlamento.

Ao Parlamento o que incumbe é apreciar os actos do Governo, fiscalizá-los e legislar. Se o Governo, apesar da dissidencia, continua a ter maioria e a confiança da Coroa, e o Sr. Presidente do Conselho, como disse, nada teme, porque nada deve, o incidente deve considerar-se findo e o que ha a fazer é continuar na missão que ao Parlamento compete.

Mas se isto assim o, se o é na theoria de direito constitucional e na pratica dos factos, em todos os paizes e até no nosso, como dar-lhe o caracter de questão parlamentar e, mais do que isso, constitucional! Se em todos os paizes governados pelo systema representativo é um facto banal a dissidencia entre os membros do Governo ou da maioria, se o proprio Sr. Presidente do Conselho no principio da sua carreira politica foi um dissidente do seu chefe, como é que se quer dar a esta dissidencia um caracter parlamentar? Será preciso não considerar os partidos como uma agremiação resistente e homogénea de ideias, pensamentos e caracteres, mas como propriedade dos chefes, que dispõem d'elles á sua vontade.

Ora, se tudo isto é assim, a verdade é que não estamos em face de uma questão simples, más em face de uma verdadeira comedia parlamentar, destinada, mais uma vez, a fornecer ao Governo um pretexto, bom ou mau, para se dirigir á Coroa e pedir-lhe uma dissolução que lhe permitia discutir a questão dos tabacos á porta fechada, como á porta fechada foi negociada. Esta phrase - porta fechada - não é d'elle, orador; é dos jornaes progressistas, quando os regeneradores negociavam nas mesmas condições em que este Governo negociou.

As dissidencias da commissão de fazenda ainda não se transformaram em conflicto parlamentar, nem se transformam, porque o Sr. José Luciano já declarou que conta com maioria não só para governar, mas até para votar o contrato dos tabacos.

Ora se isto é assim, como é que se quer fundamentar

Página 7

7 SESSÃO N.° 19 DE 22 DE AGOSTO DE 1905

num incidente que não tem absolutamente nada com a vida parlamentar um pedido de dissolução? Nestas condições é indispensael que sobre o que se tem passado, ha tres sessões, n'quella Camara, se faça luz completa e nitida para que ao paiz e á Coroa não sejam apresentados os acontecimentos parlamentares por forma differente d'aquella por que realmente elles se passaram.

Disse o Sr. Presidente do Conselho, ao usar pela primeira vez da palavra, na sessão de quarta-feira, que em seguida á dissidencia na commissão de fazenda e entre os membros do Governo tinha pedido á Coroa o adiamento com dois fins: o da acalmação politica e o de alcançar algumas emendas ao contrato dos tabacos. Ora, se pudesse haver duvidas sobre o intuito com que o adiamento foi pedido, bastava ler o artigo do Jornal da Manhã, um dia antes da abertura da sessão, intitulado na vespera da sessão.

Lendo-se esse artigo vê-se a maneira singular como se correspondia á benevolencia da Coroa, que, segundo a declaração do Sr. José Luciano, lhe dera o adiamento para conseguir a acalmação politica.

Pretendia-se a acalmação fazendo-se dizer num jornal progressista, na véspera da abertura da sessão, quando todos se iam encontrar face a face, que os membros da commissão de fazenda o que tinham tido em vista não era os interesses do paiz, as clausulas do contrato dos tabacos, mas aniquilar o Sr. Presidente do Conselho, substituindo a influencia do Sr. José Luciano dentro do seu partido pela de outra pessoa que elles mais amavam.

E ao passo que isto se escrevia num jornal progressista, o Sr. Presidente do Conselho, ao explicar a crise, não se limitou a dizer que ella tivera origem em divergencias sobre uma questão .de administração; accrescentava que tanto a commissão como o Sr. Ministro da Justiça se manifestaram contra o que já anteriormente tinham approvado.

É assim que se pretendia obter a acalmação.

O Sr. Presidente do Conselho, para poder dizer amanhã á Coroa que essa divergencia, apesar de todos os seus esforços, não a pode remediar, precisou proceder assim.

Os membros da commissão de fazenda explicaram a sua divergencia, mas o primeiro que usou da palavra nem á crise politica se quiz referir. E procederam assim, não só no uso de legitima defesa, mas de uma obrigação moral e politica.

Um dos membros da commissão de fazenda que falou, o primeiro, accrescentou que um dos motivos por que deixara de sympatliisar com o contrato fora o de ter o Sr. Presidente do Conselho declarado que por esse contrato se liquidava o negocio Reilhac. Levantou-se então o Sr. José Luciano, e começou dizendo que era melhor abater as mascaras e falar á vontade. E se S. Exa. bem o disse melhor o fez; porque, dirigindo-se aos dissidentes, disse-lhes que não precisava dos seus votos para continuar no Governo.

No entender d'elle, orador, nenhum chefe de partido pode despedir-se dos que foram seus companheiros, seus auxiliares, e querem continuar no mesmo partido, dizendo-lhes seccamente não preciso dos seus votos. O que se deve dizer nesses casos foi o que disseram os membros da maioria que teem entrado no debate, e nisso deram, uma lição a S. Exa. Esses lamentaram não ter ao seu lado os membros dissidentes da commissão de fazenda.

Desde que fez essa declaração, o Sr. Presidente do Conselho ficou politica e moralmente impossilitado de pedir á Coroa a sua benevolencia para resolver as difficuldades que porventura venham a levantar-se n'aquella camara por parte dos partidarios que, sendo dissidentes, S. Exa. tratou tão desdenhosamente.

Outro membro da commissão de fazenda, o Sr. Queiroz Ribeiro, fez affirmações categoricas, positivas, firruadas com os protestos mais vehementes, mais sagrados, de que votando contra o contrato não o fizera sem falar previamente com o Sr. Ministro da Fazenda, de quem era chefe de gabinete, e de saber que isso não só o não contrariava como, pelo contrario, correspondia ao seu pensamento.

Elle, orador, não quer aggravar nem offender ninguem; está cumprindo apenas o seu dever. As palavras proferidas neste momento tão grave, tão singular que a politica portugueza atravessa, teem lá fora quem as escute, quem as commente, e os Deputados teem obrigação de não calar aquillo que em sua consciencia entenderem dever dizer, não para amesquinhar pessoas, criar situações irreductiveis entre homens, mas porque a verdade é que em questões desta natureza não ha senão duas formas de responder: ou uma negativa formal, ou curvar a cabeça e sair, por que não se pode ficar na situação em que o Sr. Ministro da Fazenda se encontra.

E será em nome destes factos que o Sr. Presidente do Conselho quer ir dizer a El-Rei que a elle recorre no transe difficil de um risco imminente de vida para o Gabinete, para que lhe conceda a dissolução das Camaras, um novo acto de confiança, um novo esforçada Coroa para manter o actual Governo?

E ha de a Coroa Portugueza dar ao seu paiz o exemplo de depositar a sua confiança, não nos casos ordinarios da vida desse Governo, mas num caso especial como
este?

O que se torna absolutamente necessario é que S. Exa. diga á Coroa tudo quanto sabe e do que se trata, e se assim o não fizer é preciso que alguém o diga no Parlamento, para que ella o saiba e possa pensar e resolver com nteiro conhecimento do caso e tambem com inteira responsabilidade, não politica, que pertence ao Governo, mas responsabilidade historica, moral, que pertenço aos monarchas.

Não fica só nisto o que o Sr. Presidente do Conselho em a dizer á Coroa, relativamente ao que ha tres dias se em passado na Camara. Ha mais, e, deve dizê-lo, mais grave.

Um illustre membro da commissão de fazenda, o primeiro que usou da palavra n'este debate, declarou que o Sr. Presidente do Conselho accentuara que, com o contrato realizado, se liquidava o negocio Reilhac. O Sr. Presidente do Conselho de forma alguma contestou que houvesse dito ato; o que simplesmente affirmou foi que não dissera que no contrato se resolvia o caso Reilhac, mas sim que, se Reilhac era pago, não era com dinheiro do Thesouro Portuguez, mas com dinheiro saido dos cofres publicos.

Voltou este assumpto a ser tratado, a proposito de uma referencia feita a esse incidente por outro membro da commissão, o Sr. Oliveira Mattos, e ainda da mesma forma a elle se referiu o Sr. Presidente do Conselho. Mais uma vez S. Exa. não contestou aquella affirmação e declarou ousa diversa do que já declarara; isto é, que nunca falara nem com os negociadores, nem com Reilhac, nem com qualquer pessoa acêrca d'aquelle caso; que sabia apenas que o Governo Francez não concederia cotação ás obrigações dos tabacos sem se pagar o que Reilhac pedia!

Simplesmente o Sr. Luciano de Castro não foi mais feliz na segunda vez do que tinha sido na primeira.

O Sr. Presidente do Conselho provocou nova interrupção do illustre Deputado, membro da commissão, o qual, insistindo em que S. Exa. não falara na cotação de fundos, accrescentou que, em seguida ao Sr. Presidente do Conselho ter feito aquella affirmação, o Sr. Centeno lhe tinha observado que houvesse nisso muito cuidado, pois que em 1891 já Reilhac ou os titulos de D. Miguel tinham sido pagos e agora novas exigencias se apresentavam.

Crê elle, orador, ter relatado um a um todos os argu mentos que de um e de outro lado da Camara se teem apresentado.

Página 8

8 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

O seu fim não é aggredir ninguém, mas simplesmente pôr a questão nos seus devidos termos, para que ella seja julgada por quem deve ter perfeito e completo conhecimento dos factos.

A uma declaração como a que ali foi feita, devida ao Sr. Presidente do Conselho, não ha senão uma de duas respostas a dar: se S. Exa. tem não só a comprehensão dos seus deveres, da sua situação, mas ainda dos melindres da questão, cuja importancia mais de um dos membros da sua maioria não deixou de enaltecer, chamando-lhe uma das questões mais vergonhosas que ali teem apparecido, o Sr. Presidente do Conselho, como já disse, não tem outra cousa a fazer senão - ou oppor uma negativa formal á existencia de tal facto ou, em caso contrario, levantar-se e referir como os factos realmente se passaram.

O Sr. Oliveira Mattos: -A sua situação de relator impõe-lhe a obrigação de declarar que, nem por parte do Sr. Presidente do Conselho, nem de ninguém, se disse que o Governo Francez exigiu o pagamento a Reilhac.

O Orador: - Foi o que disse o Sr. Presidente do Conselho, como muitos ouviram.

Elle, orador, não está ali senão para constatar os factos como se passam e estão na memoria de todos. O Sr. Presidente do Conselho disse-o; nem de outra forma, tinha justificação a sua declaração.

Qual foi então a explicação que S. Exa. deu hontem?

O Sr. Oliveira Mattos: - O Sr. Presidente do Conselho não disse que o Governo Francez exigiu esse pagamento.

O Orador: - A camara vê bem os esforços titanicos que se empregam para desviar a questão do seu verdadeiro terreno.

Repete, o Sr. Presidenta do Conselho não tinha senão uma de duas cousas a fazer: ou oppor uma negativa formal áquella declaração, ou dizer que effectivamente ficava liquidada a questão Reilhac, por motivos que julgou de interesse para o Estado e de conveniencia para o paiz. Se não havia este pensamento, esta razão de interesse, publico, então o Sr. Presidente do Conselho fez muito mal em consentir que alguem pagasse a Reilhac, porque nenhum portuguez acredita que se pague a Reilhac senão com dinheiro portuguez. O nosso dinheiro não é tanto que se vá dar algum a quem a elle não tenha direito.

Em 1891 tambem foi necessario satisfazer a porfiada reclamação dos portadores dos titulos de D. Miguel. Era Ministro da Fazenda o Sr. Augusto José da Cunha e Presidente do Conselho o Sr. João Chrisostomo. Reconheceu-se que não se podia obter a cotação das novas obrigações nem sequer as do emprestimo de 1890, sem se satisfazer certa e determinada quantia, que esses portadores de titulos exigiam. Discutiu-se a forma de fazer esse pagamento, porque entre os membros d'esse Ministerio havia um que escrevera um livro acêrca da questão, e que não só contestava a sua legitimidade, mas sustentava que não havia obrigação de pagar. O Governo entendeu que devia deixar aos contratadores o pagamento dessa divida, o que se effectuou, não decerto á custa d'elles, mas á custa do Thesouro Portuguez.

O facto foi conhecido, foi trazido ao dominio publico e o Ministro da Fazenda de então não se lembrou de vir declarar que nada estava no contrato, que não tinha nada com isso; simplesmente declarou que os contratadores é que effectuaram esse pagamento; não ha duvida que effectuaram, mas não com dinheiro d'elles.

O Sr. Augusto José da Cunha veio declarar, firme na sua consciencia, que auctorizava o pagamento por uma forma que não constava do contrato; mas não veio trazer desculpas para um procedimento que, na sua propria consciencia, era honrado.

Se o Sr. Centeno lembrou o facto de 1891, foi com certeza para que o Sr. Presidente do Conselho se acautelasse.

Os membros do Parlamento não o são só para saber o que ao Governo apraz; são, sim, para defender o Governo em causas justas, mas tambem juizes para apreciar os seus actos.

Ao ouvir o Sr. Presidente do Conselho dizer que, se porventura se pagasse a Reilhac não seria com dinheiro portuguez, nem saido do Thesouro, nem por virtude do contrato, não comprehendeu a razão por que S.Ex.a, depois de cin.coenta annos de vida publica, como mais de uma vez affirmou, depois de ter presidido a umas poucas de situações ministeriaes, depois de ter dirigido e governado o seu partido de forma a não se darem dissidencias, nem afastamentos, se julgou forçado a vir dizer ao Parlamento que punha a sua fortuna ao dispor de quem quer que fosse, para poder avaliar da sua origem e da sua legitimidade!

Nesse momento sentiu elle, orador, o seu coração oppresso.

Pela sua parte declara que nunca viria perante o Parlamento justificar-se com uma tal affirmação. Na sua consciencia tinha força bastante para supportar toda e qualquer accusação, para se defender de qualquer suspeita sem precisar, por forma alguma, de recorrer a declarações de tal ordem, que mais entristecem do que convencem.

O que o Sr. Presidente do Conselho devia ver é que são as suas contradicções de homem publico, especialmente nesta questão dos tabacos, as que fazem pesar sobre si essas suspeitas ou essas calumnias, no seu dizer, que o incommodam, que absolutamente o torturam.

É que o Sr. Presidente do Conselho foi ao poder declarando, ou o seu partido, que não podia negociar o contrato dos tabacos á porta fechada; é que S. Exa. sustentou que se deviam separar as duas operações; é que S. Exa. declarou que não tinha que pagar a Reilhac, mas que Reilhac era pago, e naturalmente pelos financeiros francezes, como acto de generosidade. São estas contradicções que o collocam na situação de serem os seus proprios partidarios que, defendendo-se, proclamam a necessidade de que sobre este assumpto haja uma discussão aberta e franca.

Em seguida dão-se as dissidencias na commissão de fazenda e no seio do Governo, e depois as declarações que foram trazidas á camara não só pelo Sr. Queiroz Ribeiro, mas ainda por outros Srs. Deputados, que bem demonstram que esta questão dos tabacos precisa, como disse o Sr. Conde de Penha Garcia, de uma discussão clara, franca e aberta.

Dizia S. Exa. que esta questão está pesando sobre toda a politica portugueza, e de tal forma que ha mais de um anno todos os esforços se estiolam para se estar simplesmente em movimento, em combate com esta questão dos tabacos.

É que ella, pelas circumstancias que ha pouco referiu, de tal forma entrou no espirito portuguez que de todo o publico é conhecida.

É exactamente como em França foi a questão Dreyfus.

É uma questão que revestiu o alto caracter de uma questão de moralidade. Não é uma accusação contra Paulo, Sancho ou Martinho, é uma accusação contra toda a politica portugueza dos ultimos tempos, contra todos os costumes da nação portugueza, contra a maneira por que a liberdade politica no nosso paiz está perdida, e é o conjunto de todas essas circumstancias e dos incidentes occorridos n'esta questão que fazem com que hoje todos tenham a sua attenção presa a este assumpto.

Página 9

SESSÃO N.° 19 DE 22 DE AGOSTO DE 1905 9

Não ha senão uma maneira de fazer com que esta questão acabe e morra de uma maneira digna para todos: é abrir-se uma discussão ampla, clara e por forma que nenhuma duvida fique no espirito publico.

Diz isto ao Sr. Joso Luciano, ao Sr. Hintze Ribeiro, e a todos os politicos portuguezes.

É indispensavel que aquelles que votarem, quer contra quer a favor, procedam conforme quizerem, em plena liberdade da sua consciencia.

Uma discussão franca e aberta é o que pede o Sr. Conde de Penha Garcia, é o que elle, orador, tambem pede e immediata. Está-se vivendo numa atmosphera de hospital que é indispensavel purificar. É absolutamente necessario que esta questão se resolva pela forma que já disse, discussão franca e aberta, mas que se não demore, para que uma vez por todas a opinião publica veja que os homens publicos cumprem o seu dever.

O Sr. Presidente: - Previne o orador de que decorreu a hora regimental mas que ainda tem 15 minutos para concluir o seu discurso.

O Orador: - Em 1901 divergiu elle, orador, com alguns amigos seus, de uma medida do Governo. Não vae agora referir nem o incidente nem as discussões que d'elle resultaram; quer lembrar apenas que a Camara foi dissolvida e que o Governo, no intuito de impedir-lhes a entrada no Parlamento, fez uma lei especial.

Cinco annos, quasi, são passados, e essa lei ainda vigora, prova de que foi absolutamente inefficaz quanto ao fim que teve em vista.

Como a um facto correspondem sempre as suas legitimas consequencias, é á Coroa que cabem as respectivas responsabilidades moraes e historicas.

E sobre a Coroa que incidem a critica e o juizo que o facto suggere, passando-se por cima dos Ministros para significar que elle é obra do Rei.

É necessario que semelhante facto desappareça; é necessario que á nação portugueza seja restituida a liberdade politica que lhe tiraram.

Outro resultado, roais grave, foi o de dar origem ao renascimento do partido republicano com um vigor como ha muito tempo não tem. Não pretende elle, orador, agitar o espantalho do partido republicano para tirar o somno a ninguem; expõe apenas o facto, que é bem conhecido de todos.

Toda a gente sabe que antes de 1901 o partido republicano nem se atrevia a ir á urna, e todos sabem tambem que nas ultimas eleições os suffragios das eleições de Lisboa pertenciam ao partido republicano e elle, orador, está convencido de que amanhã essa maioria será maior, mais valiosa, por isso mesmo que a situação se mantém na mesma.

Uma das maiores obrigações de quem dirige uma situação politica é não collocar uma instituição, a quem deve a confiança de o ter investido no Governo, em circumstancias de ficar com a responsabilidade dos actos praticados pelo Governo perante a opinião publica do seu paiz.

Ha uma outra consideração que apresenta ao Sr. Presidente do Conselho.

É indispensavel que num assumpto de. natureza tão grave, como é o dos tabacos, não seja a Coroa, como certamente se dirá, quem o resolva, desde que o Sr. Presidente do Conselho recorra á dissolução e faça a eleição pela lei actual, para expulsar os progressistas dissidentes, os Deputados franquistas, etc. Uma Camara composta de Deputados arranjados pelo Governo não é capaz de dar satisfação á opinião publica, nem desvanecer a impressão de que quem resolveu foi a Coroa.

Tem sido elle, orador, um leal servidor da Coroa, tão leal e dedicado que nunca da sua bocca saiu nem a mais pequena queixa por um acto que d'ella emanou, isto é, o seu afastamento do Parlamento como se fosse um conspirado)-, um inimigo das instituições.

Da sua bocca nunca saiu, em todas as reuniões publicas em que tem falado, em todas as circumstancias até de natureza particular, nem uma queixa, nem uma censura por esse acto.

Manteve-se e continua mantendo-se no cumprimento dos seus deveres para com o seu paiz e para com o Rei.

Tem a consciencia que de todos os serviços que tem prestado nenhum houve nem mais sincero, nem mais leal, nem mais verdadeiro do que este que está fazendo n'este momento, accentuando que não se deve resolver a questão dos tabacos por meio de qualquer intervenção da Coroa, porque se assim acontecer será ella que no espirito publico ficará considerada como a responsavel pela resolução que se tomar.

(O discurso será publicado na integra quando o orador restituir as notas tachygrapkicas).

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros (José Luciano de Castro): - Pode o illustre Deputado Sr. João Franco estar tranquillo, como todos os partidos politicos e todo o paiz, porque não ha de ser a Coroa quem ha de resolver a questão dos tabacos. (Apoiados). Foi por isso que eu, propositadamente, ha poucos dias affirmei nesta Camara que o Governo não precisa de votos dos dissidentes do partido progressista para resolver a questão dos tabacos.

Foi precisamente para responder ao argumento ,que lá fora se tem formulado na imprensa contra a supposta dissolução das Cortes que eu disse que para resolver a questão dos tabacos não precisava recorrer senão ao voto dos meus amigos.

Bem sei que essas palavras mereceram um severo correctivo no discurso do Sr. João Franco; apesar, porém, desse correctivo, não estou arrependido de as ter proferido e repetirei ainda hoje que não careço do voto dos dissidentes do partido progressista para resolver a questão dos tabacos.

Não preciso, e não ha de ser a Coroa que ha de resolver a questão dos tabacos, nem preciso propor a dissolução.

Estejam portanto os illustres Deputados socegados e tranquillos, que só quando eu julgue que não posso funccionar com o Parlamento, quando tenha apresentado propostas importantes para resolver problemas de administração publica e não encontre no Parlamento a cooperação indispensavel para resolver essas questões, - então, e só então, será chegada a occasião de propor á Coroa ou a dissolução ou a demissão do Gabinete.

Para a questão dos tabacos, não, não preciso propor a dissolução.

Emquanto tiver no Parlamento a cooperação indispensavel, sem excluir a discussão serena e calma em todos os assumptos, nada tenho que propor á Camara porque tenho confiança nos meus amigos e na sua leal cooperação para com toda a segurança resolver os assumptos que seja necessario resolver.

A questão dos tabacos ha de ser resolvida pelo Parlamento, na livre expressão do seu voto, e tenha o Sr. João Franco a certeza que ha de haver uma discussão ampla, leal, desassombrada a todos os respeitos. (Apoiados).

Ha de se fazer toda a luz e desfar-se-hão todas as suspeições.

Não basta espalhar em publico um boato para deprimir a honra de um Ministro; ha de haver uma discussão tão franca e clara como o illustre Deputado quer.

O Governo não ha de fazer pressão sobre ninguém, tenha o illustre Deputado a certeza.

Em seguida quiz o illustre Deputado lançar sobre a Coroa a responsabilidade da lei eleitoral, em todos os actos politicos consecutivos áquella lei.

Página 10

10 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Protesto contra tal asserção. (Apoiados). A Coroa está acima de todos os Governos, das contendas e dissidencias partidarias. (Muitos apoiados).

Para que chamá-la, portanto, todos os dias á tela da discussão? Para que havemos de estar todos os dias a fazer allusões á Coroa? Não está aqui o Governo para responder?

Se o Governo acceita a responsabilidade inteira de todos os seus actos; se pela lei de 1901, de que o Sr. João Franco se queixa, ha um Governo responsavel, para que quer S. Exa. lançar sobre a Coroa essa responsabilidade?

Eu combati a lei de 1901, fui contrario á sua publicação; mas, desde que é lei do paiz, a minha obrigação é respeitá-la.

O que não posso é deixar sem vehemente protesto a affirmação do Sr. Joio Franco de que essa lei impor a uma responsabilidade para a Coroa e que, portanto, esta cumpre revogá-la.

A Coroa não pode influir sobre o Governo para modi ficar essa lei. Exija-se a responsabilidade a quem publicou essa lei, mas nunca á Coroa, a qual, pela Constituição, é irresponsavel.

Que quer o illustre Deputado que a Coroa faça? Que imponha ao Governo a reforma dessa lei? Com que direito havia a Coroa de intervir nesse acto, obrigando a revogar se uma lei que foi acceite pelo Parlamento?

Sr. Presidente: eu que tenho já uma longa vida publica nunca obriguei a Coroa a praticar qualquer acto que pudesse importar para ella um aggravo. Não sei se o illustre Deputado pode falar tão desassombrado como eu.

Nunca me acobertei com a protecção real para resolve qualquer assumpto.

Sr. Presidente: não devo, apesar da violencia do discurso do Sr. João Franco, dar a este debate um caracter irritante.

Faço a seguinte observação: não sou eu, não é o meu partido que tem compromettido a Coroa; que a accusam que lhe imputam responsabilidades: o partido progressista, tem sido victima dos actos praticados pelos outros partidos, á sombra da Coroa.

Mas, Sr. Presidente, deixemos isso. Fica bem assente que a Coroa não tem responsabilidade nenhuma na lei d 1901 e não tem culpa de que essa lei esteja de pé e ainda não tenha sido revogada. Isso pertence ao Parla mento. O Sr. João Franco é membro do Parlamento, tem a sua iniciativa, apresenta um projecto de lei e o Parla mento decidirá.

Tudo o que não for isto, não é legitimo. (Apoiados). Sr. Presidente: o Sr. Conselheiro João Franco fez varias considerações acêrca da dissidencia que houve no seio do partido progressista e affirmou, por mais de uma vez, que essa dissidencia era muito natural; que havia sempre no seio de um partido divergencias; que eu proprio, que estou falando, tinha sido dissidente do meia par tido. Mas, consultando a historia politica do meu partido, consultando me a ruim proprio, não me recordo de cousa nenhuma nesse sentido. Eu tenho uma carreira publica já longa, e será por isso que, talvez, já me não recorde.

Mas, se assim foi, a minha divergencia não podia deixar de ser leal, franca, aberta e sincera, dizendo ao chefe do meu partido qual era o meu modo de pensar.

Eu não me queixo de dissidencias sobre qualquer ramo de administração; queixo-me da forma por que se dão as dissidencias. E eu affirmo ao Sr. João Franco que a minha consciencia me não accusa de uma dissidencia desleal. Ora, supponha S. Exa. que tinha conhecido um collega no Ministerio; que tinham tratado juntos dos interesses do Estado, que elle havia assistido a um Conselho de Ministros, que tinha assistido a uma reunião das maiorias parlamentares. O então Ministro do Reino declarou publicamente todas as resoluções que se haviam tomado e que tinham sido approvadas por todos os membros do Governo; depois disso, houve ainda um Conselho de Ministros para a leitura do relatorio do projecto do contrato dos tabacos; foi discutido esse relatorio, e o Ministro approva tudo.

Só a 8 de maio é que o Presidente do Conselho teve communicação de que o seu collega perfilhou a opinião dos divergentes da commissão de fazenda.

Supponha S. Exa. que lhe acontecia isso; que diria S. Exa.? Acharia correcto este procedimento? Ficaria satisfeito com o seu collega?

Diga-me S. Exa.: Se lhe acontecesse ter amigos seus, bons, dedicados, leaes, que o acompanhavam com consciencia e desassombro e que por motivos certamente respeitaveis o surprehendessem no seio da commissão declarando-se divergentes num ponto que era capital para o Governo? Tambem o Sr. João Franco não gostaria. Então, quando mais tarde eu vi levantar a questão dos tabacos, que estava acceite, resolvida, approvada pelos mesmos que agora me apparecem divergentes á ultima hora, e não só divergentes mas inimigos meus, vindo para a imprensa declarar que os que seguiam o Governo eram tabaqueiros, que os outros é que eram os progressistas authenticos, havia de ficar satisfeito?

Ora, francamente, V. Exa. acha que estas eram as taes divergencias administrativas?

A minha linguagem não foi aggressiva, mas tinha uma melancolia, uma tristeza profunda; o que é verdade é que não aggredi o Sr. João Pinto dos Santos, defendi me e nada mais. (Apoiados).

S. Exa. talvez imaginasse que eu, quando o convidava a depor a mascara, o estava aggredindo.

Eu dizia para mim: mas como é que estes senhores que me acompanharam até 7 de maio, como é que o meu collega Alpoim, que approvou tudo quanto se fez, do qual guardo a memoria de conversas approvativas e tenho documentos escriptos, nos quaes se diz que S. Exa. estava a meu lado em todas as negociações do contrato dos tabacos, como é, Sr. Presidente, que depois de tudo isto os meus correligionarios apparecem, uns de surpresa na commissão de fazenda, outro ao meu lado no Governo, a mudar de opinião que na véspera tinham?

Por isso disse: deponhamos as mascaras, porque é mais proprio, mais correcto, que digam francamente esses que assim se manifestam: separámo-nos do Governo não por causa da questão dos tabacos, mas por uma questão politica.

Esta é a verdade.

Pois para que estamos nos a enganar-nos uns aos outros?

Eu estou aqui a falar com a maior sinceridade, com o coração nas mãos, como sempre costumo. Estas divergencias da questão dos tabacos, a meu ver, são apenas o pretexto; e se eu tivesse procedido de outro modo a respeito de certas pessoas, estas divergencias não tinham apparecido.

Eu não suspeitei da lealdade de muitos dos cavalheiros que deram o seu. voto na commissão de fazenda; foram levados a isso, certamente, por sentimentos generosos e bons; mas desde que esses cavalheiros, que eram meus amigos e meus companheiros nas lides politicas, acompanharam o Sr. Alpoim na sua separação do Gabinete e não me tinham prevenido da discordancia nem tinham discutido o assumpto, eu tenho razões para desconfiar de que I verdadeira razão da dissidencia não foi a questão dos tabacos e tenho razões para suppor que a verdadeira razão foi qualquer motivo de ordem politica. (Apoiados).

A questão dos tabacos foi aproveitada habilmente, mas tenho a certeza de que se as cousas tivessem corrido de nitro modo em relação a certas pessoas, o facto não seria dado.

Chama-lhe S. Exa. uma comedia politica e francamente assim parece, porque, se havia motivo para divergir do

Página 11

SESSÃO N.° 19 DE 22 DE AGOSTO DE 1905 11

contrato, natural era que o Sr. Alpoim não o tivesse primeiro approvado, como approvou.

Do que me queixo, Sr. Presidente, não é da divergencia que houve, mas da surpresa que appareceu na commissão de fazenda sem eu estar prevenido de cousa alguma; e d'ahi é que vem o eu suppor, com certa plausibilidade, que a razão verdadeira da dissidencia é uma razão de ordem politica, e tão politica que n'ella se enxertou a crise ministerial.

Disse o Sr. João Franco que o que o Governo desejava era obter um pretexto para a dissolução da Camara. Posso affirmar a S. Exa. que. isso não é exacto, porque já declarei á Camara por mais de uma vez que, por causa da questão dos tabacos, nunca pensei em dissolver a Camara, porque tenho maioria bastante para resolver essa questão.

Disse tambem o Sr. João Franco que o Governo deseja dissolver a camara para resolver a questão dos tabacos á porta fechada!

Ora, eu pergunto: semelhante questão, pode, porventura, ser assim resolvida?

Puis então, convidam-se as duas companhias interessadas a apresentar as suas propostas; annuncia-se depois um concurso ao qual podiam concorrer todos os que quizessem; o Governo procura todos os meios de obter melhores vantagens para o paiz; chega-se a alcançar o resultado tão vantajoso que todos conhecem, e vem agora o Sr. João Franco dizer que se trata de resolver a questão á porta fechada?!

Diz o Sr. João Franco que propuz o adiamento á Coroa para tranquillizar os animos e fazer emendas no contrato, e que a acalmação não a consegui.

Eu tenho a dizer que procurei harmonizar todas as duvidas e que contra todas as accusações que me foram feitas, e bastantes, empreguei toda a diligencia para que os animos serenassem e a discussão não seguisse na imprensa.

Nada consegui, mas a culpa não foi minha. (Apoiados).

A imprensa progressista limitou-se a responder ás accusações que foram feitas. (Apoiados).

Fui accusado tambem por S. Exa. de ter proferido phrases aggressivas para os dissidentes. Não as disse. Pode ser que as minhas palavras atraiçoassem as minhas intenções.

Eu só quiz fazer a narração dos factos, limitei-me a expô-los pela minha parte em resposta ao Sr. João Pinto dos Santos e pode ser que tivesse pesado menos as palavras.

É possivel que falando entre amigos, com quem se fala com mais franqueza, me escapasse qualquer palavra de sentido dubio, mas não se pode reputar como uma declaração.

Sr. Presidente: na Camara não fiz mais do que expor os factos como se passaram, respondendo ás accusações.

Então para que veem amigos e correligionarios trazer para a discussão da Camara uma palavra que eu tinha proferido no seio da commissão e que podia ter sido mal interpretada e não reproduzir um pensamento verdadeiro?

Francamente não acho razoavel vir lançar-se na discussão a nota Reilhac, a proposito de qualquer referencia que eu fizesse no seio da commissão.

O facto é que essas palavras vieram lançar na discussão uma nota desagradavel para o partido progressista.

Esses meus correligionarios não deviam trazer para a Camara essas palavras.

Não me consultaram previamente sobre as duvidas que tinham a respeito do contrato e por isso estão hoje numa situação muito falsa. (Apoiados).

Podem dizer-se nossos correligionarios e progressistas animados das melhores intenções, mas os factos infelizmente desmentem as suas asserções. A proposito do incidente entre o illustre Deputado Sr. Queiroz Ribeiro e o Sr. Espregueira, todos comprehendem, certamente, os melindres d'essa questão. Trata-se, a meu ver, muito mais de uma questão pessoal do que parlamentar. (Apoiados).

É minha opinião que o Sr. Ministro da Fazenda respondeu como devia responder, constestando os factos referidos pelo Sr. Queiroz Ribeiro, e estranhando que o seu antigo secretario e particular amigo viesse á camara com taes declarações. (Apoiados).

O Sr. Queiroz Ribeiro: - Peço a palavra para explicações antes de se encerrar a sessão.

O Orador: - Estou expondo os factos. (Apoiados).

Desde que o Sr. Ministro da Fazenda respondeu d'aquella maneira, de uma maneira tão satisfatoria, entendo que a questão está ainda, que não pode ter consequencias; está perfeitamente resolvida.

O Sr. Queiroz Ribeiro fez as suas revelações e o Sr. Ministro da Fazenda respondeu digna e nobremente (Apoiados), sem ninguem mais se metter no assumpto.

Pois queria o Sr. João Franco que eu, por este facto, fosse propor a El-Rei a exoneração do Sr. Ministro da Fazenda?

Queria o Sr. João Franco que, pelo facto de um antigo secretario do Ministro da Fazenda ter revelado fiictos que se prendiam com esse mesmo Ministro da Fazenda, que por isso, simplesmente por isso, fosse eu propor a sua exoneração a El-Rei?

Se fossemos por esse caminho, daqui a dias estava o Ministerio todo alinhavado! (Riso).

Se um dia houvesse qualquer questão pessoal entre quaesquer Ministros, devia eu logo ir propor á Coroa a sua demissão?

Era razoavel este precedente?

Devia eu abrir a porta para todas as questões pessoaes que se levantassem?

Não, decerto. (Apoiados).

Falou depois S. Exa. na questão Reilhac. - Ora eu creio que já falei bem claro a este respeito.

Cumpre dizer á Camara que o Governo não tocou sequer nesta questão.

Se alguma cousa ha a este respeito, ha tanto hoje como no tempo em que o Sr. João Franco saiu do Ministerio.

Só se faltasse á verdade é que eu poderia dizer o contrario.

Quando entrei no Ministerio havia o contrato feito polo outro Ministerio, pelo Ministerio regenerador. A esse tempo nada de novo havia com relação á questão Reilhac. E hoje, repito, nada mais ha. O Governo não trocou sequer uma palavra a esse respeito. Nisto falo muito claro á Camara.

O que eu disse na commissão, sabe o o Sr. João Pinto dos Santos. Eu disse na commissão que, approvado o contrato, ficava liquidada a questão Reilhac.

Mas por que o disse eu? Porque o sabia.

Alem dos motivos particulares que tinha para o saber, sabia-o por um relatorio do Sr. Conselheiro Pequito, que está publicado. Eu sabia que o Sr. Conselheiro Pequito tinha razão para escrever no seu relatorio o que escreveu. Estava assegurada a cotação das obrigações dos tabacos na praça de Paris e desde que essa cotação estava assegurada a questão estava liquidada.

O Sr. Rodrigo Pequito: - Mas essa phrase não se refere implicitamente a Reilhac.

O Orador: - A questão era esta: estando assegurada a cotação das obrigações dos tabacos, estava ipso facto a questão Reilhac resolvida.

O que eu disse foi que se havia alguma cousa, qualquer cousa dada a Reilhac, não saia do contrato nem dos co-

Página 12

12 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

fres publicos. Mantenho a mesma affirmaç&o que fiz. O que disse na commissão e repito agora é por conseguinte a mesma cousa, que tratando o Governo com aquelle grupo de banqueiros, approvado o contrato, está assegurada a cotação das obrigações no mercado de Paris, e d'ahi conclue-se que a questão Reilhac está liquidada de qualquer maneira.

Dirão S. Exas.: como? Não sei, creiam V. Exas. que lhes digo a verdade. Não o perguntei, nunca desejei sabe-lo, nunca mo disseram, o que sei é que está assegurada a cotação das obrigações.

Julgam V. Exas. que, depois de estar assegurada a cotação das obrigações, volta a questão Reilhac?

Nesse ponto não os acompanho porque me parece que assim fica resolvida a questão; mas dizer que o Governo paga é que que não posso porque seria faltar á verdade. O Governo não reconhece, não reconhecerá nenhum direito a Reilhac.

Não posso dizer mais nada, nem mais nada é preciso dizer. (Apoiados).

Se V. Exas. me perguntam como foi que se conseguiu a cotação, se foi á custa do preço das obrigações que se conseguiu .resolver a questão Reilhac, eu direi que não sei, que não estou habilitado para o dizer. É possivel que assim fosse, mas não foi á custa do contrato dos tabacos nem saiu dos cofres publicos; e o que asseguro é que o preço das obrigações, apesar de qualquer participação a Reilhac, que o Governo portuguez não dá de maneira nenhuma, é immensamente vantajoso.

Posso admittir todas as discussões desde que se saiba o preço das obrigações. S. Exas. hão de convencer-se que o Governo não pode obter preço mais vantajoso. (Apoiados).

O illustre Deputado Sr. João Franco disse que havia suspeições. Essas suspeições não me incommodam pela simples razão de que tenho a minha consciencia tranquilla. Os meus actos, Sr. Presidente, é que respondem pelas minhas intenções.

Direi aberta e claramente que a minha vida publica e particular está á disposição de todo e qualquer exame; e, quando algum dos meus collegas duvidar que falto á verdade, ou tiver motivos para levantar suspeições, teem um meio facil de tudo averiguar: é ir a minha casa, porque ahi verá, S. Exa. o que quizer, nota das despesas e receitas, o que talvez nem todos possam dizer da sua propria casa.

Diz-se, como ha pouco referi á Camara, que o contrato dos tabacos foi feito á porta fechada. Posso affirmar á Camara que o contrato dos tabacos não foi feito á porta fechada. Terei occasião de provar á camara que isso não foi assim. O contrato foi negociado por meio de um concurso entre as duas companhias, e só depois desse concurso não dar resultado algum é que o Governo tratou directamente entre os dois concorrentes, chegando a annunciar o preço que é conhecido.

Portanto peço ao Sr. João Franco que neste ponto rectifique as suas palavras, porque a operação fez-se perante concurso publico.

Disse o Sr. João Franco que não devia dar a Reilhac qualquer indemnização.

Já affirmei da maneira mais clara o que se passou sobre a questão Reilhac e por isso escuso de reproduzir as declarações.

Disse o Sr. João Franco que a questão dos tabacos interessa profundamente o paiz. Sinto ter do divergir de S. Exa. neste ponto, porquanto, a meu ver, esta questão não interessa nada a opinião publica. Interessa sim os jornaes mais ou menos preoccupados com este assumpto; mas a verdadeira opinião publica, o povo que vive do seu trabalho, preoccupa-se muito .pouco com isso. E se não, diga o Sr. João Franco quaes são as manifestações da opinião publica a respeito da questão dos tabacos. Eu não as conheço.

Conhecem se, sim, as manifestações dos jornaes que discutem o assumpto, no interesso politico financeiro. Mas a opinião sensata do paiz, onde e como se tem ella manifestado de uma maneira tão clara e evidente, como pareceu querer dar a entender o Sr. João Franco? Pela minha parte, como chefe do Governo, e tendo, portanto, a obrigação de estar informado sobre o que vae pelo paiz, a este respeito nada sei.

Na vida parlamentar pode este debate chamar mais ou menos a attenção partidaria, mas manifestações da opinião publica não as conheço e por isso torno a perguntar: quaes são ellas? (Apoiados).

Para não provocar as manifestações que tem provocado por esse paiz fora a questão dos tabacos, eu desejava saber o modo como me havia de orientar na sua resolução.

Mas, até agora, só tem havido as manifestações dos operarios manipuladores dos tabacos; de nada mais tenho conhecimento.

É possivel que haja mais reclamações, mas até hoje ainda não chegaram ao meu conhecimento reclamações ou affirmações das classes mais interessadas no contrato.

Só conheço as manifestações dos jornaes, que discutem o assumpto politica e financeiramente.

E, se assim é, o que resta d'esta questão? Resta somente a parte que diz respeito á crise.

Teem os illustres Deputados alguma razão em censurar o Governo, por se ter dado uma dissidencia que se traduziu no Conselho de Ministros e o Governo ter resolvido essa dissidencia da unica forma por que a podia resolver? Quando ao cabo de tres mezes de intervallo parlamentar, ainda se apresentam difficuldades, imagine a Camara o que aconteceria, se logo se tivesse proseguido nos trabalhos parlamentares.

Mas, finalmente, o illustre Deputado, o Sr. Antonio Cabral, apresentou no principio do seu discurso uma moção de confiança ao Governo. Essa moção approva a maneira como o Governo procedeu, perante a commissão de fazenda e a Camara por esta moção resolve o conflicto levantado entre o Governo e a commissão de fazenda. E a explicação que o Governo dá a essa moção. A Camara aprecia quaes os factos a attender e resolve o conflicto aberto na commissão de fazenda entre o, Governo e a maioria dessa commissão.

É n'este sentido que, clara, franca e abertamente, o Governo acceita a moção apresentada pelo Sr. Antonio Cabral. Não quero que haja equivocos; o Governo appellou para a Camara desde que a discussão se levantou, explicou a maneira como procedeu perante a crise, e eu entendo que o Governo tem direito a que a Camara, depois de informada, se pronuncie declarando o seu voto quer a favor do Governo, quer contra. É só neste sentido, repito, que o Governo acceita a proposta do Sr. Antonio Cabral. Termino agradecendo á Camara a attenção com que me tem ouvido. (Apoiados). (Vozes: - Muito bem, muito bem).

(O orador não reviu).

O Sr. Presidente: - Peço aos Srs. Deputados que occupein os seus logares.

A hora está muito adeantada e alguns Srs. Deputados pediram a palavra para explicações. Se a Camara per-mitte, eu aproveito o tempo que falta para encerrar a sessão, dando a palavra a S. Exas.

A Camara resolveu affirmativamente.

O Sr. João Pinto dos Santos: - Mal diria eu que nesta sessão tinha de pedir novamente a palavra para explicações pessoaes; mas não posso deixar de o fazer porque o ataque do Sr. Presidente do Conselho feito ao meu amigo o Sr. Conselheiro Alpoim e aos membros da commissão de fazenda foi de tal ordem que eu ficaria collo-

Página 13

SESSÃO N.° 19 DE 22 DE AGOSTO DE 1905 13

cado numa pessima situação, se não levantasse a luva que S. Exa. nos arremessou.

Sr. Presidente: nunca tive receio na minha vida de dizer com franqueza aquillo que me cumpre.

Não tenho que tirar a mascara, porque sempre disse a verdade com toda a franqueza e lealdade. Eu nunca tive mascara.

Toda a minha vida e todos os meus actos são conhecidos.

Filiei-me no partido progressista por minha vontade, depois de ter estado ao lado do fallecido Vaz Preto.

Não tenho recebido benesses e depois de trinta annos de vida publica sou chefe de uma repartição. O que sou devo-o á integridade do meu caracter. (Apoiados).

Todos sabem quanto é difficil viver na vida politica.

A politica, em toda a parte do mundo, não é só a vida individual; na politica não é como na minha casa onde posso receber quem eu quero: ha a necessidade de receber toda a gente.

Se o Sr. Presidente do Conselho fosse tirar a mascara a todas as pessoas que o acompanham, se tirasse a propria mascara que usa, havia de ver cousas extraordinarias; mas eu nunca tive mascara, repito.

S. Exa., para nos expulsar do partido progressista, carece cia reuntao dos centros e não pode, por sua propria vontade, declarar que nato pertencemos ao partido progressista. E nos, portanto, não comprehendemos que tenhamos de abandonar o partido e consideramo-nos progressistas embora não sejamos pela juncção das duas operações relativas aos tabacos. E aqui estamos até que nos expulsem os centros que constituem o partido. (Apoiados).

V. Exa. deve saber que o partido progressista não é simplesmente o seu chefe, porque seria deveras humilhante que um partido seja escravo de um homem. Não compreheude a politica assim. Se a politica, em Portugal, é somente de quem manda, e se todos são seus humildes criados, então melhor é abandonar essa politica, porque não representa ella senão a exautoração dos homens publicos.

O Sr. Presidente do Conselho, para expulsar alguém do seu partido, carece da convocação dos centros; não o fazendo, não pode, por sua livre vontade, declarar que estes ou aquelles não pertencem ao partido progressista.

Os dissidentes de agora, embora tenham muito respeito e consideração por S. Exa., não podem considerar que S. Exa. absorve o partido todo. Todos continuam a ser progressistas, em quanto não forem expulsos dessa agremiação; não podem, porém, admittir a subserviencia cega a um chefe.

Se já se chegou a esta decadencia; se já se chegou á situação miseravel de que ninguém pode pensar de maneira differente do chefe, e que é necessario estar acorrentado á sua vontade, então não ha partidos em Portugal, nem Governos.

De resto, quando um partido chega a fazer questão politica e fundamental de um contrato de tabacos, é incontestavelmente um partido em decadencia. Uma questão d'estas, que toda a gente diz ser questão de interesses, deve ser abandonada pelo Governo.

Diz-se que a commissão tinha um partipris e que era necessario que o Sr. Alpoim saisse do Governo, porque de ha muito conspirava contra elle. Sendo assim porque não tinha, então, o Sr. Presidente do Conselho a coragem de o despedir?

A prova de que os dissidentes de agora não conspiravam é que na primeira reunião da commissão discutiram o contrato dos tabacos. Se tivessem um plano preconcebido, não o manifestariam logo n'essa primeira reunião?

Havia parti pris, sim, mas era contra esses dissidentes.

Eu tenho a tempera de um homem de bem e tenho a altivez necessaria para pedir a responsabilidade a quem quer que ella pertença.

S. Exa. increpou o Sr. Alpoim, que ha de defender-se, porque é um homem distincto e um orador brilhantissimo, por elle ter approvado o contrato dos tabacos e negar-lhe depois a sua approvação.

Não pode acreditar-se que assim fosse, porque sendo o Sr. Conselheiro Alpoim Ministro da Justiça não tinha que examinar minuciosamente esse contrato, muito menos quando o proprio Sr. Ministro da Fazenda, pelas manifestações que tem dado, mostra bem que não o conhece.

Sou franco em todos os meus actos.

Quando se entrou na discussão, convenci me de que o partido progressista podia ter feito a separação das duas operações.

Fique S. Exa. certo de que os factos que apresento, não são para malsinar ninguem; só quero a legitima defesa da minha honra, pois que tenho trabalhado para a conservar.

Só fui sustentar na commissão de fazenda o que entendia na minha consciencia.

Vou terminar as minhas considerações.

Quando alguem malsinar as minhas palavras terá de responder por isso.

Não consentirei que digam que procedi irregular e incorrectamente. (Apoiados).

O Sr. Presidente do Conselho queixou-se de não ter sido avisado de que havia dissidencia; mas S. Exa. sabia-o, porque até foi assistir á reunião da commissão de fazenda por não confiar no Sr. Ministro da Fazenda. (Apoiados). E, sabendo-o, porque não chamou então ao redil essas ovelhas transviadas?

Se havia manifestações de hostilidade, porque não nos chamou para lhe indicarmos as causas por que divergia-mos?

Porque recebeu tão mal a nossa proposta, declarando que estavamos a fazer obstruccionismo?

No que acabo de dizer não tive intenção de maguar o Sr. Presidente do Conselho, mas não podia deixar de dar estas explicações, como justificação do meu procedimento, que foi correto. (Apoiados).

(Vozes: - Muito bem).

(O orador não reviu).

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros (José Luciano de Castro): - Respondo ao illustre Deputado Sr. João Pinto dos Santos repetindo que a dissidencia havida no seio do partido progressista não proveio da questão das tabacos, mas sim de uma questão politica. A este respeito S. Exa. nada disse.

Affirmo que nunca desejei expulsar do meu partido os illustres Deputados hoje dissidentes. Pelo contrario, tenho feito, tanto quanto possivel, pare evitar essa scisão. Se porém S. Exas. suppriem que teem por pi a maioria do partido progressista, convoquem os respectivos centros e verão a concorrencia que a elles aflflue. Pela minha parte não tenho necessidade de convocar os centros politicos progressistas, porque tenho a certeza de que todos approvam o meu procedimento.

De novo repito que lamento as divergencias ultimamente havidas no seio do meu partido; mas podem os illustres dissidentes acreditar que, se em sua consciencia entenderem que devem voltar novamente para elle e acatar a auctoridade do seu chefe, serão muito bem recebidos.

Ainda, em referencia ao contrato dos tabacos, devo dizer que, ao contrario do que se tem affirmado, as respectivas negociações não foram feitas só por mim; foram-o de accordo com todo o Governo, assistindo a ellas o Sr. Ministro da Fazenda e e Sr. Conselheiro Pereira de Miranda, então Ministro do Reino.

Nunca tive conferencias com os negociadores estrangei-

Página 14

14 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

ros senão na presença dos meus collegas. É este um facto positivo e real.

Mais devo declarar ainda que nunca fiz questão do contrato dos tabacos, deixando plena liberdade a todos para o discutirem, apreciarem e votarem como entendessem em sua consciencia.

O Sr. Presidente: - Peço a attenção da Gamara, e que os Srs. Deputados occupem os seus logares.

Vozes: - Deu a hora, deu a hora.

O Sr. Presidente: - Acha-se ainda inscripto, para explicações, o Sr. Deputado Queiroz Ribeiro. Em consequencia, porém, de ter dado a hora de encerrar-se a sessão, não posso dar a palavra a S. Exa. sem previamente consultar a Camara.

Vozes na esquerda: - Fale, fale.

Vozes na direita: - Deu a hora, deu a hora. Consultada a Camara, resolve negativamente.

Protestos.

Vozes: - Nunca se negou a palavra para explicações.

O Sr. Presidente: - A proxima sessão será amanhã, á hora regimental, sendo a ordem do dia a mesma que vinha dada para hoje.

Está levantada a sessão.

Eram 7 horas e 10 minutos da noite.

Propostas de lei apresentadas nesta sessão pelos Srs. Ministros das Obras Publicas e da Justiça.

Proposta de lei n.° 10-BB

Senhores. - É inutil encarecer o alto fim social a que visa esta proposta. Trata-se de auxiliar a iniciativa particular para a construcção de bairros ou grupos de casas baratas em perfeitas condições de salubridade para alojamento das classes pobres.

Quem percorresse os nossos velhos bairros de Alfama e da M ouraria, ou esses grupos de habitações acccumuladas num pequeno espaço, separadas por viellas humidas e infectas, trescalando a immundicie; quem penetrasse nessas escuras casas, em que se aloja uma densa população de miseraveis na mais torpe promiscuidade de sexos, e onde, a obscena immoralidade só é excedida pelo asqueroso e repugnante espectáculo d'aquelle muladar humano; quem considerasse attentamente nessa despresivel população, a que faltam os elementos mais essenciaes á vida - o ar puro do céu que é a saude do corpo, a luz clara do sol que é a alegria do espirito; fatalmente reconheceria a urgente e inadiavel necessidade que se impõe á attenção dos poderes publicos, de procurar qualquer medida que seja remédio para tanta lastima.

O mau alojamento, como a escacez de alimentação é uma das causas do enfranquecimento physico. Com effeito é nos antros da penuria, na lura infecta do pateo lisboeta ou da ilha portuense, que germina e se desenvolvem as doenças epidemicas, na continua fermentação da montureira humana; é ali que sobretudo impera a tuberculose, o descaroavel morbo, sempre presente na morada do pobre ou seja o escasso ambiente da mansarda esguia semelhando um carcere, ou a tabida escuridão da loja terrea que lembra já a treva humida do sepulchro.

Este mal accentua-se principalmente nos grandes centros de população, onde o terreno é caro e por isso aproveitado para construcções de maior interesse e de mais rendoso lucro. Ao contrario do que succede na aldeia onde sobra o espaço, que o ar sanea e o sol alegra, na cidade, e sobretudo nas grandes capitães disputam-se a peso de ouro os metros de terra, rasgam-se largas avenidas para edificações de luxuosa fabrica e custosa locação, e apertam-se á custa deste grande desenvolvimento esthetico e civilizador os já de si exiguos bairros de casas pobres, diminuindo-lhes a area, sem que diminua o numero dos seus habitantes. N'ellas se vae minando e ruindo a saude do pobre, constituindo se tambem ali, n'aquelle meio formado de uma população combalida e morbida, um perigoso foco de infecção possivel, a ameaça continua á saude publica pela presença de uma agglomeração excessiva, num espaço insufficiente, falto de todas as condições hygienicas e onde as doenças symoticas encontram terreno favoravel para a sua assoladora expansão.

Quando pois a misericordia natural do coração não estivesse aconselhando esta generosa medida humanitaria, o proprio egoismo previdente parece estar reclamando e exigindo o estabelecimento de cautellas urgentes e indispensaveis que ao mesmo tempo que são util e conveniente salvaguarda para a saude publica, afastam para fora da vista o dolente espectáculo de tanta miseria.

A presente proposta não é portanto e apenas uma providencia de philantropica humanidade, não é só um acto de simples beneficencia, é tambem uma medida de incontestavel utilidade social e até de uma inadiavel necessidade publica.

Todos lucrarão com ella, pobres e ricos, e vale ainda alguma cousa que a utilidade de uma providencia seja tambem aconselhada por uma inspiração de misericordiosa piedade.

Não quero eu usurpar para mim a gloria dessa benemerente iniciativa, suggerida ao Governo pela intelligente solicitude do Soberano português, sempre attento para as necessidades do seu povo, inquirindo das suas lastimas, investigando das suas miserias e procurando mitigar-lhe as privações do seu soffrimento e angustias do seu viver. Foi assim que El-Rei aconselhou ao seu Governo o estudo desta questão, lembrando-lhe a necessidade d'esta util providencia, pensada e sentida pelo seu brilhante espirito.

Abençoada iniciativa que me proporcionou o ensejo de trazer ao Parlamento esta proposta, que eu espero merecerá a attenção e o applauso dos representantes da nação.

A demolição de muitas casas pequenas para a abertura de novas das e avenidas, sem que se construissem outras que as viessem substituir; a ruina natural dos predios decrepitos, proveniente da falta de cuidado e de reparações indispensaveis; o aumento progressivo da popuhação das cidades, emigrada dos campos, condensada nos grandes centros, na esperança de adquirir lucros mais remuneradores do seu trabalho; a tendencia dos capitalistas para construir casas grandes e apparatosas, habitações de luxo, destinadas a quem possa pagar grandes rendas, em remuneração dos capitães empregados, taes são as causas principaes que, sobretudo em Lisboa e Porto, concorreram para que as classes operarias e familias pouco abastadas se accumullassem nas poucas casas existentes, em condições da mais deploravel hygiene, embora por preços excessivamente caros.

Num inquerito feito pelo conselho dos melhoramentos sanitarios, verificou-se que nos 179 pateos de Lisboa havia 1:580 casas com 7:600 moradores. Todas essas casas se encontravam numa- repugnante immundicie, faltas da nesessaria hygiene e constituindo na sua maior parte um grave perigo para os seus moradores e até para os seus

Página 15

SESSÃO N.° 19 DE 22 DE AGOSTO DE 1905 15

vizinhos. Semelhantemente á capital, as ilhas do Porto nada ficam a dever aos nossos pateos, e quando ali se manifestou a peste bubonica, as visitas sanitarias revelaram a existencia das mais lastimaveis habitações. Infelizmente porem pouco ou nada se tem feito no sentido, de remediar este mal que a hygiene publica tanto condemna.

Em muitos paises tem a iniciativa particular prestado com louvavel solicitude relevantes serviços á saude e á pobresa, construindo casas em condições economicas e conforme os preceitos hygienicos para moradia das classes mais miseraveis.

A acção philantropiea não exclue o interesse commercial e essas benemeritas e intelligentes empresas poderam, sem sacrificar totalmente o seu lucro á acção humanitaria, construir bairros modelos para operarios, sem prejuizo dos seus capitães e antes com justa e equitativa remuneração. No emprehendimento havia com effeito margem para fazer bem e ganhar dinheiro, mas, porque os lucros eram exiguos para satisfazer as ambições- do capital exigente, nem sempre nem em toda a parte poude esta obra ser levada a effeito sem o auxilio dos poderes publicos.

E por isso que o Estado e os municipios, considerando a utilidade geral de taes melhoramentos tem procurado coadjuvar estas empresas, compensando a mingua dos lucros com valiosas concessões.

Entre nós, talvez por não estar bem esclarecido o publico sobre a importancia social desta questão, em grande parte decerto por falta de auxilio de subsidios que a estimulassem, a acção particular pouco se tem manifestado. Deve porem mencionar-se com merecido louvor as benemeritas iniciativas do jornal portuense O Commercio do Parto, que está construindo dois bairros operarios, um no Monte Pedral e outro em Lordello do Ouro, e do illustrado Bispo de Coimbra tambem empenhado na construcção de um importante grupo de casas baratas n'aquella cidade.

Organizaram-se tambem em Lisboa nove companhias edificadoras de casas baratas, mas de indole commercial, mais duas cooperativas para o mesmo fim e existem tres empresas industriaes que construiram pequenos bairros para os seus operarios.

No resto do país ha a notar o grupo de casas construidas no Entroncamento pela Companhia Real dos Caminhos de Ferro Portugueses para o seu pessoal, um pequeno bairro para os operarios da Companhia de Fiação e Tecidos de Thomar, um outro identico em Lagos, mais dois em Setubal e um pequeno grupo nas minas de S. Domingos.

Tudo isto, embora muito digno de louvar-se, é pouco, muito pouco para as necessidades actuaes, sobre tudo pelo que respeita ás nossas grandes cidades.

Quanto á iniciativa municipal nada ha que mereça registar-se, promovido por estas corporações, e salvo uma ou outra proposta sem seguimento, apresentada por vereadores solicitos e inteligentemente preocupados pelos interesses geraes dos seus municipes, nada mais ha a mencionar, que honre estas instituições, sob este ponto de vista.

Parece pois, em vista do que fica exposto, que não seria de todo descabida a acção do Estado na solução do problema, não já intervindo directamente nestes emprehendimentos, substituindo a sua acção a outras iniciativas, mas auxiliando-as por meio de concessões e outros privilégios que estimulassem a nossa constitucional inercia.

Com tal intuito foi elaborada esta proposta a que servirá de justificação a autoridade das legislações estrangeiras.

Estabelece-se n'ella o typo geral a que deve obedecer a construcção de um bairro operario e grupo de casas baratas, indicando-se a sua disposição e edificação normal, conforme os preceitos scientificos da hygiene e salubridade publica; e no sentido de despertar a iniciativa das entidades que pretendam fazer estas construcções, enumeram-se as concessões e isenções que podem ser outorgadas pelo Estado e camaras municipaes mediante determinadas condições impostas aos concessionarios.

Para facilitar as expropriações dos terrenos a adquirir e dos edificios a demolir para a construcção dos bairros operarios determinam-se algumas providencias excepcionaes, que a importancia do assunto justifica de sobra.

Taes são as principaes disposições da proposta que tenho a honra de submetter á vossa approvação.

Proposta de lei

CAPITULO I

Disposição geral dos bairros operarios e grupos de casas baratas

Artigo 1.° Os bairros operarios e grupos de casas baratas, a que se refere esta lei, poderão ser construidos:

1.° Pelos municipios;

2.° Por associações legalmente constituidas para este fim e cujos estatutos hajam sido devidamente approvados;

3.° Por empresas industriaes ou mineiras, para as quaes serão estas construcções encargo obrigatorio, na proporção do numero dos seus operarios, quando explorem qualquer privilegio ou concessão do Estado;

4.° Por particulares.

§ unico. O Estado poderá tambem construir bairros operarios, quando os municipios não tenham meios para esse fim e circunstancias especiaes e urgentes assim o aconselhem.

Art. 2.º As casas baratas deverão ser vendidas a pronto pagamento ou a prestações, quando construidas pelas entidades mencionadas nos tres primeiros numeros do artigo 1.°; poderão porem ser alugadas emquanto não houver comprador que as queira adquirir.

Art. 3.º Os bairros operarios e grupos de casas baratas serão em regra constituidos por casas isoladas para uma só familia; poderão comtudo autorizar-se:

1.° Grupos de duas casas separadas por um espaço nunca inferior a cinco metros, quando as casas forem terreas, e de oito, se tiverem andares, sendo aquelle espaço dividido a meio por uma parede longitudinal;

2.° Fileiras de casas successivas e unidas, mas cortadas por meio de das transversaes, quando o seu compri- mento exceder cem metros.

§ unico. Em qualquer dos casos deste artigo estas construcções terão sempre na rectaguarda um terreno com a largura minima de tres metros e sendo possivel um pequeno jardim á frente.

Art. 4.° As das dos bairros operarios obedecerão ás seguintes condições:

1.° Largura minima de dez metros e as transversaes de cinco;

2.° Encanamentos completos para vasão das aguas pluviaes e caseiras ligados aos esgotos publicos e na falta distes a fossas convenientemente collocadas;

3.° Pavimento macadamizado ou calçado na faixa de rolagem e passeios lateraes.

§ unico. Nos grupos de casas baratas que não constituam propriamente um bairro operario, quando formados por casas terreas, poderão estas das ter menos largura, mas nunca inferior a metade da que fica determinada.

Art. 5.° Poderão autorizar-se outros typos de bairros ou grupos de casas baratas, quando as circunstancias especiaes do terreno assim o exijam.

Art. 6.° Todas as construcções destas casas ficam rigorosamente sujeitas ás regras estabelecidas no regulamento de salubridade de 14 de fevereiro de 1903.

Art. 7.º Nos bairros operarios de maior vulto e importancia, poderá exigir-se aos que se aproveitarem dos be-

Página 16

16 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

neficios concedidos por esta lei a obrigação de construirem uma escola e um lavadouro publico.

CAPITULO II

Concessões para auxilio da construção dos bairros operarios e grupos de casas baratas

Art. 8.° As entidades mencionadas no artigo 1.° que se proposerem construir os bairros operarios ou grupos de casas baratas, poderá o Estado conceder:

1.° Cedencia de terrenos necessarios para a sua construcção;

2.° Subsidios em dinheiro ou materiaes do Estado;

3.° Garantia temporaria de juro com limite fixo pelo capital empregado;

4.° Isenção da contribuição de registo pela compra ou expropriação do terreno necessario para a construcção;

5.° Isenção do mesmo imposto pela primeira transmissão, effectuada pelos constructores das casas a favor do comprador;

6.° Isenção da contribuição predial por dez annos e da de renda de casas por quinze annos, quando o preço da renda de toda a casa ou de cada domicilio seja inferior a 50$000 réis em Lisboa e Porto, 40$000 réis na terras de 2.ª ordem, 20^000 réis nas terras de 3.ª ordem, 10$000 réis nas restantes;

7.° Isenção do imposto de rendimento sobre o dividendo annual distribuido ás acções, quando este não exceda a 5 por cento;

8.° Isenção do imposto do sello sobre:

a) Diplomas de concessão;

b) Diplomas de approraç&o dos estatutos;

c) Diplomas de constituição de sociedade;

d) Acções e obrigações;

e) Titulos de compra ou arrendamento.

Art. 9.° Os municipios deverão construir estes bairros ou grupos, quando, para saneamento das povoações, tenham que proceder á demolição de casas insalubres destinadas ás classes pobres.

Art. 10.° Os municipios poderão também, quando devidamente autorizados, auxiliar as associações ou particulares, a que só referem os n.ºs 2.º e 4.° do artigo 1.°, por algum dos seguintes meios:

1.° Concessão de terrenos necessarios para as construcções;

2.° Construcção de das e respectivos encanamentos para esgoto de aguas de chuva e caseiras;

3.° Illuminação conservação e limpeza das mesmas ruas.

Art. 11.° Qualquer pedido de concessão, a que se referem os artigos 8.° e 10.°, será sempre acompanhado de um projecto completo, approvado pela camara municipal respectiva, ouvido o Conselho dos Melhoramentos Saniia-rios e o Conselho Superior de Obras Publicas e Minas, comprehendendo:

1.° A planta cotada do terreno e da construcção;

2.° Um desenho de cada typo de casas com a indicação do numero dos compartimentos e suas dimensões, e um corte indicando a altura total do edificio e de cada um dos andares.

Art. 12.° As concessões, a que se referem os artigos S.° e 10.°, só poderão ser feitas depois de approvado pelo Governo o projecto da construcção, sujeitando-se os concessionarios:

1.° A construir nos precisos termos do projecto approvado;

2.° A venderem ou, a alugarem as casas construidas por um preço que nunca poderá exceder um máximo fixado para cada domicilio;

3.º A darem cumprimento ao estabelecido no artigo 7.°, quando se entenda dever exigir-se aquella condição, marcando-se um prazo para a sua execução.

§ 1.° O preço da renda ou aluguer será calculado por accordo entre o Governo ou a camara municipal do respectivo concelho, conforme for aquelle ou esta que fizer a concessão, e o concessionario, ouvido o Conselho dos Melhoramentos Sanitarios e o Conselho Superior de Obras Publicas e Minas, tomando para base o custo da construcção, o numero das suas divisões e os lucros razoaveis do concessionario, tendo em conta os beneficios outorgados na concessão.

§ 2.° No diploma da concessão serão sempre expressas as condições em que é feita.

Art. 13.° As concessões feitas pelo Estado ou pelos municipios ficarão de nenhum effeito, se os concessionarios não executarem as obras rigorosamente conforme os projectos approvados ou faltarem a qualquer, das condições exaradas no diploma da concessão ou ás estabelecidas no regulamento de salubridade de 14 de fevereiro de 1903. Neste caso será o concessionario obrigado a restituir ao Estado o valor de todas as concessões que lhe tiverem sido feitas, accrescido de mais 10 por cento.

CAPITULO III

Das expropriações

Art. 14.° Approvado o projecto de construcção do bairro operario ou grupo de casas baratas, ficam desde logo consideradas de utilidade publica as expropriações dos terrenos e edificios comprehendidos na area destinada á construcção.

Art. 15.° Logo que seja decretada a expropriação por utilidade publica, em nenhum edificio ou terreno n'ella comprehendidos será permittido fazer qualquer obra, melhoramento ou plantação, destinados a aumentar-lhe o seu valor, e quando se façam não poderão ser attendidos na avaliação.

Art. 16.° A avaliação dos terrenos ou prédios a expropriar, quer seja para construir bairros ou grupos de casas baratas, nos termos desta lei, quer seja para demolir bairros ou grupos de casas insalubres, terá por base a meda do valor inscrito na matriz da contribuição predial e de renda de casas nos cinco annos anteriores á expropriação com o aumento de 10 por cento.

Art. 17.° Quando tiver de ser expropriada parte de uma propriedade, consistirá a indemnisação:

1.° No valor que corresponder á parte-a expropriar calculado proporcionalmente no valor total da propriedade avaliada, conforme preceitua o artigo 19.°;

2.° No valor da depreciação que sofrer toda a propriedade com este corte;

3.° No valor necessario para conservar as serventias e vedar a propriedade, sendo rustica, ou no das obras que for necessario fazer em consequencia do corte, sendo a prqpriedade urbana.

§ unico. O valor da depreciação nunca poderá exceder metade do valor real da parte a expropriar.

Art. 18.° Quando a expropriação abranger somente parte de uma propriedade urbana ou tres quartos de uma propriedade rustica, pode o proprietario exigir a sua expropriação na totalidade.

Art. 19.° Quando o predio não estiver inscrito na matriz predial, será feita a sua avaliação por peritos, mas nunca o rendimento que servir de base ao seu valor excederá o máximo das rendas que são isentas do imposto do rendimento nos termos do artigo 3.º, da lei de 29 de junho de 1899, que é:

36$000 réis em Lisboa e Porto.
26$000 réis nas terras de 2.ª ordem.
12$000 réis nas terras de 3.ª ordem.
6$000 réis nas terras restantes do reino.

Ao valor total assim calculado será abatido o correspondente ao seu estado do velhice ou de ruina.

Art. 20.° Quando o predio a expropriar estiver pelo

Página 17

SESSÃO N.° 19 DE 22 DE AGOSTO DE 1905 17

seu estado de velhice ou de insalubridade no caso de não ser habitado, a expropriação será feita pelo valor do terreno e dos materiaes, aumentado com 10 por cento.

CAPITULO IV

Disposições geraes

Art. 21.° O Governo proporá annualmente ás cortes a verba que pelo Ministerio das Obras Publicas destinar para auxilio da construcção das casas baratas.

Art. 22.° As companhias constructoras, que receberem subsidios nos termos desta lei, ficam autorizadas a fazer seguros de vida aos individuos que pretenderem adquirir em prestações casas baratas, construidas nos termos do artigo 1.°, de modo,, que por morte do segurado seja garantido o pagamento das annuidades pela companhia e continue a casa na posse da familia sem mais encargos.

Art. 23.° O Governo fará os regulamentos necessarios para a execução da presente lei.

Secretarias de Estado dos Negocios do Reino, da Fazenda e das Obras Publicas, Commercio e Industria, era 22 de agosto de 1900. = Eduardo José Coelho = Manoel Affonso de Espregueira = D. João de Alarcão Velasques Sarmento Osorio.

Foi enviada á commissão respectiva.

Proposta de lei n.° 10-CC

Senhores. - A necessidade de remodelar a organização vigente da magistratura judicial está reconhecida de ha muito, não só em propostas de alguns dos meus antecessores, entre as quaes lembro a do sr. conselheiro Francisco Antonio da Veiga Beirão, apresentada á camara dos deputados na sessão de 9 de julho de 1887, mas até em diplomas legislativos. Com effeito, o decreto n.º 3 de 29 de março de 1890, confirmado nesta parte pela lei de 7 de agosto seguinte, estatuiu que, para complemento das suas disposições, fosse ouvida uma commissão composta de membros do supremo tribunal de justiça e da relação de Lisboa, sobre o que convinha estabelecer ácerca dos direitos e deveres dos magistrados judiciaes, suas garantias e responsabilidade; e esta commissão desempenhou o seu mandato, confeccionando um projecto cujas linhas geraes se harmonizam com as da proposta de 1887.

Tal remodelação mais instante se tornou ainda depois do illustre ministro da justiça, sr. conselheiro Arthur Alberto de Campos Henriques, ter publicado os decretos de 24 de outubro e 29 de novembro de 1901, em que foram reorganizados os serviços do ministerio publico e dos officiaes de justiça, serviços ligados intimamente aos da magistratura judicial.

Creio, pois, justificada a iniciativa que uso apresentando ao parlamento a presente proposta de lei. Não tentei fundá-la em bases novas, antes acceitei fundamentalmente o que a tradição me offerecia, procurando apenas acommodá-la ás condições da sociedade actual, accentuar a separação dos poderes do estado, reformar consoante a lição da pratica, e codificar disposições dispersas.

A magistratura judicial fica composta, na sua parte permanente, de juizes do supremo tribunal de justiça, das relações e de direito. Como magistratura secundaria acceito os juizes de paz, aproximadamente com as modestas attribuições que lhes confia a lei actual. Creio que não vale a pena voltar á experiencia de outros juizes de primeira instancia, que, depois de tentativas, não conseguiram amoldar-se ás condições do nosso organismo juridico. Os aperfeiçoamentos, no sentido de facilitar a justiça aos povos, devem, em meu entender, procurar-se, de preferencia, numa boa divisão comarca. Por outro lado, a simplificação do processo, desobrigando as partes e as testemunhas de comparecerem com demasiada frequencia no tribunal; a limitação da intervenção do jury aos casos da sua justa competencia, aliviando os cidadãos dos excessos de um encargo pesado; e a delegação das funcções dos juizes de direito nos seus inferiores, - tudo concorre para attenuar os incommodos das distancias.

Deixo, todavia, subsistir os julgados municipaes existentes, que pelo seu pequeno numero, - oito ao todo, no continente e ilhas, - constituem não um capitulo da ordem judiciaria, mas um elemento excepcional e aparte, destinado manifestamente no futuro, quando a situação do thesouro for mais desafogada e o desenvolvimento das respectivas circunscrições mais accentuado, a entrar na rede geral das divisões uniformes. Não tendo, todavia, chegado ainda o momento opportuno para tal inclusão, entendi não dever supprimir, só pelo respeito á uniformidade, esses poucos tribunaes dispersos, a que os interessados já se costumaram e que satisfazem exigencias locaes muito particulares.

É indispensavel que os magistrados judiciaes se dediquem com assiduidade ao desempenho das suas funcções, e que não só mereçam mas tenham effectivameute a confiança dos seus administrados. Para conseguir este fim, estabeleço que os juizes se apresentem pessoalmente a servir os cargos para que foram nomeados, promovidos ou transferidos, dentro de prazos curtos; não admitto a posse por procuração; prohibo expressamente a residencia fora da sede da circunscrição, a ausencia sem motivo justificado, a intervenção em actos de caracter politico, e as manifestações publicas ácerca do procedimento de funccionarios ou corporações officiaes.

A existencia de um quadro da magistratura sem exercicio justifica-se como compensação ao arduo encargo de julgar. Não seria razoavel, em determinados casos, que o estado abandonasse sem auxilio funccionarios sobrecarregados de serviço e parcamente remunerados, quando algum impedimento os cohibisse temporariamente de permanecer na effectividade. Mas é preciso cercar esta inactividade de cautelas tendentes a evitar os abusos possivel. O quadro, actualmente, chegou a uma anormalidade que não pode manter-se. Basta, para convencimento de tal, expor o seu movimento durante os ultimos dez annos, tomando para ponto de partida o dia 30 de junho de 1890, em que existiam quarenta e cinco juizes n'aquella situação.

MOVIMENTO DO QUADRO

[Ver quadro na imagem]

Assim, num periodo de 10 annos, apenas regressaram á effectividade 8 juizes, ao mesmo tempo que o numero dos collocados na inactividade se elevou de 45 a 71.

Página 18

18 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Tambem a permanencia no quadro tem sido desmedidamente longa. Dos juizes actuaes, conservam-se n'essa situação: 1 ha 21 annos, 2 ha 17, 1 ha 16, 1 ha 15, 1 ha 14, 1 ha 13, 3 ha 12, 2 ha 11, 1 ha 10, 1 ha 9, 1 ha 8, 1 ha 7, 10 ha 6, 8 ha 5, 6 ha 4, 4 ha 3, os restantes ha menos de 3.

Por ultimo, a despesa com o vencimento d'estes funccionarios elevou-se, no anno economico findo, a 69:590$969 réis, e absorveu, nos ultimos dez annos, cerca de réis 600:000$000.

É, pois, indispensavel remediar este estado de cousas e evitar a repetição de irregularidades semelhantes ás indicadas.

N'este intuito, estabeleço que só podem ser collocados no quadro com vencimento os juizes impedidos temporariamente por doença e com mais de cinco annos de exercicio: nem é justo que se remunere quem passa a inactividade para tratar dos seus negocios particulares, nem quem ainda não prestou serviço publico durante certo periodo relativamente longo. Por outro lado, tal situação, gravosa para o thesouro, não pode eternizar-se, antes deve ser limitada em tempo; assino lhe, assim, o prazo maximo de tres annos: se até então os magistrados não regressarem á effectividiide, seja a requerimento seu, seja em virtude, do exame ordenado annualmente pelo governo, resta-lhes continuarem no quadro sem vencimento, ou aposentarem-se caso satisfaçam ás condições legaes para isso requeridas.

Em virtude desta regulamentação, podem regressar á effectividade juizes qiie não tenham ainda vaga nos tribunaes respectivos. Aproveito o seu serviço na substituição de juizes impedidos com demora. É conhecida a difficuldade da substituição dos juizes de direito, quer por outros funccionarios attento o trabalho que já impende sobre elles, quer por simples cidadãos vista a falta de capacidade que por vezes mostram para o exercicio dcs3e cargo. Creio, pois, que não deve esquecer se o auxilio valioso que aquelles juizes podem prestar.

A anormalidade da situação presente do quadro levou-me ainda a estabelecer uma medida transitoria, relativa aos actuaes juizes em tal situação, fixando a sua collocação nos tribunaes numa vaga em cada quadro, a fim de evitar que a promoção tique parada por muitos annos: não seria justo resolver de momento um estado de cousas, irregular, sem- duvida, mas que se formou successivamente durante largo periodo. Todavia, a demora na regularização definitiva não se traduzirá numa inutilidade para o serviço publico, porque os magistrados que regressarem á effectividade poderão ser logo empregados em substituições.

Para estabelecer a organização judicial em bases regulares, é condição primordial que distancias excessivamente longas, de percurso sempre incommodo e por vezes muito dispendioso, não difficultem o accesso aos tribunaes, criando embaraços que na pratica se traduzem frequentemente por verdadeiras denegações de justiça.

Circunstancias diversas, e em particular de ordem financeira, impedem, todavia, que as circunscrições comarcas sejam limitadas de forma a aproximar das sedes respectivas todos os povos que abrangem.

Assim se justifica o reconhecimento de uma magistratura secundaria.

E, todavia, preciso cuidar do seu recrutamento, fazendo-o de maneira a prove-la em homens illustrados, porque a funcção de juiz, quaesquer que sejam as suas attribuições, é sempre melindrosa. Tal foi o meu intuito quando dei preferencia para os cargos de juiz de paz aos bacharéis formados em direito, e quando consignei que o tempo que servissem estes logares lhes seria contado para a aposentação, caso viessem a dedicar-se a carreira judicial.

Do conceito da magistratura secundaria derivo as disposições caracteristicas da proposta a tal respeito.

A situação modesta dos juizes de paz aconselhou-me a circunscrever as suas attribuições, mas não de modo tão exagerado que a definição d'ellas viesse a desmentir a necessidade, em cujo nome haviam sido instituidos.

Pareceu-me por isso que o valor de 30$000 réis não era demasiado para determinar as causas que lhes competia julgar. Tal quantia, sem duvida, modica, já é, todavia, bastante avultada para dar logar a certo movimento de causas nestes juizos, permittindo que os julgadores sejam instruidos pela experiencia e os litigantes sintam as vantagens da instituição.

Se, porem, mantenho os juizes de paz, menos pelo que nelles encontro de bom, que pelas dificuldades derivadas da sua falta, manda a logica que essas difficuldades sejam constantes aferidores da propria magistratura. Conseguintemente, entendo dever restringir sensivelmente a sua competencia nos julgados das sedes de comarca, pois não existem então estorvos que impeçam os litigantes de recorrer aos juizes de direito.

O ingresso na magistratura judicial faz-se por meio de concurso, a que são admittidos os delegados do procurador régio, com seis annos pelo menos de serviço effectivo, e pertencentes á 1.ª classe se estiverem sujeitos ao regimen da promoção.

O systema do concurso é duplamente apreciavel, pela seriedade das garantias que offerece e pela, preparação que necessariamente exige aos candidatos.

A situação privilegiada concedida aos delegados do procurador régio representa a consagração de uma longa pratica, que compensa o arduo serviço destes funccionarios e assegura, tambem um recrutamento idoneo. Não importa, porem, este partido menos consideração pelo saber dos demais que, por suas profissões ou por meras tendencias do seu espirito, cultivam a sciencia juridica: pode have-los, e decerto os ha, muito doutos. A maior parte faltará, todavia, a pratica dos tribunaes, o folhear quotidiano dos processos, que, se pode ser menos importante para o estudioso que no seu gabinete procura resolver os complexos problemas do direito, é elemento inapreciavel para o julgador. De resto, a proposta consigna o que entre nos é, desde ha muito, lei de facto: pode dizer-se que as disposições que consideram os administradores do concelho, os juizes municipaes, e os conservadores do registo predial como candidatos á magistratura judicial teem ficado letra morta. A espectativa dos administradores ninguem pensará em ressuscitá-la; a dos juizes municipaes e dos conservadores, já quasi aniquilada pelo decreto n.° 3, de 29 de março de 1890, pode ser omittida sem que a pratica de sequer pela omissão. Não faltam, decerto, aos nossos conservadores do registo predial profundos conhecimentos juridicos e sincera dedicação pelos serviços que lhes estão incumbidos, mas o seu mester não tem afinidades de tal modo intimas com as funcções judiciaes que os torne logicamente candidatos legaes á respectiva magistratura - é outra a especialidade que, por suas occupações habituaes, a lei deve presumir n'elles.

Debaixo deste ponto de vista, a classe dos advogados é a que melhor poderia concorrer com a dos delegados. Não consignei, todavia, na proposta disposição alguma a tal respeito, por entender que ella nunca passaria de uma aspiração: as condições modestas em que as nossas finanças obrigam a manter a magistratura judicial não permittem esperar que um advogado de creditos estabelecidos queira trocar os avultados lucros da sua banca pelos mi-goados vencimentos de uma cadeira de juiz. A magistratura, na situação em que está e tem de continuar, só pode convir, no inicio da carreira publica, a quem pre-

Página 19

SESSÃO N.° 19 DE 22 DE AGOSTO DE 1905 19

fira um futuro seguro á incerteza das profissões sem garantias.

Como principio para, a promoção dos juizes estabeleço a antiguidade. Desde que a entrada na magistratura se realiza por meio de concurso, ha segurança de que todos os seus membros possuem competencia precisa para o desempenho das funcções respectivas; acrescendo ainda um tirocinio relativamente longo, creio de justiça fazer da antiguidade só por si o regulador do accesso. Chamam á antiguidade principio cego: se-lo-ha talvez, mas ao menos é cego para tudo, até para as influencias que muitas vezes desorganizam os mais importantes ramos do serviço publico. Demais, a promoção exclusiva por antiguidade é um dos mais seguros fiadores da independencia dos magistrados. Assim, as vantagens que encontro em tal preceito, como criterio racional, visto confiar nas lições da experiencia, e seguro, por evitar os abusos e equivocos que a apreciação do merito pode occasionar, levam-me a manter os preceitos da nossa legislação actual, ácerca da promoção dos juizes ás diversas classes e tribunaes.

Na mesma ordem de ideias de assegurar a inamovibilidade da magistratura, mereceu-me particular cuidado a regulamentação das transferencias. Podem ellas ter logar em virtude de promoção, termo do sexennio, requerimento do interessado e conveniencia do serviço. São factos que se verificam com relativa frequencia, e que, por isso, occasionam ameudadas solicitações e dependencias. Para as evitar, concedo aos juizes o direito de escolherem, segundo suas antiguidades, a comarca que melhor lhes convenha, de entre as vagas, e, no intuito de garantir a imparcialidade da administração, entrego ao supremo conselho da magistratura judicial a apreciação das conveniencias do serviço.

A proposta modifica sensivelmente os preceitos vigentes sobre as substituições dos juizes de direito. Entendo, como já disse, dever aproveitar para este serviço os magistrados que regressem do quadro á actividade, emquanto não se abrir vaga em que possam ser collocados. É manifesto que tal substituição só se verificará quando o impedimento do substituido for relativamente demorado. Desta forma, penso substituir os juizes impedidos por funccionarios competentes, sem aggravar a situação do thesouro, que não permittiria a organização de um quadro regular de substitutos. Pode considerar-se pesado o serviço das substituições, mas não deve esquecer-se que, em compensação desse encargo, é dada aos magistrados a regalia de embora pôr motivo justificado, permanecerem na inactividade com vencimento durante tres annos.

Tambem, no meu entender, os auditores administrativos e os conservadores do registo predial podem exercer com proveito as funcções de substituição, attendendo á natureza das suas habilitações scientificas. Por ultimo, recorro ainda a quatro substitutos, nomeados annualmente pelo governo, sobre proposta dos presidentes das relações. Todavia, excluo sempre os advogados, não só por representarem interesses que devem conservar-se separados dos que os juizes representam, mas tambem pela frequencia com que haviam de encontrar-se impedidos de funccionar nos processos.

Os juizes substitutos ficam tendo em determinados casos direito a certa remuneração. Deviam tê-lo sempre se as forças do thesouro o permittissem, pois e um principio altamente democrático retribuir todos os cargos publicos. Obrigado a acceitar as imposições de uma estricta economia, consignei de tal principio o que com ella era compativel, no intuito de attrahir competencias ás substituições.

Elevo a alçada dos juizes de direito a 60$000 réis. Embora as condições economicas não deem hoje a esta alçada valor maior que o attribuido em 1876 á do codigo de processo civil, não valeria a pena tão pequena alteração, se não fosse a vantagem de harmonizar a alçada civil com a criminal, que abrange a multa até 60$000 réis. Entendi tambem não dever manter a este proposito a distincção entre moveis e immoveis. Mantive-a ácerca da competencia dos juizes de paz, porque as causas sobre immoveis suscitam questões juridicas mais melindrosas. A idoneidade do juiz de direito dispensa, todavia, a separação como cautela, á semelhança do que o legislador de 1876 decidiu a respeito das relações, e como resultado da differença de valor das duas classes de riqueza dispensa-a a situação actual de fortuna mobiliaria.

A promoção dos juizes para as relações faz-se tambem por antiguidade, e a transferencia verifica-se a requerimento dos interessados ou por conveniencia do serviço, segundo regras análogas ás estatuidas para os juizes de direito. As considerações que me levaram a assentar taes principios para a primeira instancia levaram-me naturalmente a mante-los para a segunda.

A proposta altera o numero actual dos juizes dos diversos tribunaes das relações, elevando a vinte e um o das relações de Lisboa e Porto, e baixando a cinco o da relação de Ponta. Delgada. A alteração harmoniza-se com o movimento dos processos, que, sendo muito grande n'aquelles dois tribunaes, é diminuto neste ultimo, e attenua o incommodo da transferencia para as ilhas de funcciona rios que, de ordinario, teem no continente as suas familias e os seus interesses.

Julguei dever estender a todas as relações o estabelecimento de supplentes, para supprir a falta do numero legal de juizes effectivos, principio recebido já pela legislação para a relação de Ponta Delgada e para o supremo tribunal de justiça. Aproveito, assim, o serviço dos juizes addidos, e diminuo o numero de casos em que os processos teem de ser remettidos de um para outro tribunal, com manifesta vantagem para os litigantes.

O supremo tribunal de justiça fica sensivelmente com a organização actual. A mesma ordem de ideias que me levou a chamar os addidos para supplentes das relações levou-me a chamá-los para supplentes do supremo.

Asseguradas á magistratura judicial as mais serias garantias de independencia, é indispensavel regular a disciplina em termos que torne effectiva a responsabilidade em que, porventura, incorram os funccionarios.

Estabeleço, por isso, que os juizes superiores exerçam disciplina sobre os inferiores, firmando assim a hierarchia judicial; permitto que se proceda ás syndicancias convenientes; e estabeleço a acção disciplinar para a applicação das penas de censura, transferencia e suspensão.

Todavia, ainda neste capitulo não esqueci a situação da magistratura, e ao mesmo tempo que procurei assentar a disciplina em bases solidas, confiei-a essencialmente ao supremo conselho da magistratura judicial, composto de juizes da mais elevada categoria, encolhidos por eleição.

São estes os fundamentos da proposta que submctto ao voto do parlamento, e se não tenho a illusão de a suppor perfeita, tenho ao menos a convicção de a haver formulado sem preoccupações, só no intuito de dar ao poder judicial do meu país a independencia e a situação que lhe são devidas.

Proposta de lei

Artigo 1.° É approvada a organização da magistratura judicial, que faz parte da presente lei.

Art. 2.º Fica revogada a legislação em contrario.

Secretaria de estado dos negocios ecclesiasticos e de justiça, em 22 de agosto de 1905. = Arthur Pinto de Miranda Montenegro.

Página 20

20 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

CAPITULO I

Disposições geraes

Artigo 1.° A magistratura judicial e composta de:

Juizes do supremo tribunal de justiça;

Juizes das relações:

Juizes de direito.

Art. 2.° Fazem tambem parte da magistratura judicial, emquanto exercerem as respectivas funcções, e ficam, assim, sujeitos ás disposições desta lei que lhes puderem ser applicadas:

Juizes de paz;

Juizes substitutos;

Arbitros;

Jurados.

Art. 3.° A ordem judicial é hierarchica.

Art. 4.° Os juizes só teem jurisdição dentro da area da circunscrição judicial respectiva, salvo quando a lei determinar o contrario.

Art. 5.° Os juizes não podem delegar o exercicio da sua jurisdição, excepto nos magistrados seus inferiores em hierarchia e nos casos que a lei autorizar.

Art. 6.° São condições indispensaveis para o exercicio de funcções judiciaes:

1.° Ser cidadão português;

2.° Estar no gozo pleno dos direitos civis e politicos.

§ unico. Da disposição do n.° 1.° é excluido o estrangeiro naturalizado cidadão português.

Art. 7.° O cargo de juiz de direito, da relação, ou do supremo tribunal de justiça, é incompativel com o exercicio da advocacia, do commercio e de qualquer cargo publico electivo, exceptuado o legislativo.

§ unico. O juiz que infringir o disposto neste artigo será collocado no quadro da magistratura sem exercicio, precedendo voto affirmativo do supremo conselho da magistratura judicial.

Art. 8.° É especialmente prohibido aos juizes:

1.° Residir fora da sede da sua circunscrição;

2.° Ausentar-se d'ella ou deixar- de exercer as suas funcções, sem motivo legal;

3.° Assistir a reuniões politicas, ou praticar com respeito a eleições outros actos que não sejam o de votar e os que lhes forem commettidos por lei, no circulo da sua residencia official;

4.° Manifestar-se publicamente sobre actos dos poderes do estado, funccionarios e corporações officiaes.

Art. 9.° Os juizes percebem os vencimentos fixados na legislação respectiva.

Art. 10.° Os juizes podem renunciar a qualquer promoção.

§ unico. Feita a renuncia a uma promoção, haver-se-ha por subsistente com relação a todas as que de futuro possam, caber ao rennunciante, emquanto este não a retirar.

Art. 11.° Os juizes devem apresentar-se pessoalmente a servir os cargos para que forem nomeados, promovidos ou transferidos, no prazo de trinta dias, a contar da data da communicação do despacho, salvo se outro mais curto lhes for marcado, ou se estiverem no exercicio de funcções legislativas, do cargo de ministro de estado, ou de commissões autorizadas por lei.

§ 1.° As nomeações, promoções ou transferencias para as ilhas adjacentes de magistrados residentes no continente do reino, ou vice-versa, ou do ilha para ilha, só obrigam á posse no prazo de sessenta dias, a contar da data da communicação do despacho.

§ 2.° O governo, havendo motivo justificado, pode prorogar o prazo da posse por mais trinta dias, ou pelo tempo de impedimento legal por doença.

§ 3.° O juiz que não tomar posse do seu logar dentro dos prazos mencionados nas disposições antecedentes é collocado no quadro da magistratura sem exercicio.

§ 4.° Os juizes não podem tomar posse por procuração.

§ 5.° As nomeações, promoções e transferencias são communicadas aos interessados pela publicação dos despachos no Diario do Governo. Taes comunicações consideram-se datadas: no continente, do dia seguinte ao da data do Diario; nas ilhas adjacentes, do dia seguinte ao da chegada da correspondencia official.

Art. 12.° Os juizes não podem ausentar se dos seus logares sem licença do ministro da justiça.

§ 1.° A licença com vencimento só será concedida até trinta dias, seguidos ou interpolados, em cada anno e em tempo de ferias, ou por mais de trinta dias quando motivada por doença.

§ 2.° Nos casos restantes, a licença será concedida sem vencimento e não excederá a noventa dias.

§ 3.° A licença pode sempre ser cassada, em caso urgente.

Art. 13.° Os juizes podem ser collocados no quadro da magistratura sem exercicio, com ou sem vencimento.

§ 1.° A collocação no quadro com vencimento e o regresso á effectividade são regulados nos termos seguintes:

1.° só podem ser collocados no quadro os juizes temporariamente impedidos por motivo de doença e com mais de cinco annos de exercicio da magistratura judicial;

2.° A passagem ao quadro pode ser requerida pelo interessado; ou ordenada pelo governo mediante voto affirmativo do supremo conselho da magistratura judicial, se o juiz já houver tido tres meses de licença por doença; e depende sempre de exame medico em que se verifique impedimento excedente a seis meses;

3.° O regresso á effectividade depende de novo exame, que o governo ordenará annualmente, se o interessado o não requerer;

4.° Tanto para a passagem ao quadro, como para o regresso á effectividade, pode verificar-se segundo exame;

5.° Os juizes declarados aptos para o serviço são collocados nas vagas immediatas, pela ordem da antiguidade. Emquanto não houver vaga, os juizes de primeira instancia ficam addidos á respectiva classe, e, provisoriamente, podem ser nomeados substitutos em caso de impedimento demorado dos effectivos da mesma classe, conservando-se inamoviveis nos termos da lei até aquelle findar; os juizes de segunda instancia e os do supremo tribunal de justiça ficam addidos a algum dos tribunaes respectivos, e são chamados como supplentes quando nos mesmos tribunaes faltar numero legal de juizes effectivos;

6.° Nenhum juiz pode parmanecer no quadro por mais de tres annos.

§ 2.° A passagem ao quadro sem vencimento tem logar a requerimento do interessado e nos demais casos marcados na lei. O regresso á effectividade só se effectua quando occorrerem vagas onde os juizes possam ser collocados, sem prejuizo do disposto no paragrapho antecedente.

Art. 14.° A antiguidade dos juizes conta-se em cada uma das tres classes da primeira instancia, na segunda instancia e no supremo tribunal de justiça, desde a data do despacho, ou da posse se esta foi tomada fora do prazo legal, e pelo tempo de serviço effectivo.

§ 1.° Deduz-se na contagem do serviço: 1.° licenças alem de trinta dias em cada anno; 2.° tempo de permanencia no quadro, ou na situação de addido sem exercicio de substituição; 3.° excesso, não justificado, dos prazos legaes para a entrega dos processos; 4.° tempo de suspensão, já como pena ou consequencia della, já em virtude de procedimento disciplinar ou de pronuncia quando se lhe seguir alguma condemnação.

§ 2.° só é equiparado ao serviço effectivo na magistratura judicial o exercicio de funcções legislativas, do cargo de ministro de estado, e de commissões autorizadas por lei.

§ 3.° Quando o tempo de serviço de dois ou mais juizes, fixado pelas regras antecedentes, for o mesmo, deter-

Página 21

SESSÃO N.° 19 DE 22 DE AGOSTO DE 1905 21

mina-se a prioridade entre elles, attendendo, pela sua ordem: 1.° á antiguidade na categoria; 2.° ao tempo de exercicio das funcções de ministerio publico; 3.° ao tempo de exercicio das funcções de juiz municipal, ordinario ou de paz; 4.° ao tempo de exercicio das funcções de conservador; õ.° ao tempo de exercicio de outras funcções publicas; 6.° á data da formatura; 7.° à idade.

§ 4.° A secretaria da justiça organiza annualmente uma lista dos magistrados judiciaes, segundo a ordem da antiguidade, e publica-a no Diario do Governo.

§ 5.° Nos trinta dias immediatos ao da publicação, podem os interessados apresentar as suas reclamações perante o supremo conselho, da magistratura judicial.

§ 6.° Sobre as reclamações são. ouvidos os juizes que possam ser prejudicados por ellas, a fim de as contestarem, querendo.

§ 7.° Em seguida o processo é continuado com vista a tres membros do conselho, por cinco dias a cada um, e julgado nos dez dias immediatos em sessão plena.

§ 8.° A lista, conforme as alterações proferidas pelo conselho, é publicada no Diario do Governo.

§ 9.° Se, depois da publicação da lista, occorrer facto que influa na situação de algum juiz, a secretaria da justiça, oificiosamento ou a requerimento dos interessados, faz as alterações devidas. A estas alterações é applicavel o disposto nos §§ 4.° a 8.°, mas, emquanto estiverem pendentes as reclamações, considera-se a lista publicada como definitiva para todos os effeitos legaes.

Art. 15.° Os magistrados judiciaes podem ser aposentados nos termos da legislação respectiva.

§ 1.° A promoção da aposentação pelo governo depende de voto affirmativo do supremo conselho da magistratura judicial.

§ 2.° Para o effeito da aposentação, conta-se, alem ao serviço effectivo, conforme as regras do artigo antecedente, o prestado no exercicio de funcções de ministerio publico, de juiz do ultramar, municipal, ordinario ou de paz, e de cargos administrativos.

Art. 16.° Os juizes são perpetuos; só por sentença podem perder o seu logar; e teem foro especial nas causas criminaes.

Art. 17.° Os juizes só podem ser presos por crimes que não admittam fiança, quer seja em flagrante delicto, quer haja culpa formada.

Art. 18.° É permittido aos juizes o uso de armas, independentemente de licença.

Art. 19.° Os juizes são isentos de aboletamento, e de todo o serviço pessoal do concelho.

Art. 20.° É concedido aos juizes um bilhete de identidade, com o carimbo do supremo tribunal de justiça.

Art. 21.° O serviço em commissões só é equiparado ao serviço judicial quando estas forem autorizadas por lei.

§ 1.° Os magistrados em commissões autorizadas por lei são promovidos na sua altura, mas, quando continuarem nas mesmas commissões, não preenchem vaga no quadro da magistratura.

§ 2.° Os magistrados que acceitarem qualquer outra commissão, que não accumulem com o exercicio das suas funcções, passam ao quadro sem vencimento.

§ 3.° Os actuaes juizes que desempenharem commissões não autorizadas por lei serão collocados, por ordem da antiguidade, nas primeiras vagas que se abrirem nas respectivas classes ou tribunaes, não ficando, até então, sujeitos ás disposições antecedentes.

CAPITULO II

Circunscrito judicial

Art. 22.° Todo o reino é sujeito á jurisdição do supremo tribunal de justiça, com sede em Lisboa.

Art. 23.° O continente do reino com as ilhas adjacentes é dividido em districtos, estes em comarcas e estas em julgados. As comarcas de Lisboa e Porto são divididas em varas civis, commerciaes e criminaes.

§ 1.° Em cada districto ha uma relação; em cada comarca ou vara um juiz de direito e jury; em cada julgado um juiz de paz.

§ 2.° As comarcas são distribuidas em tres classes.

§ 3.° Os districtos, comarcas e julgados, sua sede, denominação e classificação são os estabelecidos na legislação respectiva.

Art. 24.° A divisão e a sede dos districtos, comarcas e julgados, e a classificação das comarcas, só podem ser alteradas por lei.

§ unico. Nenhuma alteração na classificação das comarcas pode ser levada a effeito emquanto o juiz que se encontrar na comarca cuja classe for alterada houver de conservar-se n'ella por lei.

CAPITULO III

Juizes de paz

Art. 25.° Os juizes de paz são nomeados pelo governo, sobre proposta do presidente da relação, ouvido o juiz de direito da respectiva comarca.

§ unico. A proposta deve recair de preferencia em:

1.° Bacharéis formados em direito;

2.° Habilitados com algum curso de instrucção secundaria, superior ou especial.

Art. 26.° Os juizes de paz servem por triennios, e podem ser reconduzidos indefinidamente.

Art. 27.° O cargo de juiz de paz é obrigatorio, salvo quando o nomeado já houver servido no triennio immediatamente anterior, ou niio residir no julgado a maior parte do anno.

Art. 28.° Os juizes de paz podem ser transferidos a requerimento seu, ou por conveniencia do serviço publico, ouvidos os presidentes das respectivas relações.

§ unico. A transferencia por conveniencia do serviço publico só pode effectuar-se com audiencia do interessado e voto affirmativo do supremo conselho da magistratura judicial.

Art. 29.° Os juizes de paz teem dois substitutos, que são nomeados como os effectivos, e servem pela ordem da nomeação.

§ unico. No caso de impedimento simultaneo do juiz e dos substitutos, serve interinamente o individuo que for nomeado pelo juiz de direito da comarca.

Art. 30.° Os juizes de paz prestam juramento perante o respectivo juiz de direito.

Art. 31.º Os juizes de paz usam faixa azul com borlas de seda branca.

Art. 32.° Compete aos juizes de paz:

1.° Presidir ao tribunal;

2.° Exercer as attribuições mencionadas nos artigos 33.° e 34.° do codigo de processo civil, elevando-se todavia a 30j$IOOO réis o valor das causas;

3.° Exercer as attribuições mencionadas na lei commercial;

4.° Julgar as coimas e transgressões de posturas e regulamentos municipaes;

5.° Proceder á formação de corpos de delicto por crimes e contravenções occorridos nos respectivos julgados;

6.° Condemnar em custas os officiaes de justiça do julgado e impor multas nos termos da lei;

7.° Prender os individuos encontrados em flagrante delicto e remette-los ao juiz competente;

8.° Cumprir as ordens de prisão assinadas pelo juiz ou autoridade competente;

9.° Satisfazer as requisições que lhes forem feitas pelos juizes ou agentes do ministerio publico;

10.° Desempenhar as demais attribuições que lhes forem commettidas por lei.

Página 22

22 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

§ 1.° Exceptuam-se do disposto neste artigo os juizes de paz dos julgados das sedes de comarca, cuja competen-.cia não comprehende as attribuições mencionadas no artigo 154.° do codigo de processo civil, nem as excluidas por disposição especial.

§ 2.° O julgamento das coimas e transgressões de posturas e regulamentos municipaes pode ser transferido pelo governo, a requerimento das camaras municipaes, para os juizes de direito respectivos. As transferencias já effectuadas ao tempo da promulgação d'esta lei consideram-se subsistentes.

§ 3.° Para a formação dos corpos de delicto é cumulativa a competencia dos juizes de direito e dos de paz, preferindo sempre aquelles se se apresentarem antes destes haverem dado começo ao respectivo acto.

§ 4.° Nas comarcas em que houver mais de um juiz, pode cada um d'elles delegar no juiz de paz do julgado onde houver de praticar-se a diligencia, ainda que esse julgado pertença a outra vara.

Art. 33.° Das sentenças do juiz de paz cabe sempre recurso.

CAPITULO IV

Juizes de direito

Art. 34.° Os juizes de direito são nomeados pelo Rei, para as comarcas de 3.ª classe, de entre os delegados do procurador regio approvados em concurso para a magistratura judicial.

§ unico. Só são admittidos a este concurso os delegados que tiverem seis annos, pelo menos, de serviço effectivo, e pertencerem á 1.ª classe se estiverem sujeitos ao regimen da promoção.

Art. 35.° Os juizes de direito são promovidos, por antiguidade, da 3.ª para a 2.ª classe, e desta para a 1.ª

Art. 36.° As transferencias dos juizes de direito teem logar em virtude de promoção; e, dentro da mesma classe, de seis em seis annos, ou a requerimento do interessado, ou por conveniencia do serviço publico.

§ 1.° Aos juizes de direito é facultada a escolha da comarca para que devam ser transferidos.

§ 2.° Quando mais de um juiz requerer a mesma comarca, preferirá o mais antigo.

§ 3.° O direito de preferencia do juiz mais antigo a ser transferido para a comarca que pretender, só pode ser desattendido se o requerente estiver impedido, nos termos desta lei, de ser collocado na mesma comarca, ou com voto desfavoravel do supremo conselho da magistratura judicial, ouvidos o presidente da relação respectiva e o interessado.

§ 4.° A transferencia por conveniencia do serviço publico só pode effectuar-se com voto affirmativo do supremo conselho da magistratura judicial, ouvidos o presidente da relação respectiva e o interessado.

Art. 37.° Os juizes de direito não podem ser despachados para comarcas:

1.° Da sua naturalidade;

2.° Onde, ha menos de tres annos, tenham tido domicilio;

3.º Onde, ao tempo da nomeação, tenha domicilio algum seu ascendente, descendente, ou affim na linha recta;

4.° Onde, ao tempo da nomeação, elles, seus conjuges, ou algum dos seus parentes referidos, tenham pendentes questões judiciaes em que sejam autores.

§ unico. O presente artigo não é applicavel aos juizes que tiverem direito a promoção, emquanto não vagar outra comarca da mesma classe em que não se deem as mencionadas circunstancias, nem aos das comarcas de Lisboa e Porto.

Art. 38.° Os juizes de direito são substituidos, nas suas faltas ou impedimentos, pela forma seguinte:

1.° Na comarca de Lisboa, os juizes da 1.ª e 2.ª, 3.ª e 4.ª, 5.ª e 6.ª varas civis, os da 1.ª e 2.ª varas commerciaes, e os das 1.ª e 2.ª, 3.ª e 4.ª varas criminaes, substituem-se reciprocamente.

2.° Na comarca do Porto, os juizes da 1.ª e 2.ª, 3.ª e 4.ª varas civis substituem-se reciprocamente; o juiz da 1.ª vara criminal substituo o da 2.ª, este o da 3.ª, e este o da 1.ª

3.° Os juizes referidos em os n.ºs 1.° e 2.°, que não puderem ser substituidou nos termos ahi designados, e todos os restantes, se-lo-hão observada a seguinte precedencia:

1.° Por algum juiz addido, em caso de impedimento demorado;

2.° Pelos auditores administrativos que não exercerem a advocacia, nas comarcas que forem capitaes de districto;

3.° Pelos conservadores do .registo predial que não exercerem a advocacia;

4.° Segundo a sua ordem, por algum dos quatro substitutos que o governo nomeará annualrnente, sobre proposta do presidente da relação respectiva, de entre individuos residentes na comarca, que não exerçam a advocacia, preferindo se os bacharéis formados em direito;

5.° Pelos substitutos dos annos immediatamcnte anteriores.

§ unico. O substituto que assumir a jurisdição conserva-a emquanto durar a falta ou impedimento do effectivo, salvo o caso de nomeação posterior de um addido.

Art. 39.° O ordenado que os juizes substituidos deixarem de receber pertence aos substitutos quando não forem addidos. Nos mesmos termos, lhes pertence, em caso de vagatura, o ordenado que pertenceria ao effectivo.

Art. 40.º Os juizes de direito prestam juramento perante o presidente da relação respectiva.

Art. 41.° Os juizes de direito usam beca e vara branca.

Art. 42.° Compete aos juizes de direito:

1.° Presidir ao tribunal;

2.° Exercer as attribuições mencionadas no artigo 36.° do codigo de processo civil;

3.º Exercer as attribuições mencionadas no artigo 14.° do codigo de processo commercial;

4.° Conhecer das causas criminaes que não pertencerem a outro juizo, e dos recursos que para elles se devam interpor;

5.° Conhecer dos erros de officio e crimes commettidos pelos juizes de paz e pelos sub-delegados do procurador régio das respectivas comarcas, quer esses crimes tenham sido commettidos no exercicio das suas funcções, quer fora d'elle;

6.° Abrir correição sobre os officiaes de justiça, notarios e solicitadores;

7.° Prover interinamente, excepto nas sedes das relações, os officios de justiça das comarcas e julgados respectivos, dando logo parte ao governo;

8.° Deferir juramento e dar posse aos officiaes de justiça do tribunal, e dar posse aos notarios da comarca;

9.° Conceder aos notarios, salvo nas sedes das relações, e aos juizes de paz e officiaes de justiça das respectivas comarcas e julgados, até trinta dias de licença em cada anno, dando logo parte ao governo;

10.° Exercer sobre os juizes de paz e officiaes de justiça das respectivas comarcas e julgados as attribuições disciplinares determinadas na lei;

11.º Advertir e suspender os advogados e solicitadores, bem como retirar-lhes a palavra e mandar riscar quaesquer escritos offensivos, nos termos da lei;

13.° Dar conhecimento ao ministerio publico de quaesquer factos criminosos que constem dos processos, quando houver logar a accusação por parte da justiça;

14.° Desempenhar as demais attribuições que lhes forem commettidas por lei.

§ unico. A competencia dos juizes de direito das comarcas de Lisboa e Porto é regulada no capitulo immediato.

Art. 43.° Os juizes de direito applicam o direito e pronunciam tambem sobre os factos que não forem da competencia do jury.

Página 23

SESSÃO N.° 19 DE 22 DE AGOSTO DE 1905 23

Art. 44.° A alçada dos juizes de direito em causas eiveis é de 60$000 réis, qualquer que seja a natureza dos bons. Em causas criminaes é restricta ás penas seguintes, quando applicaveis a crimes, contravenções ou trans- gressões, separada ou cumulativamente: 1.ª prisão até um mês; 2.ª desterro até um mês; 3.ª multa até um mês no até 60$000 réis quando a lei fixar a quantia; 4.ª suspensão; 5.ª censura.

CAPITULO V

Juizes de direito nas comarcas de Lisboa e Porto

Art. 45.° Na comarca de Lisboa ha seis juizes de direito de primeira instancia civil, dois juizes de direito de primeira instancia commercial, e quatro juizes de direito de primeira instancia criminal.

Art. 46.° Na comarca do Porto ha quatro juizes de direito de primeira instancia civil, um juiz de direito de primeira instancia commercial, e tres juizes de direito de primeira instancia criminal.

Art. 47.° A competencia de cada um destes juizes é limitada á materia especial para que houver sido nomeado, e comprehende as attribuições respectivas designadas na lei.

§ unico. Aos juizes do corainercio da comarca de Lisboa compete privativamente o julgamento de todas as causas de presas.

CAPITULO VI

Jury

Art. 48.° Em cada comarca ha jury criminal, civil commercial.

Art. 49.° A organização, competencia e funccionamento do jury são regulados por lei especial.

CAPITULO VII

Arbitros

Art. 50.° A intervenção de arbitros pode ter logar por compromisso das partes, ou por disposição da lei.

Art. 51.° Todas as questões sobre direitos de que os interessados tiverem a livre disposição, e em que não houver de intervir o ministerio publico, podem ser decididas por um ou mais arbitros nomeados voluntariamente pelas partes, ainda que já estejam affectos aos tribunaes ordinarios os respectivos processos.

Art. 52.° O compromisso deve ser celebrado por escritura ou auto publico, declarando-se, sob pena de nullidade, o objecto do litigio, os nomes e residencias dos arbitros, e o prazo dentro do qual devem proferir a sua decisão.

Art. 53.° Ninguem pode ser obrigado afunccionar como arbitro.

Art. 54.° Nomeados os arbitros, o juiz da comarca onde cada um d'elles residir lhes deferirá juramento, a pedido de qualquer das partes, em vista do compromisso ou de copia authentica do mesmo.

Art. 55.° Feito o compromisso, não é permittido ás partes recusar qualquer dos arbitros, ainda que seja por motivos supervenientes.

Art. 56.° O juizo arbitrai installa-se na comarca onde a causa deveria ser proposta perante as justiças ordinarias, salvo se as partes tiverem designado outra no compromisso, ou se algum dos arbitros for encarregado de deferir aos termos preparatorios, caso em que se terá por installado na comarca onde residir esse arbitro.

Art. 57.° As partes podem no compromisso escolher qualquer dos arbitros para deferir aos termos preparatorios até o julgamento, exercendo o arbitro assim escolhido jurisdição igual á do juiz de direito. Na falta de escolha, o juiz de direito da comarca onde se installou o juizo arbitral é o competente para deferir aos ditos termos.

Art. 58.° As partes podem no compromisso escolher para funccionar no processo um dos escrivães e um dos officiaes de diligencias da comarca onde houver de installar-se o juizo arbitrai. De contrario, ou no impedimento dos escolhidos, servem os da respectiva comarca que forem nomeados pelos arbitros.

Art. 59.° Os arbitros são juizes de facto e de direito, devendo no julgamento da causa conformar-se com as leis, sem prejuizo da forma de processo designada no compromisso; pedem, com tudo, julgar ex aequo et bono, se para isso forem autorizados no mesmo compromisso, e os com-promittentes tiverem renunciado ao recurso.

Art. 60.° A alçada dos arbitros é igual á dos juizes de direito.

Art. 61.° O compromisso fica sem effeito:

1.° Se fallecer algum dos arbitros ou dos compromittentes;

2.° Se os arbitros não proferirem a sua decisão no prazo designado;

3.° Se a qualquer dos arbitros sobrevier impedimento que o inliiba de ser juiz.

Art. 62.° Quando a intervenção de arbitros for determinada por lei, observa-se o seguinte, salvo o estatuido ein disposições especiaes:

1.° Á nomeação dos arbitros é restricta ás pessoas residentes na comarca, observando-se o disposto nos §§ 1.°, 2.°, 3.° e 4.° do artigo 237.° e nos artigos 239.° e 240.º do codigo de processo civil, competindo ao juiz nomear um arbitro para desempate, na falta de acordo das partes;

2.° O juizo arbitrai installa-se na comarca onde a causa deveria ser intentada perante as justiças ordinarias, e ao juiz desta comarca compete deferir aos termos da nomeação;

3.° Compete ao mesmo juiz conhecer dos impedimentos, escusas e suspeições dos arbitros, e, no caso de empate, deferir aos termos que não puderem adiar-se sem damno irreparavel;

4.° Compete ao juiz de direito respectivo conhecer da habilitação no caso de fallecer alguma das partes;

5.° Se algum dos arbitros fallecer ou ficar sem effeito a sua nomeação, é substituido por outro, nomeado nos termos do artigo 242.° do codigo de processo civil;

6.° O prazo para os arbitros proferirem a sua decisão é, no acto da nomeação, designado pelo juiz, se não estiver anteriormente designado ou não houver acordo das partes. Se findar o prazo sem os arbitros terem proferido decisão, o juiz designará novo prazo, impondo a multa de 25$000 réis a cada um dos arbitros que, sem motivo justificado, tiver dado causa ao adiamento, e a de 100^000 réis por qualquer nova falta nas mesmas condições.

CAPITULO VIII

Relações

Art. 63.° Os juizes das relações são nomeados pelo Rei de entre os juizes de direito de primeira instancia, segundo suas antiguidades.

Art. 64.° Os juizes das relações podem ser transferidos a requerimento seu ou por conveniencia do serviço publico.

§ 1.° As transferencias requeridas pelos interessados verificam-se segundo suas antiguidades, e só podem ser negadas com voto desfavoravel do supremo conselho da magistratura judicial, ouvidos o presidente da relação e o interessado.

§ 2.° As transferencias por conveniencia do serviço pu-)lico só podem effectuar-se com voto affirmativo do supremo conselho da magistratura judicial, ouvidos o presidente da relação e o interessado.

Art. 65.° Cada uma das relações de Lisboa e Porto é composta de vinte e um juizes, e a de Ponta Delgada de cinco.

Art. 66.° Cada relação tem um presidente e um vice-presidente, escolhidos pelo governo de entre os juizes dos respectivos quadros.

Página 24

24 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

§ unico. Aos presidentes das relações compete o titulo do conselho e tratamento de excellencia.

Art. 67.° Os presidentes das relações prestam juramento, pessoalmente ou por procurador, perante o ministro da justiça, e os juizes perante o presidente.

§ unico. O presidente da relação de Ponta Delgada pode prestar juramento perante o vice-presidente.

Art. 68.° Os presidentes das relações usam capa e beca; os juizes usam beca.

Art. 69.° Os juizes das relações de Lisboa e Porto, excluidos os presidentes, são annualmente distribuidos á sorte por duas secções, na sessão extraordinaria do tribunal pleno do ultimo dia util do mês de agosto.

§ 1.° Para a realização do sorteio são todos os juizes numerados pela ordem da antiguidade, e, entrando em uma urna as espheras correspondentes a esses numeros, o presidente tira a uma e uma tantas espheras quantos forem os juizes que devem compor uma secção.

§ 2.° Os juizes assim sorteados formam a primeira secção e os outros a segunda.

§ 3.° Quando no tribunal houver dois juizes que não possam funccionar no mesmo processo, nos termos do artigo 1107.°, § 2.°, do codigo do processo civil, procede-se a sorteio só entre elles de modo que fiquem pertencendo a diversas secções.

§ 4.° O presidente lerá em voz alta o numero de cada esphera que tirar da urna, e o guarda-mor, tomando nota desse numero, lerá o nome do juiz a quem elle corresponde.

§ 5.° Em seguida, forma-se a lista dos juizes que compõem cada uma das secções durante o anno judicial seguinte, guardando-se a ordem da antiguidade entre os juizes da mesma secção; e uma copia desta lista, subscrita pelo guarda-mor e assinada pelo presidente, é affixada á porta do tribunal e publicada na folha official durante o mês de setembro.

§ 6.° De tudo lavra o guarda-mor um auto, que é assinado pelo presidente e pelos juizes presentes.

Art. 70.° Compete aos presidentes:

1.° Dirigir os trabalhos do tribunal, e, se não houver sessão por falta de juizes, mandar lavrar o competente auto, que remetterá ao ministro da justiça;

2.° Manter a ordem nas sessões, procedendo nos termos legaes contra quem a perturbar;

3.° Manter a ordem nas conferencias e apurar a final o vencido;

4.° Votar sempre que a lei determinar;

5.° Assinar as ordens que expedir;

6.° Mandar affixar á porta do tribunal a lista dos processos que houverem de ser julgados em cada sessão;

7.° Designar por distribuição o juiz que houver de ir tomar o depoimento das testemunhas que devam ser inquiridas nas suas residencias, quando disso for caso;

8.° Reunir o tribunal em sessão plena, por iniciativa propria, de algum dos juizes ou do ministerio publico, pelo menos uma vez em cada anno, para se consignarem os casos de direito sobre que tenham recaido julgados divergentes, e communicar o resultado ao ministro da justiça;

9.° Superintender na secretaria;

10.° Propor os substitutos dos juizes de direito e os juizes de paz e seus substitutos;

11.° Prover interinamente os officios das relações e os demais de justiça nas sedes d'estas, dando logo parte ao governo;

12.° Dar posse e deferir juramento aos juizes, officiaes e empregados que sirvam no tribunal, e deferir juramento aos juizes de direito e notarios que sirvam no districto, bem como tomar a assinatura e sinal publico destes em livro especial;

13.° Conceder aos officiaes e empregados do tribunal e aos notarios da sede deste até trinta dias de licença em cada anno, por motivo justificado, dando logo parte ao governo;

14.° Exercer sobre os officiaes e empregados do tribunal as attribuições disciplinares determinadas na lei, e communicar ao ministro as faltas occorridas na administração da justiça;

15.° Mandar lavrar termo de encerramento no livro em que os juizes se inscreverem;

16.° Examinar os livros de registo que os escrivães das relações são obrigados a ter;

17.° Mandar inscrever em livro especial os bacharéis formados em direito que pretenderem advogar perante a relação e tribunaes de 1.ª instancia do districto desta, salvo o disposto no artigo 83.°, n.° 13.°;

18.° Desempenhar as demais attribuições que lhes forem, commettidas por lei.

§ 1.° O juiz que for nomeado presidente continua a intervir nos processos em que tiver tencionado ou posto o visto, comprehendidos os embargos.

2.° O presidente da relação de Ponta Delgada, alem de exercer as funcções referidas neste artigo, entra na distribuição como os demais juizes.

Art. 71.° Na falta do presidente serve o vice-presidente, que deixa então de exercer as funcções de juiz, salvo nos processos em que tiver tencionado ou posto o visto, comprehendidos es embargos.

§ 1.° Na falta de ambos, serve o mais antigo dos juizes desimpedidos.

§ 2.° Na falta de todos em alguma sessão, serve de presidente para a ordem do serviço o mais antigo dos juizes presentes.

Art. 72.° Faltanio numero legal de. juizes em algumas das relações, são chamados como supplentes os addidos que houver, por ordem da antiguidade.

§ unico. Os supplentes, posto que cesse o motivo por que foram chamados, continuam a intervir nos processos em que tiverem tencionado ou posto o visto, comprehendidos os embargos.

Art. 73.° Se na relação de Ponta Delgada não houver addidos ou se os não houver em numero sufficiente, é chamado como supplente o juiz de direito da comarca sede do tribunal.

§ 1.° O juiz de direito não intervém nos processos que tiver julgado em primeira instancia, e observa o disposto no paragrapho unico do artigo antecedente.

§ 2.° Emquanto o dito juiz estiver funccionando como supplente, as suas funcções na primeira instancia são exercidas pelo substituto respectivo.

§ 3.° Durante o seu serviço na relação, o juiz de direito percebe os mesmos vencimentos dos demais juizes deste tribunal.

Art. 74.° Compete ás relações:

1.° Exercer as attribuições mencionadas no artigo 39.° do codigo de processo civil;

2.° Exercer as attribuições mencionadas no artigo 15.° do codigo de processo commercial;

3.° Conhecer dos recursos interpostos em causas penaes nos termos da lei;

4.° Conhecer dos erros de officio e crimes commettidos pelos juizes de direito, delegados do procurador regio, curadores geraes dos orphãos e secretarios dos tribunaes do commercio, quer esses crimes tenham sido commettidos no exercicio das suas funcções, quer fora d'elle;

5.° Conhecer da concessão de revisão dos processos penaes:

6.° Advertir e suspender os advogados e solicitadores, bem como mandar riscar quaesquer expressões escritas offensivas, nos termos da lei;

7.° Participar ao ministerio publico qualquer facto criminoso que conste dalgum processo, quando houver logar a accusação por parte da justiça;

Página 25

SESSÃO N.º 19 DE 22 DE AGOSTO DE 1905 25

8.° Desempenhar as demais attribuições que lhes forem commettidas por lei.

§ 1.° Compete exclusivamente á relação de Lisboa o conhecimento de quaesquer causas ou recursos pertencentes ás relações do Porto, Ponta Delgada, Loanda, Moçambique e Goa, quando por suspeição ou algum outro motivo não houver no respectivo tribunal numero sufficiente de juizes para o julgamento, e bem assim o conhecimento das syndicancias aos magistrados judiciaes do ultramar.

§ 2.° Compele exclusivamente á relação do Porto o conhecimento de quaesquer causas ou recursos pertencentes á relação de Lisboa, quando a respeito d'elles se verificar a hypothese do paragrapho antecedente.

Art. 75.° Nas causas em que houver materia de facto resolvida pelo jury, a relação julga só do direito, havendo como provado o facto com a decisão dos jurados.

Art. 76.° A alçada das relações, em materia eivei, é de 400$000 réis, qualquer que seja a natureza dos bens.

CAPITULO IX

Supremo tribunal de justiça

Art. 77.° O supremo tribunal de justiça compõe-se de quinze juizes, nomeados pelo Rei de entre os juizes das relações, segundo suas antiguidades.

§ unico. Aos juizes do supremo tribunal de justiça compete o titulo do conselho e tratamento de excellencia.

Art. 78.° O supremo tribunal de justiça tem um presidente e um vice-presidente, escolhidos pelo governo de entre os juizes do respectivo quadro.

Art. 79.° O presidente do supremo tribunal de justiça presta juramento perante o ministro da justiça, e os juizes perante o presidente.

Art. 80.° Os juizes do supremo tribunal de justiça usam capa e beca.

Art. 81.° Os juizes do supremo tribunal de justiça, excluido o presidente, são, annualmente, distribuidos á sorte, por duas secções, na sessão extraordinaria do tribunal pleno do ultimo dia util do mês de agosto.

§ unico. É applicavel ao sorteio o disposto nos §§ 1.° a 6.° do artigo 69.°

Art. 82.° Faltando numero legal de juizes, são chamados como supplentes, pela ordem da antiguidade, os addidos, e se os não houver ou se os não houver em numero sufficiente, os juizes da relação de Lisboa, exceptuados o presidente e o vice-presidente.

§ unico. Os juizes supplentes, embora cesse o motivo por que foram chamados, interveem nos feitos em que tiverem posto o visto, comprehendidos os embargos.

Art. 83.° Compete ao presidente:

1.° Dirigir os trabalhos do tribunal, e, se não houver sessão por falta de juizes, mandar lavrar o competente auto, que remetterá ao ministro da justiça;

2.° Manter a ordem nas sessões, procedendo nos termos legaes contra quem a perturbar;

3.° Manter a ordem nas conferencias, e apurar a final o vencido;

4.° Votar sempre que a lei determinar;

5.° Assinar as ordens que expedir;

6.° Mandar affixar á porta do tribunal a lista dos processos que houverem de ser julgados em cada sessão;

7.° Reunir o tribunal em sessão plena, por iniciativa propria, de algum dos juizes ou do ministerio publico, pelo menos uma vez cada anno, para se consignarem os casos de direito sobre que tenham recaido julgados divergentes, e communicar o resultado ao ministro da justiça;

8.° Superintender na secretaria;

9.° Prover interinamente os empregos da secretaria e do tribunal, dando logo parte ao governo;

10.° Dar posse e deferir juramento aos juizes e empregados do tribunal e da secretaria:

11.° Conceder aos juizes e empregados do tribunal e da secretaria até trinta dias de licença em cada anuo, por motivo justificado, dando logo parte ao governo.

12.° Exercer sobre os empregados do tribunal e da secretaria, as attribuições disciplinares determinadas na lei, e communicar ao ministro as faltas occorridas na administração da justiça;

13.º Mandar inscrever em livro especial os bacharéis formados em direito que pretenderem advogar perante os tribunaes do continente;

14.° Conceder provisão para advogar no continente do reino e ilhas adjacentes, nos lermos da lei, e conhecer por via de recurso das concessões ou denegações dos provimentos requeridos aos presidentes das relações do ultramar;

15.º Desempenhar as demais attribuições que lhe forem commettidas por lei.

§ unico. O juiz que for nomeado presidente continua a intervir nos processos em que tiver posto o visto, comprehendidos os embargos.

Art. 84.º Na falta de presidente serve o vice-presidente, que deixa então de exercer as funcções de juiz, salvo nos processos em que tiver posto o visto, comprehendidos os embargos.

§ 1.° Na falta de ambos, serve o mais antigo dos juizes desimpedidos.

§ 2.° Na falta de todos em alguma sessão, serve de presidente para a ordem do serviço o mais antigo dos juizes presentes.

Art. 85.° Compete ao supremo tribunal de justiça:

1.° Exercer as attribuições mencionadas no artigo 41.º do codigo de processo civil e no artigo 16.° do codigo de processo commercial;

2.° Conhecer dos recursos interpostos em causas penaes nos termos da lei, e designar a relação ou juizo a que ha de ser remettido o feito, quando disso for caso;

3.° Conhecer dos erros de officio e crimes commettidos pelos juizes do tribunal, pelos das relações e pelos magistrados do ministerio publico junto desses tribunaes, quer os crimes tenham sido commettidos no exercicio das suas funcções quer fora d'elle;

4.° Conhecer da suspensão da execução de sentenças penaes e da concessão de revisão dos processos penaes;

5.º Advertir e suspender os advogados e solicitadores, bem como mandar riscar quaesquer expressões escritas offensivas, nos termos da lei;

6.° Participar ao ministerio publico qualquer facto criminoso que conste de algum processo, quando houver logar a accusação por parte da justiça;

7.° Desempenhar as demais attribuições que lhe forem commettidas por lei.

CAPITULO X

Audiencias e sessões aos tribunaes

Art. 86.º Os tribunaes funccionam nos edificios a esse fim destinados.

Art. 87.° As audiancias e sessões são publicas, e devem celebrar-se entre o nascer e o pôr do sol.

§ 1.° Nos casos declarados na lei, ou quando occorrerem circunstancias de interesse publico que assim o justifiquem, as audiancias e sessões deixarão de ser publicas, admittindo-se unicamente as pessoas convocadas judicialmente.

§ 2.° Quando se verificar a intervenção do jury, as audiencias podem prolongar-se alem do pôr do sol.

Art. 88.° No recinto do tribunal demarcado pela teia, são admittidos, alem dos funccionarios judiciaes respectivos, os advogados, solicitadores, testemunhas, réus, e quaesquer outras pessoas convocadas judicialmente.

Art. 89.° Aos juizes e presidentes dos tribunaes incumbe regular os trabalhos e manter a ordem, advertindo os perturbadores, podendo mandá-los autuar e sair do tribunal se tanto for necessario.

Página 26

26 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Art. 90.° Os juizes de direito e de paz fazem audiencia ordinaria duas vezes por semana, para o expediente dos negocios forenses.

§ 1.° Estas audiencias realizam-se nas segundas e quintas feiras, excepto se o costume da terra assinar outro dia.

§ 2.° Quando algum destes dias for santificado, não estando comprehendido em ferias, a audiencia realiza-se no seguinte se for util.

§ 3.° Estas audiencias começam ás 10 horas da manha e duram pelo menos uma hora.

§ 4.° A abertura e o encerramento da audiencia são annunciados por um official de diligencias, á porta da sala.

§ 5.° Todos os escrivães e officiaes de diligencias do juizo, bem como o distribuidor, devem assistir á audiencia, podendo o juiz impor-lhes a multa de 500 a 10$000 réis, quando faltarem sem motivo justificado.

Art. 91.° Alem das audiencias referidas no artigo antecedente, haverá as necessarias para o julgamento e mais termos das causas que não devam realizar-se n'aquellas.

Art. 92.° Os juizes de direito abrem de tres em tres meses, em janeiro, abril, julho e outubro, audiencias geraes para o julgamento dos processos criminaes.

§ 1.° As causas em que se verificar a intervenção de jury são julgadas nestas audiencias.

§ 2.º As audiencias podem realizar-se em dias uteis seguidos, e começam ás 10 horas da manhã.

Art. 93.º As sessões do jury commercial realizam se conforme as necessidades do serviço, e são fixadas pelo juiz em tabella, salvo o caso de convocação extraordinaria.

§ unico. Nas sessões a que se refere este artigo, realiza-se tambem o expediente de quaesquer causas em que haja intervenção do jury.

Art. 94.° Nas comarcas de Lisboa e Porto, cada um dos juizes preside, por turno mensal, á audiencia para o expediente de todas as varas respectivas.

§ 1.° A esta audiencia assistem o distribuidor, um dos escrivães de cada vara, e todos os officiaes da vara do juiz que presidir.

§ 2.° As audiencias geraes realizam se durante os oito meses de fevereiro, março, abril, maio, junho, julho, outubro e novembro.

Art. 95.° Cada uma das secções das relações de Lisboa e Porto realiza, pelo menos, uma sessão por semana, e a relação de Ponta Delgada duas, pelo menos.

§ 1.° Sempre que as relações de Lisboa e Porto tenham de occupar-se de assumptos que só possam ser decididos pelo tribunal pleno, reunir-se-hão as respectivas secções.

§ 2.° As sessões começam ás 10 horas da manhã e são abertas por quem a ellas presidir.

§ 3.° Cada juiz inscreverá o seu nome no livro para esse fim destinado, e a inscrição será encerrada por termo, rubricado pelo presidente, declarando-se n'elle os nomes dos juizes inscritos.

§ 4.° Quando for santificado ou feriado o dia marcado para a sessão, verifica-se está no dia seguinte, ou no anterior se o seguinte tambem não for util.

Art. 96.° Cada uma das secções do supremo tribunal de justiça realiza, pelo menos, uma sessão por semana.

§ 1.° Pode alem disso haver uma sessão quando haja a tratar assunto da competencia do tribunal pleno.

§ 2.° São applicaveis ao supremo tribunal de justiça as disposições dos §§ 2.°, 3.° e 4.° do artigo antecedente.

Art. 97.° O serviço das audiencias e sessões e sua ordem regula-se pelas leis especiaes respectivas.

Art. 98.° São feriados os dias de entrudo, de quarta feira de cinza, de grande gala, e os demais determinados por decreto especial. São de ferias os dias que decorrerem desde domingo de Ramos a domingo de Pascoela, desde a vespera do Natal até o dia de Reis, e o mês de setembro.

§ unico. Durante as ferias e nos dias santificados ou feriados só podem praticar-se os actos judiciaes que a lei permittir expressamente.

CAPITULO XI

Disciplina

Art. 99.° Os juizes estão sujeitos a responsabilidade disciplinar pelas faltas commettidas no exercicio de suas funcções ou fora d'elle, sem prejuizo da responsabilidade em que incorrerem nos termos da lei commum.

Art. 100.° Os juizes de direito exercem disciplina sobre os de paz das respectivas comarcas; os presidentes das relações sobre os juizes do tribunal e sobre os juizes de direito do districto; o presidente do supremo tribunal de justiça sobre os juizes do tribunal e presidentes das relações.

Art. 101.° Os juizes superiores podem ordenar aos inferiores o cumprimento da seus deveres e propor a applicação de alguma pena disciplinar, conforme for o caso.

§ 1.° Se o juiz inferior não se conformar com a ordom do superior, representará a este respeitosamente, e se o mesmo lhe ordenar que obedeça, cumprirá e dará parte ao ministro da justiça.

§ 2.° Se o juiz não obedecer, será o facto logo communicado ao ministro da justiça.

Art. 102.° As partes podem representar ao superior do juiz para que este seja compellido cumprir as suas obrigações.

Art. 103.° O governo pode mandar proceder a syndicancias aos actos dos juizes, quando assim o julgar conveniente, precedendo voto affirmativo do supremo conselho da magistratura judicial.

§ 1.° Os syndicantes serão sempre magistrados judiciaes de categoria igual ou superior á dos syndicados, propostos pelo supremo conselho e nomeados pelo governo. Pode tambem ser encarregado um magistrado do ministerio publico de promover na syndicaucia o que for de justiça.

§ 2.° Durante a syndicancia, o juiz syndicado fica suspenso do exercicio de suas funcções, e quando não pertencer á relação ou ao supremo tribunal de justiça é obrigado a sair da area onde as exercia.

§ 3.° A syndicancia deve estar concluida dentro de trinta dias; só extraordinariamente pode exceder-se este prazo, mediante previa autorização do governo.

§ 4.° Concluida a syndicancia é dada vista do processo ao procurador geral da corôa para serem propostas as acções eriminaes de que for caso, sem prejuizo do procedimento disciplinar.

§ 5.° O disposto nos paragraphos antecedentes é tambem applicavel ao caso de se ordenar a syndicancia a requerimento do syndicado.

Art. 104.° As penas disciplinares applicaveis aos juizes são as seguintes:

1.° Censura;

2.º Transferencia;

3.° Suspensão de um a seis meses.

§ unico. A pena de suspensão importa o desconto correspondente no vencimento e no tempo de serviço.

Art. 105.° Na imposição da responsabilidade disciplinar observa-se o seguinte:

1.º O processo respectivo só pode ser instaurado por ordem do ministro da justiça;

2.° Nenhuma pena será applicada sem audiencia do arguido e voto affirmativo do supremo conselho de magistratura judicial;

3.° A pena de suspensão requer tambem a consulta do conselho de estado;

Página 27

SESSÃO N.° 19 DE 22 DE AGOSTO DE 1905 27

4.° A falta resultante do excesso, não justificado, dos prazos legaes na entrega dos processos importa sempre, qualquer que seja a pena applicada, desconto correspondente no tempo do serviço.

CAPITULO XII

Supremo conselho da magistratura judicial

Art. 106.° O supremo conselho da magistratura judicial compõe-se:

1.° Do presidente do supremo tribunal de justiça, que serve de presidente;

2.° De quatro juizes do supremo tribunal de justiça, eleitos annualmente pelo mesmo tribunal em sessão plena;

3.° Do director geral dos negocios de justiça, que serve de secretario, sem voto.

§ 1.° Na sessão em que forem eleitos os vogaes effectivos, são tambem eleitos dois substitutos.

§ 2.° O supremo conselho elege dentre os seus vogaes um vice-presidente.

Art. 107.° Compete ao supremo conselho da magistratura judicial:

1.° Conhecer das reclamações ácerca da fixação da antiguidade dos juizes;

2.° Conhecer dos processos de aposentação;

3.° Conhecer de syndicancias:

4.° Julgar processos disciplinares;

5.° Communicar ao governo as irregularidades commettidas na administração da justiça, em todos os tribunaes do continente do reino e ilhas adjacentes, procedendo para tal fim ás averiguações convenientes e requisitando dos presidentes dos tribunaes de 2.ª e 1.ª instancia e de quaesquer funccionarios os documentos ou informações de que carecer;

6.° Emittir voto ácerca dos assuntos da sua competencia ou sobre que for consultado pelo governo;

7.° Desempenhar as demais attribuições que lhe forem commetidas por lei.

CAPITULO XIII

Disposições diversas

Art. 108.° Continuam a subsistir, nos termos da legislação respectiva, os julgados municipaes actualmente existentes.

Art. 109.° Dos actuaes juizes no quadro com vencimento, declarados aptos para o serviço, nos termos do n.° 3.° do § 1.° do artigo 13.°, será collocado um em cada quatro vagas.

Art. 110.° O systema de ingresso na magistratura judicial por meio de concurso, nos termos do artigo 34.°, começa a vigorar um anno depois da publicação desta regulam a collocação dos juizes do ultramar na magistratura judicial do reino.

Art. 112.° As acções pendentes á data da publicação desta lei continuam a ser processadas nos termos da legislação anterior.

Secretaria de estado dos negocios ecclesiasticos e de justiça, em 22 de agosto de 1905. = Arthur Pinto de Miranda Montenegro.

Proposta de lei n.° 10-EE

Senhores. - O jury é uma das instituições judiciaes que teem sido objecto de mais enthusiasticos louvores e de mais severas criticas. Uns defendem-no como verdadeira engrenagem de garantia, que, em todos os ramos do ordenamento da justiça, ha de auxiliar a magistratura, com o conhecimento pratico do meio social, e a imparcialidade resultante do bum senso, livre de preconceitos. Outros combatem-no como importação inaclimatavel, sem interesse pelas questões que lhe confiam, sem competencia para responder ao que lhe perguntam, de imaginação facilmente impressionavel, e offerecendo ao mundo moderno o exemplo singular da contradição da lei de especialização de funcções.

Os primeiros exageram manifestamente as qualidades do instituto: e do radicalismo que, desconfiado do governo e da magistratura, chamou o povo a julgar do facto, em nome da soberania, quasi só resta hoje a lembrança syui-pathica da intenção liberal que o ditou. Os segundos, quando reclamam a abolição completa do jury, propõem um voto que a sciencia virá talvez a apoiar no futuro, cem certa uniformidade, mas que o presente, ao menos na ordem politica, tem de olhar ainda como inopportuno.

Creio que em nenhum dos extremos está a solução mais conveniente ás nossas leis, e que deve reconhecer-se a intervenção do jury em causas criminaes, civis e commerciaes, regulando-se todavia por preceitos muitos differentes cada uma das tres competencias.

A organização da justiça criminal é o reducto do jury, em toda a pureza do seu principio director, abstrahindo de qualquer ideia ácerca dos conhecimentos technicos dos jurados. É, por isso, aqui que ultimamente se tem travado mais rija peleja entre os dois campos.

Qualquer que seja a minha opinião doutrinaria, entendo que a respeito de tal assunto deve proceder-se com a maior prudencia, pelo melindre de julgar da honra e da vida dos cidadãos, e que as innovações fundamentaes sobre juizos de crimes, propostas aliás por pensadores dos mais distinctos, não se apuraram ainda bastante, mesmo no dominio da sciencia, para poderem implantar-se, sem perigo, no da legislação.

A verdade é que a maior parte das nações vê no jury criminal uma garantia, pela sua organização collectiva, e, sobretudo, pelo facto d'elle não poder sair de, uma determinada classe social, nem constituir, por seu turno, uma classe aparte. Por outro lado, não é mera apprehensão o temor de que os magistrados judiciaes, costumados a julgar criminosos, se inclinem a considerar antecipadamente como culpados todos os accusados: parece que a pratica devia antes habituar o espirito á critica justa; mas o peor é que a pratica, pondo o juiz muito mais em contacto com crime que com a virtude, não lhe fornece igual ensinamento a respeito dos dois.

Este perigo é sobretudo para recear num pais cuja magistratura, pelas necessidades da sua vida profissional, tem uma educação accentuadamente civilista, antes habituada a estudar processos que a perscrutar consciencias. É certo que outra podia ser a sua preparação e organização, para julgamento de feitos criminaes, mas o novo systema, alem de temerario, teria exigencias custosas com que o thesouro publico, presentemente, não deve ser sobrecarregado. Demais, se o jury não está ao abrigo de todas as censuras, o direito penal, com elle, tem podido assegurar, pela confiança e pela intimidação, a parte que lhe compete na manutenção da ordem social.

O julgamento do facto muda, todavia, de aspecto na area do direito civil. Aqui o jury é geralmente condemnado por tratadistas e legisladores, pois a natureza desta ordem de questões, por essencia juridica, combinando intimamente o facto com o direito, reclama a intervenção do juiz togado, ao mesmo tempo que repelle por incompetente a dos jurados. Neste capitulo, a experiencia caseira fornece-nos ensinamento decisivo: o jury civil, esboçado entre nós desde 1820, por um momento acceito sob a influencia dos principios de 1832, deu tão má prova de si que, logo em 1837, viu a sua competencia coartada, mais coartada ainda e á mercê de cada parte em 1840 e 1841, virtualmente annullada em 1855, por fim, dependente de acordo expresso, em 1876. E os pleiteantes, em tão pouco

Página 28

28 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

apreço o tinham que, usando largamente da faculdade de o rejeitar, deixaram letra morta a de o requerer.

O direito commercial e o direito civil teem um extenso fundo commura. A especialidade que caracteriza aquelle não impede que este possa ser chamado a completar a regulamentação das questões mercantis.

Natural é, pois, que grande numero dos defeitos do jury civil venham reflectir-se no commercial.

Restam as compensações, e á custa d'ellas tem este jury vivido, em nome dos conhecimentos technicos que se lhe suppõem e que se julgam indispensaveis para a recta apreciação dos litigios.

Entre nós, todavia, este ponto de vista vem a perder terreno desde longa data. Estabelecido, em 1833, o juizo por arbitros commerciiies, nos logares do reino e dominios onde não houvesse tribunaes privativos do commercio, logo em 1847 e 1850 se trata de prover com estes todas as cabeças de comarca, e em 1890 supprime-se aquella instancia, limita-se a competencia do jury, e permitto se, em regra, que as partes o dispensem. Ora, desde que se concede aos litigantes a faculdade de confiarem os seus litigios á decisão de juizes de direito, implicitamente se reconhece nestes capacidade para os julgar, pois, em nome da liberdade e da confiança dos pleiteantes, não podia consentir se a desautorização, resultante do exercicio de funcções inadequadas, de magistrados que tanto carecem de prestigio. Na verdade, o direito commercial é hoje um ramo juridico como os outros. As suas disposições estão concretizadas em preceitos legislativos, e estes systematizados num codigo, os usos nem já servem de elemento subsidiario expresso. Longe de mim negar, em absoluto, a utilidade do conhecimento das praticas comraerciaes; podem elucidar, e muito, a interpretação dos contratos, como veem, a final, a constituir um dos elementos do direito natural, recurso ultimo e geral para supprimento dos casos omissos. Mas convém não exagerar tal utilidade, antes circunscreve-la nos estreitos limites que actualmente a encerram. Depois, os usos commerciaes não são segredo para ninguém; a sua publicidade, durante certo periodo, é até condição da sua existencia; tem, pois, o juiz muitos meios de se informar d'elles, como as partes teem muitos meios de provarem a sua existencia. Nem, a maior parte das vezes, os jurados estarão melhor instruidos a esse respeito. Os usos são essencialmente peculiares a cada ramo de commercio, e na constituição do jury hão he faltar frequentes vezes elementos oriundos do ramo em questão: que informações aproveitaveis poderá fornecer um mercador de panos, por exemplo, numa questão de commercio maritimo?

Posta de parte a incapacidade do juiz e circunscrita a justos termos a capacidade technica do jury em pleitos mercantis, a questão do jury commercial reduz-se essencialmente á do jury civil, e as razões que condemnam este militam contra aquelle.

Acresce que o jury commercial mostra, mais que nenhum outro, tendencias para invadir a esphera de acção do juiz, e consegue-o, sem que a tal possa obstar-se, visando o direito ao definir o facto: assim, ha em geral menor preoccupação em determinar este conforme á verdade que conforme á decisão final mais justa para os jurados, embora possa ser menos justa para a lei.

E é ainda para ponderar, num meio pequeno como o nosso, a influencia accentuada que algumas firmas disfru-tam no commercio; não digo que essa influencia tenha sido posta ao serviço dos seus litigios, nem que o jury tenha mostrado até hoje menos independencia, mas é sem pré arriscada uma instituição que tanto fia das consciencias e tão pouco das garantias legaes.

Todavia, em processos onde se debatem direitos meramente privados, pode conceder-se ás partes, dentro de certos limites, a faculdade de escolherem os juizes que mais confiança lhes merecerem.

Supponho, assim, harmonizar todos os principios, preferindo, como organização geral, os institutos que tenho por melhores, mas consentindo ao mesmo tempo a intervenção de jurados quando os litigantes em tal concordem.

Entendi, porem, dever estatuir regras particulares ácerca da fallencia. Em presença deste processo especial intimamente ligado á ordem publica, pelo que respeita ao redito, pelo sacrificio constante dos interesses individuaes tos geraes, e até pelo caracter penal que pode revestir, incumbe ao legislador estatuir em bases necessarias a organização judicial correspondente. Não deixei, por isso, á escolha dos pleiteantes este ou aquelle instituto, antes prefixei o que tive por mais consentaneo.

Na ordem de ideias que venho expendendo, exclui a allencia da competencia dos jurados. Determinada logo esta exclusão pela serie de considerações que me fize-am afastar em regra o jury commercial, não encontrei ambem razões especiaes que me aconselhassem a sua intervenção excepcional neste caso.

A fallencia é, no fundo, uma execução una e universal, abrangendo todos os débitos e todos os creditos do fallido, applicavel nuns países só aos commerciantes, noutros tambem aos devedores civis. Nada ha, pois, na sua essencia, alheio á competencia geral do juiz de direito. Por vezes, tem de confiar-se ao julgador certo poder discrecionario, mas nem isso é exclusivo deste processo, nem se percebe que particular garantia de seriedade offereça o jury a tal respeito. E os elementos technicos pode o magistrado adquiri-los com inteira facilidade, tanto mais quanto neste caso dispõe ainda da cooperação do administrador da massa e dos curadores fiscaes. Por isso, até partidarios da organização especial de tribunaes mercantis com juizes letrados e commerciantes, como Thaller e Sacerdoti, opinam que a fallencia deve ser confiada á decisão exclusiva de magistrados.

Não quero, comtudo, encobrir que considero a instituição do juizo commercial em extremo melindrosa. Consignei as disposições que tive por melhores, na intenção de as submetter á mais ampla discussão e de apurar a final o que parecer mais conveniente. Em assunto desta natureza são de esperar opiniões divergentes: ha ideias que estão destinadas a vir multiplas vezes á tela do debate, antes de passarem á pratica das organizações.

Dos principios expostos resultaram os preceitos fundamentaes da proposta.

Estatui que o jury tivesse competencia para julgar de facto em materia criminal, civil e commercial, mas, emquanto n'aquella a sua intervenção é forçada no processo ordinario, porque o de policia e o correccional dispensam-no pela sua propria modestia, nestas fica, em regra, dependente de acordo das partes. No civil diz o passado que tal acordo não será frequente; no commercio o futuro o dirá, mas seria1 estranhavel que os litigantes, procurando para pleitear os seus direitos advogados, isto é, homens de lei, não tivessem confiança em magistrados para os julgar. Em todo o caso, repito, a proposta, embora de preferencia aos principios que julgo mais adequados a uma conveniente organização judicial, respeita quanto possivel a vontade das partes, deixando-lhes, em certos termos, liberdade de escolherem, para, regularização de seus interesses particulares, os julgadores que melhor lhes aprouver: d'esta forma a experiencia do novo systema poderá fazer-se sem receio de qualquer perigo.

Assente a intervenção do jury, segue-se determinar as disposições que hão de reger a sua organização e competencia.

Página 29

SESSÃO N.º 19 DE 22 DE AGOSTO DE 1905 29

Para que o jury possa cumprir devidamente a sua missão, é preciso que a illustração dos seus membros offereça garantias serias. Dispenso do recenseamento respectivo os membros da familia real, por deferencia; aquelles que exercem funcções cuja assiduidade os torne incompativeis com qualquer distracção; e os incapazes ou indignos.

Na grande massa de cidadãos que me resta, escolho para jurados civis e criminaes os individuos cuja instrucção é provada por um diploma, pelo exercicio de alguns cargos publicos elevados, pela eleição da academia e pelo censo.

Conheço as censuras que este ultimo criterio tem merecido a muitos tratadistas. Penso, entretanto, que, a despeito do erros particulares que os indicadores geraes sempre podem occasionar, a fortuna, de ordinario, permitte e exige que quem a possue se instrua; e, sendo assim, não é licito desprezar um elemento que, ao mesmo tempo, pode prestar valioso concurso ao instituto, e coadjuva os cidadãos comprehendidos nas outras categorias no desempenho de um encargo que, embora honroso, não deixa de ser penoso.

Todavia, a fim de não exigir um rendimento tão elevado que, praticamente, torne inutil este recrutamento, nem dar entrada no jury a individuos incompetentes para o exercicio das respectivas funcções, é necessario elucidar a significação do censo por meio da fonte de receita correspondente. Estabeleci, por isso, tres classes differentes: a mais baixa, quando a renda provém de emprego publico, visto este assegurar certa competencia em quem o exerce; a immediata, definida pelo exercicio do commercio, industria, arte ou officio que, attingindo desenvolvimento mediano, já exige cultura; a mais elevada, agrupando os rendimentos restantes, cujas proveniencias não offerecem especial penhor de segurança.

Mas estes mesmos principies teem de soffrer a quebra que as necessidades absolutamente exigirem para o jury poder constituir-se: a diminuição do numero de jurados que deve intervir em cada processo, e a reducção consequente do numero minimo dos recenseados, attenuarão a repetição deste caso de força maior.

Quanto ao jury commercial, deduzi do exercicio do commercio prova de competencia technica e, subsidiariamente, recorri aos que por seus estudos ou relações é de presumir que tenham conhecimentos da vida e pratica mercantis.

Confio o recenseamento do jury aos proprios juizes e, para garantia da sua confecção legal, attribuo aos magistrados do ministerio publico a fiscalização de todas as operações e permitto que os recursos interpostos subam até o supremo tribunal de justiça.

Creio que estas disposições firmam mais a independencia do poder judicial, asseguram ao jury um recrutamento legal, e accentuam até a evolução que vem traçada das leis de 1855 e 1867.

A competencia do jury é naturalmente circunscrita, nas causas em que deve intervir, ás questões de mero facto.

Afigura-se-me, todavia, que, mesmo ácerca destas, o seu juizo é algumas vezes descabido.

O julgamento dos factos confessados fica, em regra, simplificado por tal forma que bem dispensa a garantia que o jury é chamado a representar. Mas, como a confissão não pode ser prova decisiva em processo criminal, concedo ao ministerio publico a faculdade de requerer a intervenção dos jurados, quando entenda que a confissão destoa da realidade.

Não ha tambem motivo para submetter ao jury os factos constantes de documentos autenticos ou autenticados, desde que estes fazem geralmente prova plena.

Diversos preceitos do projecto visam a encaminhar os jurados na descoberta da verdade.

Neste proposito, mantive, em materia criminal, o relatorio do juiz, por me parecer que, apos longa producção de provas e deducção de argumentos, se torna necessaria uma synthese que reconstitua o processo no seu conjunto, e não deixe o espirito perder-se entre detalhes sem importancia. A competencia do orgão a que confio esta funcção, e a liberdade de critica deixada aos jurados, são garantia sufficiente para assegurar que, com o esclarecimento, não será prejudicada a imparcialidade.

Mereceu-me tambem particular cuidado a redacção dos quesitos que devem ser propostos ao jury, procurando desdobrar os factos em elementos simples, onde se contenham todos os dados do crime, tal como a lei penal o define.

Eis, resumidamente expostas, as principaes considerações que me determinam a submetter ao vosso illustrado criterio a presente proposta de lei.

Artigo 1.° É approvada a organização do jury criminal, civil e commercial, que faz parte da presente lei.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.

Secretaria de estado dos negocios ecclesiasticos e de justiça, em 22 de agosto de 1905. = Arthur Pinto de Miranda Montenegro.

CAPITULO I

Disposições geraes

Artigo 1.° Em cada comarca ha jury criminal, civil e commercial.

Art. 2.° Não podem ser recenseados como jurados:

1.° Os membros da familia real;

2.° Os ministros de estado effectivos;

3.° Os magistrados judiciaes e do ministerio publico, conservadores privativos do registo predial, notarios publicos quando na sede do logar houver só um, oflSciaes de justiça e solicitadores;

4.° Os ecclesiasticos de ordens sacras;

5.° Os militares em effectivo serviço;

6.° Os governadores civis, secretarios geraes, administradores de concelho, e regedores de parochia;

7.° Os funccionarios e agentes policiaes;

8.° Os empregados das repartições de fazenda dos districtos e dos concelhos ou bairros, e os do serviço das alfandegas;

9.º Os empregados dos correios, telegraphos e faroes;

10.° Os empregados no serviço de movimento e fiscalização dos caminhos de ferro;

11.° Os facultativos municipaes;

12.° Os pharmaceuticos que não tenham ajudante legalmente habilitado, quando na povoação em que exercerem a sua profissão houver só um;

13.° Os que não souberem ler e escrever;

14.° Os estrangeiros naturalizados portugueses;

15.° Os que não estiverem no gozo pleno dos direitos civis e politicos;

16.º Os que tiverem sido condemnados por sentença penal com transito em julgado, em virtude de crimes previstos e punidos na lei penal commum, a qualquer pena maior ou de prisão correccional, embora já tenham cumprido a pena, salvo nos casos de extincção da responsabilidade criminal, pela eliminação do facto de entre as infracções puniveis, annullação da sentença respectiva ou rehabilitação; ~

17.° Os indiciados por despacho de pronuncia;

18.° Os que tiverem algum impedimento physico que os impossibilite permanentemente de exercer as funcções de jurados;

19.° Os que forem isentos por lei especial.

§ 1.° Os membros das camaras legislativas são recenseados, mas não podem funccionar como jurados durante as sessões.

§ 2.° Os que tiverem completado sessenta e cinco annos de idade são dispensados do recenseamento, se assim o requererem.

Art. 3.° Ao jury compete decidir as questões de facto, suscitadas em causas criminaes, civis e commerciaes.

Art. 4.° Os jurados que faltarem ao cumprimento das

Página 30

30 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

suas obrigações são processados e punidos nos termos da lei penal, quando ácerca da infracção não haja disposição especial.

CAPITULO II

Jury criminal

Art. 5.° A intervenção de jurados em causas criminaes verifica-se, no processo de querela, quando não for excluida por lei, e nos demais processos, quando for exigida por lei.

Art. 6.° São recenseados como jurados criminaes, na comarca do respectivo domicilio, os cidadãos portugueses comprehendidos nalguma das categorias seguintes:

1.ª Habilitados com um curso de instrucção secundaria, superior ou especial;

2.ª Membros da academia real das sciencias de Lisboa;

3.ª Conselheiros de estado, ministros de estado honorarios, pares do reino, deputados e antigos deputados da nação, antigos governadores civis e administradores de concelho, vogaes e antigos vogaes das juntas geraes, commissões districtaes e camaras municipaes;

4.ª Empregados publicos com vencimento annual não inferior a 360$000 réis;

5.ª Contribuintes collectados em contribuição industrial, ou imposto que a substitua, não inferior a 50$000 réis;

6.ª Proprietarios e capitalistas que tiverem rendimento collectavel não inferior a 1:000$000 réis.

§ unico. Nas comarcas em que o numero dos jurados assim recenseados não eguale o triplo, pelo menos, dos que hão de compor a pauta ou pautas de cada semestre, preenche-se esse numero com os cidadãos que tiverem de rendimento collectavel annual as quantias successivamente immediatas á indicada em o n.° 6.

Art. 7.° O recenseamento dos jurados é organizado annualmente pelo juiz de direito da comarca. Em Lisboa e Porto esta funcção incumbe, por turno, aos juizes criminaes.

§ 1 ° O delegado do procurador régio fiscaliza as operações do recenseamento, promovendo o cumprimento das disposições legues, e interpondo os recursos competentes.

§ 2:° O juiz recenseador é auxiliado pelos empregados ue requisitar da camara municipal ou da administração o concelho ou bairros, da sede da comarca.

§ 3.° Todas as repartições e funccionarios são obrigados a fornecer, os elementos necessarios á elaboração do recenseamento, que lhes forem requisitados.

§ 4.° O recenseamento é exposto ao publico por espaço de dez dias, affixando-se as competentes copias nas portas do tribunal e das igrejas matrizes das freguesias respectivas.

§ 5.° Contra a inclusão, indevida ou inexacta, ou omissão de algum nome no recenseamento, pode reclamar qualquer cidadão, e devem reclamar o interessado e o delegado do procurador régio respectivo, perante o competente juiz de direito.

§ 6.° Das decisões destas reclamações cabe recurso de aggravo para a relação, e dos accordãos deste tribunal para o supremo tribunal de justiça, sempre com effeito suspensivo.

Art. 8.° Da lista geral dos recenseados extrae-se, em cada semestre, por meio de sorteio em audiencia publica, uma pauta de vinte e um jurados, os quaes, durante esse periodo, servem no tribunal respectivo. Nas comarcas de Lisboa e Porto extraem-se tantas pautas quantos os districtos criminaes.

§ 1.° Cada um dos jurados é intimado da sua inclusão na pauta. Esta intimação é gratuita.

§ 2.° Nas comarcas em que a lista dos jurados contiver pelo menos o quádruplo dos precisos para a pauta ou pautas de cada semestre, extraem-se simultaneamente as pautas para os dois semestres.

§ 3.° Os cidadãos que houverem servido num semestre como jurados são excluidos da pautado semestre seguinte.

Art. 9.° Quando em algum processo por crime a que corresponder pena maior occorrerem circunstancias tão graves que persuadam a conveniencia de se formar a pauta do jury com jurados de mais de uma comarca, é aquella constituida com os sete nomes primeiro sorteados na comarca onde pender o processo, e com os sete nomes primeiro sorteados em cada uma das duas comarcas mais vizinhas.

§ 1.° A constituição desta pauta excepcional pode ser requerida pelo ministerio publico, pela parte accusadora ou por qualquer dos réus, antes de constituido o jury ordinario.

§ 2.° Apresentado o requerimento em juizo, é informado pelo juiz, com audiencia da parte contraria, e logo remettido ao presidente do supremo tribunal de justiça, sustando-se o julgamento da causa.

§ 3.° O supremo tribunal de justiça, funccionando em secções reunidas, concede ou nega a constituição da pauta excepcional.

§ 4.° A resolução do supremo tribunal de justiça é tomada dentro de trinta dias, contados da apresentação do requerimento no mesmo tribunal, e communicada immediatamente ao respectivo juiz de direito, que designa para julgamento um dos vinte dias seguintes.

Art. 10.° Cada um dos jurados da pauta é intimado, com antecedencia não inferior a cinco dias, do. dia e hora em que deve comparecer na audiencia. Esta intimação é gratuita.

Art. 11.° Os jurados intimados só podem escusar-se de comparecer nas audiencias por impedimento physico; legal ou moral, ou outro de força maior.

§ 1.° Esta escusa deve ser levada ao conhecimento do juiz, pelo menos tres dias antes do começo da audiencia, ou até vinte e quatro horas depois de occorrida, se for superveniente.

§ 2° O jurado que faltar sem motivo justificado é logo multado pelo juiz em 10$000 réis.

§ 3.º O escrivão do processo, dentro das quarenta e oito horas seguintes, envia ao ministerio publico certidão narrativa da acta da audiencia e do despacho que impõe a multa.

§ 4.° Esta certidão serve de base á execução, observando-se os termos dos artigos 964.° e seguintes do codigo de processo civil, e podendo os embargos do executado comprehender toda a defesa.

§ 5.° O producto das multas constituo receita do cofre do tribunal.

Art. 12.° No principio da audiencia procede-se a sorteio dos jurados da respectiva pauta que estiverem presentes. O jury é composto dos sete jurados que primeiro se apurarem, e do immediato, que só intervém quando algum d'aquelles se impossibilitar durante o julgamento.

Art. 13.° Por occasião do sorteio, podem os autores de cada causa recusar, sem motivo justiçado, dois dos jurados sorteados, e os réus outros dois, decidindo a sorte a ordem das recusas, se entre os autores, ou entre os réus, não houver acordo a esse respeito.

Art. 14.° As prohibições legaes de funccionar em certas causas e as suspeições relativas aos juizes são applicaveis aos jurados; se, por motivo de parentesco, forem impedidos de funccionar no jury dois dos jurados sorteados, servirá o que tiver sido sorteado em primeiro logar.

§ 1.° Tambem não podem ser jurados na causa os particularmente offendidos, nem os seus ascendentes, descendentes, irmãos e affins no mesmo grau, nem os que participarem em juizo o crime.

§ 2.° As prohibições e suspeições são logo provadas por quem as aliegar e julgadas pelo juiz, ouvidos os interessados.

Página 31

SESSÃO N.° 19 DE 22 DE AGOSTO DE 1905 31

Art. 15.° Quando não puder constituir-se o jury com os jurados da pauta, suspende-se a audiencia, a fim de se completar a mesma pauta, por meio de novo sorteio.

Art. 16.° O juiz defere aos jurados o juramento de bem cumprirem os seus deveres.

§ unico. Servem independentemente de juramento os jurados que se recusarem a prestá-lo.

Art. 17.° É presidente do jury o jurado que primeiro sair sorteado, salvo se, consentindo elle os jurados, na conferencia, escolherem outro por maioria absoluta.

Art. 18.° Quando numa audiencia for julgada mais de uma causa, funccionam para todas os mesmos jurados, salvo aquelles que forem excluidos de algumas, em virtude do disposto nos artigos 13.º e 14.°

Art. 19.° Terminada a discussão da causa, o juiz, sem emittir opinião, expõe os factos, fazendo d'elles e de todas as suas circunstancias um relatorio simples e claro; aponta, com rigorosa imparcialidade, as principaes provas, assim a favor como contra os réus; e formula os quesitos que escreve e lê em voz alta.

§ unico. As partes podem reclamar contra os quesitos formulados pelo juiz, que attenderá ou não as reclamações, conforme for de justiça.

Art. 20.° Os jurados não são perguntados sobre factos confessados pelo réu, excepto se este se retractar durante a discussão ou o ministerio publico requerer que sejam submellidos ao julgamento do jury; ou que se acharem provados por documentos autenticos ou autenticados.

Art. 21.° Formulam-se quesitos distinctos para cada réu e para cada facto, de harmonia com a disposição applicavel da lei penal.

§ unico. Não se propõe quesito algum sobre crime não comprehendido no libello: os quesitos formulados em contravenção deste preceito e as respostas respectivas são havidos por nullos.

Art. 22.° Os quesitos são propostos ao jury pela seguinte forma: Está ou não provado o facto de que o reu F... é accusado no libello (enunciado do facto)? Está ou não provado que delle foi autor o reu F...? Está ou não provado que o reu F... o praticou intencionalmente (enunciado dos factos que revelam a intenção)? Está ou não provado que o reu F... o praticou culpavelmente (enunciado dos factos que revelam a culpa)?

Art. 23.° Se o libello accusatorio ou a discussão da causa revelarem circunstancias aggravantes, formula-se para cada uma o quesito seguinte: Tal circunstancia está ou não provada?

Art. 24 ° Se o réu na sua contestação escrita, ou na sua defesa verbal em audiencia, allegar circunstancias dirimentes ou attenuantes, ou se ellas resultarem da discussão da causa, formula-se para cada uma ò quesito seguinte: Tal circunstancia está ou não provada?

Art. 25.° Se o réu for accusado no libello de crime frustrado, os quesitos são propostos ao jury pela seguinte forma: Está ou não provado que foram praticados todos os actos de execução de tal facto (enunciado do facto e dos actos)? Está ou não provado que a consummação respectiva deixou de se produzir por circunstancias independentes da vontade do agente (enunciado das circunstancias)? Está ou não provado que d'elles foi autor o reu F...? Está ou não provado que o reu F... os praticou intencionalmente (enunciado dos factos que revelam a intenção)?

Art. 26.° Se o reu for accusado no libello de tentativa de crime, os quesitos são propostos ao jury pela seguinte forma: Está ou não provado que foram praticados actos de execução de tal facto (enunciado do facto e dos actos)? Está ou não provado que essa execução foi suspensa por circunstancias independentes da vontade do agente (enunciado das circunstancias)? Está ou não provado que d'elles foi autor o reu F...? Está ou não provado, que o reu F... os praticou intencionalmente (enunciado dos factos que revelam a intenção)?

Art. 27.° Se o reu for accusado no libello como autor moral, cumplice ou encobridor, são propostos ao jury quesitos declarando especificadamente os factos demonstrativos da autoria moral, cumplicidade ou encobrimento.

Art. 28.° Se o réu for accusado de algum crime consummado, e da discussão se mostrar que só houve crime frustrado ou tentativa, ou se for accusado como autor do crime, e da discussão se mostrar que foi somente cumplice ou encobridor, o juiz, a requerimento do ministerio publico, das partes ou ex officio, proporá subsidiariamente os quesitos de crime frustrado, tentativa, cumplicidade ou encobrimento.

§ unico. Da mesma forma se procede quando o reu for accusado de algum crime frustrado, e da discussão se mostrar que só houve tentativa, ou, quando for accusado do cumplicidade, e da discussão se mostrar que foi somente encobridor.

Art. 29.° Os quesitos são entregues ao presidente do jury com o respectivo processo.

Art. 30.° Em seguida, os jurados passam á sala destinada para as suas deliberações, de onde só podem sair depois de haverem respondido aos quesitos.

Art. 31.° As decisões do jury vencem-se por maioria de dois terços.

Art. 32.° O jury responde a cada um dos quesitos que lhe for proposto, declarando-o provado, não provado, ou prejudicado.

Art. 33.° As respostas do jury não podem versar sobre crimes ou aggravantes que não sejam comprehendidos nos quesitos, sob pena de nullidade das que assim forem dadas.

§ unico. O jury pode, todavia, declarar qualquer circunstancia da sua competencia, que por lei tenha o effeito de diminuir a pena, ainda que tal circunstancia não tenha sido comprehendida nos mesmos quesitos.

Art. 34.º As respostas do jury são escritas pelo presidente, em seguida a cada um dos quesitos, de modo que não possam ser addicionadas, resalvando-se as emendas ou entrelinhas.

§ 1.° Se o jury, para responder aos quesitos, carecer de alguma explicação a respeito delles, volta á sala da audiencia, e o presidente, na presença de todos os jurados, expõe a duvida, a que o juiz responde depois de ouvir as partes; de tudo se faz menção na acta.

§ 2.° Respondidos os quesitos, assinam, todos os jurados, sem declaração de voto, e voltam á sala da audiencia, onde o presidente, na presença dos reus, lê as respostas.

Art. 30.° O juiz dá a palavra ás partes para fazerem qualquer reclamação sobre as respostas, e; quando entender que é necessaria alguma explicação, formula a esse respeito os quesitos convenientes, e a estes responde novamente o jury pela forma indicada.

Art. 36.° Se as respostas do jury forem regulares e completas, porem evidentemente injustas, o juiz annulla a discussão do feito e as declarações do jury, ordenando nova discussão da causa perante outro jury, em que não entrará nenhum dos primeiros jurados. Ante o novo jury repete-se a inquirição das testemunhas e todos os demais actos da discussão, e, em seguida á declaração d'elle, ainda que conforme com a primeira, o juiz profere sentença.

§ 1.° Nem o ministerio publico, nem alguma das partes, pode requerer este precedimento, o qual somente é ordenado ex officio pelo juiz.

§ 2.° Em todos os demais casos a decisão legal do jury é irrevogavel, e não admitte recurso algum.

Art. 37.° Compete exclusivamente ao juiz declarar se ia ou não logar a indemnização civil, e fixar a quantia desta, nos termos da legislação respectiva.

Página 32

32 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

CAPITULO III

Jury civil

Art. 38.° A intervenção de jurados em causas civis só tem logar no processo ordinario por acordo expresso das partes, nos termos designados no codigo de processo civil.

Art. 39.° Terminados os debates, o juiz formula os quesitos sobre os factos articulados pertinentes á causa e necessarios para a resolver, escrevendo-os e lendo-os em voz alta.

§ unico. As partes podem reclamar contra os quesitos formulados pelo juiz, que attenderá ou não as reclamações, conforme for de justiça.

Art. 40.° Os jurados não são perguntados sobre factos ácerca dos quaes houver confissão ou acordo das partes; ou que se acharem provados por documentos autenticos ou autenticados, salvo o caso de falsidade.

Art. 41.° As decisões dos jurados vencem-se por maioria absoluta, e são definitivas.

Art. 42.° São applicaveis ao jury civil as disposições dos artigos 10.°, 11." e §§ 1.° a 5.°, 12.°, 13.°, 14.° e § 2.°, 15.°, 16.° e § unico, 17.°, 18.°, 29.°, 30.°, 32.º, 34.º e §§ 1.° e 2.°, e 35.°, salvas as especialidades seguintes:

§ 1.° A pauta do jury criminal é commum ao jury civil.

§ 2.° Nas comarcas de Lisboa e Porto, cada districto criminal corresponde a duas varas civis, para o serviço da pauta dos jurados, fazendo-se annualmente a distribuição por escala.

§ 3.° A extracção do jury só tem logar não occorrendo circunstancia que faça adiar o julgamento da causa.

CAPITULO IV

Jury commercial

Art. 43.° A intervenção de jurados em causas commerciaes só tem logar por acordo expresso das partes, reduzido a termo antes de estar designado dia para a inquirição de testemunhas perante o juiz da acção.

§ unico. Exceptua-se do disposto neste artigo o processo de fallencia, em que não pode ter logar a intervenção de jurados.

Art. 44.° São recenseados como jurados commerciaes, na comarca do respectivo domicilio, os cidadãos comprehendidos nalguma das categorias seguintes:

1.ª Comrnerciantes matriculados, com mais de cinco annos de profissão habitual do commercio, que sejam collectados em contribuição industrial, ou imposto que a substitua, não inferior ás taxas que no artigo 19.° da lei de 31 de março de 1898 estão designadas para a classe 3.º da tabella B, qualquer que seja a classe em que sejam tributados.

2.ª Socios de responsabilidade illimitada de quaesquer sociedades commerciaes com mais de cinco annos de existencia, e collectados na forma do numero antecedente;

3.ª Directores de bancos e sociedades existentes ha mais de cinco annos.

§ unico. Nas comarcas em que o numero dos jurados assim recenseados não iguale o triplo, pelo menos, dos que hão de compor a pauta ou pautas respectivas, preenche-se esse numero com cidadãos comprehendidos nalguma das categorias seguintes, e pela ordem que vae indicada:

1.º Commerciantes designados em os n.ºs 1.° e 2.° deste artigo, embora não seja attingida a tributação n'elles referida, comtanto que não desça de 20$000 réis, seguindo-se a ordem das collectas;

2.ª Commerciantes designados em os n.ºs 1.°, 2.° e 3.° d'este artigo, embora não se tenha completado o periodo n'elles referido, comtanto que não desça de dois annos, seguindo-se a ordem da antiguidade;

3.ª Commerciantes designados em , os n.ºs 1.° e 2.° deste artigo, embora não sejam attingidos a tributação nem o periodo nelles referidos, comtanto que aquellanão desça de 20$000 réis, nem este de dois annos, seguindo se, primeiro a ordem de antiguidade, depois a das collectas;

4.ª Commerciantes não matriculados segundo as preferencias estabelecidas neste artigo e paragrapho;

5.ª Bacharéis formados em direito, preferindo-se os mais velhos;

6.ª Quarenta maiores contribuintes das contribuições geraes do estado, preferindo-se os de maior collecta.

Art. 45.° O serviço do jury commercial prefere ao do criminal e ao do civil.

§ unico. Os jurados das pautas commerciaes nas comarcas de Lisboa e Porto são isentos do serviço do jury criminal nos meses em que servirem no tribunal do commercio.

Art. 46.º São applicaveis ao jury commercial as disposições dos artigos 7.º e §§ 1.º a 6.º, 8.º e § 1.º, 10.º, 11.º e §§ 1.º a 5.°, 12.°, 13.° 14.º e § 2.º, 15.º, 17.º, 18.º, 29.°, 30.°, 32.°, 34.° e §§ e 1.º e 2.º, 35.º e 39.º e § unico, 40.° e 41.°, salvas as especialidades seguintes:

§ 1.° Nas comarcas de Lisboa e Porto, o recenseamento dos jurados commerciaes incumbe aos juizes dos tribunaes do commercio, e a fiscalização das respectivas operações aos secretarios dos mesmos tribunaes, fazendo-se naquella comarca o serviço por turno.

§ 2.° As copias do recenseamento são affixadas nas portas do tribunal, das igrejas matrizes das freguesias respectivas, e da bolsa onde a houver.

§ 3.º Contra a inclusão, indevida ou inexacta, ou omissão de algum nome no recenseamento, pode reclamar qualquer commerciante matriculado, e devem reclamar o interessado e o agente do ministerio publico respectivo, perante o competente juiz recenseador.

§ 4.° A extracção das pautas verifica-se annualmente. Os jurados que houverem servido num anno são excluidos do sorteio no anno seguinte.

§ 5.° O numero de pautas a extrahir do recenseamento é de tres nas comarcas de Lisboa e Porto, duas nas de 1.ª classe, e uma nas restantes. Quando houver mais de uma pauta, serve cada uma alternadamente.

§ 6.° Os jurados commerciaes só são intimados para comparecerem nas sessões, fora de Lisboa e Porto.

§ 7.° O juiz defere a cada jurado, por uma vez, o juramento de bem cumprir os seus deveres, salvo o disposto no § unico do artigo 16.°

CAPITULO V

Disposições diversas

Art. 47.° As disposições desta lei são applicaveis a todos os processos pendentes á data da sua publicação, excepto no que respeita á constituição do jury emquanto se não organizarem as novas pautas, e á competencia designada no artigo 43.° e seu § unico.

Art. 48.° Ficam salvas as disposições especiaes relativas á organização de determinados jurys.

Secretaria de estado dos negocios ecclesiasticos e de justiça, em 22 de agosto de 1905. = Arthur Pinto de Miranda Montenegro.

Foram enviadas ás commissões respectivas.

O REDACTOR = Affonso Lopes Vieira.

Descarregar páginas

Página Inicial Inválida
Página Final Inválida

×