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4 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

veados, gamos, cabras, javalis, lebres, coelhos, perdizes e outras especies.

Hoje, infelizmente, em virtude da deficiencia da legislação sobre caça, tem esta ido desapparecendo e se se lhe não acudir já de prompto com remedio decisivo e efficaz, ter-se ha perdido um elemento de riqueza publica a que é preciso attender.

Fonte de riqueza natural, impõe-se aos legisladores solicitos pelos interesses dos seus paizes; protegem-a hoje leis especiaes em todos os povos civilizados, e tanto mais previdentes essas leis e com tanto maior rigor executadas, quanto maior é o adiantamento da sua civilização.

Nas grandes nações da Europa, os estadistas não julgam perdido o tempo empregado no estudo e na elaborção d'essas leis. Não se limitam para isso a consultar os jurisconsultos, ouvem os sabios, os naturalistas, os economistas agricolas, os sportmen, que teem a auctoridade technica da pratica, alem da que lhes pode advir da sua illustração, e os industriaes tambem, porque a prosperidade das industrias da caça, actualmente impossiveis de fundar entre nós e que trazem em movimento grandes capitães em Inglaterra, na França, na Belgica e na Allemanha, é, como a de todas as industrias, dependente das leis e regulamentos que as regem.

De todas as nações da Europa é a Allemanha a mais ricamente dotada no capitulo da legislação venatoria; é tambem, e por isso, o paiz que produz, consome e exporta maior quantidade de caça. E esta uma fonte de riqueza, que a sua administração explora, e procura por todos os meios desenvolver, e se o seu rendimento para o Estado é grande em França, é enorme na Allemanha, onde tudo neste caso é superior - as leis, os regulamentos e os seus fiscaes e executores, guardas florestaes e seus chefes, educados em escolas especiaes.

A affirmação de que os artigos contidos no capitulo II, titulo III, do codigo civil são doutrina bastante para nos regermos hoje nesta materia é gratuita e sem fundamento. A lei ou leis a que se refere o artigo 394.° nunca foram promulgadas, e da falta de regulamentos que preceituassem sobre a abertura e encerramento da epoca de caçar, e estabelecessem as multas e penas para os seus contra-ventores, e para os que violassem os direitos declarados nesse titulo III, resultou a pouca attenção que as auctoridades de toda a ordem teem dispensado a este ramo da administração publica, e portanto a irregularidade e desigualdade, tanto na interpretação das prescripçoes do codigo, como na elaboração e execução das posturas municipaes.

Mas ha mais ainda - quando, logo em seguida á publicação do codigo civil, fosse, como era de esperar, promulgada essa lei; seu complemento natural, seria um caso raro que, passados mais de trinta annos, ella pudesse satisfazer as exigencias e defender os interesses de tantas industrias que hoje vivem da caça, umas já então existentes lá fora, e desconhecidas ou desprezadas pelo legislador, outras de origem mais recente! A lei moderna tem, portanto de abranger na sua acção uma area muito mais vasta - o que era sufficiente em 1867 é evidente que não basta em 1900.

O estado de miseria a que chegou a caça na nossa terra exige uma lei completa que satisfaça a dois fins, que ambos se nos impõem - o primeiro é travar este movimento inconsciente de devastação, que parece ter nascido á sombra protectora da lei de 1 de julho de 1776, e do artigo do codigo civil que permitte entrar em terrenos alheios e apprehender os animaes que lá estão sem licença do seu dono, o que, para nós, constitue indiscutivelmente uma violação do direito de propriedade - embora formulada em lei nos nossos codigos - o outro fim é tornar possivel e proteger a fundação de centros de creação para repovoar tantas regiões do nosso paiz, actualmente quasi desertas, e tambem para exportar, industrias que constituem hoje, nos paizes que teem lei de caça, um ramo de commercio assaz lucrativo, e que, dadas, as excellentes condições do nosso clima para a procreação das aves e das outras especies venatorias, seria um novo campo aberto ao capital e á actividade dos que procuram entre nós, e muitas vezes em vão, um trabalho remunerador. Só por summa ignorancia, por ingenuidade ou por irrisão é que se pode dizer que para tudo isto, aqui apenas e muito por alto indicado, a doutrina do codigo é bastante, e que não carecemos de outras leis!

Funesta foi tal doutrina, bastante só para o resultado obtido - a quasi extincção da caça, em regiões, em terrenos creadores, como os nossos, onde ella era abundantissima! D'ella se originou entre nós a ideia falsa e altamente prejudicial á riqueza do paiz, de que todos os cidadãos portuguezes, alem dos outros direitos naturaes que as leis lhes reconhecem em todos os povos civilizados, teem mais um - o de, em materia de caça, não reconhecerem o direito de propriedade! Singular aberração do espirito dos legisladores do codigo civil, que fez retroceder os nossos costumes até as epochas primitivas, em que o homen selvagem, ainda antes da creação da industria agricola, procurava a sua alimentação animal exclusivamente na caça e na pesca e que deu foros de lei ao que não era mais do que um abuso, explicavel pelo periodo de revolução de que o nosso paiz ia saindo, mas que a boa razão e a lição dos factos, mandavam corrigir, não sanccionando com a auctoridade das leis o que era apenas uma manifestação anarchica dos instinctos naturaes e da ignorancia e imprevidencia do povo.

Não conheciam esses jurisconsultos, aliás dos mais abalisados, praticamente o assumpto sobre que iam legislar, não o estudaram a fundo nos outros paizes, não lhe ligaram a importancia que elle merece, e por isso, e para não irem de encontro a habitos e costumes até ali consentidos, sanccionaram a abusiva e vandalica pratica, e no n.° 3.° do artigo 384.° concederam a todos o direito de caçar nos terrenos particulares não cultivados, nem murados, de forma que esses terrenos, pela simples circumstancia de não serem no momento cultivados nem murados, podem ser legalmente invadidos, e occupados temporariamente, por qualquer que quizer ir lá divertir-se e caçar!

Isto pelo que respeita ao direito de entrar na propriedade alheia sem consentimento do seu dono.

Resta outro ponto ainda a estudar, e este é tambem importantissimo.

O artigo 384.°, já citado, estabelece que a caça é propriedade de todos nos terrenos, particulares, não cultivados, nem murados. Nova violação dos direitos de propriedade. A caça é tanto propriedade dos donos das terras onde ella vive, como o sãoo as manadas dos touros e de cavallos, e os rebanhos que nellas pastam e se criam.

Onde está a differença entre as circumstancias da vida d'estas especies, todas naturalmente sedentarias?

"Ninguém terá a faculdade de caçar na propriedade de outrem sem o consentimento do proprietario, ou dos seus representantes". É isto o que diz a lei franceza logo no seu artigo 1.° E esta lei, datada de 1844, e assinada pelo Rei Luiz Filippe, foi a da republica de 1848, e a do imperio, e é ainda a que rege os destinos da caça naquella grande nação, hoje segunda vez republica.

Identicas disposições se encontram nas leis da Belgica de 26 de fevereiro de 1846 e 29 de março de 1873, da Hollanda de 1 de julho de 1857, da Hespanha de 10 de janeiro de 1879 e nos estatutos de 1831 de Guilherme IV de Inglaterra. Na Italia é tambem respeitada a propriedade particular e tambem em certas condições na Austria, na Prussia. Na Suissa a caça é arrendada pelo Estado.

Os resultados d'estas disposições é o haver muita caça nestes paizes e alem d'isso constituir ella um dos rendimentos dos predios pela exploração da caça ou arrenda-