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SESSÃO DE 15 DE ABRIL DE 1871

Presidencia do ex.mo sr. Antonio Cabral de Sá Nogueira

Secretarios — os srs.

Domingos Pinheiro Borges

Antonio Augusto de Sousa Azevedo Villaça

Summario

Apresentação de projectos, representações e requerimentos. — Ordem do dia: Continuação da discussão, na generalidade, do projecto n.º 9.

Chamada — 38 srs. deputados.

Presentes á abertura da sessão — os srs. Adriano Machado, Agostinho de Ornellas, Soares de Moraes, Villaça, Sá Nogueira, A. J. Teixeira, Freire Falcão, Pequito, Sousa de Menezes, Antonio de Vasconcellos, Ferreira de Andrade, Pinheiro Borges, Eduardo Tavares, Francisco Beirão, Pereira do Lago, Coelho do Amaral, F. M. da Cunha, Guilherme Quintino, Barros Gomes, Freitas e Oliveira, Candido de Moraes, Barros e Cunha, Ulrich, Mendonça Cortez, Nogueira Soares, Faria Guimarães, Gusmão, J. A. Maia, Bandeira Coelho, Mexia Salema, José Tiberio, Julio do Carvalhal, Julio Rainha, Luiz de Campos, Augusto Pimentel, Marques Pires, Lisboa, Mariano de Carvalho.

Entraram durante a sessão — os srs.: Alberto Carlos, Osorio de Vasconcellos, Braamcamp, Pereira de Miranda, Teixeira de Vasconcellos, Veiga Barreira, Antunes Guerreiro, Arrobas, Pedroso dos Santos, Rodrigues Sampaio, Santos Viegas, Antonio de Vasconcellos, Barjona de Freitas, Eça e Costa, Augusto de Faria, Saraiva de Carvalho, Barão do Salgueiro, Bernardino Pinheiro, Francisco de Albuquerque, Francisco Mendes, Costa e Silva, Caldas Aulete, Bicudo Correia, Pinto Bessa, Van-Zeller, Jayme Moniz, Zuzarte, Alves Matheus, Pinto de Magalhães, Mello e Faro, Elias Garcia, Figueiredo de Faria, Rodrigues de Freitas, Almeida Queiroz, Nogueira, Camara Leme, Affonseca, Paes Villas Boas, D. Miguel Coutinho, Pedro Franco, Pedro Roberto, Sebastião Calheiros, Visconde de Moreira de Rey, Visconde de Valmór, Visconde de Villa Nova da Rainha.

Não compareceram — os srs.: Cau da Costa, Falcão da Fonseca, Barão do Rio Zezere, Conde de Villa Real, Pereira Brandão, Silveira da Mota, Palma, Santos e Silva, Mártens Ferrão, J. J. de Alcantara, Augusto da Silva, Lobo d'Avila, Dias Ferreira, José Luciano, Latino Coelho, Moraes Rego, Rodrigues de Carvalho, J. M. dos Santos, Mello Gouveia, Mendes Leal, Teixeira de Queiroz, Lopo de Mello, Visconde de Montariol, Visconde dos Olivaes.

Abertura — Á uma hora e um quarto da tarde.

Acta — Approvada.

EXPEDIENTE

A QUE SE DEU DESTINO PELA MESA

Officios

1.º Do ministerio da guerra, acompanhando as informações pedidas ácerca do requerimento do brigadeiro reformado Luiz Antonio Esteves Alves.

2.° Do ministerio da fazenda, incluindo parte das alterações dos orçamentos parciaes do ministerio do reino, fazenda, guerra, marinha e obras publicas para o exercicio de 1871-1872.

3.º Do ministerio da fazenda, remettendo a nota das rectificações feitas ao orçamento proposto para o exercicio de 1871-1872.

4.° Do ministerio da marinha, remettendo uma conta comparada de todas as despezas feitas com a expedição mandada para a Zambezia em 1869, pedida pelo sr. deputado Antonio Telles Pereira de Vasconcellos Pimentel.

5.° Do ministerio das obras publicas, remettendo 120 exemplares do relatorio da missão agricola na provincia do Minho, pelo commissario do governo João Ignacio Ferreira Lapa.

Tiveram o competente destino.

Representações

Ácerca das propostas tributarias, e especialmente a da contribuição

industrial

1.ª Dos negociantes de vinhos engarrafados, do Porto.

2.ª Dos cabelleireiros e barbeiros, idem.

3.ª Dos industriaes de diferentes objectos, idem.

4.ª Dos mercadores de cereaes por miudo, idem.

5.ª Dos mercadores de cal por miudo, idem.

6.ª Dos tanoeiros, idem.

7.ª Dos proprietarios e donos de machinas de distillação de aguardente do concelho de Leiria.

8.ª Dos conserveiros com estabelecimentos.

9.ª Dos contribuintes com estabelecimento de santeiros.

Ácerca de outros assumptos

1.ª Da camara municipal de Ancião, pedindo a revogação da lei de 1 de julho de 1867, que extinguiu os circulos de jurados creados pelo governo pela auctorisação da carta de lei de 11 de setembro de 1861.

2.ª Da camara municipal de Coimbra, contra o decreto de 30 de outubro de 1868, que creou a engenheria municipal.

3.ª Dos proprietarios das fabricas de distillação de mellaço estabecidas na ilha de S. Miguel, pedindo protecção para esta industria sem offensa dos interesses geraes do estado.

4.ª Dos officiaes de diligencias das comarcas de Vianna do Castello, do Peso da Regua, do Porto, da Guarda e de Ponte de Lima, pedindo para se lhes tornarem extensivas as disposições da lei de 11 de setembro de 1861.

Foram remettidas ás commissões.

Nota de interpellação

Pretendo interpellar o sr. ministro da justiça sobre a organisação do ensino ecclesiastico nos seminarios diocesanos, e sobre o decreto de 2 de janeiro de 1862, que regulou a fórma de provimento das igrejas parochiaes.

Sala das sessões, em 14 de abril de 1871. = Joaquim Alves Matheus.

Foi expedida.

Requerimento

Requeiro que, pelo ministerio da fazenda, seja remettido com urgencia a esta camara um mappa demonstrativo da totalidade das dividas do thesouro, provenientes da falta de cobrança e de pagamento das differentes contribuições, em vigor, e com relação a cada uma d'ellas.

Sala das sessões, em 14 de abril de 1871. = O deputado, A. Pedroso dos Santos.

Communicações

1.ª Participo a v. ex.ª que o sr. deputado João Antonio dos Santos e Silva me encarregou de communicar a v. ex.ª e á camara que por motivo de doença deixou de comparecer á sessão de quarta feira, e por igual motivo não comparece á de hoje, e deixa ainda de comparecer a mais algumas.

Sala das sessões, em 14 de abril de 1871. = D. Miguel Pereira Coutinho.

2.ª Tenho a honra de participar a v. ex.ª e á camara que não compareci á ultima sessão por motivo justificado.

Sala das sessões, 14 de abril de 1871. = Pereira do Lago.

SEGUNDAS LEITURAS

Projecto de lei

Senhores. — Têem alguns officiaes de diligencia de primeira instancia, representado recentemente a esta camara para que lhes sejam applicaveis as disposições da lei de 11 de setembro de 1861.

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Responder com uma lei a uma necessidade de serviço publico, traduzir em facto um principio de justiça, e acolher com benigno interesse as pretensões dos que mais engeitados pela fortuna, mais carecem por isso da solicitude dos poderes do estado, tal é o nobre e imperioso officio que corre ao legislador.

O projecto de lei que tenho a honra de submetter à vossa illustrada apreciação, mira por um lado a restabelecer a homogeneidade de disposições para empregados da mesma natureza, embora de inferior categoria, e pelo outro, a obviar aos males que padece o serviço publico, quando é desempenhado por individuos inhabeis pela idade, ou por impedimentos physicos.

Aos officiaes de diligencias competem por lei deveres penosos, e de não pequeno risco e responsabilidade, se se trata da captura e guarda de criminosos.

E se impossibilitados ou em idade provecta, se usassem de rigor com taes empregados, demittindo-os em rasão das conveniencias, a miseria, importando o triste galardão do trabalho, tolheria os actos humanitarios, à sombra dos quaes vivem em muitas comarcas. E isto é tambem um mal.

Acresce o não se descobrir rasão plausivel, que permitta um certo beneficio ao escrivão, tabellião, revedor e distribuidor, vedando-o ao official de diligencias. Se o pensamento da lei de 11 de setembro foi proteger da miseria os empregados judiciaes, obtendo vantagens para o bom desempenho do serviço publico, e creando incentivo a esse bom desempenho, parece ter ficado uma lacuna que é destinado a preencher o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.° É extensivo aos officiaes de diligencias dos juizos de primeira e segunda instancia e ordinarios do continente e ilhas, o disposto na lei de 11 de setembro de 1861.

§ unico. Quando taes empregados forem nomeados pelos presidentes das respectivas relações, é concedida a estes magistrados igual auctorisação, a que ao governo compete pelo artigo 1.° da citada lei.

Art. 2.° Fica revogada toda a legislação em contrario.

Sala das sessões, em 14 de abril de 1871. = O deputado pelo circulo n.º 60, Antonio Pedroso dos Santos = Antonio Pereira da Silva de Sousa Menezes = Julio do Carvalhal Sousa Telles = Manuel Paes Villas Boas — Antonio Maria Esteves Freire Falcão = Visconde de Villa Nova da Rainha.

Projecto de lei

Senhores. — O concelho e circulo de Barcellos é dividido em oito assembléas eleitoraes: Barcellos, Quintiaes, Salvados do Campo, Santa Maria de Gallegos, Faria, Chorente, Fonte-coberta e Encourados.

Faz parte da assembléa de Quintiaes a freguezia de Santo André de Palme, que dista de Quintiaes cerca de 6 kilometros, e de Barcellos 8 approximadamente.

Considerando, porém, que é difficil e sobremodo incommodo o caminho que conduz os eleitores da freguezia de Palme à de Quintiaes, ao passo que o transito entre Palme e Barcellos é facil e commodo, pois se faz por estrada real de 1.ª ordem;

Considerando que não é justo, nem convem obrigar os eleitores a jornadas penosas, difficultando-se-lhes assim o direito de votar e que antes cumpre facilitar, quanto possivel, aos cidadãos o exercicio dos direitos politicos;

Considerando que a actual divisão da assembléa do circulo de Barcellos, não é commoda nem conveniente pelo que respeita à freguezia de Santo André de Palme;

E vendo que facilmente se remediará o mal indicado, dispondo-se que a freguezia de Palme faça parte da assembléa de Barcellos;

E como, em virtude do disposto na carta de lei de 23 de novembro de 1859, e decreto com força de lei de 18 de março de 1869, a divisão das assembléas eleitoraes só póde ser alterada por lei;

Tenho a honra de propor o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.° É alterada a actual divisão das assembléas eleitoraes do circulo de Barcellos, n.º 8, passando a freguezia de Santo André de Palme, da assembléa de Quintiaes, a fazer parte da de Barcellos.

Art. 2.º Fica revogada toda a legislação em contrario.

Sala das sessões, 14 de abril de 1871. = Manuel Paes de Villas Boas.

Foram admittidos e enviados ás respectivas commissões.

O sr. Adriano Machado: — Pedi a palavra para apresentar um projecto de lei (leu).

Para sustentar este projecto não preciso dizer mais do que em uma occasião em que é indispensavel impor à nação grandes sacrificios, é necessario convencer a todos de que ninguem se diverte à custa dos contribuintes.

O sr. Julio do Carvalhal: — Apoiado.

O sr. Eduardo Tavares: — Mando para a mesa uma representação da illustrada camara municipal da Moita, pedindo ao parlamento que auctorise a cobrança de dois impostos municipaes que desde muito tempo são cobrados n'aquelle concelho, e creadas por antigas provisões. N'este sentido vae junto um projecto de lei. Peço a v. ex.ª que lhe mande dar o competente destino. O producto dos dois impostos de que se trata é para ser exclusivamente applicado aos juros e amortisação de um emprestimo para construcção dos paços do concelho, cadeia e cemiterio d'aquella villa.

Mando tambem para a mesa uma representação do sr. Luiz Pedro Chaves, tenente quartel-mestre que foi do batalhão de caçadores n.º 8, pedindo que lhe sejam extensivas as disposições beneficas da carta de lei de 30 de janeiro de 1864, allegando que já em identicas circumstancias se tem feito iguaes concessões.

Peço a v. ex.ª que a mande à commissão de guerra, a fim de a tomar em consideração.

O sr. Menezes: — Mando para a mesa uma representação dos officiaes de diligencias da comarca de Ponte de Lima, pedindo que lhes seja applicada a carta de lei de 11 de setembro de 1861.

O sr. Julio do Carvalhal: — Mando para a mesa um projecto de lei sobre um objecto importantissimo à provincia de Traz os Montes, que tenho a honra de representar n'esta casa, como deputado por um dos seus circulos. Como o relatorio é bastante desenvolvido, e eu não quero tomar muito tempo à camara, vou sómente ler o projecto (leu).

Vae assignado, alem da minha pessoa, pelos meus amigos e patricios os srs. deputados Pereira do Lago, Freire Falcão, conde de Villa Real, José Dionysio de Mello e Faro, Veiga Barreira e Antunes Guerreiro, os quaes, muito conhecedores dos interesses e necessidades d'aquella provincia, tiveram a bondade de esposar a minha idéa, e de honrar com a sua assignatura este meu singelo, mas consciencioso trabalho.

Eu entendo que a approvação do que propomos é um dos maiores beneficios que se póde fazer aquella provincia, aonde o juro do numerario é mais caro do que em outra qualquer parte, e aonde os pobres contribuintes pela impropriedade da epocha em que se lhes exige o imposto, têem pela maior parte de recorrer a emprestimos, e muitas vezes à usura que se lhes impõe por fórma tão pesada, que em todo o anno não podem os pobres contribuintes levantar mais cabeça! (apoiados).

O sr. Telles de Vasconcellos: — É o que tambem acontece na Beira.

O Orador: — No relatorio desenvolvo larga e conscienciosamente, com verdade e conhecimento de causa, os motivos em que se funda o projecto, e a rasão de ser que elle tem.

Tenho aqui ouvido dizer, emquanto ao pagamento da contribuição predial nos concelhos ruraes, que ella deve ser satisfeita em um só pagamento, e que a epocha da colheita é a melhor para a cobrança d'esta contribuição.

Ora, eu quizera que os que assim argumentam, me dis-

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sessem qual é a epocha da colheita em Traz os Montes? Ellas são ali tantas e tão variadas, se bem que todas pequenas, que não se póde dizer com propriedade qual é ali a epocha da colheita, mas das colheitas.

Mas a epocha mais impropria de todas para pagar os impostos é sem duvida a que se estabeleceu para aquelle pagamento, em dezembro de cada anno, porque ella é a de maiores difficuldades para o contribuinte.

As principaes colheitas d'aquella provincia são o vinho e o azeite. Mas o vinho em dezembro não está cozido, e a azeitona está nas oliveiras.

Ha outros muitos generos n'aquella provincia, porque a sua cultura é variadissima, mas a maior parte d'elles estão por colher n'aquella epocha (apoiados), como eu mostro largamente no relatorio. Diversas são as culturas da minha provincia, diversas as epochas da respectiva colheita, diversissimas as epochas da venda dos productos da agricultura e industria agricola. Ali tudo se vende por miudo, a retalho, em todo o anno; por isso são difficeis ahi os grandes pagamentos em uma epocha determinada (apoiados).

Eis a rasão, sr. presidente, porque nós propomos o pagamento das contribuições pessoal e predial por trimestres; pagamento que tem tanto de suave para o contribuinte em geral, quanto tem de oppressivo, violento e prejudicial, o pagamento por inteiro em uma só epocha do anno.

Mas se a alguns contribuintes for mais agradavel e conveniente, satisfazer aquelle encargo em um só pagamento, pelo nosso projecto fica-lhes livre a opção; pagando uma só vez todo o encargo, e aos que não podem satisfazer de uma só vez fica-lhes livre a faculdade de satisfazer em dois, tres ou quatro pagamentos. E por esta fórma attende-se á conveniencia de todos sem prejuizo para o thesouro (apoiados).

Ao que deixo exposto acresce que a epocha mais propria para a venda, que é quem dá o capital ao lavrador para poder satisfazer seus encargos, não é sempre a epocha da colheita, e o lavrador muitas vezes, forçado em epocha impropria a pagar os impostos, sacrifica o seu genero a um preço baixissimo, com prejuizo que evitava se não fôra obrigado a pagar então integralmente o imposto (apoiados).

Assim lhe acontece tambem quando elle vae apanhar a azeitona em meia maturação para fazer azeite, a fim de pagar os impostos, tirando metade do producto que tiraria se o fructo estivesse em maturação completa. (Vozes: — É verdade.)

E quantas vezes não sacrifica elle os generos que ainda ha de colher,

vendendo-os adiantadamente a quem sobre elles lhe adianta dinheiro com enorme abatimento do preço regular? (Apoiados.)

Como já disse, todos os generos, exceptuando os vinhos do Douro, são vendidos ali a retalho e por miudo em consequencia da falta de estradas, que obsta a vendas em grosso, e por isso o dinheiro entra por todo o anno e pouco a pouco na mão do productor; rasão sobeja para o pagamento facultativo por trimestres.

Contra o pagamento por inteiro em dezembro ha mais, que é aquella epocha em que se pede ao contribuinte a contribuição municipal, a epocha em que se lhe pede a derrama para o parocho, a epocha em que o pequeno lavrador se tem empenhado na compra de sementes pára a sua sementeira, a epocha em que o pequeno cultivador Se tem empenhado com o pequeno lavrador para lhe cultivar o seu campo, a epocha em que o dono de olivedos precisa habilitar-se com meios para a apanha-da azeitona, a fim de pagar semanalmente, senão todos os dias, a feria ao jornaleiro, que não póde esperar por lhe não consentirem as precisões, a epocha emfim, mais penosa e mais difficil para o contribuinte, a quem sobretudo faltam estradas, que absolutamente carece, para levar aos mercados uma avultada porção de productos da sua lavoura (apoiados).

Não faço mais considerações, e mando o projecto para a mesa, esperando que a illustre commissão de fazenda, a camara e o governo, vendo as rasões em que me fundo no relatorio que precede este projecto, resolverão como é de justiça e de conveniencia para aquella provincia, como mostra a proposta unanime dos deputados que a representam. (Vozes: — Bem, muito bem.)

O sr. Telles de Vasconcellos: — Mando para a mesa uma representação dos officiaes de diligencias da Guarda, em que pedem que lhes sejam extensivos os beneficios da carta de lei de 11 de setembro de 1861.

Eu ouvi ler na mesa um projecto de lei do sr. Pedroso dos Santos, que tende a resolver a questão no sentido em que os signatarios d'esta representação pedem; por isso peço que esta representação seja enviada ao governo, e associo-me plenamente ao projecto que o illustre deputado apresentou.

O sr. Faria Guimarães: — Mando para a mesa uma representação dos negociantes de cereaes da cidade do Porto contra a contribuição industrial.

Peço que seja remettida á commissão competente.

O sr. Francisco Beirão: — Como vejo presente o sr. ministro da fazenda desejava fazer-lhe uma pergunta a respeito da uma representação que foi mandada em tempo ao governo pelas camaras de Gondomar e Maia, representações identicas a uma que eu tive a honra de apresentar a esta camara mandada pelo municipio de Bouças.

As camaras municipaes de Gondomar, da Maia e de Bouças, pediram a prorogação do praso para o registo dos onus reaes — prorogação que até certo tempo já foi concedida por um decreto dictatorial do governo, para o qual espero dentro em pouco o sr. ministro da justiça pedirá á camara o respectivo bill de indemnidade, e tomando naturalmente por essa occasião algumas providencias a esse respeito.

N'aquellas representações pedia-se tambem ao governo que apresentasse um projecto de lei para isentar os titulos de aforamentos das camaras municipaes do imposto do sêllo, quando fossem apresentados ás conservatorias para o respectivo registo.

Como a camara sabe, pelas leis do sêllo os titulos de aforamentos dos bens municipaes são isentos de tal imposto, mas quando têem de ser apresentados a qualquer repartição publica, como por esse facto revestem a fórma de documento, tem de ser sellado na importancia de 60 réis por cada meia folha.

Já se vê, pois, que esta segunda disposição da lei inutilisa a primeira isenção do sêllo, pois que aquelles titulos ficam dispensados do sêllo emquanto se conservam nos archivos da camara; se porém de lá sáem para se juntarem a qualquer requerimento ou processo que tenha de correr perante repartições publicas, isto é, quando têem de apparecer e servir, devem pagar o sêllo.

Por isso as illustradas camaras a que me referi pedem que se torne esta isenção mais larga, e que os titulos possam ser apresentados nas respectivas conservatorias sem pagar o sêllo.

Apresenta aquella camara municipal diversos argumentos mostrando qual a importancia d'aquella contribuição que os municipios têem a pagar, e adduzem um argumento em que não posso deixar de tocar, e é que havendo conservatorias privativas dentro e fóra de Lisboa e Porto que são pagas por emolumentos, e determinando a lei que os titulos de onus reaes, até um certo valor, sejam registados gratuitamente, dá-se a seguinte contradicção: o conservador tem de fazer o registo gratuitamente e despender ainda dinheiro da sua algibeira para pagar livros, papel, etc. emquanto o governo pela sua parte não dispensa os municipios do pagamento do sêllo.

Emquanto pois durar aquella disposição da lei do registo parece-me uma contradicção exigir-se nos mesmos casos o sêllo de titulos dispensados anteriormente d'este tributo.

É sobre este ponto que a camara municipal de Gondomar representou, e por isso desejava saber se o sr. Minis-

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tro da fazenda tenciona apresentar a tal respeito algum projecto de lei.

O sr. Ministro da Fazenda (Carlos Bento): — (S. ex.ª não restituiu o seu discurso a tempo de se publicar n'este logar.)

Leu-se na mesa a seguinte

Proposta de lei n.º 11-D

Senhores. — Pelo artigo 2.° do decreto com força de lei de 8 de setembro de 1852 foram mandados considerar navios portuguezes os barcos a vapor comprados em paiz estrangeiro por espaço de tres annos. A carta de lei de 25 de julho de 1856 prorogou por outros tres annos as disposições do mencionado decreto; e, finalmente, por effeito da carta de lei de 14 de fevereiro de 1861, os mencionados barcos ficaram isentos de direitos de nacionalisação até ao fim do anno de 1870.

Não se tendo desenvolvido entre nós a industria da construcção de embarcações movidas a vapor, de fórma que possa por emquanto prescindir se do beneficio concedido ás construcções estrangeiras da referida natureza, entendo ser conveniente manter, por mais algum tempo, a isenção dos direitos de embandeiramento, com as restricções estabelecidas no mencionado decreto de 8 de setembro de 1852, e carta de lei de 25 de julho de 1856.

Para esse fim tenho a honra de submetter à vossa approvação a seguinte proposta de lei:

Artigo 1.° É concedida por mais tres annos, a contar da publicação d'esta lei, a importação de barcos a vapor, comprados ou mandados construir em paiz estrangeiro, para serem embandeirados em portuguezes, sem pagamento dos direitos marcados no artigo 183.° da pauta geral das alfandegas.

Art. 2.° O disposto no artigo antecedente será unicamente applicavel a barcos cuja propriedade pertença a subditos portuguezes, ou a companhias auctorisadas por decreto do governo portuguez, e que navegarem na conformidade das leis do reino.

Art. 3.° Fica revogada a legislação em contrario.

Ministerio dos negocios da fazenda, em 14 de abril de 1871. = Carlos Bento da Silva.

Foi remettida à respectiva commissão.

O sr. Pinto Bessa: — Mando para a mesa uma representação da classe dos tanoeiros da cidade do Porto contra a taxa que lhe é imposta pela proposta de fazenda da contribuição industrial.

O sr. Candido de Moraes: — Mando para a mesa um requerimento por parte da commissão de guerra, pedindo esclarecimentos ao governo.

Mando tambem um requerimento de D. Maria de Portugal e Castro Tinoco, pedindo que lhe seja concedida uma pensão por estar nas condições previstas pela lei.

O sr. Pereira de Miranda: — Mando para a mesa uma representação dos santeiros, com estabelecimento, reclamando contra o augmento da contribuição industrial.

O sr. Paes Villas Boas: — Mando para a mesa um requerimento, pedindo esclarecimentos pelo ministerio dos negocios da fazenda.

Tendo a palavra, não devo deixar passar a occasião sem declarar que me associo inteiramente ao illustre deputado, e meu amigo, o sr. Beirão, nas observações que elle acaba de fazer a proposito da representação das camaras de Gondomar e Bouças; e que me não satisfez plenamente a resposta do nobre ministro da fazenda.

Disse s. ex.ª que se conformava com as observações do illustre deputado. Estimei ouvir a opinião, que registo, do sr. ministro; mas isso não basta. Observarei simplesmente que a ultima prorogação do praso concedido para o registo dos onus reaes acabará dentro de poucos mezes, e que as camaras municipaes em tão breve espaço de tempo, na incerteza em que naturalmente estão de se lhes dar deferimento ás suas justas e bem entendidas reclamações, mal poderão proceder de modo decisivo e conveniente.

Sr. presidente, urge que se tome uma deliberação a similhante respeito (apoiados), sobre proposta de lei do sr. ministro. Sobre as camaras municipaes está pesando grande responsabilidade. A ellas compete a guarda e segurança dos direitos do municipio, mas em tamanhas difficuldades se encontram, que não podem praticar, como lhes cumpre, todos os actos conservatorios d'esses direitos; e um dos embaraços de superior ordem consiste na despeza, que o registo predial demanda. Sem entrar no desenvolvimento do assumpto, notarei apenas, que em regra não se encontram nos cartorios dos municipios os titulos de aforamento em termos de ser levados a registo. V. ex.ª sabe bem qual o systema emphyteutico que tem imperado no nosso paiz, nomeadamente nas provincias do norte. A despeza da intitulação para o registo, acrescendo a despeza ou imposto do sêllo, creio que se tornará impraticavel o registo em alguns municipios.

Pelo que respeita ao que tenho a honra de representar aqui, cuja vereação adhere plenamente à representação da camara de Gondomar, direi que tendo os seus prazos subdivididos em multiplicadas glebas; tendo, se bem me lembro, mais de sete mil foreiros e com um rendimento de bens proprios, que calculo em menos de 2:000$000 réis, o despendio com o registo, contando com o imposto do sêllo, attingiria uma quantia, que attentas outras obrigatorias despezas, não caberia nos recursos ordinarios do municipio.

Não me satisfez plenamente a resposta do sr. ministro da fazenda, queria mais; desejara que s. ex.ª nos tivesse assegurado, que sem delongas de tempo, tomando conhecimento da materia das representações, apresentaria n'esta casa a reclamada providencia, tendente a isentar do imposto do sêllo os titulos e diplomas de aforamentos municipaes, sem o que as camaras não obstante os seus bons desejos e solicitude, não poderão dar pleno cumprimento à lei do registo predial.

O sr. Osorio de Vasconcellos: — Pedi a palavra para mandar para a mesa um requerimento que acho perfeitamente fundamentado. Peço a v. ex.ª que lhe dê o destino conveniente. Entendo que a camara deve tomar sobre o assumpto em questão uma resolução cabal e completa, e que satisfaça aos preceitos da boa justiça.

O sr. Mello e Faro: —...(O sr. deputado não restituiu o seu discurso a tempo de entrar n'este logar.)

O sr. Francisco Beirão: — Pedi a palavra para agradecer ao nobre ministro da fazenda a promptidão com que se dignou responder à minha pergunta, e ao mesmo tempo para registar o termo attendiveis, com que s. ex.ª classificou as reclamações feitas pela camara municipal de Gondomar, a que me referi.

Eu sou mais facil de contentar do que o meu illustre amigo o sr. Paes Villas Boas, por isso me satisfez o termo attendiveis, com que s. ex.ª classificou taes reclamações, e contento-me, porque attender não é só attender bem, é alem d'isso attender opportunamente. Portanto espero que s. ex.ª não só resolverá bem, mas resolverá com promptidão.

Ha pouco abstive-me de fazer largas considerações sobre este assumpto, porque a representação da illustrada camara municipal de Gondomar acha-se perfeitamente elaborada, e n'este momento não farei mais observações a tal respeito, porque me reservo para tratar d'esta materia e de muitas outras concernentes ao registo predial, quando por parte do sr. ministro da justiça aqui for apresentada a proposta, pedindo o bill para a prorogação do praso do registo de onus reaes, ou outra qualquer tomando providencias sobre este objecto.

O sr. Coelho do Amaral: — Foi renovada na actual sessão legislativa pelo meu illustre collega e digno secretario, o sr. Pinheiro Borges, a iniciativa do projecto de lei n.º 43 da commissão de guerra da sessão de 1864, que tornava extensivas as disposições da lei de 30 de janeiro

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do mesmo anno a alguns individuos, e poucos são elles já, que se achavam em circumstancias comparaveis ás dos primeiros sargentos que, tendo servido a junta do Porto, foram por essa lei reformados em alferes.

O projecto foi distribuido na commissão de guerra, creio que ao meu illustre amigo, o sr. Osorio de Vasconcellos; mas constou-me posteriomente que a illustre commissão, encontrando nas suas gavetas um grande numero de requerimentos de officiaes inferiores, que se julgavam preteridos, e com direito a se lhes tornarem extensivos os beneficios da lei de janeiro de 1864, e que pediam para serem convenientemente considerados, applicando-se-lhes equitativamente as disposições d'essa lei, se reservou dar sobre todos um só parecer. Quero abstrahir-me agora de comparar as circumstancias que possam dar-se entre uns e outros, e se devem ou não ser extensivos aos differentes individuos que têem requerido a esta camara, os beneficios da lei de janeiro de 1864. O que é certo é que o projecto, cuja iniciativa o illustre deputado, o sr. Pinheiro Borges, renovou, abrange creio que tres, quatro, ou cinco individuos. Se porventura mais alguns ha n'essas circumstancias, desejo que tambem sejam comprehendidos; mas peço à illustre commissão de guerra não demore a resolução d'este negocio, e que de uma vez traga a esta camara um parecer que ponha termo a estas velhas reclamações, aliás fundadas na justiça, na equidade, e em direitos reconhecidos por uma lei; porque, se ella, para resolver estas pretensões, em muito diminuto numero, se reserva primeiro fazer o estudo de muitos requerimentos, que possam estar nos seus archivos, baseados talvez em fundamentos diversos, esse procedimento parece-me que dará em resultado o deferir-se o despacho dos requerimentos e a justiça dos individuos a quem alludo, para quando... eu sei... para as kalendas gregas, ou para quando já não sejam vivos.

(Àparte do sr. Candido de Moraes.)

Quer saber o sr. Candido de Moraes a quem foi distribuido o projecto?

O sr. Osorio de Vasconcellos: — Ainda não foi.

O Orador: — Pensei que lhe tinha sido distribuido. Eu tinha conversado com s. ex.ª, enganei-me provavelmente, não comprehenderia bem o que s. ex.ª me disse.

(Àparte do sr. Candido de Moraes.)

O projecto a que me refiro é o n.º 43 de 1864, da commissão de guerra, apresentado sobre um projecto de lei aqui offerecido por mim e pelo meu illustre amigo então deputado, o sr. Antonio Gonçalves de Freitas, e cuja iniciativa o nosso illustre collega, o sr. Pinheiro Borges, renovou, sendo remettido à commissão de guerra. O projecto abrange tres ou quatro individuos, que tantos são aquelles que têem direito a ser attendidos, por se julgarem no caso de lhes serem applicaveis as disposições da lei de janeiro de 1864.

Mas a illustre commissão de guerra entendeu dever sobreestar na apresentação do respectivo parecer para trazer um que abrange a todos os ex officiaes inferiores que tiveram baixa do serviço por motivos politicos, que têem requerido a esta camara, e cujos requerimentos obstruem os archivos da commissão. Justo é que assim o faça, e ha muito devera ter sido feito; mas não seja o estudo demorado de tantos requerimentos occasião para ser preterido o projecto que lhe está affecto. E é por isso que com o devido respeito eu venho provocar a attenção da illustre commissão de guerra para este negocio; e se porventura ella n'um só projecto incluir todos aquelles individuos em que possa encontrar se paridade ou analogia de circumstancias com estes a que alludo, presta um meritorio serviço, mas não o descure por mais tempo.

Os direitos d'estes assentam sobre as rasões determinantes das disposições da lei de 1864. Peço a maior brevidade, porque se se demorar, encontrando agora apenas quatro ou cinco, mais tarde não encontrará um. Se prompto não accodes não acharás quem soccorres.

Espero que a illustre commissão de guerra tome na attenção que merece este negocio, justo e simples.

O sr. Candido de Moraes: — Tenho a honra de ser secretario da commissão de guerra, honra que me traz uma larga compensação de dissabores, porque todos os dias que venho para a camara se me dirigem um grande numero de individuos, cada um dos quaes solicita de mim, como de facto dependesse de mim exclusivamente, o proximo andamento de negocios que estão affectos à commissão.

Tenho reconhecido que quasi todos os requerimentos são justos ou pelo menos justificados, porque quasi sempre versam sobre pontos a que se referem resoluções, se não absolutamente injustas pelo menos muito arbitrarias do ministerio da guerra.

O facto é que tenho reconhecido pelo exame d'esses negocios e pela comparação de uns com outros, que raras vezes se resolvem no ministerio da guerra pretensões de natureza identica da mesma fórma.

Não posso dizer nem saber quaes são as rasões que determinam estes factos, posso unicamente regista-los, lamentando os.

As pretensões a que o nobre deputado se referiu, estão affectas à commissão de guerra, e a commissão em relação a essas pretensões e assim como em relação a muitas outras, não tem podido, por circumstancias que o illustre deputado me dispensara de referir, dar parecer sobre ellas.

É certo porém que no animo dos membros da commissão está dentro de um breve praso, resolver todas essas pretensões, attendendo as que forem justas, e tirando por uma vez as esperanças aquelles que as fundam em materias menos justas.

Pela minha parte, posso asseverar a v. ex.ª e à camara, que o meu vehemente desejo, com relação a este assumpto, bem como o da commissão seria que n'um mais curto praso se desse solução prompta a todos esses negocios.

Aproveito esta occasião para dizer a todos os individuos que me têem procurado, que tenho empregado todos os esforços para que os negocios que lhes dizem respeito se decidam promptamente, e tenho sempre encontrado os meus collegas na melhor disposição possivel.

O sr. Osorio de Vasconcellos: — Pedi a palavra simplesmente para dizer que o meu illustre collega e amigo o sr. Coelho do Amaral que estava mal informado quando disse que eu tinha sido nomeado relator d'aquelle projecto de lei a que s. ex.ª se referiu.

S. ex.ª tinha-me mostrado aquelle projecto de lei e perguntado se teria duvida, no caso de me fazer a commissão a honra de me nomear, aceitar aquelle encargo.

Disse a s. ex.ª que já tinha estudado a questão, e ser-me-ía muito facil lavrar parecer. Porém a commissão, em virtude da rasão que acabou de expender o seu illustre secretario, resolveu não attender aquella pretensão singularmente, sem fazer um estudo completo de todas as pretensões de particulares e dar parecer sobre todas. Foi isso o que se decidiu na commissão.

Por tanto a conclusão é muito simples de tirar; não quero tirar indeferencias sobre este facto, mas simplesmente alijar de mim a responsabilidade, que o meu amigo o sr. Coelho do Amaral, certamente mal informado, não por outro motivo, me pareceu que me quiz attribuir.

O sr. Paes Villas Boas: — Requeiro a v. ex.ª que me inscreva para quando estiver presente o sr. ministro das obras publicas.

Peço a v. ex.ª licença para acrescentar ainda algumas palavras com relação ao que ha pouco disse.

Creio na solicitude do sr. ministro da fazenda, e que em breve apresentará alguma providencia relativa ás representações das camaras municipaes com relação ao imposto do sêllo.

Eu sei que para se resolver um negocio importante é preciso opportunidade e criterio.

Observei que era preciso tratar com certa urgencia d'este

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assumpto visto que o praso termina em agosto. Creio mesmo que será prorogado, mas em todo o caso ha apenas dois mezes, e baseado n'estas considerações é que eu fallei sobre a urgencia.

O sr. Bandeira Coelho: — Pedi a palavra quando o sr. Coelho do Amaral se referiu à disposição ou resolução que lhe constou que a commissão de guerra tinha tomado para attender à pretensão dos sargentos de que s. ex.ª nos fallou.

Como não estava presente nem o sr. presidente da commissão de guerra nem o secretario d'ella, pedi a palavra para dar algumas explicações a este respeito. Veiu depois o sr. Candido de Moraes, collega e amigo, secretario da commissão, que já deu explicações em resposta ao sr. Coelho do Amaral. Assim cumpre-me acrescentar que effectivamente na commissão de guerra se decidiu que todas as pretensões hoje ali affectas, e que dizem respeito a diversos individuos, fossem tomadas em consideração simultaneamente, compromettendo-se cada um dos membros da commissão a estudar as questões e dar parecer, de fórma que se apresentasse à camara um trabalho completo sobre todas aquellas pretensões, indeferindo as que julgasse que não tinham direito e justiça, e attendendo as que a tivessem.

Esta resolução foi já tomada pela commissão ha tempo, e ainda se não poz em pratica, porque têem havido difficuldades em reunir a commissão; difficuldades que quem as póde resolver melhor são o presidente da commissão e o seu secretario; os outros membros reunem-se quando são convocados. Eu pela minha parte declaro a v. ex.ª e à camara que tenho sido sempre assiduo e prompto a comparecer ás sessões da commissão quando ella se tem reunido.

Não me cabe fazer n'este logar observação nenhuma ao que disse o sr. Candido de Moraes, quanto à justiça ou injustiça das pretensões que s. ex.ª asseverou, como quem já as tinha estudado, que eram quasi todas justas ou justificadas, asseveração que só póde ser feita depois de examinados os documentos, e esses a praxe é distribuirem-se aos relatores, e só elles podem tomar conhecimento d'elles, para depois exporem no seio da commissão a natureza das pretensões dos differentes requerentes. Creio que dada esta explicação, tendo o sr. Coelho do Amaral empenho, como me parece ter, em que se resolva o negocio que mereceu a sua attenção, melhor faria indicando a necessidade de reunir a commissão aos srs. presidente e secretario da mesma, que são aquelles a quem está commettido o dever de a fazer reunir, a fim de se dar execução à deliberação que a mesma commissão tomou. E quero acrescentar que essa deliberação foi tomada por proposta minha, proposta que fundamentei lá como fundamento aqui. Existindo na commissão de guerra uma grande quantidade de requerimentos e pretensões, que vêem de outras legislaturas anteriores, e apresentando a commissão aqui um parecer sobre um ou outro d'esses requerimentos, embora fazendo justiça ao requerente, póde parecer que elle teve solicitadores ou foi mais favorecido pela commissão, emquanto que, tomando nós a deliberação de examinar todos os requerimentos, o fructo do nosso trabalho ha de ser uma medida geral, e não poderá ser considerado como um favor particular.

O sr. Pinheiro Borges: — Tive muita satisfação por ver que o meu collega e amigo o sr. Coelho do Amaral insistiu na resolução de um projecto, cuja iniciativa eu renovei. Devo declarar que fiz essa renovoção, porque me pareceu que ao requerente assistia justiça de uma lei que o poder legislativo votou, e que se ha praticado com individuos nas mesmas circumstancias (apoiados), porque de outra maneira não a faria. Se eu fôra membro d'esta casa quando se votou aquella lei, declaro que teria votado contra; mas como a lei está em vigor, entendo que é necessario que perante ella não haja filhos e enfiados. E preciso que a lei seja igual para todos, e os requerentes estão nas circumstancias de lhes ser applicavel. Não precedi a minha proposta de renovação de iniciativa, de insistencia de qualidade alguma para com o meu illustre amigo e camarada

o sr. Candido de Moraes. Ordinariamente quando apresento n'esta casa qualquer representação ou proposta, deixo ás commissões que estudem o assumpto com o vagar que elle exige; comtudo tenho notado que ha realmente queixumes da parte dos requerentes a respeito de negocios que têem atravessado legislaturas e legislaturas sem serem resolvidas (apoiados). Se os requerentes vem a esta, casa respeitando o poder que ella representa, para que este poder se acredite é necessario que attenda ás reclamações como for de justiça.

Concluo aqui as minhas observações, esperando que a illustre commissão de guerra dará uma resolução breve a este negocio.

O sr. Saraiva de Carvalho: — Mando para a mesa uma representação dos conserveiros com estabelecimentos na cidade de Lisboa, a proposito da proposta relativa à contribuição industrial, apresentada pelo sr. ministro da fazenda.

Peço a v. ex.ª tenha a bondade de a remetter ás estações competentes.

O sr. Coelho do Amaral: — Agradeço ao illustre deputado, o sr. Candido de Moraes, secretario da commissão de guerra, e aos meus illustres amigos, os srs. Osorio de Vasconcellos e Bandeira de Mello, as explicações que tiveram a bondade de dar; e relevem-me de que seja eu mais uma vez importuno, pedindo à illustre commissão, e especialmente aos seus dignos presidente e secretario, aos quaes cabe a distribuição dos negocios affectos à mesma, que tomem este na consideração que merece, e que não continuem a reservado na gaveta, como até aqui tem succedido.

Segundo disse o meu illustre amigo, o sr. Bandeira de Mello, a commissão decidiu que se tomasse uma resolução sobre todos os requerimentos de ex-militares que têem vindo a esta camara allegando preterição de seus direitos; não entro na questão se são fundados ou sem fundamento; peço que não continuem dormindo o somno eterno na gaveta da commissão.

Tomou-se essa resolução para abranger a todos; mas tal decisão ficou palavra morta, não se verificou; e peço que ella se realise (apoiados) ou no todo ou na parte a que me tenho referido.

Note v. ex.ª e a camara, que o projecto cuja iniciativa renovou o nosso illustre collega e amigo, o sr. Pinheiro Borges, é de 1864! A commissão de guerra d'essa epocha entendeu, e na minha opinião entendeu muito bem, que assistia justiça aos individuos a que o projecto se referia, porque era seu fim fazer por uma vez cessar os justos queixumes das victimas das nossas dissenções civis, justiça tanto maior quanto é certo que essas victimas que vem trazer os seus clamores a esta casa foram sacrificadas pelo cumprimento dos seus deveres, pela obediencia aos seus chefes, que é a primeira virtude militar, ao passo que os seus chefes, a cuja voz elles, como lhes cumpria, obedeceram, se acham todos compensados das preterições e indemnisados dos prejuizos que poderiam ter soffrido na sua carreira! Só os pobres officiaes inferiores foram votados ao ostracismo!!!

Se a alguns assiste justiça como eu entendo, assim como as commissões de guerra d'esta casa têem entendido, liquidem-se os seus direitos, confrontem-se com as disposições da lei de janeiro de 1864, e que reformou em alferes os primeiros sargentos que serviram a junta do Porto, e tome-se a respeito de todos uma medida que por uma vez ponha termo a esta continua apresentação de requerimentos, pedindo indemnisação de direitos que se julgam offendidos (apoiados). Faça-se isto, mas não se diga sómente «a commissão de guerra resolveu tomar uma resolução a respeito de todos» sem que a final se tome a respeito de nenhum!!

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ORDEM DO DIA

Continuação da discussão do projecto de lei n.º 9, sobre a contribuição pessoal

O sr. Barros Gomes: — Sr. presidente, a minha posição como relator que tenho a honra de ser do projecto de lei que actualmente está em discussão n'esta casa, acha-se singularmente facilitada pela circumstancia de nenhum dos oradores que me precederam no uso da palavra, ou quasi nenhum d'elles, o ter impugnado nas suas disposições mais essenciaes, apenas, constituindo a excepção a que acabo de me referir, os srs. Francisco de Albuquerque deputado por Mangualde, e Tiberio de Roboredo, fundando ambos a sua argumentação na falsidade da base fornecida pelas matrizes, procuraram impugnar a modificação proposta pelo governo na legislação em vigor sobre a contribuição pessoal. Parece-me, porém, por muito plausiveis que sejam as considerações adduzidas por aquelles meus dois illustres collegas, que ellas não são sufficientes para destruir e annullar as rasões em que o governo e a commissão de fazenda se firmam, quando julgam dever indicar à camara como altamente recommendavel, o principio consignado n'este projecto de lei, da transformação da contribuição pessoal de repartição, em dois impostos de quota, denominados contribuição da renda das casas, e contribuição sumptuaria.

V. ex.ª e a camara não ignoram, que o principio da repartição do imposto directo, foi implatando em Portugal, sobretudo, por causa da influencia exercida no animo dos nossos estadistas da escola liberal pelo exemplo da França, onde desde 1791 as contribuições se lançavam tomando por base o principio de uma repartição, effectuada annualmente no parlamento, da importancia total do imposto em contingentes determinados para cada departamento.

No que diz respeito effectivamente à contribuição pessoal, que n'este momento nos interessa mais em particular, póde bem affirmar-se que o projecto convertido em lei em 1845, dando um documento claro d'essa influencia a que alludo, se reduzia apenas a um transumpto fiel da legislação franceza que regulava a contribuição pessoal mobiliaria, e que se achava em vigor n'aquelle paiz desde 1791, havendo sido repetidas vezes modificada em epochas posteriores, até ficar definitivamente estabelecida por lei de 21 de abril de 1832.

O projecto do governo convertido em lei pelas côrtes de 1845, estabelecia, como em França, uma taxa pessoal, fixada em dois dias de trabalho avaliados em um regulamento posterior na importancia de 160 réis cada um, e à qual ficavam sujeitos todos os que tivessem um rendimento proprio, quer elle lhes resultasse do emprego dos seus capitães, quer procedesse do trabalho, quer finalmente lhes proviesse do amanho das suas propriedades rusticas ou do aluguer dos seus predios urbanos. Apenas ficavam portanto isentos do imposto os individuos a quem coubesse claramente a classificação de indigentes.

Alem d'esta taxa pessoal fixada, como acabo de dizer à camara, em dois dias de trabalho avaliados em 160 réis cada um, creava-se uma taxa domiciliaria correspondendo à actual contribuição sumptuaria, e recaíndo, como esta, sobre creados, cavalgaduras e vehiculos, e alem d'isso estabeleciam-se quotas proporcionaes, tendo por base o valor locativo das casas de habitação, e por meio das quaes se podia completar para cada districto, o contingente que annualmente lhe era distribuido pelo parlamento.

Como disse a v. ex.ª, todas estas disposições da lei de 1845, eram copia fiel da legislação que vigorava então em França, ácerca do imposto pessoal mobiliario, menos no que dizia respeito à taxa domiciliaria, que n'aquelle paiz havia sido abolida por pouco productiva em 1806.

Todos sabemos as vicissitudes politicas por que passou o reino em 1846; impediram ellas que o systema de fazenda, que havia sido apresentado e defendido no parlamento pelo ministerio a que presidia o sr. conde de Thomar, podesse chegar a ter completa execução; comtudo, se a revolução por que então passou o paiz não permittiu que esse systema começasse a vigorar e a radicar-se nos nossos habitos, é certo que na mente dos nossos homens d'estado mais abalisados, e financeiros eminentes se conservou sempre firme a crença na conveniencia de sujeitar a uma transformação radical todo o nosso systema tributario, introduzindo n'elle o principio da repartição successiva do imposto pelo parlamento e pelas corporações administrativas locaes, em harmonia com as disposições do codigo fundamental. Suppunha-se então que as vantagens que de uma tal transformação deveriam resultar para o thesouro haviam de ser por tal maneira consideraveis, que permittiriam acabar com o estado de incerteza, e com as difficuldades de toda a ordem que entorpeciam constantemente a marcha da administração, devidas sobretudo à differença sensivel entre a importancia dos recursos de que o erario dispunha, e a dos encargos a que tinha de satisfazer.

O primeiro passo no sentido de restaurar o systema de repartição inaugurado pela primeira vez em 1845 foi dado em 1852, quando se estabeleceu por um decreto dictatorial sobre essa base a contribuição predial, abolindo-se a antiga decima. Alludindo a este facto, não posso n'este momento deixar de lastimar até certo ponto essa substituição, por isso que a nossa antiga decima estabelecida de longa data, desde 1654, podia dizer-se vasada nos amplos moldes de um imposto geral sobre o rendimento, e firmada, emquanto ás suas disposições essenciaes, nos principios indicados hoje pelos homens mais eminentes da sciencia, como sendo aquelles que particularmente devem ser seguidos em materia de legislação tributaria, e com os quaes nós vemos effectivamente na pratica conformarem-se paizes muito mais adiantados, como por exemplo a Prussia e outros, quando têem tratado de reformar ou completar os seus systemas de contribuições directas.

Era porém natural que dado o primeiro passo n'este caminho da restauração dos principios financeiros de 1845, os governos, pelo desejo explicavel de harmonisar entre si as diversas contribuições directas, procurassem sujeitar ao principio da repartição, transformando-os essencialmente os antigos impostos de 4 por cento sobre a renda das casas, e o que recaía sobre os creados, cavalgaduras e vehiculos.

N'estes principios assentava a proposta apresentada ao parlamento em 1856 pelo ministro da fazenda de então o sr. Fontes Pereira de Mello, contendo já todas as disposições mais tarde consignadas na legislação de 1860, actualmente em vigor, e cuja iniciativa pertenceu ao sr. conde de Casal Ribeiro.

Pela proposta do sr. Fontes a contribuição pessoal ficava fixada para o continente em 150:000$000 réis, devendo notar-se que a tabella das taxas fixas relativas ás diversas ordens de terras era então muito mais moderada, do que a da proposta posterior do sr. Casal Ribeiro.

Foi, porém, só em 1860 que esta reforma tantas vezes preconisada chegou finalmente a realisar-se e começou a ter vigor no paiz. A lei de 7 de julho de 1862 veiu modificar a de 30 de julho d'aquelle anno na parte que dizia respeito aos recursos, a qual, não dando ao contribuinte as sufficientes garantias, fazia receiar que este ficasse sujeito a arbitrariedades por parte dos escrivães de fazenda, sendo o excesso de attribuições conferidas a estes funccionarios pela legislação de 1860, um dos principaes argumentos em que se firmára a opposição da epocha para combater as propostas financeiras do governo. Foi em virtude d'esse receio que em 1862 se estabeleceu recurso das decisões das juntas dos repartidores para os conselhos de districto, e d'estes para o conselho d'estado, em ultima instancia, e sem effeito suspensivo.

A carta de lei de 20 de junho de 1863 veiu ainda ampliar algumas das isenções estabelecidas em 1860, alterando alem d'isso a tabella da contribuição sumptuaria na parte que dizia respeito ás terras de 5.ª e 6.ª ordem, e determi-

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nando que a percentagem complementar sobre a renda das casas seria a mesma para todo um districto, fixando-a annualmente o delegado do thesouro, que tomaria para base do seu calculo, por um lado a importancia das taxas fixas lançadas no anno immediatamente anterior e por outro a totalidade do valor locativo das casas permittindo-lhe o conhecimento d'aquella importancia determinar qual deveria ser a percentagem que sobre esse valor locativo teria de recaír, para completar o contingente distribuido pelo parlamento ao districto respectivo.

A rasão por que em 1863 se julgou dever modificar em pontos tão importantes a legislação de 1860, foi o deixar essa legislação ao arbitrio das juntas geraes o fixar a importancia da percentagem complementar para cada um dos concelhos do districto, quando procediam à repartição do contingente da contribuição pessoal, resultando d’ahi entre outros factos que em 1862 a junta geral de Coimbra, realisando uma repartição arbitraria, fixou para alguns concelhos percentagens muito elevadas, emquanto que para outros chegava a ponto de nenhumas lhes exigir.

Esta distribuição era tão injusta, que não podia deixar de levantar contra si, como de facto levantou, altos clamores. Esses clamores foram ouvidos pelo poder central, e em uma portaria de 23 de janeiro de 1863 foram annulladas n'essa parte as decisões da junta geral, e commettida nova distribuição ao concelho de districto. Mas a providencia adoptada em 1863, pondo termo a um abuso, só o conseguiu, creando uma nova e muito grave difficuldade.

Effectivamente, como, em virtude das disposições d'esta lei de 1863, o delegado do thesouro fixa para todo o districto uma percentagem unica, calculada no intuito de perfazer a importancia total do contingente sobre uma base sujeita a considerareis alterações, como o é o rendimento das taxas fixas, acontece frequentes vezes que a importancia cobrada da contribuição ora fica muito áquem, ora excede consideravelmente o contingente distribuido ao districto. Dá isto logar a um systema de compensações nos annos immediatos, que se traduzem em uns casos n'uma elevação, em outros n'um allivio dos encargos exigidos ao contribuinte.

Querem v. ex.ªs e a camara saber por exemplo qual era o resultado pratico d'esta combinação? Em 1869 decretou se que sobre a contribuição pessoal racaísse um pesado addicional na importancia de 50 por cento; em virtude d'este systema das compensações aconteceu, porém, que no districto de Coimbra, aonde em uma serie successiva de annos anteriores se havia sempre cobrado uma importancia muito superior à do contingente que estava fixado para esse districto, se presenciou o facto singular de que n'esse anno, apesar, como disse, de haver sido por tal fórma aggravada a contribuição pessoal, não se chegou a cobrar a importancia principal do imposto, porque nos annos anteriores se havia cobrado a mais, o que bastava para prefazer o contingente completo de um anno.

Pergunto, se uma legislação que dá logar a duvidas d'esta ordem se póde manter? Pergunto, se a repetição de factos tão anomalos não deve influir no nosso animo para mudar o systema que a elles dava logar? (Apoiados.)

Eu peço licença à camara para ter a este respeito um trecho de um livro intitulado Elementos de direito financial ha pouco publicado em Coimbra por um distincto lente da universidade, o qual, analysando o facto a que eu acabo de me referir, diz o seguinte: «Como foi que isto aconteceu? Foi, cousa notavel, porque nos cinco annos anteriores havia-se liquidado e recebido de mais, e tanto que chegou, se não cresceu, para supprir o contingente ordinario de um anno;

«É indubitavel que houve descuido de parte dos executores da lei; mas este descuido não teria tido logar, se a lei não fosse complicada e obscura. Quando o defeito está na cousa, na propria lei, este prevalece contra as diligencias e cuidados dos seus executores. Nem de outra fórma se explica o ter se errado repetidas vezes, e não ter a repartição superior tomado conhecimento do erro.»

Ora, sr. presidente, quando por parte do governo, de tantos membros dos mais illustrados d'esta casa e da imprensa se sustenta com bom fundamento a opinião de que, sendo necessario sujeitar o contribuinte a novos encargos, convem modificar a nossa legislação tributaria por fórma que esses encargos se tornem menos duros e por isso susceptiveis de mais facilmente serem aceitos, multiplicando-se os prasos da cobrança, para que o pagamento das contribuições se torne mais facil; pergunto, se é n'este momento que podemos pretender sustentar a conveniencia do principio da repartição, quando de tal systema resulta a circumstancia deploravel de se poder exigir em uma só vez do contribuinte a importancia do imposto que elle deveria pagar em dois annos, ou em dezoito mezes? (Apoiados.)

Nós queixâmo-nos e com rasão de que seja cobrada por uma só vez a contribuição de um anno, desejariamos approximar-nos se não adoptar completamente o systema francez da cobrança por duodecimos, não devemos portanto manter uma legislação, que força o contribuinte a pagar em relação a um praso determinado e qualquer, um imposto superior ao que rigorosamente lhe competiria n'esse praso.

Esta circumstancia demonstra só por si, que era necessario modificar a legislação sobre a contribuição pessoal, e esta opinião não é só do sr. Carlos Bento e da actual commissão de fazenda, é de todos os homens mais illustrados d'este paiz, que ultimamente se tem achado à frente da administração dos negocios da fazenda.

O sr. Dias Ferreira, e mais tarde o sr. conde de Samodães, reconheceram o grande defeito que resultava de estabelecer uma contribuição de repartição sobre a base de taxas fixas e de uma percentagem complementar, e por isso não duvidavam transformar a contribuição pessoal n'um imposto de quota.

A proposta do sr. Dias Ferreira, a iniciativa da qual foi mais tarde renovada pelo sr. conde de Samodães, reduzia a quatro as ordens de terras, estabelecia para todas ellas uma tabella sumptuaria unica, lançava uma percentagem fixa de 4 por cento sobre o valor locativo das casas, alargando a base de incidencia do imposto pelo estabelecimento de novos minimos, e finalmente determinava que pelo parlamento seria annualmente votada uma percentagem complementar, recaíndo sobre as taxas fixas e a importancia dos 4 por cento, mas sendo para este caso mais elevados os minimos.

Nenhum dos dois cavalheiros, aos quaes me acabo de referir, conseguiu que esta proposta fosse votada pelo parlamento; prova porém o facto da sua apresentação que na mente de ambos se achava bem radicada a idéa de que era necessario fazer uma modificação nas leis que regulavam a contribuição pessoal.

Mais tarde o sr. Braamcamp ainda ía mais longe, porque, abandonando completamente os principios a que até então nos tinhamos cingido n'este ramo do imposto, procurando imitar uma tentativa audaz que havia tido logar na vizinha Hespanha, posteriormente à revolução de 1868, modificada porém em harmonia com algumas reformas muito efficazes realisadas em outras nações com vantagem dos seus thesouros respectivos, alargava muito a base da incidencia d'este imposto, e transformava-o n'uma especie de contribuição sobre o rendimento podendo adaptar-se ás circumstancias do nosso paiz e ao estado de íllustração do povo portuguez.

Portanto, a opinião de todos estes cavalheiros era unanime emquanto à conveniencia de alterar a legislação de 1860. Não admira por isso que a transformação actualmente proposta pelo illustre ministro da fazenda e meu amigo, o sr. Carlos Bento, podesse ser adoptada unanimemente pela commissão de fazenda...

(Àparte do sr. Cortez.)

O meu collega, o sr. Cortez, adverte-me de que s. ex.ª

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é contrario à transformação da contribuição pessoal de repartição em dois impostos de quota; obriga-me essa declaração a modificar o que estava asseverando à camara; rectificando pois, direi que a base essencial do projecto que estamos discutindo, póde, pelas circumstancias que eu referi, ser adoptado quasi por unanimidade, na commissão de fazenda. Havia ainda para isso outras rasões, alem d'aquellas a que até agora me tenho soccorrido.

Queixam-se alguns srs. deputados de que a base de que vamos lançar mão para a distribuição do imposto é altamente injusta, e póde dar origem a um consideravel gravame para o contribuinte. Eu chamo a attenção de s. ex.ª para o facto de que de um para outro anno no mesmo districto, e dentro do mesmo anno para os diversos districtos, a percentagem complementar variava de um modo tal, que não podia essa variabilidade achar justificação nas circumstancias de differença na riqueza e de mais ou menos abundancia na materia collectavel, sobre que assenta este imposto.

Quer v. ex.ª saber o que acontecia n'este ponto? Em Leiria a percentagem complementar que recaía sobre o valor locativo das casas chegou em alguns annos a elevar-se a 15 por cento, e creio mesmo que a mais; em 1868 essa percentagem, em relação ao districto de Aveiro, foi de 10,304; em relação ao de Santarem de 9,351; nos de Vianna do Castello e Portalegre ainda se elevava a mais de 7 por cento; no da Guarda era de 6 por cento; em relação, porém, ao districto de Vizeu não excedia a 1,515; e em Villa Real era apenas de 0,622 por cento!

Esta immensa variabilidade não deve porém attribuir-se exclusivamente à injustiça da distribuição, embora em grande parte seja devida a essa causa, concorre a par d'ella o systema complicado das compensações, cujos inconvenientes eu procurei demonstrar no começo do meu discurso.

Dizem s. ex.ª que, sendo falsa a base que o governo vae adoptar desde já, em harmonia com as disposições do projecto de lei n.º 9, para o lançamento d'este imposto, porque effectivamente de todas as matrizes, predial, industrial e pessoal, é a ultima a que levanta contra si mais geraes clamores, vamos talvez dar logar, pela elevação do imposto, a injustiças ainda mais graves do que essas a que actualmente estão sujeitos os contribuintes, demonstradas com evidencia pelos numeros que acabo de citar.

Eu posso responder a esta asserção com os dados estatisticos extrahidos d'aquelle mesmo livro a que s. ex.ª se soccorreram, e provar que o receio de s. ex.ª não tem fundamento.

Citarei a esse respeito, e como exemplo, o caso de dois districtos, um dos quaes me parece estar demasiadamente sobrecarregado, e o outro extraordinariamente alliviado; e começarei pedindo licença à camara para não revelar os seus nomes, porque se os nomeassse, os nossos illustres collegas, representantes dos circulos pertencentes ao districto que reputo mais alliviado, teriam de certo de pedir a palavra para me convencerem que eu estava em erro e demonstrarem com os melhores argumentos e copia de rasões que elle era de todos o mais pobre, e que se o governo alguma providencia devesse adoptar a seu respeito, teria essa providencia de consistir em lhe diminuir o peso do imposto a que hoje está sujeito e que o sobrecarrega muito alem dos limites das suas forças contributivas.

Ha portanto dois districtos n'este reino, sem nome, um dos quaes tem 644:143 hectaras de superficie, e o outro 666:475 hectaras; estes dois districtos pagaram em 1868, proximamente a mesma importancia de imposto do real de agua; um 4:755$806, o outro 4:079$575; as congruas satisfeitas nas differentes parochias importaram no mesmo anno, para o primeiro dos dois em 10:519$338, para o segundo em 9:849$894; o imposto de sêllo rendeu em um 10:770$709, e no outro 11:346$906 réis.

Muito de proposito fui buscar para termo de comparação elementos tão diversos como são a importancia total das congruas, o rendimento dos impostos de sêllo e real d'agua e a área, porque d'essa mesma diversidade é que eu parto para até certo ponto chegar por meio d'ella à conclusão de que as circumstancias da vida economica, a riqueza d'estes dois districtos não podem ser tão diversas que justifiquem só por si uma differença muito consideravel entre os contingentes da contribuição pessoal distribuidos a cada um d'elles.

Deve ainda notar-se que a população do districto que considero favorecido, elevando-se a 157:000 habitantes, é superior em um terço à população do districto mais sobrecarregado, a qual não excede 100:830. Tambem no primeiro as contribuições municipaes directas e indirectas sobem a 56:970$000 réis, e no segundo são apenas de réis 28:120$000.

Qual é comtudo a importancia do contingente da contribuição pessoal, distribuido a cada um d'elles? Em vista das circumstancias em que se acham estes dois districtos, circumstancias que eu acabo de expor à camara, talvez se imagine que não poderá haver grande differença entre um e outro contingente. Não acontece comtudo assim, por quanto reunindo importancia principal do imposto os addicionaes de 92 por cento que sobre ella recaem, vem a pagar um dos districtos apenas 1:665$000 réis, ao passo que do outro se exige a somma de 9:601$000 réis.

Cumpre, porém, para que a comparação seja rigorosa, não esquecer que este imposto recáe quasi exclusivamente sobre a população urbana, e esta é bastante diversa nos dois districtos, por isso que em um d'elles existem duas cidades importantes, e no outro a propria capital não tem 5:000 habitantes; a viação acha-se tambem muito mais desenvolvida no primeiro do que no segundo. Comtudo, ainda mesmo quando se abata da importancia total do contingente a contribuição pessoal dos concelhos onde existem essas duas cidades, cujos habitantes fazem com que a percentagem da população urbana seja de 17,47 para 82,53 de população rural, ao passo que no segundo districto os numeros correspondentes são 3,54 e 96,46, ainda assim não podemos chegar a dois contingentes que se harmonisem, e se a differença já não é tão consideravel, ainda é bastante elevada para poder ser explicada só pela diversidade das circumstancias economicas dos dois districtos.

Já se vê, pois, que a base que o governo estava adoptando e da qual o parlamento tinha que lançar mão para effectuar a distribuição era uma base muito imperfeita, dando logar ás maiores desigualdades, ás mais flagrantes injustiças, o que explica a notavel repugnancia que este imposto inspirava; e tanto isto é verdade que o illustre deputado, o sr. José Tiberio, ainda hontem declarou que a contribuição pessoal era de todas as que mais custava ao contribuinte a pagar.

O estado actual das cousas em relação à distribuição d'este imposto, era pois muito imperfeito e a continuação d'elle ninguem a poderia aconselhar nem ao governo nem ao parlamento.

E eu devo dizer ao illustre deputado representante do districto da Guarda, que s. ex.ª era quem menos devia affligir-se com este projecto, por isso que o districto da Guarda não é por meio d'elle aggravado, como s. ex.ª parecia receiar, antes pelo contrario os encargos a que estava sujeito ficarão um pouco diminuidos.

É pequena essa diminuição, não chega a 20$000 réis, comtudo não gosam de circumstancias tão favoraveis outros districtos aos quaes se vae exigir um augmento de imposto nada indifferente, e portanto, repito, o illustre deputado devia, ser o ultimo a insurgir-se contra um projecto que não vae senão beneficiar o districto que em s. ex.ª encontrou um tão digno representante.

Não se deprehenda das palavras que acabo de proferir, que eu imagino ter-se o meu illustre collega, nas objecções que apresentou, guiado unicamente por considerações peculiares ao seu districto; os argumentos adduzidos por s. ex.ª

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tinham um caracter de generalidade, e quando se trata das circumstancias que interessam o pais todo, por exemplo, no que diz respeito a impostos, é obrigação nossa sermos um pouco desprendidos dos interesses secundarios que representâmos, e concorrermos quanto possivel para que se augmente o rendimento do thesouro, uma vez que d'esse augmento não resulte gravame incomportavel para o contribuinte. Este era por certo o pensamento do sr. José Tiberio, e interpretando assim as suas palavras, parece-me que só faço justiça a s. ex.ª (apoiados).

Vê-se pois, por tudo isto, que em relação a esta contribuição, e no que diz respeito a bases para a sua distribuição, a actual não era verdadeira, antes pelo contrario essa base era de todas a mais falsa, e contra ella se tinha manifestado quasi unanime a opinião.

Pela legislação de 1860 esperava-se chegar, passado algum tempo, a uma distribuição equitativa; mas não aconteceu assim, e era preciso portanto obviar a este estado de cousas.

Mas diz-nos o illustre deputado por Mangualde: «Nós temos dados estatisticos, e podemos por meio d'elles effectuar todos os annos uma nova distribuição mais justa e aceitavel». O que temos visto, porém, desde 1860? Os ministros proporem e os parlamentos adoptarem precisamente a mesma repartição que desde o principio se estabeleceu. Nem podiam fazer outra cousa, quaesquer que fossem os bons desejos de s. ex.ªs, por muito que aspirassem a ter em conta os preceitos da justiça, s. ex.ª haviam forçosamente de se cingir aos dados estatisticos officiaes que possuimos; e esses não inspiravam o grau de confiança necessaria para que uma distribuição d'esta ordem se alterasse todos os annos.

Se consultarmos, por exemplo, exclusivamente a area, chegaremos a uma distribuição; se consultarmos só a população, estabeleceremos outra em tudo diversa, querendo combinar estes e outros dados differentes n'uma formula unica, em que se mulplicasse cada um d'elles por um factor, representativo do grau de confiança que inspiravam, teriamos de lutar com difficuldades graves, e achar-nos-íamos em presença de um problema muito arriscado, senão quasi impossivel de resolver.

Receiam tambem alguns srs. deputados que, por meio d'este projecto, as attribuições dos escrivães de fazenda possam ser augmentadas e elles fiquem tendo em suas mãos a faculdade de continuar a exercer em maior escala aquella torpe veniaga, condemnada tão eloquentemente pelo meu amigo, o sr. conego Alves Matheus, e que consiste em sobrecarregar injustamente os contribuintes pobres para alliviar na mesma proporção os ricos, que dispõem da influencia e poder.

Não me parece porém que por este systema proposto pela commissão isso possa acontecer, persuado-me, pelo contrario, que mais facilmente se podia dar esse facto lamentavel com o imposto de repartição, porque sendo, em virtude das condições peculiares a esta fórma de contribuição, estabelecido um contingente fixo para cada concelho, do facto de se alliviarem os contribuintes mais ricos era uma consequencia forçosa que os pequenos contribuintes, aquelles que não sabem reclamar porque lhes falta a instrucção, ou que o não podem fazer porque são desatendidos, ficassem onerados, as vezes muito alem dos limites marcados pela justiça e pela simples prudencia.

Portanto, ainda mesmo quando o valor locativo das casas ou os factos sobre que tenha de recaír o imposto sumptuario, estejam inscriptos na matriz com todo o rigor, o mais que poderá acontecer agora é satisfazer o contribuinte a importancia integral do imposto que lhe compete por lei, emquanto que pela outra fórma não só presenciava uma injustiça relativa, mas ainda por cima ficava sujeito ao arbitrio de lhe ser pedida uma contribuição superior à que devia legalmente exigir-se-lhe, e em proporção do allivio immoral concedido aos ricos e poderosos, que tinham meios de exercer pressão sobre o escrivão de fazenda ou qualquer outra auctoridade fiscal.

O sr. deputado José Tiberio mostrou tambem receio que da adopção d'este projecto resulte diminuição de rendimento para o thesouro, a commissão de fazenda pelo contrario, calcula para esse rendimento um augmento immediato de 50:000$000 réis, que poderá ainda subir muito em presença de uma proxima revisão da matriz pessoal.

E n'este ponto estou inteiramente de accordo com a opinião do sr. Alves Matheus, de que se a reforma das matrizes for feita como deve se-lo, o augmento na receita resultante d'este imposto deverá ser muito grande pela maior largueza da sua base de incidencia; não posso porém deixar de chamar a attenção do sr. ministro da fazenda para a necessidade impreterivel de seguir de perto essa reforma, fazendo-a vigiar e fiscalisar, e impedindo que o escrivão de fazenda continue a ser uma como entidade magestatica, na phrase conceituosa do sr. Alves Matheus, no meio do nosso systema fiscal, dispondo pelo contrario as cousas por maneira que sobre essa auctoridade se possa exercer uma fiscalisação severa, garantindo-se-lhe a par d'isso a independencia necessaria, para se lhe poder exigir, fundada n'ella, uma correspondente, responsabilidade.

Espero pois um augmento de receita, havendo porém o cuidado indispensavel em relação ás matrizes, porque por outra fórma não posso deixar de me recordar do pouco que rendiam a antiga contribuição denominada novo imposto de creados e cavalgaduras, auctorisado por alvará de 7 de março de 1801 e modificado por decreto de 31 de agosto de 1837, e a par d'elle o imposto dos 4 por cento sobre a renda das casas estabelecido tambem por decreto da mesma data.

Esses impostos estavam rendendo muito pouco, não o devo occultar. Por exemplo, o imposto de 4 por cento em 1842 produziu 67:600$000 réis; em 1849 apenas 48:500$000 réis; em 1854, 51:200$000; em 1857, 55:400$000 réis. O novo imposto de creados e cavalgaduras em 1842 rendeu 39:800$000 réis; em 1849, 34:000$000; em 1857, epocha proxima da sua extincção, 39:400$000 réis.

N'esse tempo, porém, não se fiscalisava mesmo parcamente a cobrança dos impostos, porque nem as circumstancias politicas do paiz o permittiam, nem o serviço das repartições de fazenda, que não tinha então uma organisação conveniente, podia ser seguido pelas auctoridades superiores.

Hoje pelo contrario tudo indica dever crescer o rendimento da contribuição pessoal pela sua transformação em dois impostos de quota, porque as circumstancias de tranquillidade publica em que se acha o paiz, a attenção que o sr. ministro da fazenda, bem como os empregados fiscaes superiores que servem ás ordens de s. ex.ª não podem deixar de prestar à revisão proxima das matrizes, tudo faz esperar que o valor collectavel cresça e cresça consideravelmente, e que o rendimento do imposto augmente muito, com vantagem para o fisco e sem gravame para o contribuinte, igualando se apenas as condições para todos. E não se diga para contrariar esta esperança bem fundada, que o escrivão de fazenda tem empenho em não augmentar por occasião da proxima revisão o valor collectavel, para não mostrar assim que eram falsas as descripções que se achavam feitas nas matrizes. O que até agora os factos demonstram é não serem justificaveis taes receios. Nas successivas revisões de matrizes a que se tem procedido, o valor collectavel tem crescido e crescido consideravelmente. Sendo primeiro de 1854-1860 de 15.018:900$000 réis, subiu de 1861 a 1865 a 19.000:000$000 réis, e mais tarde por occasião da ultima revisão em 1866 elevou-se a mais de réis 22.000:000$000; procedendo-se pois a nova revisão, e tendo decorrido já um tão largo intervallo de tempo é de crer que o valor collectavel sube ainda mais consideravelmente. O que digo a respeito da matriz predial tem inteira applicação à que serve de base à contribuição pessoal.

Ninguem deseja achar-se em contradicção com as opi-

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niões proprias, sobretudo quando essas opiniões tenham sido formuladas dentro de um curto praso de tempo e em logares tão publicos, como o são a tribuna parlamentar e a imprensa. Seja-me por isso relevada n'este momento uma pequena digressão, a que me obriga o desejo que tenho de mostrar coherencia nas minhas opiniões em materia tributaria.

Em 1869, tendo eu a honra de occupar uma cadeira n'esta casa, sustentei que seria altamente inconveniente o modificar repentinamente a repartição do imposto predial, tomando como unica base para essa repartição a matriz respectiva; em 1870, na imprensa, procurei demonstrar tambem a inconveniencia de transformar de leve a contribuição predial em um imposto de quota; hoje pelo contrario, procuro convencer a camara das vantagens resultantes da idéa consignada n'este projecto, o qual cria dos impostos de quota, que vem substituir uma contribuição de repartição. Talvez pareça a alguns dos meus collegas que ha em tudo isto uma flagrante contradicção.

Eu sou porém sincero n'esta opinião que hoje formulo, e não deixo, apesar de tudo, de acreditar ainda no valor dos argumentos em que me firmava em 1869 e 1870, e isto porque as condições que aconselham, em relação ao imposto predial, a maior prudencia nas alterações do modo por que elle é distribuido, são peculiares a esse imposto. Alguns economistas, firmando-se mesmo em considerações theoricas, e negando a possibilidade de toda e qualquer perequação, não duvidam, na minha opinião, com exagero, sustentar que é condição inherente ao imposto predial uma completa immobilidade, porque, qualquer alteração que se faça na distribuição d'esse imposto, só póde affectar exclusivamente o possuidor do predio no momento em que o tributo que sobre elle recaía é aggravado ou diminuido. Mais tarde effectivamente, quando tenha logar a venda d'esse predio, o comprador, tendo em conta a importancia do imposto a que elle está sujeito, diminue o capital correspondente no preço que offerece, e assim o proprietario póde vir a soffrer um desfalque e desfalque ás vezes muito consideravel, não já no seu rendimento, mas o que é peior na sua fortuna.

Parece-me, porém, que estas considerações, as quaes mesmo em relação ao imposto predial só mostram, emquanto a mim, a inconveniencia de alterar de leve a sua distribuição, e que me fizeram já hoje lamentar a transformação operada entre nós em 1852, e em tempo combater as alterações propostas em 1870, nenhuma applicação têem em relação ao imposto pessoal, o qual, procurando a sua base de incidencia em factos externos que denotam particularmente a importancia do rendimento dos individuos, póde todos os annos aperfeiçoar-se no que diz respeito à sua distribuição e fórma de lançamento sem que esse aperfeiçoamento dê logar ao receio muito serio de affectar de modo sensivel o proprio capital ou a fortuna do contribuinte. Acontecerá talvez que em um anno este seja mais sobrecarregado do que n'outro, mas a sua fortuna não fica prejudicada, não soffre alteração para mais ou para menos, como póde dar-se com as modificações na contribuição predial. Eu receiava pois que, transformando-se repentinamente o imposto de repartição em um imposto de quota, embora eu prefira esta ultima fórma de lançamento, podesse resultar para toda a propriedade do paiz um abalo muito serio que originasse consequencias funestas, as quaes convinha evitar.

Essas considerações, repito, não têem, porém, nem podem ter logar com relação ao imposto pessoal; julgo pois ter demonstrado à camara que não me acho em contradicção commigo mesmo, e de novo lhe peço me queira relevar o ter-lhe tomado algum tempo, fazendo uma demonstração que tendia sobretudo a provar a coherencia das minhas opiniões, e que tinha por isso uma importancia só pessoal.

Referindo-me agora a varios pontos que mais particularmente foram tocados por alguns dos meus collegas, que eu muito respeito, começarei respondendo ás considerações feitas pelo illustre deputado o sr. Barros e Cunha, que tenho a fortuna de ver n'este momento sentado a meu lado.

S. ex.ª mostrou desejos de que ficasse consignada no projecto de lei que estamos discutindo uma disposição clara e terminante, da qual se deprehenda que o imposto de viação continua a recaír sobre a contribuição pessoal, na importancia de 40 por cento, como até aqui.

Tendo eu já consultado a opinião da commissão de fazenda e a do sr. ministro a este respeito, devo declarar a s. ex.ª, que tanto no animo do sr. ministro da fazenda como no dos membros da commissão de que faço parte, esteve sempre bem firme a idéa de que não era possivel, nas circumstancias actuaes do thesouro, deixar de continuar a dispor-se que os 40 por cento para viação fiquem racaindo da mesma fórma, como até aqui, sobre a contribuição pessoal, embora modificada essencialmente na sua base, como o é, com effeito, pelo projecto de lei que actualmente está em discussão.

S. ex.ª, receiando, porém, que em vista das declarações feitas pelo sr. ministro da fazenda com relação à contribuição industrial, e devendo este imposto pessoal soffrer uma mudança grave, podessem esses factos suscitar duvidas ácerca da conservação do addicional para viação, insistiu muito particularmente na indispensabilidade da inserção n'este projecto de lei do artigo que propunha, e no qual se acha consignado o principio que todos estamos de accordo em manter.

Devo a esse respeito observar ao meu illustre collega que este imposto de viação é uma contribuição por sua natureza muito variavel; estabelecida effectivamente por uma carta de lei de 1860 na importancia de 20 por cento sobre algumas das contribuições directas, foi já em 1867 alterada e elevada a uma percentagem dobrada, isto é, a 40 por cento.

Se as nossas circumstancias financeiras melhorassem, o imposto de viação poderia n'esta parte descer de 40 a 30 ou mesmo a 20 por cento; por outra, se a importancia das contribuições sobre que elle recáe como addicional augmentasse muito, e a viação não podesse ter mais largo desenvolvimento, tornava-se logo possivel reduzir esta contribuição proporcionalmente, conservando sempre todavia para o thesouro um valor pelo menos igual a 1.413:500$000 réis, em que elle se acha actualmente orçado.

Pela sua natureza é pois este imposto essencialmente variavel, e por isso em cada anno, quando se discute o orçamento e as propostas de lei de receita e despeza que o acompanham, s. ex.ª encontra sempre uma disposição que regula, especial e exclusivamente para o anno a que esse orçamento diz respeito, o imposto de viação.

As disposições a que me refiro acham-se consignadas por exemplo na proposta de lei de receita apresentada este anno ao parlamento pelo sr. ministro da fazenda, a qual diz o seguinte no artigo 5.°:

«São declarados subsistentes no exercicio de 1871-1872 as disposições da carta de lei de 16 de abril de 1867, que alterou o artigo 3.° da lei de 30 de junho de 1860. Por esta fórma o imposto de viação sobre as contribuições predial, industrial e pessoal do anno civil de 1871 continuará a ser de 40 por cento, e o mesmo imposto no exercicio de 1871-1872 será igualmente de 40 por cento sobre a contribuição de registo, e de 20 por cento sobre os direitos de mercê, matriculas e cartas.»

Já vê, pois, o meu collega que, tendo esta proposta de ser submettida à apreciação do parlamento posteriormente à adopção do projecto sobre contribuição pessoal, de que tenho a honra de ser relator, e conservando nós esta redacção que a commissão aceitou para o artigo 1.°, no qual muito de proposito se conservou a denominação de contribuição pessoal, não deverá restar duvida alguma de que o imposto

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da viação, ha de vir forçosamente a recaír sobre os dois novos impostos de quota.

Havendo-se tambem notado que os 2 por cento para falhas fossem eliminados da contribuição sumptuaria, e tendo o sr. ministro da fazenda declarado que lamentava no momento, em que as urgencias do thesouro tornavam necessario aggravar todas as contribuições, que a unica que ficasse alliviada em virtude d'esta eliminação, embora em uma importancia minima, fosse a contribuição sumptuaria, devo declarar a v. ex.ª e à camara quaes as rasões que levaram a commissão a esta eliminação da pequena verba dos 2 por cento para falhas.

A existencia do addicional para falhas liga-se directamente com o principio da repartição do imposto, e da garantia, que em theoria elle offerece ao fisco de uma completa cobrança, em harmonia com as previsões feitas nos orçamentos.

Tendo de facto cada concelho de completar um contingente determinado, inscreveu-se sempre nas leis que regulam as contribuições de repartição, disposições em virtude das quaes todas as annullações, que podessem vir a ter logar, ficassem multo proximamente compensadas por um acrescimo resultante de um pequeno addicional, recaíndo sobre a importancia da collecta correspondente a cada contribuinte.

Adoptado pela commissão o principio de não elevar alem dos limites actuaes o imposto sumptuario, e calculadas as tabellas em harmonia com essa resolução, poderia talvez haver-se incluido os 2 por cento nas verbas que representam as differentes taxas fixas, mas procedendo assim ter-se-ía de descer a fracções muito pequenas, que complicariam extraordinariamente o serviço por causa dos calculos a que davam logar, e que por fim produziriam um resultado quasi nullo para o thesouro. Em taes circumstancias pareceu à commissão de fazenda que devia eliminar os 2 por, cento, conseguindo com essa eliminação evitar trabalho inutil.

S. ex.ª, o sr. Mariano de Carvalho, mostrou desejo de que no ultimo artigo da lei a redacção fosse tal, que d'ella se entendesse de modo claro que a responsabilidade imposta aos senhorios, por lei de 31 de agosto de 1837, pela contribuição da renda das casas, de nenhuma fórma se poderia considerar em vigor.

Devo dizer a este respeito a s. ex.ª, que esta questão já foi ventilada na commissão, e que se reconheceu ali, não ser muito conveniente inserir a modificação que s. ex.ª indica porque ella iria talvez revogar alguma outra disposição de lei que não tivesse sido presente à commissão, o que não admira em vista da pouca clareza da nossa legislação Alem d'isso todos os argumentos do sr. Mariano de Carvalho basearam-se unicamente na doutrina opposta dos pareceres apresentados em 1860 na camara dos deputados e na dos pares ácerca d'esta questão, e se a doutrina d'esses pareceres póde em algum caso constituir jurisprudencia, a doutrina do parecer que precede o projecto de lei que n'este momento estamos discutindo é tão terminante, que não póde deixar a minima duvida no espirito de ninguem ácerca da completa caducidade da legislação de 1837.

A circunstancia a que alludiu hontem o sr. Carlos Bento, de que no regulamento de 7 de julho de 1863 não se encontra um unico artigo dizendo respeito à maneira de exigir a responsabilidade imposta aos senhorios é tambem um facto, que não permitte estabelecer diversas interpretações a tal respeito. Por outro lado a pratica constantemente seguida em Lisboa, no Porto e igualmente em todos os centros da população mais importantes estava em inteira harmonia com as consequencias derivadas da ausencia notada no regulamento de 1863. Apenas Como excepção em um ou outro ponto do paiz, e decerto muito raras vezes, é que, escrivães de fazenda menos esclarecidos poderiam ter duvidas sobre a maneira de proceder n'esta materia.

Visto que estou fallando da responsabilidade dos senhorios, devo declarar a v. ex.ª e à camara, que comprehendo perfeitamente que o sr. ministro da fazenda apresentasse na sua proposta o artigo 5.°, no qual se estabelecia essa responsabilidade. Existia ella entre nós formulada em lei desde 1837, está em vigor na Belgica e na França, e vigorou tambem em Inglaterra até 1834, epocha em que n'aquelle paiz foi extincto um imposto que tinha por base a renda das casas. Não foi entre nós conservada em 1860, em consequencia da resolução da camara dos pares, embora a vantagem para o fisco da responsabilidade dos senhorios fosse advogada com calor na camara dos deputados pelo digno relator da commissão, o sr. Nogueira Soares, o qual declarou por mais de uma vez que essa disposição era essencial, e que sem ella o governo nunca poderia colher d'esta contribuição todo o resultado, que havia direito a esperar d'ella.

Alem d'isto é unanime a opinião dos empregados fiscaes, de que seria altamente conveniente para a boa cobrança d'este imposto fazer reviver hoje uma tal disposição; e portanto não admira nada, repito, que o sr. ministro tivesse a idéa de a inserir no artigo 5.º da sua proposta da lei.

Comtudo s. ex.ª concordou com a eliminação, e essa condescendencia honra-o muito. S. ex.ª reconheceu que restabelecer esta disposição hoje, quando se levantavam contra ella clamores bastante fortes, seria talvez perigoso, e este procedimento, na minha opinião, eleva o nobre ministro, porque demonstra de modo claro que nas altas regiões do poder se attendem as representações dos contribuintes, e se procura por todas as formas minorar-lhes os sacrificios que resultam do aggravamento do imposto.

Se eu, até certo ponto, procuro portanto defender debaixo do ponto de vista puramente fiscal a responsabilidade dos senhorios, não posso porém ir tão longe n'este caminho como o meu nobre amigo, o sr. Alves Matheus, que desejava, estabelecer uma unica responsabilidade para o pagamento d’este imposto, recaíndo inteira e exclusiva sobre o senhorio, de quem o fisco receberia directamente e adiantada a importancia da contribuição.

Comprehendo que isto se faça lá fóra, aonde se reserva comtudo pela lei o direito ao senhorio de rehaver do inquilino o imposto da renda, e é talvez mais logico exigir uma responsabilidade unica do que as duas que se achavam estabelecidas entre nós na legislação de 1837.

Affirmára s. ex.ª que os senhorios podem sempre garantir-se já pela fiança, já pela satisfação adiantada das suas rendas contra a falta de pagamento do imposto por parte do inquilino. Isto, porém, nem sempre é verdade, e foi essa consideração que sobretudo motivou a resolução da commissão a este respeito.

S. ex.ª sabe que em Lisboa e Porto cobram-se muitas rendas, sobretudo pequenas, mensalmente, e sem garantia alguma para os senhorios. Ora, deixando elles muitas vezes de receber a propria renda, como é que poderiamos obriga-los, sem offender a justiça, a pagar alem do imposto predial sobre uma renda que não receberam uma outra contribuição, que em theoria deveria recaír sobre o rendimento do inquilino? (Apoiados.)

A proposta apresentada pelo meu illustre amigo, o sr. Osorio de Vasconcellos, para que as tabellas voltem à commissão, não póde tambem ser aceita no sentido de operar n'ellas uma larga reducção, como s. ex.ª parece desejar.

As tabellas actuaes estão effectivamente muito elevadas, se as compararmos com os impostos analogos estabelecido em paizes estrangeiros.

Reconheço eu, sem hesitar, que essas tabellas vão muito alem do que se póde exigir de uma contribuição sumptuaria, mesmo nos paizes aonde ella tem rasão de ser, como em França e na Inglaterra, aonde ha por um lado uma riqueza consideravel, e por outro enormes despezas a satisfazer pelo thesouro.

O sr. ministro da fazenda já hontem porém declarou à camara que julgaria altamente impolitico no momento em que vamos aggravar de um modo tão forte todos os ramos do imposto, lançando pesados addicionaes sobre os direitos

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de consumo de generos que podem reputar-se de primeira necessidade, seria um facto que provocaria talvez uma severa critica o ir escolher precisamente este momento para alliviar contribuintes que podem, pela sua fortuna, ser sujeitos ao imposto sumptuario.

A commissão teve, porém, muito em vista não aggravar a situação d'esses contribuintes, elevando as tabellas por fórma que podessem reduzir-se ainda mais, do que até hoje, as manifestações externas da riqueza sobre que recebem as taxas fixas; limitou-se por isso a calcular uma nova tabella por fórma tal que, lançando-se sobre as verbas que a compõe os 40 por cento para a viação, o contribuinte ficasse pagando precisamente o mesmo que, pela legislação até hoje em vigor, lhe estava sendo exigido.

D'este desejo de attender simultaneamente a uma rasão politica e à necessidade de não sobrecarregar ainda mais um imposto tão exagerado, e do modo pratico adoptado para o realisar, nascem essas pequenas fracções que terminam algumas taxas, e que suscitaram no parlamento e mesmo na imprensa, leves reparos.

V. ex.ª e a camara, na sua extrema benevolencia, consentirão, agora que eu tenho concluido a resposta aos diversos argumentos que successivamente foram apresentados contra o projecto de lei n.º 9, que ainda por poucos momentos procure fixar a sua attenção, respondendo a algumas das considerações com que s. ex.ª, o sr. Alves Matheus, cuja illustração e dotes oratorios a camara teve occasião de admirar mais uma vez, terminou aquelle eloquentissimo discurso que ha de ser lido com prazer em todo o paiz, e que é um novo documento para firmar uma reputação que todos os dias vae crescendo (apoiados).

O sr. Alves Matheus referiu-se à necessidade de discutir o orçamento. Estou completamente de accordo com a opinião de s. ex.ª A discussão do orçamento é a prerogativa mais essencial do parlamento; é a garantia mais importante que o contribuinte póde ter de que a representação popular fiscalisa o emprego dos dinheiros da nação, e é da parte dos srs. deputados o primeiro dos deveres que têem a cumprir n'esta casa.

E esta doutrina não é nova em mim, procurei sempre sustenta-la, lamentando profundamente ver decorridos mais de tres annos, sem que uma ampla discussão no parlamento venha esclarecer o paiz ácerca das despezas do thesouro.

Em 1869, levado d'estas convicções, não duvidei, apesar da gravidade da resolução, que não desconhecia, negar o meu voto a uma proposta de auctorisação para a cobrança dos impostos, apresentada n'esta casa pelo governo a que presidia o sr. duque de Loulé; e procedi assim, embora com muito custo, por temer e receiar que da facilidade com que essas auctorisações estavam sendo infelizmente concedidas pelos parlamentos não resultasse para os governos um incentivo fatal de não se importarem tanto como lhes cumpria de fazer discutir o orçamento.

Sr. presidente, occorre-me n'este momento ao espirito, e não resisto a repeti-lo à camara, o dito de um espirito eminente, de um dos philosophos mais notaveis d'este seculo, do auctor immortal do Fausto. Dizia Goethe em uma carta a Eckermann: «Sustenta se em geral que os numeros governam o mundo, o que é verdade porém é que elles mostram como o mundo é governado».

Sr. presidente, se applicarmos este dito tão sentencioso do poeta allemão ás nossas cousas, o que podemos infelizmente concluir? Qual é a illação que se infere quando se consultam em Portugal esses numeros, nos quaes Goethe via a maneira de apreciar o governo dos estados? A triste illação que de um tal estudo se póde derivar, a conclusão dolorosa a que devemos chegar, é que o nosso paiz nem tem podido nem sabido governar-se.

E não se veja nas phrases que acabo de pronunciar uma allusão pungente a um determinado partido politico dos que se acham representados n'esta casa.

Em um paiz livre e em que as instituições constitucionaes funccionam com apparente regularidade, como acontece entre nós, a responsabilidade do desgoverno não póde exigir se exclusivamente da corôa, nem do parlamento, nem do governo ou do povo; uma tal responsabilidade cabe a todos, porque todos têem ingerencia nos negocios publicos, e mais ou menos têem tido, individualmente ou como partido, occasião de tomar parte na direcção do estado. Quando digo, pois, que temos sido mal administrados ou mal governados, torno geral a responsabilidade d'esse facto, e não isento d'elle nem mesmo a minha personalidade, por muito humilde que ella seja, circumstancia estaque eu sou o primeiro a reconhecer.

Venha pois a discussão do orçamento geral do estado, e possa com elle a consciencia de erros passados poupar-nos erros futuros. D'essa discussão deve resultar a convicção profunda de que não bastam só as reducções de que não nos podemos limitar tambem a recorrer exclusivamente ao imposto, porque só da acção combinada d'estes dois elementos deveremos esperar o equilibrio indispensavel entre a receita e a despeza. Confio pois muito na eloquencia dos inumeros, e releve-me por isso a camara se n'este momento lhe cito alguns.

Em 24 de julho de 1833, segundo a opinião auctorisada de um homem muito competente, opinião que se acha firmada em um livro, que de certo terá corrido as mãos de todos os srs. deputados, refiro-me ao sr. Lobo de Bulhões, e ao seu trabalho sobre a divida portugueza, a nossa divida não subiu a mais de 50.000:000$000 réis.

Effectuou-se n'essa epocha uma venda importante dos bens ecclesiasticos que só em tres annos de 1835 a 1838 rendeu 7.584:000$000 réis, sendo uma grande parte d'esta somma applicada à amortisação do papel moeda.

Pareceria, pois, em vista d'isto que a nossa divida deveria achar-se consideravelmente diminuida, uma tão bem fundada esperança é porém illusoria, antes pelo contrario, em 30 de julho de 1844 elevava-se ella já à somma quantiosa de 79.528:000$000 réis. E note-se que no intervallo decorrido dentro d'estes dez annos, tinha sido temporariamente suspenso o pagamento do juro dos nossos fundos em Londres, facto deploravel que havia dado logar à conversão forçada de 1840, da qual resultou que esses mesmos fundos deixaram de ser cotados no Stock exchange.

Estabelecia essa conversão a transformação de todos os typos diversos dos nossos titulos de divida publica em um typo unico com o juro legal de 5 por cento. Como porém o estado não podesse desde logo satisfazer a tão elevados encargos, estabelecia-se uma escala ascendente, em virtude da qual o juro a vencer iria crescendo successivamente; durante o primeiro quadriennio, seria elle de 2,5 por cento subiria a 3 por cento no segundo, a 4 por cento no terceiro, a 5 por cento no quarto e finalmente a 6 por cento tanto tempo quanto bastasse para compensar os juristas do juro inferior ao que vinha marcado como typo, e que seria o juro final de toda a divida.

Esta escala ascendente que tinha a triste vantagem de sobrecarregar de um modo assustador os orçamentos futuros, à custa do passageiro allivio alcançado em alguns annos, era por mais de um illustre financeiro d'aquella epocha considerada uma providencia salvadora, quando não passava de facto de um expediente ruinoso. Não durou porém este systema nem mesmo dois quadriennios.

Em 1845 realisava-se outra nova conversão em titulos de 4 por cento. A nova operação proposta pelo governo foi discutida n'essa epocha, sobresaíndo n'ella um muito notavel discurso proferido no 1.º de abril de 1845 em duas sessões, uma nocturna e outra diurna com summa eloquencia pelo nobre actual presidente do conselho, que n'essa como em outras occasiões mostrou a sua proficiencia excepcional em materia de finanças.

Estabelecia a conversão de 1845 uma amortisação annual de 25:000 libras, em virtude da qual se chegaram a

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resgatar 524:955 libras, de cuja existencia nós ainda hoje encontrâmos vestigio folheando o orçamento.

Todas estas reducções porém na nossa divida publica, todas estas tristissimas bancarotas parciaes, seja me permittido pronunciar esta phrase, não tinham bastado para melhorar a situação do thesouro, antes pelo contrario as difficuldades e angustias com que o governo portuguez lutava cada vez eram maiores. Em 1852 o sr. Fontes Pereira de Mello realisava nova conversão ao typo de 3 por cento que é o actual, e embora o expediente audaz de que s. ex.ª lançou mão não possa eximir-se à classificação que eu ha pouco dei a outras operações analogas, não se póde negar que esta teve resultados mais felizes, diminuindo os embaraços do thesouro, e garantindo melhor os seus credores, pelo menos em uma parte das sommas que elles tinham confiado à boa fé do governo portuguez.

Em virtude da conversão a que se procedeu em 1852, a divida publica ficou pois reduzida a 85.739:000$000 réis, verba ainda assim muito superior à que representava a mesma divida em 1844.

Mudaram, a partir d'essa epocha, as circumstancias politicas da nação. Às agitações e lutas intestinas succedeu a mais completa tranquillidade, e o desejo de congregar todos os esforços no sentido de desenvolver os recursos do paiz. Comtudo em 1858 a divida publica era de 108.743:000$000 réis, aos quaes correspondia um encargo de 3.262:000$000: quatro annos mais tarde apenas, em 1862, a divida crescia 50 por cento, elevando-se a 150.000:000$000 réis, absorvendo só em juros 4.500:000$000 réis. Em 1866 era já de réis 194 000:000$000, e em 1871 sobe á somma colossal de 284.800:000$000 réis, aos quaes corresponde um juro de 8.544:000$000 réis, e deve notar-se que se acha emittida, alem d'aquella somma, conservando-se na posse da fazenda ou em penhor de emprestimos e supprimentos ao thesouro, uma importancia de 69.118:000$000 réis, o que faz subir a totalidade da divida emittida a 353:918:000$000 réis, e os encargos correspondentes a 10.617:000$000 réis. Parece-me notar na physionomia do sr. ministro da fazenda, que s. ex.ª não acha talvez muito conveniente a exposição que estou fazendo à camara...

O sr. Ministro da Fazenda: — Não, senhor.

O Orador: — Não desejo por fórma alguma assustar a opinião publica. Estes 69.118:000$000 réis a que me referi podem ámanhã ser amortisados, pagos que sejam os supprimentos a que servem de penhor; reconheço isso, embora reconheça tambem que ainda assim sempre representam divida publica, mas por outra fórma. A divida fluctuante, porém, a que elles dão garantia representa de facto encargos menores, logo que possa ser consolidada, porque os juros das sommas levantadas todos os dias pelo thesouro são infelizmente muito altos; e alem d'isso considera-se condição impreterivel dos contratos de supprimentos provisorios ser a importancia do penhor muito superior à d'esses supprimentos, cotando-se os titulos muito abaixo do preço dos mercados. Mas ainda mesmo descontando-se esses 69.118:000$000 réis, os 284.800:000$000 réis restantes justificam ampla e desgraçadamente as considerações que eu tenho feito, e ainda desejo fazer.

Os encargos da junta do credito publico em 1853, avaliados pelas contas do thesouro, eram de 2.312:000$000 réis. Os encargos d'essa mesma junta em 1869 a 1870, avaliados tambem, segundo contas do thesouro, e não me refiro n'este momento ao orçamento, porque nem sempre póde elle ser calculado com o rigor de que não desejo afastar-me, subiram a 8.648:000$000 réis.

O augmento na dotação da junta elevou-se pois na enorme proporção de 274 por cento, e isto n'uma epocha de tranquillidade geral, de incontestavel progresso interno e em um periodo que apenas é igual a dezeseis annos.

Ora, pergunto, qual é a nação que póde continuar n'esta marcha, elevando constantemente o imposto, aggravando sempre a sua situação, e receiando offender interesses adquiridos e nem sempre justificaveis? Nenhuma (apoiados).

Todos devemos pois empregar esforços, os mais energicos, para afastar emquanto é tempo ainda, o paiz da beira do abysmo, aonde podemos achar a ruina, e d'onde será absolutamente impossivel retirar-nos conservando a liberdade e a independencia como nação (apoiados).

Não se póde dizer que os recursos do thesouro não tenham tambem augmentado; têem pelo contrario crescido e de um modo muito consideravel; mas esse augmento desapparece quando se compara com este progresso tão desgraçado quanto fatal da nossa enorme divida consolidada.

Os impostos directos que em 1853-1854 eram apenas, segundo as contas do thesouro, ás quaes continuo a referir-me, de 2.692:000$000 réis, hoje representam uma importancia de 6.451:000$000 réis.

Os impostos indirectos, que n'aquella epocha eram de 5.511:000$000 réis, acham-se hoje tambem elevados a réis 8.627:000$000.

Os primeiros augmentaram na rasão muito consideravel de 140 por cento. Os segundos na rasão mais moderada de 56 por cento.

Isto prova pois, que o paiz não se tem negado ao sacrificio (apoiados).

Os impostos têem augmentado muito, e a receita é consideravelmente maior; mas, infelizmente, apesar d'estes factos tão lisonjeiros, não chegou ainda o momento de podermos lutar com vantagem com os encargos muito pesados da divida publica. Tem-se sempre seguido o systema de adiar a solução d'esta questão e de esperar pela realisação de idéas, que devendo dar a completa felicidade do paiz, fazem perigar de um modo notavel o seu futuro, impedindo a realisação immediata de algum bem, à espera de outro maior que nunca chega. Votam-se os impostos, mas votara-se sempre tarde, e quando já não podem produzir o mesmo effeito que d'elles se esperava.

Contra este procedimento ergo eu a minha voz.

Desejaria que adoptassemos quanto antes uma doutrina contraria aquella que tem sido seguida pelos nossos partidos até hoje, e que desassombradamente entrassemos em um caminho novo.

Proseguindo na analyse a que estavamos procedendo, comparemos agora a despeza dos diversos ministerios.

O orçamento da despeza do ministerio da fazenda que em 1853 era de 1.860:000$000 réis, é hoje de 3.974:000$000 réis, augmento 2.114:000$000 réis.

A despeza do ministerio do reino, que era de 392:000$000 réis, sobe hoje a 1.646:000$000 réis, augmento 654:000$000 réis.

A despeza do ministerio da justiça, um d'aquelles em que se têem feito ultimamente largas reducções, e contra o qual não se levantam tanto os clamores populares, em 1853 era de 362:000$000 réis, e hoje ainda é, apesar d'essas reducções de 566:000$000 réis, augmento 204:000$000 réis.

A despeza do ministerio da guerra (ouçam, ouçam), que era de 2.613:000$000 réis, sobe hoje a 3.455:000$000 réis; augmento 842:000$000 réis. E infelizmente, se ao menos, como compensação de taes sacrificios, podessemos dizer que tinhamos exercito organisado, instrucção superior e especial disseminada, que as noções elementares hoje vulgares em todas as nações da Europa, se acham espalhadas pelo povo! Mas não é assim, o exercito continua desorganisado, e se a instrucção elementar tem melhorado, esse melhoramento e lento e não explica por fórma alguma um augmento tão consideravel nas despezas do ministerio do reino.

A despeza do ministerio da marinha, que era de réis 865:000$000, hoje é de 1.341:000$000 réis: augmento 476:000$000 réis; e aonde estão, sr. presidente, a nossa esquadra, os nossos arsenaes, que justifiquem similhante acrescimo? A despeza do ministerio dos negocios estrangeiros, que não excedia 114:000$000 réis, sobe hoje a 211:000$000 réis: augmentou 97:000$000 réis. E reflicta-se que se as nossas relações diplomaticas obrigavam a maiores despezas era

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n'aquella epocha, quando as condições da vida interna de Portugal estavam até certo ponto dependentes da politica dos gabinetes de algumas nações estrangeiras que exerciam sobre o nosso governo uma influencia consideravel, por vezes funesta, e com a qual tinhamos de lutar com os recursos da diplomacia.

A despeza do ministerio das obras publicas, que é ainda assim a que eu lamento menos que se tenha feito na parte que diz respeito ao desenvolvimento da viação e ao fomento no paiz (apoiados), (nem os 50.000:000$000 réis, que a tanto se elevam as quantias gastas em obras publicas, segundo um relatorio muitas vezes citado, podem bastar para explicar o estado de aggravamento da nossa divida publica) (apoiados), era em 1853 de 1.127:000$000 réis, hoje só a despeza ordinaria não desce abaixo de 1.438:000$000 réis. Acrescentando a todas estas verbas, cuja longa enumeração terá talvez cansado a camara, 1.800:000$000 réis de despezas extraordinarias, temos que em 1853 a despeza total dos diversos ministerios era de 7.933:000$000 réis, em 1869 de 14.431:000$000 réis, augmentou portanto 81 por cento.

Em vista d'isto, pergunto a v. ex.ª se podemos conservar este progresso indefinido nas despezas publicas!

É necessario acrescentar ainda e desde já os impostos directos, sem fazer mesmo questão essencial, porque não temos já infelizmente tempo para isso da fórma e da maneira por que hão de ser estabelecidos, a falta de estudos previos impede-nos infelizmente de attender a todos os preceitos da justiça; embora; é necessario que sofframos o sacrificio, a que todos devemos prestar-nos em presença da situação perigosa da patria que o exige de nós; e esse sacrificio mais tarde ha de ser largamente compensado pelo melhoramento da nossa situação financeira, que nos permittirá então proceder a reformas mais pausadas (apoiados).

E ainda mais nos devemos manter firmes n'estes principios quando consideramos a importancia que hoje tem, para tantos individuos e tantas corporações, a manutenção do nosso credito, para firmar o qual não devemos poupar-nos a esforços, dos quaes resulte conserva-lo inabalavel, elevando-o sempre pelo cumprimento religioso das prescripções que por elle nos são impostas (apoiados).

Os possuidores de inscripções de assentamento elevam-se hoje a 23:371. De entre estes 7:100 possuem titulos na importancia de 100$000 a 500$000 réis.

Prova este numero já hoje crescido que as pequenas economias que estes individuos têem progressivamente junto, à custa talvez de bens dolorosas e quotidianas privações, têem tomado o caminho do erario portuguez; e realmente seria bem triste que o fructo laboriosamente conquistado por esses modestos e humildes capitalistas, e confiado ao estado, graças ás garantias que se dizia serem-lhes por este offerecidas, podesse um só momento considerar-se em perigo para os seus possuidores. Tristissima necessidade a de faltar aos compromissos tomados com esses individuos que confiaram no thesouro, e que, para possuirem uma inscripção, trabalharam annos, e soffreram sacrificios que inspiram respeito, que dão jus à sympathia! (Apoiados.) A uma tal necessidade espero eu porém que nunca nos curvaremos.

Ainda ha mais. Pelas leis de desamortisação de 4 de abril de 1861, e 22 de junho de 1866, as corporações de beneficencia tornaram-se solidarias com o paiz no interesse em que se conserve firme o credito publico; para esclarecer a camara a este respeito, e demonstrar até que ponto esta asserção é verdadeira, basta ter a importancia das inscripções possuidas por essas instituições tão sympathicas e respeitaveis.

Em 30 de junho de 1869 a importancia dos titulos de divida publica possuidos pelos asylos era de 1.403:000$000 réis, averbados ás misericordias 2.713:000$000 réis, constituindo a fortuna dos monte pios 1.333:000$000 réis, e pertencendo aos recolhimentos 224.000:000$000 réis.

Nas provincias, hoje, em virtude da desamortisação, e tambem da tendencia dos capitaes, para se empregarem de um modo commodo pela facilidade de administração, e tentador pela elevação do juro, a totalidade dos titulos de divida publica representa um valor nominal de 26.404:000$000 réis.

Já vê v. ex.ª que essas bancarotas parciaes, que essas desgraçadissimas operações que se fizeram em 1840, em 1845 e em outras epochas, hoje seriam tanto mais condemnaveis quanto ha corporações respeitaveis, instituições de beneficencia, que à sombra das leis nós forçadamente tornámos interessadas na manutenção do credito publico; e por consequencia devemos ter em tudo que lhe diz respeito a maior cautela, para que nunca estas associações, que representam a fortuna dos pobres, possam suspender os beneficios que entre o povo espalham quotidianamente (apoiados).

Taes são as reflexões que suggerem esses numeros que indicam na phrase de Goethe a maneira por que as nações se governam, e por isso eu de novo declaro à camara que pela minha parte estou firmemente convencido da conveniencia de quanto antes ver discutido o orçamento (muitos apoiados). É chegado o momento d'essa discussão, espero que os srs. ministros não se limitarão sómente a promessas fallazes. S. ex.ª usando da iniciativa rasgada e fecunda que dá gloria ao poder executivo, iniciativa que não é sómente privativa do parlamento, como parece hoje desejar inculcar-se, hão de, estou certo d'isso, como mais conhecedores dos serviços, indicar minuciosamente, quando se discutirem os orçamentos parciaes dos seus respectivos ministerios, quaes as verbas que podem sem damno supprimir-se desde já, quaes as reducções susceptiveis de serem levadas a effeito sem prejuizo dos serviços, e dando em resultado o immediato allivio para o thesouro dos encargos a que hoje está sujeito (apoiados).

Não imaginem s. ex.ª que basta que o parlamento e especialmente a commissão de fazenda tomem a responsabilidade a este respeito, nem o parlamento, nem a commissão se negam a ella, mas o paiz não a tira tambem de cima dos hombros dos srs. ministros (muitos apoiados). E alem d'isso s. ex.ª devem pesar muito particularmente com toda a attenção essa responsabilidade, extraordinariamente aggravada pela calmaria politica em que nos achâmos, que dá origem a condições talvez unicas nos nossos fastos parlamentares.

Sr. presidente, fui membro d'esta casa na legislatura de 1869; vi aqui n'essa epocha tratar continuadamente questões politicas, cuja ausencia alguns cavalheiros lamentam hoje, cuidando ver n'ella um signal de decadencia parlamentar.

Eu confesso a v. ex.ª que nenhuma saudade me inspiram essas discussões, apesar de me terem dado frequente occasião de apreciar os distinctos dotes oratorios e a eloquencia notavel de muitos cavalheiros que são ornamento da tribuna portugueza, e alguns dos quaes se acham infelizmente afastados d'esta camara. Comtudo repito, não lamento que as discussões politicas se conservem ausentes do parlamento; porque muitas vezes, baptisada, com uma denominação pomposa ellas reduzem-se entre nós simplesmente a tristes e mesquinhas questões pessoaes (apoiados). Felicito-me pois por contemplar na nossa vida politica uma phase que póde caracterisar-se de doce reinado de Astrêa, regosijo-me de ver cerradas as portas do templo de Jano, desejo do coração que ellas assim se conservem ainda por muito tempo, e não serei eu por certo que tentarei entreabri-las para tratar de questões politicas que não me enthusiasmam, que reputo actualmente inopportunas e inconvenientes, que no estado do paiz devem a meu ver conservar-se arredadas completamente d'esta casa. N'este sentido a longanimidade do parlamento para com o gabinete tem sido uma manifestação significativa, de que todos que têem uma cadeira n'esta camara se acham convencidos da convenien-

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cia de quanto antes tratar a questão de fazenda, porque ella a todos por igual nos interessa, porque nos esforços para a sua resolução encontrâmos um terreno commum em que é possivel encontrar-nos unidos (apoiados).

Mas s. ex.ª os srs. ministros têem tanta maior responsabilidade, quanto as condições que hoje se reunem, que explicam a situação politica dos partidos, e que são a chave esta tregua politica, são talvez unicas, como ha pouco disse, na historia do nosso parlamento. Não devem pois desaproveitar-se. Estudem os conselheiros da corôa detidamente os orçamentos dos seus ministerios respectivos, concordem com as indicações justas feitas pelas commissões, tomem elles proprios a iniciativa em todas as reformas que entendam convenientes, e que reduzam rasoavelmente a despeza. S. ex.ªs hão de ter de lutar com interesses feridos, mas uma tal circumstancia não deve inquieta-los, e só o poderia fazer quando se esquecessem os principios da justiça, e essa hypothese não póde verificar-se. Creiam alem d'isso s. ex.ªs que o parlamento ha de ser o primeiro a dar-lhes toda a força moral, a cobri-los com o prestigio indispensavel para poderem cortar por todas as despezas inuteis, e alcançar assim que o paiz se preste ao sacrificio indispensavel do aggravamento do imposto.

Nem o povo poderia deixar de applaudir e prestar apoio ao gabinete e ao parlamento, que concorram para regularisar a nossa situação financeira, impedindo que as despezas continuem a ser augmentadas n'essa progressão fatal que eu ha pouco indiquei à camara, progressão que não póde attribuir-se, repito, ao desenvolvimento das obras publicas, porque a verba gasta com estas, se explica o progresso nas receitas, não póde de fórma alguma justificar o augmento na divida (apoiados).

Sr. presidente, ainda os menos habituados a reflectir nas condições politicas da vida dos povos não podem deixar de reconhecer que a Europa atravessa hoje uma crise que nos deve trazer a todos sobresaltados.

Em París acha-se estabelecido um terrivel fóco de anarchia, resultado de influencia de perniciosas doutrinas espalhas desde muito como veneno energico entre o povo d'aquella capital, doutrinas infelizes, anti-sociaes, que hoje estão germinando em cerebros exaltados, e reduzindo a um estado desgraçado a França, que precisa para se salvar, para salvar a Europa, suffoca las quanto antes.

É porém possivel que as idéas que ali se propagam tenham tempo de irradiar para outros pontos, e para isso devemos estar preparados.

Ha paizes que nos podiam servir de modelo a tal respeito, é paizes em circumstancias bastante analogas ás nossas; occorrem à mente logo a Belgica, a Hollanda, a Suissa, quando se trata de desejar para a nossa patria uma felicidade, que é à aspiração que se abriga no coração de todos nós.

Citarei ainda outras nações, como a Baviera e a Saxonia, nações que têem as suas finanças perfeitamente administradas, os seus exercitos admiravelmente organisados, a instrucção espalhada por todo o povo, e que a par d'isso conservam um grande respeito pela tradição, um amor entranhado pelos seus principes, é um profundo acatamento pelas instituições constitucionaes, que lhes garantem uma liberdade que todos os dias se vae ampliando. Poderam estas duas nações, graças a um tão admiravel conjuncto de circumstancias, conservar através da crise por que passou a Allemanha, intacta uma autonomia gloriosa.

Citei estes exemplos à camara para fazer ver que as nações, possuindo uma administração similhante, que inspira forçosamente o respeito e a consideração, estão livres de um attentado, de um golpe de mão de momento, de que não se podem livrar igualmente aquellas em quem se não dão as mesmas circumstancias. E note-se que as condições politicas d'aquelles paizes ainda são mais difficeis do que as nossas, por isso que se acham encravados entre nações de primeira ordem, rivaes, desejosas umas e outras de terem o predominio sobre a Europa; rivalidades fataes que deram logar a essa luta sanguinolenta que ainda ha pouco tempo presenciámos com tanta tristeza e magua, porque não se póde assistir sem tristeza e magua ao espectaculo desgraçado de ver dilacerar dois povos tão cultos, duas nações tão adiantadas na civilisação.

Manifestei os meus desejos à camara de que viesse à discussão o orçamento, e a par d'esses desejos a esperança de que o governo cumpra os seus deveres naturaes e use de uma rasgada e fecunda iniciativa na indicação das economias que devem ser feitas e a que hão de dar todo o apoio, toda a força moral o parlamento (apoiados); e refiro-me n'isto tanto à camara a que me honro de pertencer, como à dos dignos pares. N'este sentido está já trabalhando a commissão de fazenda.

Devo declarar à camara, visto que a circumstancia de estar com a palavra me dá occasião de effectuar essa declaração, que a discussão do orçamento da marinha acha-se largamente adiantada e esperâmos que o sr. ministro d'aquella repartição, de cuja boa vontade mais de uma vez temos tido provas na commissão de fazenda, se não ha de negar, como não se tem negado até hoje, a transformar em realidade as reformas sobre cuja conveniencia todos se mostrarem de accordo. Aquelle orçamento deve pois ser apresentado à camara, muito breve e realisando reducções consideraveis na despeza, é natural alem d'isso que da discussão n'esta assembléa resultem novas indicações no sentido de levar ainda mais longe essa redacção sem ir comtudo alterar nas suas condições essenciaes o serviço publico (apoiados).

(Interrupção que se não percebeu.)

As considerações que tão detidamente tenho exposto à camara, explicam pois as minhas aspirações politicas. Todos sabem que pertenço a um partido a que estou ligado desde a minha entrada na vida publica; felizmente tenho-lhe dado provas de que não era capaz de lhe ser menos leal (apoiados); continuarei a sê-lo, porque tenho a consciencia de que os principios proclamados por aquelle partido encontram ainda hoje echo no paiz, como o têem encontrado sempre desde a data recente do seu nascimento como entidade politica, nem vão de encontro a esses principios, antes plenamente se harmonisam com elles as aspirações que ha pouco manifestei.

Não posso deixar de acrescentar n'este momento que desejava ver conservar esta harmonia tão digna, esta concordia tão moral, entre os differentes partidos, harmonia e concordia que se limita simplesmente a considerar em presença dos perigos da patria, a conveniencia de pôr de parte quaesquer questões de ambição pessoal, para attender só, repito, à resolução da questão do interesse commum, a questão de fazenda e o melhoramento da nossa administração; desejava do coração que este estado politico continuasse, porque espero d'elle o remedio aos nossos males, espero que a final possamos entrar na senda seguida com tanto proveito por aquellas pequenas nações a que ha pouco alludi, muitas das quaes não dispõem de recursos superiores aos nossos.

Havendo confiança, completa identidade, e harmonia de interesses entre os que administram e os que são administrados; havendo o maior respeito e consideração para com a corôa; o mais entranhado amor pelas instituições liberaes, como nenhumas outras apropriadas para garantir ao paiz a prosperidade e todas as condições de felicidade interna, de que é digno, espero que no conjunto feliz de todas essas circumstancias, encontraremos um dique a oppor ás excitações externas, e que essas idéas subversivas e anti-sociaes, que hoje estão tomando corpo lá fóra, não virão perturbar a nossa paz e felicidade interna. Teremos assim conseguido salvar a independencia, conservar sem macula na geração actual as tradições gloriosas firmadas nas paginas da historia, durante um periodo de mais de sete seculos da nossa existencia, como nação independente, e finalmente pro-

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var com os numeros que podemos e sabemos governar-nos (apoiados).

Vozes: — Muito bem, muito bem.

(O orador foi comprimentado por muitos dos seus collegas.)

O sr. Presidente: — A hora está a dar, e estão ainda muitos srs. deputados inscriptos, por isso vou fechar a sessão (apoiados).

A ordem do dia para segunda feira é a mesma que estava dada para hoje, isto é, o projecto que está em discussão e o projecto n.º 10. Está levantada a sessão.

Eram quatro horas da tarde.

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