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CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

23.ª SESSÃO

EM 30 DE AGOSTO DE 1905

SUMMARIO. - Approvada a acta, lêem-se dois officios e tem segunda leitura um projecto de lei auctorizando a camara de Coimbra a contrahir um emprestimo. É admittido. - O Sr. Tavares Festas manda para a mesa as ultimas redacções dos projectos de lei n.ºs 3, 4 e 8; o Sr. Alberto Navarro insta por documentos e faz diversas considerações sobre liberdade de imprensa, a que responde o Sr. Ministro da Guerra; o Sr. Claro da Ricca apresenta um projecto de lei e occupa-se da questão vinícola e do centenario de Bocage, respondendo lhe o Sr. Ministro da Marinha, que tambem discute com o Sr. Clemente Pinto sobre a situação do sul de Angola. - Apresentam requerimentos os Srs. Conde de Castro e Solla, Visconde da Ribeira Brava e Clavo da Ricca. - Declaram-se constituídas as commissões de administração publica e de marinha.

Na ordem do dia entra em discussão a interpellação do Sr. Cabral Moncada sobre os acontecimentos na região sul de Angola. Fala o Sr. Sousa Tavares, e encerra-se a sessão às 5 horas e 15 minutos da tarde por falta de numero. - O Sr. Presidente marca a próxima sessão para o 1.° de setembro.

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2 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Presidencia do Exmo. Sr. Libanio Antonio Fialho Gomes (Vice-Presidente)

Secretarios os Exmos. Srs.:

Conde de Agueda
Gaspar de Abreu de Lima

Primeira chamada - Ás 2 1/2 horas da tarde.

Presentes - 8 Srs. Deputados.

Segunda chamada - As 2 3/4 horas da tarde.

Presentes - 54 Srs. Deputados.

São os seguintes: Alberto de Castro Pereira de Almeida Navarro, Alfredo Pereira, Alvaro da Silva Simões, Antonio Augusto Pereira Cardoso, Antonio Cassiano Pereira de Sousa Neves, Antonio Faustino dos Santos Crespo, Antonio Ferreira Cabral Paes do Amaral, Antonio Muria de Carvalho de Almeida Serra, Antonio Maria Dias Pereira Chaves Mazziotti, Antonio Peixoto Correia, Antonio Rodrigues Ribeiro, Augusto Cesar Claro da Ricca, Augusto Faustino dos Santos Crespo, Augusto Guilherme Botelho de Sousa, Carlos Augusto Ferreira, Conde de Agueda, Conde de Carcavellos, Conde de Castro e Solla, Conde de Sucena, Diogo Domingues Peres, Duarte Gustavo de Roboredo Sampaio e Mello, Eduardo Fernandes de Oliveira, Eduardo Valerio Augusto Villaça, Ernesto Julio de Carvalho Vasconcellos, Fernando Augusto Miranda Martins de Carvalho, Francisco Limpo de Lacerda Ravasco, Francisco Xavier Correia Mendes, Gaspar de Abreu de Lima, João Alberto Pereira de Azevedo Neves, João Augusto Pereira, João José Sinel de Cordes, João Pinto Rodrigues dos Santos, João Serras Conceição, João de Sousa Bandeira, João de Sousa Tavares, Jorge Guedes Gavicho, José Alberto da Costa Fortuna Rosado, José Christovam Patrocinio de S. Francisco Xavier Pinto, José da Cruz Caldeira, José Gonçalves Pereira dos Santos, José Joaquim Mendes Leal, José Vicente Madeira, José Vieira da Silva Guimarães, Julio Dantas, Libanio Antonio Fialho Gomes, Lourenço Caldeira da Gama Lobo Cayolla, Miguel Antonio da Silveira, Miguel Pereira Continuo (D.), Paulo de Barros Pinto Osorio, Raul Correia de Bettencourt Furtado. Thomaz de Almeida Manoel de Vilhena (D ), Visconde do Ameal, Visconde das Arcas e Visconde de Pedralva.

Entraram durante a sessão os Srs.: Abel da Cunha Abreu Brandão, Albino Augusto Pacheco, Alexandre Proença de Almeida Garrett, Alfredo Carlos Le Cocq, Alfredo Cesar Brandão, Antonio Alberto Charula Pessa-nha, Antonio Alves Pereira de Mattos, Antonio Centeno, Antonio Rodrigues da Costa Silveira, Antonio de Sousa Athayde Pavão, Antonio de Sousa Horta Sarmento Osorio, Antonio Tavares Festas, Augusto de Castro Sampaio Côrte Real, Bernardo de Alpoim de Cerqueira Borges Cabral, Clemente Joaquim dos Santos Pinto, Conde de Penha Garcia, Eusebio David Nunes da Silva, Fernando de Sousa Botelho e Mello (D.), Francisco Miranda da Costa Lobo, Francisco Pessanha Vilhegas do Casal, Francisco Xavier da Silva Telles, Gaspar de Queiroz Ribeiro de Almeida e Vasconcellos, Henrique Carlos de Carvalho Kendall, João Catanho de Menezes, João Ferreira Franco Pinto Castello Branco, João Joaquim Isidro dos Reis, João Monteiro Vieira de Castro, Joaquim Augusto Pereira da Fonseca, Joaquim Hilario Pereira Alves, Joaquim Pedro Martins, José Augusto Moreira de Almeida, José Coelho da Motta Prego, José Ferreira de Sousa Junior, José Joaquim de Sousa Cavalheiro, José Maria de Oliveira Mattos, José Maria Pereira de Lima, José Mathias Nunes, José Paulo Monteiro Cancella, Luiz Eugenio Leitão, Luiz Maria de Sousa Horta e Costa, Luiz Pizarro da Cunha de Porto Carrero (D.), Manoel Joaquim Fratel, Manoel Telles de Vasconcellos, Mario Augusto de Miranda Monteiro, Matheus Teixeira de Azevedo, Ovidio de Alpoim de Cerqueira Borges Cabral, Rodrigo Affonso Pequito, Visconde da Ribeira Brava e Zeferino Candido Falcão Pacheco.

Não compareceram a sessão os Srs.: Abel Pereira de Andrade, Adriano Anthero de Sousa Pinto, Anselmo de Assis Andrade, Antonio Augusto Pires de Lima, Antonio Caetano de Abreu Freire Egas Moniz, Antonio Homem de Gouveia, Antonio José Garcia Guerreiro, Antonio José Gomes Lima, Antonio de Mattos Magalhães, Antonio Rodrigues Nogueira, Arthur da Costa Sousa Pinto Basto, Arthur Pinto de Miranda Montenegro, Conde do Alto Mearim, Conde de Paçô-Vieira, Conde da Ribeira Grande (D. Vicente), Eduardo Burnay, Eduardo Frederico Schwal-bach Lucci, Emygdio Lino da Silva, Francisco Joaquim Fernandes, Francisco Xavier Cabral.de Oliveira Moncada, Frederico Alexandrino Garcia Ramirez, Gil de Mont'Alverne de Sequeira, Henrique de Carvalho Nunes da Silva Anachoreta, João Baptista Ribeiro Coelho, João da Costa Santiago de Carvalho e riousa, João Maria Cerqueira Machado, Joaquim José Cerqueira, Joaquim José Pimenta Tello, José Affonso Baeta Neves, José Antonio Alves Ferreira de Lemos Junior, José Augusto de Lemos Peixoto, José Cabral Correia do Amaral, José Maria de Oliveira Simões, José Maria Queiroz Velloso, José Osorio da Gama e Castro, José Simões de Oliveira Martins, Julio Ernesto de Lima Duque, Luciano Affonso da Silva Monteiro, Luiz Filippe de Castro (D.), Luiz José Dias, Luiz Vaz de Carvalho Crespo, Manoel Antonio Moreira Junior, Manoel Francisco de Vargas, Marianno Cyrillo de Carvalho, Marianno José da Silva Prezado, Pedro Doria Nazareth, Sertorio do Monte Pereira, Vicente Rodrigues Monteiro, Visconde de Guilhomil e Visconde da Torre.

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SESSÃO N.° 23 DE 30 DE AGOSTO DE 1905 3

ABERTURA DA SESSÃO - Ás 3 horas da tarde

Acta - Approvada.

EXPEDIENTE

Officios

Do Ministerio da Fazenda, remettendo 40 exemplares da proposta de lei e documentos relativo" ao contrato dos tabacos, para serem distribuidos pelos Srs. Deputados.

Para a secretaria.

Do presidente da Camara Municipal de. Beja, pedindo para que seja elevado á categoria de central o lyceu nacional d'aquella cidade.

Para a secretaria.

Segunda leitura

Projecto de lei

Senhores. - O espirito municipalizador que triumpha hoje nos paizes mais cultos tem encontrado benevolo acolhimento em Coimbra. Ainda o anuo passado foi municipalizada a producção do gaz, que é justamente considerada uma das industrias que mais perfeitamente satisfaz ás condições da municipalização.

Em virtude desta operação, ficou a camara do concelho de Coimbra devendo á Companhia Conimbricense de Illuminação a Gaz, pela escriptura de 30 de setembro de 1904, a quantia de 61:891$464 réis, que deve sei paga mensalmente num anno, sob pena de consequencias muito funestas para as finanças municipaes. Essa quantia está hoje reduzida a 59:271$701 réis, em virtude do pagamento de tres prestações de juros e amortizações nos termos da referida escriptura. Impossivel é, porém, a Camara Municipal de Coimbra satisfazer o seu debito no prazo estipulado sem recorrer ao credito.

A fabrica e a canalização do gaz tambem precisam de ser profundamente transformadas para que o municipio possa tirar bons resultados da municipalização destes serviços. De um estudo feito ultimamente por um distincto engenheiro industrial resulta claramente que, se a camara não entrar no caminho dos melhoramentos, amunicipaliza-ção do gaz dará dentro em breve perdas em logar de lucros.

Alem disso, a Camara Municipal de Coimbra ainda pretende realizar algumas obras de grande necessidade e de incontestavel utilidade, que não pode custear com as receitas ordinarias. Essas obras são a construcção dos pavilhões do novo mercado e o prolongamento da canalização da agua a alguns pontos da cidade que d'ella estão privados.

O mercado actual encontra-se num estado vergonhoso e repugnante, impondo-se urgentemente a substituição por um novo mercado, em harmonia com a importancia da cidade.

O prolongamento da canalização da agua a alguns pontos da cidade que d'ella estão privados, e que torna necessaria a construcção de um novo reservatorio em Santo Antonio dos Olivaes, é exigido pela propria natureza deste serviço, que se liga intimamente com a vida e hygiene de uma população.

O emprestimo que a camara Municipal de Coimbra precisa contrahir, embora exceda as faculdades do poder executivo, não desorganiza de modo algum as suas finanças, visto os encargos d'elle não excederem 7:270$000 réis, que são quasi inteiramente cobertos pela verba de réis 7:102)5000, destinada ao juro e amortização da divida Companhia Conimbricense de Illuminação a Gaz, e que não pode ser retirada do orçamento emquanto não estiverem liquidadas as contas com esta companhia, ficando depois disponivel.
Acresce que o emprestimo é destinado a municipalizações, tendo assim um fim reproductivo. Os emprestimos para municipalizações são considerados pelos economistas modernos não só como uteis, mas até como necessarios, visto constituirem o unico meio que teem os municipios de se furtarem ao ruinoso regime das concessões.

E nestas condições que eu tenho a honra de submetter á vossa apreciação o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.° E autorizado o Governo a conceder á camara Municipal de Coimbra permissão para contrahir um emprestimo de 100:000$000 réis, ainda que os seus encargos juntos aos dos empréstimos anteriores excedam a quinta parte da sua receita ordinaria, com as seguintes applicacões, que não poderão ser alteradas: 60:000$000 réis para o pagamento da divida do municipio á Companhia Conimbricense da Illuminação a Gaz, proveniente da muinicipalização d'este serviço effectuada o anno passado; 20:000$000 réis para a construcção do novo mercado; 5:000$000 réis para a construcção de um novo reservatorio de agua em Santo Antonio dos Olivaes, acquisição e montagem de uma machina que eleve a agua do reservatorio da zona alta para aquelle reservatorio e prolongamento da canalização da agua a Santo Antonio dos Olivaes, Cumeada, Cellas e Montes Blacos; 10:000$000 réis para a transformação da fabrica e canalização do gaz.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.

Sala das Sessões. = O Deputado, José Maria de Oliveira Mattos.

Foi admittido e enviado á commissão de administração publica.

O Sr. Tavares Festas: - Por parte da commissão de redacção mando para a mesa a ultima redacção dos projectos n.ºs 3, 4 e 8.

O Sr. Presidente: - Vão ser expedidos para a outra casa do Parlamento.

O Sr. Valerio Villaça: - Por parte da commissão de obras publicas, proponho que seja aggregado á mesma commissão o Sr. Deputado Diogo Domingos Peres.

Assim se resolveu.

O Sr. Alberto Navarro: - Começa, perguntando ao Sr. Presidente se já estão sobre a mesa alguns documentos que requereu por differentes Ministerios logo que abriu a actual sessão legislativa.

O Sr. Presidente: - Vae mandar saber á secretaria, se já vieram alguns dos documentos pedidos pelo Sr. Deputado.

O Orador: - Logo que abriu a actual sessão legislativa, alguns dos Deputados da opposição pediram ao Governo varios documentos para se elucidarem com respeito a assumptos que tinham de vir á tela do debate; mas alguns mezes são já decorridos e nenhuns d'esses documentos foram ainda enviados para a Camara.

Recorda-se decerto o Sr. Presidente do procedimento dos homens que estão hoje no poder e da maioria que os acompanha, quando estavam na opposição. Não devem ter esquecido as violentas apostrophes com que era aggredido o Ministerio regenerador, quando não vinham, com a ra-

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pidez que desejavam, os documentos pedidos. Lembram-se ainda todos da maneira como o Sr. Espregueira increpava o Governo regenerador, quando não eram enviados á Camara, para assim dizer, os arcbivos do Ministerio da Fazenda.

Comparado o procedimento do actual Governo com o que teve quando estava na opposição, tem elle, orador, sobeja razão para increpar o Ministerio por esta incoherencia, por este desmentido das suas animações e das suas promessas.

E em tudo é assim. Nas cousas grandes, como nas cousas pequenas, era tudo se manifesta a incoherencia do Governo.

Ou seja na questão mais primacial para a nossa economia e para as nossas finanças, a questão dos tabacos, ou seja no ponto mais essencial e mais fundamental em que assenta o systema parlamentar, como se prova pelos seus actos de dictadura, em tudo o Governo falta não só aos deveres que as leis lhe impõem, mas ainda aos principios que proclamou e sempre sustentou na camara como sendo seu credo politico.

É chefe do Governo o Sr. José Luciano de Castro, que se diz o mais dedicado amante da liberdade de imprensa, e o maior cultor d'essa liberdade, quando está na opposição. Mal chega, porém, ao poder decreta dictatorialmente a abolição da disposição do Codigo Administrativo que, no seu entender, contradiz a lei de imprensa, e determina que só nos casos expressos n'aquella lei se pode fazer a apprehensão de um jornal. E todavia S. Exa. é o primeiro a ludibriar a disposição que decretou, inventando o extraordinario euphenismo de chamar leitura previa á censura previa.

Está na pasta do Reino o mais dedicado defensor das liberdades publicas. Todos se recordam dos seus discursos na Camara dos Dignos Pares.

Pois bem; é S. Exa. que preside a eleições tão illegaes e fraudulentas que por tres vezes são annulladas pelos tribunaes.

São tão extraordinarios os factos que se teem dado no districto do Porto, são taes as fraudes e violencias que se teem praticado, que os tribunaes, sempre que se teem realizado eleições, as teem annullado, de modo que, tendo-se aberto o periodo eleitoral administrativo em 2 de novembro do anno passado, ainda elle não foi encerrado.

Já mandou para a mesa um aviso previo a este respeito, e, quando elle se realizar, ha de mostrar á Camara o que teem sido essas eleições.

O que então disser não será inspirado pelo facciosismo politico; ha de ser corroborado por documentos, pelos factos, e pelas decisões dos tribunaes do paiz.

Por agora citará apenas um aocordão do Tribunal de Verificação de Poderes, que, validando a eleição de Deputados pelo Porto, determina que das irregularidades praticadas pelas auctoridades em algumas assembleias seja dado conhecimento ao Ministerio Publico.

Mas não param aqui as incoherencias do Governo.

Todos se lembram das celebres declarações feitas nesta Camara pelo Sr. Beirão e na outra pelo Sr. José Luciano, no sentido de que o partido progressista, quando no poder, não faria mais dictadura e não pediria mais auctorizações parlamentares.

O que se vê porém, agora, é que, quanto a auctorizações, só o orçamento traz quatorze, envolvendo todos os serviços.

Vozes da esquerda: - Já as retirou.

O Orador: - Se teve de recuar no pedido destas auctorizações é porque não teve força para as arrancar á sua propria maioria.

Quanto á dictadura, o Governo tem-na feito por quasi todas as pastas, e dictadura da mais perigosa, da mais grave, da que mais magoa os homens que são defensores dos principios constitucionaes, dictadura que defrauda duas vezes os direitos dos representantes da nação; primeiro porque lhes tira as suas funcções de legisladores, e segundo porque lhes rouba o direito de analysarem os actos praticados e de chamarem á responsabilidade os que os praticam.

Tambem não ha nisto declarações vagas, accusações inanes. Numa das ultimas sessões o Sr. Abel de Andrade demonstrou de uma maneira clara e peremptoria que o Governo tinha feito dictadura ácerca da liberdade de imprensa, e que a tinha realizado por uma portaria.

Elle, orador, propõe-se hoje demonstrar que o Sr. Ministro da Justiça tambem fez dictadura pelo que respeita á organização judicial, se não por uma portaria, por um simples decreto seu.

Vae expor os factos com toda a singeleza, para que o Sr. Ministro da Guerra, que não conhece o assumpto, possa transmittir ao seu collega as considerações que elle, orador, apresentar.

Pela Novissima Reforma Judiciaria, que ainda vigora nesta parte, as Relações de Lisboa e Porto teem 21 juizes, e a Relação dos Açores 7 juizes, além do respectivo presidente. Portanto, segundo a lei, a Relação dos Açores deve ter oito juizes, incluindo presidente. Pois bem; o Governo actual já ali tem 12 juizes, quero dizer, 50 por cento mais do que a lei determina.

Diz-se que, no regime absoluto, o Governo de D. Miguel mettera na Relação do Porto trezentos juizes. Não duvida elle, orador, de que, se o Governo não estivesse nas vascas da agonia, que pode ser mais ou menos longa, mas de que ha de resultar de certo a morte, pelo systema adoptado, elle levaria para a Relação dos Açores tantos juizes quantos quizesse.

O artificio inventado para se conseguir este resultado foi o seguinte:

O governo progressista em 1900, in articulo mortis, nomeou uma commissão encarregada de estudar os julgados contraditorios, apresentando depois o seu parecer a este respeito, e nomeou para essa commissão alguns juizes da Relação, determinando pelo mesmo diploma que o tempo nesse serviço seria contado como no effectivo.

Aqui ia já uma disposição de caracter dictatorial, porque é preceito expresso da lei que só se conte o tempo de serviço como juiz, como magistrado do MinisterioPublico, como syndicante, como membro das Gamaras Legislativas e como governador civil.

O Governo progressista de então não teve, porém, tempo de fazer o que fez agora; não teve tempo de chegar a este extremo.

O Governo regenerador, durante quatro annos, nenhum juiz nomeou para aquella commissão. Vivamente instado para tirar alguns juizes da Relação dos Açores, fez apenas uma excepção para o Sr. Francisco José de Medeiros, membro do Parlamento. Os mais foram todos para aquella Relação.

Pela sua posição especial com relação áquelle Ministerio, pode elle, orador, assegurar que nos ultimos tempos já ninguém pedia para não ir para os Açores.

E o que faz agora o Governo progressista? Preenche as vagas n'aquella commissão, e, preenchidas as vagas, nomeia novos juizes.

É por esta forma que o Governo tem na Relação dos Açores 12 juizes (e já teve 13) e pode ter quantos quizer.

Já vê a Camara como a questão é singela e clara, apresentando-se de uma forma tal que ninguém se pode illudir. E aqui está como o Sr. Ministro da Justiça tomou uma resolução dictatorial, visto que alterou os quadros da magistratura judicial marcados claramente na lei.

Mas se o quadro da Relação dos Açores é de oito juizes, unicos para que no orçamento ha verba, e, se o Go-

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verno tem ali doze, e já teve treze, como é que lhes paga?

Foi esta a. informação singela que requereu em 11 de abril de 1900, e que ainda não veio. Pediu simplesmente que lhe indicassem qual a verba por onde sito pagos os juizes que existem a mais na Relação dos Açores, porque não comprehende como é que o Governo possa pagar a doze com a verba que é somente para oito.

Por creditos especiaes não pode ser, porque esses são só para despesas marcadas na lei. Se lhes paga é illegalmente, rasgando assim as promessas que fez na opposição, quando o Sr. Espregueira dizia que nem um ceitil devia sair dos cofres do Estado, se porventura não houvesse lei que assim o determinasse.

Portanto a sua argumentação resume-se no seguinte:

Em primeiro logar a lei determina que a Relação dos Açores tenha oito juizes, e hoje tem doze. Em que lei se fundou o Sr. Ministro da Justiça para fazer os despachos que fez?

Em segundo logar, ha no orçamento verba para se pagar a oito juizes.

Por que meio, por que artificio se paga a doze e já se pagou a treze?

São estas as perguntas claras e explicitas que deixa formuladas, para que o Sr. Ministro da Guerra as transmita ao seu collega da Justiça, porque deseja ser elucidado sobre estes pontos.

Ha ainda outros assumptos de caracter dictatorial a tratar pela pasta da Justiça, mas esses são mais complicados e elle, orador, não deseja fazer apreciações d'ellas na ausencia do respectivo Sr. Ministro.

(O discurso será publicado na integra quando o orador restituir as notas tachygraphicas).

O Sr. Ministro da Guerra (Sebastião Telles): - Eu já tinha tenção de pedir a palavra quando o Sr. Deputado Alberto Navarro começou a fazer as suas considerações; mas a minha intenção era simplesmente dizer a S. Exa. que as communicaria ao meu collega, porque S. Exa. já me tinha dito que desejava apenas dirigir ao Sr. Ministro da Justiça umas perguntas.

Mas depois vi que S. Exa. começava a fazer uma accusação politica ao Governo, direito que não lhe contesto; nem eu posso esperar um discurso de outra forma quando vem desse lado da Camara.

Não posso, porém, deixar de proteatar contra muitas das affirmações que S. Exa. fez, porque n'essas affirmoções se ha, sem duvida alguma, o espirito de opposiçao a que todos teem direito, ha tambem exaggeros que tenho obrigação de contestar.

S. Exa. começou a censurar o Governo pela falta de documentos. É praxe sabida e não se pode dar a esta affirmaçao mais alcance do que ella na realidade tem.

Todos os dias, todos os Deputados entendem que os documentos não são mandados com a rapidez que elles desejam...

O Sr. Alberto Navarro: - Vão passados tres mezes e são tres apontamentos apenas que eu pedi.

O Orador: - Não contesto, terá razão; da pasta da Guerra não saio com certeza.

Mas V. Exa. sabe, tão bem como eu, que os documentos são pedidos em tal abundancia que as secretarias não podem dar expediente senão depois de bastantes dias.

S. Exa. tirou daqui conclusões de que o Governo falta em todos os .pontos a todas assuas promessas, e. é contra isto que eu não posso deixar de protestar.

Referiu-se S. Exa. tambem á questão dos tabacos, dizendo que o Governo faltou ao que prometteu.

Esta não é occasião propicia para se discutir se o Governo faltou ou não ao que tinha promettido, porque o contrato dos tabacos não está em discussão; quando o estiver, então se verá quem faltou ás suas promessas.

S. Exa. referiu-se tambem á questão da imprensa, dizendo que houve dictadura, numa portaria a que se tinha referido ha dias o Sr. Abel Andrade, porque ella revogou um artigo do Codigo Administrativo, e que o mesmo artigo continuava a ser applicado á imprensa.

A verdade porém é que não se applicou o Codigo Administrativo á imprensa.

O Sr. Alberto Navarro: - Então a leitura previa é disposição da lei da imprensa?

O Orador: - Eu não desejo envolver-me nessa questão, mas o que posso affirmar a V. Exa. e á camara é que o que se tem feito com a imprensa, tem sido na ordem das ideias do Governo, em virtude da lei respectiva.

O Sr. Mario Monteiro: - Dá-me licença? Porventura V. Exa. não sabe que O Mundo não pode circular sem ser primeiro examinado?

Então o que é isto? Como lhe chama V. Exa.?

O Orador: - Os illustres Deputados acham agora muito mau o que achavam muito bom quando o faziam. Apoiados). Queriam que para applicar a lei de imprensa Fosse o Governo consultar o partido regenerador? Estranha doutrina, por certo, se iria lá colher. O Governo procede como entende.

Falou, tambem, S. Exa. em dictadura.

Sabe S. Exa., sabe o paiz, sabe toda a gente que o partido progressista é contrario a dictaduras.

Trocam-se ápartes.

O Sr. Presidente: - Peço ao Sr. Ministro da Guerra que se dirija para a Presidencia, e aos Srs. Deputados que não o interrompam.

O Orador: - Não posso levar a mal que S. Ex.as me interrompam, desde que é ,por muita consideração para com S. Exas. que estou dando largas a este debate, para que não fui provocado, pois que não se trata de assumptos que corram pela minha pasta.

O Sr. Pereira dos Santos: - Não Costumamos atacar sem provas, e para as produzir devo dizer que na sessão em que foi apresentada á discussão a resposta ao Discurso da Coroa apresentei uma nota de interpellação sobre este assumpto, dando-se immediatamente o Sr. Presidente do Conselho por habilitado a responder. Apesar disso, porém, essa discussão não foi dada, até hoje, para ordem do dia.

Cumprimos portanto o nosso dever dentro dos meios legaes, e, emquauto o Governo não responder, mantemos as nossas accusações.

O Orador: - Direi então que communicarei ao Sr. Ministro da Justiça que o illustre Deputado o Sr. Alberto Navarro deseja conversar com S. Exa. a respeito d'este assumpto, e acrescentarei que o illustre leader da minoria regeneradora deseja, também, falar com o Sr. Presidente do Conselho a respeito de dictadura.

Uma voz na esquerda: - Não se trata de uma conversa; trata-se de uma nota de interpellação.

O Orador: - Farei, então, essas duas communicações, e ao terminar deixe-me. S. Exa. dizer ainda, a proposito de dictaduras, que até hoje nenhuma tenho praticado pela minha pasta, não tendo, todavia, encontrado outra cousa ao entrar para aquelle Ministerio.

Tenho dito. (Vozes: - Muito bem).

(O orador não reviu).

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O Sr. Presidente: - Informa o Sr. Deputado Alberto Navarro de que ainda não vieram os documentos pedidos por S. Exa.

O Sr. Alfredo Pereira: - Por parte das commissões do ultramar e das obras publicas mando para a mesa o seguinte

Requerimento

Requeiro, por parte das commissões do ultramar e das obras publicas, que V. Exa. se sirva consultar a Camara se permitte, dispensado o regimento, que as mesmas commissões funccionem durante a sessão. = Alfredo Pereira.

Foi approvado.

O Sr. Claro da Ricca: - Vae occupar-se de um facto gravissimo, que é a consequencia logica da ultima medida vinicola publicada pelo partido progressista, e que está em contradição flagrante com o espirito fundamental da mesma providencia.

Corre o assumpto pela pastadas Obras Publicas, e sente não ver presente o respectivo titular, ainda que, deve frisá-lo até este momento, o actual Ministro não tem no facto a menor responsabilidade. Mas, se a não tem até hoje, te-la-ha amanhã, se depois de denunciado o facto não tomar providencias immediatas.

A questão que vae encarar sob um ponto de vista restricto é de caracter puramente economico.

Em 27 de fevereiro de 1905 publicou o Ministro das Obras Publicas, o Sr. Eduardo José Coelho, varias providencias attinentes a aliviar a viticultura nacional da crise que a assoberba, e uma das medidas que poz em pratica e que merece o apoio d'elle, orador, foi a da criação de armazéns para depositos de alcool e aguardente de vinho.

A ideia não é nova; já tinha sido sustentada pelo partido regenerador, e deve dar resultados proficuos, quando convenientemente executada. O modo, porém, como foi posta em pratica é perfeitamente desastroso.

O Sr. Ministro das Obras Publicas, querendo proteger a vinicultura, prejudicou-a ainda mais.

A ideia que presidiu á criação desses armazéns era a de organizar depositos onde a viticultura pudesse guardar o excesso da producção de vinho, transformando-o em alcool ou em aguardente, servindo-lhe ao mesmo tempo de penhor para sobre elle poderem levantar qualquer quantia. A ideia, como-se vê, era util, mas depois publicou-se um decreto em que se dá o mesmo direito aos commerciantes de vinho, sem preferencia nenhuma, a não ser a da ordem chronologica da inscrição, o que inutiliza por completo o fim da medida publicada, porque os commerciantes de vinho, que são os principaes inimigos dos viticultores, quando vejam a perspectiva da abundancia, antempar-se-hão a pedir os depositos, não deixando logar para os viticultores, que depois se verão forçados a entregar-lhes o seu producto.

Este facto, que é gravissimo, está em completa contradição com o pensamento do Sr. Ministro das Obras Publicas, e demanda providencias immediatas.

O commercio de vinhos se não se encontra em situação muito prospera, a si proprio o deve.

Quando a França se viu a braços com a phylloxera recorreu ao nosso mercado para que lhe fornecessemos o vinho de que carecia; mas o nosso commercio, em vez de aproveitar essa occasião, desprezou-a por completo.

Quando foi da exposição de Berlim houve um lote de vinhos, uma mistura de verde e de maduro, que caiu no agrado dos allemães. O Governo Allemão chegou mesmo a perguntar se lhe podiam fornecer a quantidade precisa desse vinho para a marinha allemã, mas a resposta foi de que não se podia tomar esse compromisso!

Os commerciantes de vinho o que pedem constantemente é que se façam tratados de commercio, isto é, desprezam o que ha e procuram o que não teem.

Exposto o facto, que se lhe afigura gravissimo, pede ao Sr. Ministro da Guerra que se digne transmittir ao seu collega das Obras Publicas as considerações que acaba de expor.

E, visto que está no uso da palavra, aproveita o ensejo para chamar a attenção do Sr. Presidente para um assumpto que só a S. Exa. diz respeito.

Consta-lhe que a commissào que promove a commemoração do centenario da morte de Bocage officiou ou vae officiar, solicitando a attenção de S. Exa. e do Parlamento para a festa que Setubal vae realizar no fim do anno corrente e a que todo o paiz se deve associar.

Em seu nome, como filho de Setubal, e no do Deputado por aquella cidade, o Sr. Marianno de Carvalho, que por falta de saude não pode comparecer na Camara, pede a S. Exa. que não lance para o cesto dos papeis velhos esse officio.

Trata-se de um filho illustre de Portugal, e se á Camara é sempre agradavel celebrar os feitos heroicos dos nossos soldados, é tambem um dever de patriotismo associar-se ás manifestações por aquelles que, como Bocage, deixaram na literatura pátria um nome que os annos ainda não conseguiram empanar.

Setubal já perpetuou no marmore a memoria do seu tilho querido; compete agora a todo o paiz manifestar-lhe o seu reconhecimento.

Appellando de novo para o patriotismo do Sr. Presidente, a fim de que tome em consideração esse officio, concluo mandando para a mesa uma proposta de renovação de iniciativa rio projecto de lei n.° 28-B, de 1904 que declara obrigatorio para todos os donos, directores ou gerentes de estabelecimentos commerciaes que tenham ao seu serviço caixeiros ou rnarçanos o encerramento dos seus estabelecimentos durante vinte e quatro" horas seguidas em cada semana.

A proposta ficou para segunda leitura.

(O discurso será publicado na integra quando o orador restituir as notas tachygraphicas).

O Sr. Presidente: - Devo declarar a V. Exa. que ainda não recebi o officio a que o illustre Deputado se referiu.

Asseguro-lhe entretanto que, logo que o receba, o tomarei na consideração que merecer.

O Sr. Ministro da Guerra (Sebastião Telles): - Pedi a palavra para declarar ao illustre Deputado, -Sr. Claro da Ricca, que communicarei ao meu collega das Obras Publicas as considerações que S. Exa. acaba de fazer.

Estou certo de que S. Exa. as tomará na devida consideração, ordenando as providencias que S. Exa. reclama ou virá a esta Camara dar as explicações que lhe são pedidas.

O Sr. Clemente Pinto: - Peço a palavra para um assumpto urgente.

O Sr. Presidente: - Nos termos do regimento rogo ao illustre Deputado o favor de vir á mesa declarar qual o objecto a que deseja referir-se.

(Pausa).

O Sr. Presidente: - O assumpto sobre o qual deseja usar da palavra o Sr. Clemente Pinto é o seguinte:

Assumpto urgente

Noticia publicada nos jornaes do ataque a uma columna militar em Moçambique pelos namarraes. = Clemente Pinto.

Vou consultar a Camara.

(Consultada a Camara, votou a urgencia).

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SESSÃO N.° 23 DE 30 DE AGOSTO DE 1905 7

O Sr. Clemente Pinto: - Vendo entrar na sala o Sr. Ministro da Marinha pedi a palavra, pois carecia da presença de S. Exa. para me referir a um assumpto que reputo grave.

Vi hoje num jornal a noticia de ter um enorme bando de namarraes atacado uma columna de 100 soldados indigenas, que se dirigia para o Memba, sob o commando de um official europeu.

Mais diz essa noticia que se travou renhido combate, de que resultou ficarem feridos o commandante e alguns soldados, acrescentando que na columna não seguia nenhum medico.

Diz-se mais que o governador geral, Sr. João Coutinho, é esperado em Moçambique por virtude destes acontecimentos.

Taes são os factos e em vista da sua importancia desejava que o Sr. Ministro da Marinha me esclarecesse sobre o que ha a tal proposito, muito estimando que a resposta fosse negativa.

Desejava saber se é verdadeira ou não a noticia do massacre do Hurabe, que alguns jornaes dizem ter-se realizado em circumstancias muito desastrosas.

(O orador não reviu).

O Sr. Ministro da Marinha (Moreira Junior): - Sr. Presidente: é-me sempre grato ter de falar n'esta camara e principalmente quando tenho de responder a uno Deputado a quem por todos os titulos devo estima e deferencia.

Em resposta ás perguntas do Sr. Clemente Pinto, devo dizer que ácerca de qualquer ataque dos namarraes nenhuma noticia official tenho a esse respeito. No tocante ao massacre do Cunene, realizado pelos cuamatas, posso dizer que é absolutamente infundado tudo quanto a esse respeito se tem dito.

É-me grato fazer esta declaração á Camara, porque ella confirma o telegramma do governador geral de Angola, de 23 de agosto, em resposta a um outro que lhe dirigi perguntando-lhe o que havia de verdade nessa noticia.

O telegramma enviado pelo governador geral de Angola é concebido nos seguintes termos:

Loanda, 23 de agosto de 1905. - Ultramar. - Lisboa. - A guerrilha de 6:000 cuanhamas é invenção. E cousa que nunca ninguém Viu." A guerrilha cuamatas que foi Humbe, como informei officio confidencial 75, teve 9 prisioneiros dos quaes dois foram entregues fortaleza, 20 mortos, muitos feridos, na tranquillidade toda provincia como informei telegramma 15 corrente. As noticias recebidas região Cunene são boas, logo que haja occorrencia digna menção informarei. = Governador.

O telegramma de 15 do corrente e o officio confidencial a que se refere esta noticia são os seguintes.

(Leu).

A leitura deste officio é para mina não só grata, mas agradavel, pela razão singela de ver que nem lá nem cá ha duvidas ácerca do procedimento do Governo, e mostrar que desde o incidente do anno passado houve iniciativa official. (Apoiados).

As noticias que acabo de ler á Camara são a prova de que não ha ninguem que se chame portuguez que não esteja animado do mesmo sentimento.

Isto não significa, porém, que promptamente me vá metter em alguma cousa que se chame uma aventura, mas pelo contrario que vá tratar de preparar tudo o que é indispensavel para que tudo esteja prompto em tempo opportuno, como prova a leitura que acabo de fazer, que bem mostra que o Governo cuida cuidadosamente do assumpto.

Uma voz: - Já não é sem tempo. (Apoiados).

Sussurro.

O Orador: - Taes são as informações que tenho de dar à Camara e agradeço ao meu illustre amigo e collega o Sr. Clemente Pinto ter-me dado ensejo para apresentar a noticia que acabo de ler.

Apezar de serem estas as intenções do Governo, para não ferir a nota politica, elle não publicou nenhuma noticia que lhe pudesse ser favoravel, e só esperou que no Parlamento fossem pedidas explicações. (Vozes: - Muito bem).

O Governo espera apenas que chegue o ensejo de que os factos possam mostrar ao paiz que o Governo nilo tem estado inactivo; que pelo contrario se tem preoccupado e está animado por um sentimento tão patriotico como certamente é o sentimento que domina tambem a opposição.

Tenho dito. (Vozes: - Muito bem).

(O orador não reviu).

O Sr. Clemente Pinto: - Agradece ao Sr. Ministro a sua resposta e congratula-se com S. Exa. pela noticia que acaba de dar.

Elle, orador, e seguramente toda a Gamara, folgajm-menso em ver desmentida por S. Exa. a noticia a que se referiu; mas é preciso não dormir á sombra de louros talvez precoces; é necessario ir mais longe, e tanto o partido progressista reconheceu essa necessidade que, apenas subido aos Conselhos da Coroa, tratou de organizar um plano de campanha e pediu Um credito especial para as operações da guerra. Depois porém parou e até hoje nada consta que tenha feito.

Isto, afigura-se a elle, orador, de extrema gravidade. Não basta colher louros parciaes; é preciso tirar uma desforra completa, sejam quaes forem os sacrificios que tenham de fazer-se.

As noticias communicadas pelo Sr. Ministro da Marinha são, sem duvida, optimistas, e com ellas folga, mas do que não resta duvida é de que alguma cousa de grave se passou no sul de Angola.

Ao começar esta sessão, um Deputado regenerador annunciou sobre o assumpto uma interpellação ao Sr. Ministro da Marinha, mas o facto é que ainda até hoje não a pode realizar.

Ora, um tal silencio não pode continuar. É necessario que, de uma vez para sempre, o Governo declare terminantemente qual é o seu plano, se projecta fazer uma operação completa, operações parciaes, ou espera que estejam construidas as vias de communicação.

Não põe nas suas palavras nenhuma nota politica, contrastando assim com o que fez a opposição progressista quando se deu o desastre de Cunene; o que deseja é que o Governo diga quaes são as suas intenções.

(O discurso será publicado na integra quando S. Exa. restituir as notas tachygraphicas).

O Sr. Ministro da Marinha (Moreira Junior): - Peço a palavra.

O Sr. Presidente: - Não posso dar a palavra a V. Exa. sem consultar a Camara. Vou por isso consultal-a.

A Camara resolveu affirmativamente.

O Sr. Ministro da Marinha (Moreira Junior): - Não esperava, ao vir hoje a esta Camara para apresentar uma proposta de lei, ter de entrar num debate que em grande, parte me é agradavel, não só por ter de responder ao Sr. Clemente Pinto, como pelas boas noticias que dei á Camara.

Devo declarar a S. Exa. que me dou como habilitado para responder, e até desde já se a Camara concordar em interromper a ordem dos seus trabalhos, á interpellacão do Sr. Cabral Moncada.

Se quizerem, eu immediatamente entro na explicação desse facto.

O Sr. Mendes Leal: - Estamos promptos para isso.

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8 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

O Orador: - Não sei se está presente o illustre Deputado que mandou para a mesa a interpellação sobre esse assumpto; mas, se algum dos illustres Deputados quer entrar no debate, com toda a largueza o farei, se querem interromper a marcha dos trabalhos parlamentares. S. Exa. teem-me completamente ao seu dispor.

O Sr. Sousa Tavares: - Estamos promptos; e desde já me inscrevo para discutir esse assumpto.

O Sr. Pereira de Lima: - Não está presente o nosso collega deste lado da Camara que mandou a nota de interpellação ao Sr. Ministro da Marinha, mas nos acceita-mos o alvitre de S. Exa.

O Orador: - Se a Camara entender que é conveniente interromper o debate do assumpto, que estava dado para ordem do dia, eu, repito, estou completaraente ao dispor dos illustres Deputados.

Todavia, repito uma vez mais: eu estava longe de sup-por que se entrasse neste debate. Eu estava na Camara dos Pares; vim agora aqui, no intuito de enviar para a mesa uma proposta de lei, que me pareceu urgente ir á commissão respectiva, e que diz respeito á fixação da força naval.

Foi-me extremamente grato ouvir o illustre Deputado, o Sr. Clemente Pinto, não só porque me é agradavel responder ao Sr. Clemente Pinto, meu distincto collega, mas, ainda porque, uma vez mais, tenho ensejo de declarar aqui, perante a Camara, qual a minha opinião. Quando tive occasião de me referir ao desastre do Cunene, claramente defini qual era o meu pensamento, que muito bem se traduz no officio do mez passado do Governador de Angola.

Mas dizia eu: o illustre Deputado, o Sr. Clemente Pinto, interferindo no debate, procurou, arrancar-me algumas notas politicas.

Essas notas politicas não estão nada harmonicas com a maneira como eu tenho tratado a questão referente a este assumpto. Como V. Exa. tem visto não tenho lançado a palavra mais insignificante, a phrase a mais ligeira que possa precisamente maguar a situação na qual se deu o incidente doloroso...

Vozes da esquerda: - Lance V. Exa. quando quizer.

O Orador: - E por uma razão singular, e é que eu entendo que em assumptos desta ordem não se deve ferir a nota politica. Eu não tenho procurado lançar a mais insignificante referencia que possa irritar paixões, menos apropriadas num assumpto de tamanho interesse como é a questão da desforra, todavia não soffre contestação que o Governo tem procurado levar a bom caminho a questão grave que herdou. (Apoiados).

Pois é precisamente do lado da opposição que tem vindo as referencias mais amargas!

Não ha duvida de que é completamente desharmonico, com o procedimento que neste assumpto o Governo tem tomado, o proceder da opposição. (Apoiados). Pois, apesar de tudo isso, podem os illustres Deputados fazer vibrar as notas politicas as mais intensas, as mais apaixonadas, que me encontrarão aqui sempre para defender os meus actos, mas esquecido das notas politicas que porventura tambem podem ferir sobre esta materia.

Podem fazer as interrupções que julgarem mais apropriadas, as perguntas que julgarem mais convenientes, que aqui estou para responder, embora com calor, por não poder dominar por vezes durante alguns instantes a vibração dos meus nervos, mas dominando-me o sufficiente para só dizer aquillo que julgo mister numa questão de tamanha responsabilidade...

O Sr. Sousa Tavares: - Ponhamos de parte a politica. V. Exa. tem uma gravissima responsabilidade em não ter levantado o prestigio do exercito portuguez. Bastava que V. Exa. tivesse aproveitado os oificiaes que se lhe offereceram para que o prestigio das armas portuguezas tivesse sido levantado ha uns poucos de mezes. (Apoiados).

O Orador: - Se o Governo seguisse esse conselho individual de todos os dias e de cada um, é que não podia agora levantar-se sereno e tranquillo na consciencia de ter cumprido o seu dever. Se não se compenetrasse das suas responsabilidades num facto de tão grande magnitude, e se se deixasse assim levar pelas apreciações ligeiras e individuaes, ou fossem do illustre Deputado ou fossem de qualquer que o quizesse imitar nesta materia, então é que era provavel que não pudesse responder assim serenamente pelos seus actos, porque as cousas não estavam preparadas, e, em vez das boas noticias com que todos folgamos, estariamos talvez sangrando os nossos corações como sangraram de dor em setembro do anno passado.

Ora não foi isto que felizmente succedeu, e, do que eu li á Camara, tira-se uma nota e um corollario; mas essa nota e esse crrollario é de que aquelles que lançaram em nossas almas um grande luto, em 25 de setembro do anno passudo, soffreram agora um aggravo em força avultada, tendo atravessado o Cunene, e de que as nossas armas sairam victoriosas onde então tinham soffrido um revés.

Então o actual Governo não se tem preoccupado com o que se passa ali e pode referir noticias d'este vulto?

O Sr. Sousa Tavares: - O desaggravo já devia ter sido.

O Sr. Fratel: - Então já não ha cuanhamas nem cuamatas? Foram já todos derrotados?

Uma voz: - É muito pouco para tanta vangloria.

O Sr. Martins de Carvalho: - É sobretudo uma victoria em doses homopaticas, o que não pode agradar muito a V. Exa. por não ser do seu systema.

(Trocam-se ainda outros ápartes, levantando-se sussurro).

(Interrupção do Sr. Alfredo Brandão).

O Sr. Presidente: - Peço ao Sr. Deputado Alfredo Brandão que deixe falar o orador.

Pode o Sr. Ministro da Marinha continuar o seu discurso.

(Sussurro).

O Orador: - Quando acabarem as interrupções, então falarei.

O Governo, perante as accusações e os ataques da opposição, conserva a mesma serenidade que manteve na analyse deste grave assumpto, que é de qualidade a abafar todas "is paixões, e a congregar todos os nossos esforços, a fim de tirarmos uma desforra completa.

Se S. Exa. conhecesse os diversos incitamentos que o Governo teve para, precipitadamente, entrarmos numa campanha, para que não estavamos preparados, veria a serenidade com que o Governo, pesando todas as difficuldades, embora confiasse no brio do exercito portuguez, resolveu não se arriscar desde logo numa aventura que poderia acorrentar a perda de centenares de vidas.

O Sr. Clemente Pinto falou em cousas gravissimas no sul de Angola. Posso affirmar a S. Exa. que, apesar das noticias insidiosas que apparecem nos jornaes, algumas mesmo mandadas daqui para serem de lá reexportadas, a ordem publica no sul de Angola não tem sido no anno corrente, mais alterada do que nos annos anteriores ao desastre de Cunene.

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SESSÃO N.° 23 DE 30 DE AGOSTO DE 1905 9

Da parte dos namarraes não houve investida alguma das que eram habituaes nos annos anteriores, o que prova que o Governo não tem descurado o assumpto, pelo contrario, tem tratado de manter a disciplina. (Apoiados).

Não vae entrar na descrição da obra do Governo; ella se revelará no tempo opportuno.

Mas ha mais...

O Sr. Manoel Fratel: - Mas em que? Não vejo nada, a não ser a abertura de um credito especial. (Apoiados).

O Orador: - Julga S. Exa. que a acção do Governo se limitou á questão dos cuamatas?

O Sr. Manoel Fratel: - Só me refiro a isso. Do resto depois tratarei.

Sussurro. - Ápartes.

O Sr. Presidente: - Peço ao Sr. Deputado Fratel que não interrompa o orador.

O Orador: - Ora se o illustre Deputado que acaba de me interromper tiver tanta razão nos argumentos que apresentar sobre a questão dos cuanhamas, como tem com relação ao caminho de ferro de Mossamedes, esses argumentos não teem valor absolutamente algum ; e isto pela razão singela de que o illustre Deputado não sabe o que se está passando com o caminho de ferro de Mossamedes.

O Sr. Manoel Fratel: - O caminho de ferro não está em construcção; andam procedendo a estudos.

Sussurro. - Cruzam-se ápartes.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Fratel não tem a palavra.

Vozes: - Ordem, ordem.

A sessão torna-se agitada.

O Sr. Presidente: - Não posso admittir que estejam sempre a interromper a sessão. (Apoiados da direita).

O Sr. Antonio Cabral: - Apoiado, apoiado!

Ápartes.

O Sr. Mendes Leal: - Então n3ã ha igualdade de tratamento?

Sussurro.

O Sr. Presidente: - Eu tenho cumprido o meu dever com igualdade; não admitto censuras á mesa. (Apoiados).

Novos ápartes.

O Sr. Presidente: - Pode V. Exa. continuar no uso da palavra.

Peço aos Srs. Deputados que occupem os seus logares. (Apoiados).

O Orador: - Dizia eu ha pouco que se o illustre Deputado Sr. Manoel Fratel, que me interrompeu com a sua palavra apaixonada e calorosa, tivesse tanta razão nos argumentos apresentados a proposito da questão dos cuanhamas, como tem relativamente á construcção do caminho de ferro de Mossamedes, esses argumentos eram absolutamente falhos de prova, pela razão singela de que o illustre Deputado não sabe o que se está passando na região de Mossamedes. E a prova e que a construcção do caminho de ferro já começou, e, pelas informações officiaes que tenho do governador geral de Angola, era cada mês faz-se a construcção de 11 a 14 kilometros, podendo estar concluido até a base de Chella, se as cousas caminharem com regularidade, no fim de junho proximo. Ora isto é um elemento valioso para a victoria que o Governo conta alcançar sobre os cuamatas. (Apoiados).

Ha alguma cousa que se está passando que não pode deixar de me impressionar dolorosamente. É que num assumpto como este se pretenda lançar a nota politica.

O Sr. Mario Monteiro: - Não apoiado.

O Orador: - Ha uma cousa que fala mais do que as palavras; são os factos. (Muitos apoiados).

Disse o illustre Deputado que a derrota soffrida exige que se tire um desforço.

Estou plenamente de acordo neste ponto com o illustre Deputado, mas esse desforço só pode ser tirado logo que para isso esteja tudo preparado.

Permitta-me S. Exa. que diga, porque vem a proposito, que se eu não fora portuguez, quereria ser inglez, porque a Inglaterra esperou durante onze annos para tirar uma desforra, mas o resultado foi completo.

Tendo a Inglaterra, que é incontestavelmente a primeira nação do mundo, feito isto, quereria S. Exa. que nos tirássemos o desforço em menos de um anno?

Sabe S. Exa. quantos kilometrus de caminho de ferro construiu a Inglaterra nestes onze annos, para tirar o desforço de Madhi? Sommam 952!

Então porventura o patriotismo do Governo desappa-receu, porque, em vez de se metter em aventuras, está preparando tudo com os meios ao seu alcance para uma acção efficaz?

Mas nos, Sr. Presidente, temos na nossa historia exemplos frisantissimos: temos mediado annos e annos entre incidentes dolorosos e a desforra.

Se eu quizesse dar provas, podia apresentá-las no caso do Bonga. Quantos annos não decorreram entre o incidente lamentavel que se deu e a reparação?

Se quizesse, podia ainda invocar a V. Ex.a, a proposito deste doloroso desastre do Cunene, em que eu não tenho responsabilidade alguma mais alguns exemplos. Podia citar o caso de Macanja, onde foram trucidados alguns officiaes e dezenas de soldados nossos. E, no entanto, só depois de muitos annos é que foi arrancada a desforra.

Então, porque nos estamos preparando tudo, para que a desforra seja completa, então porque nos somos indiffe-rentes a todas essas insinuações vis...

O Sr. Alberto Charula: - Quem fez insinuações vis?! Nós não podemos acceitar isso.

(Grande sussurro).

(O Sr. Presidente agita a campainha).

Vozes: - Ordem! ordem!

O Orador:-Eu não tenho medo, nem physico, nem moral de S. Exa.

O Sr. Alberto Charula: - Nem eu, tão pouco.

(Grande sussurro).

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10 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Vozes: - Ordem, ordem.

(O Sr. Presidente agita á campainha).

(O orador tenta falar).

Vozes: - Ouçam! ouçam!

O Sr. Mario Monteiro: - Ouçam?!

Estamos a ouvir. (Muitos apoiados da esquerda).

(O Sr. Fratel tenta falar).

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Fratel não tem a palavra. Peço ao Sr. Ministro da Marinha, que se dirija para a Presidencia.

O Sr. Alberto Charula: - Apoiado! Apoiado! (Pausa). Apoiado! Apoiado! (Pausa). Apoiado! Apoiado!

Uma voz da esquerda: - O Sr. Ministro que se não dirija para aqui... (Muitos apoiados da esquerda).

O Orador: - V. Exa. tem notado que o calor da minha palavra é aquelle que, os factos despertara e nada mais, mas tem notado tambem que nas variadas considerações feitas não personalizei. Eu tenho o direito de fazer a apreciação dos acontecimentos occorridos, e quando eu disse que variadas teem sido as insinuações feitas e a este proposito, V. Exa. comprehende que eu teria fundamentos para isso e para tanto bastaria veras variadas noticias, noticias falsissimas que para ahi se tem propalado. (Apoiados).

Se eu tivesse personalizado alguém, dizia-o de frente a frente, cara a cara, e se alguem, apesar desta declarava""" que a minha lealdade me obriga a fazer, se vê personalizado, eu tomo disso a responsabilidade. Então havemos de ouvir tudo, havemos de estar constantemente a ser victimados pelas apreciações mais acerbas, e sempre calados!...

Então querem que nos engulamos tudo?

Não e não. (Apoiados).

No sul de Angola o Governo procedeu com a noção que o patriotismo impõe, como devia proceder. O Governo não realizou as operações militares este anno pela razão de que não podia realizá-las.

É certo que o Governo encarregou um militar distincto, distincto entre os mais distinctos, extraordinariamente conhecedor das cousas militares, e eu sou o primeiro a prestar a homenagem devida ao seu alto merecimento e extraordinaria erudição, quer como militar quer como africanista.

É certo que recebi um plano desse illustre militar, plano que immediatamente apresentei em Conselho de Ministros, plano que, analysadas todas as informações officiaes obtidas e aquellas que no proprio plano se continham, se viu que a ser adoptado praticamente nos era impossivel realizá-lo no anno corrente.

Não vou entrar em informações minuciosas, dizer se esse plano era aquelle que devia pôr-se em pratica.

Por outro lado era contra nos o tempo, e, se nós não podiamos realizar então as operações, o que mandava o patriotismo era preparar as cousas convenientemente para que a desforra fosse tirada com todo o exito, e precisamente como um dos elementos mais importantes para que essa desforra fosse completa.

Ora precisamente um dos elementos para que a victoria fosse segura era que o caminho de ferro se construisse pelo menos até á base da Chella, na extensão de 178 kilometros aridos, d'aquella aridez que extenua e mata os soldados que teem de os atravessar.

Visto que um dos elementos mais indispensaveis era esse, veio, com a pressa que a camara conhece, trazer-lhe aqui uma proposta de lei tendente a auctorizar essa construcção.

Então estamos inactivos e logo na primeira ou na segunda sessão da camara trago aqui uma proposta para realizar o que mais urgente se torna fazer, e porque, fechada a Camara por motivos varios, promulguei a medida pelo Acto Addicional?!

E assim que estamos inactivos?

E aquelles que falam e que declamam é que estão activos?

Quando as accusaçÕes dirigidas ao Governo revestem assim um caracter de injustiça tão acerba, não ha palavra que seja capaz de se manter nos limites da frieza; não ha nervos que não vibrem.

Não quero alongar o debate, mas era necessario que desse estas explicações em resposta ás perguntas que me foram dirigidas.

Dito isto eu acrescentarei ainda que podem ser feitas as apreciações que se quizer; continuarei seguindo neste caso especial, precisamente, a linha de conducta e de orientação que tenho seguido sempre, em todos os casos da minha vida: persistentemente, orientadamente, methodicamente; e não haverá ninguém que me afaste do caminho que uma vez tracei...

Pode a minha vida, pouco longa ainda, não apresentar uma clara demonstração do que acho de indicar, mas hei de pôr na solução deste problema a mesma linha severa e methodica que em todos os actos d'ella tenho seguido sempre.

Era isto, Sr. Presidente, o que eu não podia deixar de dizer.

E visto que estou no uso da palavra, mando para a mesa uma proposta de lei que tem por fim lixar a força naval para o ar no de 1905 em 5:600 praças.

Vão publicadas no fim da tensão a pag. 12.

O Sr. Claro da Ricca: - Peço a palavra para um requerimento.

O Sr. Presidente: - Tenho a declarar ao illustre Deputado que ainda não se entrou na ordem do dia.

O Sr. Manuel Tratei: - Desejava simplesmente pedir a V. Exa. que se generalize o incidente.

O Sr. Presidente: - Quando se passar á ordem do dia poderá ser formulado o requerimento do illustre Deputado.

O Sr. Claro da Ricca: - Peço a V. Exa. a fineza de me inscrever quando se entrar na ordem do dia.

O Sr. Pereira dos Santos: - Peço a V. Exa. a fineza de me indicar o meio de nos podermos responderão Sr. Ministro da Marinha, porque não e só S. Exa. quem pode tratar do assumpto a que acabou de se referir.

O Sr. Presidente: - O illustre Deputado poderá pedir a palavra para um requerimento quando eu annunciar que vae passar-se á ordem do dia.

Vae passar-se á ordem do dia. Os Srs. Deputados que tiverem papeis para mandar para a mesa, podem faze-lo.

O Sr. Conde de Castro e Solla: - Mando para a mesa o seguinte

Requerimento

Requeiro que, com urgencia, me seja enviado pelo Ministerio da Marinha e Ultramar o processo referente ás alterações aos estatutos da Companhia de Moçambique, comprehendendo o despacho ministerial que sobre elle recaiu. = O Deputado, Conde de Castro e Solla.

Mandou-se expedir.

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SESSÃO N.° 23 DE 30 DE AGOSTO DE 1905 11

O Sr. Clemente Pinto: - Mando para a mesa o seguinte

Requerimento

Requeiro que, com urgencia, me seja enviada pelo Ministerio da Marinha copia dos pareceres apresentados pela commissão nomeada para dar parecer sobre a reorganização da nossa marinha de guerra. - O Deputado, Clemente Pinto.

Mandou-se expedir.

O Sr. Visconde da Ribeira Brava: - Mando para a mesa o seguinte

Requerimento

Requeiro que, pelo Ministerio das Obras Publicas, seja enviada com urgencia a esta Camara uma copia da proposta para um estabelecimento de linhas telegraphicas entre o Brasil e Portugal a um porto da Europa, e telegrapho sem fios entre o continente do reino e ilhas adjacentes, assignada por José de Almeida. = O Deputado, Visconde da Ribeira Brava.

Mandou-se expedir.

O Sr. Claro da Ricca: - Mando para a mesa o seguinte

Requerimento

Requeiro a V. Exa. que, com dispensa do regimento, consulte a camara sobre se permitte que, sem prejuizo da ordem do dia, entre desde já em discussão a interpellação ao Governo sobre os acontecimentos do sul de Angola. = O Deputado, Claro da Ricca.

Posto á votação, foi approvado.

O Sr. Roboredo de Sampaio e Mello: - Mando para a mesa a seguinte

Participação

Participo a V. Exa. e á Camara que se constituiu a commissão de administrarão publica, nomeando seu presidente o Sr. Antonio Tavares Festas e para secretario a mim participante. = O Deputado, Duarte Gustavo Roboredo de Sampaio e Mello.

Para a acta.

O Sr. Pereira Cardoso: - Communico a V. Exa. que se acha constituida a commissão de petições, e mando para a mesa o seguinte

Requerimento

Requeiro a V. Exa. se digne consultar a Camara sobre se permitte que a commissão de petições reuna durante a sessão. = O Secretario da commissão, Antonio Augusto Pereira Cardoso.

Lido na mesa, foi approvado.

O Sr. João de Sousa Bandeira: - Mando para a mesa a seguinte

Participação

Tenho a honra de participar a V. Exa. que se acha constituida a commissão de marinha d'esta Camara, tendo sido eleito seu presidente o Deputado Exmo. Sr. Antonio Rodrigues Nogueira, e secretario o Deputado Exmo. Sr. Pedro Doria Nazareth. = João de Sousa Bandeira.

Para a acta.

O Sr. Presidente: - Em vista da resolução da camara vou abrir inscripção especial sobre a interpellação do Sr. Cabral Moncada, annunciada ao Sr. Ministro da Marinha, relativamente aos acontecimentos do sul de Angola.

O Sr. Antonio Cabral: - Desejo saber se se trata de uma interpellação ou da generalização do incidente ha pouco levantado.

Se se trata de uma interpellação, parece-me que, sem ser consultada a Camara, não se deve generalizar.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Claro da Ricca requereu a generalização do incidente, como porém o incidente coincide com a interpellação do Sr. Cabral Moncada e o assumpto é o mesmo, pode S. Exa. realizar agora ou em tempo opportuno a sua interpellação. Mas como se trata do incidente levantado vou dar a palavra ao Sr. Sousa Tavares.

O Sr. Sousa Tavares: - Entra n'esta discussão com a maior serenidade, arredando d'ella por completo qualquer nota politica e apreciando, os factos como elles devem ser apreciados, o mais sinceramente possivel.

As incursões diarias e atrevidas, em territorio portuguez, dos povos sacudidos pelos allemães do seu territorio, obrigaram o Governo regenerador, que então se achava no poder, a tomar prontas e energicas providencias para lhes pôr cobro,
organizou-se uma columna forte e consistente e foi escolhido para commandá-la um official cujos meritos eram geralmente conhecidos e apreciados.

Essa columna - e neste ponto, elle, orador, não se alongará em considerações procurando até ser o mais cauteloso possivel - foi infelicissima.

O resultado desastroso das operações n'aquelle territorio não foi pois devido ao Governo, porque esse forneceu todos os elementos de que o commandante da columna precisava. Desde, porém, que soffremos um desastre colonial chame-se-lhe assim, que robusteceu o atrevimento dos cuamatas e cuanhamas abatendo ao mesmo tempo a força moral das tropas portuguesas, o actual Governo tinha obrigação de promover a nossa immediata desaffronta, tanto mais que desde logo abriu um credito especial de réis 650:000$000 para as operações e encarregou de organizar o plano d'ellas um dos mais prestigiosos officiaes do nosso exercito, o Sr. Eduardo Costa.

É voz corrente que aquelle brilhante oificial só iria desaffrontar-nos com a responsabilidade directa do cominando da expedição, pelo que eu só tenho a, louvá-lo. Quando se soube ,que o commando lhe seria confiado houve um fremito de enthusiasmo entre os seus camaradas, a quem elle de ha muito se impoz pelos seus excepcionaes predicados. Assim é que officiaes das diiferentes armas e serviços acorreram a offereeer se para fazer parte da expedição. E o Governo, que deveria ter aproveitado o valor e os serviços de quem tão espontaneamente se offerece para ir levantar o prestigio das armas portuguesas, nada disso fez e aguarda a construcção do caminho de ferro de Mossamedes á base da Chella!

No seu entender será tarde porque questões desta natureza ou se resolvem logo ou nunca se resolvem. Os allemães, apesar dos reveses soffridos, apesar da perda de muitas vidas e de muitos centos de contos de réis, vão proseguindo sem desiinimo nas suas operações em territorio cuja posse precisam assegurar, e nos seus vizinhos cruzamos os braços e aguardamos a construcção de um caminho de ferro!

Um documento lido pelo Sr. Ministro da Marinha diz que os cuamatas e cuanhamas são povos que facilmente se levam de vencida. Se assim é, menos desculpa tem o Governo de não ter aproveitado os serviços do Sr. Eduardo Costa e dos demais elementos de valor que se offereceram para ir reparar, sob o seu commando, o desastre que nos encheu de tristeza.

Se, elle, orador, fosse Ministro da Marinha teria dito áquelle official que organizasse a expedição como lhe aprouvesse e com elementos da sua confiança.

Depois entregar-se-hia resoluta e confiadamente ao seu valor e patriotismo com a certeza de bem servir o seu

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12 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

paiz. Fala assim como soldado portuguez profundamente contristado por tudo que a este respeito se tem passado.

Nas Considerações que acaba de fazer julga ter provado:

1.° Que as operações se realizaram por virtude de reclamações instantes dos povos que habitam em territorio desrespeitado pelos cuamatas e cuanhamas;

2.° Que ao partido regenerador não cabe a menor responsabilidade do desastre soffrido pelas nossas tropas;

3.° Que se a nova espedição tivesse sido organizada a tempo, confiando-se o cominando della ao distincto official que elaborou o plano de operações e aproveitando o concurso expontaneo dos seus camaradas em grande parte conhecedores das guerras de Africa, o prestigio das armas portuguezas já teria sido levantado sem que para isso fosse necessario construir o caminho de ferro de Mossarnedes á Chella.

(O discurso a que este extracto se refere será publicado na integra quando o illustre Deputado restituir as notas tachygraphicas).

O Sr. Mendes Leal: - Peço a V. Exa. se digne proceder á contagem, por me parecer não haver numero. Nesse sentido mando para a mesa o seguinte

Requerimento

Requeiro a V. Exa. que se digne verificar se ha na sala numero suficiente para continuar a sessão. = Mendes Leal.

Lê-se na mesa.

Procede-se á contagem.

(Pausa).

O Sr. Presidente: - Estão na sala 46 Srs. Deputados; não pode, portanto, proseguir a sessão.

A ordem do dia para sexta feira é a mesma que estava dada para hoje, mais os projectos n.ºs 9, 20, 8 e 15.

Está fechada a sessão.

Eram cinco horas e um quarto da tarde.

Proposta de lei apresentada nesta sessão pelo Sr. Ministro da Marinha

Artigo 1.° A força naval para o anno economico de 1905-1906 é fixada em 5:600 praças, distribuidas por 1 yacht, 6 cruzadores; 2 corvetas, 21 canhoneiras, 13 lanchas-canhoneiras, 2 lanchas, 4 transportes, 2 rubocadores, 1 vapor, 3 navios-escolas e 3 navios depositos.

§ unico. No total de praças proposto é incluido o pessoal indigena que faz parte das lotações das lanchas-canhoneiras e outros navios em serviço nas colonias, bem como o pessoal do serviço e escola pratica de torpedos e electricidade.

Art. 2.° O numero e a qualidade dos navios armados poderão variar, segundo o exigirem as conveniencias do serviço, comtanto que a despesa não exceda a que for votada para a força que se auctoriza.

Art. 3.º Fica revogada a legislação em contrario.

Secretaria de Estado dos Negocios da Marinha e Ultramar, em 30 de agosto de 1905. Manoel Antonio Moreira Junior.

Foi enviada á commissão de marinha.

O REDACTOR = Sergio de Castro.

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