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N.º 21. Sessão em 27 de Janeiro 1849.

Presidencia do Sr. Rebello Cabral.

Chamada — Presentes 60 Srs. Deputados.

Abertura — Á meia hora depois do meio dia.

Acta — Approvada.

Correspondencia.

Officios. — 1.º Do Ministerio da Guerra, enviando a relação dos empregos vagos na Secretaria, e Repartições dependentes do mesmo Ministerio, satisfazendo assim ao Requerimento do Sr. Pereira dos Reis. — Para a Secretaria.

2.º Do mesmo Ministerio, remettendo a Relação Nominal dos Officiaes Militares, e Empregados Civis, cujos vencimentos vem comprehendidos no Orçamento daquelle Ministerio. — Para a Secretaria.

O Sr. Presidente. — Convido os Srs. Caldeira, e Costa Xavier para introduzirem na Sala com as formalidades do estylo o Sr. Deputado Eleito Antonio Avelino Corrêa Pinto.

Foi assim introduzido, prestou Juramento, e tomou assento.

O Sr. J. J. de Mello: — Mando para a Mesa, e peço a urgencia do seguinte:

Requerimento — «Requeiro se peça ao Governo, pela Repartição competente, o Mappa das contribuições Municipaes, posterior a 1845, que deve acompanhar o Orçamento já distribuido nesta Casa.» — J. J. de Mello.

Foi julgado urgente, e logo approvado.

O Sr. Pereira dos Reis: — Pedi a palavra para mandar para a Mesa o annuncio d'uma interpellação, cuja importancia por si mesmo se recommenda; supponho que os Srs. Ministros existentes não terão duvída de responder a ella com a brevidade possivel: — (Leu a seguinte)

Nota de interpellação. — «Pretendo interpellar com urgencia o Ministro competente, sobre se e certa a noticia que torre com todos os caracteres de authenticidade, de que em Consistorio de 22 de Dezembro ultimo, foi proclamado Arcebispo de Palmira in partibus infidelium o Arcebispo de Gôa, José Maria Torres. — Pereira dos Reis.

O Sr. Presidente: — Manda-se fazer a competente communicação.

O Sr. J. Silvestre Ribeiro: — Pedi a palavra para requerer a esta Camara, que consinta ser impreco no Diario do Governo o Projecto de Lei, que eu apresentei na Sessão pasmada.

Consultada a Camara decidiu affirmativamente.

O Sr. Palmeirim — Vou ler, e depois mandar para a Mesa um Parecer da Commissão de Guerra, e é elle o seguinte». (Leu)

Sr. Presidente, a Commissão de Guerra conhece qual e a disposição do Regimento sobre os Pareceres que concluem, porque seja ouvida outra Commissão, mas neste caso ha a especialidade de se pedir que a Commissão de Fazenda, tendo o pedido em vista, adopte uma medida geral a tal respeito. Já se vê portanto que tem este Parecer de correr um outro processo, e ser sugeito á deliberação da Camara para tal fim.

Sr. Presidente, seria altamente injusto conservar estas Classes que representam, no estado em questão. Esta Classe a que se refere o Parecer, é consideravelmente infeliz. Segundo tenho conhecimento ha pouco mais ou menos, 10$000 Pensionista, que recebem mediante o Titulo de renda vitalicia. A importancia total que vem no Orçamento para pagar a esta Classe, é de 548 contos, que divididos; pelos 10$000 dá em resultado, termo medio, 4$500 réis mensaes. Esta Classe para poder descontar algum mez tem de entregar o seu Titulo de renda vitalicia aos Rebatedores para lhe darem dinheiro; pois que é o unico penhor que lhes podem offerecer para estes receberem o mez descontado; e depois, que o Titulo de renda vitalicia cae na máo do Rebatedor, fica logo o Pensionista sugeito á Lei do Agiota. A humanidade e a justiça pede, que este negocio seja immediatamente resolvido: e por isso a Commissão de Guerra se encarregou de dar já sobre elle o seu Parecer.

Ficou para segunda Leitura, e quando a tiver se transcreverá.

SEGUNDA LEITURA.

Requerimento. — «Requeiro que se peça ao Governo com urgencia um Mappa feito á vista dos documentos, e informações que existirem já na Repartição respectiva, por onde conste.

1.º Os rendimentos proprios da fabrica de cada uma das Cathedraes do Reino.

2.º A verba que se acha designada para ser paga pelo Thesouro a cada uma d'ellas, e a quantia que effectivamente tiverem recebido no presente anno. — Ferreira Pontes.

Foi admittido, e logo approvado.

O Sr. Presidente: — Segundo a decisão da Camara, tomada na Sessão penultima, tem de dar-se a palavra ao Sr. Deputado Silva Cabral para Explicações sobre factos apontados na discussão da Re»-porta ao Discurso do Throno. Por occasião d'esta discussão muitos Srs. Deputados pediram a palavra para Explicação, sem declararem se era pessoal, de facto, ou de Discurso, e outros com a declaração de que a Explicação era ou de facto, ou pessoal. Eu inscrevi todos os Srs. Deputados que pediram a palavra para tal fim, e o mesmo fez o Sr. Vice-Presidente, quando occupou esta Cadeira na Sessão de 3 de Fevereiro. Mas antes de tudo, e sem referencia ao Sr. Deputado Silva Cabral, por que a seu respeito já a Camara decidiu que devia dar a sua Explicação, antes de dar a palavra ao Sr. Deputado, devo lembrar á Camara a disposição 8.ª addicional do Regimento. O Regimento não permitte hoje Explicações de facto, ou de Discurso depois da discussão, e ante» ou depois» da votação, e só as permitte durante a discussão aos Deputados que fallarem as vezes, e nos lermos que elle prescreve, sendo anteriormente prohibidas as Explicações pessoaes, e só

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permittidas em casos extraordinarios por deliberação da Camara; e estas só poderão ter logar em hora de prorogação de Sessão. — Por consequencia nos termos do Regimento só póde dar-se a palavra para Explicações do Sr. Deputado Silva Cabral, por que para esse fim foi dispensado o Regimento; e nenhum dos outros Srs. Deputados nos termos do Regimento póde ter a palavra para Explicações, só se a Camara resolver o contrario. — Convido o Sr. Deputado Silva Cabral a usar da palavra para o effeito sómente de dar Explicações com referencia aos factos respectivo, e é por tanto que lhe dou a palavra.

Tornando então a palavra, disse.

O Sr. Silva Cabral: — Sr. Presidente, sinto ter de entrar no campo das Explicações; mas não é culpa minha, se por um procedimento pouco regular eu fui provocado a entrar nelle. As expressões inconvenientes, imparlamentares, e insólitas, que saíram do Banco dos Ministros, ainda hoje sôam desagradavelmente no recinto desta Casa; e se eu me não apressasse a vir explicar-me diante do Paiz, e da Camara, se não viesse fazer um protesto solemne contra o presumido sentido dessas expressões, eu me tornaria indigno da Cadeira que aqui occupo, (Apoiados) eu me tornaria indigno da posição que tenho na hierarchia social; indigno da confiança dos meus Amigos;» até indigno da qualidade de Cidadão. (Vozes: — Muito bem.) O Ministerio foi por mim censurado sobre actos, e sómente sobre actos da sua Administração: censurei-o, em primeiro logar, porque um dos Membros do Gabinete accummulava dois ordenados contra a Lei! — Para lançar de si a odiosa responsabilidade de tal infracção, nunca eu me explicaria, como se explicou o Presidente do Gabinete, referindo-se a uma especie de Convenção, que em 1845 tinha feito com o Ministerio de então!.. Uma Convenção contra a Lei!... Quem ignora, que não póde considerar-se senão com uma revoltante illegalidade, que em nada altera, ou diminue a culpabilidade daquelle, que similhantes actos practica? (Apoiados numerosos.) Mas, «este ponto, houve uma especialidade notavel, (de que logo tractarei mais extensamente) e foi que se declarou, que eu Ministro da Coroa sómente de annos depois era connivente neste facto illegal da accumulação! — Quid dicam amplius?

Eu censurei mais o Ministerio, porque tinha pago 164:000$000 réis para que não estava auctorisado no Orçamento: como se respondeu a isto?... Como se explicou sobre esta grave censura o Ministro?... Disse que o facto era exacto; mas que o caso era na sua essencia justo, porque, se não se pagasse, poderia acontecer, que, dadas as mesmas circumstancias, não houvesse quem fornecesse um carro de palha para o Exercito.

Oh! Sr. Presidente, pois então se a justiça do acto, considerado abstractamente, é só a norma que deve dirigir a decisão nestes actos, era possivel que os Srs. Ministros esquecessem, que ha indemnisações mais antigas, e mais justas, como são as que resultaram dos estragos, que tiveram logar por occasião da guerra da Restauração?... Não seria justo que se pagassem mais de 2:000 contos destas indemnisações por estragos feitos para salvação commum?... Não seria igualmente justo, que se pagassem despezas identicas da guerra Peninsular, muitas das quaes ainda estão por pagar?... Mas... Ah... Enganei-me... Estavam por pagar ha alguns mezes, agora porém não é tanto assim, porque tambem este Ministerio, sem Lei que a tanto o auctorisasse, teve a condescendencia de pagar 80:000$000 réis dessas mesmas despezas!... (Profunda sensação na Camara)

Sr. Presidente, a questão não é de justiça, nem eu a apresentei como tal... Eu tractei-a unicamente como questão de legalidade; o acto póde ser immensamente justo; mas o Ministerio, não estando auctorisado pelo Parlamento, e pela Lei a fazer essa despeza, existe em relação a elle o crime de dissipação nos termos do art. 103.º, § 6.º da Carta Constitucional, e do art. 62.º e 63.º da Lei de 26 de Agosto de 1848. (Apoiados)

Eu censurei mais o Ministerio, porque tinha feito uma despeza de 170 contes de réis pela Repartição da Guerra, no augmento da Força militar, e igualmente porque conservava illegal, e inconstitucionalmente uma Companhia da Guarda Municipal. Não questionei nem a necessidade de uma, nem de outra cousa; olhei o negocio, como me cumpria considerar, como Deputado, e disse que o Ministerio não estava auctorisado para essa despeza; antes que a referida Lei de 26 de Agosto de 18-18 a prohibia fazer, mas havia n'um, e n'outro caso, e principalmente a respeito do primeiro uma razão mais forte, e era ella, que sendo objecto de si tão grave, não foi sobre elle ouvido o Conselho d'Estado, quando por outras cousas, comparativamente minimas, a Lei, e Carta exigem a audiencia daquelle Corpo Politico; que portanto tinha-se offendido, ao mesmo tempo, a lettra da Carta Constitucional no seu art. 110.º, e o Decreto de 16 de Julho de 1815.

Eu censurei igualmente o Ministerio pela despeza, que tinha feito com o Retrato, não questionei sobre a probidade de pessoas. Cumpri um dever publico, sem transcender os limites da mais melindrosa susceptibilidade. Como se defendeu o Ministerio? Apresentando um Officio de um Empregado subalterno, como se uma similhante defeza não viesse antes aggravar, do que elidir a accusação!... Dóe-me o coração, que contra a evidencia dos factos se pertenda reagir por modos similhantes! (Vozes: — É verdade.)

Eu censurei por ultimo o Ministerio pelas despesas exorbitantes da Policia, e, neste ponto, tambem se me fez uma allusão, dizendo-se, que no tempo em que presidi aquella Repartição, tinha havido uma despeza pouco mais ou menos igual. Nem se justificou a primeira parte da censura, nem é verdadeira a allusão.

Sr. Presidente, todas as Explicações dadas pela parte do Ministerio a estas, e outras muitas censuras, que eu lhe dirigi, nem satisfizeram, nem podem satisfazer a pessoa alguma, nem pelo lado da materia, nem pelo que respeita á fórma. O Ministerio acompanhou todas as suas respostas das maiores inconveniencias, faltando á dignidade, que delle reclama imperiosamente o logar que aqui occupa, e passando da fórma á materia, as suas respostas foi um as mais duras, e as mais explicitas as confissões de todas as accusações, que se lhe dirigiram; e se ou podesse retrogradar com os meus argumentos a uma época anterior ao dia 23 do corrente, eu diria, que o officio da Camara não podia ser outro que homologar a decisão que o proprio Ministerio tinha pro-

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ferido contra a sua Politica, confessando a verdade das accusações. (Apoiados)

Sr. Presidente, a scena que aqui se passou no dia 23, é na realidade um neto insolito, e nunca representado em Parlamento algum do Mundo. Não se tracta, nem e minha intenção fallar senão do acto, ou actos do dominio publico. Todos os mais são para mim tão respeitaveis, como as intenções dos individuos. Já o disse da primeira vez que fallei sobre este assumpto, mas nem por isso reputo ocioso repeti-lo novamente: porque o que se passou está tanto fóra da mais vulgar educação, que em o trazer sómente a reminiscencia poderiam suscitar-se apprehensões, que eu quero pôr inteiramente de lado (Vozes — Muito bem.) Sim, o facto que se passou e digno de ser severamente censurado por todos aquelles, em cujo peito arder um verdadeiro fogo pela liberdade. No fim de 1840 sentava-se naquella Cadeiras (as do Ministerio) O Sr. Conde de Villa Real, e presentes vejo na Camara alguns dos illustres Collegas daquelle Cavalheiro na Administração que então governava o Paiz: o Sr. Conde de Villa Real tratando de responder ao Sr. Antonio Luiz de Seabra teve um equivoco, qual foi o de chamar-lhe Deputado pelo circulo de Alcobaça, em vez de lhe chamar Deputado pelo circulo aonde tinha sido eleito: a explicação era facil, mas aquelle Sr. Deputado julgou-se offendido por esta simples illusão Quer-se saber qual foi a attitude da Camara nessa occasião, não obstante ser o Sr. Antonio Luiz de Seabra Deputado da Opposição? Quer-se saber como dessa Cadeira se olhou um procedimento tal? O Presidente, que então occupava essa Cadeira, uniu-se a Camara inteira para stigmatisar o procedimento do Ministro da Corôa, que ou por irreflexão, ou outro qualquer defeito, offendia a dignidade do Deputado, e o decóro do Parlamento (Apoiados) A Camara inteira se levantou, e se pronunciou solemnemente sobre esse procedimento, declarando que o Sr. Conde de Villa Real não podia mais ser Ministro na presença desta Camara. (O Sr. Cunha Sotto-Maior — Ouçam, ouçam); e ao outro dia não era Ministro o Sr. Conde de Villa Real, porque então sabiam se presar os verdadeiros principios constitucionaes, e a dignidade da Camara, e dos seus Membros. Mas agora o que aconteceu, o que se praticou? Naquelles bancos (os do Ministerio) sentavam-se quatro Ministros (porque um esteve sempre doente durante o debate da Resposta) dois dos Ministros, que são Membros desta Casa, não responderam, é verdade, cabalmente ás accusações, que tiveram, mas ao menos portaram-se como deviam, e souberam guardar as conveniencias; porém os outro Ministros, que são Membros da outra Casa do Parlamento, o que fizeram Cada um delles se dirigiu, ou a esta Camara, ou a alguns dos seus Deputados, injuriando-os atrozmente. (O Sr. Cunha Sotto-Maior — Apoiado, apoiado) a respeito de objectos que não tinham sido, nem podiam ser trazidos para o debate... (Apoiados)

O art. 32.º do Regimento antigo, e o art. 89.º do segundo Regimento, prohibem expressamente que se dirija algum insulto a um Deputado qualquer: os mesmos Regimentos vedam igualmente, que se faça a mais leve allusão ás intenções de cada um; não era possivel que o Regimento determinasse outra cousa, tractando-se de Deputado para Deputado;

porque de outra fórma seria impossivel o debate, como convém á causa publica.

Fallando porém dos Ministros, a razão cresce muito de força, os Ministros da Corôa teem aqui faculdade para a defeza dos seus actos; mas não o direito de censura contra algum Membro do Parlamento; perante este são partes, e não Juizes. Desconhecer isto, é ignorar as attribuições que estão marcadas na Carta Constitucional, e desconhecer os principios do Governo Representativo. (Apoiados numerosos)

O Deputado tem uma obrigação restricta de examinar se as Leis foram cumpridas, porque este é o seu dever, e é ao mesmo tempo o seu direito em virtude do art. 15.º § 7.º da Carta Constitucional, o Deputado tem de observar se por ventura os Ministros teem peccado contra a Carta, e contra as Leis, ou por abuso de Poder, ou por falta de observancia de Lei, ou por dissipação dos dinheiros publicos, por que esta é a sua obrigação imposta pelo art. 103 § 3.º, 4.º, e 6.º da Carta Constitucional: o dever e o direito do Deputado vão até poder accusar os Ministros por aquelles delictos; mas quando se pertendesse, que em vez de se respeitarem estes direitos, e deveras, saissem daquellas Cadeiras (as do Ministerio) accusações aos Deputados, o cataclysmo mais perigoso substituiria a marcha regular da machina social a parte tomava-se juiz, e não seria possivel, não poderia ser possivel que os Deputados, e as Camaras cumprissem os seus deveres. (Apoiados)

M as não obstante a verdade destas doutrinas com pasmo immenso vi, que o Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros se tornou juiz, não sómente desta Camara, mas das Camaras antigas. (O Sr. Carlos Bento — Apoiado.) O illustre Ministro disse, e disse n'um tom severo, se bem, que harmonico, Riso,) que esta Camara não precisava de direcção, que isso tinha pertencido ás outras, aonde o aceno de um homem era bastante para fazer tremer toda essa Maioria! E este dicto, Sr. Presidente, teve um Apoiado desta Camara! (O Sr. Corrêa Leal — Apoiado. — Riso.) Um Apoiado desta Camara, e esse Apoiado.... note-se, que não me refiro ao Apoiado do Sr. Deputado (virando-se para o Sr. Corrêa Leal), porque a dizer a verdade, respeitando-o muito como Deputado, não dou significação alguma aos seu Apoiados (Riso); refiro-me a um Sr. Deputado, que se senta proximo d'aqui, e que já nessas Sessões era Deputado da Maioria (Apoiados)

O Sr. Corrêa Leal — Peço a palavra para uma Explicação (Riso).... Peço a V. Ex.ª, que mantenha a Ordem, e que mantenha os direitos que pertencem ao Deputado, e a significação, que aqui tenho como tal, porque o Sr. Deputado acaba de insultai-me desta maneira, tem de retirar aquella expressão, e dar uma satisfação como eu peço.

O Sr. Presidente — O Sr. Deputado tinha o direito de chamar á Ordem, e chamando á Ordem, haviam de seguir-se os termos do Regimento.

O Sr. Corrêa Leal — Pois chamo á Ordem o Sr. Deputado para retirar a expressão de que o meu Apoiado não tem significação nesta Casa (Riso)

O Sr. Presidente: — Bem, está chamado á Ordem, e hão de seguir-se os termos do Regimento Convido o Sr. Deputado, ou a explicar o sentido, ou a retirar as palavras

O Orador —. O meu sentido e mui facil de explicar (Hilaridade); mas o que eu sinto em verda-

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de, é que n'um objecto importante os Apoiados do illustre Deputado venham interromper aquillo, que eu tinha a dizer. (O Sr. Corrêa Leal: — Ainda não é explicação). Sr. Presidente, eu disse, que respeitava o caracter do Sr. Deputado como Deputado nesta Casa... disse ou não disse... Responda-se de todos os lados?... (Apoiados geraes, e vozes — É verdade) desde então ficou o Sr. Deputado sem direito para exigir mais explicações. Respeitar o seu caracter como Deputado, é o que se póde exigir, mas, que eu dê, ou não valor aos seus Apoiados, isso nem importa, nem póde importar a alguem — nesse ponto eu sou o unico juiz, (Vozes: — excellentemente.)

O Sr. Corrêa Leal: — Sôbre a Ordem não sei se me cabe a palavra.

O Sr. Presidente: — Depois da explicação não ha nenhuma injuria feita ao Sr. Deputado: se insiste em chamar o Orador á Ordem, então seguem-se os termos do Regimento; mas depois desta declaração não póde haver motivo; logo que declara que não teve animo de injuriar, e explica o sentido, não ha razão para proseguir a questão.

O Orador: — (Continuando o seu Discurso), Sr. Presidente, a insinuação do illustre Ministro contém uma dupla ingratidão contra essa Maioria, porque lhe dera o seu apoio?... (O Sr. Cunha Sotto-Maior: — É verdade) e é o Ministro dos Negocios Estrangeiros de 1849, que deve responder ao Ministro dos Negocios Estrangeiros de 1843. (O Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros: — Peço a palavra, Sr. Presidente) contra o individuo (que sou eu, e saiba-o o Paiz inteiro), porque esse individuo o apoiou com todas as suas forças, e correu mais de uma vez risco da sua propria vida, para acudir as seu chamamento e dos seus Collegas: (O Sr. Cunha Sotto-Maior: Ouçam, ouçam), porque esse individuo, segundo póde verificar-se pelo testemunho de muitos dos illustres Deputados, que foram Membros dessas Maiorias, e que teem hoje assento na Camara, nunca quiz impor aos seus Collegas, a adopção de uma opinião qualquer com aceno de ferro (Apoiados), mas tinha a fraqueza, e paciencia de discutir com os seus Collegas, e de os convencer com a unica arma do raciocinio; e como usava desta, e não de mão de ferro (Hilaridade) deixou sempre livre a opinião de cada um.

Sim, Sr. Presidente; a prova do que digo, não está muito distante, porque junto a mim está o meu Amigo o Sr. Pereira dos Reis; e não muito longe esteve o Sr. Bartholomeu dos Martyres, que em questões importantes, e Ministeriaes, votaram em sentido opposto a mim. (Apoiados) Era então um aceno de ferro, que dominava nas Maiorias, ou era com as armas da razão.... ou eram as discussões, que havia entre uns e outros, que nos faziam assentar no melhor?

Mas, Sr. Presidente, o que eu no meio de todas esses desaccordos, que por ahi se veem, não podia nunca esperar, nem imaginai, é que esse serviço, que eu prestei ao Ministerio muitas vezes, com sacrificio proprio, se viesse hoje apresentar, pela bôca de um dos mais obsequiados, como titulo de censura! Era preciso, para Isso, que se tivesse perdido a memoria da mais nobre sensação, a de gratidão, (Apoiados geraes, e grande sensação.) Que fiz eu nesse mesmo anno de 1840 por occasião da questão da Navegação do Douro?.... Achando, me no Porto, recebi

um Boletim Telegráfico, pelo qual se me dizia, que o Ministerio precisava muito da minha presença na Camara dos Deputados. Não obstante não haver Vapor directamente daquella Cidade, entreguei-me, com alguns Collegas, que alli se encontravam, para me acompanharem (e aqui estão hoje sentados) aos riscos d'um barco debaixo de um terrivel temporal para vir embarcar no Vapor Inglez, (Apoiados) e não tive duvida nenhuma de correr esses perigos, para me apresentar aqui a cumprir o meu dever, porque pertencendo a uma Maioria, nunca sube affastar-me na occasião do perigo (Apoiados.)

Mas ha mais alguma cousa: em 1843 eu fui enviado ao Porto em uma missão extraordinaria, e com poderes amplissimos, em razão, ou por motivo dos tumultos, ou motins, que tinham tido logar em Fevereiro daquelle anno naquella mesma Cidade. Escrevendo eu a alguns dos Ministros para informa-los que era conveniente estar alli mais 3 ou 10 dias para deixar tudo em socego, como effectivamente ficou, recebi não só cartas dalguns dos Srs. Ministros, mas de alguns dos illustres Deputados, que hoje combatem do lado opposto, a pedirem-me que viesse, porque era muito precisa a minha presença na Camara. Quer V. Ex.ª, e a Camara ver as cartas que eu recebi de dois Cavalheiros, que posteriormente se hostilisaram politicamente, e que ainda ha pouco estavam em campo opposto, mas que hoje estão outra vez unidos? Eis-aqui:

O Orador leu tres cartas, duas do Sr. Conde de Thomar, datadas de 92 e 25 de Fevereiro, e uma do Sr. Lopes Branco com data de 11, referindo os trechos, nos quaes aquelles Srs. lhe mostravam a necessidade de apresentar-se quanto antes, porque assim era necessario, ou conveniente, para a direcção dos trabalhos da Camara.

Depois continuou. — Sr. Presidente, quando um homem assim cumpre fielmente os seus deveres, e acode ao chamamento do seu Partido, merece que se lhe diga que dominava a Maioria com um aceno de ferro? Não ha um facto que mais claramente possa denunciar um coração ingrato!... Isto era bastante para eu não poder estar unido com pessoas que assim apresentam ao Publico um tão inqualificavel procedimento (Apoiados). Neste mesmo sentido tive uma carta do Sr. Conde do Tojal, e outra do Sr. Visconde de Castro; a do Sr. Conde do Tojal existe aqui, não me cançarei a lê-la: a do Sr. Visconde de Castro não me foi possivel ainda acha-la, mas tenho-a, e S. Ex.ª póde recordar-se de ma ter escripto.

As Maiorias passadas não foram subservientes; não foram Maiorias que aqui representassem como escravos da gleba, seguindo as cegas a bandeira Ministerial, não... as Camaras preteritas muitas vezes fizeram desistir o Ministerio dos seus Projectos, e ahi apparecem as provas em muitos delles, que, apresentados pelo Ministerio com grande empenho, teve de retira-los, pela energica opposição da Maioria (Apoiados) Até muitas vezes os Ministros foram intimados pela Maioria, que no caso de não mudarem de Politica, ella lhes retirava o seu apoio (Apoiados). Mas o Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros quiz, ou affectou querer perder a reminiscencia da Historia da época, e depois de commetter o vicio da ingratidão, não admira que fosse menos escrupuloso em offender a regia de justiça natural — Não faças a

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outrem o que não queres te façam, — Que quer o Sr. Ministro que esta Camara, que as Camaras que vierem, façam a S. Ex.ª, se por ventura elle foi tão injusto para com o procedimento das Maiorias preteritas, não obstante o apoio que lhe prestaram? (Apoiados) E que direito temos nós aqui, ou o Ministerio, de julgar da Politica, e da justiça da marcha das Camaras preteritas? (Apoiados) Pois não somos nós iguaes ás Camaras preteritas; e, como iguaes, podemos por ventura exercer direito de soberania sobre ellas? (Apoiados numerosos) Se se admittisse tão errada practica, não teriam as Camaras futuras o direito de nos julgar, talvez mais severamente? (Apoiados.)

Sr. Presidente, o Ministerio neste ponto caminhou ao cataclysmo dos principios e das doutrinas; porque, estabelecida uma similhante doutrina, não ha Parlamento possivel, não ha Systema Constitucional (Apoiado»)

Tenho pois mostrado, que as allusões que o Ministerio fez em geral ás Camaras preteritas, e em particular á minha pessoa, não foram fundadas, não foram justas; pelo contrario foram eminentemente iniquas, e mais que iniquas, foram eminentemente ingratas (Apoiados.)

— O Sr. Ministro fez nesta occasião uma deprecação, e disse: Espero que esse aceno de ferro não domine a Camara presente: escusava de certo de fazer similhante deprecação á Camara actual; fez-lhe uma offensa, suppondo-a capaz de uma baixeza, e que podia ser levada por esse aceno de ferro, fez injuria sobre tudo aos meus sentimentos, porque desde o principio, e não obstante as reflexões, que o mesmo Sr. Ministro, passeando no corredor proximo, me dirigiu para me convencer da utilidade de tomar a direcção das questões, eu lhe respondi com franqueza, que nem os inimigos podem negar ao meu caracter, que não podia acceitar a direcção desta Camara, nem tão pouco me convinha á Politica da sua Maioria.

Após este facto, appareceu outro de que o nobre Presidente de Ministros houve por bem fazer-me cargo. S. Ex.ª disse, que eu era connivente no facto, que censurei, da accumulação dos ordenados que elle recebera. S. Ex.ª me perdoará, permittindo que lhe diga, que se porventura houvesse essa connivencia, essa culpabilidade, S. Ex.ª, pelo sentimento de cavalheirismo que lhe é tão natural, devia abster-se de recorrer a similhante defeza, porque é sabido, que quando eu mesmo tivesse concorrido para similhante acto, não tendo recebido beneficio algum, era da obrigação do auctor do crime esconder os seus cumplices, a have-los; e nunca esperei que um Presidente do Conselho de Ministros viesse aqui em occasião tão solemne declarar, que tinha cumplices, quando essa declaração o não tornaria menos culpado, e quando é certo que da maior elevação até á mais baixa choupana o sentimento do ranço difficilmente extingue, e faz esquecer as obrigações do decoro, da obrigação, e da gratidão (Apoiados.)

Mas é que não existe tal connivencia, nem culpabilidade, nem podia have-la. S. Ex.ª veiu declarar aquillo sobre que eu tinha deitado um veo; eu só me referi ao principio do anno de 1848, não obstante saber o que havia até alli e posteriormente; eu só quiz considerar o Ministerio nos seus actos; foi S. Ex.ª que veiu agora dizer na presença da Camara, na presença do Fiscal das Leis, que esse abuso existia desde 1835; quer dizer, que recebeu 35 a 40 contos de réis mais do que devia receber. (Profunda sensação.)

Sr. Presidente, eu não fui connivente, declaro-o na presença do meu Paiz, e dou a razão porque Quando em 30 de Julho de 1844 se publicou o Decreto, que prohibio as accumulações, Decreto que foi confirmado pela Lei de 27 de Novembro de 1844, eu dei logo execução a esse Decreto, com severidade e imparcialidade; já aqui referi um caso do Thesouro no qual estava igualmente o nome de S. Ex.ª e outro. A um Collega meu, o Sr. Sampaio e Pina, que era Conselheiro do Thesouro, e que accumulava como tal, e como Militar, (Marechal de Campo, segundo a minha lembrança,) eu appliquei a Lei, não obstante as reflexões de indisposição que me fizeram. (Voes: — É verdade) Depois disto correu o anno de 1845; nesse anno entrei para o Ministerio a 4 de Maio, e noto esta epocha bem alio para não confundir os meus actos. Em 4 de Maio ou pouco depois tractou-se logo de um acto pertencente a S. Ex.ª, e eu respondi ao seu procurador o Sr. Antonio Thomaz, de quem póde informar-se: o Marechal Saldanha póde esperar de mim toda a consideração: mas nunca um favor que offenda a Lei. Mãis alto; quando se tractou da conveniencia, ou não conveniencia da vinda de S. Ex.ª (espero que S. Ex.ª attenda) sabe como eu o tractei na sua ausencia? Disse, que eu julgava que não se podia impedir que um Cavalheiro que estava ha tanto tempo ausente do seu Paiz, que estava demais a mais lacerado em seu coração pela morte de seu Filho (foi logo depois désse acto), viesse para o seu Paiz: eis aqui como eu tracto amigos e inimigos, eis aqui como eu tracto conhecidos e não conhecidos!... Mas quando se tractou de propôr uma subvenção extraordinaria a S. Ex.ª eu repliquei, nada de subsidio extraordinario, é contra a Lei, contente-se com o seu ordenado e com a ajuda de custo; além disso nunca com a minha opinião terá um real de mais.

O homem que assim procede, não teria coragem de evitar que houvesse essa accumulação, se por ventura a houve nesse tempo, como S. Ex.ª diz? Fallo diante de muitos Cavalheiros, que teem sido Ministros; pergunto, se é possivel ao M nitro de qualquer Repartição conhecer todos o acto. que se passam nas Repartições dos outros? Como pois podia eu saber, como podia adivinhar, que pela Secretaria dos Negocios Estrangeiros se tractava contra a Lei, (se te tractou, eu duvido) da execução de uma convenção, que não devia existir? Como logo se diz u És connivente? Não fui, e protesto contra o acto, se existiu, porque eu fui firme sempre nos meus principios. (Apoiado).

Enjoa me fallar do negocio do Retrato; não fallarei mais delle, até para que daqui não se tire alguma illação menos leal, com que por ventura se queira inculcar que em mim tem diminuido o respeito, a consideração e o acatamento sincero, mas de cidadão livre, que eu consagro ao Original; mas como Cidadão, como Deputado, compunge-me que o illustre Ministro não visse as consequencias, que se podem tirar do documento que apresentou.

S. Ex.ª, com uma irreflexão e inconsideração, que não tem desculpa, veio lançar suspeita na curialidade das contas da Secretaria!!! O Officio do Offi-

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cial Maior diz, que se tinha passado a Ordem por 400$000 réis, mas que estavam em sr 40$000 réis!... Onde se viu uma tal denunciação do mal, porque se procede?.. Pois podiam passar-se Ordens de Credito, tem que as verbas respectivas estivessem devidamente legalisadas com os documentos competentes? Quando se apresenta um documento similhante não se mostra, que ali se passam as Ordens de Credito (e creio que não se passam) sem a legalisação precisa? Onde vai o credito de uma Repartição, quando se apresentam factos desta natureza! O Paiz não tem olhos para ver; não tem juiso para analysar; não tem raciocinio para pensar nestas cousas? S. Ex.ª devia saber, que não só na censura do direito Commercial, mas na censura da etílica e da moralidade, um acto de similhante natureza seria bastante para desconceituar aquella Repartição, se tal defeza se não devesse antes considerar um acto de inconsideração... E note se bem, que o que digo, não tem nada com o conceito do Official Maior; ao Official Maior faço de certo os maiores elogios; (Apoiados) a sua probidade é conhecida, a sua honradez fóra de toda a suspeita; (Apoiados); mas que havia de fazer o Official Maior, quando o Ministro lhe disse a Faça um Officio desta maneira» Que credito póde além disto merecer um Officio de um Empregado subalterno, muito mais quando S. Ex.ª com aceno mais justamente de ferro, do que o meu sobre a Maioria, podia demittil-o n'um atomo do seu querer? (Vozes: — É verdade)

Fez-se-me uma allusão tambem nas verbas de Policia; é preciso pois restabelecer os factos em toda a clareza, para que com toda a evidencia decida tambem a Camara, e o Publico, se houve razão, e justiça para se me fazer essa allusão. Sr. Presidente, eu apresentei aqui, não para lançar suspeita (por que o declarei muito positivamente) em nenhum dos Empregados, mas unicamente fiara notar a prodigalidade... mais que prodigalidade, a dissipação (dissipação no têrmo da Lei, no sentido de desviar uma quantia d'aquillo para que é destinada, ou de gastar mais do que aquillo que a Lei assigna) apresentei, digo, como despezas de Policia Secreta em 6 mezes, 7:900$000 réis — V. Ex.ª, a Camara, e todo o Paiz sabem, que a minha asserção foi desmentida pelos tres Jornaes Ministeriaes, dizendo que não fallava exacto; pois, Sr. Presidente, eu repito que fallei exacto, exactissimo, e para mostrar ao meu Paiz, que fallei exacto, eu vou lêr todos os numeros das Ordens de Credito, que foram expedidas. (Leu)

ANNO DE 1848.

[VER DIARIO ORIGINAL]

Para a Secretaria d'Estado. Policia Preventiva.

[VER DIARIO ORIGINAL]

Resta-me Janeiro, a respeito do qual em especial houve duvidas; tambem apresentei os numeros, em que foram passadas as Ordens em Janeiro, para mostrar que fallei rigorosamente a verdade. (Leu)

[VER DIARIO ORIGINAL]

Eis-aqui pois exactamente demonstrada a verdade da minha asserção, e mostrado, que eu não vim, nem tinha interesse algum em vir dizer aquillo que não fosse exacto. Se isto assim era, perguntarei eu, a que titulo veiu aqui apresentar-se um Officio do Governador Civil do Districto, dizendo, que tomava sobre si a responsabilidade de quantias, que lhe tinham sido distribuidas; e que os seus Empregados não tinham a menor ingerencia neste ponto, porque elle é que recebia? Podia eu por ventura lembrar-me de accusar aqui os Empregados Subalternos de qualquer natureza que sejam? Fallei eu aqui do mesmo Governador Civil, ou no Governo Civil? Posso aqui, diante dos principios, exigir a responsabilidade de outros Agentes do Poder, que não sejam os Membros do Ministerio? (Apoiados) Que fez o Officio do Governador Civil? Não fez mais senão dizer, que elle tinha recebido. Isso não lhe contestei eu, e tambem sabia que, qualquer que fosse o extravio das quantias (se os houvesse), não eram os Empregados Subalternos; mas o Governador Civil que devia responder para com o Ministro do Reino, assim como o Ministro do Reino para o Parlamento.

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E note-se bem, que eu não quiz, nem podia ter em vista negar ao Governo a latitude, que deve ter sobre similhante verba, o meu fim fôra sómente mostrar o excesso dentro de um tempo dado, e com respeito ao Orçamento. Mas diz-se — «Tu gastaste uma quantia pouco mais ou menos igual, no tempo em que serviste.» — Eu nego; não é possivel, que se assevere aquillo, que não se póde provar, e que nunca existiu. Disse, e direi á face do meu Paiz, que em quanto estive naquella Repartição, nunca recebi acima de -200$000 réis cada mez; nunca á excepção de tres verbas extraordinarias, que estão lançadas no meu quaderno (porque de tudo tenho nelle apontamentos), e são, uma de 50$000 réis, outra de 60$ réis, e outra de trinta moedas, mas que todas tiveram o destino, que os Srs. Ministros podem presumir.....para certas reuniões que se fazem na Terra

Sancta. (Riso) Eu não sei, Sr. Presidente, senão fallar a verdade, e não queiram, nem exijam, quando me atacam, que eu soffra resignado culpas que não tenho.... Já lá vai esse tempo.... (Vozes: — Muito bem.)

Sr. Presidente, o nobre Presidente do Conselho por uma especie de Prologo para insinuação, que intendeu dever dirigir-me pessoalmente, depois de ter respondido por este theor ás censuras, que eu dirigi aos seus actos dentro dos limites da sua actual Gerencia Governativa, e sem exceder uma só hora a época da sua Administração, o Sr. Presidente do Conselho, repito, disse — «A vista disto, que acabo de referir, eu não careço de dar mais explicações; basta que o Paiz saiba, que o accusador é José Bernardo da Silva Cabral, e o accusado é o Duque de Saldanha.» (!) — E depois de dar uma razão tão cabal, com que todos deviam ficar petrificados, ou ao menos de queixo caído, (Hilaridade) pareceu intender-se habilitado para subir ao Capitolio, e dar graças aos Deoses!..

Que levou S. Ex.ª em vista quando fez esta comparação inteiramente fóra das conveniencias, e usos Parlamentares?... Antes de entrar no Parlamento devia o Sr. Ministro da Corôa saber, que, neste logar, para se conservar a seriedade do acto, nem os nomes é licito proferir. (Apoiados) E eu nunca tinha proferido o nome do nobre Duque de Saldanha, tinha proferido o nome do «Sr. Presidente do Conselho.» (Apoiados) S. Ex.ª devia saber as theorias dos Govêrnos Constitucionaes, desde Bentham até Maçarei, e que um dos maiores erros em Parlamento é alludir a nomes, porque isto póde trazer consequencias funestas para a dignidade da Camara, e até para o exito das medidas, que nos cumpre tractar.

Que quiz, ou que levou em vista S. Ex.ª com esta comparação!.... Por ventura, pôr ao lado dos meus os seus Pergaminhos!?.... Saiba, que me não vanglorio com elles, e que eu de boa vontade lhe dou toda a preferencia nesta parte. Sou homem do Povo: nasci no meio do Povo já o declarei, e no meio do Povo hei-de morrer. (Estrondosos apoiados) Quiz pôr em comparação os seus serviços!.... Declaro a S. Ex.ª que os póde ter mais longos, porque é mais velho, mas com maior zêlo, com melhores intenções do que eu, não lh'o concedo. (Vozes: — Muito bem.)

Sr. Presidente, aqui não está José Bernardo da Silva Cabral, está um Deputado da Nação. (Apoiados) que tem a cumprir deveres na conformidade da Carta Constitucional, e que não desisto de os cumprir, quaesquer que sejam os homens, que estejam sentados naquellas Cadeiras. (Indicando os bancos dos Srs. Ministros.) Alli não vejo o nobre Duque de Saldanha, vejo o Presidente do Conselho de Ministros, que deve responder á Camara dos Deputados pelos seus actos, e deve ouvir as censuras com placidez para dar satisfação á Nação com a devida explicação, e não com pronunciação de nomes. (Apoiados).

Sr. Presidente, se não viesse disposto a guardar nesta discussão todas as conveniencia, que me impõe a minha posição nesta Camara; se não viesse disposto a affastar desta Sala scenas taes, como aquellas, que aqui se representaram no dia 23 do corrente, proferindo-se herezias, ou inconveniencias, com que estremeceram estas abobadas, (e não sei se a Camara esteemeceu, mas o certo é que ficou socegada) (Riso) se eu viesse disposto a renovar estas scenas, de certo S. Ex.ª me tinha dado direito a usar de terriveis represalias; mas eu quero antes tractar do assumpto, a que me propuz, quero tractar de dar as minhas Explicações, não quero por qualquer modo aggravar situações já demasiadamente aggravadas Mas S. Ex.ª tinha de entrar n'um objecto grave; tinha de entrar n'um ponto, que havia proclamado como uma derrota Dêste pobre ninguem. As praças, as Secretarias, os individuos, tudo se tinha movido para vêr acabrunhar por uma vez a minha reputação! Até a Tribuna Diplomatica tinha sentido uma especie de movimento com a ida de S. Ex.ª para proferir essa minha derrota.... Eu daria 20 contos de réis (proferiu alli o Presidente do Conselho) por uns Papeis, que S. Ex.ª tinha na mão, ou conservava em si. Daria 20 contos de réis (digo eu) para que S. Ex.ª viesse mais depressa apresenta-los. Já se vê, já toda a Camara sabe, que eu quero fallar do notavel assumpto da Empreza Lombré. Essa allusão, com que se me pretendeu ferir, não póde deixar de ser por mim tractada muito particularmente. Talvez que prevendo-a imminente sobre a minha cabeça quizeram até, para me opprimir, fazer emmudecer os proprios sentimentos da natureza! Julgando-me talvez desarmado, e desvalido, Pai e Irmãos, eu os vi sahir todos desta Sala!....... (Profunda sensação) Com dôr do meu coração o digo, porque tanto, como eu, deviam saber o que o Presidente do Conselho inconsideradamente fazia correr pelos seus Agentes de Policia, e pelos seus Espiões. (Signaes de admiração).

Sr. Presidente, eu em horas de perigo estive sempre ao lado desses Irmãos, e désse Pai, eu puz sempre entre elles e seus inimigos o meu proprio corpo. Que razão havia para me desampararem, para ao menos me tirarem a coragem com o seu abandono, se eu fosse capaz de perder essa coragem!... (Sensação). Mas a mim, Sr. Presidente, (e a Camara perdoar-me-ha a commoção, que soffro nesta occasião), guiam-me os solidos principios do dever. Não obstante a differença da Politica, que nos separa, se a sua honra eu vira atacada por quem quer que fosse, não havia de ser necessario violentar o meu coração para me apresentar ao seu lado, e em sua defeza. — (Apoiados — muito bem) O presente está collegindo os factos, e o futuro nos ha de julgar a todos. (Pausa — grande movimento de sensação em toda a Camara).

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Eu vou restabelecer os factos, hei-de analysar com toda a extensão esse memoravel Processo, e creio que hei-de convencer amigos, e inimigos, Camara, e o Paiz, que da minha parte não houve senão ingenuidade, sinceridade, probidade, cumprimento restricto dos meus deveres, e consideração das conveniencias, ou interesses publicos, e nada mais. (Reinava na Sala o mais -profundo silencio).

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros parecendo levar em vista accusar-me de anti-economico para oppôr esta accusação á de dissipação, que eu dirigi ao Governo, disse, que para provar que eu era anti-economico, ahi estava a Companhia Lombré, á qual eu tinha dado, e concedido 500 contos de réis. Até aqui não ha insinuação que me fosse desairosa: o mais que eu podia fazer era pedir explicação, se nisto havia ou tinha havido injustiça, ou se isto era acto meu, ou acto decidido pelo Ministerio daquella época. Mas, Sr. Presidente, a insinuação apresentou-se encapotada no que se segue. «Para se conceder isto, (continuou S. Ex.ª) á Companhia Lombré, o nobre Deputado entrou um dia na Secretaria do Reino, e com os modos amaveis de que todos o reconhecem revestido, mandou ao Official da Secretaria, que passasse a Portaria para aquelle contracto.?? E accrescentou que eu lhe tinha escripto uma Carta, na qual lhe ordenava, que passasse essa Portaria. E essa Carta foi o documento, que aqui se apresentou, o em virtude da qual se concluiu que eu tinha tido uma pressa demasiada neste negocio! S. Ex.ª não accrescentou mais nada, mas a inferencia que levava em vista — viu-se qual era, quero dizer, que eu tinha obrado assim precipitadamente; por isso que poderia ter algum interesse sordido no aviamento deste negocio!

Eu prescindo, Sr. Presidente, da contribuição, que se nota nesta historieta pouco propria de um Ministro da Corôa, prescindo de analysar essa methafora dos — modos amaveis, com que S. Ex.ª houve a bem mimosear-me, não sei que para aqui viesse nem a amabilidade do meu modo, nem a rudeza do meu caracter, nem sei que isso podesse dar força aos argumentos de S. Ex.ª, se argumentos estava disposto a apresentar. (Vozes: — Muito bem). Mas não passarei avante sem fazer notar á Camara a inverosimilhança daquelle conto arábico... Quem me conhece, que interrogue a sua consciencia, e ella que lhe responda, se poderia haver um Empregado a quem eu mandasse cumprir verbalmente alguma ordem minha, que me pozesse na precisão de repetil-a por escripto, ou vice versa! Eu peço aos Senhores que têem servido debaixo da minha direcção, (e aqui estão muitos de todas as Classes) que digam, se antes de resolver medito, e se depois de resolver admitto replica?

Eu sei discutir antes, mas reservo-me sempre o direito da minha convicção propria; nem Procurador da Corôa, nem o da Fazenda, nem Empregado algum, me deram nunca a Lei, ouvia-os algumas vezes, mas não me dirigiram nunca: tenho tido sempre a gloria que entrando n'uma Repartição, não preciso vêr segunda vez Autos ou Papeis para os decidir. Ao meu lado está um nobre Membro do Tribunal de Contas, que diga, que dê o seu testemunho da maneira como procedia a similhante respeito; do outro lado está o ex-Official Maior da Secretaria da Justiça, que serviu comigo; que diga qual a maneira porque procedia; no Ministerio estão Collegas meus, que dêem testemunho, senão era a maneira porque procedi sempre? (Apoiados)

Mas, Sr. Presidente, eu peço a todos que consultem o seu senso intimo, e que me respondam, se, quando S. Ex.ª acabou de proferir aquella inexacta informação, não ficaram intendendo que eu estava tão ancioso de decidir este negocio, que tendo entrado no Ministerio n'um dia, no mesmo ou no seguinte, o tinha logo decidido? Eu peço que me digam senão ficaram persuadidos, que quando entrei na Secretaria, já ia com atenção formada de decidir o negocio immediatamente? Pois quer V. Ex.ª, a Camara, e o Paiz saber quando foram decididos estes negocios? Aqui estão os documentos officiaes passados pela Secretaria do Reino; é não só a Portaria de 4 de Maio de 45, mas a Representação da Companhia das Obras Publicas, na qual vem juntos os Contractos; e desses documentos se vê que o Contracto sobre as Estradas do Minho foi assignado a 29 de Maio, quer dizer 25 dias depois da minha entrada no Ministerio; o que o Contracto sobre as Estradas de Lisboa ao Porto foi assignado a (2 de Julho, quer dizer, dous mezes depois da minha entrada no Ministerio. Eis-aqui está a precipitação, de que se me quiz fazer carga; eis-aqui está como se dize assevera com verdade, que eu apenas entrei no Ministerio parecia tão apressado, que fui logo decidir este negocio. Mas, cuida a Camara que me contento com estas Explicações? Não de certo; eu hei de vir a Explicações mais essenciaes; por ora tenho andado pela rama, mas vou tractar do objecto em si. (Movimento geral de attenção e admiração).

Sr. Presidente, a minha honra, o meu dever, e o conceito, que mereço aos meus Amigos, obriga-me a fazer Explicações, com preferencia ás quaes eu não considero objecto algum do Mundo por mais sagrado que elle seja. Quando eu entrei para o Ministerio em 4 de Maio de 45, quando o Proprietario das duas Pastas, que fui servir interinamente, me communicou no dia 3, que Sua Magestade tinha deliberado, que durante o seu impedimento e curativo (porque então se achava elle bastante doente) eu as servisse interinamente, eu disse que sim, mas com a condição expressa de que os negocio sobre Obras Publicas, e Estradas, quaesquer que fossem, uma vez que fossem antigos, haviam de ser decididos pelas bases, e instrucções, que elle me deixasse, e que occorrendo virem novas Propostas, eu não decidiria nenhuma dellas, sem a sua chegada. No dia 4 de Maio, em que recebi as minhas nomeações, acompanhei o Proprietario á presença dos Soberanos, e alli ratifiquei isso mesmo, do modo mais explicito, e dei a razão, porque assim procedia: e era porque eu não tinha sido o Auctor do pensamento, para o qual, é verdade, que dei o meu voto como Deputado, e como Membro de differentes Commissões, mas unicamente nesses estrictos termos, e não na extensão, que devia abranger o pensamento governativo. Em conformidade com esta minha declaração, eu não tractei senão de receber instrucções a respeito dos dois objectos, que estavam em andamento. Todos sabem bem claramente, que a Lei de 19 de Abril de 45, e o Contracto do 1.º de Março estabeleciam, que as Estradas do Minho, e as Estradas de Lisboa ao Porto, com as ramificações para as Caldas, podiam entrar no systema geral daquella Lei, uma vez, que os seus

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Empresario» a isso annuissem: todos sabem que antes mesmo de passar aquella Lei nas Côrtes, (e não era eu Ministro ainda) tinham havido varias conferencias entre os Empresarios dessas estradas, e alguns dos Membros do Ministerio, a muitas das quaes eu fui chamado, porque desde 1840 eu tinha sido constantemente Membro da Commissão de Administração Publica, e como tal não havia um objecto sobre estradas, que me não fosse conhecido. Depois de passar a Lei, tractou-se immediatamente de chamar a um accordo as differentes Companhias (e ainda eu não era Ministro) e aquella que se mostrou mais renitente, neste ponto, foi a Companhia Lombré; porque não queria de maneira alguma annuir a entrar no systema das estradas, por, entender que lhe era mais util conservar a sua Emprêsa separada. Para a resolver tinha o Ministro Proprietario empregado todos os seus esforços, visto que sem esse passo o grande pensamento do Contracto do 1. de Março com a Companhia das Obras Publicas, ficava fraccionado e manco: até que a final vieram a um accordo, combinando a Companhia Lombré com a das Obras Publicas, nos dois pontos, Cessão de estrada, e Preço do contracto com a declaração dos respectivos onus, ou direitos: tudo isto foi feito antes que eu entrasse no Ministerio. Entrei no Ministerio, e em virtude da minha declaração, fui informado como havia de levar o negocio a effeito. Antes de levar-se a effeito o Contracto, suscitou-se a questão entre a Companhia e o Governo, se como aquella pertendia, devia pertencer-lhe o têrço dos direitos de barreira, ou se estes haviam de ser para o Governo, em conformidade da regra geral estabelecida no Contracto do 1. de Março com a Companhia das Obras Publicas, e depois de muitas duvidas, decidiu-se, que ficariam em proveito da Nação, e não da Companhia: mas tudo isto levou muito tempo a decidir. Eis ahi a razão da demora. Já se vê portanto, que este negocio era negocio decidido, antes de eu entrar no Ministerio, e que eu não fiz senão dar-lhe execução. E obrei com tanta lealdade a este respeito, que não obstante essas condições ficarem previamente assentadas, antes de mandar assignar as escripturas, que fiz eu? Fiz extrair tres cópias das bases dos Projectos dos differentes Contractos, e mandei duas para logar, que eu não posso nomear aqui, e uma para o Ministro Proprietario. O Ministro Proprietario respondeu-me em Carta de 5, e 6 de Julho, do modo seguinte (Leu.) Além desta Carla tenho aqui outras, em que igualmente se me communica, da parte para onde tinha mandado duas das cópias acima refendas, o quanto ficaram contentes de ver a maneira porque eu tinha dirigido este negocio, e do zêlo com que eu me empregava no Serviço Publico. Mas estas Cartas por ora... são sómente do meu dominio, e para mais segurança da rectidão de minhas acções... não quero commetter a indiscripção de as ler... mas direi, que se por ventura fôr obrigado a isso, o hei de fazer. (Apoiados) (Vozes: — Muito bem.)

Já se vê, pois, que na hypothese dada, eu não fiz senão mandar reduzir o Contracto com condições, que existiam previamente accordadas, assim como apparece a malignidade de quem, desconhecendo toda a verdade, tem querido lançar insinuações desairosas sobre o meu procedimento a similhante respeito; não se lembrando, sequer, que este objecto tão claro, tão publico, e tão solemne fôra o resultado immediato de uma Lei, (a de 19 de Abril) e que se por ventura nelle houvesse culpabilidade, não podia essa culpabilidade deixar de pertencer a Cavalheiros, que então se assentavam naquellas Cadeiras, e que hoje se assentam ao lado do illustre Presidente do Conselho de Ministros. (Muitos apoiados.)

Mas eu vou mostrar, ainda que superabundantemente para o meu proposito, primeiramente, que além dos actos referidos — estradas do Minho, e de Lisboa — não houve outro que fosse por mim decidido, a fim de confirmar, por factos irrecusaveis, a fidelidade da execução dada á minha declaração, feita antes de me encarregar daquelle Ministerio: 2.º, que neste mesmo objecto em que se tem ignorantemente dicto, que a Fazenda Publica fôra mal attendida, se procedeu com manifesta vantagem da mesma Fazenda Publica.

Neste assumpto sómente se tem olhado a cifra de 500 contos, sem se querer attender, que este negocio não é do Ministerio a que se allude, mas de qualio, ou cinco Ministerios, que antes delle tinham intervindo no negocio, continuando-o um, a que pertencia um illustre Par, que me ouve. (Virando-se para o Sr. Rodrigo da Fonseca Magalhães.)

Todo esse Processo é tão conhecido, e de tanta gente, eram ião accordes todos nos prejuizos, que o Governo tinha causado á Companhia Lombré, que se por ventura podesse questionar-se a sua validade pelo titulo de leão, toda a justiça estaria da parte da Companhia, e não da parte da Fazenda Publica. Quando eu acabar de fazer a demonstração desta these, eu pedirei a todas as consciencias, que me respondam com imparcialidade. (Signaes de attenção.)

Durante o meu Ministerio não houve outro negocio decidido além deste, e outro da mesma natureza, que já referi, o das estradas do Minho, tudo por virtude das insinuações, que recebi, e sobre as bases, que me foram communicadas. Isto que digo, prova-se por um documento, que está diante de mim, que não póde ser suspeito a ninguem, porque está assignado pelo proprio Chefe da Repartição, em uma época, em que os meus modos amaveis lhe não podiam metter susto, (Hilaridade) porque já não estava debaixo da minha direcção.

Sr. Presidente, é o mesmo Sr. Antonio de Roboredo, que assigna o documento a que me refiro. Foi por mim pedido como esclarecimento, para responder ás insinuações perfidamente lançadas n'um Jornal; na ausencia de quem mais particularmente lhes devia responder.

O Orador leu neste logar a Carta mencionada, com a data de 19 de Novembro de 1848, na qual o referido Chefe declara, que além dos Contracto:; referidos (os de 29 de Maio, e 2 de Julho de 1815) adjudicados á Companhia das Obras Publicas, em virtude da auctorisação concedida na Lei de 19 de Abril de 1845, art. 7.º, § unico; confirmados por Decreto de 2') de Junho, e 12 de Julho do mesmo anno, sobre nenhum outro se tinha tomado deliberação, durante o Ministerio interino delle Orador.

O Orador continuando: — Sr. Presidente, «dêm destes Contractos, havia muito, e Importantissimos, como era o que dizia respeito aos Caminhos de Ferro, o qual alguns dos Membros do Ministerio muito desejavam apressar, e concluir, pelos bens que dahi

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esperavam para o Paiz; e tambem eu: mas, invariavel no meu proposito, nas conferencias que tivemos na Secretaria da Guerra, eu declarei, que não tomaria resolução definitiva, sem a sciencia, ou presença do Proprietario da Pasta. E assim quanto a outros.

E entenda-se bem, que quando eu fiz esta singella, mas verdadeira historia deste acontecimento, não entrou, nem entra ainda agora no meu espirito, subtrair-me a qualquer responsabilidade, como Membro daquella Administração, foi unicamente para fazer ver, que muito mal, e inconsideradamente fallou o nobre Presidente do Conselho, indo atraz da voz, ou do écco da calumnia. (Apoiados) E nessa qualidade de Membro daquelle Ministerio, vou agora demonstrar, que o Contracto foi decididamente vantajoso para a Nação, e indispensavel para o complemento do pensamento do Governo.

E preciso remontar a uma época mui distante, para que se possa fazer uma perfeita, e exacta idéa desta materia; e neste momento estimo muito verme na presença de pessoas respeitaveis de dentro, e fóra da Camara, que podem dar testimunho proprio de tudo aquillo, que se passou em 1810, 1841, e 1842, e successivamente.

Sr. Presidente, é sahido que a Companhia Lombré não data sómente de 1810, nem de 1841, nem de 1842 nem de 1845; data de tempo mais distante, de 1837; foi em virtude da Lei de 7 de Abril, promulgada pelo Congresso Constituinte, que se deu existencia legal a esta Companhia; naquella Lei determinava-se encarregar á Companhia a factura da estrada de Lisboa ao Porto: ficando ao Governo o encargo das expropriações necessarias para seguir-se a matriz designada pelo mesmo Governo; mas este prometteu, e não cumpriu; e dahi resultou, que a Companhia teve de parar com os trabalhos, que já tinha começado. Reconheceu o Ministerio a necessidade de pedir remedio ao Parlamento; e dahi saíu a outra Lei de 24 de Julho de 1839, em virtude da qual, reformando-se alguns dos defeitos da anterior, não se remediou todavia o vicio, que tinha acompanhado a primeira providencia; pois que, ainda que legislativamente se auctorisasse o Governo para verificar as expropriações, deixando de se assignarem os meios, ficou o negocio no estado antigo. O Governo não fez pois taes expropriações, e por consequencia a Companhia continuou a soffrer prejuizos, tendo as suas obras paradas, e os seus capitaes sem lucro, ficando na impossibilidade de continuar a fazer a estrada, como era obrigada. Daqui provieram immensas reclamações; e ale algumas foram dirigidas pela Embaixada de França; o que fez com que o Sr. Ministro do Reino, que então era o Sr. Rodrigo da Fonseca Magalhães, vendo-se apertado pelas repelidas instancias das Partes, mandasse consultar o Sr. Mousinho de Albuquerque, sobre o modo como se havia de remediar a grande confusão, barulho, e embaraço a que se tinham levado as cousas; o Inspector das Obras Publicas respondeu com os Officios de 18 de Agosto de 1840, e de 14 de Outubro do mesmo anno; dizendo primeiramente, que a Companhia estava soffrendo grandes prejuizos, e que o Governo lhe era responsavel não só por consideraveis indemnisações, mas por todos os lucros cessantes, assim como pela deterioração do credito a que o Governo tinha dado causa pelo não adimplemento das condições, a que se tinha obrigado. São as proprias palavras do Sr. Mousinho n'um dos Officios, ou Relatorios citados. Nesta conjunctura, e sendo Ministro do Reino o Sr. Fonseca Magalhães, é que veiu este negocio remettido á Camara, e por ella á Commissão de Administração Publica, de que eu era Membro. Alli reconheceu se a justiça dos reclamantes, e entendeu-se pedir ás Côrtes providencias Legislativas convenientes, para o que se fez um Projecto de Lei de accôrdo com o Governo; mas a final nada produziu, não chegando a discutir-se pelos successos posteriores. Passou todo este intervallo até 1843, succedendo-se as reclamações umas ás outras, até que veiu a Lei de 26 de Julho de 1843, na qual se estabeleceu um novo Systema de Estradas; e que foi o que então se fez? Fez-se um novo Contracto com aquella Companhia, em virtude do qual se convencionou o seguinte: — Primeiro, que ella cederia de todas as indemnisações, que até ahi tinha reclamado, e que montavam a muitas dezenas de contos de réis; em segundo logar, estabeleceu-se, que, em compensação, se lhe désse uma subvenção igual áquella, que estava estabelecida para os Emprezarios das estradas do Minho: foram estes os fundamentos que serviram para te fazer o Contracto de 6 de Abril de 1845; este Contracto foi approvado pela Lei de 19 de Abril de 1845; e por consequencia temos estabelecido o ponto legal, d'onde se deve partir para as justas considerações posteriores. Ora vejâmos quaes são, ou foram os fundamentos, que o Governo leve em vista, para levar a effeito o segundo Contracto, em virtude do qual foi transferido para a Companhia das Obras Publicas o objecto da Empreza Lombré. Refiro-me ao Contracto de 2 de Julho de 1845.

A subvenção, que em consequencia do Contracto de 6 de Abril approvado pela Lei de 19 do mesmo mez pertencia á Companhia Lombré, era de 99:798$000 réis. Pelo Contracto de 2 de Julho convencionou a Companhia Lombré com a das Obras Publicas desta lhe dar como preço do seu Contracto a quantia de 500 contos em seis prestações, no espaço de seis annos,

Quem, sem procurarem-se outras considerações, que aliás o Governo teve em vista para dar a este Contracto o seu assentimento, não vê só por esta simples exposição, que a vantagem ficou toda da parte da Fazenda Publica? Primeiramente deve notar-se, que em materia de dinheiro, o tempo é dinheiro. O preço promettido pela Companhia das Obras Publicas não foi de 500 contos; mas de 500 contos menos os juros correspondentes ás quantias de desembolso pela mora do pagamento. Em segundo logar compensando essa quantia de 500 contos (sem fazermos cargo de diminuição de juros) com a da subvenção por um igual numero de annos, ha de achar-se um resultado desde logo defavoravel para a Companhia Lombré.

Demonstração.

Foram contractadas prestações da Companhia das Obras Publicas á Companhia Lombré, a saber:

1.ª á vista da Companhia das Obras Publicas............. 108 contos.

1. Prestação do Governo á Companhia Lombré.............99:798$000

99:798$000

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Transporte..... 99:798$000

Juros do 1.º anno a 6 por cento................. 5:987$880

93:810$120 ou 93/15

A Credito da Comp.ª das Obras Publicas

2.ª Prestação da Companhia das Obras Publicas... 78:400$000

Juros de um anno a 6 por cento.................. 4:704$000

83:104$000

2.ª Prestação do Governo a Companhia Lombré..... 99.798$000

16:694$000 ou 16/1

A Debito da Comp.ª das Obras Publicas

3.ª Prestação da Companhia das Obras Publicas... 78.400$000

Juros de um anno a 6 por cento.................. 4:704$000

83:704$000

3.ª Prestação do Governo á Companhia Lombré..... 99:798$000

16:694$000 ou 16/17

A Debito da Comp.ª das Obras Publicas

4.ª Prestação da Companhia das Obras Publicas... 78:400$000

Juros de um anno a 6 por

cento................. 4:704$000

83:104$000

4.ª Prestação do Governo á Companhia Lombré..... 99:798$000

16:694$000 ou 16/33

A Debito da Comp.ª das Obras Publicas

5.ª Prestação da Companhia das Obras Publicas... 78:400$000

Juros de um anno a 6 por cento.................. 4:704$000

83:104$000

5.ª Prestação do Governo á Companhia Lombré..... 99:798$000

16:694$000 ou 16/49

A Debito da Comp.ª das Obras Publicas

6.ª Prestação da Companhia das Obras Publicas... 78:400$000

Juros de um anno a 6 por cento.................. 4:704$000

83:104$000

6.ª Prestação do Governo á Companhia Lombré..... 99:798$000

16:694$000 ou 16/65

A Debito da Comp.ª das Obras Publicas

Mas, Sr. Presidente, os sacrificios feitos pela Companhia Lombré em compensação do preço, que devia receber, e não recebeu, não se limitaram só á subvenção, mas a outros valores reaes, e direitos eventuaes de uma estimação indisputavel; resumil-os-hei summariamente, porque não quero, fatigar a Assembléa com minuciosas analyses. Além de quatro Prestações mais, que deveriam complectar a totalidade das subvenções, approvadas pela Lei de 19 d'Abril, a Companhia Lombré cedeu dos dois terços das Barreiras, que lhe pertenciam pelo Contracto de 6 d'Abril; do Privilegio das Diligengias, e dos Transportes accelerados; de 18:000 braças de estrada feita; da ponte em Sacavem, rendendo 1:600$000 réis por anno; e de todos os instrumentos, ferramentas, trabalhos graficos, etc. Eu peço, que examinem, e avaliem sem prevenção todos estes valores, e então não se hesitará um momento em confessar, que o Ministerio, que pôde levar a Companhia Lombré a ceder a sua empreza pela quantia de 500 contos, fez um optimo serviço ao Paiz.

Não é enchendo a boca com a pronunciação de 500 contos; que se deve argumentar.... (Apoiados) Quinhentos contos, é uma quantia avultadissima, considerada abstractamente, e de certo muito mal andaria o Governo, que désse occasião a que a Fazenda ficasse nella prejudicada; mas a questão não é abstracta, é muito concreta; e quando se notar, que os valores, e direitos cedidos são incomparavelmente maiores, desapparece inteiramente esse triste modo de argumentar. (Apoiados)

Quando se argumenta sobre objectos desta natureza, é preciso consideral-os debaixo de todos os pontos de vista, para que senão façam juisos temerarios, e errados (Apoiados). O Governo não sómente a respeito deste Contracto, mas de todos os outros procedeu com a maior circumspecção, e com as intenções as mais puras (Apoiados), e tendo, como tinha, um pensamento grandioso, não podia nem devia dirigir-se pela mesquinhez do pensamento de um Official de Secretaria, mas pela bitolla daquelle que presidiu á confecção da Lei, attendendo ao desenvolvimento de um Systema Geral de Estradas, o qual não se podia tornar completo, sem que as Estradas principaes entrassem nesse mesmo Systema. É por isso, que não só no art. 30 do Contracto do 1.º de Março; mas no art. 7.º da Lei de 19 d'Abril explicitamente vem consignado este pensamento, e o Governo tractando de fazer entrar aquelle Contracto no Systema Geral, alcançou de mais a mais para o Paiz a grande vantagem da terça parte dos direitos de Barreira, pelos 60 annos de duração da Companhia das Obras Publicas em conformidade com a Lei, e em segundo logar a vantagem de não pagar a Nação senão um juro de 6 por cento com a longissima amortisação de 60 annos, segundo o Contracto do 1.º de Março. Condições mais favoraveis para o Paiz era impossivel que alguem as concedesse, ou podesse conseguir (Apoiados)

Tenho pois demonstrado d'um modo que me parece não poder admittir réplica de boa fé; 1.º que este assumpto foi sim terminado, estando eu Ministro interino do Reino, mas sobre bases e condições muito antecedentemente estipuladas e convencionadas, não sendo por tanto senão o fiel executor do pensamento governativo: 2.º que mesmo nessa qualidade procedi com o mais severo exame: 3.º que o Ministerio, que concebeu o pensamento, como aquelle que o desenvolveu e executou, procedeu da maneira mais sizuda, mais legal, e mais conveniente aos interesses do Paiz (Apoiados). E por conseguinte que foi altamente infundada, iniqua, e inconsidera-

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da a allusão, que sem o menor conhecimento de causa veio fazer o Sr. Presidente do Conselho ao Contracto com a Companhia Lombré. (Vozes: — Muito bem.)

Aqui, Sr. Presidente, devia considerar-se terminada a tarefa, que me propuz em explicar este negocio, que ha muito tempo devia considerar-se fóra de toda a allusão para qualquer individuo, que não tenha adoptado a calumnia por habito de sua vida, quanto mais para um Ministro da Corôa; mas já que aconteceu, que este não teve a prudencia de medir a distancia, em que devia estar daquelle, eu devo por deveres para comigo, e para com aquella mesma Administração, de que fui Membro, não ommittir esclarecimento algum, por superabundante, que pareça (Apoiados).

Todos sabem, que a Administração de que fiz parte, se demittiu em Maio de 1846; todos sabem, que uma das grandes questões que logo se suscitou em consequencia da suspensão da Lei das Estradas, foi se devia ou não a Companhia das Obras Publicas considerar-se obrigada a sustentar, e cumprir o seu Contracto. A Companhia das Obras Publicas pelas suas Representações de 28 de Maio, e 5 de Junho de 1846 participou, que tinha mandado suspender todos os trabalhos das estradas, existentes nos differentes pontos do Reino, em consequencia de haver sido destruida a base do seu Contracto; e qual foi a resposta que se deu á Companhia por parte do Ministerio, que era presidido pelo nobre Duque de Palmella! Consta essa resposta da Portaria de 8 d'Agosto do mesmo anno, em que se lêem estas palavras:

«Manda a Rainha, que a mencionada Direcção informe por este Ministerio, se acaso a Companhia «por ella representada, se acha nas circumstancias «de desempenhar o objecto do seu Contracto do 1.º «de Março de 1845, uma vez que a importancia «daquella dotação seja supprida por outro meio.»

A Companhia das Obras Publicas representou em 21 e 29 d'Agosto a impossibilidade de substituir a a Dotação, muito mais adoptado o Systema Financeiro, que se tinha publicado, e sómente se reputou caduco o Contracto depois que a mesma Companhia, uma e mais vezes declarára, que não era possivel continuar, segundo se vê da Portaria de 27 d'Agosto, e subsequentes. Agora pergunto á Camara, se por ventura o nobre Presidente do Ministerio de então imaginasse ou descobrisse, que um tal Contracto prejudicaria os interesses nacionaes, instaria primeira, segunda e mais vezes, para que a Companhia das Obras Publicas continuasse a consideral-o em vigor, e que nessa conformidade continuassem as obras? (Apoiados, muito bem) Não seria elle mesmo, em virtude dos Discricionarios, e Extraordinarios Poderes, que assumiu, o primeiro a rescindir o Contracto, se o achasse lesivo para a Fazenda... quereria tornar-se cumplice do Ministerio demittido, approvando tão explicitamente o seu pensamento? (Apoiados) Seria necessario, que essa mesma Companhia das Obras Publicas viesse dizer — Quero que se julgue caduco o mesmo Contracto? — (Apoiados)

Não e possivel sem querer-se abdicar toda a impassibilidade, e todo o sentimento de honestidade, e justiça repetir-se uma allusão qualquer, menos favoravel ao Ministerio de que fiz parte, sobre um assumpto similhante, e sómente uma obsecação da intelligencia, nascida de um sentimento apaixonado podia levar a tal êrro o nobre Presidente do Conselho, o Sr. Presidente do Conselho, que assistiu á memoravel discussão da Resposta ao Discurso da Corôa do anno preterito, e que não sómente na Camara dos Pares, aonde e Membro, e já se sentava como Ministro, mas nesta Casa, elle viu tractar francamente deste assumpto pelos individuos, a quem se quizera, calumniar, approvando, ou com o seu voto, ou com o seu assentimento a efficacia, e a verdade da defeza. (Vozes: — Muito bem.)

Este objecto tinha morrido moral, e parlamentarmente, e não podia sem grande inconveniencia, sem grande injustiça, e sem grande contradicção ser de novo lembrado; o Presidente do Conselho quiz ao mesmo tempo commetter estes tres erros! (Apoiados) Em Fevereiro do anno passado quando se abriu o Parlamento, houve dois homens, esses Cabraes, que tractaram de dar explicações ao seu Paiz, sobre sua gerencia; apresentaram-se com a cabeça levantada, porque estavam seguros da pureza da sua consciencia e da rectidão das suas acções; depois de terem desafiado e provocado pela Imprensa os seus calumniadores, appellaram para o juizo publico, para o juizo da Nação; e este juizo não tardou em fazer-lhes a devida justiça Perante a urna a sua Politica, a sua rectidão, e o seu procedimento fôra quasi unanimemente justificado. Não valeram nada contra a verdade dos factos as calumnias; e todos os esforços reunidos de Nacionaes, e Estrangeiros. Um delles foi eleito Deputado pelos tres mais importantes Collegios Eleitoraes. O outro sel-o-ia ainda por muitos mais, senão tivesse assento na Camara dos Pares; mas no triunfo do seu Programma já envolvido o seu proprio, e pessoal triunfo, que nesta Casa não era senão o triunfo do Partido Cartista. (Apoiados geraes) Aberto o Parlamento, que presenciaram todos os seus Membros, e a Nação inteira? A justificação mais completa da Politica, e Actos Administrativos, que diziam respeito ao Ministerio — Terceira-Cabral — e por isso tambem a esses individuos; a explicação desses Actos debaixo do verdadeiro, e exacto ponto de vista, em que eu acabo de consideral-os em mais extensa significação pela occasião, que felizmente me offereceu a allusão inconsiderada do Sr. Presidente do Conselho... do Sr. Presidente do Conselho, que devia ter reflectido, que a minha differente posição nesta Sessão, como Membro da Opposição, não podia tornar crime, e objecto de censura aquelle mesmo, que elle proprio tinha já sanccionado como bom... do Sr. Presidente do Conselho, a quem não posso conceder o direito de tornar-se Juiz sobre os proprios Juizes, e ainda menos para se elevar em incompetente censor dos actos da Administração de 1845. (Apoiados) Não é este de certo o melhor modo de moralisar o Paiz, e menos ainda de promover a conciliação da Familia Portugueza... mas S. Ex.ª tem a desgraça de apresentar sempre os seus actos em contradicção com as suas palavras. (Algumas vozes: — É verdade.)

Sr. Presidente, na Sessão de 10 de Fevereiro na Camara dos Dignos Pares que vem mencionada no Diario do Governo n.º 42, na continuação da discussão da Resposta ao Discurso do Throno, o Sr. Conde de Thomar explicou se de uma maneira, que não devia ter esquecido ao Sr. Presidente do Conselho, sobre o Contracto da Companhia Lombré. — Eis-aqui as suas proprias palavras:

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Pertendeu-se fazer acreditar, ou seja pela Imprensa, ou seja por algum Parecer, que exista nas «Secretarias, que os Emprezarios das estradas do Minho ganharam 400 por cento. Têem-se igualmente pertendido fazer acreditar (e aqui foi repetido pelo «Sr. Conde de Lavradio) que o Governo fez pressente á Companhia Lombré de réis 500 contos! Pois bem, a Camara vai ouvir uma explicação, que não póde deixar de a satisfazer completamente; os Empresarios das estradas do Minho têem representado ao Governo, que se contentam com 10 por «cento de lucro pelos desembolsos feitos, e a Companhia Lombré tem igualmente representado, e pendido que se reponha o seu Contracto no primitivo estado. (Profunda sensação. Vozes: — Muito bem, «muito bem) Posso mesmo affirmar que a Companhia Lombré cedera em favor do Sr. Conde de Lavradio os 500 contos, de que S. Ex.ª diz que o Governo fizera presente á dicta Companhia, (Hilaridade.)

Para que se ressuscitou logo o que na sancção moral daquella Casa estava constitucionalmente morto para o debate? Póde julgar-se esse procedimento leal, acção de homem justo, ou feito digno de um homem d'Estado?

Poucos dias depois, que na Camara dos Pares tinha havido aquelle debate solemne, repetiu-se pelo mesmo motivo nesta Casa, aonde respondendo eu, como alli se tinha feito, a igual allusão, e particularmente á que no Parlamento Inglez havia feito Lord Bentink, allusão, que se via manifestamente tirada dos Periodicos da Opposição, mostrei não sómente a falsidade, mas a inverosimilhança daquella aleivosa insinuação. Eis-aqui no Diario n.º 49 de 26 de Fevereiro do anno preterito, o que eu disse sobre similhante assumpto. (Leu) Ainda a sancção moral desta mesma Casa sanctificou a verdade dos factos contra a calumnia. Como logo por um movimento pouco sensato, e menos discreto veio de novo ressuscitar-se esta accusação putrida, e nauseabunda; filha só do que ha mais perverso nos Partidos? (Apoiados)

Sr. Presidente, não me recordo de ter ouvido fazer outras allusões, entenda porém a Camara que quaesquer que venham, eu as hei de rebater com o vigor e com a energia, que sómente sabem inspirar a verdade, e a pureza da consciencia. (Apoiados repetidos) As que inconveniente e imprudentemente se fizeram, ahi ficam por terra desfeitas ao clarão da evidencia dos factos. (Voes; — Muito bem.) Parece-me pois que devo estar muito satisfeito, porque tive mais occasião de mostrar que os Amigos se não devem envergonhar de me ter ao seu lado (Muitos apoiados — Vozes: — Muito bem.) Os imparciaes, e pessoas honestas de todos os Partidos podem contemplar em mim um caracter severo, mas não injusto, nem versátil, (Vozes: — Apoiados.) hei de conservar puro o exercicio das attribuições que me confere esta Cadeira (Apontando para o logar que occupa na Camara) como qualquer outro que occupo, ou occupe na Sociedade. (Apoiados repetidos)

Sr. Presidente, Politicos houve que estabeleceram, que não era possivel governar os Estados sem se commetterem algumas injustiças; Cicero, tão grande na Eloquencia, e Filosofia, como na Politica, estabeleceu e seguiu a maxima inteiramente contraria, ensinando que não se poderia governar convenientemente um Estado, e tractar devidamente as Causas Publicas,

sem se observar uma stricta justiça. (Apoiados) É esta stricta justiça que eu peço para mim, assim como a desejo para todos, desejo-a para a Sociedade inteira, porque ella só póde constituir um Governo sólido, por ser a base de todas as virtudes sociaes. (Novos apoiados, grande movimento de enthusiasmo na Camara, e muitas vozes: — Muito bem, muito bem.)

O Sr. Presidente: — Acham-se outros Srs. Deputados inscriptos; mas antes de consultar a Camara sobre se hei de dar-lhes a palavra, cumpre-me observar que a experiencia de todos os dias aconselhou a necessidade de se adoptar a 8.ª Disposição Addicional do Regimento, e que os resultados de todos os dias, senão de todos os momentos, estão mostrando a prudencia e sabedoria com que essa decisão se tomou. — Não se acha em discussão a Resposta ao Discurso da Corôa; esse objecto findou na Sessão de terça feira, nem póde reviver. Por occasião de se darem Explicações não se entra em demonstração da materia finda, nem quando se tracta de explicar os factos, e de demonstrar a injustiça que por ventura haja em algumas allusões, ha o direito de fazer allusões, e muito menos a pessoas que as não mereciam, ou que não eram desta Casa 1

Toda a Camara ha de fazer justiça aos motivos por que o seu Presidente na Sessão de terça feira não assistiu a parte da mesma Sessão (Apoiados geraes): o Presidente declarou que se achava incommodado, e agora mesmo muito incommodado está. O Presidente tem deveres muito grandes a cumprir, e o primeiro de todos é o que lhe está prescripto no art. 12 do Regimento de 1837 que diz — Não deve acceder a Partido algum; e deve conservar a mau estreita imparcialidade.» — Assim o tenho feito, (Apoiados) mas se o não tenho conseguido, ha de reconhecer-se pelo menos que tenho trabalhado para o conseguir.

O Presidente não assistiu aparte da Sessão do dia treze ainda por outra razão não menos attendivel; para que no desgraçado conflicto, que a Deos prouvera não tivesse apparecido, não fosse Juiz austero entre duas pessoas que muito respeita, e que devia respeitar pela sua posição. O Presidente viu-se incommodado por differentes razoe, e não póde presidir a parte da discussão de terça feira (e censura-se isto!..) Oh! Antes tivera presidido, porque se o ti vera feito, talvez não houvessem occorrido scenas, que ainda agora se estão sentindo (Apoiados;!

Srs. Deputados, eu cumpro e espero (pae a Camara cumpra o Regimento na parte em que manda que nunca possa punir-se um Deputado, nos termos que elle marca, pelo que este disser em Sessão diversa daquella em que se tractar de o castigar; mas o que peço á Camara pela sua dignidade, pelo bem do Paiz, é que evite quanto seja possivel todas as scenas, de que venha mal para a Causa Publica (Apoiados geraes.)

Torno a dizer: a Disposição 8.ª Addicional do Regimento foi muito calculada; e todos os Srs. Deputados antigos sabem as scenas que deram causa a esta Disposição. Eu peço a attenção da Camara para que considere toda a amplitude desta Disposição, e se se deve ou não dispensar, e as occasiões em que se deve dispensar, por exemplo, quando se fazem allusões a factos de honra de qualquer Deputado. Durante o tempo que tenho presidido, tenho dado

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toda a latitude aos Sr.. Deputados que querem desaggravar-se; assim o fiz no anno passado a um Sr. Deputado, (direi mesmo o seu nome, porque neste caso é permittido faze-lo) ao Sr. Assis de Carvalho, quando se julgou offendido por um facto, não desta Casa, mas fóra della, summamente injurioso á sua dignidade de Deputado; mas logo adverti ao Sr. Deputado qual era o direito que tinha um Deputado nesta Casa. (Apoiados) Ao Sr. Deputado Avila tambem dei toda a latitude, quando pediu para explicar um facto que lhe dizia respeito, e a que se alludiu durante a discussão da Resposta ao Discurso da Corôa. Mas agora o que peço, sem fazer allusão nem a Ministros, nem a Deputados, e que cada um, conhecedor dos seus direito, e das suas obrigações, se limite a tractar das cousas tômo convem ao bem do Paiz. (Apoiados geraes)

Achavam-se inscriptos, como já disse, varios Senhores desde a Sessão do dia 16. Vou ler a lista de todos os inscriptos, e já disse tambem qual era a Disposição do Regimento

Hoje pediram a palavra um Sr. Deputado, e um Sr. Ministro. É necessario ler esta lista para que depois a Camara decida o que entender a este respeito.

Na Sessão do dia 16 pediu a palavra para Explicações pessoaes e de facto o Sr. Cunha, que já se explicou na Sessão de 23; e o Sr. Avila pediu-a para Explicação pessoal, que deu na Sessão immediata por decisão da Camara. Depois o Sr. Visconde de Castellões pediu, que no caso de lhe não chegar a palavra sobre a materia, lhe fosse depois concedida para uma Explicação de facto. O Sr. Pereira dos Reis pediu a palavra para uma Explicação sem declarar a natureza della; e os Srs. Assis de Carvalho, e Ferreira Pontes, fizeram o mesmo. O Sr. Cunha tambem pediu n'outra Sessão a palavra para Explicação sem declarar a natureza della, e na Sessão do dia 23 pediu-a para uma rectificação de facto, que já deu nessa mesma Sessão. O Sr. Fontes Pereira de Mello pediu a palavra para uma Explicação pessoal; o Sr. Ministro da Guerra para uma Explicação; e o Sr. Silva Cabral tambem para Explicações. Nesta Sessão pediu a palavra para uma Explicação pessoal o Sr. Corrêa Leal, e o Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros pediu a palavra sem dizer para que.

Por tanto tenho a consultar antes de tudo a Camara se quer ou não que se dêem todas as Explicações, para que se tem pedido a palavra. Eu torno a ler a Disposição 8.ª Addicional do Regimento que diz (Leu).

«As Explicações de facto, ou de discurso ficam proscriptas depois da discussão, e antes ou depois da votação, e são permittidas sómente durante a discussão ao Deputado, que fallar as vezes, ou que o fizer nos termos do art. 49 do Regimento de 1827, e dos artigos 80 e 81 do Regimento de 1837. As Explicações pessoaes são prohibidas etc. etc.

Na Sessão de terça feira na parte em que não tive o honra de presidir aos trabalhos, verificou-se o facto de que a Explicação dada pelo Sr. Deputado Cunha provocou outras Explicações, o então se deu a palavra a um Sr. Ministro que tinha fallado uma vez, e a um Sr. Deputado que não tinha fallado na discussão da Resposta ao Discurso do Throno. Os precedentes da Camara oppõem-se a isto, por que deste modo haveria de certo uma segunda discussão, e nunca se acabaria qualquer incidente consulto por tanto a Camara se devem ou não ter logar as Explicações pedidas?

O Sr. Pereira dos Reis: — Eu não quero aggravar a difficuldade que V. Ex.ª acaba de enunciar. Pela minha parte não declarei qual era a natureza da Explicação que tambem queria dar, que era mais pessoal do que outra cousa, mas tendo morrido o Ministro a quem queria responder, só me cumpre dizer — Parce sepultis — e cedo da palavra, que tinha pedido para esse fim.

O Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros: — Eu tambem não quero lançar embaraço na marcha regular dos trabalhos da Camara; mas como V. Ex.ª notou o eu não declarar o fim para que pedi a palavra, devo dizer agora, que é para pôr na sua verdadeira luz alguns argumentos meus, e do Sr. Presidente do Conselho, que me parece que não foram relatados com a maior exactidão.

O Sr. Presidente: — O que eu vejo é que ha difficuldade sobre a maneira de dar a palavra, por isso faço a Proposta para todos os Senhores inscriptos, porque assim salvam-se todas as duvidas. (Vozes: — Não, não.) Eu queria evitar todo e qualquer odioso, entretanto vejo que se apresentam duvidas, por consequencia faço a Proposta para cada um Senhor que pediu a palavra. (Voes: — Não, não.) Então faço a Proposta na generalidade. (Apoiados)

Decidiu-se que não se dispensasse a Disposição 8.ª Addicional do Regimento,

O Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros: — Eu desejava que V. Ex.ª me dissesse se essa votação importa a negativa de se me dar a palavra: eu não tomarei á Camara muito tempo; mas parece-me, depois da declaração que fiz antes de hontem, que seria grave injustiça o negai-se-me a palavra para dizer alguma cousa. (Vozes: — Então dê-se a todos que a teem.) O Orador com vehemencia: — Sr. Presidente, cedo da palavra, eu hei de vir a esta Camara; sobre todos os pontos que se tractarem, hei de aproveitar todas as occasiões que tiver para reivindicar todas as doutrinas do Ministerio. (Apoiados)

O Sr. Presidente do Conselho: — E eu faço a mesmissima declaração.

O Sr. Presidente: — A decisão da Camara foi, que nenhum Sr. Deputado, nem Ministro podesse usar da palavra que tinha para Explicações, e isto foi approvado quasi por unanimidade Se com tudo se fizerem Propostas para ou excepção, ou reconsideração, dar-lhe-hei seguimento.

Acabou o incidente.

O Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros: — Sr. Presidente, é com a maior satisfação que me cabe a honra de apresentar á Camara, em cumprimento do meu dever, o Relatorio do Ministerio dos Negocios a meu cargo. (Leu e preseguiu)

Sr. Presidente, mando este Relatorio para a Mesa, e peço que seja mandado distribuir com todos os seus documentos.

Mando igualmente o meu Relatorio sobre os Negocios da Marinha e do Ultramar, não o lerei porque é bastante extenso, e é acompanhado não só de documentos, mas de Projectos de Lei que eu sobre os trabalhos que havia naquella Repartição, e sobre as indagações que procurei haver dentro e fóra da

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mesma Repartição, confeccionei para submetter á deliberação desta Camara.

Persuado-me que a Camara convirá que tenho cumprido o meu dever, (Apoiados) e que tenho satisfeito ao que no Discurso da Corôa se prometteu, apresentando os meus Relatorios; não digo que as providencias que com elles apresento sejam cabaes, mas ao menos mostram a boa vontade do Ministro.

Sr. Presidente, depois que se virem estes documentos, tambem se ha de vêr e sentir, que alguns pedidos que aqui se fizeram, estavam já prevenidos, e deviam vir á Camara, se houvesse um bocadinho mais de paciencia em esperar pelos Relatorios.

O Sr. Presidente: — Não ha numero sufficiente na Camara para se tomar resolução sobre a impressão, e o mais a seguir; por consequencia ficam na Mesa os papeis para na immediata Sessão se decidir.

O Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros: — Então, visto que hoje se lhe não dá direcção alguma, peço licença para na proxima Sessão lêr o Relatorio elo Ministerio da Marinha.

O Sr. Xavier da Silva: — Sr. Presidente, eu desejava saber quaes foram os Srs. Ministros que pediram a palavra para Explicações; porque eu votei que não houvesse mais Explicações, não querendo com tudo tirar a palavra aos Srs. Ministros; mas não tendo visto o Sr. Presidente do Conselho pedir a palavra, e vendo S. Ex.ª tão enfadado, desejo saber se a tinha pedido.

O Sr. Presidente: — O Sr. Presidente do Conselho não pediu a palavra, mas a Camara, approvando que senão desse a palavra a Deputado algum, em a Ministro, nesta occasião para Explicações, não póde negar com isso aos Srs. Ministros o direito de declararem, que quando se tractar de objectos proprios, em que se dê occasião opportuna, se possam explicar; (Apoiados) porque e força dizer que; na occasião das Explicações se saíu muito fóra da questão, e da Ordem. Eu esperava que fosse a Camara (e não eu, pela minha situação especial) quem chamasse á Ordem o Sr. Deputado; a Camara não o fez; por consequencia deixei-o continuar, mas entendo que os Srs. Ministros não podem ser privados de se explicarem em qualquer occasião opportuna que para isso tenham. (Apoiados.)

O Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros: — O Sr. Ministro do Reino não se acha presente: parece-me que S. Ex.ª pôsto que não tivesse pedido a palavra, podia com tudo tomar algum calor, podia sentir que se negasse a palavra ao Ministro dos Negocios Estrangeiros, que é seu Collega. (Apoiados) Agora, eu faço justiça ás intenções da Camara; a Camara não quiz negar aos Ministros o poderem explicar-se; eu conheço os sentimentos da Camara; o que a Camara quiz, foi que acabasse um certame, do qual não podia resultar proveito algum ao Paiz. (Apoiados.)

O Sr. Presidente: — A Ordem do Dia para a Sessão immediata são os Projectos que já estão dados, se por ventura poderem entrar em discussão, ou já houver Ministerio, que se declare habilitado para isso; senão, depois do Expediente, a Camara ha de trabalhar em Commissões; mas ficam dados para Ordem do Dia permanente aquelles Projectos. Lembro tambem á Camara que se distribuiu hoje o Projecto das Estradas, que ha de ser um dos que ha de ter precedencia na discussão, logo que seja possivel. (Apoiados.) Está levantada a Sessão. — Eram mais das quatro horas da tarde.

O 1.º Redactor,

J. B. GASTÃO.

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