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4 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

bro da Familia Real, ultraje á moral publica, crime contra a segurança do Estado ou provocação a elle.

Entretanto, na vigencia desta lei, discutiu-se muito se ainda estava em vigor o disposto no n.° 2.° do artigo 251.° do Codigo Administrativo de 1898.

O partido regenerador sustentava que estava em vigor não só a lei de 1898, que estabelecia os dois casos em que um periodico podia ser suspenso, mas tambem o Codigo Administrativo de 1896 na parte em que estabelecia outros casos em que podia dar-se a suspensão.

O partido progressista sustentava o contrario numa e noutra Camara, chegando o Sr. Beirão a apresentar um projecto de lei neste sentido.

Não se julgue, porém, que por ser esta a doutrina sustentada pelo partido progressista, elle deixasse de se soe correr do Codigo Administrativo, não faltando assim ao seu habito de contrariar as suas palavras pelo seus actos E para provar que o Governo, quando tem mandado apprehender jornaes, se tem soccorrido da disposição do citado Codigo Administrativo, le o orador um trecho do relatorio do Sr. Juiz Veiga enviado á Camara pelo respectivo Sr. Ministro, em virtude de uma requisição feita por um Deputado.

Ora, exactamente quando havia duvidas sobre só VI gorava só a lei de 1898 ou se vigorava tambem a disposi cão do Codigo Administrativo de 1896, appareceu a portaria de 7 de dezembro de 1904 estabelecendo a doutrin de que vigora apenas a lei de 1896, isto é, de que já não está em vigor a disposição do n.° 2.° do artigo 251.° do Codigo Administrativo de 1896.

Ora, elle, orador, propõe-se demonstrar que este diploma e irrito e nullo, e não obrigando a ninguem, porque representa um acto dictatorial, que, para ter força, devia ser acompanhado de certas formalidades que não se realizaram. Assim, devia a portaria ser assignada por todos os Ministros, o que não se deu, e devia o Governo, logo que as Cortes se reunissem, pedir um bill de indemnidade, o que até agora não fez.

A portaria é a interpretação de duas leis: a de 1898, e o Codigo Administrativo de 1896, porque diz que o artigo 39.° daquella revogou a disposição do n.° 2.° do artigo 251.° do codigo a que se refere, e porque tem relações intimas com esta disposição.

A este respeito não pode haver duvida alguma; mas, se pudesse haver, quem a vinha tirar era o Sr. Beirão, que no relatorio do seu projecto de lei, apresentado em 1903, se fundava no preceito do § 4.° do artigo 15.° da Carta Constitucional, segundo o qual é ás Cortes que pertence fazer leis, interpretá-las, suspende-las, e revogá-las. Portanto, se está provado, como effectivamente está, que a portaria de 7 de dezembro de 1904 é um acto interpretativo de duas leis, e, se a interpretação das. leis pertence ás Cortes, como está estabelecido no § 6.° do artigo 15.° da Carta Constitucional, doutrina que aliás foi fixada pelo Sr. Beirão no relatorio do seu projecto de lei, o corollario a tirar é que o Sr. Ministro da Justiça praticou um acto dictatorial, usurpando uma attribuição das Cortes.

Ou não ha logica, ou a conclusão é esta. E como representa um acto dictatorial, devia como já disse, ser assignado por todos os Ministros, e devia o Governo, logo que as Cortes se reunissem, pedir um bill de indemnidade.

Não tendo succedido nem uma nem outra cousa, o acto é irrito e nullo, e a ninguem obriga.

Esta objecção em toda a força, e tanto assim que o Sr. Ministro tentou desviá-la, ao redigir o relatorio da sua portaria, dizendo que ao poder executivo compete expedir decretos, instrucções e regulamentos adequados á boa execução das leis e que é boa execução de uma lei tudo aquillo que restringe o arbitrio do poder e concorre para garantir as prerogativas individuaes.

Nada mais falso do que esta conclusão. Pertence ao poder executivo, effectivamente, expedir decretos, instrucções e regulamentos para a boa execução das leis; mas a boa execução de uma lei não está naquillo que restringe o arbitrio do poder executivo e que augmenta as liberdades individuaes. Para a boa execução de uma lei é preciso estudá-la bem, para se conhecer qual é o seu sentido, qual foi o pensamento do legislador, expedindo-se depois os diplomas que estejam na alçada do Governo, para que esse pensamento seja respeitado.

Se fosse como o Sr. Ministro diz no. seu relatorio, poderia até estabelecer-se, por meio de portaria, a responsabilidade ministerial, regimen que sempre seria melhor do que o actual.

Mais uma vez, portanto, repete que o Sr. Ministro da Justiça praticou um acto nullo, usurpando uma attribuição das Cortes, e não revestindo esse acto das formalidades que o deviam acompanhar.

Foi, como já disse, o proprio Sr. Beirão, cuja autoridade é incontestavel, que, com o seu projecto de lei de 1903, mostra que o Governo praticou um acto dictatorial. O que dizia o Sr. Beirão no seu relatorio? Dizia que era necessario fixar o direito. E como se fixa o direito? Fixa-se por uma lei, e esta é attribuição exclusiva das Cortes.

A conclusão pois a tirar é que não foi o Sr. Hintze Ribeiro, opposição parlamentar, mas o proprio Sr. Beirão quem considerou dictatorial a portaria de 7 de dezembro de 1904.

Mas nem só por isto a portaria é irrita e nulla; tambem é sem valor porque uma portaria não pode contrariar disposições legaes, e esta contraria as disposições da lei de 1898.
A lei. de 1898 quando estabelece a revogação dos diplomas que por ella ficam sem valor, especifica-os e diz: até á de 7 de agosto de 1890; logo a disposição do Codigo Administrativo de 1896 não foi revogada.

Temos portanto que a .portaria de 1904 dizendo que não se applica a doutrina do Codigo Administrativo de 1896, contraria as disposições da lei de 1898, que revoga todo o estabelecido só até agosto de 1890, e por consequencia contém doutrina que nunca pode ser objecto de uma portaria.

E se ainda pode haver duvidas, ellas desappareciam por completo com as palavras do relatorio da commissão, em que o Sr. Queiroz Ribeiro cita, uma por uma, todas as leis que pelo de 1898 ficavam sem valor.

Mas, admittindo mesmo que o Governo tivesse procedido bem, então por coherencia, deveria cumprir a doutrina da portaria. E cumpriu-a?

No mesmo dia em que se publicava essa portaria, o administrador do concelho de S. Pedro do Sul ordenava a suspensão do jornal O Vouga dizendo que não deixaria circular esse jornal sem que elle previamente tivesse visto as provas dos artigos n'elle inseridos.

No Funchal foi-se ainda mais longe; fez-se o que até ali nunca se tinha feito; mandou-se prender o director e os typographos do jornal O Direito.

Para que se expediu, pois, aquella portaria? Desrespeitou-se a lei, assumindo-se attribuições do legislativo, e depois não se cumpre!

Que a censura previa depois de publicada essa portaria tem continuado a exercer-se, sabe-o toda a gente, nem vale a pena discuti-lo.

Um orador progressista dizia n'aquella Camara que a censura previa é incompativel com o exercicio da liberdade; não obstante o Governo, que se arroga o titulo de paladino da liberdade, exerce essa censura todos os dias, em mesmo ter para se escudar, como tinha o Sr. Hintze Ribeiro, a disposição do Codigo Administrativo de 1896, que o Sr. Ministro da Justiça revogou pela portaria de 1904, embora illegalmente.