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CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

24.ª SESSÃO

EM 1 DE SETEMBRO DE 1905

SUMMARIO. - Lida e approvada a acta, dá-se conta de quatro officios, e tem segunda leitura a proposta de renovação de iniciativa do projecto de lei sobre descanso semanal. É admittida. - Não podendo realizar-se o aviso previo do Sr. Martins de Carvalho, por não estar presente o Sr. Ministro do Reino, reserva-se a sua realização para quando o Sr. Ministro estiver presente. - A requerimento do Sr. V. Villaça, é autorizada a reunir a commissão de obras publicas durante a sessão. - O Sr. Ernesto de Vasconcellos manda para a mesa o parecer da commissão do ultramar sobre a proposta de lei n.º 10-O, navegação para as colonias. - O Sr. Alfredo Pereira apresenta o parecer das commissões reunidas de obras publicas e ultramar sobre a proposta n.° 10-P de 1905, relativa ao contrato com as companhias telegraphicas inglezas - O Sr. José Cabral apresenta o parecer da commissão de fazenda, ouvida a de guerra, sobre as propostas de lei n.ºs 10-V w 1-E, que melhoram os vencimentos dos officiaes do exercito. - Envia para a mesa uma nota de interpellação o Sr. Pinto dos Santos. - Usa da palavra o Sr. Ministro da Guerra (Sebastião Telles) em referencia a umas observações do Sr. Pinto dos Santos. - Fala detidamente sobre o mesmo assumpto o Sr. António Cabral. - Requer a applicação do artigo 102.º do regimento o Sr. Mario Monteiro, sendo o requerimento rejeitado. Usa da palavra este Sr. Deputado. - Fala o Sr. Ministro da Guerra. - O Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros (Eduardo Villaça) declara o Governo habilitado a responder á interpellação do Sr. Pinto dos Santos. - O Sr. Oliveira Martins apresenta os pareceres das commissões de guerra, administração publica, marinha e recrutamento, sobre a proposta de lei n.° G-B, fixação do contingente para o exercito, armada, guardas municipal e fiscal. - O Sr. Paulo Cancella renova a iniciativa da proposta de lei que versa sobre o direito de caçar. - O Sr. Joaquim Tello envia para a mesa uma participação.

Na primeira parte da ordem do dia (eleição de um vogal eftectivo e outro substituto para a Junta do Credito Publico) envia para a mesa um requerimento o Sr. Ovidio Alpoim. São eleitos, respectivamente, os Srs. D. Antonio de Noronha e Luiz E. Leitão. É rejeitado o requerimento do Sr. Ovidio Alpoim. - O Sr. Pereira dos Santos requer que se realize a interpellação do Sr. Cabral Moncada ao Sr. Ministro da Marinha. É approvado. - O Sr. Mathias Nunes manda para a mesa o parecer sobre o projecto de lei que auctoriza o Governo a admittir dois alumnos pensionistas do Estado no Collegio Militar. - Requer, e é approvado, que se reuna a commissão de administração publica o Sr. Tavares Festas.

Na segunda parte da ordem do dia (discussão da interpellação annunciada pelo Sr. Cabral Moncada ao Sr. Ministro da Marinha, sobre os acontecimentos ao sul de Angola). Usa da palavra o Sr. Deputado interpellante, respondendo-lhe o Sr. Ministro da Marinha (Moreira Júnior). - O Sr. Ministro do Reino (Eduardo José Coelho) manda para a mesa duas propostas de lei. - Fala o Sr. Mario Monteiro. - Usa da palavra o Sr. Pinto dos Santos. Responde aos dois oradores antecedentes o Sr Antonio Cabral. - Usam da palavra os Srs. Ovidio Alpoim, Antonio Centeno, Moreira de Almeida, Pereira dos Santos, Mario Monteiro e Antonio Cabral. - Encerra-se a sessão, marcando-se a seguinte para o dia 2.

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2 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Presidencia do Exmo. Sr. Libanio Antonio Fialho Gomes (VIie-Presidente)

Secretarios - os Exmos. Srs.:

Conde de Agueda
Gaspar de Abreu de Lima

Primeira chamada - Ás 2 horas da tarde.

Presentes - 7 Srs. Deputados.

Segunda chamada - Ás 2 1/2 horas.

Presentes - 58 Srs. Deputados.

São os seguintes: - Abel da Cunha Abreu Brandão, Alfredo Carlos Le Cocq, Alfredo Pereira, Antonio Augusto Pereira Cardoso, Antonio Cassiano Pereira de Sousa Neves, Antonio Faustino dos Santos Crespo, Antonio Ferreira Cabral Paes do Amaral, Antonio Rodrigues da Costa Silveira, Antonio Rodrigues Nogueira, Antonio Rodrigues Ribeiro, Antonio de Sousa Athayde Pavão, Antonio Tavares Festas, Augusto Guilherme Botelho de Sousa, Carlos Augusto Ferreira, Conde de Agueda, Conde de Carcavellos, Conde de Sucena, Diogo Domingues Peres, Duarte Gustavo de Roboredo Sampaio e Mello, Eduardo Fernandes de Oliveira, Eduardo Valerio Augusto Villaça, Ernesto Julio de Carvalho e Vasconcellos, Eusebio David Nunes da Silva, Fernando Augusto Miranda Martins de Carvalho, Francisco Limpo de Lacerda Ravasco, Francisco Pessanha Vilhegas do Casal, Francisco Xavier da Silva Telles, Gaspar de Abreu Lima, João Alberto Pereira de Azevedo Neves, João Baptista Ribeiro Coelho, João da Costa Santiago de Carvalho e Sousa, João Joaquim Izidro dos Réis, João Monteiro Vieira de Castro, João Pinto Rodrigues dos Santos, João de Sousa Tavares, Joaquim Augusto Ferreira da Fonseca, Joaquim Pedro Martins, José Affonso Baeta Neves, José Alberto da Costa Fortuna Rosado, José Augusto Moreira de Almeida, José Cabral Correia do Amaral, José Christovam Patrocinio de S. Francisco Xavier Pinto, José da Cruz Caldeira, José Gonçalves Pereira dos Santos, José Maria de Oliveira Mattos, José Mathias Nunes, José Vieira da Silva Guimarães, Libanio Antonio Fialho Gomes, Lourenço Caldeira da Gama Lobo Cayolla, Luiz Maria de Sousa Horta é Costa, Manoel Antonio Moreira Junior, Matheus Teixeira de Azevedo, Miguel Antonio da Silveira, Miguel Pereira Coutinho (D.), Pedro Doria Nazareth, Raul Correia de Bettencourt Furtado, Visconde das Arcas e Visconde de Pedralva.

Entraram durante a sessão os Srs.: - Abel Pereira de Andrade, Alberto de Castro Pereira de Almeida Navarro, Albino Augusto Pacheco, Alexandre Proença de Almeida Garrett, Alfredo César Brandão, Alvaro da Silva Simões, Antonio Alberto Charula Pessanha, Antonio Alves Pereira de Mattos, Antonio Centeno, Antonio Maria de Carvalho de Almeida Serra, Antonio Maria Dias Pereira Chaves Maziotti, Antonio Peixoto Correia, Antonio de Sousa Horta Sarmento Osorio, Arthnr Pinto de Miranda Montenegro, Augusto de Castro Sampaio Côrte Real, Augusto Cesar Claro da Ricca, Augusto Faustino dos Santos Crespo, Bernardo de Alpoim de Cerqueira Borges Cabral, Clemente Joaquim dos Santos Pinto, Conde de Castro e Solla, Eduardo Frederico Schwalbach Lucci, Emygdio Lino da Silva Junior, Fernando de Sousa Botelho e Mello (D.), Francisco Xavier Cabral de Oliveira Moncada, Gaspar de Queiroz Ribeiro de Almeida e Vasconcellos, Henrique Carlos de Carvalho Kendall, João Augusto Pereira, João Catanho de Menezes, João Ferreira Franco Pinto Castello Branco, João José Sinel de Cordes, João de Sousa Bandeira, Joaquim Hilario Pereira Alves, Joaquim José Pimenta Tello, Jorge Guedes Gavicho, José Coelho da Motta Prego, José Joaquim Mendes Leal, José Joaquim de Sousa Cavalheiro, José Maria de Oliveira Simões, José Maria Pereira de Lima, José Maria Queiroz Velloso, José Paulo Monteiro Cancella, José Simões de Oliveira Martins, José Vicente Madeira, Julio Dantas, Luiz Eugenio Leitão, Luiz Pizarro da Cunha Porto Carrero (D.), Manoel Joaquim Fratel, Manoel Telles de Vasconcellos, Mario Augusto de Miranda Monteiro, Ovidio do Alpoim de Cerqueira Borges Cabral, Rodrigo Affonso Pequito, Thomaz de Almeida Manoel de Vilhena (L).), Visconde do Ameal, Visconde da Ribeira Brava e Zeferino Candido Falcão Pacheco.

Não compareceram a sessão os Srs.: - Adriano Anthero de Sousa Pinto, Anselmo de Assis Andrade, Antonio Augusto Pires de Lima, Antonio Caetano de Abreu Freire Egas Moniz, Antonio Homem de Gouveia, Antonio José Garcia Guerreiro, Antonio José Gomes Lima, Antonio de Mattos Magalhães, Arthur da Costa Sousa Pinto Basto, Conde do Alto Mearim, Conde de Paçô-Vieira, Conde de Penha Garcia, Conde da Ribeira Grande .(D. Vicente), Eduardo Burnay, Francisco Joaquim Fernandes, Francisco Miranda da Costa Lobo, Francisco Xavier Correia Mendes, Frederico Alexandrino Garcia Ramirez, Gil de Mont'Alverne de Sequeira, Henrique de Carvalho Nunes da Silva Anachpreta, João Maria Cerqueira Machado, João Serras Conceição, Joaquim José Cerqueira, José Antonio Aires Ferreira de Lemos Junior, José Augusto de Lemos Peixoto, José Ferreira de Sousa Junior, José Osorio da Gania e Castro, Julio Ernesto de Lima Duque, Luciano Affonso da Silva Monteiro, Luiz Filippe de Castro (D.), Luiz José Dias, Luiz Vaz de Carvalho Crespo, Manoel Francisco de Vargas, Marianno Cyrillo de Carvalho, Marianno José da Silva Prezado, Paulo de Barros Pinto Osorio, Sertorio do Monte Pereira, Vicente Rodrigues Monteiro, Visconde de Guilhomil e Visconde da Torre.

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SESSÃO N.° 24 DE 1 DE SETEMBBO DE 1905 3

ABERTURA DA SESSÃO - Ás 3 horas da tarde

Acta - Approvada.

EXPEDIENTE

Officios

Do Ministerio da Guerra, remettendo nota do numero de recrutas que sobejou, ou que faltou, para ser preenchido o contingente do exercito e da marinha, em cada um dos annos de 1901, 190á, 1903 e 1904; numero de mancebos apurados para o serviço militar; numero dos recenseados, e dos recrutas necessarios a preencher o contingente do exercito e da marinha em cada um dos annos acima mencionados; satisfazendo assim, em parte, ao requerimento do Sr. Deputado Alfredo Cesar Brandão.

Para a secretaria.

Do mesmo Ministerio, remettendo nota do numero de alumnos, que concluiram os cursos das suas armas na Escola do Exercito, em cada um dos ultimos quinze annos, e que entraram nos quadros das armas de engenharia, artilharia e cavallaria, satisfazendo assim ao requerimento do Sr. Deputado José Maria de Oliveira Simões.

Para a secretaria.

Do Ministerio da Marinha, remettendo os documentos relativos aos trabalhos da commissão e da sub-commissão incumbida de estudar a cultura do algodão nas provincias ultramarinas, pedidos pelos Srs. Deputados D. Luiz Filippe de Castro e Clemente Joaquim dos Santos Pinto.

Para a secretaria.

Do presidente da Camara Municipal de Beja, enviando representações das camaras municipaes dos concelhos de Barrancos e Odemira, pedindo para que seja elevado a central o Lyceu Nacional de Beja.

Para a secretaria.

Segunda leitura

Proposta de renovação de iniciativa

Renovo a iniciativa do meu projecto de lei sobre descanso semanal, apresentado em sessão de 16 de abril de 1904 nesta Camara, e que tambem foi assignada pelos - Srs. Marianno de Carvalho, Marianno Prezado e Carlos Marianno de Carvalho.

Sala das sessões, Lisboa 30 de Agosto de 1904. = Augusto C. Claro da Ricca.

Foi admittida e enviada á commissão de administração publica.

Refere-se esta renovação de iniciativa ao seguinte

Projecto de lei

Artigo 1.° Todos os donos, directores ou gerentes de estabelecimentos commerciaes, de qualquer especie ou natureza, que ao serviço dos mesmos estabelecimentos empreguem caixeiros ou marçanos, são obrigados a conceder-lhes, sob pena de desobediencia á auctoridade, vinte e quatro horas seguidas de folga e de dispensa de trabalho em cada semana.

§ 1.° Durante as mesmas vinte e quatro horas de folga e de dispensa de trabalho, e sob a pena acima referida, serão encerrados todos os estabelecimentos commerciaes de cada localidade. Quando porém por necessidade publica seja impossivel ou inconveniente encerrar no mesmo dia todos os estabelecimentos commerciaes da mesma natureza, na mesma povoação, serão elles por bairros ou reuniões de freguesias divididos em grupos, para cada um dos quaes o dia do encerramento será differente, devendo essa divisão ser feita de forma equitativa para todos e commodamente para o publico.

§ 2.° Sempre que as conveniencias do publico e do commercio o consintam serão os dias de folga e de dispensa de trabalho fixados aos domingos.

§ 3.º A fixação dos dias de folga e de dispensa de trabalho, determinação das horas de encerramento dos estabelecimentos commerciaes, bem como a distribuição d'estes grupos para satisfazer o preceito do § 1.°, serão feitas para cada povoação por alvarás dos governadores civis do districto, ouvidas as camaras municipaes respectivas e as associações commerciaes locaes, havendo-as.

§ 4.° O Governo fará os regulamentos necessarios para a execução desta lei.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.

Sala das sessões, 16 de abril de 1904.= Marianno Cy-rillo de Carvalho = Marianno Prezado = Carlos Marianno de Carvalho = A. C. Claro da Ricca (apresentante).

O Sr. Presidente: - Devia realizar-se hoje o aviso prévio do Sr. Deputado Martins de Carvalho ao Sr. Ministro do Reino, sobre a questão da imprensa; mas o Sr. Ministro foi chamado á outra Camara, e, por este facto, não pode realizar-se o referido aviso previo.

O Sr. Martins de Carvalho continua na inscripção, na mesma altura em que estava. Eu tratarei de ver se o Sr. Ministro do Reino pode comparecer amanhã n'esta camara e, comparecendo, darei então apalavra a S. Exa.; isto a não ser que S. Exa. queira usar agora da palavra na ausencia do Sr. Ministro.

O Sr. Martins de Carvalho: - Não, senhor.

O Sr. Presidente: - Nesse caso vou inscrever os Srs. Deputados que desejarem usar da palavra antes da ordem do dia.

O Sr. Valerio Villaça: - Por parte da commissão de obras publicas mando para a mesa o seguinte

Requerimento

Peço a V. Exa. consulte a Camara se peraitte que, com dispensa do regimento, se reuna a commissão de obras publicas durante a sessão. = V. Villaça.

Foi approvado.

O Sr. Ernesto de Vasconcellos: - Por parte da commissão do ultramar mando para a mesa o parecer da mesma commissão sobre a proposta n.° 10-O, ácerca da navegação para as colonias.

Foi a imprimir.

O Sr. Alfredo Pereira: - Por parte das commissões de obras publicas e ultramar mando para a mesa o parecer das mesmas commissões sobre a proposta de lei n.° 10-P, que tem por Hm approvar o contrato provisorio, celebrado em 11 de janeiro do corrente anno com as companhias telegraphicas inglezas, prorogando por quinze annos os privilegios exclusivos que em virtude de contratos anteriores gozavam, durante um periodo de vinte annos, na amarração de cabos na Africa central portugueza.

A imprimir com urgencia.

O Sr. José Cabral: - Por parte da commissão de fazenda mando para a mesa o parecer da mesma commissão, tendo sido ouvida a commissito de guerra, sobre as

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propostas de lei n.ºs 10-N e 1-E, que teem por fim melhorar os vencimentos dos officiaes do exercito e introduzir algumas modificações na legislação vigente, sobre a promoção dos mesmos officiaes.

A imprimir.

O Sr. João Pinto dos Santos: - Sr. Presidente: eu tinha pedido a palavra para fazer algumas considerações a proposito dos telegrammas quec foram trocados entre o Sr. Presidente do Conselho e o nosso Ministro em Paris e que estão publicados.

Este assumpto refere-se principalmente á Presidencia do Conselho, ao Ministerio da Fazenda e ao Ministerio dos Estrangeiros; não estando porém presente nenhum dos respectivos Srs. Ministros, não posso usar da palavra como desejava; mas mando para a mesa uma nota de interpellações, pedindo a V. Exa. toda a urgencia, porque a camara e o paiz estão verdadeiramente assombrados com a leitura dos citados telegramraas. (Apoiados).

O Sr. Presidente do Conselho, referindo-se ao que eu tinha dito aqui, declarou que não tinha trocado nem uma palavra sequer a respeito da intervenção de Reilhac nem com os contratadores nem com pessoa alguma. Esta affirmativa foi feita tambem pelo Sr. Ministro da Fazenda; e o Sr. Presidente do Conselho voltou novamente a dizer que se elle falara de Reilhac na commissão fora por ter visto no relatorio do Sr. Pequito que as obrigações teriam cotação era Paris.

Com grande espanto de todo o paiz, o Sr. Presidente do Conselhoelucida-nos depois sobre o facto de ter recebido um telegramma do nosso representante em Paris, no qual se dizia que era indispensavel, para a cotação das obrigações dos tabacos, a intervenção de Reilhac.

Sr. Presidente: parece impossivel que, tendo-se trocado estes telegrammas, e estando na memoria de todos que se tinha feito referencia a elles no jornal Novidades, o Sr. Presidente do Conselho viesse affirmar no Parlamento que não tinha trocado, a este respeito, uma palavra com quem quer que fosse. (Apoiados).

Isto importa o desprestigio do poder; isto é uma das maiores desconsiderações que se podem fazer aos representantes da nação: e é mais: é a morte do systema parlamentar em Portugal!

Disse o Sr. Presidente do Conselho, quando os membros da commissão de fazenda se referiram á questão Reilhac, que a conversa havida a tal respeito tinha sido de caracter particular. Como é então que S. Exa. manda depois os telegrammaa a outra casa do Parlamento, desmentindo as suas proprias palavras, quando se trata de uma questão do mais grave caracter, como é o do nosso credito internacional?

Não quero insistir mais no assumpto. O Governo é solidario, mas eu não posso chamar á devida responsabilidade os Srs. Ministros presentes porque me parece que S. Exas. não podem ser solidarios com o Sr. Presidente do Conselho nas declarações que fez sobre o assumpto. Num assumpto desta ordem só deve intervir o respectivo Ministro.

Mando para a mesa a seguinte

Nota de interpellacão

Desejamos interpellar o Governo a proposito dos telegrammas trocados entre o Sr. Presidente do Conselho e o nosso Ministro em Paris, com respeito á cotaçãodas obrigações do emprestimo dos tabacos. = Os Deputados, João Pinto dos Santos = Gaspar de Queiroz Ribeiro.

(O orador não reviu).

O Sr. Ministro da Guerra (Sebastião Telles): - Sr. Presidente: se o illustre Deputado sr. Joãto Pinto dos Santos se tivesse limitado a mandar para a mesa a sua nota de interpellação, eu não teria, por certo, pedido a palavra, porque nada teria a dizer, visto que S. Exa. usou de um direito que lhe pertence. Mas o Governo não receia notas de interpellação; até as estima, porque é essa a melhor maneira de dar conta completa e cabal dos seus actos. (Apoiados).

O illustre Deputado, porém, não se limitou a mandar para a mesa a sua nota de interpellacão; fez censuras ao Governo e especialmente ao Sr. Presidente do Conselho, sobre o mesmo assumpto a que se refere a sua nota. E foi S. Exa. o proprio a confessar que o Governo é n'elle solidario.

N'estas condições é claro que, não estando presentes os Srs. Ministros aos quacs o Sr. João Pinto dos Santos se referiu mais especialmente, não podia eu deixar de tomar a palavra para responder a S. Exa., o que farei em breves considerações.

Entende o illustre Deputado que os telegrammas a que se referira, e que foram lealmente publicados nos jornaes, são um desmentido completo ás affirmações feitas nesta Camara pelo Sr. Presidente do Conselho.

Não estou de acordo com S, Exa. A meu ver, as affir-mações feitas nesta camara pelo Sr. Presidente do Conselho não estão contrariadas pelos telegrammas de que se trata; entendo até que estes confirmam aquellas affirmações. (Apoiados).

Tenho presentes esses telegrammas e podia occupar-me d'elles desenvolvidamente; mas não o farei visto que o illustre Deputado quer tratar do assumpto com o Sr. Presidente do Conselho, que não precisa da minha defesa.

Não deixo, comtudo, de fazer uma observação. Disse o Sr. João Pinto dos Santos que os telegrammas vinham mostrar que o Sr. Presidente do Conselho não dissera toda a verdade e que, por consequencia, representa uma prova do desprestigio do poder e uma das maiores desconsiderações que se podiam fazer aos representantes da nação. Reflicta porém S. Exa. que, se assim fosse, se a intenção do Sr. Presidente do.Conselho fosse a de faltar á verdade - e taes accusações ou não se fazem ou se provam logo - evidentemente S. Exa. não teria mandadot com uma tão perfeita franqueza, os telegrammas para a Camara dos Dignos Pares.

O Sr. João Pinto dos Santos: - E porque os occultou S. Exa. á cominissão de fazenda?

O Orador: - Não pertenço á commissão de fazenda e, portanto, ignoro o que ahi se passou. Não quero por isso referir-me a esse ponto.

O Sr. João Pinto dos Santos: - Os documentos pertencem a toda a Camara.

O Orador: - Não quero, repito, referir-me a factos de que não tenho completo conhecimento.

Todavia, S. Exa. sabe que todos os dias estamos a ouvir dizer aos Governos de todos os partidos que se receberam notas diplomáticas, mas que não é conveniente a sua publicação. Se os telegrammas fossem um desmentido ás suas palavras, certamente o Sr. Presidente do Conselho não os apresentaria voluntariamente, como, aliás, fez. Se a intenção do Sr. Presidente do Conselho fosse a que o illustre Deputado lhe attribuiu, como teria elle procedido assim, podendo negai1os documentos, sem que ninguém lho pudesse estranhar? (Apoiados).

Como membro do Governo, que me honro de ser, eu não podia deixar de fazer estas affirmações em resposta ao Sr. João Pinto dos Santos.

Tenho dito. (Vozes: - Muito bem).

(O orador não reviu).

O Sr. Antonio Cabral: - Sr. Presidente: o que eu tinha a dizer reservava-o para quando estivesse presente o Sr. Ministro das Obras Publicas.

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Como S. Exa. está ausente, nada direi em relação ao assumpto a que me queria referir; mas, estando com a palavra e tendo o Sr. Pinto dos Santos levantado este incidente, vou tambem apresentar algumas considerações sobre o que S. Exa. disse, ácerca dos telegrammas trocados entre o Sr. Presidente do Conselho e o Ministro portuguez em Paris.

Disse S. Exa. que o paiz está assombrado com o que se vrte passando a proposito da questão dos tabacos, (Apoiados), e pediu toda a urgencia na realização da sua interpellação.

Quando o Sr. João Pinto dos Santos mandou para a mesa a nota dessa interpellação, se algum dos Ministros estivesse presente, estou bem certo de que faria logo a declaração de que o Governo se achava perfeitamente habilitado a responder. (Apoiados).

Áparte.

O illustre Deputado não tem mais interesse em que se trate quanto antes desse assumpto do que o proprio Governo. (Apoiados). Mas - pergunto eu: - de quem é a culpa de que o parecer da commissão de fazenda não tenha vindo já á Camara? (Apoiados).

De quem é à culpa de que este assumpto não esteja resolvido já?

Não será dos membros da commissão de fazenda, que não trazem a esta camara o seu parecer? (Apoiados).

Acabemos com isto, Sr. Presidente! (Apoiados).

Eu não quero lançar nenhuma nota irritante no debate, eu não quero accusar a commissão de fazenda; mas o paiz e que começa, a interpretar os actos da commissão de fazenda como de puro obstrucionismo. (Apoiados).

Todos devamos e temos interesse em que esta questão se discuta. (Apoiados).

Mas, se assim é, porque é que S. Exa. levantam todos os dias incidentes que enredam a questão, e não mandam o seu parecer? (Muitos apoiados).

Nunca será de mais dizer que, se S. Exas. teem urgencia em que se discuta o contrato, tambem a maioria e o Governo o teem! (Apoiados).

O Sr. João Pinto dos Santos: - V. Exa. dá-me licença? A commissão, na sua ultima sessão, teve de discutir e approvar quatro longas actas, e isto levou toda a sessão até á uma hora da noite, dando-te o facto...

O Orador: - É extraordinario isso! Pois num assumpto momentosissimo como este, a commissão prende-se com questões de actas, e não vae logo direita ao seu fim: - a discussão? (Apoiados).

E ainda, ha mais: segundo li num jornal - e cito a fonte, porque não pertenço á commissão de fazenda -, tendo o digno Presidente da commissão, que dignamente preside tambem a esta Camara, marcado sessão para o dia seguinte, a maioria da commissão pediu que a proxima reunião se não realizasse no dia marcado.

O Sr. João Pinto dos Santos: - Porque tinhamos sessão na commissão do orçamento a que eu e outros collegas meu pertencemos. O motivo é claro.

O Orador: - Será. Mas parece-me que o dia tem vinte e quatro horas e que, se V. Exas. tivessem muita urgencia em que se discutisse esta questão, embora fizessem parte de duas commissões, teriam feito o possivel por preencher o trabalho, embora com algum esforço, nas duas commissões a que pertencem. (Apoiados).

O Sr. Queiroz Ribeiro: - Direi, se S. Exa. me concede licença para dar uma pequena explicação, o seguinte: não podia haver sessão, porque, para que a houvesse, era preciso fazer convites á ultima hora, e um dos vogaes estava longe de Lisboa.

O Sr. Presidente: - Peço ao illustre Deputado Sr. Antonio Cabral que dirija o seu discurso para a Presidencia, e aos Srs. Deputados Pinto dos Santos e Queiroz Ribeiro que não interrompam o orador.

O Orador: - Como me interrompem daquolle lado da Camara, não posso deixar de me dirigir para lá, sob pena de ser menos delicado.

Eu entendo que, mesmo que a maioria da commissão de fazenda tivesse razão nas explicações dadas pelos-Srs. João Pinto dos Santos e Queiroz Ribeiro, o meu argumento ficaria de por acima de tudo deve estar a urgencia, que todos teem, de que a questão se liquide: (Apoiados). Porque é necessario que a Camara e o paiz saibam que o Governo não tem receio de que esta questão se discuta. Deseja o debate.

Quem parece receoso de que a questão venha a esta Camara? Quem é? E a maioria da commissão de fazenda.

Eu invoco aqui o patriotismo dos membros da commissão de fazenda, e digo-lhes que prescindam S. Exas. de todos esses detalhes, de actas longas, de declarações longuissimas, de preterições de sessão, e façam os esforços necessarios para que, com a máxima rapidez, venha a esta casa do Parlamento o parecer da commissão, para se discutir com toda a largueza a questão dos tabacos. Esta questão está entravando a marcha da administração publica deste paiz, que não pode estar de modo nenhum sujeita a demoras e a delongas de qualquer espécie. (Apoiados). Discuta se a interpellação que o Sr. João Pinto dos Santos mandou para a mesa, e discuta-se com a maxima rapidez, mas discuta-se antes de tudo, porque o interesse superior do paiz assim o reclama, o contrato dos tabacos. (Apoiados).

É indispensavel que nos todos sejamos sinceros. Trata-se de uma questão primacial de administração; concorram S. Exas. com o seu talento, com o seu trabalho e com o seu prestigio, para que venha o mais depressa possivel a esta Camara o parecer, para tudo ser discutido.

A questão Reilhac, a cotação do preço das obrigações, etc., tudo ha de ser discutido; o Governo ha de dar todos os esclarecimentos, S. Exas. hão de ter a máxima, largueza para discutir; nos responderemos como pudermos e o Governo também, e o paiz ha de ficar esclarecido n'esta questão, que ha tantos dias se anda debatendo.

Sr. Presidente: o Sr. João Pinto dos Santos referiu-se aos telegramraas lidos na outra casa do Parlamento, por um Digno Par. Sabe V. Exa. que esses telegrammas, como muito bem disse o nobre Ministro da Guerra, era nada compromettem o Governo. O telegramma dirigido ao nosso representante em Paris foi redigido em Conselho de Ministros, com o accordo de todos os Ministros.

O Sr. Ministro da. Guerra (Sebastião Telles): - Apoiado.

O Sr. Ministro da Marinha (Moreira Junior): - Apoiado.

O Orador: - Folgo de ouvir os apoiados que me estão dando os Srs. Ministros da Guerra e cia Marinha.

O Sr. João Pinto dos Santos: - Mas o illustre Deputado, dizendo isso, está em completo desaccordo com o Sr. Presidente do Conselho. O Sr. Presidente do Conselho declarou nesta camara que tinha percebido que estava resolvida a questão Reilhac, pelo que dizia o relatorio do Sr. Pequito. Não fez referencia alguma a taes telegrammas.

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O Orador: - O que o Sr. Presidente do Conselho declarou foi que, em virtude não só do que constava do relatorio do Sr. Pequito, mas tambem das informações que tinha recebido, quanto á cotação das obrigações, entendeu que estava liquidada a questão Reilhac. (Riso)

Pergunto ao Sr. João Pinto dos Santos, á camara e ao paiz, se no telegramma dirigido pelo Sr. Presidente do Conselho ao nosso representante em Paris, de accordo com todos os seus collegas no Gabinete, ha uma só palavra referente á questão Reilhac?

É necessario, Sr. Presidente, que todos saibamos ler; é necessario que não venhamos com entrelinhas nem insinuações. O que se pretende é illudir a opinião publica. (Apoiados).

No telegramma enviado pelo Sr. Presidente do Conselho ao nosso representante em Paris, não houve referencia alguma á questão Reilhac. Se a houve, foi na resposta dada de Paris; e o Governo não tem absolutamente nada com isso.

Quer a Camara ouvir o que diz o telegramma enviado pelo Sr. Presidente do Conselho ao nosso representante em Paris?

O telegramma diz o seguinte:

"Ministro de Portugal. - Paris. - Urgente. - Governo precisa conhecer se novas obrigações para conversão das actuaes obrigações tabacos, conservando-se lhe mesma garantia dos tabacos, obterão cotação do Governo Francez. Peço V. Exa. obtenha informações, officiosamente, com reserva. - (a) Presidente do Conselho de Ministros - 9 de janeiro de 1905".

Pergunto: onde se encontra neste telegramma qualquer referencia a Reilhac?

O Sr. Presidente do Conselho disse na Camara que não tinha trocado com o negociador uma unica palavra relativamente a Reilhac, que não tinha havido referencia á questão Reilhac. E onde está essa referencia?

O Sr. Pinto dos Santos: - Já pedi a, palavra e por isso não quero agora interromper V. Exa.

O Orador: - Tenho ouvido nesta discussão empregar a palavra de honra para garantia de affirmações. Devo dizer que tenho todo o respeito pelos membros do Parlamento; mas para mim argumentos de palavra de honra não me servem. E não me servem porque, se qualquer illustre Deputado vier dizer que uma cousa é boa ou má, e acrescentar que dá a sua palavra de honra, fico inhibido de manifestar a minha opinião, sem levantar uma questão pessoal.

O Sr. Queiroz Ribeiro: - O Sr. Presidente do Conselho empregou a palavra de honra.

O Orador: - Dizendo isto, sou insuspeito, quanto é certo que o Sr. Presidente do Conselho tambem se serviu já desse systema. É porque não estou preso á opinião de quem quer que seja.

Se porém o Sr. Presidente do Conselho trouxe tambem esse argumento, foi por ter sido provocado pela opposição. (Apoiados).

Palavras de honra, juramentos pela honestidade e pelo que ha de mais sagrado, não me servem; e, no meu entender, taes argumentos não devem ser empregados no Parlamento. (Muitos apoiados).

A proposito, lembro-me de um lente do meu tempo, creio, que de mathematica, que, pretendendo fazer a demonstração de que havia gerações espontaneas, dizia: "Não sei demonstrar isso, mas dou a minha palavra de honra de que as ha". (Riso).

O Sr. Mario Monteiro: - Sr. Presidente: peço a V. Exa. a palavra para invocarão do artigo 102.° do regimento, e mando para a mesa um requerimento neste sentido.

O Sr. Presidente: - Peço licença ao Sr. Deputado Antonio Cabral para o interromper, mas não posso deixar de faze-lo em virtude do requerimento do Sr. Mario Monteiro invocando o artigo 102.° do regimento.

Lê-se o seguinte

Requerimento

Requeiro a applicacão do artigo 102.° do regimento. = Mario Monteiro.

A pedido de alguns Srs. Deputados lê-se tambem o artigo 102.°, a que o requerimento se refere, e que é o seguinte:

"Artigo 102.° Haverá duas inscripções geraes:

1.ª Para antes da ordem do dia, podendo o Deputado, quando lhe for concedida a palavra, apresentar representações, propostas ou projectos de lei, annunciar interpellações, chamar a attenção do Governo para assumptos de interesse publico, pedir por escripto esclarecimentos ao Governo, que poderá responder por qualquer dos seus membros, ou verbalmente depois de feita a prevenção, nos termos do § unico do artigo 58.°;

2.ª Para tomar parte na discussão da materia dada para ordem do dia.

§ unico. No primeiro caso pedir-se-ha a palavra depois da approvação da acta e leitura do expediente, a convite da Presidencia; no segundo caso, só depois do Presidente declarar que se vae passar á ordem do dia".

Posto á votação o requerimento, fui rejeitado.

O Orador: - A minha justificação está na leitura do proprio artigo invocado, que V. Exa. acaba de fazer á Camara. (Muitos apoiados).

O que se diz no artigo 102.° é que qualquer Deputado antes da ordem do dia poderá tratar de qualquer assumpto de interesse publico geral.

Creio que ninguém duvida de que estou tratando de um negocio de interesse publico geral (Muitos apoiados}; o que me quer parecer, porém, é que a minoria regeneradora não quer ouvir.

O Sr. Mario Monteiro: - Peço a palavra para explicações antes de se encerrar a sessão.

O Orador: - Felizmente que a maioria da minoria regeneradora não approvou o requerimento do illustre Deputado, deixando-o assim numa situação um pouco difficil.

O Sr. Presidente: - Advirto V. Exa. de que requerimentos não se discutem.

O Orador: - Ia eu dizendo que, depois de ler o telegramma dirigido pelo Sr. Presidente do Conselho ao nosso representante em Paris, discordo absolutamente da opinião do Sr. João Pinto dos Santos, porque não vejo que neste telegramma haja alguma referencia a Reilhac (Apoiados), e portanto não pode haver divergencia entre as declarações do Sr. Presidente do Conselho e o que diz esse telegramma.

O Sr. Presidente do Conselho declarou que nenhuma palavra se tinha trocado com os contratadores a respeito de tal questão; o telegramma confirma em absoluto essa declaração. (Apoiados).

Portanto, qual é o crime do Governo?

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SESSÃO N.° 24 DE 1 DE SETEMBRO DE 1905 7

O crime do Governo está em o representante de Portugal em Paris responder o seguinte:

"Presidente Conselho Ministros.- Lisboa. - Concessão cotação novas obrigações depende, alem questão Reilhac, outras circumstancias apresentam, como ser adoptada Regie, ser dada concessão actual companhia ou a outra, envolver operações emprestimo ou não; sem haver conhecimento exacto do arranjo projectado Governo é impossivel obter informações, que, em todo o caso, será difficil alcançar com precisão, visto cotação depender de haver accordo entre Ministro da Fazenda, Ministro dos Negocios Estrangeiros, Camara Syndical, todos tres independentes. = Sousa Rosa. - 10 de janeiro de 1905".

Quer dizer: o nosso Ministro em Paris dizia que não podia informar cousa nenhuma emquanto não soubesse o estado das negociações, os termos em que eram feitas.

O Sr. Pinto dos Santos: - Essa é a resposta particular. Agora a official.

O Orador: - Estes são es documentos pedidos na outra casa do Parlamento pelo Sr. Baracho, que foram enviados a S. Exa., e sobre os quaes se tem architectado a campanha politica.

Já não bastam a V. Exa. para esse effeito?

O illustre Deputado, fazendo as considerações que fez sobre esses telegrammas, reconhece que não foi justo. (Apoiados).

Sussurro.

Cruzam-se ápartes.

Mas pergunto eu: qual é a responsabilidade do Governo na resposta que lhe foi dada pelo nosso Ministro em Paris? (Apoiadas).

Todos sabem que esta questão vem desde 1891, não admirando pois que na resposta vinda de Paris se fizesse referencia ao assumpto. (Apoiados).

Que culpa tem disso o Governo?

Respondam S. Exas.

O que fica demonstrado é que as affirmações do Sr. Presidente do Conselho são exactas. Se porventura o Sr. Presidente do Conselho não tivesse já longa pratica dos debates parlamentares, e não conhecesse bem esse terreno, então se poderia dizer que teria commettido o erro de apresentar esses telegrammas. (Apoiados).

Se não se fizesse para Paris a pergunta que foi feita, decerto os Deputados da opposição haviam então de accusar o Governo de tratar de aima questão desta ordem sem ouvir o nosso representante. (Apoiados).

Não quero tomar mais tempo á Camara, mas ainda direi que não houve demora alguma na remessa dos documentos que foram pedidos.

Logo que a Camara se abriu S. Exa. mandou os telegrammas.

Por conseguinte o Governo não quer occultar nada ao Parlamento.

Tenha o illustre Deputado a certeza de que ella ha de ser esclarecida e tratada e S. Exa. ha de ter tempo para discuti-la.

Mas ao mesmo tempo que isto affirmo, appello tambem para o patriotismo do illustre Deputado, pedindo-lhe que faça com que a questão dos tabacos venha, o mais depressa possivel, á discussão-para bem do paiz. (Apoiados. - Vozes: - Muito bem).

(O orador não reviu).

O Sr. Mario Monteiro: - Não vou referir-me de novo ao incidente que se levantou, porque tendo, ainda ha pouco, invocado o regimento, não iria agora infringi-lo.

Ao Sr. Presidente darei depois as devidas explicações.

O assumpto para que pedi a palavra reputo-o da mais alta gravidade, e para elle chamo a attenção do Governo, no uso do meu direito e, ao mesmo tempo, no cumprimento severo de um dever.

Venho reclamar, fundando-me na lei e com ella na mão, que o Governo, por mais custoso, por mais doloroso que isso seja, e seja para quem for, faça cumprir e respeitar a lei.

Refiro-me á questão do jogo.

Creio que não dou novidade a ninguém dizendo que, actualmente, em Portugal e em todas as localidades onde se acha em maior quantidade representada a nossa sociedade mais importante: Cascaes, Estoril, Cintra, Figueira, Matozinhos, etc., se acha estabelecida a roleta e funcciona o jogo de tavolagem.

Não terei eu a ingenuidade de pretender demonstrar que este facto, não é simplesmente irregular, mas que é tambem criminoso, visto que se acha previsto, punido e reprimido pelo Codigo Penal.

Não me demorarei tambem a demonstrar que o Governo, a este respeito, deve considerar-se, não só responsavel, mas cumplice, no crime que se está praticando.

No consulado regenerador empregaram-se as maiores diligencias para que o jogo fosse prohibido, e, caindo o Governo desse partido, abre-se logo um jubileu pleno.

O Sr. Carlos Ferreira: No tempo do Governo regenerador foi sempre reprimido o jogo com todo o rigor, principalmente na Figueira e no Funchal...

O Orador: - E agora no Estoril foi suspenso por vinte e quatro horas!

O Governo é réu de um crime, e o inconveniente menor deste regime não é decerto o da preversão dos menores, que desde a mais tenra idade se tornam viciosos, como os seus proprios paes.

Quem se preoccupar com o futuro da raça portuguesa ha de ter em vista este aspecto do problema.

Vou ainda encarar a questão de outra maneira: sobre o ponto de vista economico.

Como V. Exa. e a Camara sabem, a maior parte das empresas desta ordem são hespanholas.

Os lucros dessas empresas são fabulosos, e nos, que em Portugal prohibimos a entrada da loteria hespanhola, para que não se desse aquella drenagem de ouro para fora do paiz, vamos agora permittir o jogo em bancas hespanholas.

A banca do Monte Estoril, por exemplo, já mandou para fora de.Portugal muitas dezenas de contos de réis. Imagine V. Exa., por isto, o que será em todo o paiz. Mas o ponto principal - e para elle em particular chamo a attenção de V. Exa. e a da Camara - é que, não havendo no nosso paiz industria, commercio, rendimento de qualquer ordem que não esteja sobrecarregados de impostos, estas casas e empresas não o estão!...

Se o partido progressista entende que do jogo em Portugal adveem grandes vantagens, se isso faz parte do seu programma, então traga ao Parlamento uma proposta de lei para regularizar o jogo, estatuindo que a policia o fiscalize, não permittindo que lá entrem mulheres e crianças, e fazendo com que essas casas paguem o imposto que devem pagar, desde que, como é sabido, ganham fabulosas quantias, de que o Estado podia auferir 1.500:000$000 a 2.000:000?000 réis de imposto. (Apoiados). E acresce a isto que o jogo, no nosso paiz, se encontra com todos os inconvenientes de tal diversão, sem que ao menos haja uma das vantagens, uma sequer das compensações que daqui podem advir, como é o imposto a que já me referi.

Eu sei e espero, pois é costume, que um dos Ministros que se acham presentes, todos talentosos, com ampla ca-

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pacidade para me responderem, me dirá, não triumphantemente - porque nisto não pode haver attitudes de triumpho - que o assumpto de que eu trato é da responsabilidade da pasta do Reino, e que communicará ao titular dessa pasta as considerações que eu acabo de fazer. Mas isso não satisfaz.

O Sr. Presidente: - Previno V. Exa. de que faltam cinco minutos para se entrar na ordem do dia.

O Orador: - Não me satisfaz; essa resposta, porque tenho a convicção de que o Governo procederá assim simples e unicamente para adiar as discussões.

O Sr. Ministro da Guerra, o Sr. Ministro da Marinha e o Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros teem tambem neste caso uma responsabilidade directa (Apoiados), pois não posso admittir que um negocio tão escandalosamente diffundido, que um facto tão escandalosamente generalizado e de tanta e tão escandalosa publicidade, não chegasse ao conhecimento de S. Exas., que são tambem fiscaes da lei e interessados no cumprimento d'ella.

Eu não posso admittir que,ou no Conselho de Ministros, ou por qualquer outra forma, S. Exas. não fizessem ao seu collega do Reino qualquer observação neste sentido.

O Sr. Carlos Ferreira: - No tempo do Governo regenerador tambem só não observavam os preceitos da lei, porque sei que se jogava na Figueira da Foz. (Apoiados).

O Sr. Presidente: - Peço que não interrompam o orador.

O Sr. Carlos Ferreira: - Os ápartes são permittidos.

O Orador: - Mas por parte do Governo regenerador procurava-se cumprir a lei, o que não succede agora. (Apoiados).

É verdade que no Estoril foi o jogo prohibido, mas, creio que por suggestão de alguem, a suspensão durou apenas vinte e quatro horas, abrindo logo as casas de tavolagem as suas bancas.

Não venho com o prurido de pedir o cumprimento da lei, simplesmente porque é justa -embora, como membro dos mais obscuros, que sou, do Parlamento, tenha de prestar homenagem ás disposições legislativas e exigir da parte do Governo o cumprimento d'ellas; não quero fazer oratoria, apontando os inconvenientes terriveis, os effeitos tragicos e perniciosos que resultam do jogo ou que d'elle emergem, nem falar na ruina das familias - quero, sim, chamar a attenção do Governo para um facto que reputo da mais alta gravidade, que é o de permittir se a entrada nas casas de jogo ás mulheres e aos menores.

Que os adultos as frequentem, vá; mas que as frequentem mulheres e crianças, é isso, a meu ver, um crime revoltante. (Apoiados).

O Governo, para manifestar mais uma vez a sua sympathia e amor pelos banqueiros, até protege os banqueiros das casas de batota (Apoiados).

Vou terminar para dar tempo a que algum dos Srs. Ministros me do ao menos uma esperança de que o Governo se vae occupar do assumpto e pôr termo a este estado de cousas, mandando immediatamente fechar pela policia as casas de tavolagem que estão abertas e reprimir e castigar essa affronta á lei.

E para depois, se entender que é conveniente e necessario; trazer á Camara uma proposta de lei no sentido da liberdade do jogo, para que aqui seja discutida e até approvada, se os interesses moraes e financeiros do paiz com isso ganharem. (Vozes: - Muito bem).

(O orador não reviu).

O Sr. Ministro da Guerra (Sebastião Telles): - Pouco tempo tornarei á Camara. O assumpto que o illustre Deputado tratou corre pela pasta do Reino, e eu communicarei ao meu collega as observações de S. Exa., estando certo de que o meu collega aqui virá dar as explicações que S. Exa. deseja.

S. Exa. sabe que os Ministros presentes não podem tratar deste assumpto, e tambem que não está estabelecido que os Ministros se anteponham uns aos outros para tratar assumptos estranhos ás suas pastas. E esta opinião não a tenho eu agora; ainda ha poucos dias eu disse que não me queria antepor ao Sr. Presidente do Conselho.

Era isto só o que teria a dizer ao illustre Deputado, se não fosse uma phrase que S. Exa. pronunciou, e que me faz acrescentar mais algumas palavras.

S. Exa. disse que o Governo tinha tanta sympathia pelos banqueiros que até protegia os banqueiros do jogo. S. Exa. queria referir se naturalmente á questão dos tabacos.

Eu. tenho a dizer que os banqueiros protegidos por este Governo são os mesmos que o partido de S. Exa. protegia, e com certeza os protegia mais porque os lucros desse contrato eram maiores.

Tenho dito. (Vozes: - Muito bem).

(O orador não reviu).

O Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros (Eduardo Villaça): - Pedi a palavra para declarar a V; Exa. e á Camara que o Governo se acha habilitado desde já a responder á nota de interpellação mandada para a mesa pelo illustre parlamentar Sr. Pinto dos Santos.

O Sr. Presidente: - Vae passar-se á ordem do dia. Os Srs. Deputados que tiverem papeis a apresentar podem mandá-los para a mesa.

O Sr. José Simões de Oliveira Martins: - Mando para a mesa os pareceres das commissões de guerra, administração publica, marinha e recrutamento, sobre a proposta de lei n.° 6-B, fixando em 16:900 recrutas o contingente para o exercito, armada, guardas municipaes e fiscal.

Foi a imprimir.

O Sr. José Paulo Monteiro Cancella: - Mando para a mesa uma renovação de iniciativa da proposta que apresentei na sessão do 23 de abril de 190U, sobre o exercicio do direito de caçar.

Ficou para segunda leitura.

O Sr. Joaquim Tello: - Mando para a mesa a seguinte

Participação

Participo a V. Exa. e á Camara que por incommodo de saude tenho faltado a algumas sessões e que ainda serei forçado a faltar a outras. = Joaquim Tello.

Para a secrttaria.

PRIMEIRA PARTE DA ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Vae proceder-se á eleição de um vogal effectivo e outro substituto para a Junta do Credito Publico.

O Sr. Ovidio de Alpoim: - Mando para a mesa um requerimento para ser votado sem prejuizo da primeira parte da ordem do dia.

É o seguinte:

Requerimento

Tendo o Sr. Antonio Cabral feito referencias injustificadas a um pretendido obstruccionismo da commissão de fazenda, requeremos que V. Exa. se digne consultar a Camara se permitte que respondamos a essas arguições, con-

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cedendo-nos a palavra, já por nos pedida, com prejuizo da ordem do dia. = Ovidio de Alpoim = Antonio Centeno = José Augusto Moreira de Almeida = Gaspar de Queiroz Ribeiro.

O Sr. Presidente: - Submetterei o requerimento do Sr. Deputado á votação no momento opportuno. Convido agora os Srs. Deputados a formularem as suas listas.

Corrido o escrutinio, verificou-se terem entrado na uma 57 listas, saindo eleitos os Srs.:

D. Antonio Caetano do Carmo de Noronha, com .... 57 votos
Luiz Eugenio Leitão .... 57 votos

Serviram de escrutinadores os Srs. Augusto de Castro e Francisco Ravasco.

O Sr. Presidente: - Vae votar-se agora o requerimento do Sr. Ovidio de Alpoim.

Posto á votação, foi rejeitado por 56 votos contra 33.

O Sr. Ovidio de Alpoim: - Fique constatado que a maioria manda censurar a commissão de fazenda pela voz do seu leader, e que depois lhe nega a defesa!

O Sr. Visconde da Ribeira Brava: - É melhor dissolver francamente a Camara!

O Sr. Presidente: - Peço ordem.

O Sr. Ovidio de Alpoim: - Peço a palavra para explicações antes de se encerrar a sessão.

O Sr. Pereira dos Santos: - Nos termos do artigo 60.° do regimento, quer dizer, depois de já ter havido uma discussão, mando para a mesa o seguinte

Requerimento

Nos termos do artigo 60.° requeiro que seja interrompida a discussão do projecto em discussão, para se realizar a interpellação do Sr. Cabral Moncada relativamente aos acontecimentos ao sul de Angola, continuando na ordem do dia, até final liquidação, o assumpto desta interpellação. = Pereira dos Santos.

Foi approvado.

O Sr. Mathias Nunes: - Mando para a mesa o parecer sobre o projecto de lei que auctoriza o Governo a admittir no anno lectivo de 1905-1906 como pensionistas do Estado, no Real Collegio Militar, Jorge Cesar Pereira da Moita, filho do fallecido major de artilharia Augusto César Pereira da Motta; e Armando do Valle Pereira Batalha, filho do fallecido capitão de infantaria Alfredo Pereira Batalha, não obstante excederem o máximo da idade fixada no decreto com força de lei de 11 de dezembro de 1851.

Foi a imprimir.

O Sr. Tavares Festas: - Mando para a mesa o seguinte

Requerimento

Requeiro a V. Exa. que se digne consultar a camara sobre se permitte que durante a sessão reuna a commissão de administração publica. = O Deputado, Tavares Festas.

Foi approvado.

SEGUNDA PARTE DA ORDEM DO DIA

(Interpellação do Sr. Moncada ao Sr. Ministro da Marinha)

O Sr. Presidente: - Em vista da votação da Camara sobre o requerimento do Sr. Pereira dos Santos, entra em discussão, substituindo-se á segunda parte da ordem do dia que estava marcada, e continuando n'ella até final, a interpellação annunciada pelo Sr. Cabral Moncada sobre acontecimentos do sul de Angola e procedimento do Governo nessa questão.
Nos termos do regimento vou abrir inscripção especial.

(Pausa).

Estão inscriptos os Srs. Cabral Moncada, Clemente Pinto, Claro da Ricca, Mendes Leal, e Abel Brandão.

O Sr. Mario Monteiro: - Peço a palavra.

O Sr. Sousa Tavares: - Peço a palavra.

O Sr. Cabral Moncada: - Começa por declarar que não compareceu na ultima sessão por se encontrar doente.

Estão decerto todos os que assistiram á sessão de 4 de outubro de 1904 ainda bem lembrados do que nessa sessão se passou, quando o Sr. Ministro da Marinha, que então era o Sr. Gorjão, deu ao Parlamento a noticia do desastre soffrido pelas armas portuguezas no sul de Angola.

Elle, orador, esteve em Africa bastante tempo no desempenho de uma commissao importante de serviço publico, percorreu a região onde o desastre se deu, teve ali convivencia com os nossos officiaes e confessa que não foi sem grande emoção que teve conhecimento d'esse desastre.

Lembra-se bem de ter a maioria regeneradora, que assistia a essa sessão parlamentar, applaudido as palavras do Sr. Ressano Garcia, ao declarar não ser sua intenção fazer politica em tal assumpto; mas tambem é verdade que S. Exa. a seguir arguia de frouxa, confusa, indecisa e duvidosa a declaração do então Ministro da Marinha.

E não era só aquelle illustre Deputado; o mesmo se podia concluir tambem das palavras, talvez menos intensamente expressivas, mas em todo o caso claras, do Sr. Deputado Rodrigues Nogueira, que tendo igualmente dito que ninguém fazia politica nessa questão, S. Exa., a proposito d'esse acontecimento, fez um discurso de rara violencia politica, o que deu logar, uma extraordinaria replica do Ministro da Marinha de então.

No meio de tudo isto porém um ponto havia em que todos estavam de accordo: era sobre a necessidade da occupação immediata e rapida da região dos cuanhamas.

De ha muito que nisso se pensava; já em 1895 tinha sido remettido ao Ministerio da Marinha um plano para effectuar essas occupações, formulado pelo official do exercito Marques da Costa.

Por quacsquer circumstancias esse plano foi posto de parte e, pouco tempo depois, em fins de 1895, um outro governador, Candido da Costa, apresentou tambem um plano, procurando realizar a occupação pacificamente e até querendo estabelecer lá um residente, representante da auctoridade portugueza.

Esse plano tambem não foi por deante, o que até certo ponto não admira, porque bastava-lhe a pecha da occupação pacifica para que elle fosse posto de parte.

Mais tarde houve um outro programma vasto, largo, já moldado era linhas inteiramente modernas, feito por um distincto official de artilharia, que tanto se tem revelado pelas suas qualidades de valor e animo - Mascarenhas Gaivão. Quaesquer circumstancias, porém, obstaram ainda a que esse plano fosse posto em pratica. E, finalmente, em 1901, sendo elle, orador, governador de Angola, encarregou um distincto official, que muito preza e admira pelas suas qualidades, de realizar um estudo politico no sul da provincia de Angola. N'esse estudo, que é um documento que se recommenda pelo seu altissimo valor, falava-se tambem na occupação da região dos Cuanhamas.

Nada porém se fez ainda n'essa epoca, nem depois não obstante já em 1902 estar em vigor a nova organi-

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zação militar, havendo por isso na provincia de Angola elementos em barda para se fazer aquella occupação.

Só em 1903 o Governo, na primeira opportunidade que teve, fez o que devia e podia: organizou uma expedição, pensando em fazer a occupação d'aquella região.

Sem intuitos politicos, não pode todavia elle, orador, subtrahir-se á excepcional influencia da amizade e consideração que o Sr. Ministro da Marinha lhe inspira, mas dirá no entanto que, comparando as duas situações - a regeneradora e a actual - desnecessario julga tirar quaesquer conclusões, porque bem patentes estão ellas aos olhos de todos.

Então havia o desejo de occupação, no singelo intuito de realizar uma vantagem, que devia ser profundamente pratica;. mas não havia a circumstancia de força maior, como é esta de agora; porque os cuanhamas e os cuamatas não nos tinham ainda imposto a tortura de um desastre semelhante áquelle de setembro de 1904, que tanto nos affectou, sobretudo perante o gentio. Este, cuja vista é curta, porque só se interessa pelas circumstancias de momento, só tira uma conclusão: é a de que temos medo, o que, naquellas regiões, é uma circumstancia muito ruim. E d'ella que resultou o estado de excitação, verdadeiramente anormal, em que toda a provincia de Angola se encontra desde então, dizendo-se que Portugal até hoje nada tem feito.

Ora, se antes do desastre ultimamente havido a occupação d'aquella região era uma necessidade, hoje é absolutamente imposta pela excepcional força dos acontecimentos.

Evidentemente, nos não podemos viver no regimen de nos consolarmos com essa cousa platonica, e verdadeiramente inoffensiva, a que se chama - soberania politica.

A soberania politica é inteiramente respeitavel, mas não é para que permaneçamos na situação de soberanos politicos de uma região cujo dominio é desconhecido.

O verdadeiro plano a seguir, tendo um vasto dominio colonial como temos, é a valorização dos mercados, bons para o desenvolvimento da nossa industria, com uma protecção que não convém ser desmarcada, pondo-nos ao mesmo tempo em contacto com aquelles povos e dando-lhes esse contagio da civilização, que é obrigação de todos.

Se continuamos na inercia em que temos jazido, nada fazendo a respeito de colonias, e contentando-nos em apregoar ao mundo a historia do nosso passado e em mostrar a nossa soberania do presente, o que succederá é que, na grande lucta de interesses, outros virão, sendo então difficil impedir a acção que elles queiram exercer.

É necessario tambem que, ao tratar-se da occupação effectiva, se pense em estabelecer naquella região postos militares, que são a garantia dos elementos commerciaes que depois queiram estabelecer-se n'aquella zona; a garantia de tranquillidade dentro da colonia e, ao mesmo tempo, a garantia, já hoje excellente, para o commercio, contra a invasão, pela fronteira sul e este da provincia de Angola, de agentes commerciaes estrangeiros, em luta com o commercio nacional.

Na opinião d'elle, orador, é já demasiadamente demorada a nossa posse platonica n'aquellas regiões. Para exemplo, temos o que a Allemanha ali tem feito desde 1884, e como ella se tem lançado no caminho das tentativas coloniaes.

Comprehende-se que é pelo predominio colonial que as nações hoje preponderam.

Ora, a vizinhança que temos, n'aquellas regiões, parece que deve dar-nos um certo sobresalto; sobretudo no momento em que a Allemanha, empenhada nas suas campanhas com os herreros, os vae batendo; podendo acontecer que estes, aguerridos e armados, acossados pelo sul, venham a entrar no nosso territorio, não tendo nos elementos absolutamente alguns para nos oppormos a essa invasão.

Um tal facto não só poderá causar o desagrado de estranhos, mas poderá ainda ter como consequencia que esses elementos, uma vez entrados no nosso territorio, sejam outros tantos elementos subversivos, que, ligados com os de cá, podem tornar-nos o dia de amanhã num dia de grandes responsabilidades e pesados sacrificios.

Portanto, se se realizar a occupação de toda aquella zona, se, porventura, se estabelecerem os postos militares, necessarios para garantirem a ordem e o desenvolvimento commercial e impedirem a invasão de elementos estrangeiros, nos fazemos, com isso, despesas, é certo, mas devemos lembrar-nos de que - o colher é cousa boa, sem duvida, mas obriga a semear.

No facto dos cuanhamas, uma cousa principalmente o impressionou: foi o de serem tantas as victimas sacrificadas e quasi completo o massacre dos officiaes.

Isto mostra quão tenaz, violenta e corajosa foi a resistencia opposta. Por isso mesmo diz que, se outras considerações não houvesse, se nos não tivéssemos no passado a segurança do presente e a garantia do futuro, esse facto bastava para mostrar como ainda não estavam frouxos aquelles homens verdadeiramente dedicados pelo nome glorioso da nossa pátria; tão dedicados, que evidenciaram a sua dedicação por aquella forma, sendo sacrificados naquelle horrivel morticinio.

No desastre soffrido houve de importante a profanação da nossa auctoridade, o desacato ao nosso prestigio, a aifronta feita á nossa soberania, representada pela nossa força, quer ella fosse commandada por um official superior, quer o fosse por um simples sargento.

O sargento commandante da força não tinha as divisas de general; porventura, porém, o desastre teve por isso menos importancia? Não. Entretanto, o Sr. Ministro da Marinha assim o considera. S. Exa. julga o acontecimento pouco importante, porque foram poucas as victimas. Elle, orador, porém crê não estar em erro julgando que todos lhe darão razão, se disser que preferia que fossem muitas as victimas, que fosse muito maior o desastre, que maiores fossem os sacrificios pessoaes, comtanto que a compensar tão grande desgosto tivéssemos a garantia da nossa soberania e segurança.

A seu ver, o actual estado de coisas naquellas regiões não pode continuar, sendo porém com grande magua que vê o Sr. Ministro da Marinha seguir o mesmo caminho até hoje trilhado, parecendo querer desmanchar assim o que a principio parecia a melhor demonstração do seu criterio intelligente.

S. Exa. julgando necessaria uma desaffronta, entendeu que devia adoptar as medidas necessarias para realizá-la, mas não se pode acreditar e comprehender que, tendo S. Exa. tido o tempo necessario para reunir em torno de si todos os elementos precisos para estudar aquella questão, se lançasse precipitadamente no caminho que seguiu, sem ter feito um estudo profundo, sem se ter aproveitado de todos os elementos e requisitos para resolver o assumpto. Não se comprehende como, posta a questão d'estes termos, começou depois a circular o boato de que a expedição, que se tratava de organizar, ia ser adiada, sine die, decretando-se afinal esse adiamento.

Como se explica isto? Que seriedade é essa? Como se comprehende que num assumpto, que tanto interessa ao prestigio nacional e á economia das nossas colonias, assim se procedesse, pondo de parte a ideia de uma prompta occupação effectiva?

Não se comprehende tal procedimento, num assumpto desta ordem, da parte de quem tem a elevada situação do Sr. Ministro da Marinha.

Neste caso porém, - na opinião d'elle, orador - a responsabilidade não é só de S. Exa. é de todo o Governo, o qual em Conselho de Ministros chegou a tomar uma re-

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solução determinante, passando, porém, depois uma esponja sobre a pedra onde se tinha gizado todo o plano de campanha.

O paiz todo, a imprensa e até a imprensa estrangeira tinham applaudido a resolução tomada pelo Governo, de enviar uma expedição, como sendo uma deliberação justa e patriotica.

Mas, depois de se ter preparado tudo para a campanha, ficar-se inerte, parado indeciso e, depois esmorecer, não e realmente proprio de quem deve inspirar-se sempre no verdadeiro sentimento do brio, que é o unico que pode garantir a integridade do direito do nosso paiz, cá e lá fora.

O Sr. Presidente: - Dou a hora. V. Exa. tem mais 15 minutos para concluir o seu discurso.

O Orador: - Uma das razões que o Sr. Ministro da Marinha allega, como explicativa da demora em enviar a expedição, é a construcção do caminho de ferro do planalto.

Em principio, elle, orador, é absolutamente conforme com a opinião de S. Exa., pelo que respeita á necessidade de se construir o caminho de ferro naquella região. Considerar, porém, esse caminho de ferro como elemento indispensavel para a remessa da expedição, e para garantir o seu exito, por forma alguma se pode admittir.

E absolutamente necessario que o Governo tome sobre este assumpto uma deliberação decisiva; é absolutamente necessario que o Sr. Ministro quebre depressa as suas indecisões; é absolutamente necessario que S. Exa. mande quanto antes elaborar o plano d'essas operações, porque, não sendo assim, continuar-se-ha vendo Angola em constante revolta.

(O discurso será publicado ha integra quando o orador restituir as notas tachygraqhicas).

O Sr. Ministro do Reino (Eduardo José Coelho): - Mando para a mesa duas propostas de lei que teem por fim:

l.ª Melhorar a situação do professorado primario.

2.ª Auctorizar o Governo a contrahir um emprestimo de 1.500:000$000 réis para construcção e conclusão de escolas primarias; conclusão do lyceu central de Lisboa; construcção de mais dois lyceus centraes em Lisboa, e construcção de dois lyceus centraes no Porto.

A 1.ª foi enviada ás commissões de instrucção primaria e do orçamento; a 2.ª ás commissões de instrucção primaria e secundaria, e de fazenda.

Vão publicadas na integra no fim da sessão.

O Sr. Presidente: - A mesa, no uso da auctorização que lhe foi concedida, nomeou para fazerem parte da commissão de estatistica os Srs:

Alfredo Pereira.
Abel da Cunha Abreu Brandão.
Albino Augusto Pacheco.
Antonio Augusto Pires do Lima.
Conde de Carcavellos.
Eduardo Fernandes de Oliveira.
Eusebio David Nunes da Silva.
Francisco Pessanha Vilhegas do Casal.
Gaspar de Abreu de Lima.

O Sr. Ministro da Marinha (Moreira Junior): - Sr. Presidente: o meu illustre amigo Sr. Cabral Moncada, ao fazer as considerações sobre a questão do Cunene, iniciou-as, na realidade, sem pôr a mais insignificante nota politica no debate e sem entrever a questão por um prisma apaixonado; só me penalizou que, ao terminar as suas reflexões, S. Exa. ferisse tanto essa nota politica.

Ouvi com muito prazer a palavra eloquente e apaixonada do illustre Deputado, que entendeu dever apresentar considerações sobre o modo por que julgou conveniente dever ser tratada essa questão, e assim veio mais uma vez revelar os seus conhecimentos em assumptos coloniaes, mostrando o direito que tem de occupar um logar elevado na nossa politica ultramarina, e o conhecimento profundissimo que tem dos negocios complexos, de natureza tão especial, que dizem respeito ao nosso dominio colonial em Africa. (Apoiados).

Ao fazer a contestação das affirmações apresentadas pelo illustre Deputado, hei de manter a mais absoluta serenidade, pela razão singela de que não ha melhor argumentação para destruir a argumentação de S. Exa. do que dizer a verdade.

A argumentação do illustre Deputado baseou-se em dois pontos: no que S. Exa. chamou a incoherencia e a inercia do Governo.

Falou S. Exa. em inercia do Governo, mas ao mesmo tempo foi dada a prova completa e até testemunhal de que o Governo, ao contrario de se deixar ficar inerte, tem mantido uma acção constante no ultramar, que lhe merece sempre, como deve, cuidado particular.

S. Exa. fala de inercia, quando fui eu quem teve a honra de referir á Camara a acção gloriosa das nossas armas sob o commando do distinctissimo e valoroso official Paes Brandão, o acontecimento do Libollo, a proposito do qual, para lhe desvanecer a importancia, se citou, não aquelle, occorrido dias antes, mas o dos Gambos, occorrido dois mezes antes!

S. Exa. fala de inercia, quando, emfim, tem havido provas evidentes de que o prestigio das nossas armas em nada se encontra abatido! (Apoiados).

O incidente á que S. Exa. fez referencia impressionou-me, sim, mas não tem a importancia que o illustre Deputado lhe attribue.

Alem da morte de alguns soldados gentios, occorreu a morte de um sargento, accidente sem duvida nenhuma lamentavel, mas que, repito, não tinha a magnitude da importancia que lhe quizeram dar. Isto mesmo já tive occasião de dizer na camara dos Dignos Pares em replica a um digno membro d'essa casa.

Inercia, Sr. Presidente, a da actual situação politica que procura, com todo o cuidado e reflexão, um desforço, mas um desforço exemplar, preparado com os cuidados que uma tal empresa necessita, de modo que attinjamos o seu fim, colhendo resultados proficuos e duradouros para a soberania portuguesa.

Já o illustre Deputado vê que não ha tal inercia (Apoiados) e que o Governo não merece a accusação que lhe foi dirigida.

Vou agora analysar, a largos traços, o discurso do illustre Deputado, para que a camara aprecie como os factos occorreram e se houve ou não houve da parte do Governo ,a demonstração de que elle se tem orientado patrioticamente neste assumpto.

Com isto, Sr. Presidente, não quero attribuir culpas a ninguem.

Vou expor os factos, com toda a simplicidade, e deixo ao criterio da Camara os corollarios a tirar d'elles. É necessario e indispensavel examinar a situação que se tinha criado, e os phenomenos que se deram.

A herança que eu tive foi deveras pesada. (Apoiados). Ninguem teve culpa d'aquelle desastre; foram os acontecimentos que o determinaram; mas, examinando a questão pelo lado financeiro e de ordem publica, ha muita cousa a notar.

No capitulo da ordem publica, vejo o seguinte: a ordem publica não estava unicamente alterada na região em questão; a agitação estendia-se mais ou menos a uma parte da extensissima provincia de Angola. Não era apenas no pla-

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nalto de Huilla que a agitação se fazia sentir, mas nos districtos de Benguella e Loanda.

No districto de Benguella as caravanas eram continuamente assaltadas; houve varios ataques, entre os quaes o de Cassinga; no districto de Loanda tinhamos o aggravo do Libollo, em que os indigenas, em agosto, nos fizeram um grave insulto; o seu regulo tinha sido preso, porque não tinha querido dar indigenas para a construcção do caminho de ferro de Malange.

Pois elles - foram arrancar o preso ao nosso posto militar.

A 19 de outubro quiz-se dar castigo severo a este insulto, mas não surtiu effeito a tentativa.

A situação de Loanda era esta que eu acabo de indicar.

No Humbe, a situação era de ordem a criar as mais graves suspeitas. A desordem era intensa e extensa, na provincia de Angola!

Ao mesmo tempo, sob o ponto de vista financeiro, era extraordinariamente precaria a situação d'aquella provincia. Ao entrar o actual governador na administração d'ella achou apenas em cofre 1:107$000 réis, encontrando dividas na importancia de 649:000$000 réis.

Deseja S. Exa. uma desaffronta, uma reparação ao desastre do Cunene.

Não ha nenhum de nós, absolutamente nenhum, que não desejo um desforço do revés soffrido, mas o que é necessario é que não vamos precipitadamente sacrificar esse desforço. (Apoiados).

Eu fiz o que devia.

Quando tomei a administração da pasta da Marinha e Ultramar, immediatamente convidei um militar dos mais distinctos, colonial illustre por brilhantes feitos realizados já, competentissimo ainda no campo administrativo (Muitos apoiados}, de que tem dado as mais claras e exuberantes provas; escolhi pois esse militar distincto entre os mais distinctos e, em nome do Governo, lhe offereci o commando da columna desde que elaborasse um plano que pelo Governo fosse acceite.

Tudo dependia, fique isto bem assente, da acceitação d'esse plano.

Elaborado o plano, e tendo-o recebido em 19 de dezembro, apresentei-o em conselho de Ministros.

Devo neste momento acrescentar que, tendo-me esse official manifestado o desejo de que se encommendasse, dias antes de me haver confiado o seu plano, algum material que era necessario, fiz-lhe ver que tinha immensa pena de não o poder satisfazer, mas que nada podia fazer por tudo estar dependente do que em Conselho de Ministros se deliberasse.

Como a Camara vê, eu tinha posto as cousas no seu devido pé. Era necessario que o plano fosse examinado por todo o Governo porque o facto era de tal magnitude, a sua solução de tal importancia, que eu não tinha hombros suficientemente fortes para poder com uma tal responsabilidade.

Mas por que se não fez a expedição?

Havia um ponto de alto valor cujo apuramento era indispensavel fazer: era o do abastecimento do Humbe com 1:100 toneladas de material. Dizia o Sr. Eduardo Costa que era uma condição sine qua non, e que não podendo o Humbe ser abastecido até ao fim de junho com 1:100 toneladas de material, não se podia realizar a campanha. E reclamavam-se 3:000 carregadores, numero muito importante, como a Camara comprehende.

Ora, não sendo possivel abastecer convenientemente a columna expedicionaria com a precisa rapidez, tornava-se indispensavel adiar a sua partida e pôr de parte a execução do plano. Era indispensavel caminhar com patriotismo, sim, mas com prudencia, porque a prudencia não exclue o patriotismo.

É necessario todo o cuidado, tanto mais quanto o problema é difficil de resolver, para não termos de nos metter em caminhos que ás vezes não nos levam á gloria, mas levam ao calvario.

Era indispensavel apurar se podiamos ter tudo prompto e disposto como era mister.

E como todos affirmam, os que se dedicam as questões coloniaes, e todos entendem, que não devemos caminhar neste assumpto senão com extremado cuidado e diligencia, assim se pensou na construcção do cominho do ferro. (Apoiados).

Se tivesse pruridos de erudição, eu diria á Camara que todos aquelles que se dedicam a estudos coloniaes teem concluido que é indispensavel ter a columna bem municiada com todos os elementos indispensaveis para que a expedição triumpho sem hesitação. (Apoiados).

Se tivesse, pruridos de erudição poderia, dizer á Camara de quanta importancia, verdadeiramente capital, são as boas communicações, e qual a importancia que pode ter um caminho de ferro em Africa, como auxiliar de guerra.

Mas não quero, e de resto a Camara, na sua muita illustração, comprehende muito bem o que eu apenas desejo agora indicar como de primacial influencia na questão que estamos debatendo. (Apoiados).

Sendo, como já referi, tão importante o material, eu infelizmente não tinha os meios de transporte que elle reclamava. Seria difficil poder dispor de mais de 4:000 bois, o que correspondia a 100 carros boers de 400 toneladas.

Luctar-se-hia, aicda, com a falta de carregadores, por isso que na provincia não se podiam obter sem grave sacrificio os 3:000 auxiliares indispensaveis, mesmo na hypothese - que se não podia realizar - de haver animaes bastantes para os carros de quatro e duas rodas que eram precisos.

A Inglaterra em campanha - se me não falha a memoria - para transpor 50 kilometros necessitou de 1:600 homens.

Mas, mesmo que as outras dificuldades se aplanassem, como seria possivel arranjar 3:000 carregadores?

Tenho aqui um telegramma do illustre governador do Angola, de 23 dezembro, que me confirma claramente a dificuldade a que me refiro.

Se explico este ponto com a largueza com que o estou fazendo, é porque entendo que elle é o ponto principal das campanhas africanas. (Apoiados).

Desculpe-me a camara o fazê-lo, por ser um pouco fastidioso.

Se por um lado nós temos todas estas dificuldades e até impossibilidades, poderemos, por outro, accusar alguem com justiça?

Mas, visto que se tinha dado o desastre, qual era o dever do Governo?

Preparar tudo, rigorosamente, sem espalhafato, tanto pelo que respeita á organização da expedição militar, quer pelo respeita ao lado politico, seguindo uma politica habil e persistente, para podermos alcançar uma desforra eficaz.

Então, o que queriam que o Governo fizesse?

Debaixo das mais apaixonadas criticas e das mas asperas censuras, ha de reconhecer-se que a razão está d'este lado. (Apoiados).

Nós tinhamos uma nação que neste capitulo tem sido para nós do mais extraordinario ensinamento, tinhamos uma nação que nos estava, pelo seu exemplo, a demonstrar que tivessemos cuidado com aquella raça que iamos combater, porque grandes eram as difficuldades com que estava luctando, difficuldades de que se ha de sair vencecedora, porque os seus soldados são extraordinariamente valorosos, o que a não impede a essa aguerrida Allemanha de ser prudente e de se fazer apetrechar rigorosamente.

Preparar com cuidado e a perfeição possivel o desforço

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que todos queremos ver realizado, foi o que eu fiz, e agradeço até aos illustres Deputados que levantaram este incidente o darem-me ensejo de dizer á camara e ao paiz quaes foram os factos.

Menos patriotico eu, menos acalorado nesse são sentimento?

Eu tenho a convicção inteira de que ninguem o tem superior a mim: E se adiei uma campanha, era a vez primeira que tal succedia?

Esquecem aquelles que temiam que o prestigio do nosso exercito estivesse abatido, a gloria do Libollo, que veio dar o desmentido mais completo do que elles affirmavam? (Apoiados).

Bastavam os casos de Macanga e do Bouga para que sejam multiplicadas as vezes em que tivemos insuccessos e só annos depois tivemos a victoria.

E nem agora nem então houve desprestigio - palavra mal soante - no nosso exercito! (Muitos apoiados}.

O Sr. Presidente: - Como estão inscriptos varios Srs. Deputados que pediram a palavra para explicações antes de se encerrar a sessão e a hora vae já bastante
adeantada, eu peço a V. Exa. para dar por findas as suas considerações e proseguir nellas na sessão de amanhã.

O Orador: - Perfeitamente.

(O orador não reviu).

O Sr. Presidente: - Fica V. Exa. com a palavra reservada.

Vou agora consultar a Camara sobre se, dentro da hora regimental, devo dar a palavra a alguns Srs. Deputados que se inscreveram para explicações.

Consultada a Camara resolve affirmativamente.

O Sr. Mario Monteiro (para explicações): - Pedi a palavra para explicações na occasião em que o illustre Deputado e leader da maioria Sr. Antonio Cabral disse que eu com o requerimento que apresentei, e em que invocava o regimento, denunciara que era proposito da opposição regeneradora tolher a S. Exa. ou aos seus correligionarios as explicações que estavam dando, mostrando assim parcialidade e porventura ligação com os dissidentes da situação progresssista.

Pedi pois a palavra para deixar bem accentuado que o acto que pratiquei foi unicamente da minha iniciativa.

nvoquei o regimento por entender que era opportuna a sua invocação, e devo acrescentar que o illustre leader da minoria regeneradora e meu querido amigo Sr. Pereira dos Santos me veio pedir para desistir d'essa invocação.

Certamente que, se eu entendesse que com esse facto lhe era desagradavel, não teria pedido a palavra na altura em que o fiz, mas tambem me pareceu que ficaria mal collocado desistindo da palavra, e por esse motivo não accedi aos seus desejos.

Parece-me pois que o illustre leader da maioria nenhuma razão tinha para a allusão que fez, muito mais depois da votação do requerimento lhe ter demonstrado que os meus amigos me deixaram só e o rejeitaram, o que não me causou o menor pesar, porque estava e estou ainda convencido de ter a razão do meu lado.

Ainda ha poucos dias, numa das ultimas sessões, quando o meu amigo e illustre Deputado Sr. Mendes Leal fazia uma ligeira referencia ao contrato dos tabacos, discutindo uma proposta da Guerra, immediatamentc o Sr. Presidente o advertiu de que o chamaria á questão.

Foi inspirado no principio da manutenção do regimento e no respeito que deve haver pela lei organica d'esta casa do Parlamento que eu fiz o meu requerimento.

A interpellação era dirigida ao Sr. Ministro da Fazenda e ao Sr. Presidente do Conselho. Já por parte do Governo tinha falado o Sr. Ministro da Guerra, dizendo que não se alongava em considerações, por entender que a interpellação não lhe era dirigida.

Portanto, era opportuna a invocação do regimento. Era necessario aguardar a comparencia do Sr. Presidente do Conselho e do Sr. Ministro da Fazenda, nesta casa, para se apresentarem as explicações.

Devo dizer a V. Exa. e á Camara que não me pareceu legal nem justa a discussão por parte do Sr. Antonio Cabral de uma interpellação que pouco antes tinha sido apresentada, e que era dirigida aos Srs. Presidente do Conselho e Ministro da Fazenda.

Como Deputado tenho por dever fiscalizar o regimento.

Aqui está, Sr. Presidente, explicada a razão por que invoquei o regimento.

(O orador não reviu).

O Sr. Presidente: - Devo dar uma explicação ao illustre Deputado.

Quando, muito a meu pesar, numa das sessões passadas chamei o illustre Deputado Sr. Mendes Leal á questão, estava se na ordem do dia. Hoje não o podia fazer ao Sr. Antonio Cabral, porque S. Exa. falava antes da ordem do dia. (Apoiados).

O Sr. João Pinto dos Santos: - Sr. Presidente: acêrca do facto occorrido com o Sr. Mario Monteiro, permitta-me V. Exa. que lhe diga que, quando se annuncia uma interpellação, o Deputado que se segue no uso da palavra não pode immediatamente discutir o assumpto d'essa interpellação. Quando estiver presente o Ministro a quem essa interpellação é dirigida, então é que o Sr. Presidente a pode pôr em discussão.

Portanto, o Sr. Mario Monteiro interpretando assim o regimento, interpretou-o muito bem. (Apoiados).

O meu amigo o Sr. Antonio Cabral, vendo a situação em que estava o Governo, achou indispensavel dizer alguma cousa a proposito dos telegrammas e deu uma explicação na verdade muito habil.

Eu hei de discutir esse caso dos telegrammas e terei occasião de mostrar que esses telegrammas são a contradicção mais completa das affirmações do Sr. José Luciano.

Permittiu-se o Sr. Antonio Cabral fazer considerações sobre o procedimento da commissão, e accusou-a até de fazer obstruccionismo.

Essa commissão, depois do adiamento, foi só convocada uma vez. A sessão reuniu ás 9 horas e meia da noite a trabalhou até a 1 hora da manhã. Não havia actas da commissão e foi preciso fazer essas actas.

Disse S. Exa. que as actas da commissão eram de pouca importancia, - cousa insignificante.

Não é assim. (Apoiados). Ellas representavam o cumprimento da lei e teem uma importancia decisiva, sobretudo neste momento.

Eu não tinha que invocar o testemunho do Sr. Presidente; quando affirmar uma cousa, e alguem me diga que tem a certeza, do contrario, não tenho mais uma palavra a acrescentar, pois a questão não será para tratar aqui. Direi ainda que a maioria da commissão de fazenda evitou que se fizessem convocatorias com menos de vinte e quatro horas de antecedencia, e o plano de convocatorias á ultima hora tinha em mira fazer com que por falta de tempo a maioria da commissão de fazenda ficasse convertida em minoria.

Venho justificar a commissão da accusação de fazer obstruccionismo! Pois o Governo perdeu tres mezes com o adiamento das Côrtes e agora accusa a commissão de fazenda porque ella gastou um dia cumprindo o seu dever, exigido pela lei? E note-se que a Camara abriu no dia 16 do corrente e a commissão só foi convocada no dia 25. De quem é então o obstruccionismo?

Depois resolveu-se primeiramente convocar outra sessão para o dia seguinte. Ora, tendo uma importancia decisiva

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as reuniões da commissão de fazenda, é necessario que todos compareçam, porque do contrario aquelles que num dia estão em maioria podem noutro dia achar-se em minoria. Portanto, as convocatorias devem ser feitas com 24 horas pelo menos de antecedencia.

Havia ainda outra razão. É que, tendo a commissão começado às 9 horas e meia da noite, funccionou até a 1 hora.

Para o outro dia estava convocada a commissão do orçamento, de que tambem faço parte, e que devia reunir á 1 hora.

Evidentemente, temos todos de nos sacrificar pela patria, mas temos tambem outros interesses. Tenho de ganhar a minha vida, como advogado que sou, e tenho de fazer o meu serviço de chefe de repartição. Eis a razão porque a commissão reuniu apenas uma vez.

E a commissão de fazenda accusada de obstruccionismo, quando o Governo perdeu tres meses com o adiamento das Côrtes!

A maioria tem de discutir com a minoria, e esta tem de acceitar as resoluções da maioria. Mas a minoria, sem discutir, fez já a declaração de que estava em opposição comnosco. E não quer discutir mais nada!

Primeiro discute se e depois é que se vota. E o que sempre se fez. (Apoiados).

Para se rejeitar um contrato deve-se primeiro discuti-lo, examiná-lo, isto é: apresentar as nossas razões, ainda que tenhamos já opinião formada sobre o assumpto.

Já vê, portanto, V. Exa. que a commissão de fazenda não pode ter as responsabilidades que lhe attribuem. Ella quer a discussão do contrato dos tabacos com a maior rapidez possivel, mas quer elaborar os seus relatorios, porque isto não é uma questão que se faça sobrepticiamente; ha de ser discutida ampla e largamente.

Não costumo empregar a minha palavra de honra, porque não permitto que alguem ponha em duvida as minhas affirmações.

Se alguem me desmentisse, offendia-me e eu como homem de bem, que me prezo de ser, saberia levantar a affronta.

Tenho dito. (Vozes: - Muito bem).

(O orador não reviu).

O Sr. Antonio Cabral: - Eu vou ser o mais breve possivel, porque a hora vae adeantada e a Camara decerto se encontra fatigada.

Permitta-me V. Exa. que eu em primeiro logar me refira ao Sr. Mario Monteiro.

Eu podia estranhar que S. Exa. no meio do meu discurso, pedisse a palavra para invocar o regimento, mas não o fiz, apesar d'isto não ser costume nesta casa do Parlamento - e esperei que a Camara deliberasse sobre o requerimento que o illustre Deputado mandou para a mesa. A Camara deliberou contra, e eu continuei na minha exposição.

Mas, permitta-me S. Exa. que eu diga - e nisto respondo tambem ao Sr. João Pinto dos Santos - que, antes da ordem do dia, pelo artigo 60.°, é permittido a qualquer Deputado tratar de todo e qualquer assumpto de ordem ou de interesse publico.

Se o Sr. Pinto dos Santos se tivesse limitado a mandar para a mesa a nota de interpellação acêrca dos telegrammas trocados entre o Sr. Presidente do Conselho e o nosso representante, em Paris, eu não teria dito uma palavra sobre este assumpto.

Mas S. Exa. não fez só isso: mandou para a mesa a nota de interpellação referida e fez, sobre ella, considerações mais ou menos largas, que a Camara toda ouviu. (Apoiados).

Ora, sendo o proposito de S. Exa. deixar o Governo mal collocado, qual era o meu dever, desde que occupo este logar, que o Governo entendeu que eu devia occupar?
Era responder, não á interpellação, porque essa a seu tempo se discutirá, - e ou, não sendo Ministro não respondo a interpellações - mas, unicamente, ás considerações que S. Exa. fez sobre a situação politica do Governo. (Muitos apoiados).

Eu já sou um pouco antigo nesta casa do Parlamento, e sempre tenho visto, como boa tactica parlamentar, quando um Deputado, d'este ou d'aquelle lado da Camara, se segue a outro no uso da palavra, referir-se elle ao assumpto tratado pelo orador antecedente, e tirar d'elle quaesquer argumentos que lhe sirvam para a sua ordem de considerações; e creio que o Sr. Pinto dos Santos, que é um parlamentar muito mais antigo do que eu, tem, por varias vezes, seguido esta tactica.

Eu já tenho ouvido, por varias vezes, S. Exa. tirar o effeito devido das palavras que outro orador acabou de proferir e fazer considerações que S. Exa. estava longe de fazer, porque não era esse o assumpto para que tinha, pedido a palavra.

Portanto, é boa tactica parlamentar tirar das palavras do orador antecedente os argumentos precisos para as considerações que se querem fazer. E já uma especie de tradição parlamentar.

Disse o Sr. João Pinto dos Santos que eu não o devia fazer. A isso respondo, e respondo tambem ao Sr. Mario Monteiro, repetindo:

Se o Sr. Pinto dos Santos se tivesse limitado a mandar simplesmente a sua nota de interpellação, eu não tinha dito uma palavra a esse respeito, mas desde que S. Exa. sobre essa nota de interpellação bordou considerações que eu entendo aggravantes para o Governo, menos justas e injustificadas, era obrigação de um Deputado que apoia o Governo defender esse Governo.

Onde está aqui a irregularidade que eu pratiquei? Onde está, Sr. Presidente, no regimento, disposição que mo prohiba, e mesmo no caso em que eu quizesse referir-me á nota de interpellação e bordar sobre ella as considerações que entendesse, que é uma questão de interesse publico, de interesse geral? (Apoiados).

S. Exa. era incapaz de mandar para a mesa uma interpellação que não fosse de interesse geral. Ora, desde que o regimento antes da ordem do dia me permitte fazer considerações sobre assumptos de interesse publico e de interesse geral, eu estava no meu direito de as fazer. (Apoiados).

Eu disse ha pouco á Camara, com aquella sinceridade com que sempre costumo proceder, que ninguem se levantava para falar com o coração mais alanceado de dor, com a alma mais perturbada e com o espirito mais esmagado pelos acontecimentos, do que eu. Disse tambem que a razão disso estava em que, se de um lado tinha amigos que prezava e a quem queria como irmãos, tinha de outro lado um dever a cumprir: seguir na esteira do Governo, acompanhá-lo, defendê-lo, sobretudo de accusações injustas e pôr ao lado d'este e do paiz não só a minha palavra, mas tambem o meu voto e o que mais vale, por que representa a minha vida, o meu sangue e os meus nervos.

Nas considerações que apresentei, levei a consideração até ao ponto de, no fim, dizer que tinha chegado ahi sem proferir uma palavra que magoasse, que beliscasse sequer de longe qualquer pessoa, e ainda acrescentei que se porventura ainda assim tivesse proferido essa palavra, tivessem todos essa palavra como retirada porque na minha intenção não estava proferi-la.

Estranhei portanto que o Sr. João Pinto dos Santos viesse dizer que eu tinha lançado suspeições sobre a commissão de fazenda, accusando-a de fazer, obstruccionismo.

Não é isso exacto. O que eu disse foi que precisamente a illustre maioria da commissão de fazenda estava sendo

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tida, lá fora, como obstruccionista, o que é muito diverso.

Digo mais: se tivesse proferido alguma palavra com intuito de offender, não havia ninguem que ma fizesse retirar. Defendo-me em toda a parte e por todas as formas.

O que não posso consentir que se diga é que eu accusei de obstruccionismo a maioria da commissão de fazenda. O que eu disse foi que o procedimento da maioria da commissão de fazenda, neste assumpto está sendo considerada lá fora como obstruccionismo.

Não parece, pois, que isto possa ser considerado como offensa.

Qual é o interesse de todos nós, a começar pelo Sr. João Pinto dos Santos, que mandou para a mesa a sua nota de interpellação, para a qual requereu toda a urgencia? É discussão immediata da interpellação para que se liquide este incidente e se discuta a questão dos tabacos, a bem do paiz.

Qual o meio de fazermos luz sobre o assumpto? É a commissão de fazenda dar o seu parecer o mais rapidamente possivel, para então se discutir tudo.

O que eu desejo é que esta questão venha á Camara o mais brevemente possivel.

Então ahi terá o Sr. João Pinto dos Santos uma explicação completa da questão Reilhac e de tudo que se teu inventado nesta questão.

Na especulação do escandalo supposto, quer-se insinuar que o paiz está alvoroçado com a questão, que foi já chamada, não financeira ou economica, mas sim moral.

Mas o paiz não se manifesta nem por comicios, nem por tumultos; o paiz está sereno e tranquillo ao lado do Governo, esperando o conhecimento profundo da questão.

Dir-se-ia que o verdadeiro e unico interessado em discutir - é o Governo.

Folguei ha pouco de ouvir o nobre Ministro dos Negocios Estrangeiros declarar que o Governo se achava habilitado a responder á interpellação do Sr. João Pinto dos Santos. Applaudo por isso o Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros e applaudo o Governo; declaro em nome da maioria que ella rejubila com a declaração do nobre Ministro dos Negocios Estrangeiros. (Apoiados).

O Sr. João Pinto dos Santos ha de ouvir a resposta e as razões de alguns outros oradores, se porventura a interpellação se generalizar. Então saberá que não houve contradicção entre as declarações do nobre Presidente do Conselho e o que se encontra nos telegrammas, porque o Governo não tem culpa do que o representante de Portugal em Paris, o Sr. Sousa Rosa, escreveu. O Governo cumpriu o seu dever, procurando saber o caminho que tinha a tomar. (Apoiados).

Não fez mais do que procurar esclarecer-se. (Vozes: - Muito bem).

(O orador não reviu).

O Sr. Ovidio de Alpoim: - Não me vou referir ás considerações feitas pelo Sr. Antonio Cabral, acêrca da da interpellação annunciada pelos Srs. João Pinto dos Santos e Gaspar de Queiroz Ribeiro.

Quero apenas repellir algumas das palavras, do Sr. Antonio Cabral.

Disse S. Exa. que se não trata de uma questão financeira. Effectivamente nunca foi mais apropriada a phrase.

Não se trata de uma questão financeira ou administrativa; trata-se de uma questão moral que interessa todo o paiz, que a ella não está indifferente, e que passou tambem as fronteiras. (Apoiados).

Trata-se de uma questão moral que interessa todo o paiz, e a respeito da qual elle está numa grande anciedade, não podendo conservar-se indifferente, porque pesa sobre elle uma ominosa operação financeira.

As palavras são o que são, porque representam os factos.

Se alguem fez obstruccionismo, não foi a commissão de fazenda.

O illustre Deputado Sr. Antonio Cabral estranhou que tivesse havido um intervallo de vinte e quatro horas e affirmou que o nosso procedimento, tanto lá fora como dentro do Parlamento, está sendo considerado como obstruccionismo,

É contra esta asserção, Sr. Presidente, que eu me insurjo.

É injusta esta accusação de S. Exa. e a prova é que quem tem impedido que os trabalhos prosigam tem sido o Governo. (Apoiados).

Na ultima sessão, estando presente o Sr. Ministro da Fazenda, foi-lhe perguntado por alguns membros da commissão de fazenda se havia mais alguns documentos respeitantes á questão dos tabacos, alem d'aquelles, que foram enviados á Camara. Pois o Sr. Espregueira declarou que só no dia seguinte é que daria a resposta!

Vozes: - Ouçam, ouçam.

O Orador: - Pergunto a S. Exa. quem é que faz obstruccionismo? (Apoiados}. O que estava mencionado na acta não era a opinião da commissão de fazenda; nós seriamos verdadeiramente estupidos se assignassemos essa acta!

Obstrucionismo, por que? Por pedirmos documentos que nos sonegaram e que nós tinhamos o direito de conhecer? (Apoiados).

É necessario tambem esclarecer a consciencia e a intelligencia do paiz. (Apoiados).

O Sr. Ministro da Fazenda sonegou-nos os esclarecimentos que pediamos; veio para a commissão de fazenda dormir; e interrogado sobre um negocio importante, acorda para dizer que adia, para o dia seguinte, a resposta!

Então, quem faz obstruccionismo? Somos nós ou é o Governo?

Foi para isto que pediu a palavra: para mostrar que a maioria d'esta Camara procedeu de maneira diversa do que devia proceder; e tambem para mostrar que o assumpto merecia explicações, porque as merecem os interesses do paiz, o bem da patria. (Apoiados).

(O orador não reviu).

O Sr. Presidente: - Chamo a attenção da Camara. Ha ainda seis Srs. Deputados inscriptos. A hora já deu e eu não posso, portanto, dar a palavra a S. Exas. sem nova consulta á Camara.

Consultada, resolveu-se que fosse concedida o palavra.

O Sr. Antonio Centeno: - Sr. Presidente: eu não agradeço á Camara o deixar-me falar nesta occasião, pois sei perfeitamente bem que o fez por attenção ao leader, o Sr. Antonio Cabral.

Uma voz: - Apoiado.

O Orador: - Agradeço o apoiado.

Em todo o caso, se não agradeço, como aproveito esse favor, não posso deixar de me confessar reconhecido.

Sr. Presidente: eu seguirei passo a passo aquillo que o meu amigo o Sr. Antonio Cabral disse em resposta ao Sr. João Pinto dos Santos.

0 Sr. João Pinto dos Santos mandou para a mesa uma nota de interpellação, S. Exa. acompanhou-a de quaesquer considerações que não tive o gosto de ouvir, porque ainda não tinha entrado na Camara; em seguida o Sr. Antonio Cabral, como disse, por boa tactica parlamentar, e para tirar effeitos, referiu-se, falando depois do Sr. João Pinto dos Santos, á doutrina apresentada por S. Exa. nas considerações com que acompanhou a nota de interpellação.

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Estava no seu direito, mas no que não estava no seu direito, em que o seu procedimento não foi harmonico com as boas praxes d'esta casa, foi em S. Exa. trazer para a discussão quem não estava em discussão, e não ha duvida de que na nota de interpellação não era chamada a commissão de fazenda, que não tinha nada com essa nota. (Apoiados).

Que S. Exa. dissesse que nós faziamos obstruccionismo, o que S. Exa. disse que não disse, ou que se tornava echo do que se dizia lá fora, vem a dar na mesma. Do que não ha duvida é de que sobre nos cae a accusação de fazermos obstruccionismo na commissão de fazenda. Ora eu devo dizer que, se pedi a palavra nessa occasião, e se mais tarde, a pedi para explicações, não foi para me defender da accusação de obstruccionismo, porque eu considero este contrato de tal maneira lesivo aos interesses do paiz, que todos os meios de o combater seriam bem applicados. Mas devo dizer a V. Exa. que eu pedi a palavra para explicações, primeiro porque a commissão de fazenda não estava na questão, segundo porque o Sr. Antonio Cabral, fazendo essa accusação, fazia uma accusação fundamentalmente inexacta. (Apoiados).

A commissão de fazenda reuniu oito ou dez dias depois de aberto o Parlamento, apresentando-lhe o Governo na primeira sessão um contrato com as emendas já feitas.

Pediu-se para se lerem as actas: - não havia nenhuma, não se tinham feito. Ora V. Exa. comprehende que seria preciso que nós fossemos, não só, como disse o meu amigo o Sr. Ovidio de Alpoim, perfeitamente estupidos, mas peor do que isso, pouco escrupulosos, se deixassemos, depois da controversia que tem havido aqui e na imprensa acêrca do que nessa commissão se passou, firmar com o nosso nome essas actas, tomando a responsabilidade inteira do que ali se tem dado.

Se a commissão não fez outro serviço senão actas, a culpa não é nossa.

Nós não fazemos accusações a ninguem, mas tambem não admittimos que se lancem sobre nós responsabilidades que não temos. Nenhum de nós era secretario; o secretario d'essa commissão ouve-me, e S. Exa. sabe que não pode irrogar-se-nos censura. Limitámo-nos a fazer o pedido e não tivemos para S. Exa. nem uma palavra que, de leve, o pudesse melindrar.

Depois d'isto sermos nós accusados de culpados é que não pode ser, e é contra isso que eu protesto.

Portanto a accusação era inexacta, e fomos chamados aqui sem motivo e sem razão.

Mas esta questão cada vez se complica mais!

E assim que o Sr. Antonio Cabral, não desejando entrar propriamente na discussão, já nos veio dar uma outra novidade acêrca dos telegrammas Reilhac, pois nos disse que é Governo não tem responsabilidade nenhuma n'aquillo que o Ministro de Portugal em França diz ou faz na questão Reilhac.

O Sr. Antonio Cabral: - O que eu disse foi que o Governo não podia ser responsavel da resposta que lhe foi dada pelo nosso Ministro em Paris.

O Orador: - O que eu vejo é que S. Exa. está fazendo uma approximação de phrases muito curiosa.

E já que me referi a este ponto, vou perguntar ao Sr Ministro dos Negocios Estrangeiros se não ha outro telegramma depois d'aquelles que o Parlamento conhece?

O Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros (Eduardo Villaça): - Eu rogava ao illustre Deputado que precisasse a sua pergunta para lhe poder responder.

O Orador: - O Sr. Antonio Cabral disse que não tinhaa havido contradicção entre as palavras aqui proferidas e repetidas pelo Sr. Presidente do Conselho e pelo Sr. Ministro da Fazenda e o telegramma apresentado no qual eterminadamente se fala da questão Reilhac.

Ou o Governo não respondeu a este telegramma e então achou bem que elle tratasse este assumpto, ou o Governo, se é da opinião do Sr. Ministro da Fazenda, disse que nunca consentiria que se falasse neste assumpto.

Pergunto ao Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros: ha mais algum telegramma sobre este assumpto, que ha de ter tido seguimento?

O Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros (Eduardo Villaça): - Sobre esse assumpto, no Ministerio dos Negocios Estrangeiros não ha telegramma algum.

O Orador: - E nos outros ?

O Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros (Eduardo Villaça): - Nos outros, não sei.

O telegramma que o Sr. Presidente do Conselho expeliu ao Sr. Sousa Rosa creio que foi escripto no final de um Conselho de Ministros e com o conhecimento de todos os membros do Governo.

O illustre Deputado comprehende que não é possivel recordar-me de minudencias de factos que succederam já ia bastante tempo.

A impressão que tenho é que num Conselho de Ministros se falou era mandar esse telegramma, e que elle foi escripto no final d'esse conselho. Não sei mais nada a tal espeito.

O Sr. Martins de Carvalho: - E de cá para lá expediu-se mais algum telegramma?

O Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros (Eduardo Villaça): - Pelo Ministerio dos Negocios Estrangeiros não foi expedido telegramma algum.

(O orador não reviu estas informações}.

O Orador: - Sr. Presidente: vou terminar as minhas considerações. Mas antes d'isso não posso deixar de dizer que, ou não houve mais algum telegramma, e portanto o Governo conformou-se com a resposta do Sr. Sousa Rosa, e então não pode argumentar como argumentou o Sr. Antonio Cabral, ou houve mais e o Governo pretende sonegá-los ao Parlamento.

Razão tive quando perguntei se os documentos mandados á commissão de fazenda eram todos ou havia mais algum!

O Sr. Ministro respondeu que isso ficava para outra sessão.

Eu quero levantar por completo a accusação de que alguem podia ter feito obstruccionismo na commissão de fazenda.

Queria-se a reunião da commissão para hoje á 1 hora da tarde e nós desejámos que fosse de noite, para se ter tempo.

Não ha pois razão para nos accusar de obstruccionismo.

Tenho dito. (Vozes: - Muito bem).

(O orador não reviu).

O Sr. Moreira de Almeida: - Nesta altura da sessão poucas palavras tenho a juntar ás considerações já feitas.

Quanto as accusações do Sr. Antonio Cabral eram injustas, já os meus collegas Srs. João Pinto dos Santos, Ovidio Alpoim e Antonio Centeno o mostraram á Camara, justificando o seu procedimento.

Ainda restará á Camara alguma duvida depois do que S. Exas. disseram, de que a commissão de fazenda não quiz fazer obstruccionismo?

A commissão de fazenda quer estudar todos os documentos que exigir, como é seu direito.

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SESSÃO N.° 24 DE 1 DE SETEMBRO DE 1905 17

A commissão de fazenda não pode ser chancella dos Srs. Ministros. (Apoiados}.

Ha de estudar a questão até onde seja necessario. Provou-se agora que os documentos não foram todos enviados.

Pergunto: com que direito se negam, se não patenteiam á commissão documentos que podem ser enviados a um Digno Par quando os requisita - documentos que são fundamentaes? (Apoiados). Não acho razão alguma em se censurar a commissão por ter posto todo o cuidado na redacção das actas. (Apoiados).

Exigir que essas actas sejam elaboradas com todo o rigor é cumprir a lei, porque o paiz precisa conhecer o que se passou na commissão de fazenda. (Apoiados).

Essas actas precisam ser a historia completa dos factos que se teem passado e dos acontecimentos que com elles se ligam.

Foi isso que fez a commissão de fazenda. (Apoiados).

Disse ha pouco o Sr. João Pinto dos Santos que na ultima sessão da commissão de fazenda perguntou ao Sr. Ministro da Fazenda se os documentos estavam todos, e qual era a sua opinião, sobre a questão dos operarios. E que o Sr. Ministro pediu quarenta e oito horas de espera. Portanto a accusação de obstruccionismo devolvo-a por completo ao Ministro da Corôa que não facultou á commissão os documentos e não sabe qual a opinião do Governo sobre essa questão. (Muitos apoiados).

Portanto o Sr. Ministro da Fazenda ficou de ponto para responder á perguntas que lhe foram feitas. (Apoiados).

É elle o reu da accusação de obstruccionismo feita á commissão de fazenda, porque precisa de quarenta e oito horas para dizer se os documentos estão ou não completos, se os telegrammas enviados a um Digno Par são os unicos, o que não parece. (Apoiados).

O Governo não enviou á commissão os documentos completos e necessarios.

É preciso que todos os Srs. Deputados que fazem parte da commissão, digam as razões da sua discordancia, porque essas razões teem de ficar documentadas. (Apoiados).

É preciso que os Deputados que se sentam naquellas cadeiras não approvem contratos unicamente por disciplina; é necessario que saibam o que fazem.

O paiz é indifferente?

Mas eu não conheço questão que tanto interesse o paiz, como esta. (Muitos apoiados).

Eu espero que os documentos venham, mas o meu desejo é que venham o mais rapidamente possivel. (Apoiados).

(O orador não reviu).

O Sr. Queiroz Ribeiro: - Tudo quanto eu tinha a dizer está dito. Se eu falasse fazia obstrucionismo - e por isso não falo.

O Sr. Pereira dos Santos: - Muito pouco direi. Pedi a palavra desde que um illustre membro da minoria regeneradora fez um requerimento, em que pedia a invocação do regimento.

Discordei de S. Exa., não porque achasse injustificadas as razões que levaram o Sr. Mario Monteiro a fazê lo, mas porque me honro de pertencer a um partido que se preza de, sendo opposição, ser opposição do Governo que, quando estabelece, quando indica uma recta, uma norma, a segue inalteravel.

Ora eu disse que a maioria regeneradora tem demonstrado que é perfeitamente neutral na dissidencia entre o Governo e os illustres Deputados que compõem a maioria da illustre commissão de fazenda.

Se eu approvasse o requerimento em questão, poder-se-hia suspeitar que me queria metter na questão, ou que queria restringir a palavra ao Sr. Antonio Cabral, ou emfim que queria tomar o argumento de que, quando qualquer dos Deputados dissidentes quizesse falar sobre o mesmo assumpto, lhe deverir ser negada a palavra.

Foi devido a estas razões que eu pedi ao meu amigo o Sr. Mario Monteiro para retirar o seu requerimento.

Respeito muito a opinião de todos, mas lamento profundamente que são fosse approvado pela maioria o requerimento em que o Sr. João Pinto dos Santos procurava responder ao Sr. Antonio Cabral. Porque, apesar da ordem de discussões que se estão produzindo nesta Camara, eu sou sectario da largueza da discussão; e lamento muito que o Sr. Antonio Cabral, arvorando-se em defensor do Governo, para responder a interpellações, e sendo leader da maioria, não lhe indicasse, a essa maioria que S. Exa. dirige, que um dever de honra da discussão parlamentar exigia que se deixasse responder ao Sr. Pinto dos Santos. O facto de eu ser neutral na dissidencia referida não obsta nem se oppõe a que eu faça a seguinte consideração: nós, opposição, fomos sempre systematicamente excluidos das commissões parlamentares. (Apoiados).

Pela phrase do Sr. Presidente do Conselho parece que as sessões da commissão de fazenda foram simples conselhos de familia. Antigamente as commissões d'esta Camara eram delegações suas com as mesmas attribuições e liberdade de discussão, onde se exprimiam clara e livremente todos os pensamentos e os Governos davam todos os esclarecimentos. (Apoiados). Isto succedia no tempo em que os Governos não faziam das commissões conselhos de familia, a quem julgam poder dizer cousas de interesse particular, mas a theoria do Governo modificou-se completamente.

Se eu tivesse satisfação em o ver em difficuldades por um sentimento de vaidade pessoal, eu estava satisfeito; mas como representante do paiz lamento-o profundamente pelas consequencias que estão derivando d'aqui.

Nunca o prestigio parlamentar baixou tanto, como tem baixado nos ultimos dias com estas discussões! (Apoiados). Uma vez é o Ministro accusado de alta traição, outras vezes são as manifestas incoherencias dos proprios membros do Governo em assumptos de tanta gravidade, em que não pode haver nem deve haver segredo, demoras de 48 horas para responder ás perguntas que lhes fazem! Ora isto não se dava noutro tempo. (Apoiados). A quem é que eu posso tomar a responsabilidade? Unicamente ao Governo.

Vozes da direita: - Isso não são explicações.

Vozes da esquerda: - Fale, fale.

O Orador: - O verdadeiro responsavel de todos estes factos, é unicamente o Governo.

Na Camara dos Dignos Pares um illustre membro do partido progressista, um prestigioso homem publico, quando ali se levantava uma controversia violenta e terrivel ergueu-se e disse ao Sr. Presidente do Conselho e a um Digno Par: - Pelo amor do prestigio do partido progressista e do Parlamento, não digam mais!
Eu, não em nome do partido regenerador, mas como Deputado e como portuguez, tambem digo ao Governo: Acabe-se com isto! (Apoiados). (Vozes: - Muito bem).

(O orador não reviu).

O Sr. Mario Monteiro (para explicações): - Eu não venho insistir sobre se tinha ou não razão para fazer a invocação do regimento. Para mim, tinha. Com a minha opinião fico.

Mas não foi para isto que eu pedi a palavra.

Disse o Sr. Antonio Cabral que é praxe antiga d'esta casa não se interromper o orador, para invocar o regi-

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mento, quando elle está usando da palavra e que, portanto, podia reservar-me para depois de S. Exa. ter terminado.

Eu não sei se effectivamente existe essa praxe; mas o que sei é que, se existe, é absurda e não pode prevalecer contra a disposição do regimento, que é clara.

Disse tambem S. Exa. que isso podia importar menos consideração pelo orador e neste ponto é que eu não quero que haja duvidas no espirito de S. Exa. Podia estar era erro, mas não tive qualquer proposito de ter menos consideração para com S. Exa.

Nunca tive nem terei no Parlamento o proposito de offender ou desconsiderar seja quem for, e isto pelo respeito que tenho por V. Exa., Sr. Presidente, e por todos os nossos collegas.

Tenho dito. (Vozes: - Muito bem).

(O orador não reviu).

O Sr. Antonio Cabral: - Veja V. Exa., Sr. Presidente, o que é falar sem ter por seu lado a razão e a justiça! Os illustres Deputados accusavam-me de eu ter discutido a nota de interpellação quando S. Exas. não teem feito outra cousa senão discuti-la.

Quero ser breve, mas não quero deixar passar sem resposta um reparo do Sr. Ovidio Alpoim por a maioria não ter approvado o requerimento do Sr. Mario Monteiro.

A razão é simples. Não é porque não tenhamos consideração por qualquer Deputado que apresente um requerimento, mas sim porque respeitamos como devemos o artigo 136.° do regimento d'esta Gamara. (Apoiados).

Sr. Presidente: a maioria achou, e muito bem, que era desnecessario estar com interrupções antes da ordem do dia, visto que o Sr. João Pinto dos Santos tinha pedido a palavra para explicações para antes de se encerrar a sessão, e eu tinha pedido a V. Exa. que me inscrevesse para responder a S. Exa.

Não ha reticencias nesta questão, e a melhor prova é que tudo ha de vir á discussão, como eu já repeti e affirmei categoricamente.

As palavras são o que são, disse o Sr. Ovidio de Alpoim, mas S. Exa. ouviu mal e ligou sentido diverso ás minhas palavra.

Eu não accusei a commissão de fazenda de obstruccionismo. O que disse é que lá fora está sendo tido como obstruccionismo o procedimento seguido pela commissão de fazenda.

Sussuro.

Cruzam-se àpartes.

O Orador: - Estimo que a commissão tivesse ensejo de se defender d'essa accusação.

Agitação.

Ápartes.

O Sr. Presidente: - Assim não nos entendemos.

O Sr. Antonio Cabral tem a bondade de continuar o seu discurso.

Sussurro.

O Sr. Roboredo Sampaio: - É preciso acabar com esta miseravel questão!

Vozes: - Miseravel?! Isto não pode ser! O Sr. Roboredo ha de explicar esta phrase.!

O Sr. Presidente: - Na mesa da Presidencia não se ouviu o áparte, e por isso peço a um illustre Deputado, mas só a um, que me explique as palavras que S. Exa. proferiu.

O Sr. João Pinto dos Santos: - V. Exa. dá me licença que eu repita a phrase que o Sr. Roboredo proferiu?

S. Exa. dirigindo-se em áparte disse que "a questão era miseravel".

Sussurro.

Vozes: - Convide V. Exa., Sr. Presidente, o Sr. Roboredo a explicar as suas palavras.

O Sr. Presidente: - Convido o illustre Deputado a explicar a sua phrase.

O Sr. Roboredo Sampaio: - Eu tenho a dizer o seguinte: não quiz de forma nenhuma offender nem desconsiderar ninguem. Mas se porventura alguem julgasse o contrario, eu assumia a responsabilidade que devia tomar, fosse contra quem fosse e em que campo fosse. Mas na minha mente não havia tal intuito: eu disse miseravel questão, porque o é em face dos sagrados interesses do Estado.

(Grande tumulto. O orador pretende continuar no uso da palavra}.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Roboredo, desde que terminou as suas explicações não pode continuar no uso da palavra. Dou por findo o incidente e convido o Sr. Antonio Cabral a continuar o seu discurso.

O Sr. Antonio Cabral: - Comprehende a Camara que estando a hora muito adeantada, eu não vou alongar-me em considerações.

Os meus illustres antagonistas notaram em primeiro logar ter eu dito que um orador podia tirar effeito dos argumentos do orador antecedente. O que eu accentuei, principalmente, foi que se podia falar antes da ordem do dia, de qualquer assumpto de interesse publico, e recordei o que se tem feito no proprio Parlamento.

Além d'isso, estranharam os illustres Deputados que o Sr. Ministro da Fazenda dissesse que queria quarenta e oito horas de espera para dar resposta a uma pergunta do Sr. Pinto dos Santos na commissão de fazenda.

Ora o Sr. Ministro da Fazenda disse que pedia espera até á sessão seguinte; do que elle não tem culpa é de que essa sessão se realizasse somente quarenta e oito horas depois. E a verdade é que, tendo-lhe sido feita uma pergunta de tanta responsabilidade, o Sr. Ministro da Fazenda podia não estar habilitado a responder-lhe immediatamente.

Agora com respeito á questão dos telegrammas trocados entre o Sr. Presidente do Conselho e o nosso representante em Paris, direi que o Sr. Presidente do Conselho não tem responsabilidade alguma na resposta do Sr. Sousa Rosa, como toda a gente que faz uma pergunta não tem a responsabilidade da resposta que lhe dão!

Sr. Presidente: eu disse ha pouco que, nesta questão, trata-se do que se trata; e realmente assim é, porque uns dizem que se trata de uma questão de administração publica, outros dizem que se trata de uma questão politica, e outros de uma questão moral.

No contrato dos tabacos não ha reticencias, como disse o Sr. Ovidio de Alpoim; nem ha obstruccionismo, pois que o Governo pede que a sua discussão venha com a possivel brevidade.

Disseram S. Exas. que podiam empregar todos os meios contra o contrato. Pois empreguem; e o paiz os apreciará. (Muitos apoiados). (Vozes: - Muito bem).

(O orador não reviu).

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O Sr. Presidente: - Está esgotada a inscripção. Amanhã ha sessão, continuando na ordem do dia a discussão do incidente que o Sr. Pereira dos Santos pediu que fosse considerado como ordem do dia. Está encerrada a sessão.

Eram 7 horas e 55 minutos da tarde.

Propostas de lei apresentadas nesta sessão pelo Sr. Ministro do Reino

Proposta de lei n.° 17-A

Senhores. - A proposta de lei, que vou submetter á vossa apreciação, tende a melhorar a situação economica de uma classe, que merece ser considerada pelos poderes publicos nas suas aspirações.

Refiro-me á do professorado primario.

É importante a sua missão social, arduo o seu trabalho de todos os dias, grande a sua responsabilidade.

O Estado tem o dever indeclinavel de retribuir bem essa funcção, que, se tem muito de sacerdocio e portanto de satisfação espiritual para quem a exerce, nem por isso deixa de carecer de uma remuneração material condigna e reparadora.

Desde muitos annos que a necessidade de aumento de ordenado aos professores primarios se vem evidenciando, e creio bem que só as circunstancias do Thesouro puderam vencer a boa vontade dos estadistas que teem gerido a instrucção publica.

Foram decerto as condições apertadas do nosso orçamento de instrucção primaria que determinaram a suspensão do aumento por diuturnidade de serviço, que a lei de 11 de junho de 1880, de iniciativa do illustre homem de Estado que preside ao actual Gabinete, tinha estabelecido como compensação á exiguidade de vencimentos. Se essa lei tivesse estado em vigor, ter-se-hia collocado o professorado primario do país, o de bom e effectivo serviço, em desafogadas condições de vida.

Não precisa de justificação a importancia d'esta proposta, cuja essencia está no espirito de todos os representantes da nação.

Ella modifica sensivelmente, e tanto quanto o podem comportar as nossas condições financeiras, a tabella dos vencimentos dos professores primarios e proporciona a estes outras garantias, que são, a meu ver, de justissima applicação; todas aproveitam á sua situação material.

A dispensa de apresentação de documentos para o provimento definitivo e promoções da classe dos professores representa para os interessados uma vantagem tambem de ordem economica.

Os premios pecuniarios concedidos pela actual lei são uma remuneração ao trabalho distincto do professor primario, e não teem só o interesse material, mas o moral, que deve ser sempre attendido em assuntos de instrucção da mocidade.

O decreto de 24 de dezembro de 1901 destinou cem premios de 60$000 réis com louvavel intento.

Para cinco mil professores entendo diminuto o numero de premios, e a pratica já demonstrou que, para restringir as concessões ao quantum da lei, se deixara de galardoar o trabalho de muitos que os mereciam.

Para que tal injustiça se não dê, proponho o aumento de mais cem premios pecuniarios.

Taes são, Senhores, os fundamentos da proposta de lei, que me apressei a apresentar-vos no primeiro ensejo que tenho depois de reflectidamente estudar o importante assunto.

Proposta de lei

Artigo 1.° São fixados da seguinte forma os vencimentos annuaes dos professores de instrucção primaria:

3.ª classe:

Ordenado de categoria................ 170$000

Gratificação por exercicio............ 35$000

205$000

2.ª classe:

Ordenado de categoria................ 190$000

Gratificação por exercicio.............45$000

235$000

1.ª classe:

Ordenado de categoria................ 210$000

Gratificação por exercicio............ 65$000
275$000

Art. 2.° Nas cidades de Lisboa e Porto cessa a divisão em classes e o vencimento dos professores é de 300$000 réis, alem do subsidio de residencia na importancia de 54$000 réis.

Art. 3.° Todos os professores teem direito a moradia no edificio escolar, e, quando por deficiencia d'este a não possam ter, receberão o subsidio de renda de casa.

§ unico. O subsidio de renda de casa é de 100$000 réis annuaes, pagos semestralmente, para os professores das cidades de Lisboa e Porto, e da importancia que o Governo fixar, segundo as exigencias das localidades, para os professores das outras escolas do pais.

Art. 4.° Os actuaes professores com vencimento superior ao maximo fixado nesta proposta continuam a receber os vencimentos que ao presente percebem.

Art. 5.° O provimento definitivo a que os professores teem direito depois de tres annos de bom e effectivo serviço, bem como a promoção de classe nos termos do artigo 38.° do decreto n.° 8 de 24 de dezembro de 1901, serão concedidos por despacho do Governo, independentemente do requerimento dos interessados.

Art. 6.° Os vencimentos dos professores ajudantes são de 170$000 réis, sendo 140$000 réis de ordenado de categoria e 30$000 réis de gratificação por exercicio.

Art. 7.° Alem dos vencimentos estipulados no artigo antecedente os professores ajudantes das cidades de Lisboa e Porto teem o subsidio annual de residencia na importância de 54$000 réis e o de 50$000 réis para renda de casa.

Art. 8.° É elevado a duzentos o numero de premios pecuniarios de 60$000 réis cada um, criados pelo artigo 5l.° do decreto n.° 8 de 24 de dezembro de 1901, para premiar serviços distinctos dos professores de instrucção primaria.

Art. 9.° Fica revogada a legislação em contrario.

Secretaria de Estado dos Negocios do Reino, 1 de setembro de 1905. = Eduardo José Coelho = Manoel Afonso de Espregueira.

Foi enviada ás commissões de intrucção primaria e do orçamento.

Proposta de lei n.° 17-B

Senhores. - A lei que institue a obrigatoriedade do ensino elementar para todos os cidadãos impõe ao Estado o impreterivel dever de tornar realizavel tão salutar principio, provendo o país de escolas, em numero sufficiente, e em condições que permittam um ensino attrahente e proficuo, que garantam aos alumnos uma boa hygiene e assegurem o seu facil policiamento, a fim de que essas escolas possam exercer integralmente a sua altissima e sagrada funcção educativa.

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Infelizmente temos de reconhecer, mais uma vez, que as escolas portuguesas estão, ainda, longe do satisfazer plenamente ao fim generoso e util para que foram criadas; e a sua defeituosa installação é, sem duvida, um dos principaes motivos que as impede de corresponder aos sacrificios que o país se está impondo, em prol da educação nacional, chegando até a inutilizar uma grande parte d'esses sacrificios.

Occorre-nos pois o imperioso dever de reagir contra esta situação, que, contrariando o desenvolvimento do ensino, reflexamente se faz sentir em todos os ramos da actividade nacional, com elle solidaria, attingindo e prejudicando, portanto, a economia geral da nação.

Não pretendemos arrogar-nos a prioridade do reconhecimento d'este mal, nem a da apresentação dos meios de o debellar. Já nesta camara se esforçaram por corrigir esse deploravel estado de cousas, entre outros Mártens Ferrão, o Duque de Ávila e Bolama, Barros e Cunha, Illydio do Valle, Thomás Ribeiro e o Sr. José Luciano de Castro, este ultimo com louvavel insistencia, conseguindo das Côrtes, em 1898, a approvação de uma proposta de lei que attribuia a verba de 400:000$000 réis á construcção de duzentos edificios escolares, no continente e ilhas, iniciativa modesta, se a relacionarmos com as necessidades do país, mas suficientemente benefica, para que, graças a ella, e, diga se com louvor, ao desenvolvimento que lhe deu o precedente Governo, se possam apontar, hoje, cento e vinte e nove d'esses edificios escolares inteiramente concluidos, em excellentes condições, cento e onze em construcção mais ou menos adeantada, e oitenta e cinco já approvados e arrematados pelo anterior Governo, embora não começados ainda, encontrando-se muitos outros em estudo.

Grato nos é registar, aqui, que aquella iniciativa official alcançou o mais devotado apoio do país, como o demonstram os importantes auxilios com que as corporações administrativas e os particulares se prestaram, espontaneamente, a concorrer para a sua realização, auxilios que, representados em dinheiro, terrenos, materiaes de construcção ou serviço braçal, montam a cerca de 130:000$000 réis. E essa generosa iniciativa particular, tão felizmente despertada pela carta de lei de 30 de junho de 1898, está longe de se ter esgotado, pois cada vez affluem mais os donativos em favor das novas escolas, existindo tambem numerosos legados para o mesmo fim, que não houve ainda ensejo de aproveitar.

Tudo aconselha, por consequencia, a continuação e o desenvolvimento d'estes serviços, que respondem a uma das mais instantes necessidades do país; mas cousa alguma se poderá emprehender sem a intelligente e patriotica cooperação do Parlamento, que invocamos, por isso que o actual Governo veio encontrar, não só exhaustos, mas consideravelmente excedidos os recursos attribuidos ás construcções escolares, cuja situação presente vae definida nos mappas que acompanham o presente relatorio. E, recorrendo ao Parlamento, não tem o Governo em vista unicamente habilitar-se a fazer face a compromissos anteriormente tomados, mas propor que sejam concedidas novas dotações a estes serviços, a fim de lhes dar maior incremento, e nisto procede com tanta mais confiança, quanto é certo que se não trata de aumentar os encargos existentes, mas simplesmente de tirar dos mesmos encargos mais vantajoso partido.

Na applicação da citada lei de 30 de junho de 1898, julgou-se dever attender de preferencia ás escolas ruraes, que effectivamente se encontravam em mais precarias condições de hyegiene, pedagogia, capacidade e conforto; mas a verdade é que não menos urgente e indispensavel se torna acudir á situação das escolas urbanas, cujos defeitos technicos, pouco menores, se aggravam intoleravelmente com a exorbitancia das rendas e com a extraordinaria e crescente accumulação dos alumnos.

As escolas da capital funccionam na sua quasi totalidade em casas arrendadas; muitas pessimas, carissimas todas, e algumas tão exiguas, que, apesar das importantes verbas que se gastam com a sua apropriação, teem de se desdobrar frequentemente os horarios, o que causa gravissimos inconvenientes, ou de repudiar os alumnos que ali affluem, o que é absurdo á face da lei.

O systema, até aqui imposto pela força das circunstancias, de arrendar casas de habitações particulares para estabelecimentos destinados á vida collectiva, taes como são as escolas, constitua uma incongruencia a que urge pôr termo.
Evidentemente essas casas não podem offerecer condições de hygiene, nem possibilidade de disciplina, nem d'ellas se aproveita a maior parte, composta por simples cubiculos. Obrigam desde logo a apropriações dispendiosissimas para afinal os serviços ficarem mal adaptados, e motivam incessantes despesas de conservação, a que os senhorios se esquivam, explorando a reconhecida necessidade que o Estado tem de manter os arrendamentos para evitar continuas e mais dispendiosas deslocações, seguidas dos mesmos abusos e inconvenientes, e que nem sempre são possiveis, pois basta dizer que muitas escolas de Lisboa não funccionam por falta de casa.

É por isso que as leis estrangeiras obrigam as corporações administrativas a tornar-se proprietarias dos locaes onde se ministra o ensino. Nem outro systema é admissivel, e se não tem sido adoptado entre nós é devido ao escrupulo de se criar quaesquer obstaculos á diffusão da instrucção popular.

Mas o verdadeiro e unico principio é aquelle. Desde que o Estado, criando determinados serviços, assume a indeclinavel responsabilidade de despesas fixas e permanentes, não pode deixar, por forma alguma, de assegurar a estabilidade d'esses serviços, para que do seu irregular funccionamento não resultem inuteis essas despesas, como no caso presente está succedendo.

O valor dos immoveis affectos ao ensino primario, em França, pertencentes ao Estado ou ás Communas, está avaliado em 250.000:000$000 réis; e houve quem computasse em 30.000:000$000 réis o custo das novas escolas que vão ser construidas naquelle país, em substituição das escolas congreganistas recentemente abolidas. A cidade de Paris despendeu, á sua parte, desde 1871 a 1900, com a construcção das suas escolas primarias, 27.000:000$000 réis, e, como isso não bastasse, inaugurou, só em 1900, mais 14 grandes escolas primarias profissionaes!

Nós não podemos acompanhar, sequer proporcionalmente, tão ingentes sacrificios, nem aspirar aos fastigios de uma tal civilização; mas podemos e devemos mostrar aos paises cultos o nosso firme proposito de os não abandonar na sua cruzada de progresso; e cumpre-nos sobretudo pôr peias a uma especulação desenfreada, que, alem de prejudicar o Estado, está perturbando sensivelmente o funccionamento de um dos mais importantes serviços publicos.

As desagradaveis considerações que acabamos de fazer sobre a installação dos serviços do ensino primario applicam-se com maior razão, ainda, ao ensino secundario.

Raros são os lyceus do reino que dispõem de uma installação razoavel. Os lyceus de Lisboa e Porto, que congregam em si quasi metade da população escolar relativa aos 24 lyceus do país, deixam sobretudo a desejar, concernentemente ás suas installações.

Para attender á instante necessidade, desde ha muito reconhecida, de prover a capital com um edificio proprio para lyceu, se começaram em 1887 as obras do edificio da cerca de Jesus, com as quaes o Estado gastou, até 1901, a importante somma de 308:227$327 réis.

Uma descabida preocupação de ostentação, que francamente reprovamos, e as pessimas condições technicas do terreno, por isso, mas só por isso, imprudentemente escolhido, motivaram tão avultada despesa.

Em vista das duvidas suscitadas no Parlamento e na

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imprensa sobre as condições de salubridade do local e da orientação seguida na execução das obras, o Governo mandou as suspender e sujeitou o assunto á consulta de uma commissão idonea, que foi de parecer unanime que se deveria proceder á conclusão do edificio, formulando um consciencioso programma sobre as condições hygienicas, pedagogicas e economicas a que devia subordinar-se o respectivo projecto, que nessa conformidade se está elaborando.

Reconhecendo a necessidade não menos imperiosa de se dotar a cidade do Porto com um edificio onde se alojasse convenientemente o seu lyceu, as Côrtes autorizaram o Governo, pela lei de receita e despesa de 12 de junho de 1901, a contrahir um emprestimo de 60:000$000 réis destinado a esse fim, mas a autorização caducou antes de se terem removido os obstaculos que impediram a realização de tão util melhoramento.

O mal subsiste, pois, e a incongruencia, que já apontámos, de se installarem institutos de ensino em edificios criados para outro fim, é muito mais flagrante e de mais graves consequencias nestes dois casos, visto que se trata de estabelecimentos actualmente frequentados por alguns milhares de individuos, e onde a accumulação de anno para anno cresce extraordinariamente.

Ainda ha pouco, com o assentimento das Côrtes, se desdobraram os serviços do Lyceu de Lisboa, que funccionam actualmente em dois edificios, e já se reconhece a insufficiencia d'essa ampliação.

No Porto, por identicos motivos de agglomeração escolar, o respectivo lyceu, depois de transitar, em curto periodo, por differentes edificios, installou-se em um novo predio ha cinco annos, apenas, e já foi necessario arrendar um predio contiguo para onde derivasse a plethora da população discente.

Apesar, porem, da boa vontade que se tem empregado e dos sacrificios que não teem sido poupados para accommodar convenientemente aquelles serviços; temos de confessar que a sua installação material é absolutamente precaria e deficiente; e as queixas de professores e alumnos, as reclamações do publico, as censuras que teem sido feitas na imprensa e no Parlamento bastariam para nos convencer, se não estivessemos de antemão convencidos, da improrogavel necessidade de pôr termo a esta situação. Em verdade, não se pode admitttr que, destinando-se esses estabelecimentos ao desenvolvimento moral, intellectual e physico dos alumnos, se tornem até certo ponto contraproducentes pelas suas defeituosas installações, tão pouco proprias para inspirar a esses alumnos o sentimento da sua dignidade social, para contribuirem para a formação do seu caracter e bons costumes, para tornarem o ensino pratico, util e agradavel, e, muito peor do que tudo isto, prejudicando o seu desenvolvimento physico, que, já desfavorecido pelas condições do regime, mais contrariado é ainda pelas condições do meio, visto que, positivamente, essas installações não satisfazem aos preceitos hygienicos mais elementares, faltando-lhes até o ar e a luz, que são os agentes primordiaes da salubridade.

E hoje, que se confia á hygiene publica a salvaguarda da vida humana, e se procura divulgar as noções sanitarias por todos os cidadãos, mesmo os mais humildes, não é licito consentir que se inculquem tão funestos habitos e principios aquelles que num futuro muito proximo devem constituir as classes dirigentes da nação.

Cremos que estará na consciencia de todos a necessidade de se abandonar o systema de paliativos até hoje empregado na solução d'este assunto, e de tomar sobre elle, resolutamente, efficazes e decisivas providencias.

Em geral, todas as questões importantes parecem complicadas e difficeis, sendo por vezes a sua resolução bem simples. Está neste caso a da installação do lyceu e escolas primarias da capital, bem como a do Lyceu do Porto e das escolas ruraes. A primeira vista parece um problema irreductivel, tantas preoccupações acarreta; e comtudo pode resolver-se por um simples acto administrativo, sem encargos novos para o Estado, realizando multiplos e consideraveis beneficios, e até importantes economias que permittem entrever mais auspicioso futuro para a educação nacional.

É o que passamos a demonstrar.

Ha actualmente criadas, nos quatro bairros de Lisboa, 2 escolas para o ensino normal, uma para cada sexo, e mais 76 escolas de instrucção primaria, sendo 19 centraes e 57 parochiaes. Das escolas da primeira categoria, a escola normal do sexo masculino funcciona em casa arrendada e a do sexo feminino em casa pertencente ao Estado. Das escolas da segunda categoria, funccionam 14 em casas arrendadas, 3 em casas fornecidas pela Camara Municipal, havendo 2 que ainda não funccionam por falta de casa. Das escolas parochiaes 89 funccionam em casas arrendadas, 10 funccionam provisoriamente noutras escolas, 2 funccionam em casas da Camara Municipal e 2 em edificios cedidos pela Casa Real, havendo ainda 4 escolas que tambem não funccionam por falta de casa.

Com a renda das casas das 14 escolas centraes que funccionam em casas arrendadas, despende o Estado annualmente a importancia de............................ 10:920$000

Seja em media por escola central 780$000 réis.

Com a renda de mais 2 escolas que ainda não
funccionam, tem portanto a despender.... 1:560$000

Com a renda das casas das 39 escolas parochiaes despende o Estado annualmente... 11:171$000

Seja em media por escola parochial 286$485 réis.

Com a renda de mais 4 escolas que não teem casa, e 10 que funccionam provisoriamente noutras escolas, tem, pois, o Estado a despender annualmente................... 4:010$090

Total do despesa annual a fazer com a renda
De casas para escolas primarias........ . 27:661$090

Com a renda da casa para a escola normal do sexo masculino despende o Estado annualmente........................... 1:800$000

Somma.............29:461$090

Com as despesas de apropriação das 54 casas arrendadas despende o Estado annualmente............................... 4:400$000

Media annual por escola 81$481 réis.

Tendo, portanto, a despender annualmente com a apropriação de mais 16 casas a arrendar............................... 1:303$696

Somma...........: . 35:164$786

Admittindo, pois, que a escola normal do sexo feminino, 2 das escolas centraes e 5 das parochiaes dispõem de installações proprias, fornecidas pelo Estado, Camara Municipal de Lisboa e Casa Real, tem ainda o Estado a gastar, com a renda da casa da escola normal do sexo masculino, com a de 16 escolas centraes e 53 escolas parochiaes, desprovidas de installação propria que assegure o regular funccionamento do ensino, a verba annual de 35:164$786 réis.

Passando a outra natureza de encargos, relacionados com o mesmo assunto, vemos que aos professores das escolas primarias abona o Estado, como subsidios para renda de casa, entre outros:

155 subsidios a l00$000 réis.............. 15:500$000

Somma................5O:664$786

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Tratando, agora, das despesas concernentes ás
installações dos lyceus de Lisboa e Porto,
apuramos o seguinte:

Com a renda da casa onde funcciona o Lyceu
do Carmo gasta o Estado annualmente... 2:400$000

Com a renda da casa onde funcciona o Lyceu
de S. Domingos despende annualmente... 2:000$000

Com a renda das casas onde funcciona o Lyceu
do Porto despende o Estado............ l:900$000

Total.................. 56:964$786

Devemos considerar, agora, que se encontram matriculados em todas as escolas primarias de Lisboa, actualmente abertas, 7:912 alumnos, podendo computar-se em 1:540 o numero a mais das matriculas correspondentes ás escolas que ainda não funccionam por falta de casa, o que perfará um total de 9:402 alumnos. As frequencias medias diarias são porem bastante inferiores, pois accusam apenas, actualmente, 5:276 presenças, podendo calcular-se em mais 1:018, quando funccionem todas as escolas, o que dará um total de frequencias diarias de 6:294 alumnos. Estabelecendo; pois, a media de 7:873 alumnos, entre os matriculados e os que frequentam regularmente as escolas, vemos que, se o Estado pudesse dispor de locaes escolares proprios para 8:000 alumnos, teria assegurado o regular funccionamento dos serviços do ensino primario, se não á totalidade das crianças em idade escolar do concelho de Lisboa, pelo menos a um importantissimo numero d'ellas; a mais 3:000, quasi, do que aquellas que actualmente frequentara, com regularidade, as escolas.

Segundo a experiencia, essa população escolar deveria ser distribuida pelas escolas seguintes:

22 escolas de 1 classe de 50 alumnos........... 1:100

25 escolas de 2 classes de 50 alumnos.......... 2:500

6 escolas de 3 classes de 50 alumnos........... 900

16 escolas de 4 classes de 50 aluamos.......... 3:200

1 escola de 6 classes de 50 alumnos............ 300

70 escolas para................................ 8:000

Vejamos em quanto poderão importar estas escolas, bem como casas de habitação para 155 professores, se o Estado as fizer construir á sua custa.

Para maior rigor, estabeleceremos o calculo para cada alumno e para cada professor. Supporemos, o que verificámos ser possivel, que um terço do terreno necessario para as escolas será fornecido gratuitamente pelo Estado, um terço fornecido pela camara Municipal de Lisboa, nas mesmas condições, e um terço comprado pelo Estado. Supporemos, ainda, que as habitações dos professores são construidas sobre a propria casa da escola. Assim teremos:

(Ver tabela na imagem)

Passando ás escolas primarias da provincia, verificamos pelos documentos respectivos que para acabar as 111 escolas e residencia dos professores, actualmente em execução, se necessita:

Para despesas de construcção 159:270$41

Para despesas de administração................... 15:929$014
175:199$155

Para construir 85 escolas que se encontram já approvadas ou arrematadas, mas ainda não começadas, ha a despender:

Com a construcção........ 173:020$680

Com a administração...... 17:302$068
190:322$748

Para a construcção de mais 150 novas escolas primarias no continente e ilhas adjacentes:

Despesas de construcção.... 300:000$000

Despesas de administração.. 30:000$000
330:000$000

Pelo que diz respeito aos lyceus, verifica-se que, embora as frequencias regulares sejam bastante inferiores, se matricularam, no anno de 1903-1904, 2:174 alumnos nos lycens de Lisboa, e 975 alumnos no lyceu do Porto.

Importa considerar,, porem, que a area de Lisboa se tem alargado por tal modo, que o acabamento, do lyceu central, iniciado na cêrca de Jesus, não resolve integralmente o problema. A situação d'este estabelecimento de ensino é excellente para nucleo da agglomeração, mas os alumnos, habitando os extremos da cidade, serão obrigados a deslocações quotidianas que representam penosissimo incommodo e consideravel desperdicio de tempo. Entendemos portanto ser de absoluta necessidade a construcção de outros dois lyceus, embora de mais modestas proporções para servirem os bairros extremos da capital.

No Porto ha a maior difficuldade em encontrar um terreno central para a installação do lyceu, sendo até essa a razão por que não chegou a ser construido aquelle que a lei de 12 de junho de 1901 autorizara. Em compensação os extremos d'aquella cidade abundam de locaes vastos e salubres, de facil acquisição.

Por este e outros motivos, que seria obvio enumerar, entendemos que se deve dotar a cidade do Porto com 2 lyceus, um para o bairro oriental, outro para o occidental.

Vejamos emquanto poderá importar a construcção d'estes cinco lyceus, contando desde já com uma frequencia de 3:000 alumnos para os lyceus de Lisboa e de 1:000 para os lyceus do Porto.

Assim teremos:

Lyceus de Lisboa:

Construcção:

(Ver tabela na imagem)

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A deduzir:

Saldo do emprestimo autorizado por carta de lei de 30 de junho de 1898..... 6:188$991

Donativos em dinheiro, já recolhidos, para a construcção d'estas escolas....... 50:969$303

57:158$294

Liquido. ...............1.499:927$609

Ora, contrahindo o Estado um emprestimo de réis 1.500:000$000 para amortizar em 30 prestações annuaes com o respectivo juro, a annuidade correspondente a pagar pelo Estado seria de 97:577$115 réis, sendo a taxa de 5 por cento, que foi aquella por que se levantou o emprestimo para a construcção das escolas primarias autorizado pela carta de lei de 30 de junho de 1898.

Consultando os orçamentos de instrucção primaria e secundaria para o exercicio de 1905, verificamos que para fazer face a este encargo poderia dispor o Estado da verba de 122:145$855 réis, descrita nos mesmos orçamentos pela seguinte forma:

Escola normal do sexo masculino de Lisboa:

Renda de casa....................... 1:800$000

Reparos e conservação do edificio.......400$000

Escolas primarias do concelho de Lisboa:

Subsíiios a professores para rendas de casas................................ 22:000$000

Rendas de casas das escolas........... 25:000$000

Para despesas de apropriação de edificios. . 4:000$000

Lyceus de Lisboa e Porto:

Renda do Lyceu do Carmo...........:. 2:400$000

Renda da casa do Lyceu de S. Domingos 2:000$000

Rendas das casas do Lyceu do Porto.... l:900$000

Rendas das casas das 265 novas escolas
não comprehendidas na carta de lei de
30 de junho de 1898...................13:250$000

72:750$000

Verba temporariamente applicada ao pagamento da divida á Caixa Geral de Depositos, a que se refere o artigo 33.° da carta de lei de 13 de maio de 1896. .. 49:395$855

122:145$855

Levantada a importancia d'aquelle emprestimo no prazo de sete annos, e só á medida que fosse necessaria, pagar-se-hia durante esse prazo o juro das quantias successivamente levantadas com as rendas correspondentes aos edificios que se fossem terminando, construindo-se durante o mesmo periodo todas as escolas e lyceus comprehendidos na presente proposta de lei.

Ficaria desde então exonerado o Estado das actuaes despesas, cuja importancia acrescida pela ultima d'aquellas verbas, logo que inteiramente resgatada, passaria a satisfazer os encargos provenientes do emprestimo, e, liquidados estes, ficaria liberada definitivamente a importante verba actualmente inscrita no orçamento, parte da qual serviria para se dar maior desenvolvimento ao ensino, parte para se alliviar a contribuição annual com que as camaras municipaes de Lisboa e Porto concorrem para o fundo da instrucção primaria, como indemnização dos terrenos que houvessem cedido, se assim se convencionasse.

Todas as bases que adoptamos para a organização d'estes calculos foram sinceramente estudadas.

Assim, a cedencia de uma terça parte do terreno pela Camara Municipal de Lisboa, é possivel, pois que a mesma camara possue numerosos terrenos, em varios locaes, e os de mais conveniente escolha para o caso presente não são precisamente os que mais lhe interessa vender.

O Estado, por seu turno, dispõe tambem de bastantes locaes, nem todos utilmente aproveitados, e aos quaes não se poderia dar melhor applicação.

As medias da superficie, construida ou livre, que estabelecemos por alumno, são acceitaveis, e onde os terrenos fossem de facil acquisição seria ainda aumentada. O valor que attribuimos aos terrenos parece-nos suficiente, attendendo a que não é nos bairros ricos que mais se faz sentir a necessidade do ensino gratuito.

O preço em que orçamos a construcção é razoavel, porque, se porventura viesse a ser um pouco excedido nos pequenos edificios de escolas primarias, seria vantajosamente compensado nos maiores grupos escolares; devendo, alem d'isso, ter-se em conta que nos edificios escolares se impõem a simplicidade e a modestia, e que no preço calculado tanto se comprehende o edificio da escola como singelos alpendres annexos. Nas casas dos professores o preço é tambem favoravel, porquanto não ha que contar com o terreno, alicerces e cobertura, que são os proprios das escolas.

Ao affirmarmos que o Estado, adoptando-se esta resolução, faria uma economia annual de 72:750$000 réis, passados trinta annos pela suppressão das rendas actuaes, ficamos muito áquem da verdade, por isso que, com a valorização progressiva da propriedade edificada, no espaço de trinta annos, essas rendas encontrar-se-hiam quasi duplicadas.

Finalmente, e resumindo a nossa exposição. Se o Estado contrahir o emprestimo para applicar o producto á construcção dos lyceus de Lisboa e Porto, das escolas primarias de Lisboa e alojamento dos respectivos professores, acabamento das 111 em execução, construcção de 85 já arrematadas é de mais 150 novos edificios escolares, pagará os juros e amortizará inteiramente o capital em trinta annos, com as verbas que actualmente está despendendo com identicos fins, ficando com excellentes escolas, que nada lhe custarão, a partir d'essa epoca, e que terá conseguido, não só sem sacrificio algum, antes realizando economias.

Não contrahindo o emprestimo, continuará o país sem essas escolas, os respectivos serviços mal installados e frequentemente interrompidos, tendo-se despendido illogica e censuravelmente, durante trinta annos, com os alheios edificios arrendados, pelo menos, 2.182:500$000 réis!

Cremos pois irrefutavelmente demonstrada a alta conveniencia e absoluta necessidade da apresentação da seguinte proposta de lei, para a approvação da qual confiamos absolutamente no patriotismo d'esta illustre Camara, pois que se tem em vista desempenhar um simples acto de boa e sensata administração, em materia de instrucção publica, que deve ser sempre considerada de supremo interesse nacional.

Proposta de lei

Artigo 1.° É o Governo autorizado a contrahir um emprestimo até a quantia de 1.500:000$000 réis, para lhe dar a applicação seguinte:

1.° Conclusão de 111 escolas primarias actualmente em execução;

2.° Construcção de 85 escolas primarias, já approvadas e arrematadas, mas ainda não principiadas;

3.° Construcção de mais 150 escolas primarias a distribuir pelo continente e ilhas;

4.° Construcção de mais 70 escolas primarias na area de Lisboa, sendo uma destinada ao ensino normal;

5.° Conclusão do Lyceu Central de Lisboa;

6.° Construcção de mais 2 lyceus centraes em Lisboa;

7.° Construcção de 2 lyceus centraes no Porto.

§ unico. É elevado a lyceu central o Lyceu Nacional de Lisboa e criado um terceiro lyceu central na mesma cidade; é criado mais um lyceu central na cidade do Porto.

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Em cada uma d'estas cidades serão os lyceus collocados em locaes devidamente afastados, de conformidade com as exigencias hygienicas e as necessidades da população.

Art. 2.° Para fazer face aos encargos dos juros e amortização d'este emprestimo, num prazo nunca inferior a trinta annos, o Governo disporá:

1.º Das verbas provenientes da suppressão das rendas de casa que se estão pagando pelos edificios que as novas escolas e lyceus venham a substituir, e dos subsidios para renda de casas, abonados aos professores das mesmas escolas, aos quaes o Estado tenha de fornecer o respectivo alojamento;

2.° Dos donativos com que os particulares ou quaesquer corporações queiram concorrer para a construcção d'estes edificios escolares;

3.° Das sobras que houver no fundo da instrucção primaria e que possam ser applicadas a esse fim, e das sobras das verbas autorizadas nas tabellas de despesa ordinaria do Ministerio do Reino, depois de liquidada a divida com a Caixa Geral de Depositos, a que se refere o n.° l.° do artigo 33.° da carta de lei de 13 de maio de 1896.

Art. 3.° Na construcção e distribuição dos novos edificios escolares observar-se-ha o disposto no artigo 4.º da carta de lei de 30 de junho de 1898 e no artigo 5.° do decreto com força de lei de 24 de dezembro de 1901.

Art. 4.º Destinando-se o producto d'este emprestimo á construcção de lyceus e escolas primarias, correspondendo aos modernos preceitos da hygiene e da pedagogia, nenhuma quantia se poderá distrahir do mesmo producto para acquisição de quaesquer predios particulares, com o fim de serem immediatamente applicados a estes estabelecimentos de ensino, sem previo assentimento das Côrtes.

§ unico. Exceptuam-se d'esta disposição as propriedades que tenham de ser expropriadas para o simples aproveitamento dos terrenos.

Art. 5.° Fica o Governo autorizado a transaccionar com as Camaras Municipaes de Lisboa e Porto a cedencia dos terrenos que elles possuam e sejam applicaveis ao fim que tem em vista a presente lei, e bem assim a utilizar para o mesmo fim os terrenos que pertencem aos proprios nacionaes, dentro da area de Lisboa ou Porto, e que não estejam applicados a serviços do Estado, cuja deslocação seja reconhecidamente desvantajosa.

Art. 6.° A approvação pelas estações competentes dos projectos para a construcção de edificios escolares, que devem subir sempre ás mesmas estações acompanhados das plantas em duplicado dos terrenos onde essas construcções hajam de realizar-se, bem como das convenientes informações legaes, comprehende virtualmente a declaraçSo de utilidade publica para a expropriação urgente dos referidos terrenos.

Art. 7.° É o Governo autorizado a decretar os regulamentos necessarios para a execução d'esta lei.

Art. 8.° Fica revogada a legislação em contrario.

Secretaria de Estado dos Negocios do Reino, 1 de setembro de 1905.= Eduardo José Coelho = Manoel Affonso de Espregueira.

Foi envinda ás commissões de instrucção primaria e secundaria, e de fazenda.

O REDACTOR = Affonso Lopes Vieira.

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