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CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

26.ªSESSÃO

EM 5 DE SETEMBRO DE 1905

8UMMARIO. - Lida a acta, é approvada depois de trocadas algumas explicações entre o Sr. Queiroz Ribeiro e o Sr. Presidente. - Não houve expediente. - A requerimento do Sr. Pedro Nazareth permitte a Camara que a commissão de marinha reuna durante a sessão. - O Sr. Visconde da Ribeira Brava requer que haja uma hora para antes da ordem do dia. É rejeitado. - O Sr. Presidente communica que a ausencia do Sr. Dr. Libanio Fialho Gomes, Vice-Presidente, é motivada por falta de saude.

Na Ordem do dia (interpellação sobre os acontecimentos no sul de Angola) usa da palavra em primeiro logar o Sr. Claro da Ricca, a quem responde o Sr. Abel Brandão. - Seguem-se o Sr. Mendes Leal, respondendo-lhe o Sr. Diogo Peres, e depois d'este o Sr. Mario Monteiro, a quem responde o Sr. Vicente Madeira. - Fala por ultimo, encerrando-se a discussão, o Sr. Cabral Moncada.

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2 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Presidencia do Exmo. Sr. Alfredo Pereira (Supplente)

Secretarios os Exmos. Srs.:

Conde de Agueda
Gaspar de Abreu do Lima

Primeira chamada - Ás 2 horas da tarde.

Presentes - 7 Srs. Deputados.

Segunda chamada - Ás 2 3/4 horas.

Abertura da sessão - Ás 3 horas.

Presentes - 62 Srs. Deputados.

São os seguintes: - Abel da Cunha Abreu Brandão, Alberto de Castro Pereira de Almeida Navarro, Albino Augusto Pacheco, Alfredo Carlos Le Cocq, Alfredo Pereira, Antonio Augusto Pereira Cardoso, Antonio Ferreira Cabral Paes do Amaral, Antonio Maria de Carvalho de Almeida Serra, Antonio Rodrigues Ribeiro, Antonio de Sousa Athayde Pavão, Antonio Tavares Festas, Augusto de Castro Sampaio Côrte Real, Augusto Cesar Claro da Ricca, Augusto Faustino dos Santos Crespo, Augusto Guilherme Botelho de Sousa, Carlos Augusto Ferreira, Conde de Agueda, Conde de Penha Garcia, Duarte Gustavo de Roboredo Sampaio e Mello, Eduardo Fernandes de Oliveira, Eduardo Valerio Augusto Villaça, Ernesto Julio de Carvalho e Vasconcellos, Eusebio David Nunes da Silva, Fernando de Sousa Botelho e Mello (D.), Francisco Limpo de Lacerda Ravasco, Francisco Xavier Cabral de Oliveira Moncada, Francisco Xavier Correia Mendes, Francisco Xavier da Silva Telles, Gaspar de Abreu de Lima, Gaspar Queiroz Ribeiro de Almeida e Vasconcellos, João Alberto Pereira de Azevedo Neves, João Augusto Pereira, João José Sinel de Cordes, João Maria Cerqueira Machado, João Monteiro Vieira de Castro, João Pinto Rodrigues dos Santos, João Serras Conceição, Joaquim Augusto Ferreira da Fonseca, Joaquim Hilario Pereira Alves, Joaquim José Pimenta Tello, Jorge Guedes Gavicho, José Affonso Baeta Neves, José Alberto da Costa Fortuna Rosado, José Augusto Moreira de Almeida, José Christovão Patrocinio de S. Francisco Xavier Pinto, José da Cruz Caldeira, José Gonçalves Pereira dos Santos, José Joaquim Mendes Leal, José Maria de Oliveira Simões, Luiz Eugenio Leitão, Luiz Maria de Sousa Horta e Costa, Luiz Pizarro da Cunha, de Porto Carrero (D.), Manuel Antonio Moreira Jnior, Manoel Joaquim Fratel, Mario Augusto de Miranda Monteiro, Matheus Teixeira de Azevedo, Miguel Pereira Coutinho (D.), Raul Correia de Bettencourt Furtado, Thomaz de Almeida Manuel de Vilhena (D.), Visconde das Arcas, Visconde de Pedralva, Visconde da Ribeira Brava.

Entraram durante a sessão os Srs.: - Abel Pereira de Andrade, Alfredo Cesar Brandão, Alvaro da Silva Simões, Antonio Alberto Charula Pessanha, Antonio Alves Pereira de Mattos, Antonio Centeno, Antonio Peixoto Correia, Antonio Rodrigues Nogueira, Arthur Pinto de Miranda Montenegro, Clemente Joaquim dos Santos Pinto, Conde de Castro e Solla, Diogo Domingues Peres, Emilio Lino da Silva Junior, Fernando Augusto Miranda Martins de Carvalho, Francisco Miranda da Costa Lobo, Francisco Pessanha Vilhegas do Casal, João Ferreira Franco Pinto Castelo Branco, João de Sousa Tavares, Joaquim Pedro Martins, José Antonio Alves Ferreira de Lemos Junior, José Coelho da Motta Prego, José Joaquim de Sousa Cavalheiro, José Maria Pereira de Lima, José Maria Queiroz Velloso, José Mathias Nunes, Julio Dantas, Lourenço Caldeira da Gama Lobo Cayolla, Luciano Affonso da Silva Monteiro, Luiz Vaz de Carvalho Crespo, Miguel Antonio da Silveira, Ovidio de Alpoim de Cerqueira Borges Cabral, Pedro Doria Nazareth, Visconde do Ameal.

Não compareceram á sessão os Srs.: - Adriano Anthero de Sousa Pinto, Alexandre Proença de Almeida Garrett, Anselmo de Assis Andrade, Antonio Augusto Pires de Lima, Antonio Caetano de Abreu Freire Egas Moniz, Antonio Cassiano Pereira de Sousa Neves, Antonio Faustino dos Santos Crespo, Antonio Homem de Gouveia, Antonio José Garcia Guerreiro, Antonio José Gomes Lima, Antonio Maria Dias Pereira Chaves Mazziotti, Antonio de Mattos Magalhães, Antonio Rodrigues da Costa Silveira, Antonio de Sousa Horta Sarmento Osorio, Arthur da Costa Sousa Pinto Basto, Bernardo de Alpoim de Cerqueira Borges Cabral, Conde de Alto Mearim, Conde de Carcavellos, Conde de Paçô-Vieira, Conde da Ribeira Grande (D. Vicente), Conde de Sucena, Eduardo Burnay, Eduardo Frederico Schwalbach Lucci, Francisco Joaquim Fernandes, Frederico Alexandrino Garcia Ramirez, Gil de Mont'Alverne de Sequeira, Henrique Carlos de Carvalho Kendall, Henrique de Carvalho Nunes da Silva Anachoreta, João Baptista Ribeiro Coelho, João Catanho de Menezes, João da Costa Santiago de Carvalho e Sousa, João Joaquim Izidro dos Reis, João de Sousa Bandeira, Joaquim José Cerqueira, José Augusto de Lemos Peixoto, José Cabral Correia do Amaral, José Ferreira de Sousa Junior, José Maria de Oliveira Mattos, José Osorio da Gama e Castro, José Paulo Monteiro Cancella, José Simões de Oliveira Martins, José Vicente Madeira, José Vieira da Silva Guimarães, Julio Ernesto de Lima Duque, Libanio Antonio Fialho Gomes, Luiz Filippe de Castro (D.), Luiz José Dias, Manuel Francisco de Vargas, Manuel Telles de Vasconcellos, Marianno Cyrillo de Carvalho, Marianno José da Silva Prezado, Paulo de Barros Pinto Osorio, Rodrigo Affonso Pequito, Sertorio do Monte Pereira, Vicente Rodrigues Monteiro, Visconde de Guilhomil, Visconde da Torre, Zeferino Candido Falcão Pacheco.

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SESSÃO N.° 26 DE 5 DE SETEMBRO DE 1905

ABERTURA DA SESSÃO - Ás 3 horas da tarde

Leu-se a acta.

O Sr. Queiroz Ribeiro (sobre a acta): - Sr. Presidente: pela forma como foi feita a leitura da acta, não pude distinguir o que nella ha com relação ao pedido, que hontem tive a honra de dirigir a V. Exa., para me ser dada a palavra antes de se encerrar a sessão.

O Sr. Presidente: - Vae proceder-se novamente á leitura d'essa parte da acta.

(Leu-se).

O Orador: - Duas simples palavras; Comprehende V. Exa. que, tendo eu declarado, como da acta consta, que o unico fim que tinha e tenho em vista, pedindo a palavra, era rogar a V. Exa. que, com a brevidade possivel, se dignasse dar para ordem do dia a interpellação annunciada pelo Sr. Dr. João Pinto dos Santos, relativamente aos telegrammas trocados entre o Governo e o nosso Ministro em Paris, desejava que V. Exa. se dignasse informar-me a esse respeito.

O Sr. Presidente: - O que eu disse é que V. Exa. não tinha a palavra, porque não a podia ter naquelle momento.

O Orador: - O que eu desejava era que V. Exa., o mais rapidamente que possa, completasse o que já vem consignado na acta, declarando á camara se está ou não disposto a designar, com a maior brevidade possivel, dia para se realizar a interpellação annunciada pelo Sr. Dr. João Pinto dos Santos, para a qual o Governo já se declarou habilitado e cuja necessidade V. Exa. deve reconhecer, porque o paiz entende que se deve esclarecer de um modo bem importante a discussão que se tiver de travar sobre o contrato dos tabacos. (Apoiados).

Rogo por isso a V. Exa. mande inserir na acta esta minha declaração; e peço igualmente a V. Exa. que, com a sua usual amabilidade, se digne declarar se está ou não disposto a marcar dia para se realizar essa interpellação.

V. Exa. sabe que eu podia prolongar o meu discurso, porque ainda hontem nos deu exemplo d'isso o Sr. Roboredo Sampaio e Mello, quando explanou, no uso do seu direito, as explicações que entendeu dever dar á Camara.

Eu desisto porém de continuar no uso da palavra, porque confio plenamente em que a amabilidade de V. Exa. se manifestará no sentido de satisfazer o nosso justissimo desejo, declarando se está ou não disposto a attender o nosso pedido. Dada a circumstancia do Governo se ter declarado desde logo por habilitado, estou crente que V. Exa. marcará com a maior brevidade possivel essa interpellação para ordem do dia.

O Sr. Presidente: - Não é nesta altura da sessão que a mesa marca a ordem dos trabalhos. Opportunamente a mesa marcará dia para a interpellação.

O Orador: - Espero para então a resposta de V. Exa.

Foi approvada a acta.

O Sr. Pedro Nazareth: - Mando para a mesa o seguinte

Requerimento

Requeiro a V. Exa. se digne consultar a camara sobre se permitte, com dispensa do regimento, que a commissão de marinha se reuna durante a sessão. = Pedro Doria Nazareth.

Approvado.

O Sr. Visconde da Ribeira Brava: - Peço a palavra para um requerimento, sobre a forma de interpertar o artigo 175.° do regimento.

O Sr. Presidente: - V. Exa. já tem o seu requerimento feito?

O Sr. Visconde da Ribeira Brava: - Vou escrevê-lo, mas desejo apresentar desde já as razões em que me fundo para o fazer.

O Sr. Presidente: - O illustre Deputado só tem a apresentar o seu requerimento e nada mais.

O Sr. Visconde da Ribeira Brava: - Como o Sr. Presidente me dará a palavra em qualquer altura, vou escrever o meu requerimento e depois o sustentarei.

Uma voz: - Os requerimentos não se justificam.

O Sr. Visconde da Ribeira Brava: - Mando para a mesa o seguinte

Requerimento

"Requeiro a V. Exa. que haja uma hora, para antes da ordem do dia, como determina o artigo 50.º = Visconde da Ribeira Brava".

Desejo, em poucas palavras, fundamentar este requerimento.

O Sr. Presidente: - V. Exa. não pode fundamentar o seu requerimento.

Lido na mesa e posto á votação foi rejeitado.

O Sr. Visconde da Ribeira Brava: - Peço a V. Exa. a contraprova.

Procedendo-se á contraprova foi rejeitado.

O Sr. Presidente: - O Sr. Oliveira Simões pediu a palavra, mas não lha posso conceder porque vae continuar a discussão sobre a interpellação do Sr. Cabral Moncada, que ficou pendente na sessão anterior.

O Sr. Oliveira Simões: - Eu pedi a palavra porque desejava falar sobre factos occorridos em Pedrogam e que reclamam a attenção do Sr. Ministro do Reino.

O Sr. Presidente: - Communico á camara que o Sr. Deputado Libanio Fialho Gomes não compareceu á sessão de hontem, nem comparece á de hoje e a mais algumas, por motivo de doença.

Tem a palavra sobre a ordem o Sr. Alfredo Brandão.

O Sr. Alfredo Brandão: - Eu não pedi a palavra sobre a ordem mas sobre a materia. Como não desejo preterir nenhum dos meus collegas, peço a V. Exa. que me conceda a palavra na altura competente.

O Sr. Presidente: - Em vista da declaração do Sr. Alfredo Brandão tem a palavra o Sr. Claro da Ricca.

O Sr. Claro da Ricca: - Sr. Presidente: foram tão extraordinarias as declarações do Governo e de alguns membros da maioria nesta momentosa questão; de tão

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elevada magnitude, foram tão manifestamente contraproducentes e contradictorios os argumentos apresentados pelo Sr. Ministro da Marinha sobre a mesma questão, que eu, sem facciosismos politicos, não posso deixar de analysar, devidamente o assumpto, e tentar incutir no espirito do Governo o cumprimento imperioso do seu dever.

Disse eu - sem facciosismos politicos - e disse-o numa expressão sincera e sentida de pura verdade.

O partido regenerador, hoje como hontem, hontem como hoje, amanhã como hoje e como hontem, nunca em questões de caracter internacional, em questões que contendam com a ordem publica ou affectem os mais altos e sagrados interesses nacionaes, deixou de abater a sua bandeira partidaria e cooperar com todos os Governos, sem preoccupação de partidos, para a prosperidade e para o bem da Patria.

Não é este o momento asado para quaesquer facciosismos politicos que só serviriam para irritar um debate que deve ser - por sua natureza - sereno e calmo.

Mas por mais firme que seja o meu proposito, por mais ponderado que seja o meu intento, eu declaro a V. Exa. que como portuguez, neste ambito em que se agita a alma popular, não posso deixar de protestar contra os desmandos do actual Governo, que podem ter consequencias funestissimas para a honra da nação e para o futuro da provincia de Angola.

A discussão faz a luz - diz um aphorismo popular - e poucas vezes como neste assumpto elle terá um effeito tão pratico e tão intenso. A luz está feita, a discussão operou-se e sobre os discursos proferidos paira imperiosa a verdade.

É que não ha fundamento serio, base firme que justifique a inacção criminosa, a espectativa prejudicial aos sagrados interesses da Patria, que o Governo tem seguido nesta questão, podendo preparar-nos uma situação difficilima e altamente perigosa.

Desde a guerra com o Gungunhana nenhum outro problema militar como o das margens do Cunene só impoz á nossa administração publica: Assim o entendeu, e muitissimo bem, o partido regenerador.

O Ministro regenerador de então, na comprehensão dos seus deveres, organizou uma expedição tendente a resolver este problema militar. Fez o que é indispensavel fazer-se em questões d'esta ordem, cumpriu o seu dever.

A primeira obrigação de um Ministro que tem de organizar uma expedição é escolher um official que conheça a região que tem de atravessar, que tenha fama justificada pelos seus precedentes, um official em que o Governo tenha toda a confiança, e depois satisfazer cabalmente as suas requisições.

O que fez o Ministro regenerador? Não só satisfez as requisições que eram exigidas, mas mais do que isso, fez o que é indispensavel fazer-se nestes casos, fez o que o actual Sr. Ministro da Marinha não quiz fazer e que originou a suspensão sine die da campanha; deu lhe todos os poderes discricionarios e satisfez todas as requisições em pessoal, material de guerra e munições, porque foi a isto que se deveu a campanha gloriosa que emprehendemos contra o Gungunhana, facto que constitue hoje uma das paginas mais brilhantes da nossa historia.

Deu-se um incidente desastroso, é verdade, incidente que enlutou todos os corações portuguezes, mas é minha convicção que, se não se tivesse praticado um erro gravissimo, cuja responsabilidade não pode ser imputada ao Governo, em logar de um revés, podiamos contar com mais uma pagina gloriosa, na nossa historia. - V. Exa. e a Camara sabem que a columna expedicionaria atravessou com toda a facilidade o Cunene; mas depois adoptou-se o processo, já hoje condemnado em todas as guerras regulares quanto mais em guerras irregulares, de dividir as forças em destacamento?

Se não fosse esse pequeno incidente, que inutilizou o conjunto da columna, é minha crença que a expedição conseguiria o seu fim e em vez de um desastre teriamos mais uma gloria das nossas armas.

Mas o que eu quero é levantar as responsabilidades que se attribuiram ao Ministro regenerador, que teve de resolver um problema que se impunha, e que era o mais importante que se tem apresentado depois da guerra do Gungunhana. Assim entendeu o Governo, procedendo com toda a boa vontade e patriotismo.

Houve infelizmente um incidente que prejudicou os intuitos patrioticos da expedição. A quem attribuir a responsabilidade?

Ao Ministro não, porque tudo attendeu, satisfez todos os pedidos, deu todos os elementos para o bom exito da expedição. As responsabilidades não são suas, mas de outros que o tribunal apreciará. (Apoiados).

Incoherente hontem como hoje e hoje como amanhã o actual Governo. Ao subir ao poder fez constar pela imprensa que se ia encetar uma campanha de desforra.

Esta declaração existe ainda nas paginas dos jornaes progressistas e foi transcripta nos jornaes estrangeiros.

Mas o que é mais grave é que num communicado de Inglaterra a proposito da viagem regia áquella nação dizia-se que o Chefe de Estado, conversando com algumas das mais elevadas entidades d'aquella grande nação, declarara que a intenção do seu Governo era fazer desaggravar as armas portuguezas e occupar a região de alem do Cunene.

Quer dizer: o Governo não só se contradiz a si proprio, como commette a leviandade de pôr na boca do Chefe de Estado palavras mentirosas que não traduzem factos, quando para mais, a breve trecho, o Governo resolve adiar sine die aquella campanha sem pensar nas funestas consequencias que o adiamento pode acarretar para o prestigio das nossas armas no sul de Angola.

Sob o ponto de vista politico internacional é tambem perfeitamente insustentavel o adiamento que o Governo resolveu fazer da campanha contra os cuanhamas.

Comprehende-se que ao Governo compete ponderar todos os elementos que contendam com uma questão que está sujeita a estudos e tirar sobre esse resultado o seu criterio. Mas é indispensavel que esses estudos sejam feitos com consciencia, com conhecimento seguro, com bases firmes e não com o mais leviano procedimento.
(Apoiados).

O Sr. Ministro da Marinha disse que dois motivos essenciaes o demoveram a adiar a campanha de occupação de alem Cunene.

A opportunidade para a realização da campanha, opportunidade que seria muito mais accentuada quando estivesse concluido o caminho de ferro de Mossamedes e que o Governo considerava como elemento categorico para o fim que tinha em vista; segunda razão, a preparação conveniente para a campanha, que era absolutamente incompativel não só com o tempo de que dispunha, mas com os recursos materiaes de que a provincia de Angola podia dispor. Estes dois pretextos unicos que o Sr. Ministro da Marinha apresenta como justificação do adiamento sine die da campanha, estes dois argumentos caem pela base deante dos conhecimentos de pessoas de auctorizado parecer.

Vamos ver a questão da opportunidade de que o Sr. Ministro da Marinha se soccorre, vindo dizer que em todos os paizes e até entre nós tem havido grandes delongas entre o momento da affronta feita pelos pretos e o momento da desaffronta.

Não invoca felizmente S. Exa. o principio, que já vi expendido num jornal, de que a injuria do preto não pede desaffronta, mas pretende justificar as grandes delongas que teem mediado entre o momento da affronta e o da desaffronta, citando exemplos da Inglaterra, exemplos que o brilhante parlamentar Sr. Manoel Fratel demons-

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trou não terem sequer a menor relacão com o nosso caso e que, antes pelo contrario, são exactamente a condemnação mais formal dos processos empregados pelo Sr. Ministro da Marinha.

O Sr. Fratel no seu discurso de hontem contou o que se deu com a Inglaterra quando o seu Governo pretendeu assegurar a soberania do seu paiz numa parte dos seus territorios, organizando uma expedição tardia e bastante cara - o resultado d'essa expedição foi infeliz e a opinião publica numa onda de agitação patriotica obrigou o Governo presidido por Gladstone a deixar as cadeiras do poder.

Sr. Presidente: vê-se pelas exposições que teem sido feitas deste lado da camara que o Governo não estudou a questão como ella devia ser estudada.

isse o Sr. Ministro da Marinha que felizmente o estado dos espiritos em Angola, permitte e aconselha uma prudente demora para bem se estudar a questão. Todos os factos provam precisamente o contrario, e teem demonstrado á evidencia quão falhos são de razão os argumentos apresentados pelo Sr. Ministro da Marinha. A verdade é, Sr. Presidente, que as informações vindas d'aquella provincia dizem que a effervescencia, já não digo a rebeldia, para comnosco e para com os estrangeiros, que até agora tinha intermittencias, tomou um caracter de persistencia que nos deve fazer pensar. Deve-se calcular por aqui o estado de desassocego em que se encontra a provincia de Angola.

Para provar quanto é desacertada a affirmação do Sr. Ministro da Marinha basta citar o seguinte facto: depois do desastre de Cunene, tendo o governador geral de Angola mandado uma columna atravessar o Cunene para recolher o material de guerra que lá tinha ficado, teve ella de retirar, não só sem trazer o material que ia buscar, mas deixando ainda o que levava.

E então o Sr. Ministro da Marinha diz, "que o socego d'aquella região é de molde a permittir delongas!"

Mais ainda, Sr. Presidente.

O Sr. Ministro da Marinha, que tive a honra e o prazer de ouvir na sessão de maio ultimo, antes do adiamento, quando aqui nos trouxe um telegramma, em que se dava parte ao paiz de mais uma gloriosa victoria das nossas armas no Libollo, referiu-se a um pequeno incidente que havia na região dos Gambos, dando-lhe a menor importancia! Mas para se mostrar quanto é falha de confirmação pratica esta informação, ouvimos pela boca auctorizada do Sr. Cabral Moncada que esta campanha, que não tinha importancia realizada nos Gambos, era uma contenda entre dois potentados, a um dos quaes démos auxilio das nossas forças, pois esse foi derrotado e a embala não ficou em poder do soba e das armas portuguezas; as nossas tropas fugiram deante de alguns guerrilheiros negros! Mas o Sr. Ministro da Marinha continua a dizer - que o estado de quietação d'aquella região de Angola é de molde a permittir delongas!...

"Limitava-se a contenda entre dois sobas; com isso não tinhamos nada e em nada affectava as armas portuguezas!" Isto prova como estão desorganizadas as forças militares de Angola. (Apoiados).

Mas depois do desastre de Cunene e depois destes factos continua-se a affirmar -que a quietação dos espiritos dos indigenas e de todas as hordas gentilicas do sul de Angola é de molde a permittir delongas!...

Mas ha mais. Noticias de recente data colhidas num jornal de mais circulação no paiz affirmam que alguns commerciantes, aventurando-se a fazer os seus negocios na região do Ovampo, tendo atravessado o Cunene, estabelecido as suas barracas e iniciado as suas negociações, tiveram de fugir precipitadamente, deixando barracas e todos os generos para evitar serem massacrados!...

Acresce ainda que terminadas as chuvas as consequencias poderão ser muito mais funestas. Baixando o nivel do Cunene, os cuanhamas e cuamatas e outras hordas gentilicas d'aquelle paiz hão de atravessar o rio e confraternizar com todas as tribus selvagens da margem direita do Cunene.

É preciso que se saiba uma coisa que é uma grande verdade; em todas as tribus da margem direita do Cunene a submissão é mais platonica do que real, ha naturalmente em todas as tribus selvagens o espirito de hostilidade para com os dominadores europeus, e esse espirito, quando seja impulsionado por outros seus irmãos, converte-se fatalmente num espirito vivo de vingança, que será difficil, muito difficil, de dominar. (Apoiados).

Mas mais ainda, é preciso não esquecer este grande principio de Antonio Ennes, de que o sertão tem a sua diplomacia, mas que aquella diplomacia só cede á força dos factos, das campanhas militares, muitas vezes regadas com o sangue dos nossos irmãos.

O Sr. Ministro da Marinha continua a fiar-se nas promessas de submissão, em palavras de amor de tribus selvagens, esquecendo-se de que tantas vezes as regiões civilizadas esquecem as palavras proferidas, quanto mais uma região de seres naturalmente inferiores, e que hão de ser sempre levados pelo instincto de rebeldia contra os seus dominadores. (Apoiados).

Um facto porém, debaixo do ponto do vista internacional, ha muitissimo mais grave, que vem demonstrar que a opportunidade neste momento era absolutamente exigida pelos mais sagrados interesses do paiz. (Apoiados).

Sabe V. Exa. que na região do sudoeste africano a Allemnnha tem uma fronteira commum com o nosso paiz, alem Cunene. Estão ali 20:000 dos melhores soldados, allemães, commandados pelos melhores officiaes d'aquella poderosa nação, que estiveram na fronteira franceza.

Nessa região rompeu uma revolta entre os herreros e os allemães e 20:000 soldados allemães pisam o terreno de uma quasi inhospita paragem, que confina com a região alem Cunene. Comprehende V. Exa. que, de duas, uma das hypotheses ha de dar-se:

Ou os allemães vencem os herreros ou os herreros vencem os allemães.

Na primeira hypothese, os herreros vencidos e acossados pelo inimigo, galgando a fronteira commum, hão de invadir o nosso dominio e os allemães, precipitando-se em perseguição d'elles, sem obstaculo, e não vendo fronteiras conhecidas, invadirão o nosso territorio e ali se fixarão definitivamente, tirando nos o que de direito é nosso dominio.

Virão depois as reclamações diplomaticas e de nosso lado estará a razão; mas eu lembro a V. Exa. a celebre pbrase tão conhecida, de que os diplomatas assignam os tratados, mas quem prepara as pennas com que os tratados são assignados são as campanhas e as batalhas.

Na segunda hypothese, se os herreros ficam vencedores detendo-se nas regiões de alem Cunene, e impulsionados os seus irmãos de Ovampo pela victoria que lhes viram alcançar, ou ainda acossados por elles, hão de pensar em fazer o mesmo que elles fizeram e, peor do que isso, hão de transpor o Cunene, hão de ligar-se com todos as tribus onde temos soberania mais effectiva e estas, obrigadas, ou aproveitando o ensejo, hão de entender-se até nos deixarem só o litoral.

É esta a bella situação que o Sr. Ministro da Marinha nos procura, a nós que temos na provincia de Angola um dominio duas vezes maior do que o que está abrangido nos limites das fronteiras.

Lembrou nos hontem o Sr. Fratel um facto gravissimo que ha de resultar como consequencia funesta d'este adiamento: refiro-me á conferencia de Berlim.

Nós não levantámos o prestigio das nossas armas, nem fizemos a occupação effectiva da região alem Cunene, onde temos uma missão catholica subsidiada pelo Governo Portuguez, mas onde ha tambem varias missões estrangeiras,

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sendo tres protestantes, que absolutamente não concorrem em cousa alguma para assegurar ali o nosso dominio.

Por isso, 8r. Presidente, dizia ha pouco que o primeiro pretexto invocado pelo Sr. Ministro da Marinha como razão fundamental do adiamento sine die da expedição e da occupação cuanhama e cae pela base.

O segundo pretexto é o seguinte: que a preparação conveniente da campanha era absolutamente incompativel com o tempo e com os recursos materiaes da provincia de Angola.

Não se comprehende uma affirmação d'esta natureza feita pelo Sr. Ministro da Marinha.

Pois S. Exa. cita-nos um trecho do relatorio do official encarregado de organizar a expedição, em que esse official diz que se houver delongas na resolução do Governo não pode tomar compromissos, e affirma que em virtude d'essa declaração é que a expedição foi adiada?

Mas porque?

Porque se demorou a resolução do Governo?

O illustre official em quem o Sr. Ministro da Marinha deposita toda a confiança, como declarou, affirmava que, não havendo demora da parte do Governo, elle se compromettia a tornar effectiva a occupação alem do Cunene, desaffrontando as nossas armas.

Mas então porque foi a demora?

Pois esse distincto official declarava categoricamente que tomava o compromisso de desaffrontar o prestigio das armas portuguezas se não houvesse demora e por essa razão é que a expedição se não fez?!

Pois dizia isto um official que o Sr. Ministro affirmava ser de toda a confiança, e o Governo demorou a expedição, e agora, como a demorou, diz que não pode seguir a indicação daquelle distincto official.

Como tem coragem o Governo para servir-se do mesmo documento procurando defender o seu procedimento tão variado!

Dizia S. Exa. que a impossibilidade em preparar convenientemente a campanha, resultava de varios motivos; não só de não poder estabelecer com toda a segurança a base de operações, como a impossibilidade de se fazer abastecimento de viveres e de materiaes de guerra para a região que constitue a base de operações, e ainda o não se poder estabelecer as linhas de communicação.

Pois no proprio relatorio do official do exercito em que o Sr. Ministro da Marinha declara depositar toda a confiança administrativa, nesse mesmo relatorio, o distincto official que foi encarregado dessa missão affirma, com a sua competencia technica, com os conhecimentos que tem da região, e com a auctoridade do nome que adquiriu na historia das ultimas guerras africanas, que, segundo os elementos que tinha colhido, dentro do prazo marcado podia-se ter feito a expedição com exito brilhante para as nossas armas, pacificando a região alem Cunene.

Portanto, depois d'este official ter affirmado com a auctoridade do seu nome que era compativel com o tempo a preparação conveniente das operações, o motivo foi outro; o motivo sabe-o toda a gente, é que o illustre official pedia ao Governo, para satisfação integral dos seus compromissos, a subordinação da auctoridade administrativa ao commando da expedição, emquanto que o Governo entendia dever desligar o commando militar da expedição da auctoridade administrativa; o que é o mais grave erro que se pode commetter em administração colonial.

Já disse ha pouco e torno a repetir que a missão do Ministro da Marinha que queira bem desempenhar o seu mandato é satisfazer a todos os pedidos dos commandantes de expedições, e dar-lhes todas as liberdades de acção para que elles possam resolver todas as difficuldades.

O Sr. Ministro da Marinha não quiz attender a este justo argumento e por isso causou enorme prejuizo á nação. Remedeie-o se ainda é tempo. Não fale mais S. Exa. em opportunidade, dizendo que está esperando a construcção do caminho de ferro, que Deus sabe quando estará concluido.

Não se fie S. Exa. nas theorias que o Sr. Rodrigues Nogueira apresentou; lembre-se V. Exa. do que succedeu aos allemães.

Sr. Presidente: lembro-me do que succedeu na região do sudoeste allemão. Quando rebentou a revolta dos Herreros estavam 5:000 soldados allemães na testa do caminho de ferro; pois tiveram de chamar mais 8:000 homens para esta campanha tão demorada e de que tantas vezes não teem saido triumphantes! Como se pode affirmar que deante dos caminhos de ferro fogem as insurreições?!... Seria contradizer os factos.

Accentua-se que o caminho de ferro é um dos maiores incentivos para o desenvolvimento economico de todas as regiões: aproximam-se os generos produzidos numa região dos pontos de consumo. Mas hoje não é o caminho de ferro que procura a povoação; são as povoações que procuram o caminho de ferro. (Apoiados}.

Debaixo do ponto de vista economico, o caminho de ferro traz grandes vantagens, que não podemos contestar, porque é esse o ponto de vista economico do partido regenerador. Mas é preciso accentuar que é indispensavel que a construcção do caminho de ferro se coadune com as necessidades do trafico local. (Apoiados}.

O Sr. Ministro da Marinha veio dizer ha pouco, o que me encheu de surpresa, "que de facto o caminho de 0,60 de largura satisfaz ás necessidades do trafico de momento e conforme as necessidades de futuro teria então de ser substituido por um caminho de via larga, aproveitando-se esse ramal para o caminho de ferro de via larga."

Em primeiro logar devo observar que construir um caminho de ferro com 0,60 de largura com o intuito de enriquecer uma região, fomentando o desenvolvimento economico d'essa região, para depois se fazer a substituição por outro, é nem mais nem menos do que deitar perfeitamente o dinheiro á rua. (Apoiados). É um erro que se não pode perdoar neste momento, porque a nossa situação, posto que já bastante desaffogada, não permitte desperdicios d'esta ordem. (Apoiados).

Isto chega a ser extraordinario; foi por certo lapso de S. Exa.

V. Exa. comprehende que estabelecer ramificações num caminho de ferro de via larga com material de via estreita, sujeita por consequencia a baldeação de passageiros, de material, de mercadorias é tudo quanto ha de mais anti-economico, é a expressão mais contraria á verdadeira noção de um caminho de ferro.

Pelo que respeita ao preço ficámos na mesma.

Disse o Sr. Fratel que 1.500:000$000 réis é uma verba que fica muito aquem do valor real do caminho de ferro. Respondeu o Sr. Rodrigues Nogueira:

V. Exas. estão enganados, eu fiz a media de todas as peças kilometricas de caminhos de ferro de via reduzida, e a media é de 9:000$000 réis por kilometro!

Ora, Sr. Presidente, tirar media em preços kilometricos de caminhos de ferro não dá cousa alguma.

Pois o caminho de ferro numa região não pode ser de uma construcção difficil e carissima, e noutra ser baratissima e rapida? E, note V. Exa., em todo o nosso litoral de Africa existe uma elevação de terrenos que constitue, por assim dizer, uma orla que corre parallelamente a toda a linha limitrophe da costa.

A difficuldade do caminho de penetração é vencer as differenças do terreno. Tirar a media kilometrica de construcções de caminhos de ferro é um erro grave, não nos dá ideia de cousa nenhuma, nunca pode servir de argumento.

Disse-se que um caminho de ferro de 0m,60 é um caminho de ferro absolutamente destituido das condições indispensaveis para se conseguir o fim para que foi construido, criticou-se a apreciação espirituosissima que fez o

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Sr. Cabral Moncada dizendo que era um caminho de ferro de creanças, cuja machina podia parecer uma chaleira a deitar fumo e de que a unica missão seria affectar, estabelecendo, em vez do desenvolvimento economico, uma perturbação.

O illustre Ministro da Marinha e o illustre Deputado da maioria respondiam: está S. Exa. enganado, não faça essa critica severa, porque de caminhos de ferro de 0m,60 teem usado muitas nações com grande proveito.

Mas se nós examinarmos o mappa da Africa e virmos os caminhos, de ferro construidos, como hontem muito bem disse o meu illustre collega e amigo o Sr. Fratel encontramos que de 18:000 kilometros só rarissimos ramaes destinados a exploração local, e que apenas attingem 3:000 kilometros, apparecem com a bitola de 60 centimetros, o que é a condemnação do systema.

Eu presto homenagem ao intuito do illustre Ministro e já que me refiro a S. Exa. eu devo dizer que gostosamente a presto ainda pelos primores do seu talento e do seu caracter, pelos quaes tenho a maior consideração.

Mas acima da minha consideração pessoal, o meu cargo de Deputado impõe-me o dever de exigir ponderação em assumpto tão grave para os interesses do paiz.

O intuito da construcção do caminho de ferro é louvavel e applaudimo-lo como applaudimos todas as obras de fomento; mas foi prejudicado pela contextura da obra: faz-se um caminho de ferro que para nada serve senãq para disperdiçar cêrca de 3.000:000$000 réis.

O Sr. Ministro da Marinha veio justificar o adiamento; eu pedirei a S. Exa. que remedeie o mal, se ainda é tempo.

Lembre-se S. Exa. de que nas colonias estão pedaços da nossa alma; que ellas são a essencia da nossa vida, a base segura do nosso desenvolvimento economico e a unica razão politica da nossa autonomia. Desprezar os mais sagrados interesses nacionaes affrontando o brio das nossas armas e permittindo futuros desmembramentos do nosso dominio é erro gravissimo e responsabilidade tão pesada que não ha homem publico que com ella possa.

Lembre-se mais S. Exa.: que a nossa provincia de Angola pela sua posição especial e attendendo ás nossas relações com poderosas nações nos impõe cuidados muito especiaes.

Lembre-se S. Exa. de que o seu procedimento está concorrendo para o desmembramento da provincia de Angola. É um presagio terrivel que eu nunca desejaria ver realizado, mas Deus permitta que eu me engane, que os factos dêem razão a S. Exa., porque acima de tudo está o bem do meu paiz.

Tenho dito. (Vozes: - Muito bem, muito bem).

O orador não reviu).

O Sr. Abel Brandão: - Sr. Presidente: como o assumpto tem sido largamente debatido, eu procurarei ser o mais breve possivel nas considerações que vou fazer á Camara.

Sr. Presidente: não é minha intenção ferir neste assumpto a mais ligeira nota politica. Este meu sentimento, tanto em harmonia com a magnitude do assumpto, contrasta com a altitude por vezes apaixonada dos membros da opposição regeneradora que me precederam no uso da palavra.

O illustre Deputado Sr. Claro da Ricca, a quem tenho a honra de responder e a quem não me ligam relações pessoaes, posto que de ha muito conheça S. Exa. pelas suas faculdades de intelligencia, não foi superior a essa pequena cousa que se chama a politica, e num discurso verdadeiramente apaixonado, quasi todo injusto, numa serie de argumentos architectados com talento, mas destituidos de valor, caiu a fundo sobre o Sr. Ministro da Marinha, criticando-o e censurando-o, como nenhum valor lhe merecessem as suas medidas.

É corrente accusar o Governo por não procurar resolver de prompto um problema de cuja resolução depende a posse effectiva dos nossos territorios ao sul de Angola; é frequente accusar o Governo de não tirar um desforço do desastre soffrido pelas nossas tropas alem do Çunene.

Ninguem mais do que eu lastima esse acontecimento porque o meu coração de portuguez sangra ainda com a memoria d'aquelle desastre, mas o que é certo é que elle é da unica responsabilidade do Governo que antecedeu este nas cadeiras do poder.

O assumpto exige tanta ponderação como serenidade da parte de todos os dirigentes.

De quem é a culpa da organização de uma expedição militar mal muniiada, pessimamente dirigida, marchando contra inimigos fortes e aguerridos; de quem é a culpa que os soldados marchassem á aventura num terreno ingrato para uma morte quasi certa?

Não contesto que é indispensavel affirmar a nossa soberania nos territorios ao sul de Angola, porque assim o exige a segurança dos interesses do nosso paiz, mas o que desejo é que essa acção seja duradoura, de forma que numa epoca proxima não tenhamos um desastre maior que o primeiro.

Quem ha que não conheça que um problema de tanta importancia como este não exige largo periodo de preparação?

O Sr. Claro da Ricca, num discurso apaixonado sem fundamento, lamentou que o Sr. Ministro da Marinha não tirasse a desforra immediata do desastre soffrido pelas nossas tropas alem Cunene. (Apoiados).

Comprehende-se que a primeira impressão d'esse doloroso desastre, o sentimento geral fosse o de uma desforra immediata do gentio, mas o que é certo é que essa impressão pouco a pouco começou a desvanecer-se e d'ahi o desejo, não de uma acção aguerrida, mas de occupar efficazmentc o paiz, evitando grandes sacrificios de vidas com exito pouco seguro. (Apoiados).

Não ha questões de dignidade ou de honra nacional que não admittam transigencias; actualmente ha interesses positivos a ponderar na analyse das condições do problema.

Em boa razão affirma-se que sob o ponto de vista estrategico militar a expedição devia ser adiada. (Apoiados).

Guerra só para fazer guerra, só para vingar, para tazer correr sangue é uma concepção utopica que tem um tanto ou quanto de selvagem. (Apoiados).

Perante a civilização moderna toda a expedição militar que não obedeça a um plano de occupação effectiva é um elemento esteril e condemnavel, como todos os sacrificios que não tragam utilidade. (Apoiados). Estes são os principios da civilização moderna e especialmente da moderna colonização. (Apoiados). Olhe V. Exa. para a Inglaterra, essa nação essencialmente colonial e veja a maneira como ella vinga os desastres que tem soffrido nas colonias; é inpetrando a nobreza dos seus sentimentos, é trazendo-as ao convivio mundial com a abertura de communicações faceis e rapidas que ella consegue fazer a grande obra da civilização. ( Vozes: - Muito bem).

Ponhamos os olhos nos escrupulos da Inglaterra.

Quando o silvo da locomotiva chegar áquella região, o que vale bem mais que o tilintar das baionetas ou o troar da artilharia, então o Sr. Ministro da Marinha orgulhar-se-ha de ter cumprido o seu dever e de bem servir o seu paiz.

Tenho dito. (Vozes: - Muito bem, muito bem).

(O orador foi muito cumprimentado).

(O orador não reviu).

O Sr. Mendes Leal: - Em obediencia ás praxes seguidas nesta casa cumpro, Sr. Presidente, o grato dever de felicitar o illustre orador que me precedeu no uso da palavra.

Felicitando a S. Exa., felicito tambem a maioria d'esta Camara, por contar, entre os oradores que este anno se

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8 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

teem estreado, mais um combatente da envergadura do illustre Deputado o Sr. Brandão.

Pena foi que S. Exa., tendo declarado no principio do seu pequeno discurso que não desejava pôr nelle a mais pequena nota politica, a final não fizesse outra cousa senão attribuir gratuitamente ao Governo regenerador a responsabilidade do desastre do Cunene.

Mal avisado andou, Sr. Presidente, o illustre Deputado, e eu hei de demonstrar com documentos publicados no Diario do Governo que a accusação de S. Exa., alem de gratuita, foi injusta. No desastre do Cunene se alguem teve responsabilidades, não foi decerto o Governo regenerador. (Apoiados).

Sr. Presidente: na sessão de 12 de abril d'este anno tive a honra de mandar para a mesa um requerimento, pedindo varios documentos para me habilitar a discutir esta grave questão.

Dos documentos pedidos alguns foram enviados a esta Camara. Não o foram, porém, nem os que se referiam ao inquerito mandado fazer aos acontecimentos do Cunene, nem o plano de operações nem outros documentos que o deviam esclarecer. Eu comprehendo a razão por que se recusaram os primeiros, visto que os tribunaes competentes teem ainda de pronunciar-se sobre os acontecimentos; mas não comprehendo a recusa dos segundos.

Para eu poder continuar as minhas considerações peço ao Sr. Ministro da Marinha o favor de dizer á camara a razão por que recusou o conhecimento d'esses documentos.

O Sr. Ministro da Marinha (Moreira Junior): - A razão é que planos de operações, e principalmente de operações a effectuar, não se communicam; são do Governo e ao Governo pertencem.

O Orador: - Já esperava essa resposta do illustre Ministro, nem podia dar outra; mas não me satisfaz, e eu vou dizer a razão.

Os planos de mobilização do exercito, os planos de operações, bem como quaesquer trabalhos que tenham relação com a defesa nacional - o que aqui se não dá - teem e comprehende-se que não podem deixar de ter um caracter secreto. Mas, tratando-se de planos de operações contra umas miseraveis tribus negras do centro de Africa, em territorio portuguez, como tal reconhecido pelos tratados, que receio ha de complicações internacionaes?!...

O Sr. Miguel da Silveira: - Os planos das operações são secretos.

O Orador: - Tratando-se de um plano de operações em territorio nacional contra pretos rebeldes no interior da Africa, não ha perigo nenhum, nem internacional, nacional, nem militar, em ser conhecido esse plano.

(Interrupção do Sr. Miguel da Silveira}.

O Sr. Presidente: - Peço ao Sr. Deputado Silveira que não interrompa o orador.

O Orador: - Se o illustre Deputado quer contestar as minhas affirmações, peça a palavra e mostre qual o perigo para o paiz em ser conhecido um plano contra rebeldes no interior de Africa, quando de mais a mais esse plano já foi posto de parte, como foram postos de parte os serviços dos officiaes que o elaboraram.

O Sr. Ministro da Marinha, mantendo-se dentro d'esta reserva, recusando ao Parlamento o conhecimento do plano de operações do Sr. Eduardo Costa, recusa sem duvida o documento mais importante, para se poder apreciar a razão do seu procedimento nesta questão.

Tentarei, mesmo sem esse documento, mostrar que o Governo podia e devia fazer a campanha.

Sr. Presidente: esta questão, que é importante, seja qual for o aspecto por que se queira encarar, já não mereço grande interesse á Camara, e comtudo ainda o assumpto está muito longe de ser esgotado.

Eu ouvi com a máxima attenção e cuidado o discurso do Sr. Ministro da Marinha, assim como ouvi com toda a attenção os discursos dos illustres Deputados da maioria que defenderam a orientação do Governo nesta questão. E ouvi-os com toda a attenção, não só pelo muito respeito e consideração que tenho por S. Exas., mas ainda porque queria ver se conseguia arrancar ao meu espirito a convicção, em que estava, de que realmente o Governo faltara ás suas promessas, aos desejos do paiz e aos interesses nacionaes, adiando uma campanha que se podia ter feito e que era reclamada pelos partidos, pela imprensa, pela opinião e pelo exercito. (Apoiados).

Sr. Presidente: os meus collegas d'este lado da Camara já expuseram mais de uma vez as causas que levaram o Governo regenerador a fazer essa campanha.

Decidida a campanha, o Governo regenerador convidou para assumir o commando da columna de operações o official que pela sua situação na provincia de Angola, pelos seus conhecimentos da região, pelo seu caracter ponderado e reflectido, se recommendava como sendo o mais competente.

Se o desastre do Cunene foi um revés de guerra ou o resultado de imprevidencia do commandante, são factos que ainda se hão de liquidar.

O procedimento do Governo regenerador foi no entretanto o mais consentaneo com as indicações de occasião. Cumpriu o seu dever ordenando a campanha, nomeando o commando que as circumstancias indicavam e satisfazendo todas as suas requisições.

Bem andou pois o Sr. Ministro em não atirar para cima do Ministro a que succedeu a responsabilidade do desastre. Bem sabia S. Exa. que realmente não tinha razão para o fazer.

Por isso senti que o illustre Deputado que me antecedeu no uso da palavra enveredasse por tal caminho.

O Sr. Abel Brandão: - Eu não quiz ferir a nota partidaria.

O Orador: - Mas V. Exa., no seu discurso, não fez outra cousa senão accusar o Governo regenerador da responsabilidade do desastre do Cunene. Se isto não é ferir a nota partidaria, o que é?

Ora eu convido S. Exa. a ler uma consulta que está publicada no Diario do Governo de 21 de agosto de 1905 em que se diz que o Governo regenerador satisfez a todas as requisições que lhe foram feitas. O Governo deu tudo quanto se lhe requisitou e mais ainda que o que se lhe requisitou.

O commandante da columna, se lhe não satisfizeram as requisições, se lhe faltaram com os elementos necessarios para o cumprimento da sua missão, deveria ter declinado a honra e o encargo. Qualquer militar é apenas obrigado pelos regulamentos ao commando de unidades correspondentes á sua patente; quando- se não encontra com forças para commandar em chefe, não acceita essa missão.

A responsabilidade do desastre; seja de quem for, não é do Governo regenerador.

Sinto, Sr. Presidente, dizer estas palavras, tratando-se de um official com que tenho relações de amizade, que estimo e considero; mas os factos são os factos.

Tenho aqui ouvido a alguns Srs. Deputados da maioria que S. Exas. nunca pediram a desforra immediata, e apenas a desejavam quando ella pudesse ter logar.

Quem representa dentro d'esta Camara a opinião da partidos nella representados é o seu leader. Ora o leader da opposição progressista de então era o Sr. Ressano Garcia, que é, sem duvida nenhuma, um dos homens de mais talento da nossa terra (Apoiados), com largo conheci-

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mento dos negocios publicos, e que, antigo titular da pasta da Marinha, tinha no assumpto competencia excepcional; pois S. Exa., lamentando o desastre de Cunene, pedia nesta Camara uma desforra immediata.

Era esta a affirmação feita por um antigo Ministro da Marinha e homem de excepcional competencia e responsabilidade. Tambem o Sr. Ministro da Marinha assim pensava, e tanto que o seu primeiro acto ao assumir a gerencia d'aquella pasta, acto que eu não posso tomar por um impulso de leviandade ou por desconhecimento dos negocios da sua pasta, foi convidar um illustre official a elaborar um plano de campanha e a assumir o commando da projectada expedição, para immediatamente bater o gentio e ir occupar a região alem Cunene.

Quem queria a desforra immediata era pois o partido progressista, era o Sr. Ministro da Marinha, era a imprensa de todos os partidos, era o sentimento do paiz, era o exercito, que exigia uma desforra completa e immediata. D'estes sentimentos, toda a gente o sabe, partilhava o partido regenerador.

E o que fez o Sr. Ministro da Marinha?

S. Exa. é sem duvida alguma um homem de talento (Apoiados}, um professor distinctissimo de uma das nossas escolas superiores, um profissional de renome, um parlamentar de largos recursos (Apoiados), mas, ao que parece, não estava preparado para a difficil pasta que lhe foi confiada.

Nunca vi nesta Camara o Sr. Conselheiro Moreira Junior tratar de questões ultramarinas; apenas lhe ouvimos uns discursos sobre o Banco Ultramarino. Não me lembro de mais.

S. Exa. nem no Parlamento, nem na imprensa, nem em publicações especiaes -affirmou as suas ideias ou os seus planos sobre assumptos coloniaes.

Pelo seu talento está S. Exa. bem á altura da gerencia de qualquer pasta. Professor distinctissimo e clinico abalisado, podia bem com os encargos da pasta do Reino. Financeiro aqui revelado em debates da especialidade, a ninguem surprehendia a entrada de S. Exa. nos Conselhos da Corôa, para a pasta da Fazenda, mas a sua entrada para a pasta da Marinha, cuja bagagem era pouco mais do que o seu grande talento, surprehendeu muita gente.

O Sr. Tavares Festas: - Que preparação tinha o Sr. Teixeira de Sousa para a pasta da Marinha?

O Orador: - Já esperava a invocação do precedente. Quando opposição, S. Exa. versando assumptos ultramarinos pouco mais faziam do que atacar o Sr. Teixeira de Sousa pela sua falta de preparação. E S. Exa. era um parlamentar antigo que se occupava de todos os assumptos.

O Sr. Cayolla (interrompendo): - Veja V. Exa. os registos parlamentares e nelles encontrará discursos do Sr. Ministro da Marinha sobre questões coloniaes.

(Ápartes).

O Sr. Presidente: - Peço que não interrompam o orador.

O Orador: - Eu sei defender-me, Sr. Presidente. O Sr. Ministro da Marinha levou para o Ministerio o seu grande talento, a sua grande aptidão e o seu trabalho; mas, francamente, a sua preparação para os assumptos especiaes d'aquella pasta não era muito grande, e se o era nunca ninguem lha conheceu. Estas palavras não significam menos respeito ou consideração por S. Exa., a cujo talento já fiz a merecida justiça.

Vamos agora ao Sr. Eduardo Costa.

S. Exa. é um official de competencia excepcional, e o Sr. Ministro da Guerra, que se senta ao lado do Sr. Ministro da Marinha, decerto corrobora esta minha opinião, de que aquelle distinctissimo official é um dos ornamentos do nosso estado maior.

O Sr. Eduardo Costa é um militar, cuja opinião é respeitada em assumptos coloniaes, é mesmo uma auctoridade, e pode affirmar-se, sem offensa para ninguem, que não temos melhor. Sobre isto não ha a mais pequena duvida.

Vou mostrar á camara qual a opinião que d'elle formava o antigo commissario regio da provincia de Moçambique que, pondo em relevo as qualidades d'esse official, dizia:

(Leu).

Ò Sr. Eduardo Costa é pois na opinião auctorizada d'aquelle illustre funccionario um dos mais considerados officiaes em materia colonial.

Alem da preparação para o serviço colonial, que já trazia como chefe do estado maior das campanhas da costa oriental, o Sr. Eduardo Costa exerceu a commissão de governador de Benguella, e foi interinamente governador geral de Angola. Quer dizer, S. Exa. á preparação do seu espirito juntava o conhecimento dos negocios da provincia e o conhecimento da região onde era chamado a desempenhar tão importante serviço.

Sem sombra de menos respeito e consideração pelo Sr. Ministro da Marinha, a competencia de S. Exa. para a organização de uma expedição colonial e para a opportunidade da sua realização sob o ponto de vista militar não se pode comparar com a do Sr. Eduardo Costa.

Acceitando a missão e promptificando se a fazer a expedição immediatamente, eu não acredito que o Sr. Eduardo Costa caminhasse para um desastre; S. Exa. não tomava as responsabilidades de um tal commando, sem ter previsto as difficuldades que adviriam. (Apoiados). É bastante conhecedor das campanhas coloniaes, bastante prudente e bastante patriota para não arriscar o prestigio do paiz, os brios do exercito e a vida dos seus camaradas a um desastre, que pudesse ser previsto.

Ninguem acredita que um espirito tão ponderado como tem esse official, com as responsabilidades de um nome tão considerado, acceitasse o commando de uma expedição tão importante sem prever todas as difficuldades que o Governo parece ter previsto mas ainda não mostrou. (Apoiados).

Ninguem acredita isso. (Apoiados).

As causas do adiamento foram necessariamente outras, que desconheço. E se assim não é, mande o Sr. Ministro o plano do Sr. Costa para a mesa para ser consultado pelos Srs. Deputados. Amam todos bastante o seu paiz para não revelarem o que o não possa ser revelado.

Ora eu vou provar a V. Exa. que se podia ter feito a campanha; e tiro a minha, conclusão de factos positivos, apresentados uns á Camara, outros fornecidos por informações de officiaes do exercito do reino e dos quadros de Angola que conhecem aquella região, e alguns dos quaes o Sr. Ministro da Marinha tambem naturalmente consultou, outros expostos em relatorios e trabalhos conhecidos, e ainda outros publicados pela imprensa.

Por todas estas informações e ainda pelos trabalhos de estatistica dos povos do sul de Angola eu concluo que todos os povos entre o Cunene e o Cnbango contra quem deviamos organizar a expedição podiam pôr em guerra 30:000 a 40:000 homens com 5:000 a 6:000 espingardas e alguns cavallos. Da experiencia das campanhas coloniaes e da opinião dos entendidos concluo que uma columna de 3:000 a 3:500 homens e alguns auxiliares era força sufficiente para bater o gentio do sul de Angola. Faço estes calculos summarios para não cansar a Camara.

De passagem direi que, pelos documentos officiaes que o Sr. Ministro da Marinha me enviou, a columna do capitão Aguiar era de 2:052 homens europeus e indigenas, numero sufficiente, senão para fazer a occupação, pelo me-

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nos para bater o inimigo e manter o prestigio das nossas armas, a não se darem erros que todos nós deploramos. (Apoiados).

Disse o Sr. Ministro da Marinha que o plano do Sr. Costa foi entregue ao Governo em 19 de dezembro ultimo e que as forças em operações se deviam concentrar no Humbe nos fins de junho, porque as operações deviam começar em principios de julho.

Ora eu pergunto: Nestes seis mezes haveria tempo de fazer a preparação das forças até á concentração no Humbe?

Eu não tenho duvida que com os elementos do exercito do reino e do exercito colonial se poderia ter organizado em pessoal e material a força reputada necessaria para as operações.

E tambem tinhamos tempo para o transporte até Mossamedes e para a marcha até o Humbe. Para isso bastava que a expedição marchasse de Lisboa na primeira quinzena de abril. Os 500 kilometros de Mossamedes á Chibia aos Gambos e ao Humbe não levavam, na peor das hypotheses, mais de 50 a 60 dias.

A difficuldade, diz o Sr. Ministro da Marinha, está em que não podiamos ter no Humbe 1:000 toneladas nos fins de junho, para o abastecimento da columna.

Ora eu digo que tinhamos, e vou tentar demonstrá-lo.

Já hontem se disse, e ainda agora o repetiu o meu illustre amigo Sr. Claro da Ricca, que mais uma vez mostrou a forma como estuda e trata dos problemas de que se occupa, que havia 250 vagons e 50 carros boers; isto é, havia o sufficiente para o transporte de 557 toneladas. Encontra-se esta informação num jornal redigido pelos nossos principaes coloniaes, em artigo que não é do Sr. Eduardo Costa, segundo se affirma no mesmo, mas que é de pessoa que bem conhece aquella região, e o assumpto de que se trata.

As minhas informações não concordam exactamente com as que ficam expostas, mas aproximam-se bastante, e eu já disse de onde ellas vieram. Por ellas concluo que no sul de Angola ha 160 a 170 carros boers grandes e 50 carros pequenos, e que não era impossivel arranjar 2:000 a 3:000 carregadores; segundo vejo no jornal acima citado, poder-se-hiam comprar 150 camellos para serviço da expedição.

Calculando que a viagem, ida e regresso, dos carros boers de Mossamedes ao Humbe leva sessenta e cinco dias e começando os transportes em fins de janeiro, havia tempo para duas viagens e para um mez de descanso. Os carregadores e os camellos adquiridos a tempo podiam fazer tres viagens ao mesmo tempo.

Havia pois realmente numero de carros sufficiente para se poder transportar 600 a 700 toneladas e carregadores e meios de transporte para prefazer as 1:000 que eram necessarias, pois é conhecida a carga de qualquer d'estes meios de transporte.

Todos os factos expostos me foram apresentados, como já disse, por pessoas insuspeitas que conhecem a região, algumas das quaes talvez directa ou indirectamente tenham sido consultadas por S. Exa. E não argumente o nobre Ministro com falta de carregadores, porque o preto prefere carregar a trabalhar de enxada e S. Exa., neste caso, vae encontrar-se em graves embaraços para o seu caminho de ferro.

O Governo tinha para organizar a expedição e para preparar os abastecimentos no Humbe seis mezes e tinha para isso os elementos e recursos necessarios.
Fica por consequencia demonstrado que S. Exa. devia e podia fazer a expedição. Adiando, o Governo dá tempo a que haja a colligação e todas as tribus do Ovampo se revoltem contra o nosso dominio e augmentem o seu poder militar, pois os commerciantes hão de aproveitar a occasião para fazer o seu negocio, mettendo na região armas e todo o material de guerra que puderem. Adiando, ainda que não sejam muito provaveis, podem dar-se complicações internacionaes, pois os rebeldes não ficam longe da fronteira dos territorios allemães, onde estes se acham a braços com uma insurreição.

O Governo faltou ao seu dever e especialmente o Sr. Ministro da Marinha, que se mostrou abaixo dos seus justos creditos e das suas responsabilidades. Nem vingamos immediatamente a affronta feita ás nossas armas, como convinha ao nosso prestigio de nação colonial, nem levamos ainda a ordem e o socego á região alem Cunene, como era indispensavel.

Mas isso serve para todos os dias o Sr. Ministro nos vir ler á Camara telegrammas de victorias, que afinal bem mostrara o estado de anarchia em que tudo por lá vae.

Por isso eu disse que a questão não estava esgotada, e que estavam de pé todos os argumentos formulados d'este lado da Camara.

Como não quero alongar mais as minhas considerações, fico por aqui, lastimando não ver na presidencia da Camara o Sr. Fialho Gomes, não só porque tendo S. Exa. estado doente, isso significava o seu restabelecimento, mas porque não lhe dava hoje o desgosto de me chamar á questão. (Vozes: - Muito bem).

O Sr. Serras Conceição: - Mando para a mesa, por parte da commissão de guerra o parecer da mesma commissão sobre o projecto de lei que permitte aos alumnos do Real Collegio Militar a permanencia no mesmo collegio até a idade de 19 annos, excepto quando fiquem reprovados no mesmo anno do curso duas vezes.

Foi a imprimir.

O Sr. Diogo Peres: - Quando ouviu o partido regenerador levantar a questão, que ora se discute, e que nenhuma actualidade reclamava, admirou-se por tal facto - tanto mais sendo, como é, pouco pratico em cousas parlamentares - e a si proprio pergunta: porque levanta a opposição regeneradora um debate, sabendo todos de antemão que ella ficaria mal ferida? E procurando resposta a esta pergunta, veio á convicção de que, se ella atacava o Governo a proposito de uma expedição, que ainda não foi ao Cunene, era porque talvez quizesse evitar que se levantasse qualquer questão a respeito da que já lá fora.

A seu ver, sobre este assumpto, melhor é esperar a sentença do tribunal; quando essa sentença for conhecida, quando a defesa do accusado for publica, haverá então opportunidade para pedir responsabilidades áquelles que mandaram para lá a expedição, porque para isso sempre ha tempo.

Pelo facto de se abandonar o poder, não se extinguem as responsabilidades.

Tal questão não é, porém, para agora. O que neste momento se discute é o procedimento do actual Governo por não ter mandado uma expedição á Africa, por não ter tirado a desforra, nem exercido a vingança, nem "endireitado" o prestigio nacional, que ficou bastante torto depois da ultima administração regeneradora.

Ora tudo isto é grave ; a verdade, porém, é que o prestigio nacional não chegou, a ser abatido; e estando elle agora cada vez mais firmado na base solida de uma administração segura e firme, como a actual, o que falta é tirar a desforra e exercer a vingança. Isto diz a opposição.

Mas então é só para tirar desforras que todos os annos se chamam mancebos para o exercito? E é para exercer vinganças que nas nossas escolas se educam officiaes? Se é, o Sr. Ministro da Marinha não deve nesse caso mandar mais expedições, nem antes nem depois de construido o caminho de ferro. Não as mande nunca.

As guerras só teem uma desculpa: o que as justifica é exactamente o que a razão condemna. É este um paradoxo curioso, mas verdadeiro.

O Sr. Ministro da Marinha deve pôr de parte as mani-

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festações audaciosas e theatraes, tão cheias de brilho como inuteis, e ver apenas com prudencia, habilidade e tenacidade aquillo que pode dispensar em força. E, se amanhã lhe disserem que o seu procedimento de hoje contrasta com as suas palavras, quando na opposição negue, porque não ha incoherencia nem contradicção onde ha conformidade de modos de ver.

Na opposição o dever de S. Exa. era ser violento para accusar o Governo, ser energico para o corrigir; mas no poder tem de ser prudente, cauteloso e habil.

O dever é o mesmo, mas tem dois aspectos diversos.

Se o Sr. Ministro da Marinha entender que deve mandar uma nova expedição, não se deixe seduzir com o prazo de quatro mezes que a outra levou a preparar; faça-o cautelosamente, com vagar. Se, porém, ainda nesta altura, houver meio de evitar qualquer expedição, melhor será. O que o Governo havia de gastar com ella, melhor o empregará continuando a construcção do caminho de ferro ao planalto, continuando na execução da obra que já iniciou, limpando fontes, abrindo communicações, rompendo estradas, edificando abrigos; tudo isso para que, se alguma vez for realmente necessaria uma expedição, o soldado portuguez, debaixo do sol de Africa, tenha onde mitigar a sede e, quando ferido, não se veja na contingencia de ser pensado com farrapos de enxergão.

O dinheiro que se gasta em preparativos militares é melhor que fique improductivo. Gaste o Sr. Ministro da Marinha dinheiro em fortes e preparativos militares, mas não faça guerras emquanto puder fazer administração.

E, se no dia em que sair do Governo S. Exa. não puder juntar mais uma lantejoula ao teu prestigio, porque d'ella não precisa, e não tiver alcançado mais uma victoria sob a sua gerencia, não tenha pena d'isso. No nosso paiz, em que ha falta de muita cousa, e em que as provas de leviandade são cada vez maiores, ainda ha uma opinião que pensa e pesa; e, pelos applausos d'essa, troque S. Exa. vantajosamente os applausos da multidão. Aquelles decerto hão de ser-lhe muito mais gratos.

(O discurso a que este extracto se refere será publicado na integra quando S. Exa. restituir as notas tachygraphicas).

O Sr. Mario Monteiro: - Sr. Presidente: é com a maior satisfação que dirijo ao illustre Deputado que acaba de falar, o Sr. Diogo Peres, as minhas mais sinceras e cordiaes felicitações pela sua notavel estreia. Isto, Sr. Presidente, não quer dizer que concorde, nem de leve, com a exposição da doutrina e de ideias que S. Exa. apresentou.

O illustre Deputado começou por dizer que vindo pela primeira vez a esta casa do Parlamento encontrou estranhezas que de certa maneira o abalaram.

Ora justamente S. Exa. é que veio aqui dar motivo para estranhezas.

O illustre Deputado, que ao iniciar a sua vida parlamentar devia trazer para a tribuna palavras de justiça e de sentimentos generosos, começou o seu discurso por ser extraordinariamente injusto para com a opposição do partido regenerador.

Se porventura queremos que a obra do Parlamento portuguez seja proficua, sincera e verdadeiramente aproveitavel para o progresso da civilização d'este paiz, é absolutamente necessario que uns aos outros façamos justiça, e que despidos de qualquer consideração, seja de que ordem for, ponhamos sempre acima de tudo a justiça e a verdade. (Apoiados).

Ora a justiça e a verdade mandam dizer que no desastre do Cunene tanta responsabilidade cabe ao partido regenerador como ao partido progressista, quer dizer, não cabe a nenhum; a justiça e a verdade mandara dizer que, se porventura alguma responsabilidade ha que se possa imputar a alguem, certamente não é ao partido regenerador. De resto, o tribunal que se acha reunido para apreciar as circumstancias em que o desastre se deu, e quaes as responsabilidades dos que nelle intervieram, dirá a quem cabem essas responsabilidades:

Se nós todos que nos encontramos aqui dentro e aquelles que se acham lá fora, se o Parlamento e o paiz, teem a convicção de que o Ministerio regenerador cumpriu o seu dever, por que razão vem S. Exa., que pelo facto de ser novo deve ser justo, accusá-lo?

Da parte do illustre Deputado progressista que me antecedeu no uso da palavra, não houve senão o proposito em casa engendrado de vir para esta discussão despertar a nota politica.

S. Exa., que é novo no Parlamento, não devia ter este habito de vir provocar os representantes do partido contrario, mas S. Exa. não fez senão provocar o partido regenerador. (Apoiados}.

Da parte do illustre Deputado houve tambem o desejo de vir fazer um discurso extraordinario e estravagante.

Pois porque pertencemos á humanidade, não deixamos de pertencer a uma nacionalidade? Então não haviamos de tirar a desforra d'aquelles que nos massacraram?

Se nós nos devemos impulsionar apenas pela razão pratica, pelo egoismo das cousas, que ligação, que amor, que affectuosidade pode haver entre os filhos de um mesmo paiz?

Não é o sentimentalismo, o amor da patria ferido pelo massacre soffrido que nos obriga a pedir a expedição?

Não é só o conhecimento pratico das cousas, é tambem o conhecimento dos altos interesses do paiz, é a convicção absoluta de que, se porventura não tirarmos a desforra condigna, o nosso dominio em Africa pode perigar.

Timbro em todas as situações da minha vida em ser justo para com todos.

Ao Sr. Ministro da Marinha, que é meu adversario politico, que apenas conheço d'esta Camara, não posso deixar de dizer que muito o aprecio, que muito o louvo, que em muita estima tenho as suas altas e elevadas qualidades de homem, de parlamentar e de estadista, reconhecendo-lhe acima de tudo energia, caracter, firmeza de vontade, vivacidade, crença e fé. Devo mesmo dizer que apesar de S. Exa. se ter manifestado tão aguerrido no principio d'este debate, até certo ponto tão injusto para comnosco, que lhe dirigimos perguntas com o alto fim de sermos esclarecidos num assunto de tanta importancia para o paiz, apesar d'isso, repito, encantou-me. E encantou-me, porque gosto sempre de, em todas as occasiões, ver um homem de crença, de convicção, e pela attitude de S. Exa., faço-lhe a justiça de acreditar que effectivamente tenho deante de mim um homem que sente verdadeiramente o que é o amor da patria. (Apoiados).

Feita esta justiça ao caracter, á elevação de sentimentos, ao patriotismo e saber do Sr. Ministro da Marinha, deixe-me V. Exa., Sr. Presidente, entrar na apreciação das circumstancias em que nos achamos, com relação á questão do Cunene, para dizer, com igual desassombro e sinceridade, que no meu entender o Sr. Ministro da Marinha tem errado nesta questão.

Se é certo que em todos os assumptos que se discutem no Parlamento procuro sempre pesar as minhas palavras na balança da mais rigorosa justiça, se é certo que eu procuro sempre zelar os interesses do nosso paiz, certo é tambem que este meu proposito mais se accentua quando se discutem operações militares.

Neste assumpto especial não se acha só empenhada a dignidade e os interesses do paiz, acha-se tambem em jogo a vida do Governo.

O estado da questão, em toda a sua simplicidade, é esta:

Estamos todos de accordo na necessidade de se desaggravar a offensa feita á nossa bandeira, depois do desastre que causou no paiz verdadeiro assombro e infinita estra-

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nheza, por termos já chegado á convicção, verdadeiramente falsa, de que nas guerras de Africa tinhamos invulnerabilidade, mercê dos felizes acontecimentos anteriores.

Nesta occasiao, quando houve conhecimento de tal desastre, a opposição progressista nesta Gamara, pela voz de um dos seus mais vehementes oradores, exigiu do Governo a desforra immediata do aggravo soffrido á nossa bandeira.

Não quero fazer a injuria de suppor, e muito menos dizer, que os que então faziam essa exigencia pretendiam que a desforra fosse feita sem ser devidamente preparada. O que diziam era que o Governo não descurasse o assumpto, não descansasse, que empregasse todos os meios ao seu alcance para, quando fosse possivel, se tirar a desforra.

Isto foi affirmado pelo partido progressista tanto no Parlamento como na imprensa. Creio que o proposito de todos não era que a desforra fosse tirada ás cegas, mas que se preparasse como devia ser.

Caiu o Ministerio regenerador, e da parte do illustre Ministro da Marinha todos os actos se praticaram com tanto amor, com tanta intensidade de resolução, demonstrando tanta dedicação pela causa publica, na organização de uma expedição, que por toda a parte se ouviam applausos.

Encarregou S. Exa. um official do nosso exercito, que não conheço senão de nome, mas que de todos os lados tenho ouvido dizer que é competentissimo, de organizar esse plano de operações. Muitos officiaes se apresentaram de boa vontade para irem ás ordens d'esse official na expedição, mas, Sr. Presidente, com grande surpresa para todos, depois do Sr. Ministro da Marinha levar ao Conselho de Ministros esse plano de operações, tomou-se uma resolução extraordinaria: ficava adiada sine die a operação a realizar contra os cuamatas.

Decorreram largos meses, e até hoje ainda não houve ensejo de perguntar qual a razão por que mudaram de ideias, porque divergem da altitude tomada ao principio, porque não querem agora que seja feita a expedição e a adiam indefinidamente.

, Sr. Presidente, queremos mostrar que a nossa altitude continua a ser a mesma, de accordo com os nossos principios, sobre a necessidade absoluta de se fazer essa expedição.

Eu reputo que ha motivos de alta ordem social que nos obrigam a realizar a expedição o mais breve possivel:

Primeiro, a necessidade de se affirmar perante o gentio a força das nossas armas, contendo-o dentro dos limites em que se deve conter. Os factos que o Sr. Ministro da Marinha relatou, de alguns actos de rebeldia praticados pelo gentio cuamata, servem para demonstrar que o estado do gentio é de completa e perpetua rebellião. (Apoiados).

Sr. Presidente: precisamos tambem de attender a que se vae civilizando, se vae esclarecendo cada vez mais o espirito do preto. Note V. Exa. que não é raro ouvir-se dizer a mesma doutrina de Monroe: "A America é para os americanos; A Africa, é para os africanos, pretos!" A civilização, o progresso e a cultura intellectual chegam a toda a parte; ha de ser difficil penetrar a civilização no cerebro rombo da raça preta, mas lá ha de chegar; e se não a tivermos cercado de todas as circumstancias de predominio, necessariamente seremos expulsos da Africa.

Mas. Sr. Presidente, ha uma outra razão pela qual temos necessidade de affirmar perante o mundo que temos a aptidão colonial indispensavel, justa e legitima para continuarmos a manter, na nossa posse, como actualmente existe.

Sr. Presidente: estamos numa epoca de civilização, em que não se pode invocar, para se fundamentar o dominio e a posse de terrenos coloniaes, o direito historico.

Foi tempo em que bastava para a fundamentar a legitimidade e a revindicação de dominio, a allegação de direito. Actualmente, Sr. Presidente, é preciso fundamentá-lo com a posse effectiva, é preciso firmá-lo com o poder, é preciso que haja a chancella das nossas armas e é preciso que mantenhamos sempre o predominio da nossa vontade por actos rapidos e effectivos. (Apoiados).

Precisamos lembrar-nos de que ainda não ha muitos annos foi proclamada como verdadeira e legitima uma doutrina um pouco curiosa, extravagante, mas que se refere ás nações vivas e moribundas. Foi um estadista de grande nome que affirmou essa doutrina.

Precisamos de lembrar-nos que na conferencia de Berlim temos que nos defrontar com outras potencias, e precisamos provar qual a razão por que ainda queremos ter na nossa posse as colonias africanas.

Precisamos assegurar o nosso dominio de maneira effectiva e pratica, para dentro em pouco não estarmos sujeitos a graves conflictos com uma nação poderosa.

Ha pouco tempo vi no Jornal das Colonias que a Allemanha ia reunir extraordinariamente o seu Parlamento, a pedir-lhe o credito de 100 milhões de marcos, sendo esse dinheiro destinado a fazer o transporte immediato para a Africa de 30:000 homens, que, juntos com os 20:000 homens que ali se encontram, formarão um exercito de 50:000 homens para combater os herreros. O Parlamento vae reunir, os creditos serão votados; os homens partirão municiados, armados e commandados por todos esses elementos que ha de mais superior nas organizações militares.

Não pode duvidar se do resultado. Os herreros hão de ser necessariamente batidos, perseguidos, e como tem sido grave a offensa que teem feito á Allemanha e grandes os prejuizos soffridos, ha de haver a vingança, a perseguição, o exterminio. É claro que a nossa colonia do Angola será invadida pelos herreros, levando após si triumphantes os allemães; os limites não se acham bem definidos, e então comprehende-se que difficuldades podem levantar-se para nós se não estiver ali assegurado o nosso dominio e se tivermos de entrar numa questão de limites com a poderosa Allemanha. (Apoiados).

Por todas estas razões se tem affirmado a absoluta necessidade de se effectuar a expedição militar. (Apoiados).

Já vê o illustre Deputado que me precedeu no uso da palavra que não é sómente o desejo de vingança, ha razões de ordem social e politica que se prendem com a manutenção da nossa soberania.

O Sr. Ministro da Marinha e os que o defendera estão de accordo comnosco num ponto, mas divergem noutro. Concordam com a necessidade de se effectuar a expedição, divergem no adiamento d'ella, e em recorrerem ao caminho de ferro, como elemento absolutamente indispensavel para o transporte de tropas, não tendo havido ainda para nós a demonstração de que S. Exa. tenha razão.

Por seu lado S. Exa. diz que tinha visto o plano de operações apresentado pelo Sr. Eduardo Costa, que reputava indispensavel que se não perdesse tempo para a organização da expedição se se queria que ella se realizasse este anno, porque era preciso transpor o Cunene em junho. E eu não posso admittir que este distincto militar, tão conhecedor de assumptos d'esta natureza, desde que visse que era impossivel que no corrente anno só realizasse a expedição, não o dissesse claramente.

Não ha duvida, portanto, que da parte do illustre official, encarregado da elaboração do plano, havia a crença de que podia realizar a expedição, e o Sr. Ministro da Marinha seria logico se demonstrasse que não possuia os

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meios regulares que nos levassem, já não digo a Magul, mas a Mataca pelos meios normaes.

Não o fez, e firmou-se na necessidade absoluta do caminho de ferro de Mossamedes á Chella, e como é indispensavel, materialmente, que elle esteja concluido a tempo de poder começar a transportar as tropas para o Humbe, a conclusão rigorosa a que se chega pela força das declarações do Sr. Ministro da Marinha, e em face d'ellas, é que, para o anno, tambem não teremos expedição.

as, Sr. Presidente, o Sr. Ministro da Marinha, creio eu, está perfeitamente illudido com a supposição de que até o fim de junho tem o caminho de ferro feito até a base do Chella.

Se S. Exa. o conseguir, verá então a que distancia elle se encontra do seu termo e convencer-se-ha de que nem ainda para o anno proximo poderá realizar a expedição. O Sr. Ministro da Marinha está perfeitamente illudido com tal supposição.

Se o Sr. Ministro da Marinha visse que a par da sua boa vontade em realizar a expedição havia a mesma decidida boa vontade de todos os seus collegas do Gabinete decerto que a expedição estaria agora começando as suas operações.

Não tenho, Sr. Presidente, a pretensão de apresentar-me como pratico.

O Sr. Ministro da Marinha podia começar este anno o abastecimento, mas podia não o concluir, deixá-lo em meio Pergunto: não será possivel, admittindo que não se possam iniciar as operações sem estar completo o caminho de ferro, ir abastecendo aquella região, e para o anno continuar o mesmo processo de abastecimento?

O Sr. Ministro da Marinha não se compenetrou bem da necessidade da situação e, Sr. Presidente, manifestamente orientou mal o, seu espirito e não serviu com acerto e zelo os interesses nacionaes.

Mas não é esse simplesmente o mal que advém, ha outro, e esse é o que resulta de se fazer a construcção de um caminho de ferro considerado inexploravel.

O caminho de ferro de Om,60 não é considerado um caminho de ferro exploravel.

Comprehende-se uma linha ferrea d'essa natureza para serviço de uma propriedade, ou para pequenos ramaes mas um caminho de ferro de occupação, de fomento, e de exploração, não se pode admittir nessas condições. (Apoiados).

Não ha duvida que os caminhos de ferro de 0m,60 são de construcção mais economica que a construcção de caminhos de ferro de 0m,75 ou de lm,7, mas depois de construido esse caminho de ferro as despesas de exploração são quasi iguaes. Note a Camara que tanto para uns como para outros é necessario quasi o mesmo pessoal, os mesmos guarda-freios, o mesmo pessoal de estações. As despesas de reparação de vias são tambem quasi as mesmas, de modo que se pode dizer que a exploração de um caminho de ferro de 0m,60 custa tanto como a de um caminho de ferro de lm,7. (Apoiados).

A construcção do caminho de ferro é muito difficil, por que a linha tem de subir uma elevada montanha em que será preciso fazer obras de elevado custo.

Bem pode acontecer que o caminho de ferro não tenha muita força e que os productos transportados estejam sujeitos á extraordinaria elevação de tarifas.

O caminho de ferro de Mossamedes nunca poderá ser um caminho de ferro de expansão economica.

O planalto de Mossamedes é extraordinariamente rico, sob o ponto de vista agricola. O seu clima é excellente e por isso é susceptivel de grande desenvolvimento agricola.

O trigo; o milho tem uma producção phantastica que nós, europeus, não estamos acostumados a ver. Esta extraordinaria riqueza tem de ficar ali localizada e não se pode aproveitar por falta de transporte e por isso tudo indica que um caminho de ferro, desde Mossamedes até ao planalto, podia contribuir para a sua riqueza.

Mas era um caminho de ferro que fosse proprio para a expansão agricola, e não um caminho de ferro de 0m,60.

Ora veja V. Exa. como é difficil aproveitar-se assim um caminho de ferro que nos vae custar 1.500:000$000 réis!

O Sr. Rodrigues Nogueira, illustre engenheiro e Deputado da maioria, leu um livro para mostrar que havia caminhos de ferro de 0m,60 de largura por diversas partes. Não conheço os caminhos de ferro a que S. Exa. se referiu, mas presumo que são caminhos de ferro antigos, porque por todos os technicos modernos esses caminhos de ferro de 0m,60 são considerados como não exploraveis. E a proposito d'estes caminhos de ferro quero trazer um exemplo que é moderno e que é absolutamente verdadeiro.

Em 29 de outubro de 1896 foi aberto á exploração, na fronteira da Rhodesia, um caminho de ferro de 0m,60, construido por uma empresa ingleza. Era um caminho de ferro de verdadeira penetração, na extensão de 350 kilometros, aproximadamente. Pois a breve trecho se reconheceu, se chegou á conclusão, de que tal caminho de ferro não satisfazia ás necessidades da região, e aquella empresa, que tinha empregado bastantes capitães n'aquella construcção, modificou-a completamente e construiu um caminho de ferro de lm,7.

Bem pois, muito bem disse é Sr. Brandão, isto é deitar dinheiro á rua.

Quer V. Exa. saber quanto gastou a Inglaterra com a construcção do caminho de ferro da Rhodesia? Gastou 850:000 libras ou sejam 21.000:000 francos. Como V. Exa. sabe, este caminho de ferro era tambem de 60 centimetros do largura. Pouco depois da sua inauguração, como decerto V. Exa. não desconhece, reconheceu-se que elle não podia servir, porque não attendia as necessidades da região.

Vou terminar porque não quero cansar a attenção da Camara alongando-me em mais considerações, mas sinto bastante não ter valor sufficiente para convencer o Sr. Ministro da Marinha de que é um erro gravissimo a construcção do caminho de ferro nas condições em que vae ser realizado.

Com estas palavras talvez, ao menos, leve a duvida ao espirito de S. Exa., e se assim acontecer, o que Deus permitta, S. Exa. antes de proseguir não deixará de consultar os competentes, nomeando-os em commissão, e pedir o veto dos que teem ideias modernas sobre o assumpto.

É este o pedido que faço a S. Exa., e se o attender não ha de ser censurado; ha de pelo contrario ser applaudido. (Apoiados).

(O orador não reviu).

O Sr. Diogo Peres (por parte, da commissão de obras publicas): - Mando para a mesa o parecer d'esta commissão sobre o projecto n.° 10-B.

O Sr. Vicente Madeira: - Vae ser breve, não só pelo adeantado da hora, mas porque os discursos produzidos pelos illustres Deputados de um e outro lado da Camara devem tê-la convencido de que é tempo de acabar com esta discussão.

Ha já tres sessões que se discute uma cousa que afinal nada tem que discutir, e isto com prejuizo de assumptos que prendem e devem prender a attenção da Camara.

Deve realmente produzir um desastrado effeito lá fora a noticia de que esta Camara desde quinta feira se vem ocupando de um assumpto sem nenhuma importancia.

Não está longe o inicio do debate e portanto não é difficil reconstitui-lo.

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Na quinta feira o Sr. Clemente Pinto pediu-a palavra para um assumpto urgente.

A Camara, conhecendo qual o assumpto de que S. Exa. desejava tratar, promptamente annuiu. Esse assumpto versava sobre informarão dada por alguns jornaes da capital e que consistia numa pretendida derrota das nossas tropas em Angola.

Levantou-se o Sr. Ministro da Marinha e, com o calor que sabe dar á sua palavra e com a convicção de quem fala verdade sem occultar cousa nenhuma, S. Exa. deu os mais completos esclarecimentos sobre a referida informação. Novamente falou o Sr. Clemente Pinto pedindo que se generalizasse o debate.

Pensava elle, orador, que apesar da Camara ter consentido nessa generalização não iria muito alem d'essa sessão para a liquidar.

Não succedeu assim. Apesar do Sr. Ministro da Marinha ter dado novos esclarecimentos que deviam satisfazer as mais altas exigencias feitas por aquelle lado da Camara, nada fez acalmar as accusações da illustre opposição regeneradora.

Parece-lhe que não estará em erro dizendo que os illustres. Deputados d'essa minoria pediam, tão somente, que o Governo, e principalmente o Sr. Ministro da Marinha, dissessem o que se passava em Africa; só depois alguns lhe perguntaram, incidentemente, a razão por que não tinha mandado a expedição, para desaffrontar o desastre do Cunene.

Os esclarecimentos do Sr. Ministro da Marinha foram completissimos: S. Exa. participou á Camara, em relação á primeira pergunta, que tinha havido varios recontros e que as nossas tropas se tinham portado com extraordinario vigor. E, com respeito á segunda pergunta, disse S. Exa. que as operações não tinham seguido immediatamente, que não tinha sido desde logo organizada a expedição, que não tinha partido no anno passado, por motivos ponderosos, motivos que apontou á Camara e que eram tão serios, tão convincentes, que lhe custa a acreditar, a elle, orador, que haja ainda nesta Camara quem se não tenha dado por satisfeito.

Realmente, ainda ninguem conseguiu desvanecer a impressão dolorosa do desastre do Cunene; todos querem e desejam ardentemente a desforra; mas é preciso não esquecer que não se deve organizar uma expedição de animo leve, sem as cautelas, os cuidados que uma expedição d'esta natureza exige para ter bom exito. Seria uma loucura, uma rematada loucura, que qualquer, fosse quem fosse, sem ter preparado convenientemente todas as cousas, mandasse para a Africa os nossos soldados, sujeitando-os assim a um novo desastre que viria alancear ainda mais as nossas almas doloridas, e augmentar o desprestigio do nome portuguez.

Bem fez pois o illustre Ministro da Marinha, tapando os ouvidos ás insistentes reclamações dos mais impacientes e em preparar, com ponderação, uma expedição a que nada faltasse, para conseguir o exito desejado.

Tem ouvido, por parte da esquerda da Camara, sustentar, com calor, que a responsabilidade do desastre não cabe ao Ministerio regenerador.

Deve dizer que lhe causou uma grande magua a pouca generosidade d'estas declarações.

Se a responsabilidade não cabe ao Ministerio regenerador então a quem cabe?

Talvez S. Exas. não queiram, mas dão a entender que, se não é ao Governo que ella pertence, é necessariamente ao commandante da columna.

Ora no momento em que esse commandante, que é um militar brioso, que sempre mereceu a consideração da sua classe, está sujeito a um tribunal que ha de julgar os seus actos, não é justo que lhe venham imputar na Camara essa responsabilidade.

O Sr. Mendes Leal: - Não é a opposição que o diz; a consulta do Supremo Tribunal de Justiça Militar é que lhe dá essa responsabilidade.

Orador: - Vae proseguir e parece-lhe que, no seguimento das suas considerações, provará a sua asserção.

A responsabilidade não é do Governo regenerador?

inda que esse Governo tivesse dado a mais absoluta e completa liberdade de acção ao commandante da columna, o que é certo é que que lhe cabem, também, responsabilidades no desastre, pois que, numa cegueira que o condemna, fechou sempre os ouvidos ás informações que lhe vinham de todo o paiz e da Africa.

Ainda bem não tinha partido a expedição, e já se dizia que ella não tinha os elementos sufficientes, para o fim a que se propunha.

Ouviu com extraordinario agrado o discurso do Sr. Mario Monteiro, que destoou das orações feitas pelos outros illustres Deputados regeneradores.

S. Exa. disse verdades, mas, ainda assim, não pôde fugir a dar á questão uma feição politica.

Concorda com a opinião de S. Exa.; acha tambem necessaria uma desforra; isto impõe-se ao brio e prestigio do nosso nome. Mas devem todos lembrar-se de que as provindas ultramarinas são a razão de ser da nossa autonomia, e que o direito de insistir na nossa liberdade deixou de existir desde que percamos esses dominios. Portanto, é preciso haver ponderação na organização de quaesquer campanhas que respeitem a esses dominios.

Bem vêem os illustres Deputados que era preciso esperar uma occasião opportuna para a realização d'esta expedição.

Disse o Sr. Mario Monteiro que uma das preoccupações de Portugal devia ser: infundir respeito aos povos ultramarinos, aos indigenas das nossas possessões de Africa.

Esse respeito existe. Temo-lo conseguido, pela maneira com que os tratamos, pela humanidade dos nossos dirigentes e pela sabia direcção dos nossos governadores.

Já assim não succede com os inglezes, que, apesar dos bons processos de colonização que empregam, consideram o preto como um ser abaixo da especie humana.

Alem d'isso os portuguezes não precisam de dar um exemplo de colonizadores, porque o são: o Brasil é o exemplo mais frisante que se pode apresentar.

Disse tambem S. Exa. que a Africa vae progredindo e que o espirito do preto se vae aperfeiçoando.

É possivel, é muito possivel que isso se dê; mas na sua opinião entende que esse aperfeiçoamento ha de vir muito tarde.

Está de accordo com a opposição regeneradora quanto a ser precisa a manutenção do prestigio das nossas armas; a ser necessaria uma consolação para a magua de que a alma portugueza está alanceada; a ser necessario tambem que lá fora se convençam de que ainda se não esqueceram os tempos heroicos e que sabemos ainda defender a patria. Mas está tambem convencido de que a expedição se deve fazer unicamente em occasião opportuna.

E se o Sr. Ministro da Marinha não ordenou logo a sua organização foi porque, no seu alto criterio, no seu sentimento de verdadeiro patriota, entendeu que era isso inopportuno.

Apesar de S. Exa., ao entrar para o Ministerio, ter aconselhado a expedição, recusando depois organizá-la, não significa isto que o Sr. Ministro tenha mudado de opinião, mas simplesmente que, pensando, reconheceu que devia esperar, visto ter passado a epoca propria para a partida d'essa expedição.

Termina dizendo que desejava referir-se ainda á maneira como o Sr. Mario Monteiro apreciou o caminho de ferro de Mossamedes; mas visto que esta questão já tem

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sido discutida tão proficientemente desiste do seu proposito, dando por findas as suas considerações.

(O discurso será publicado na integra quando o orador restituir as notas tachygraphicas).

O Sr. Cabral Moncada: - Sr. Presidente: como a hora vae bastante adeantada, prometto não fatigar a attenção da Camara fazendo a diligencia por ser breve nas minhas considerações.

Mais uma vez um illustre Deputado da maioria se ergueu para declarar que neste assumpto não fazia questão politica, e a breve trecho entrou numa apreciação manifesta de responsabilidades. Esta contradição não me surprehende pela razão sigela de ver nos Deputados progressistas, nos seus Governos, no seu chefe, a serie mais absoluta das mais flagrantes contradições em tudo que affirmara. (Apoiados).

Eu entendo que não se deve tratar presentemente de apurar responsabilidades; o que se pretende é, dado o desastre, tirar uma desaffronta. Isto é que interessa á nossa prosperidade colonial, á economia do nosso paiz e ao prestigio das armas e da soberania portugueza. Tudo o mais são palavras inuteis. (Apoiados).

A Allemanha, que tambem ali tem soffrido desastres, não se preoccupa a tomar responsabilidades aos Governos, o que pretende é remediar o mal, reunindo o seu Parlamento para lhe pedir creditos especiaes para organização de expedições que ali hão de ir tirar a desforra. Cá então o que se pretende é ver quem tem a responsabilidade e nada mais.

Mas deixemo-nos de responsabilidades.

Eu estou certo de que se por acaso o Governo regenerador estivesse ainda no poder o prestigio das nossas armas já estaria desaffrontado.

S. Exa. o Sr. Ministro da Marinha ainda não logrou fazer a justificação do seu procedimento. Eu sou o primeiro a reconhecer, e a fazer justiça ás grandes qualidades de S. Exa.; mas quer-me parecer que, embora o nobre Ministro julgue o contrario, o caminho que segue não é o melhor.

S. Exa. tem uma linha de conducta que não convem aos interesses do paiz e ao renome e garantia do nosso prestigio colonial.

S. Exa. segue a regra quasi geral: augmenta as cousas boas, e diminue as más.

E assim que S. Exa. ainda ha poucos dias, referindo-se ás victorias que ultimamente temos alcançado e que não se teem dado na região de Cunene, S. Exa. augmentou a sua importancia, ao passo que referindo-se a acontecimentos tristes diminuiu extraordinariamente o seu valor.

A respeito do caminho de ferro de Mossamedes, attribuem-se-lhe virtudes que Deus queira que venham, mas não creio nellas. S. Exa. espera immensas vantagens d'esse caminho, na sua linguagem assaz vigorosa, mas que não é convincente.

Sr. Presidente: 160 kilometros num anno é o maximo de construcção a que se tem chegado nos caminhos de ferro africanos!

Todavia digo a V. Exa. que não podemos contar com os elementos necessarios como os francezes, nem com os capitães como os inglezes quando construiram o caminho de ferro de Mombaça ao Lago Victoria. Esse exemplo não serve senão para condemnar os nossos caminhos de ferro: não temos ao nosso lado os financeiros que teem os inglezes, que são mestres em assumptos de colonização. (Apoiados}.

Entretanto o que noto é que o nobre Ministro da Marinha, que não tinha carregadores para a expedição, tem pessoal para a construcção d'este caminho de ferro!... Para isso será necessario dispor de 3:000 a 4:000 carregadores, quando não pudemos dispor de 2:000! Mas sabe a Camara como se conseguem trabalhadores? É dispendendo muito dinheiro.

Eu podia citar outros caminhos de ferro, mas não me quero alongar em considerações; o assumpto está assaz esclarecido pelos illustres Deputados d'este lado da Camara que me precederam no uso da palavra.

Eu tencionava mandar para a mesa uma nota de interpellação sobre o caminho de ferro de Mossamedes, mas o assumpto já foi tratado por alguns dos meus collegas, e isso dispensa-me de mandar essa nota de interpellação.

Ha um assumpto a que me queria referir; é o que respeita a um telegramma que o Sr. Ministro da Marinha aqui nos leu hontem para mostrar que o Governo não esqueceu a estrada de Mossamedes a Lubango. Se S. Exa. conta com a construcção do caminho de ferro do Planalto, para que é que se preoccupa com essa estrada?

Mas como é essa estrada? É uma abertura feita pelo transito das povoações que ella serve e nem o Estado precisa fazê-la porque os proprios interessados se encarregam d'isso em seu proprio interesse e por esforço proprio.

Temos tambem a reparação da cacimba da Pedra Grande.

Esta cacimba, pelas suas condições naturaes, é de uma solidez tal, que o que seria difficil era destrui-la. A unica obra que pode fazer-se-lhe é reparar os pequenos muros que servem para conducção da agua que ella recebe e para essa chega bem um simples trolha com uma colher de cal.

O mesmo poderei dizer do resto, porque a seguir temos a construcção de quarteis no Lubango, que juntamente possue um quartel amplissimo e em tão boas condições que passa e é considerado como sendo o melhor quartel que possuimos em Africa.

Fortes tambem é uma das cousas que se está construindo, e á primeira vista faz impressão esta construcção de fortes. Olhados mais de perto comprehende-se que para os combates de Africa, em que o ataque por parte dos pretos consiste na azagaia, bastam pequenos muros de 2 metros de altura, quando muito, e atrás dos quaes possam abrigar-se os nossos soldados.

Tenho ouvido dizer ao Sr. Ministro da Marinha que os cuanhamas, os cuamatas e outros povos, são povos ingenuos e estão promptos a receber a nossa estima.

Eu por informações e por experiencia propria sei que pelo contrario aquelles povos não são nada ingenuos.

Fie-se S. Exa. nelles e verá o que lhe succede.

Elles faltam ás suas promessas com uma semcerimonia incríiel.

Não é para admirar que os pretos assim procedam, quando nós vemos que os sobas de cá, os Ministros, fazem o mesmo, dizendo num dia uma cousa e em outro cousa differente. (Apoiados).

Não sou partidario da guerra; entendo que não é assassinando o gentio, arrasando-lhe as cubatas, tirando-lhes os gados, que conseguimos civilizá-los.

Todavia, Sr. Presidente, as guerras africanas são necessarias para proteger as nossas pretensões, para defesa do nosso brio. (Apoiados).

A um illustre Deputado d'este lado da Camara ouvi hoje, no meio de um discurso, referir-se á existencia de 20:000 homens de tropas allemãs, contidos nos terrenos na região do sul de Angola.

Attente S. Exa. que esses 20:000 tudescos, que representam o Governo Allemão, vindo em perseguição dos gentios, que não são sufficientemente aguerridos e fortes para resistirem a essa grande avalanche de soldados, podem, sem saber, por desconhecerem a linha theorica que delimita a nossa possessão do sudoeste allemão, invadir o nosso territorio, e por isso eu lembro que é bom que o o Governo tenha presente á sua lembrança, que estes homens, uma vez no nosso territorio, podem lembrar-se de

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soltar estas palavras: "Quand je tiens, jamais je ne lâche". (Vozes: - Muito bem).

(O orador não reviu).

O Sr. Presidente: - Está esgotada a inscripção.

Devia passar-se agora á continuação da discussão do projecto n.° 10, que fixa a força do exercito, mas como a hora está adeantada vou encerrar a sessão.

A primeira parte da ordem do dia para amanhã e a discussão dos projectos n.°s 10, 11, 12 e 13, e na segunda parte realiza-se a interpellação annunciada pelos Srs. João Pinto dos Santos e Queiroz Ribeiro.

Está levantada a sessão.

Eram 6 horas e 40 minutos.

O REDACTOR = Arthur Brandão.

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