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CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

27.ª SESSÃO EM 6 DE SETEMBRO DE 1905

SUMMARIO. - Lida e approvada a acta dá-se conta do expediente - um officio da Camara Municipal de Beja. - O Sr. Presidente nomeia a commissão de commercio. - O Sr. Alvaro Simões faz considerações sobre a hydraulica agricola, a que responde o Sr. Ministro das Obras Publicas (D. João de Alarcão). - O Sr. Mario Monteiro chama a attenção do Governo para os regulamentos da caça, respondendo-lhe o Sr. Ministro das Obras Publicas. - Os Srs. Ferreira da Fonseca e Miguel Silveira apresentam projectos de lei, que ficam para segunda leitura - O Sr. Tavares Festas requer e a Camara approva que se reuna durante a sessão a commissão da instrucção primaria e secundaria. - O Sr. Botelho de Sousa participa que se installou a commissão de legislação criminal. - O Sr. Alberto Charula requer documentos pelo Ministerio da Fazenda. - O Sr. Pereira de Lima apresenta uma nota de interpellação ao Sr. Ministro das Obras Publicas.

Ordem do dia, primeira parte. - (Fixação da força armada). - Os Srs. Jorge Gavicho e Sousa Tavares fazem largas considerações sobre o projecto, que, posto á votação, é approvado.- São lidos na mesa os projectos de lei n.ºs 11 e 12 (ratificação da convenção para protecção ás aves uteis á agricultura, e convenção de Haya regularizando a jurisdição de casamento e divorcio), sendo approvados sem discussão.- O Sr. Ministro da Fazenda (Manoel Affonso Espregueira) lê e manda para a mesa uma proposta de lei autorizando uma nova cunhagem de moeda.

Ordem do dia, segunda parte.- (Interpelação do Sr. João Pinto dos Santos acêrca dos telegrammas trocados entre o Governo e o Ministro de Portugal em Paris sobre o contrato dos tabacos). O Sr. João Pinto dos Santos combate o procedimento do Governo, respondendo-lhe o Sr. Presidente do Conselho (José Luciano de Castro). - O Sr. Antonio Centeno requer e a Camara approva a generalização do debate. - O Sr. Augusto de Castro communica a constituição das commissões de instrucção primaria e secundaria, e de legislação civil. - Sobre a ordem fala ainda o Sr. Queiroz Ribeiro, respondendo-lhe o Sr. Carlos Ferreira, que fica com a palavra reservada.- O Sr. Ministro da Fazenda dá explicações sobre um ponto do discurso do Sr. Queiroz Ribeiro. - O Sr. Queiroz Ribeiro pede a palavra para explicações mas a Camara, sendo consultada, não lha concede.

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2 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Presidencia do Exmo. Sr. Alfredo Pereira (Supplente)

Secretarios - os Exmos Srs.

Conde de Agueda
Gaspar de Abreu de Lima

Primeira chamada - Ás 2 horas da tarde.

Presentes - 8 Srs. Deputados.

Segunda chamada - Ás 2 e meia horas da tarde.

Presentes - 67 Srs. Deputados.

São os seguintes: Abel da Cunha Abreu Brandão, Alfredo Carlos Le Cocq, Alfredo Pereira, Alvaro da Silva Simões, Antonio Augusto Pereira Cardoso, Antonio Ferreira Cabral Paes do Amaral, Antonio Maria de Carvalho de Almeida Serra, Antonio Rodrigues da Costa Silveira, Antonio Rodrigues Ribeiro, Antonio de Sousa Athayde Pavão, Antonio Tavares Festas, Arthur Pinto de Miranda Montenegro, Augusto Faustino dos Santos Crespo, Augusto Guilherme Botelho de Sousa, Carlos Augusto Ferreira, Clemente Joaquim dos Santos Pinto, Conde de Agueda, Diogo Domingues Peres, Duarte Gustavo de Roboredo Sampaio e Mello, Ernesto Julio de Carvalho e Vasconcellos, Eusebio David Nunes da Silva, Fernando de Sousa Botelho e Mello (D.), Francisco Limpo de Lacerda Ravasco, Francisco Miranda da Costa Lobo, Francisco Pessanha Vilhegas do Casal, Francisco Xavier Cabral de Oliveira Moncada, Francisco Xavier da Silva Telles, Gaspar de Abreu de Lima, João Alberto Pereira de Azevedo Neves, João Catanho de Menezes, João José Sinel de Cordes, João Monteiro Vieira de Castro, João Pinto Rodrigues dos Santos, João Serras Conceição, João de Sousa Bandeira, João de Sousa Tavares, Joaquim Augusto Ferreira da Fonseca, Joaquim Hilario Pereira Alves, Joaquim José Pimenta Tello, José Affonso Baeta Neves, José Alberto da Costa Fortuna Rosado, José Augusto de Lemos Peixoto, José Augusto Moreira de Almeida, José Cabral Correia do Amaral, José Christovão Patrocinio de S. Francisco Xavier Pinto, José Joaquim Mendes Leal, José Maria de Oliveira Simões, José Maria Pereira de Lima, José Mathias Nunes, José Paulo Monteiro Cancella, José Vicente Madeira, Jilio Dantas, Lourenço Caldeira da Gama Lobo Cayolla, Luciano Affonso da Silva Monteiro, Luiz Eugenio Leitão, Luiz Maria de Sousa Horta e Costa, Mario Augusto de Miranda Monteiro, Matheus Teixeira de Azevedo, Miguel Antonio da Silveira, Miguel Pereira Coutinho (D.), Ovidio de Alpoim de Cerqueira Borges Cabral, Pedro Doria Nazareth, Raul Correia de Bettencourt Furtado, Visconde do Ameal, Visconde das Arcas, Visconde de Pedralva, Visconde da Ribeira Brava.

Entraram durante a sessão os Srs.: Abel Pereira de Andrade, Alberto de Castro Pereira de Almeida Navarro, Albino Augusto Pacheco, Alfredo Cesar Brandão, Antonio Alberto Charula Pessanha, Antonio Alves Pereira de Mattos, Antonio Caetano de Abreu Freire Egas Moniz, Antonio Centeno, Antonio Maria Dias Pereira Chaves Mazziotti, Antonio Peixoto Correia, Antonio de Sousa Horta Sarmento Osorio, Augusto de Castro Sampaio Côrte Real, Augusto Cesar Claro da Ricca, Bernardo de Alpoim de Cerqueira Borges Cabral, Conde de Castro e Solla, Conde de Sucena, Eduardo Frederico Schwalbach Lucci, Eduardo Valerio Augusto Villaça, Emygdio Lino da Silva Junior, Fernando Augusto Miranda Martins de Carvalho, Francisco Xavier Correia Mendes, Gaspar de Queiroz Ribeiro de Almeida e Vasconcellos, João Augusto Pereira, João Ferreira Franco Pinto Castello Branco, João Joaquim Isidro dos Reis, João Maria Cerqueira Machado, Joaquim José Cerqueira, Joaquim Pedro Martins, Jorge Guedes Gavicho, José Antonio Alves Ferreira de Lemos Junior; José Coelho da Motta Prego, José da Cruz Caldeira, José Ferreira de Sousa Junior, José Gonçalves Pereira dos Santos, José Joaquim de Sousa Cavalheiro, José Maria Queiroz Velloso, Luiz Vaz de Carvalho Crespo, Manuel Antonio Moreira Junior, Manuel Joaquim Fratel, Manuel Telles de Vasconcellos, Rodrigo Affonso Pequito, Thomaz de Almeida Manuel de Vilhena (D.).

Não compareceram á sessão os Srs.: Adriano Anthero de Sousa Pinto, Alexandre Proença de Almeida Garrett, Anselmo de Assis Andrade, Antonio Augusto Pires de Lima, Antonio Cassiano Pereira de Sousa Neves, Antonio Faustino dos Santos Crespo, Antonio Homem de Gouveia, Antonio José Garcia Guerreiro, Antonio José Gomes Lima, Antonio de Mattos Magalhães, Antonio Rodrigues Nogueira, Arthur da Costa Sousa Pinto Basto, Conde do Alto Mearim, Conde de Carcavellos, Conde de Paçô-Vieira, Conde de Penha Garcia, Conde da Ribeira Grande (D. Vicente), Eduardo Burnay, Eduardo Fernandes de Oliveira, Francisco Joaquim Fernandes, Frederico Alexandrino Garcia Ramirez, Gil de Mont'Alverne de Sequeira, Henrique Carlos de Carvalho Kendall, Henrique de Carvalho Nunes da Silva Anachoreta, João Baptista Ribeiro Coelho, João da Costa Santiago de Carvalho e Sousa, José Maria de Oliveira Mattos, José Osorio da Gama e Castro, José Simões de Oliveira Martins, José Vieira da Silva Guimarães, Julio Ernesto de Lima Duque, Libanio Antonio Fialho Gomes, Luiz Filippe de Castro (D.), Luiz José Dias, Luiz Pizarro da Cunha de Porto Carrero (D.), Manuel Francisco de Vargas, Marianno Cyrillo de Carvalho, Marianno José da Silva Prezado, Paulo de Barros Pinto Osorio, Sertorio do Monte Pereira, Vicente Rodrigues Monteiro, Visconde de Guilhomil, Visconde da Torre, Zeferino Candido Falcão Pacheco.

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SESSÃO N.° 27 DE 6 DE SETEMBRO DE 1905 3

ABERTURA DA SESSÃO - Ás 3 horas da tarde

Acta - Appravada.

EXPEDIENTE

Officio

Da Camara Municipal do concelho de Beja, enviando uma representação do concelho de Serpa em que se pede que o Lyceu Nacional de Beja seja elevado á categoria de central.

Á commissão de instrucção primaria e secundaria.

O Sr. Presidente: - Communico á Camara que, usando da auctorização concedida á mesa, nomeio para formarem a commissão de commercio os Srs.:

Antonio Augusto Pereira Cardoso.
Antonio Rodrigues da Costa Silveira.
Carlos Augusto Ferreira.
Conde de Sucena.
João Joaquim Isidro dos Reis.
Joaquim José Pimenta Tello.
José Maria de Oliveira Simões.
Luiz Eugenio Leitão.
D. Miguel Pereira Coutinho.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Alvaro Simões.

O Sr. Alvaro Simões: - Sr. Presidente: sendo esta a primeira vez que tenho a honra de usar da palavra nesta Gamara, vou fazê-lo em homenagem de agradecimento aos meus eleitores de S. Thomé e Principe, offerecendo-lhes este primeiro discurso, que sinto não poder referir-se exclusivamente aos grandes e capitães interesses d'essas preciosas joias coloniaes, honra e gloria do moderno Portugal.

Por agora limitar-me-hei a algumas considerações geraes sobre hydraulica agricola e industrial, que julgo deverem ser attendidas pelos nobres Ministros das Obras Publicas, cuja presença agradeço, e pelo do Ultramar, que não pode ouvir-me.

Sr. Presidente: direi que Portugal pode e deve ser um paiz colonizador ou agricultor colonial; mas, para o ser, preciso é assegurar-lhe a existencia pelo progresso da agricultura, do commercio e da industria. Ora, para o desenvolvimento da primeira, e quiçá da terceira, julgo absolutamente indispensavel atacar de frente o grande problema da hydraulica agricola, que entre nós está na infancia, se é que já nasceu, á semelhança do que se tem feito e está fazendo nos outros paizes do mundo, e especialmente na nossa vizinha Hespanha, em França, na Italia, nos Estados Unidos da America, etc.

Porque é fora de duvida que a agricultura, além do trabalho, depende de tres factores essenciaes: terra, agua e adubos.

Quanto á primeira notarei que, segundo o nosso illustre economista, Exmo. Sr. Conselheiro Anselmo de Andrade, ha em Portugal cerca de 4.314:000 hectares incultos, dos quaes bastaria fabricar uma decima parte para supprir o deficit de productos alimentares que importamos do estrangeiro.

E, porém, á falta de agua para a agricultura 1 que se deve ir procurar a solução do equilibrio economico que entre nós está sendo cada vez mais aggravado, como se reconhece na proporção do augmento da producção e das despesas, isto é, na relação entre o que o paiz produz e o que exige, o que se pode chamar a riqueza publica, que era Portugal é de 12 : 34.

Não é licito, pois, duvidar de que o paiz está pobre, ou antes empobrecido, e que para lhe assegurar a existencia preciso se torna augmentar-lhe a producção, porque tendo Portugal um consumo terrivelmente diminuto de carne - para não falar da miseria que ainda se gasta com o ensino, etc. - claro está que a diminuição das despesas não poderá resolver o problema, tanto mais que a marcha da civilização tende sempre a augmentá-las e nunca a diminui-las.

Logo, é no augmento da producção que está a solução do problema, o qual depende essencialmente do melhor aproveitamento das aguas para a agricultura e para a industria. E tanto mais é dever meu chamar para este momentoso assumpto a attenção da camara e do paiz, quanto certo serem membros do partido progressista, a que tenho a honra de pertencer, os estadistas que mais pugnaram pela implantação dos melhoramentos hydraulico-agricolas do nosso paiz.

Assim, o grande escriptor que se chamou Oliveira Martins, nas suas propostas, defendeu a abertura do canal do Sorraia e a construcção das albufeiras de Baeta e Veiros, que deveriam irrigar uns 1:140 hectares, que, juntos aos que o Tejo, de Santarem para montante, facilmente irrigaria, dariam a totalidade de 3:000 hectares irrigados, os quaes seriam os primeiros dos 600:000 que nos caberiam, se a nossa percentagem de prados permanentes igualasse a media dos da Europa - França, Inglaterra, Allemanha, Belgica e Hollanda.

Mais tarde, em 1897, o Sr. Conselheiro Augusto José da Cunha apresentou as suas propostas sobre a colonização, celleiros communs, repressão das fraudes dos adubos, irrigações e colmatagens, que comprehendiam a abertura do mesmo canal do Sorraia e a construcção das albufeiras de Montargil, Veiros e Ponte de Sor.

O grande estadista e notabilissimo jornalista que ha pouco ainda nós todos vimos com profundo sentimento desappareoer nos mysterios d'além tumulo, o Sr. Conselheiro Emygdio Navarro, fez começar a albufeira de Avis, que não foi por deante, apesar de lá terem sido gastos uns 40:000$000 réis.

Finalmente, o Sr. Conselheiro Elvino de Brito melhorou, por um decreto, o serviço hydraulico no nosso para, sim-

1 Repugna-nos o magister dixit (salva a comparação) e por isso direi que, segundo as experiencias de Mr. Risler, na Suissa, a aveia precisa de 250 e o feno dos prados de 438 centigrammas de agua para formarem um gramma de materia seca, de onde se pode concluir que em boas searas os vegetaes mobilizam aproximadamente as seguintes quantidades de agua:

Por hectare
Trigo............ 3.042:000 kilogrammas
Aveia............ 3.384:000 "

Schleiden, grande botanico allemão, tinha tambem verificado, que uma mistura de trevo e aveia tinha evaporado, entre 12 de abril e 15 de agosto, 3.284:000 kilogrammas de agua. A aveia, como se vê, ainda precisa de mais agua do que o trigo. Isto pelo que respeita á acção physioligica da agua, mas além d'essa, que é aliás absolutamente indispensavel para a subida da seiva, isto é, para a vida vegetal, muitas outras ha e de tal modo importantes que bastariam ellas para justificar a affirmativa, taes como o transporte de oxygenio, - acido carbonico, azote combinado, ammnoniaco ou acido nitrico, que enriquecem a terra, quer directamente, quer por meio d'esse complicado phenomeno da nitrificação que ainda não parece estar bem explicado.

Finalmente, a agua ataca as rochas physica ou chimicamente, formando novas terras araveis.

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plificando algumas disposições do regulamento de 19 de dezembro de 1892.

E hoje é o meu distincio collega Exmo. Sr. Paulo de Barros quem mais tem defendido a hydraulica portugueza.

Não ha, pois, duvida de que, áparte a lei do Sr. Pedro Victor e seu regulamento, todas as iniciativas governamentaes sobre a organização dos serviços e obras hydraulicas pertencem ao partido progressista.

Verdade é que um dos melhores ornamentos da minoria regeneradora, o Sr. Conselheiro Anselmo de Andrade, por mim já citado, abordou com grande convicção e notavel proficiencia a questão hydraulica no seu bello livro Portugal Economico. Pena é que S. Exa. não seja engenheiro para com o seu grande talento estudar profundamente o difficil problema, encarando-o por todos os seus aspectos, que são variados e sobremodo complicados.

O Sr. Pereira de Lima: - Mas note V. Exa. que para ser engenheiro a primeira condição indispensavel é ter engenho.

O Orador: - Não tendo comprehendido bem o áparte do Exmo. Sr. Dr. Pereira de Lima, sinto todavia que S. Exa. não me obrigue a calar-me, por me lembrar do que succedeu a lord Besconsfield quando, pela primeira vez falou na Camara ingleza... Calou-se, mas affirmou que haviam de ouvi-lo mais tarde e ouviram-no com enthusiasmo.

Além de que, eu não fiz politica progressista e tanto que citei a lei do Sr. Pedro Victor e poderia falar bastante no projecto do Sr. Dr. Pereira de Lima e do meu illustre collega Antonio da Conceição Parreira para a abertura do canal do Tejo e Sado.

Sr. Presidente: eu receio muito recorrer a exemplos de fora tratando de questões do paiz, porque já ouvi censurar por isso um illustre Deputado, e meu distinctissimo collega, o Sr. Rodrigues Nogueira, mas não existindo nada em Portugal sobre trabalhos hydraulicos sou forçado a recorrer aos exemplos de fora.

Vejamos pois algo do que se têm feito, em alguns outros paizes e muito especialmente na nossa vizinha Hespanha, cujo brilhante exemplo já de ha muito deveria ter sido seguido por nós, que temos a parte mais caudalosa, de alguns dos seus rios mais importantes e que, debaixo do mesmo ceu, usufruimos a continuação das suas terras feracissimas.

Sr. Presidente: eu desejaria ser agradavel á Camara tratando de uma d'estas questões emocionantes que fazem excitar os nervos, tal como a já celebre interpellação dos tabacos, que todos esperam anciosamente, a da qual muitos julgam, conscia ou inconscientemente, poder resultar a felicidade do nosso paiz, mas... a mocidade já passou, essa mocidade que, segundo o pensador francez: c'est une ivresse continuelle, c'est la fievre de la raison.

Agradecendo as attenciosas e penhorantes demonstrações de benevola deferencia que me são dispensadas de ambos os lados d'esta Camara, eu vou proseguir na ordem de ideias que me parecem ser as que, quando applicadas com criterio e opportunidade, fariam do nosso Portugal um paiz rico, não com a riqueza da conquista e da pilhagem, mas com a que provem do trabalho e em especial do aproveitamento dos thesouros naturaes, de que uns jazem improductivos no seio uberrimo do nosso fertil solo, e outros, como as aguas, correm doidamente á sua superficie, ou encharcam vastos paúes, que são enormes focos pathogenicos, em vez de risonhos prados verdejantes. Aproveitarmos todas as aguas que pudermos obter e fornecê-las á agricultura e á industria, libertando-nos das estagnadas e superabundantes, tal deve ser o nosso intuito, que é o de todas as nações e de todos os tempos.

Sr. Presidente: são estas as ideias que eu desejava explanar á Camara, seguindo a orientação dos meus illustres collegas Drs. Pereira Cardoso e Cassiano Neves, que tão eloquentemente mostraram a deficiencia dos meios de protecção á infancia e as enormes lacunas que ainda ha no tocante á educação.

S. Exas. trataram com toda a proficiencia d'essas graves questões que interessam fundamentalmente a raça portugueza, encarando-as sob os pontos de vista pedagogico, medico e humanitario. Pois eu desejaria tambem contribuir com o meu modesto obulo para essa grande campanha da defesa da nossa raça, que tem o seu ideal nitidamente traçado na colonização e aproveitamento d'esses vastos e feracissimos terrenos d'alem-mar, que todas as outras nações nos invejam e que poderão ser, como o Bra-sil, a nossa gloria, ou a nossa ruina, se tivermos perdido a força colonizadora dos tempos passados.

Sr. Presidente: seria grande o meu discurso, porque o assumpto é, por assim dizer, inesgotavel, mas, para não abusar em demasia da paciencia da Camara, vou cingir-me a algumas considerações sobre a questão das aguas na agricultura e na industria.

Todos conhecem a celebre formula de Gasparin:

Calor X Humidade = Vegetação.

Ora, tendo nós calor sufficiente, urge fornecer aos vegetaes a humidade precisa para que elles nos dêem a maxima producção. Mas sob este ponto de vista o nosso paiz é um dos ultimos da escala : basta dizer que a Belgica produz 31 hectolitros de trigo por cada hectare, ao passo que o nosso paiz dá menos de 8!

E a explicação d'isto está em que é deficientissima a quantidade de agua fornecida aos nossos campos, que não recebem mais do que o fraco e tão contingente peculio das chuvas, quando deveriam ter, segundo Olivier do Serres, o correspondente a 3.042:000 kilogrammas de agua por 1 hectare de trigo!

Mas não é, Sr. Presidente, na cultura dos cereaes que sómente escasseia a agua para que a sua producção seja abundante. Todos sabem que, de paiz exportador de carne para Inglaterra e outras nações, estamos hoje miseravelmente reduzidos a fornecedores de 3/4 da carne que consumimos, tendo de importar o 1/4 restante da America, e isto não obstante ser o consumo da carne em Portugal terrivelmente diminuto, como affirma o Sr. Conselheiro Anselmo de Andrade, e ninguem porá em duvida.

Ora, Sr. Presidente, quando se estão pedindo grandes sacrificios a todas as camaras municipaes e a todo o paiz para a lucta contra a tuberculose, e se estão fazendo grandes dispensarios e installações hospitalares para a cura d'esse e doutros terriveis flagellos da nossa raça, que, apesar de tudo, se definha a olhos vista, eu pergunto, Sr. Presidente, se não será tempo ainda de dar de comer ás nossas classes pobres, barateando-lhes os generos de primeira necessidade, entre os quaes em primeiro logar devem figurar o pão, a carne e o vinho ?!

E a proposito de vinho: a implantação das obras hydraulicas teria ainda a vantagem da substituição da cultura da vinha, hoje ruinosa, pela dos prados, sem que a economia nacional perigasse, e antes melhorasse consideravelmente, podendo ser que por fim desapparecesse a terrivel crise vinicola, esse eterno pesadelo de governantes e governados 1.

Creio, pois, ter suficientemente demonstrado que a questão hydraulica é, em termos geraes, o que interessa mais profundamente a economia nacional, cumprindo a este e a todos os Governos a sua resolução, que terá de levar muitos annos de uma acção continua e persistente.

E, como o partido progressista parece ser o que mais perfilha estas ideias, ligando o regenerador mais especial

1 A vinha carece tambem do muita agua, em media 1,2 a 1,3 millimetros por hectare, em França, e muito mais em Portugal. Comparando com o trigo - 2,67 a 2,80 millimetros. Vê-se que a vinha exige quasi metade do trigo.

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attenção aos caminhos de ferro, que na ultima situação tiveram um notavel defensor no Sr. Conde de Paçô-Vieira, urge que d'este lado da Camara se levante mais uma voz em favor da esquecida hydraulica agricola, de que depende o futuro de Portugal.

Houve, é certo, um Ministro regenerador, o Sr. Pedro Victor, que foi o auctor da lei que hoje vigora sobre o assumpto, mas desde 1892 nunca mais os illustres Ministros das Obras Publicas d'esse grande partido de governo cuidaram sequer das obras hidraulicas existentes, estando hoje arruinados todos os diques e canaes do Tejo, como sejam entre os primeiros os diques dos Vinte, Junceira, etc.; e entre os segundos os canaes de Alpiarça, Azambuja, etc.

Nada se fez, nem talvez se possa já fazer, attenta a importancia de algumas d'essas ruinas, que de anno para anno vão augmentando por forma a não poderem, a não ser com grandes gastos, ter as necessarias reparações.

E, no entanto, os campos lá vão soffrendo todos os prejuizos provenientes d'este abandono, e, o que é peor, sem que os, seus proprietarios tenham a esperança de qualquer medida governativa verdadeiramente efficaz!

Sabido é, porém, que o partido progressista pela voz dos seus illustres representantes Oliveira Martins, Emygdio Navarro, Augusto José da Cunha e por ultimo Elvino de Brito se tem occupado da hydraulica agricola, é a elle que naturalmente cumpre o dever de acompanhar esses illustres correligionarios no empenho que elles sempre tiveram de proteger a agricultura nacional, de que, sem duvida alguma, depende o futuro da nossa patria.

Sem querer cansar a Camara vou dizer que em Hespanha é tal o desenvolvimento dos trabalhos hydraulicos que, por assim dizer, deixa a nossa iniciativa reduzida a uma cousa minima, e mostra bem que é tempo de começar a pensar a serio no assumpto.

Em Hespanha a questão hydraulica vem sendo cuidadosa e pertinazmente estudada desde os romanos, progredindo consideravelmente no tempo dos arabes, que lá deixaram normas e costumes que os seus successores teem mantido, como preciosas tradições, de que teem sabido tirar os mais vantajosos resultados.

Basta percorrer Murcia e Valência para admirarmos os trabalhos que tão grande proveito e gloria teem dado á Hespanha.

Não ousarei tocar, ligeiramente que seja, na coriosissima historia da hydraulica hespanhola, mas o que não posso deixar de dizer é que, ao passo que no nosso paiz nada, absolutamente nada, se tem feito nesse sentido, lá se caminha sempre no aperfeiçoamento da captagem das aguas e na sua distribuição, que os nossos vizinhos e hermanos consideram á altura dos mais ponderosos problemas da sua vida economica.

Referindo-me, pois, só ao que ultimamente ali se tem feito, lembrarei á camara que o Sr. Gasset, Ministro com Sagasta, e um dos que melhor teem tratado d'essa importantissima questão nos jornaes e na Camara, pelo que mereceu o epigramma de gostar de viver nos pantanos (albufeiras), teve a satisfação de inaugurar alguns embalses parciales - pequenos reservatorios ou albufeiras - vendo o seu snccessor, Conde de Romanones, continuar ainda mais rasgadamente o programma dos melhoramentos hydraulicos, não só para a irrigação da Andaluzia, mas para todos os 1.250:000 hectares que poderão ser irrigados em toda a Hespanha.

Para isto, segundo um artigo do Diario Universal; evidentemente inspirado ou talvez mesmo escripto pelo actual Ministro hespanhol, Conde de Romanones, defende elle a expropriação forçada dos terrenos precisos para a abertura dos canales de riego, comprando o Estado as terras de sequeiro e vendendo-as depois de irrigadas, o que daria em poucos annos ao Governo um lucro de 500 milhões de pesetas, sem o minimo prejuizo para ninguem, excepto para os proprietarios teimosos que porfiassem em fazer az perros del hortelano...

A França, apesar de natural e abundantemente provida de agua pela, intrincada e vastissima rede dos seus rios e canaes, tem grandes reservatorios que, como os de Furens e de Bouzey, abastecem cidades e campos, fornecendo potencias para um numero consideravel de fabricas, como a de Santo Estevam, que emprega mais de 15:000 operarios. E é tal a importancia que ali se presta á questão hydraulica que ainda ha pouco foi passada para o Ministerio da Agricultura, criando-se duas direcções especiaes, que d'ella tratam exclusivamente 1. Na Italia vae abrir-se o canal da Apulia, destinado á irrigação da parte meridional da peninsula, e nos Estados Unidos da America é de tal maneira importante a obra já realizada que um Ministro da marinha d'aquella grande nação affirmava ainda ha pouco que, tendo sido gastos mais de 125 milhões de dollars em obras hydraulicas, poderia a America offerecer á Inglaterra uma esquadra tão poderosa quanto esta julgasse precisa para que, junta com a inglesa, pudessem tornar impossivel qualquer guerra futura, mesmo que contra ellas se unissem as esquadras de todo o mundo. Não citarei as obras da Argelia, do Egypto e da India, mas fá-lo-hei em. occasião mais opportuna, se bem que tão bellos exemplos me pareçam muito proprios a orientarem a opinião do nosso paiz, que, a tal respeito, parece inteiramente transviada 2.

Sem mais demora, para não fatigar a attenção da Camar, fiz a apresentação d'estas ideias, que já tiveram, sob o ponto de vista particular, qualquer principio de iniciativa por parte do meu illustre collega, o Sr. Dr. Pereira de Lima, no seu projecto, a que ha pouco me referi, para a ligação do Tejo ao Sado, por meio de um canal através das províncias do Alemtejo e Ext.remadura, com parte das aguas fornecidas pelos futuros reservatorios da serra de Ossa.

Depois d'esse projecto que, reduzido a condições viaveis, poderia levar a irrigação ao grande celleiro portuguez, que é a provincia do Alemtejo, nada mais se projectou em Portugal que tendesse aos melhoramentos hydraulicos, o que certamente é devido á falta de uma lei protectora das empresas de irrigação, semelhante á hespanhola de 1890.

Houve tão sómente a ideia da abertura do canal do Sorraia, ideia que já por duas vezes fez parte de propostas

1 O decreto de 27 de janeiro do 1903 criou uma nova direcção para os melhoramentos agricolas, em que se trata de proteger a iniciativa dos proprietarios para a troca e annexação de parcellas, sem o que as irrigações e drainagens seriam impossiveis e ainda para levar á execução todos os melhoramentos materiaes, como abertura de novos caminhos de exploração, etc., á semelhança do que ha mais de trinta annos só faz com grande exito na Allemanha e na Austria.

É de crer que a França, com o trabalho dos seus mil duzentos e tantos engenheiros-agronomos, dirigidos pelo grande sabio Mr. Dabat, realize todos os progressos agricolas, que tarde chegarão até nós.

2 Para não falar senão da grande obra hydraulica dos inglezes no Egypto, citarei uma phrase do bello livro de Mr. Brunhes, "L'irrigation dans la péninsule ibérique et l'Afrique du Nord": Ou un ruipeau caule la vie naît. O Egypto é uma prova brilhante d'este facto phisico e economico.

A barragem de Assonan, estudada em quatro annos pelo grande engenheiro Willcokes, armazena 1 milhar de metros cubicos, - devendo armazenar 3,5, mas ficando nesse caso submergido todo o templo de Philoc - dando como está mais 70.000:000 francos de augmento de producção agricola.

Esta obra collossal, que, a par das inudianas, dá a maior honra aos inglezes, será dentro em breve conjugada com a barragem de Assiout, orçada em £. 2.245:000.

Nos Estados Unidos da America tem sido construida uma infinidade de barragens de variados systemas, rock-fril, masonry, hydraulic-dams, que nos explicam a abundancia de colheitas de cereaes, fructas, etc., d'aquelle grande paiz, com que a propria Inglaterra difficilmente poderia estar de mal por ser tambem o seu celleiro.

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ministeriaes progressistas, mas que acabou por ser posta de remissa, attentas as dificuldades de toda a ordem que assoberbam os nossos Governos.

Se, porém, as grandes obras não podem pedir-se e muito menos impor-se aos Ministros, na situação actual do nosso paiz, alguma cousa de util poderia já tentar-se, como sejam a criação da lei a que me referi, a qual deveria ser elaborada por uma commissão mixta de agricultores, advogados e engenheiros, e o fornecimento immediato de sondas ás secções hydraulicas - hoje chamadas secções fluviaes e maritimas - para que, a expensas do Estado, fossem desde já feitas pesquisas de alguas instantaneas ou artesianas, á imitação do que se faz em Hespahha e na Argelia. Para não falar sem provas da utilidade das sondagens, basta-me citar o exemplo da provinda do Albacete, em Hespanha, e do Far-West americano, que com elles augmentaram a sua producção agricola de modo muito consideravel.

E para estes dois pontos que me atrevo a chamar em especial a esclarecida attenção do nobre Ministro das Obras Publicas, que, a par de uma alta capacidade juridica e litteraria, é um dos mais distinctos agricultores do nosso paiz, e do seu illustrado collega do Ultramar, que, especialmente nas ilhas de Gabo Verde, daria talvez applicação vantajosissima á minha ideia.

Tinha ainda muito mais a dizer sobre este assumpto, mas como, apesar das suas amaveis negativas, receio cansar a attenção da Gamara, limitar-me-hei apenas a affirmar que a agua applicada aos usos agricolas produz muitas vezes outras utilidades não menos preciosas, tal como o aproveitamento da força motriz que ella cria pelo seu movimento; quando convenientemente aproveitada nas rodas Pelton, ou nas turbinas de Voith, Wiss, Hercules-Progrès e tantas outras. Em todos os tempos se teem feito aproveitamentos da força da agua, mas ultimamente, com o transporte da força a distancia, é que o problema tomou um novo e mais importante aspecto, sendo para elle que me atreverei a solicitar a attenção da Gamara, durante os poucos minutos que tenho disponiveis.

Sr. Presidente: esta magna questão do aproveitamento da força criada pela agua dos rios e ribeiros, e muito especialmente da que escachôa em grandiosas cascatas pelas encostas das montanhas, está merecendo o estudo dos mais distinctos engenheiros de todas as nações, tendo sido já celebrado um congresso em Grenoble, ha tres annos, onde se discutiram os variados aspectos de tão importante questão - chamada da hulha branca - que pode muito bem produzir uma deslocação dos grandes centros industriaes do mundo. Os paizes planos, como a Allemanha do norte, a Belgica, a Hollanda, a Russia, etc., não poderão concorrer com a França, Italia e Suissa, e a propria Inglaterra pode vir a soffrer uma grande desvalorização dos seus jazigos de hulha.

Todas as nações tratam do aproveitamento da sua hulha branca: a França, no departamento do Isère, utiliza já uma força hydraulica de 37:000 cavallos-vapor e no de Saboya 30:000 e tem nos Alpes e Pyrineus mais de 10 milhões que poderá aproveitar.

A Noruega, na installação de Kikkelsrud, a 53 kilometros de Christiania, tem 44:000 cavallos de força motora, produzidos com uma queda de agua de 21 metros de altura. Não falando já da catarata do Niagara, cuja potencia é calculada em 12 milhões de cavallos-vapor, dos quaes só ha 50:000 aproveitados, diremos que se trata do aproveitamento das grandes cataratas do Zambeze, as quedas Victoria, que poderão fornecer mais de 35 milhões de cavallos-vapor, que serão em breve applicados ás minas, caminhos de ferro e fabricas de toda a Africa Meridional, mediante uma rede electrica com 700 kilometros de raio.

Mas não é só a enorme potencia das grandes cataratas que pode ser vantajosamente utilizada. Ha em França um pequeno rio, o Eure, que, com uma queda de 4 metros,
daria mais de 13:000 cavallos de força em seis mezes, quando fosse bem aproveitado.

Até mesmo as modestas correntes são, portanto, uma riqueza importantissima, que nós deixamos de aproveitar, e, o que peor é, que não mostramos o menor desejo de vir a aproveitar.

É triste na verdade que quando todas as nações tratam de resolver os grandes problemas da sua economia, nós nos entretenhamos com frioleiras que só dão perda de tempo e do forças, distanciando-nos de seculos dos progressos das nações que não param porque não querem, morrer.

Não será, pois, tempo ainda de olharmos para o Douro, que já foi estudado, sob este ponto de vista pelo nosso illustre collega e amigo, o Sr. engenheiro Serrão; para o Zezere; que tambem teve o estudo do Sr. conductor Schiappa; para o Tejo e para tantos outros rios que nos poderiam fornecer milhares e milhares de cavallos-vapor que hoje tão caros pagamos á Inglaterra?!

E não haverá nunca oradores eminentes que tratem aqui d'estas cousas que são importantissimas?

Pois se andamos sempre a dizer-nos um paiz essencialmente agricola, e nem ao menos temos um Ministerio de Agricultura!

Vou terminar porque não posso, por mais tempo, abusar da benevola attenção da Camara, esperando que pelo menos este Governo que me ouve tome estas minhas considerações na conta que merecem, dando-lhe foros de questão nacional, de que depende o futuro da agricultura e da industria portuguezas, isto é, o futuro da nossa Patria.

E por ultimo faço votos para que Portugal não seja um paiz perdido, mas que, pelo contrario, alguem possa terminar um futuro discurso parlamentar com a palavra final do livro patriotico do Sr. Conselheiro Anselmo de Andrade:

Resurrexit!

Tenho dito. (Vozes: - Muito bem, muito bem).

O Sr. Ministro das Obras Publicas (D. João de Alarcão): - Sr. Presidente: ouvi com toda a attenção as observações que acaba de fazer de um modo brilhante o illustre Deputado, o Sr. Alvaro Simões, que chamou a minha attenção para um assumpto deveras importante.

Procurarei satisfazer quanto possivel o seu ideal, dentro dos acanhados recursos de que disponho, podendo o illustre Deputado ficar certo que envidarei para isso os maiores esforços.

Mas eu tinha pedido a palavra tambem para responder ás observações que o illustre Deputado, o Sr. Claro da Ricca aqui fez ha algumas sessões e a que não pude até agora responder cabalmente. Não pude vir aqui na sessão seguinte áquella em que S. Exa. se tinha referido a negocios que correm pela minha pasta; faltei a outras duas sessões e por isso só agora vou responder ás observações de S. Exa.

O Sr. Deputado Claro da Ricca, referindo-se ao decreto de 27 de fevereiro que estabeleceu armazens geraes para o deposito de vinhos e aguardente, notou que esse decreto não tinha inteiramente satisfeito os fins que tinha em vista e havia illudido a ideia de naturalmente proteger a agricultura vinicola; pelo contrario, das suas disposições resultam prejuizos para a agricultura!

Ora direi a V. Exa. que estas mesmas observações que o illustre Deputado o Sr. Claro da Ricca fez nesta sessão já tinham sido apresentadas no meu gabinete pelo presidente da Real Associação da Agricultura e por uma deputação que tinha recebido de um syndicato agricola do norte.

Ouvi-os expor as suas observações e discutindo bastante com elles pareceu-me que os deixei convencidos de que não eram tão grandes os perigos como se lhes afigurava. O decreto não é da minha responsabilidade, mas se eu

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houvesse de resolver o assumpto procederia da mesma forma. Disse o illustre Deputado que o decreto, além de ser improficuo, traria dificuldades e talvez não produzisse o resultado que se esperava.

Eu vou mostrar, em primeiro logar, que da inscripção não resulta o prejuizo que se afigura ao illustre Deputado. V. Exa. sabe que o commerciante é em geral tambem proprietario.

Eu a quem vendo o meu vinho é ao commerciante que o vae buscar; se o commerciante não o compra, baixo o preço e o vinho fica de rastos; mas se o commerciante o veio comprar o preço augmenta.

É preciso estimular, quem vá ao mercado comprar; o commerciante não pode comprar se o stock for grande; mas se tiver armazens o commerciante irá ao mercado buscar mais vinho e ahi temos nós uma vantagem da inscripção. (Apoiados). Se o proprietario não é o que directamente faz o seu deposito, o commerciante faz o deposito do vinho do proprietario; por consequencia não é tamanho o prejuizo como se afigurava a S. Exa.

Disse eu tambem que não me parecia que fosse facil qualquer outro meio de attender aos interesses do paiz.

Um proprietario pode ser commerciante e é vulgar este facto; até infelizmente, para justificar as mixordias, permitia-se-me o termo, o commerciante faz-se proprietario; a propriedade justifica que elle tenha grandes depositos de vinhos.

Desde que o proprietario e o commerciante são os proprios a fazer depositos de vinho, diga-me V. Exa. se do armazem geral se pode excluir um d'elles?

Um proprietario conhece S. Exa. e toda a camara que só por si poderia encher os armazens.

Allegavam os representantes dos syndicatos agricolas do Norte que o proprietario em geral é falto de iniciativa, que se descuida em pedir a inscripção, e que, portanto, é preciso que alguem olhe por elle; mas isto não pode ser, o Estado deve ser protector, mas não um feitor.

O que está feito não posso eu modificar, porque foi decretado em virtude de uma auctorização e essa está esgotada.

O proprietario que cuide dos seus interesses, e parece que a Real Associação da Agricultura já se dirigiu aos proprietarios, lembrando-lhes a conveniencia de se inscreverem para os armazens geraes.

A classe agricola é digna de todo o respeito, é certo; mas não o são menos as classes industrial e a commercial.

A missão do Governo não é pôr em conflicto umas com as outras, é harmonizar-lhes os interesses.

Eram estas as explicações que tinha a dar ao illustre Deputado.

Tenho dito. (Vozes: - Muito bem).

Q Sr. Mario Monteiro: - Sr. Presidente: pedi a palavra para chamar a attenção do Sr. Ministro das Obras Publicas para um assumpto que a meu ver tem um alto interesse.

O Sr. Paulo Cancella, illustre Deputado da maioria d'esta Camara, renovou ha dias a iniciativa de um projecto de lei sobre caça, que apresentou ao Parlamento na sessão de 1900.

O Sr. Conde de Penha Garcia apresentou em 1899 um projecto sobre o mesmo assumpto, mas tanto o projecto do Sr. Paulo Cancella como o do Sr. Conde de Penha Garcia tiveram a sorte que teem quasi todos que são da iniciativa dos Srs. Deputados: ficaram no limbo da commissão.

O Sr. Paulo Cancella no seu jornal A Caça tem pugnado sempre por que no nosso paiz haja uma lei geral sobre caça que esteja a par do que se encontra a tal respeito nas nações estrangeiras.

Sei que na occasião em que S. Exa. apresentou o seu projecto se levantou uma grande campanha contra algumas das suas disposições, porque, diziam, ia offender direitos adquiridos, principios liberaes.

Essa impressão, porém, vae desapparecendo com o convencimento em que todos vão estando de que, se não se fizer uma lei especial, em breve veremos extincta a caça no nosso paiz, porque não basta para o evitar o que se acha estatuido no Codigo Civil.

No Alemtejo, que é onde se encontram as especies venatorias mais variadas, posso affirmar que em breve não haverá caça.

Eu, que lá vivo e conheço esse genero de sport, posso declarar que a, caça está quasi extincta e que se não forem tomadas providencias ficará extincta de todo.

São ridiculas e irrisorias as consequencias que derivam do nosso Codigo Civil.

O Codigo Civil permitte que os proprietarios de terrenos tapados tenham o direito de caça, mas o mesmo não acontece com os terrenos abertos, a não ser que esses terrenos estejam semeados.

Isto equivale a dizer que na grande extensão do Alemtejo, onde a caça tem logar mais proprio para reproducção, o Codigo Civil é de limitada applicação.

Dá isto logar a que qualquer individuo, muito bem vestido, de bom casaco, bota de polimento, que queira atravessar uma propriedade não o pode fazer porque o proprietario pode intentar uma acção contra elle; mas esse mesmo individuo vae a sua casa, muda de fato, enverga uma blusa, pega numa espingarda, é seguido por um cão e entra nessa propriedade livremente.

Isto é ridiculo.

Mas encarando a questão sobre outro ponto de vista especial, se a caça não for protegida com verdadeiro interesse, a caça desapparece do nosso paiz.

Não sei se se teem interpretado os suppostos principios de liberdade, se se teem invocado os suppostos direitos individuaes para manter o equilibrio entre interesses perfeitamente antagonicos, como são os dos proprietarios e os dos caçadores.

Sei que se as disposições apontadas pelo Sr. Paulo Cancella, a favor das quaes me estou pronunciando, não forem postas em vigor, se pratica um abusivo e gravo attentado.

Encarada a questão sob o ponto de vista economico e pratico, temos o seguinte:

Esse principio de liberdade será muito attendivel, esse direito será muito respeitavel, é certo, mas essa liberdade não tem razão de ser, porque desapparece a caça. (Apoiados).

Dentro em pouco nós poderemos chegar, se continuar existindo o actual regimen, ao exterminio da caça, pela absoluta falta de especies venatorias. (Apoiados do Sr. Paulo Cancella).

Não ha estatisticas a que possa recorrer, mas posso affirmar a V. Exa., sem receio de exagerar, que reflectindo um pouco neste assumpto, pensando na grande importancia que as especies de caça teem na alimentação publica, não posso deixar de calcular em muitas dezenas de contos de réis annuaes o seu valor.

O que é certo é que no estrangeiro se liga uma importancia excepcional a este assumpto. Na Allemanha, na Austria, na França, em Hespanha e em toda a parte, emfim, onde se olha para estes assumptos com interesse e verdadeira solicitude, existe uma lei privativa da caça, estabelecendo disposições e determinados preceitos que fazem com que as especies venatorias sejam conservadas.

Em Portugal tão acostumados estamos á raridade da caça que se julga ser phantasia as noticias de que em varias caçadas do estrangeiro as especies venatorias abatidas orçaram por milheiros.

Quasi não podemos acreditar que numa caçada appareçam tantas peças de caça.

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Ora, Sr. Presidente, attendendo-se a que na Allemanha, na França e em outras nações do centro da Europa ha um regimen de caça protegido e amparado pelos poderes publicos, não admira que as especies se reproduzam com tal intensidade.

O Sr. Presidente: - Previno V. Exa. de que faltam apenas cinco minutos para se passar á ordem do dia.

O Sr. Ministro das Obras Publicas (D. João de Alarcão): - Peço a palavra.

O Orador: - Como não posso alongar-me mais, vou terminar as minhas considerações, perguntando ao Sr. Ministro das Obras Publicas se S. Exa. que é um homem novo, tanto em idade como no Ministerio, e que decerto está animado do desejo de bem servir o seu paiz, se realmente tem entre os projectos que tenciona apresentar ao Parlamento algum que diga respeito á caça.

Apesar de não ser da parcialidade politica de S. Exa., em tudo que diga respeito a este assumpto lhe prestarei o meu mais decidido e maior apoio. Se até S. Exa. quizer que o projecto que foi apresentado pelo Sr. Paulo Cancella, na sessão de 1900, seja refundido, e entender aproveitar o meu trabalho em tal assumpto, estou inteiramente ás suas ordens.

Peço a S. Exa. que cuide do assumpto com verdadeiro interesse.

(Vozes: - Muito bem).

O Sr. Ministro das Obras Publicas (D. João de Alarcão): - Agradeço ao illustre Deputado Sr. Mario Monteiro as palavras amaveis que me dirigiu.

Embora este assumpto não figurasse ainda nos projectos que tenciono apresentar ao Parlamento, acha-o por tal forma importante que não deixarei de lhe ligar a minha attenção.

Termino agradecendo ao illustre Deputado o offerecimento da sua collaboração, seguramente valiosa, pois mostrou ser conhecedor do assumpto.

O Sr. Ferreira da Fonseca: - Mando para a mesa um projecto de lei dividindo o concelho de Ceia em quatro assembleias eleitoraes.

Approveito a occasião de estar com a palavra para mandar tambem para a mesa uma representação da Companhia Mineira e Metallurgica do Braçal, reclamando contra o artigo 99.° da proposta de lei sobre a pauta das alfandegas, que fixa em 10 réis por kilogramma o direito sobre o chumbo em bruto ou em metralha.

Peço a V. Exa. que consulte a camara sobre se permitte que ella seja publicada no Diario do Governo.

O projecto ficou para segunda leitura.

O Sr. Ferreira de Lemos: - V. Exa. da-me um esclarecimento? Desejava saber quando é que o Sr. Ministro do Reino vem a esta casa do Parlamento antes da ordem do dia, para se realizarem os avisos previos que se teem mandado para a mesa.

O Sr. Presidente: - Eu não concedi a palavra a V. Exa. (Muitos apoiados).

O Sr. Ferreira de Lemos: - Eu pedi apenas um esclarecimento e parece-me...

O Sr. Presidente: - V. Exa. não tem a palavra. Os Srs. Deputados que approvam que a representação mandada para a mesa pelo Sr. Ferreira da Fonseca seja publicada no Diario do Governo teem a bondade de se levantar.

Foi approvado.

Vae por extracto no fim da sessão.

O Sr. Ferreira de Lemos: - Então V. Exa. não me dá uma resposta?

O Sr. Presidente: - Torno a repetir que V. Exa. não tem a palavra. (Apoiados).

Tem a palavra o Sr. Visconde do Ameal.

O Sr. Ferreira de Lemos: - Isto não pode ser. Eu peço um esclarecimento. (Muitos apoiados).

Vozes: - Ordem, ordem.

Sussurro.

Uma voz: - Está comprehendido que o Sr. Ministro do Reino não quer vir aqui. (Apoiados).

O Sr. Presidente: - Eu dou todos os esclarecimentos que o illustre Deputado deseja, mas particularmente, porque não lhe posso dar a palavra.

Vozes: - Não pode dar a palavra?

O Sr. Presidente: - Não lhe posso dar a palavra, porque não está inscripto.

O Sr. Ferreira de Lemos: - Aqui não ha nada de secreto...

Vozes: - Ordem, ordem.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Visconde do Ameal.

O Sr. Visconde do Ameal: - Sr. Presidente: está a dar a hora de se entrar, na ordem do dia e por muito pouco que tenha a dizer é impossivel num momento fazer as observações que desejo expor á consideração da Camara. Por isso peço a V. Exa. que me reserve a palavra para usar d'ella na sessão seguinte.

O Sr. Tavares Festas: - Mando para a mesa o seguinte

Requerimento

Peço a V. Exa. se digne consultar a Camara sobre se permitte que durante a sessão se reuna a commissão de instrucção primaria e secundaria. = T. Festas.

Foi approvado.

O Sr. Presidente: - Vae entrar-se na ordem do dia. Os Srs. Deputados que tiverem documentos a mandar para a mesa, podem fazê-lo.

O Sr. Miguel da Silveira:-Mando para a mesa o seguinte

Projecto de lei

Artigo 1.° É criada para todos os effeitos legaes uma freguesia independente e autonoma no logar da Fazenda, da Ilha das Flores, actualmente pertencente á freguesia de Nossa Senhora do Rosario, concelho das Lagens das Flores, districto da Horta.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.

Sala das sessões da Camara dos Deputados, em 6 de setembro de 1905. = O Deputado, Miguel Antonio da Silveira.

Ficou para segunda leitura.

O Sr. Botelho de Sousa: - Apresento a seguinte

Participação

Participo á Camara que se installou a commissão do legislação criminal, escolhendo para presidente o illustre Deputado Sr. Matheus Teixeira de Azevedo e a mim para secretario. = Augusto Guilherme Botelho de Sousa.

Para a acta.

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PRIMEIRA PARTE DA ORDEM DO DIA

Continuação da discussão do projecto de lei n.º 10,
fixação da força do exercito

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Jorge Gavicho sobre o projecto n.° 10, cuja discussão ficou pendente.

O Sr. Jorge Gavicho: - Sr. Presidente: depois que eu pedi a palavra para responder ao Sr. Mendes Leal, a ordem dos trabalhos da camara fez com que só depois de muitos dias ella me chegasse. Vou pois aproveitá-la esperando não cansar por muito tempo a attenção da Camara.

O Sr. Mendes Leal, a proposito d'este projecto, produziu mais um brilhante discurso, d'aquelles que a Camara ouve sempre com agrado.

Foi com prazer que ouvi o exordio do seu discurso defendendo calorosamente as instituições militares. E accrescentou S. Exa. que um dos males de que ellas enfermam é da falta de estabilidade. Acha por isto que a obra do Sr. Sebastião Telles não é uma obra politica, mas um trabalho administrativo em que S. Exa. quiz harmonizar as necessidades do exercito com os recursos do Thesouro. Se esta reforma que se discute trazia certos e pesados encargos, grandes sacrificios, Sr. Presidente, é necessario o paiz ter animo para fazer esses sacrificios.

Todos os deveres trazem encargos e o da defesa nacional é o primeiro e o maior de todos.

Eu ouvi outro dia ao Sr. Deputado Sousa Tavares dizer que era necessario acabar com a lenda de que com o exercito se gastava mais do que permittiam as condições da nação. Felizmente que essa lenda se vae desfazendo, mas não ha muitos annos, doze ou quinze, que ainda era vulgar ouvir apreciar com menos consideração os serviços do exercito. As nossas campanhas de Africa de 1895, felizmente, vieram demonstrair qual era o valor do exercito.

Todos nós concordamos em que a elle se deve o nosso patrimonio colonial e todos nós nos lembramos de como lá fora o nome portuguez se levantou com a noticia d'essas victorias. E certo que o paiz já hoje sabe que, quando precisa, pode contar com um exercito forte e disciplinado, que ha de defender sempre com brilhantismo a honra nacional.

As nossas campanhas de Africa foram uma affirmação deslumbrante do nosso prestigio militar, da força do nosso exercito.

Desde então a lenda quasi desapareceu, e aos olhos de todos, nacionaes e estrangeiros, foi dado contemplar o valor e os feitos dos nossos heroes militares.

Posto isto vou entrar na discussão do projecto.

Este projecto é igual aos que são sempre apresentados ao Parlamento.

Todos os projectos do Sr. Sebastião Telles teem sido combatidos pela opposição regeneradora com o fundamento de que a instabilidade da legislação militar é um perigo para as instituições militares. Em these assim é, mas não é essa a hypothese que se dá. O Sr. Sebastião Telles propõe o regresso á reforma de 1899 por ser esta a que está mais em harmonia com os recursos do Thesouro. E não se diga que S. Exa. procede assim por politica, para demolir a obra do seu antecessor, porque ainda S. Exa. não pensava em ser Ministro e já advogava a ideia das quatro divisões. A politica, se existe, é nos que o accusam.

O illustre Deputado que me antecedeu no uso da palavra, com a habilidade da sua argumentação quiz demonstrar que o projecto era desnecessario, fundando se para isso em que, determinando-se na organização do exercito qual o numero de praças que o compõe, e no orçamento as que hão de estar no effectivo, a fixação da força representa uma duplicação.

Mas S. Exa. esqueceu-se de ver na constituição quaes as attribuições das Côrtes; se a tivesse examinado sobre este ponto, ficaria conhecendo o que estabelece o § 10.° do seu artigo 15.°

Ora é precisamente para satisfazer a essa disposição que se apresenta este projecto, que está redigido nos mesmos termos em que o teem sido muitos outros que S. Exa. tem approvado.

Já disse e demonstrei, quando se tratou da organização do exercito do Sr. Sebastião Telles, que era justo e necessario, para que aquella organização pudesse ter valor, melhorar os offectivos e para isso é necessario augmentar o numero de praças.

(Neste ponto o orador não pôde ser ouvido).

Todos os illustres Deputados que usaram da palavra se dirigiram ao Sr. Ministro da Guerra em termos elogiosos. E não admira que assim fosse, porque, realmente, os negocios da guerra estão entregues a um dos mais bellos ornamentos do nosso exercito, já pela sua competencia technica, já pelos seus conhecimentos e illustração. (Apoiados).

O exercito tendo á sua frente o Sr. Sebastião Telles ha de aperfeiçoar-se e melhorar. (Vozes: - Muito bem, muito bem).

(O orador não reviu}.

O Sr. Sousa Tavares: - Começa dizendo que sem duvida o projecto que se discute teve um relator distinctissimo. O Sr. Gavicho encantou a Camara com o seu discurso e por isso o felicita mui sinceramente.

Dito isto, agradece ao illustre Deputado o tê-lo deixado numa situação desafogada, porque S. Exa., inscrevendo-se a favor do projecto, parece que iria contradizer as affirmações da opposicão, mas tal não fez. Todas essas affirmações ficaram de pé. O mesmo succedeu na interpellação, cuja discussão hontem findou, ficando sem resposta os nossos argumentos.

Em obediencia a um preceito constitucional, o Sr. Ministro da Guerra apresentou um projecto de lei que fixa a força do exercito em 30:000 praças, mas essa proposta vem desacompanhada de qualquer relatorio que o esclareça, exemplo que foi seguido pela commissão, pois apenas em dois periodos reproduz o que na proposta se contém, mais virgula menos virgula.

Para os que são militares, o relatorio pode ser dispensado, porque conhecem as razões que determinaram a fixação da forca em 30:000, e não em 40:000 ou 25:000 homens; mas para os outros illustres Deputados já não succede o mesmo; para esses o relatorio não só não é uma, utilidade, mas até uma necessidade.

Depois diz-se na proposta e no projecto que serão licenceadas 7:000 praças; mas essas licenças poderão diminuir quando o serviço da instrucção o exigir.

Sendo o effectivo orçamental de 23:000 praças, quando o numero das licenceadas não for de 7:000, mas sim de 3 ou 4:000, por exemplo, com que verba se paga ás praças sobresalentes? Só ha para isso dois meios: ou transferir verbas de um artigo para o outro, dentro do mesmo capitulo, ou recorrer a creditos supplementares ou extraordinarios.

Os creditos extraordinarios, segundo o regulamento da contabilidade publica, só podem ser abertos em casos de força maior, como inundação, incendio, epidemia, guerra interna ou externa e outros semelhantes, e não me parece que o serviço de instrucção esteja comprehendido neste numero.

Mas, admittindo mesmo que o pagamento se faça por meio de um credito extraordinario, o systema é pessimo, porque escapa á fiscalização parlamentar, visto que as contas de exercicio só são apresentadas mezes, e ás vezes até annos, depois de effectuados os pagamentos.

Suppondo, porém, que não se paga por meio de creditos, mas pela transferencia de verba de artigo para artigo, ainda assim o inconveniente não é menor, porque

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não ha no Ministerio da Guerra serviços que estejam dotados por forma a permittir essa transferencia, no todo ou em parte: alem de que, no orçamento d'esse Ministerio, não ha disposição alguma que tal permitia.

Qualquer despesa feita portanto com as tropas, alem do effectivo orçamental, ha de ser paga por meio de creditos supplementares ou extraordinarios, systema esse de administração a que, de uma vez para sempre, como já disse, se deve pôr ponto, porque, com elle, não ha maneira alguma de fiscalizar a acção do Governo.

Ao contrario do que disse o illustre Deputado Sr. Gavicho, a opposição regeneradora não julga desnecessario o actual projecto pelo facto de ser apresentado por um Governo progressista. Não, este projecto é necessario quer seja apresentado por um Governo regenerador, quer por um progressista, mas o que é preciso é que venha completo. Ora o projecto que se discute não está completo, por falta de relatorio.

Disse mais S. Exa. que oxalá que, quando o partido regenerador estiver no poder, os seus actos confirmem plenamente as suas opiniões de agora. Ora as opiniões de agora do partido regenerador, sobre o assumpto a que S. Exa. se referiu, são de que a organização de 1901, estabelecendo seis divisões militares no activo e seis na reserva, é absolutamente compativel com os recursos do Thesouro e com os interesses do paiz. E tem mais ainda a opinião de que para se manterem inabalaveis as instituições militares é indispensavel que não haja solução de continuidade na administração da pasta da Guerra.

Observa mais o orador que pelo exame dos orçamentos do Ministerio da Guerra de 1900-1901, 1903-1904 e 1904-1905, vê-se que no primeiro se gastaram mais 72:000$000 réis do que a despesa computada; no segundo mais 115:000$000 réis, e no terceiro mais 135:000$000 réis.

Exerce, porventura, o Parlamento alguma fiscalização sobre o emprego d'estas verbas? Não. E porque?

Porque as contas de exercicio só muito tarde são apresentadas á Camara.

por isso que elle, orador, só insurge contra o projecto que se discute, e que sendo apparentemente muito innocente, no fundo corresponde, apenas, a continuar-se no vicioso processo de administração de se gastar mais do que o prescrito nas verbas orçamentaes.

Antes de terminar as suas considerações sobre o projecto em discussão, diz mais uma vez que o paiz não deve assombrar-se com a verba que actualmente se gasta com o exercito, porque em relação às receitas publicas é ella menor em Portugal do que em outros paizes, como a a França, a Suissa, a Allemanha e a Hespanha.

O que é necessario é que as instituições militares, pelo seu brilho e pelos serviços que hajam de prestar ao paiz, correspondam aos sacrificios que o Estado faz com ellas. Para isso é necessario que essas instituições tenham estabilidade e que os titulares que se forem succedendo na pasta da Guerra tratem de aperfeiçoá-las, sem ter o prurido de demolir a obra dos seus antecessores.

Por ultimo seja-lhe permittido alludir a um ponto que, se não se relaciona propriamente com o assumpto em discussão, merece particular interesse e tem feito vibrar o coração de todos aquelles que se interessam pelo bem-estar dos povos.

Quer referir-se a um outro acontecimento memoravel - a confirmação da paz entre a Russia e o Japão.

Se as suas palavras pudessem acompanhar o seu pensamento, as suas palavras, galgando as fronteiras e transpondo o Atlantico, iriam a territorio americano exprimir um profundo sentimento de admiração pelo Presidente Roosevelt, um alto espirito e grande coração, a quem se deve a iniciativa da conferencia de Portsmouth e, consequentemente, a realização da paz.

É felizmente um facto a realização do pensamento de Roosevelt; terminou emfim a luta renhidissima em que ha muitos meses se vinha estorcendo a Russia e esse povo intelligente, perseverante e activissimo, que em pouco mais de vinte annos conquistou logar ao lado dos povos mais civilizados do mundo.

Congratula-se pois, elle, orador, com o Sr. Presidente, com a Camara e com o paiz, por este grande acontecimento, que enche de alegria milhões de familias, e que ficará gravado em letras de ouro nos fastos historicos.

(O discurso será publicado na integra quando o orador restituir as notas tachygraphicas).

O Sr. Pereira de Mattos: - Mando para a mesa, por parte da commissão de marinha, o parecer da mesma commissão sobre a proposta de lei n.° 12-A de 1905, fixando a força naval em 5:600 praças, distribuidas por varios navios.

Foi a imprimir.

O Sr. Presidente: - Está esgotada a inscrição e vae ler-se o artigo l.° do projecto, para ser votado.

Lido na mesa e posto á votação, é approvado.

O Sr. Presidente: - Vae ler-se o artigo 2.°

Lê-se na mesa. É o seguinte:

"Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario".

É approvado sem discussão.

O Sr. Presidente: - Vae ler-se para entrar em discussão um projecto de lei, relativo a uma convenção internacional.

Leu-se. É o seguinte:

PROJECTO DE LEI N.° 11

Senhores. - A vossa commissão dos negocios estrangeiros e internacionaes examinou a proposta de lei l5-E, relativa á Convenção assignada em Paris aos 19 de março de 1902, entre Portugal e outras nações contrahentes, para a protecção ás aves uteis á agricultura.

A importancia do assumpto, a sympathia que elle merece, levam a vossa commissão a esperar, que vos digneis dar-lhe a vossa approvação, a fim de poder ser em breve ratificada.

A presente Convenção abrange duas partes distinctas, mas que facilmente se conjugam: l.ª, protecção a todas as aves uteis, especialmente as consignadas na lista n.° l, annexa á convenção, exceptuando-se quando estas mesmas aves, em casos excepcionaes, se tornam nocivas (artigo 6.º): 2.ª, defesa contra todas as aves nocivas, sendo as principaes as que menciona a lista n.° 2.

Debaixo do ponto de vista economico e humanitario, é elevadissima a significação d'esta convenção, não só pelo que ella desde já encerra, mas tambem porque poderá vir a ser o inicio de outras convenções de grande alcance, como devemos esperar.

Em relação ás aves uteis á agricultura a Convenção estabelece para ellas, no artigo 1.°, uma protecção absoluta em qualquer epoca e de qualquer forma, protecção que apenas será definitiva no fim de certo tempo, obrigando-se todavia as Altas Partes contratantes (artigo 10.°) a adoptar as disposições necessarias, para que se tornem um facto as medidas que os varios artigos da presente Convenção encerram. Emquanto este fim não for obtido, restringe a Convenção, pelo artigo 5.°, a prohibição geral, tornando defeso apprehender ou matar essas aves, durante o periodo que vae de 1 de março a 15 de setembro de cada anno. Durante o mesmo tempo fica prohibida a venda e transito d'essas aves.

Este periodo, designado como tempo defeso, na sua applicação ás especies propriamente venatorias, varia nos

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diversos paizes, e em Portugal mesmo de concelho para concelho, e é regulado por legislações e posturas adequadas ás circumstancias locaes, no intuito da conservação das mesmas especies. Infelizmente não temos ainda esta parte tão bem regulada como era para desejar.

Pretendendo a actual Convenção internacional dar a maxima protecção ás aves uteis, era racional e logico estabelecer, como estabelece, a prohibição absoluta e completa de tirar ninhos e ovos, de capturar ninhadas, de os vender e transportar (artigo 2.°). Todavia quando estas aves construirem ninhos, dentro ou fora dos edificios, pode ser necessaria a sua destruição e como tal será permittida.

Pelo artigo 3.° fica absolutamente prohibida, como medida definitiva, a captura e a destruição collectiva das aves, por qualquer dos meios usados, sendo todavia tolerada provisoria e interinamente (artigo 4.°), mas de um modo decrescente, até que desappareça tão pernicioso abuso.

Fica apenas permittida a destruição das aves de caça comestiveis, por meio de armas de fogo (artigo 8.°) durante as epocas determinadas por lei.

A Convenção actual ainda previne, no artigo 7.°, o caso excepcionalissimo, de se tornar necessaria a captura das aves com o intuito scientifico, e bem assim no de repovoamento de varias especies de aves, em outras localidades distantes, o que todavia terá de ser precedido, em todos os casos, da respectiva licença concedida pelas auctoridades competentes.

Para completar o assumpto relativo ás aves uteis, convem dizer, que as disposições da Convenção não se referem ás aves de capoeira, nem ás de caça existentes em propriedades coutadas. Para estas ultimas fica estipulado o uso exclusivo das armas de fogo (artigo 8.°)

As aves da lista n.° 1 podem excepcionalmente tornar-se nocivas á agricultura, já pela sua superabundancia, já pelo motivo de haver uma cultura especial, que ellas possam prejudicar. A actual Convenção foi do previdente e cautelosa nas suas resoluções, que permitte (artigo 6.°) nestes casos a destruição das aves, mas nunca a sua exposição á venda, o que tem de ser precedido, sempre, da licença das auctoridades competentes.

Annexa á Convenção existe a lista n.º 2, a que já nos referimos, que é a das aves prejudiciaes á agricultura, á caça e á pesca. No artigo 9.ª se diz que pode esta lista ser substituida por outra official, formulada pela legislação do paiz.

Se na execução d'esta Convenção se suscitarem duvidas, resolver-se-hão em uma nova reunião internacional (artigo 12.°).

Fica a presente Convenção vigorando indefinidamente, mas se alguma das potencias signatarias a denunciar, só no fim de um anno e apenas para essa potencia, terá valor essa denunciação.

Pelo exposto, a vossa commissão dos negocios estrangeiros e internacionaes é de parecer, de acordo com o Governo, que a proposta de lei ministerial merece a vossa inteira approvação, e assim tem ella a honra de sujeitar ao vosso exame o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.° É approvada a fim de ser ratificada a Convenção assignada em Paris aos 19 de março de 1902 entre Portugal e outras nações, para a protecção das aves uteis á agricultura.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.

Sala das sessões da Camara dos Senhores Deputados, 29 de agosto de 1905. = Conde de Penha Garcia = José Augusto Moreira de Almeida = Silva Telles = José Simões de Oliveira Martins = Bernardo de Alpoim de Cerqueira Borges Cabral = Alfredo Pereira = Eduardo Valerio Augusto Villaca = A. R. Nogueira = Visconde do Ameal = Henrique Kendall = Alexandre de Almeida Garrett, relator.

N.º 5-D

Renovo a iniciativa da proposta de lei n.° l5-E, de 17 de abril de 1903, convertida no projecto de lei n.° 33, approvado por esta camara, e que lhe foi devolvido pela camara dos Dignos Pares, por ter caducado.

Sala das Sessões da camara dos Senhores Deputados, 27 de abril de 1905. = Antonio Eduardo Villaça.
N.º 33

Senhores. - Foi presente á vossa commissão de negocios estrangeiros e internacionaes a proposta de lei n.° l5-E, subscrita por S. Exa. o Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros, a qual importa a approvação, para os fins da sua ratificação, da Convenção assinada em Paris, em 19 de março de 1902, entre Portugal e outras nações para a protecção das aves uteis á agricultura.

Examinando detidamente a referida Convenção, vê-se que ella tende á protecção, não só das aves uteis á agricultura (artigos 1.°, 2.°, 3.°, 4.° e 5.°) mas tambem das aves de caça comestiveis, sendo a protecção extensiva aos ninhos, ovos e ninhadas (artigo 2.°).

A importancia de taes intuitos não pode ser desconhecida, mormente em Portugal, onde, infelizmente, a policia rural, e em especial da caça (como tambem a da pesca), deixam a desejar, resultando nos campos e rios manifesto empobrecimento de certas especies, quer de aves, quer de peixes.

No entretanto, é certo que disposições demasiadamente absolutas poderiam ter igualmente inconvenientes, mas estes acham-se tambem resalvados com justa ponderação do texto da Convenção.

Assim é que, em primeiro logar, ella exclue em varios pontos (artigos 1.°, 4.°, 5.°, 8.° e 9.°) toda a violencia á legislação vigente, respectiva a cada pais, estipulando precisamente no artigo 10.° o prazo de tres annos para se adoptarem as providencias tendentes a pô-la de acordo com as disposições da convenção. Por outra parte (artigos 2.°, 6.°. 7.°, 8.° e 9.°), restringe ella a protecção geral das aves, de forma que, em justa medida, os cultivadores se possam defender dentro das suas propriedades contra uma excessiva concorrencia de aves de qualquer natureza; que as autoridades competentes possam ter em consideração as capturas feitas para fins scientificos, repovoamento, e commercio das aves em gaiola; que as disposições da convenção não sejam applicadas ás aves de capoeira, ou de caça comestiveis, existentes nos terrenos legalmente contados para a caça; e que, finalmente, de conformidade com a legislação de cada país e os seus justos interesses, sejam na devida medida dispensadas as disposições da presente convenção quanto ás aves nocivas á agricultura local, á caça e á pesca.

No tocante aos meios para attingir os fins da Convenção, compendiam-se estes pela seguinte forma:

a) Prohibição de levantamento de ninhos e ovos, de captura e destruição de ninhadas, e bem assim do transito, transporte, venda ambulante, exposição á venda, compra e venda dos mesmos, salvo no tocante á sua destruição nos edificios e pateos das propriedades, e, excecionalmente, no que respeita a ovos de abide e de gaivota, especies que podem avultar perniciosamente, e cujos ninhos podem ser attingidos sem perigo de equivoco (artigo 2.°).

b) Prohibição de empregos de meios de captura ou destruição collectiva das aves (artigos 3.° e 4.°).

c) Prohibição (artigo 3.°), de 1 de março a 15 de setembro, de captura ou morte das aves uteis enumeradas em lista n.° l, annexa á Convenção, bem assim da venda e exposição das mesmas, e, quanto o permitia a legislação de cada país, da entrada, transito e transporte das mesmas aves (artigo 5.°).

Annexas á Convenção existem duas listas: a lista n.° l, que é de aves que a convenção reconheceu como geralmente uteis, mas que cada país, para seu uso, pode acres-

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contar (artigo 1.°); e a lista n.° 2, que é de aves geralmente reconhecidas como nocivas á agricultura, á pesca e á caça, mas que pode, para os effeitos da Convenção, ser substituida, em cada país, por qualquer outra lista official, estabelecida na respectiva legislação (artigo 9.°).

Finalmente, na mesma Convenção (artigo 12.°) se prevê que possa ser necessario uma nova reunião internacional para examinar qualquer difficuldade ou duvida suscitada na sua execução, e por outra parte, a cada potencia signataria fica resalvado o direito de, em qualquer occasião, libertar-se do acordo diplomatico (artigo 14.º), no prazo de um anno, pela sua opportuna denunciação.

Todos os termos, pois, da Convenção de 19 de março de 1902, e circunstancias ao seu objecto inherentes, concorrem para affirmar a vantagem da sua ratificação, pois o seu fim é de manifesta utilidade e as contingencias secundarias, que poderiam manifestar-se, estão judiciosa e efficazmente attendidas.

Pelo quê, a vossa commissão dos negocios estrangeiros e internacionaes é do parecer que a proposta de lei Ministerial merece inteira approvação, e assim tem ella a honra, de submetter ao vosso esclarecido criterio o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.° É approvada, a fim de ser ratificada, a Convenção assinada em Paris aos 19 de março de 1902, entre Portugal e outras nações, para a protecção das aves uteis á agricultura.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.

Sala das sessões da Camara dos Senhores Deputados, 6 de maio de 1903. - Marianno Cyrilo de Carvalho = A. Neves Carneiro = D. Luis de Castro = Manoel Fratel = Alvaro Possollo = Eusebio da Fonseca = Eduardo Burnay, relator.

N.° 15-E

Senhores.- Em satisfação ao voto formulado pelo congresso internacional de agricultura, reunido na Haya em 1891, realizou se em Paris em 1895 uma conferencia de delegados, de diversos paises com o fim de propor providencias de caracter convencional tendentes á protecção das aves uteis á agricultura.

Dos trabalhos d'essa conferencia resultou um projecto de convenção que, depois de modificado nalguns pontos por mutuo acordo entre os Estados signatarios, constitue o diploma que hoje tenho a honra de submetter ao vosso illustrado exame.

O peculiar objecto e alcance d'esta convenção está na enumeração das aves geral e incontestavelmente havidas como proficuas á cultura rural. São as constantes da lista n.° 1 annexa á Convenção.

Releva, porem, desde já notar que não é tão absoluta a protecção, assegurada pela presente Convenção a taes aves, que se torne defeso matá-las em qualquer tempo; porquanto do artigo 5.°, cuja primitiva redacção foi alterada sobre proposta do Conselho Federal Suisso, se vê que a prohibição se limita ao periodo de 1 de março a 15 de setembro.

Outras estipulações d'este acto diplomatico visam tambem á conservação das especies propriamente venatorias. E de um modo generico, se pode dizer que as providencias ahi estatuidas, consistindo essencialmente na prohibição de destruir ninhos, ovos e ninhadas, de empregar na caça armadilhas a outros processos que não tiro de arma de fogo, e na fixação de epocas de venda, tudo sem prejuizo dos direitos inherentes á propriedade territorial (artigos 2.°, 3.°, 4.°, 6. e 8.°), se harmonizam com os preceitos das leis portuguesas, completando-as num sentido conforme a provisão do artigo 394.° do Codigo Civil, salvo o principio de certa uniformidade que, de futuro (artigo 10.°), se substituirá vantajosamente á divergencia que ora offerecem no assunto as prescrições dos editaes e posturas das differentes autoridades districtaes e municipaes; uniformidade que já dois projectos de lei, de iniciativa parlamentar, intentaram estabelecer entre nós.

Por outro lado, não tolhe o presente acordo a liberdade de cada estado acautelar por modo especial os interesses dos reinicolas, concedendo, por via legislativa ou administrativa, dispensas, excepcionaes ou temporarias, na observancia das disposições convencionadas, e podendo additar a lista (n.º 1) das aves uteis, bem como restringir ou ampliar a lista (n.° 2) das aves reputadas nocivas; quer á agricultura, quer á caça ou á pesca (artigos 1.°, 6.°, 7.° e 9.°), e como taes excluidas dos beneficios da mesma Convenção.

Em conclusão do que deixo ponderado e do que mais detidamente podereis colher da leitura dos documentos que vos serão presentes, espero vos digneis approvar a seguinte proposta de lei:

Artigo l.° É approvada, a fim de ser ratificada, a Convenção assinada em Paris aos 19 de março de 1902 entre Portugal e outras nações, para a protecção das aves uteis á agricultura.

Art. 2.º Fica revogada a legislação em contrario.

Secretaria de Estado dos Negocios Estrangeiros, aos 17 de abril de 1903, = Wenceslau de Sousa Pereira Lima.

Convenção para a protecção das aves uteis á agricultura

Sua Majestade o Rei de Portugal e dos Algarves, Sua Majestade o Imperador da Allemanha, Rei da Prussia, em nome do Imperio Allemão, Sua Majestade o Imperador da Austria, Rei da Bohemia, etc., e Rei Apostolico da Hungria, deliberando igualmente em nome de Sua Alteza o Principe de Lichtenstein, Sua Majestade o Rei dos Belgas, Sua Majestade o Rei de Espanha, e, em seu nome, Sua Majestade a Rainha Regente do Reino, o Presidente da Republica Francesa, Sua Majestade o Rei dos Hellenos, Sua Alteza Real o Grão-Duque de Luxemburgo, Sua Alteza Serenissima o Príicipe de Monaco, Sua Majestade o Rei da Suecia e da Noruega, em nome da Suecia, e o Conselho Federal Suisso, reconhecendo a opportunidade de uma acção commum nos diversos paises para a conservação das aves uteis á agricultura, resolveram concluir uma convenção para este fim, e nomearam por seus Plenipotenciarios, a saber:

Sua Majestade o Rei de Portugal e dos Algarves: O Sr. T. de Sousa Rosa, Seu Enviado Extraordinario e Ministro Plenipotenciario junto do Presidente da Republica Francesa;

Sua Majestade o Imperador da Allemanha, Rei da Prussia:

Sua Alteza Serenissima o Principe de Radolin, Seu Embaixador Extraordinario e Plenipotenciario junto do Presidente da Republica Francesa;

Sua Majestade o Imperador da Austria, Rei da Bohemia, etc., e Rei Apostolico da Hungria:

S. Exa. o Conde de Wolkenstein Trotsburg, Seu Embaixador Extraordinario e Plenipotenciario junto do Presidente da Republica Francesa;

Sua Majestade o Rei dos Belgas:

O Sr. Barão d'Anethan, Seu Enviado Extraordinario e Ministro Plenipotenciario junto do Presidente da Republica Francesa;

Sua Majestade o Rei de Espanha, e em seu nome, Sua Majestade a Rainha Regente do Reino:

S. Exa. o Sr. Leon y Castillo, Marquês do Muni, Seu Embaixador Extraordinario e Plenipotenciario junto do Presidente da Republica Francesa;

O Presidente da Republica Francesa:

S. Exa. o Sr. Théophile Delcassé, Deputado, Ministro dos Negocios Estrangeiros;

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Sua Majestade o Rei dos Hellenos:

O Sr. N. Delyanni, Seu Enviado extraordinario e Ministro Plenipotenciario junto do Presidente da Republica Francesa;

Sua Alteza Real o Grão Duque de Luxemburgo:

O Sr. Vannerus, Encarregado de Negocios do Luxemburgo em Paris;

Sua Alteza Serenissima o Principe de Monaco:

O Sr. J. B. Depelley, Encarregado de Negocios de Monaco em Paris;

Sua Majestade o Rei da Suecia e da Noruega, em nome da Suecia:

O Sr. H. Akerman, seu Enviado Extraordinario e Ministro Plenipotenciario junto do Presidente da Republica Francesa;

E o Conselho Federal Suisso:

O Sr. Charles Lardy, Enviado Extraordinario e Ministro Plenipotenciario da Confederação Suissa junto do Presidente da Republica Francesa;

Os quaes, depois de se haverem communicado os seus plenos poderes, que acharam em boa e devida forma, convieram nos artigos seguintes:

ARTIGO 1.°

As aves uteis á agricultura, especialmente as insectivoras e nomeadamente as aves enumeradas na lista n.° l, annexa á presente Convenção, lista que será susceptivel de additamentos em conformidade da legislação de cada pais, gozarão de uma protecção absoluta, de modo que seja prohibido matá-las em qualquer tempo e de qualquer forma, destruir-lhes os ninhos, ovos e ninhadas.

Emquanto este resultado, no seu conjunto, não for attingido em todos os paises, as Altas Partes Contratantes obrigam-se a adoptar ou propor aos respectivos corpos legislativos as disposições necessarias para assegurar a execução das medidas comprehendidas nos artigos subsequentes.

ARTIGO 2.°

Será prohibido levantar os ninhos, tirar os ovos, capturar e destruir as ninhadas em qualquer tempo e por quaesquer meios.

Serão prohibidos a importação e o transito, o transporte, a venda ambulante, a exposição á venda, a compra e venda d'esses ninhos, ovos e ninhadas.

Esta prohibição não se estenderá á destruição, pelo proprietario, usufrutuario, ou mandatario d'estes, dos ninhos que aves tiverem construido no interior ou exterior das casas de habitação ou dos edificios em geral ou dentro nos pateos.

Poderão ainda, a titulo de excepção, ser derogadas as disposições do presente artigo pelo que respeita aos ovos de abibe e de gaivota.

ARTIGO 3.º

Serão prohibidos a collocação e o emprego das armadilhas, gaiolas, redes, alçapés, varas enviscadas, e de todos e quaesquer outros meios que tiverem por effeito facilitar a captura ou destruição collectiva das aves.

ARTIGO 4.º

No caso de se não acharem habilitadas a applicar immediata e integralmente as disposições prohibitivas do artigo precedente, poderão as Altas Partes Contratantes attenuar, no que julgarem necessario, as ditas prohibições; obrigando-se comtudo a restringir o emprego dos methodos, engenhos e meios de captura e destruição, de modo a conseguir, pouco a pouco, tornar effectivas as medidas de protecção mencionadas no artigo 3.°

ARTIGO 5.º

Alem das prohibições geraes formuladas no artigo 3.°, é defeso apprehender ou matar, de 1 de março a 15 de setembro de cada anno, as aves uteis enumeradas na lista n.º 1 annexa á Convenção.

Durante a mesma epoca serão igualmente prohibidas a venda e a exposição á venda das referidas aves.

As Altas Partes Contratantes obrigam-se, na medida em que lho permittir a respectiva legislação, a prohibir a entrada e o transito das sobreditas aves e o seu transporte, de 1 de março a 15 de setembro.

O espaço da prohibição prevista no presente artigo poderá todavia ser modificado nos paises septentrionaes.

ARTIGO 6.º

As autoridades competentes poderão excepcionalmente conceder aos proprietarios ou cultivadores de vinhedos, pomares e jardins, de viveiros, de campos em que houver plantações ou sementeiras, bem como aos agentes encarregados da sua vigilancia, o direito temporario de disparar armas de fogo contra as aves cuja presença for nociva ou causar real prejuizo.

Ficará todavia prohibido expor á venda e vender as aves mortas nestas condições.

ARTIGO 7.°

Com um intuito scientifico ou de repovoamento poderão as autoridades competentes dispensar nas disposições d'esta Convenção, conforme os casos, e adoptando todas as precauções necessarias para evitar os abusos.

Medeante as mesmas condições de precaução, poderão ser tambem permittidas a captura, a venda e a detenção das aves destinadas a ser recolhidas em gaiola. As licenças deverão ser concedidas pelas autoridades competentes.

ARTIGO 8.º

As disposições da presente Convenção não serão applicaveis ás aves de capoeira nem ás aves de caça comestiveis existentes nos terrenos coutados para a caça e como taes designadas pela legislação do país.

Em toda a outra parte a destruição das aves de caça comestiveis não será autorizada senão por meio de armas de fogo e nas epocas determinadas por lei.

São convidados os Estados Contratantes a prohibir a venda, o transporte e o transito das aves comestiveis cuja caça é defesa nos seus territorios, durante o periodo d'esta prohibição.

ARTIGO 9.°

Cada uma das Altas Partes Contratantes poderá dispensar nas disposições da presente Convenção:

1.° Quanto ás aves que a legislação do país permitte alvejar ou matar como nocivas á caça ou á pesca;

2.° Quanto ás aves que a legislação do paiz houver designado como nocivas á agricultura local.

Na falta de lista official formulada pela legislação do paiz, applicar-se-ha o n.° 2.° do presente artigo ás aves designadas na lista n.° 2, annexa á presente Convenção.

ARTIGO 10.º

As Altas Partes Contratantes adoptarão as providencias tendentes a pôr a sua legislação de acordo com as disposições da presente Convenção num prazo de tres annos a contar do dia da assignatura da Convenção.

ARTIGO 11.º

As Altas Partes Contratantes communicar-se-hão, por intermedio do Governo Francês, as leis e as decisões administrativas que tiverem sido já promulgadas ou que o vierem a ser nos seus Estados, relativamente ao objecto da presente Convenção.

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ARTIGO 12.º

Quando assim for julgado necessario, as Altas Partes Contratantes far-se-hão representar numa reunião internacional encarregada de examinar as questões que suscitar a execução da Convenção e de propor as modificações cuja utilidade houver sido demonstrada pela experiencia.

ARTIGO 13.º

São admittidos, a seu pedido, a adherir á presente Convenção os Estados que nella não tomaram parte. Essa adhesão será notificada pela via diplomatica ao Governo da Republica Francesa e por este aos demais Governos signatarios.

ARTIGO 14.º

A presente Convenção entrará em vigor no prazo maximo de um anno a datar do dia da troca das ratificações. Continuará vigorando indefinidamente entre todas as Potencias signatarias. No caso de uma d'ellas denunciar a Convenção, essa denunciação terá valor somente a seu respeito, e um anno depois do dia em que for notificada aos outros Estados Contratantes.

ARTIGO 15.º

A presente Convenção será ratificada, e as ratificações trocadas em Paris no mais breve prazo possivel.

ARTIGO 10.º

A disposição da segunda alinea do artigo 8.° da presente Convenção poderá excepcionalmente deixar de ser applicada ás provincias septentrionaes da Suecia, em razão das condições climatologicas de todo especiaes em que se encontram.

Em firmeza do que, os Plenipotenciarios respectivos a assinaram e lhe apuseram os seus sinetes. Feito em Paris, aos 19 de março de 1902.

(L. S.) T. de Sousa Rosa.
(L. S.) Radolin.

Pela Austria e pela Hungria - O Embaixador da Austria-Hungria:
(L. S.) A. Wolkenstein.
(L. S.) Baron d'Anethan.
(L. S.) F. de Leon y Castillo.
(L. S.) Delcassé.
(L. S.) N. S. Delyanni.
(L. S.) Vannerus.
(L. S.) J. Depelley.
(L. S.) Akerman.
(L. S.) Lardy.

Troducção conforme. -Direcção Geral dos Negocios Commerciaes e Consulares, aos 17 de abril de 1903. = O Sub-Director, A. F. Rodrigues Lima.

LISTA N.º 1

Aves uteis

Rapaces nocturnas:
Mochos (Atheus, Glaucidium).
Corujas fuscalvas (Sumia).
Carujas de mato (Syrnium).
Coruja das torres (Strix flammea L.)
Mochos (Otus).
Mochos pequenos (Scops giu Scop.)

Trepadoras:
Petos e picapaus (Picus, Gecinus., etc.), todas as especies.

Syndactylas:
Rollieiro (Coracias garrula L.)
Melharucos (Merops}.

Passaros-communs:
Poupa (Upupa epops).
Atrepas, trepadeiras e carrapitos (Certhia, Tichodroma, Sitta).
Gaivões (Cypselus).
Noitibós (Caprimulgus).
Rouxinoes (Luscinia).
Piscos de peito azul (Cyanecula).
Rabiruivos (Ruticilla).
Piscos de peito ruivo (Rubecula).
Cartaxos e caiadas (Pratincola e Saxicola).
Negrinhas (Accentor).
Toutinegras de todas as variedades, taes como: Toutinegras reaes (Sylvia). Toutinegras de vallados (Curruca).
Felorias (Hypolais).
Toutinegras aquaticas, rouxinoes dos paues e dos caniços (Acrocephalus, Calamodyta, Locustella, etc).
Chineras (Cisticola).
Folosas (Phylloscopus).
Èstrellinhas e carriças (Regulus e Troglodytes).
Chapins de todas as variedades (Parus, Panurus, Orites, etc.)
Taralhões ou papa-moscas (Muscicapa).
Andorinhas de todas as variedades (Hirundo, Chelidon, Cotyle).
Lavandicas e alveloas (Motacilla, Budytes).
Petinhas (Anthus, Corydala).
Trinca nozes ou cruza-bicos (Loxia).
Verdelhões e chamarizes (Citrinella e Serinus).
Pintasilgos e lugres (Carduelis e Chrysomitris).
Estorninhos e graculinas ou grilleiras (Sturnus,Pastor, etc.)

Pernaltas:
Cegonhas brancas e negras (Ciconia).

LISTA N.° 2

Aves nocivas

Rapaces diurnas:
Gypaeto ou brita-ossos (Gypaetus barbatus L.)
Aguias (Aquila, Nisaetus); todas as especies.
Pygargos (Haliaetas); todas as especies.
Aguias pesqueiras (Pandion halistus).
Milhafres ou milhanos (Milvus, Elanus, Nauclerus}; todas as especies.
Falcões: gerifaltes, nebris, tagarotes, esmerilhões (Falco); todas as especies, excepto falcões vespertinos, francelho e peneireiro.
Açor (Astur palumbarius L.)
Gaviões (Accipiter).
Tartaranhões (Circus).

Rapaces nocturnas:
Bufo ou corujão (Bubo maximus Flem.)

Passaros communs:
Corvo (Corvus corax L.)
Pega (Pica rustica Scop.)
Gaio (Garrulos glandarius L.)

Pernaltas:
Garça real e garça ruiva (Ardea).
Abetouros e gorazes (Bautorus e Nycticorax).

Palmipedes:
Pelicano (Pelecanus).
Corvos marinhos (Phalacrocorax ou Graculus).
Mergansos (Mergus).
Mergulhões (Colymbus).

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SESSÃO N.º 27 DE 6 DE SETEMBRO DE 1905 15

O Sr. Presidente: - Está em discussão o artigo 1.º

Como ninguem pedisse a palavra, foi posto á votação e approvado.

O Sr. Presidente: - Vae ler-se o artigo 2.°

Lido na mesa, é approvado sem discussão.

O Sr. Presidente: - Vae ler-se para entrar em discussão outro projecto de lei.

Leu-se. É o seguinte:

PROJECTO DE LEI N.° 12

Senhores.- A commissão de negocios internacionaes e estrangeiros foi presente a proposta de lei n.° 5-V, do actual Ministro e Secretario de Estado dos Negocios Estrangeiros, que renova a iniciativa da proposta de lei n.° l5-D, de 17 de abril de 1903.

Esta ultima proposta foi convertida no projecto de lei n.° 29, apresentado á Camara dos Senhores Deputados, na sessão legislativa do mesmo anno. Tendo sido dissolvida essa Camara, caducou, consequentemente, esse projecto, que agora, é novamente submettido á vossa apreciação.

O relatorio que precede a referida proposta de lei n.° 15-D, e, bem assim, o que acompanha o projecto de lei n.° 29 são tão lucidos e claros que nenhum motivo ha para estar aqui a reproduzir o que nelles, tão proficientemente, foi exposto.

Nestes termos é a commissão de parecer, de acordo com o Governo, que merece a vossa approvação o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.° São approvadas, para ser ratificadas, as tres convenções assignadas em Haya aos 12 de dezembro de 1902, entre Portugal e outras nações, a fim de regular os conflictos de leis em materia de casamento, os conflictos de leis e de jurisdicção em materia de divorcio e separação de pessoas, e a tutela de menores.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.

Sala das sessões da commissão de negocios externos, 28 de agosto de 1905. = Alfredo Pereira = Conde de Penha Garcia - Silva Telles = Eduardo Valeria Augusto Villaça = Alexandre de Almeida Garrett = José Augusto Moreira de Almeida = José Simões de Oliveira Martins = Bernardo de Alpoim de Cerqueira Borges Cabral = Visconde do Ameal = Henrique Kendall, relator.

N.º 5-C

Renovo a iniciativa da proposta de lei n.° l5-D, de 17 de abril de 1903, convertida em projecto de lei n.° 29.

Sala das sessões da Camara dos Senhores Deputados, em 27 de abril de 1905. = Antonio Eduardo Villaça.

N.º 29

Senhores. - Supprimidas com a viação accelerada as distancias, e vencida assim a difficuldade das communicações, surgiu e desenvolveu-se intensamente a communhão de vida, de interesses e de ideias, que acabou por annullar os obstaculos e debellar os preconceitos que durante seculos separaram os povos.

D'ahi adveiu a necessidade crescente de uniformizar, quanto possivel, os preceitos do direito, que deviam reger as relações juridicas, os contratos e actos civis entre individuos de differentes nações, a ponto de isto se manifestar positivamente como tendencia moderna do direito universalmente reconhecida.

Nas conferencias, reunidas na Haya em 1893, 1894 e 1900, procurou-se já a resolução de varios conflictos de leis, tanto na parte objectiva dos direitos, como na relativa ás competencias e jurisdicção, nos dominios do direito internacional privado.

Das primeiras conferencias resultaram a convenção internacional de 14 de novembro de 1896 e respectivo protocollo addicional de 22 de maio de 1897, approvados por lei de 7 de julho de 1899, ratificados pela carta regia de 28 d'este mesmo mês e anno.

Estes actos diplomaticos regularam a forma das noticificações e rogatorias, as condições da assistencia publica e consagraram o principio, já decretando entre nós por lei de 20 de junho de 1774, abolindo a prisão por dividas.

Na conferencia de 1900 discutiram-se quatro projectos de convenções, relativas ao casamento, ao divorcio e separação de pessoas, á tutela dos menores e ás successões e doações causa mortis.

As tres primeiras foram assinadas em 12 de junho do anno findo; a quarta foi addiada para ulterior exame.

As tres convenções, ora submettidas ao nosso exame, tendem a estabelecer regras de direito applicaveis em todo o territorio europeu dos Estados signatarios e no intuito de uniformizar, quanto possivel, as relações de familia.

Relativamente ao casamento estabeleceu-se que, em regra, o direito de contrahir nupcias seja regido pela lei nacional dos conjugues, reconhecendo-se somente como impedimentos os que essa lei preceitue, por motivos de parentesco, por antecedentes de ordem criminal, etc., declarando-se que os impedimentos de ordem religiosa só prevalecem no territorio onde houver sido promulgada a lei que os estatuiu.

Quanto á forma, ou o casamento seja celebrado pelas autoridades locaes ou pelos agentes que representam o pais dos contrahentes, fica novamente consagrada a já conhecida maximo - locus regit actum.

A circunstancia de nalguns paises se exigir a celebração segundo certo rito religioso, deixará livre, todavia, a esses paises o não reconhecer nelles a validade do casamento celebrado pelos seus nacionaes no estrangeiro com inobservancia d'esse preceito.

As prescrições da lei nacional sobre materia de publicações devem ser respeitadas; mas a falta d'essas publicações não importará nullidade nos demais paises, e apenas naquelle cuja lei foi assim violada.

Uma copia autentica do acto de casamento será enviada ás autoridades do país de cada um dos nubentes.

Esta doutrina é a consignada no nosso Codigo Civil, o qual estabelece no artigo 24.° que a forma externa dos actos será regida pela lei do país onde forem celebrados, salvos os casos em que a lei expressamente ordenar o contrario.

O principio -locus regit actum - foi, como é sabido, sempre considerado como o mais util do direito internacional privado, evitando enormes difficuldades na celebração de contratos sob o imperio de leis diversas e impedindo que os actos praticados de boa fé sejam facilmente annullados, sem culpa das partes e até estando estas na quasi completa impossibilidade de conhecerem as formas prescritas nas leis de differentes paises e localidades. Por isso tambem o Codigo Civil Português onde se exararam, como é sabido, verdadeiros principios de direito internacional privado, consagrou no artigo 2430.° o principio de que os documentos autenticos passados em país estrangeiro, na conformidade da lei d'esse pais, farão prova plena neste reino, como o fariam documentos da mesma natureza exarados ou expedidos nelles; e ainda o nosso no artigo 1085.°, quanto á prova em Portugal dos casamentos celebrados no estrangeiro, respeitou o mesmo principio.

Nos termos da segunda convenção, os conjugues não poderão intentar acção de divorcio, ou de separação, senão quando a sua lei nacional e a lei do logar em que a acção for intentada admittirem uma ou outra.

Também se determina na referida convenção a compe-

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tencia e jurisdicção, e se preveniu o respeito por formalidades de processo, reputadas essenciaes na lei nacional.

Na terceira convenção consigna-se o principio de que a tutela do menor, residente em país estrangeiro, seja regulada pela sua lei nacional, devendo o respectivo agente diplomatico ou consular, competentemente autorizado, prover á constituição da tutela, se não estiver organizada, em conformidade das leis do pais do menor e se a isso não obstar o direito publico do Estado da residencia do mesmo.

A lei local é aqui meramente subsidiaria.

Esta é a summula das convenções, cuja approvação vos é proposta, e que representa as tendencias modernas do direito.

Ratificadas estas, entrarão em vigor, ao fim de 60 dias, a contar d'esse acto, e vigorarão os seus preceitos pelo espaço de cinco annos; mas não sendo denunciadas, as convenções considerar-se-hão renovadas, successivamente por periodos de cinco annos.

O estudo e o trabalho da conferencia de 1900 foram por muitos titulos interessantes; e merecem ser lidas as eruditas reflexões apresentadas por muitos dos illustres representantes dos Estados signatarios.

A commissão organizadora do projecto da convenção deu provas de altissima competencia, salientando-se de uma forma notavel o delegado da Allemanha, Sr. Kriege, e o sabio jurisconsulto francês, Mr. Renault, presidente e relator d'aquella commissão.

O Codigo Civil Português, como já se disse, contém verdadeiros preceitos de direito internacional privado, mas faltava-lhe o caracter de lei internacional, o que só um tratado pode dar. É esta falta que o presente projecto em grande parte vem preencher.

A vossa commissão de negocios externos, havendo pois examinado com a maxima attenção a proposta apresentada pelo illustre Ministro dos Negocios Estrangeiros, é de parecer que ella deve ser approvada, representando, como de facto representa, um valiosissimo progresso em tão importantes capitulos de direito, pondo termo a gravissimos inconvenientes e conflictos de legislação, e fixando com elevado criterio a certeza dos direitos individuaes. Por isso tem a honra de submetter á vossa apreciação o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.° São approvadas, para serem ratificadas, as tres convenções assinadas em Haya, aos 12 de junho de 1902, entre Portugal e outras nações, a fim de regular os conflictos de leis em materia de casamento, os conflictos de leis e de jurisdicção em materia de divorcio e de separação de pessoas, e a tutela de menores.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario. = Marianno de Carvalho = Manoel Fratel = J. M. Pereira de Lima = Alvaro Possollo = Eusebio da Fonseca = D. Luiz de Castro = Luiz Gonzaga dos Reis Torgal, relator.

N.° 15-D

Senhores. - Varios assuntos de direito internacional privado teem sido versados nas conferencias reunidas na Haya, em 1893, 1894 e 1900, com o fim de preparar e propor a resolução, por via convencional, de conflictos de leis e de jurisdicções, que não raro surgem nas relações civis e commerciaes entre individuos de diversa nacionalidade.

Das primeiras conferencias resultaram a convenção internacional de 14 de novembro de 1896 e respectivo protocollo addicional de 22 de maio de 1897, approvados por lei de 7 de julho de 1898, ratificados pela carta regia de 28 d'este mesmo mês e anno, e em vigor desde 25 de maio de 1899; actos diplomaticos referentes á forma e tramites das notificações e rogatorias, ás custas de processo, ás condições da assistencia judiciaria, e, finalmente, á prisão por dividas, que aliás Portugal, entre todas as nações, foi a primeira a abolir (lei de 20 de junho de 1774), e a respeito da qual simplesmente se estipulou que não pudesse ser imposta aos cidadãos de um dos Estados contratantes no territorio de outro, fora dos casos em que a ella estivessem sujeitos os nacionaes.

A conferencia de 1900 submetteu á deliberação dos Governos ali representados quatro projectos de convenções, relativas ao casamento, ao divorcio e á separação de pessoas, á tutela de menores, é ás successões, testamentos e doações causa mortis; das quaes foram assinadas, era 12 de junho ultimo, as tres primeiras; tendo ficado a quarta para ulterior exame da conferencia que se ha de reunir no corrente anno.

Tendem as tres convenções, de que ora se trata, a estabelecer um liame internacional para as relações de familia, firmando regras de direito que lhes serão applicaveis em todo o territorio europeu dos estados signatarios.

Assim, pelo que respeita á primeira das citadas convenções, assenta-se, em principio, que o direito de contrahir matrimonio será regido pela lei nacional dos futuros conjuges, reconhecendo-se somente o caracter de impedientes ás restricções que a lei local possa oppor, já por motivos de parentesco, já por antecedentes de ordem criminal, etc.; e declara-se que os impedimentos do indole religiosa não serão attendidos fora do territorio onde houver sido promulgada a lei que os estatuiu.

Quanto á forma do contrato matrimonial, consagrado fica o brocardo locus regit actum, salvo duas excepções: o direito de não terem por valido o matrimonio civil dos seus nacionaes os Estados que não admittam este modo de celebração, e a faculdade de procederem segundo as formalidades prescritas na respectiva legislação os agentes diplomaticos ou consulares perante os quaes se consorciem pessoas de nacionalidade estranha á do país onde taes agentes exercem as suas funcções.

Nos termos da segunda convenção somente poderá a acção de divorcio ou de separação de pessoas ser proposta quando, no caso de que se tratar, admittirem tanto a lei nacional como a lex fori.

Para a propositura e julgamento de semelhantes causas determina-se a competencia da jurisdição nacional e da jurisdição do domicilio, tendo-se esta sempre por competente para as providencias de natureza provisoria e prescrevendo-se que, no caso de os cônjuges terem cada qual o seu domicilio, prevaleça a regra: actor sequitur forum rei.

Pelo que se refere ao reconhecimento da sentença de divorcio ou de separação de pessoas, proferida por tribunal estrangeiro, foi especialmente acautelado, na previsão de o processo correr á revelia, o cumprimento das formalidades exigidas pela lei nacional para a citação do reu.

Finalmente, cifram-se as estipulações da terceira convenção em preceituar que seja regida pela lei nacional a tutela do menor que tiver no estrangeiro o seu domicilio ou residencia habitual, salvo o recurso á lei local, como meramente subsidiaria.

Taes são, em rapido summario, as clausulas pactuadas, cujos fundamentos e genese melhor podereis apreciar pela leitura das actas e documentos que mando para a mesa.

Elaboradas por jurisconsultos de reputação universal, como Asser, Martens, Pierantoni, Renault e outros não menos distinctos, foram essas clausulas objecto de ponderado exame da Procuradoria Geral da Coroa e Fazenda, que aconselhou o Governo a autorizar a assinatura dos tres diplomas que hoje tenho a honra de submetter ao vosso, esclarecido criterio e deliberação, por meio da seguinte proposta de lei:

Artigo 1.° São approvadas, para serem ratificadas, as tres convenções assinadas em Haya, aos 12 de junho de 1902, entre Portugal e outras nações, a fim de regular os conflictos de leis em materia de casamento, os conflictos de leis e de jurisdições em materia de divorcio e de separação de pessoas, e a tutela de menores.

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SESSÃO N.° 27 DE 6 DE SETEMBRO DE 1905 17

Art. 2.º Fica revogada a legislação em contrario.

Secretaria de Estado dos Negocios Estrangeiros, aos 17 de abril de 1903. = Wenceslau de Sousa Pereira Lima.

Convençao para regular os conflictos em materia de casamento

Sua Majestade o Imperador da Allemanha, Rei da Prussia, em nome do Imperio Allemão, Sua Majestade o Imperador da Austria, Rei da Bohemia, etc., etc., e Rei Apostolico da Hungria, Sua Majestade o Rei dos Belgas, Sua Majestade o Rei de Espanha, o Presidente da Republica Francesa, Sua Majestade o Rei de Italia, Sua Alteza Real o Grão-Duque de Luxemburgo, Duque de Nassau, Sua Majestade a Rainha dos Paises Baixos, Sua Majestade o Rei de Portugal e dos Algarves, etc., etc., Sua Majestade o Rei da Romania, Sua Majestade o Rei da Suecia e da Noruega, em nome da Suecia, e o Conselho Federal Suisso:

Desejando estabelecer disposições communs para regular os conflictos de leis concernentes ás condições de validade do casamento;

Resolveram concluir uma convenção para este fim, e nomearam por seus plenipotenciarios, a saber:
Sua Majestade o Imperador da Allemanha, Rei da Prussia, em nome do Imperio Allemão:

Os Sr. Condes de Pourtalès, seu enviado Extraordinario e Ministro Plenipotenciario junto de Sua Majestade a Rainha dos Paises Baixos, Dr. Hermann Dungs, seu Conselheiro Superior Intimo de Regencia e Dr. Johannes Kriege, seu Conselheiro Intimo de Legação;

Sua Majestade o Imperador da Austria, Rei da Bohemia, etc., etc., e Rei Apostolico da Hungria:
O Sr. Okolicsányi d'0koliesna, seu Enviado Extraordinario e Ministro Plenipotenciario junto de Sua Majestade a Rainha dos Paises Baixos;

Sua Majestade o Rei dos Belgas:
Os Srs. Conde de Grelle Rogier, seu Enviado Extraordinario e Ministro Plenipotenciario junto de Sua Majestade a Rainha dos Paises Baixos, e Alfred van den Bulcke, seu Enviado Extraordinario e Ministro Plenipotenciario, Director Geral no Ministerio dos Negocios Estrangeiros;

Sua Majestade o Rei de Espanha:
O Sr. Carlos Crespi de Valldanza e Fortuny, seu Encarregado de Negocios interino na Haya;

O Presidente da Republica Francesa:
Os Srs. de Monbel, Enviado Extraordinario e Ministro Plenipotenciario da Republica Francesa junto de Sua Majestade a Rainha dos Paises Baixos, e Louis Renault, Professor de Direito Internacional na Universidade de Paris, Jurisconsulto do Ministerio dos Negocios Estrangeiros;

Sua Majestade o Rei de Italia:
O Sr. Salvatore Tugini, seu Enviado Extraordinario e Ministro Plenipotenciario junto de Sua Majestade a Rainha dos Paises Baixos;

Sua Alteza Real o Grão-Duque de Luxemburgo, Duque de Nassau:
O Sr. Conde de Villers, seu Encarregado de Negocios em Berlim;

Sua Majestade a Rainha dos Paises Baixos:
Os Srs. Barão R. Melvil de Lynden, seu Ministro dos Negocios Estrangeiros, J. A. Loeff, seu Ministro da Justiça, e T. M. C. Asser, Membro do Conselho de Estado, Presidente da Commissão Real de Direito Internacional Privado, Presidente das Conferencias de Direito Internacional Privado;

ua Majestade o Rei de Portugal e dos Algarves, etc., etc.:
O Sr. Conde de Selir, seu Enviado Extraordinario e Ministro Plenipotenciario junto de Sua Majestade a Rainha dos Paises Baixos;

Sua Majestade o Rei da Romania:
O Sr. Jean íf. Papiniu, seu Enviado Extraordinario e Ministro Plenipotenciario junto de Sua Majestade a Rainha dos Paises Baixos;

Sua Majestade o Rei da Suecia e da Noruega, em nome da Suecia:
O Sr. Conde de Wrangel, sou Enviado Extraordinario e Ministro Plenipotenciario junto de Sua Majestade a Rainha dos Paises Baixos; e

O Conselho Federal Suisso:
O Sr. Ferdinand Kock, Vice-Consul da Confederação Suissa em Rotterdam;

Os quaes, depois de se haverem communicado os seus plenos poderes, achados em boa e devida forma, convieram nas disposições seguintes:

ARTIGO 1.º

O direito de contrahir casamento é regulado pela lei nacional de cada um dos futuros conjuges, a menos que uma disposição d'essa lei se não refira expressamente a outra lei.

ARTIGO 2.º

A lei do logar da celebração pode prohibir o casamento dos estrangeiros que for contrario ás suas disposições referentes:

1.° Aos graus de parentesco ou affinidade, para os quaes houver absoluta prohibição;

2.° Á prohibição absoluta de se casarem os culpados de adulterio, por effeito do qual tiver sido dissolvido o casamento de um d'elles;

3.° Á prohibição absoluta de se casarem pessoas condemnadas por terem, de commum acordo, attentado contra a vida do conjuge de uma d'ellas.

O casamento celebrado em contravenção de qualquer das prohibições supramencionadas não incorrerá em nullidade, comtanto que seja valido segundo a lei a que se refere o artigo 1.°

Sob a reserva da applicação da primeira alinea do artigo 6.° da presente convenção, nenhum Estado contratante se obriga a fazer celebrar um casamento que, em razão de casamento anterior ou de obstaculo de ordem religiosa, for contrario ás suas leis. A violação de um impedimento d'esta natureza não poderá produzir a nullidade do casamento noutros paizes que não aquelle em que o casamento houver sido celebrado.

ARTIGO.3.º

A lei do logar da celebração pode permittir o casamento dos estrangeiros sem embargo das prohibições da lei a que se refere o artigo 1.°, quando essas prohibições forem exclusivamente fundadas em motivo de ordem religiosa.

Os outros Estados, teem o direito de não reconhecer como valido o casamento celebrado nestas circunstancias.

ARTIGO 4.º

Para o seu casamento, devem os estrangeiros provar que satisfazem ás condições necessarias segundo a lei a que se refere o artigo 1.°

Esta justificação far-se-ha, ou mediante o certificado dos agentes diplomaticos ou consulares autorizados pelo Estado na nacionalidade dos contrahentes, ou por outro qualquer meio de prova, comtanto que as convenções internacionaes ou as autoridades do país da celebração reconheçam como sufficiente a justificação.

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ARTIGO 5.°

Será, em toda a parte, reconhecido como valido, quanto á forma, o casamento celebrado segundo a lei do país onde se houver effectuado.

Fica todavia entendido que os paises cuja legislação exige uma celebração religiosa poderão deixar de reconhecer como valido os casamentos contrahidos pelos seus nacionaes no estrangeiro, com inobservancia d'esse preceito.

Deverão ser respeitadas as disposições da lei nacional em materia de publicações; mais a falta d'estas não poderá produzir a nullidade do casamento noutros paises alem d'aquelle cuja lei tiver sido violada.

Uma copia autentica do assento de casamento será transmittida ás autoridades do país de cada um dos conjuges.

ARTIGO 6.º

Será em toda a parte reconhecido como valido, quanto á forma, o casamento celebrado perante um agente diplomatico ou consular, em conformidade da sua legislação, se nenhum dos contrahentes for nacional do Estado em que o casamento houver sido celebrado, e se esse Estado a tal se não oppuser. Não poderá oppor-se-lhe, tratando-se de casamento que, em razão de casamento anterior ou de impedimento de ordem religiosa, for contrario ás suas leis.

A reserva da segunda alinea do artigo 5.° é applicavel aos casamentos diplomaticos ou consulares.

ARTIGO 7.º

O casamento, nullo quanto á forma no pais onde tiver sido celebrado, poderá comtudo ser reconhecido como valido nos demais paises, se tiver sido observada a forma prescrita pela lei nacional de cada uma das partes.

ARTIGO 8.°

A presente Convenção não se applica senão aos casamentos celebrados no territorio dos Estados contratantes entre pessoas das quaes uma, pelo menos, seja nacional de um d'estes Estados.

Nenhum Estado se obriga, pela presente Convenção, a applicar lei que não seja a de um Estado contratante.

ARTIGO 9.º

A presente Convenção, applicavel somente aos territorios europeus dos Estados contratantes, será ratificada e as respectivas ratificações depositadas na Haya, logo que a maioria das Altas Partes contratantes para tanto se achem habilitadas.

D'esse deposito será lavrada acta, de que, pela via diplomatica, será entregue a cada um dos Estados contratantes uma copia autentica.

ARTIGO 10.°

Os Estados não signatarios que estiverem representados na terceira Conferencia de Direito Internacional Privado são admittidos a adherir pura e simplesmente á presente Convenção.

O Estado que desejar adherir notificará, até 31 de dezembro de 1904, inclusive, a sua intenção por documento que ficará depositado no archivo do Governo dos Paises Baixos, que d'elles enviará a cada um dos Estados contratantes copia autentica, pela via diplomatica.

ARTIGO 11.º

A presente Convenção entrará em vigor no sexagesimo dia depois do deposito das ratificações ou da data da notificação das adhesões.

ARTIGO 12.°

A presente Convenção vigorará durante cinco annos, contados da data do deposito das ratificações. Este prazo começará a correr desde a referida data, mesmo em relação aos Estados que ulteriormente fizerem o deposito ou adherirem.

A Convenção será renovada tacitamente de cinco em cinco annos, salvo denunciação.

A denunciação deverá ser notificada seis meses, pelo menos, antes de findo o prazo a que se referem as alineas precedentes, ao Governo dos Paises Baixos, que d'ella dará conhecimento a todos os demais Estados contratantes.

A denunciação não produzirá effeito senão a respeito do Estado que a tiver notificado. A Convenção continuará executoria com referencia aos demais Estados.

Em firmeza do que os Plenipotenciarios respectivos assinaram a presente Convenção e lhe apuseram os seus sinetes.

Feito na Haya, aos 12 de junho de 1902, num unico exemplar, que será depositado no archivo do Governo dos Paises Baixos, e do qual uma copia authentica será, pela via diplomatica, entregue a cada um dos Estados que estiveram representados na terceira Conferencia de Direito Internacional Privado.

Pela Allemanha:
(L. S.) F. Pourtales.
(L. S.) Dungs.
(L. S.) Kriege.

Pela Austria e pela Hungria - O Ministro da Austria-Hungria:
(L. S.) Okolicsányi Okoliesna.

Pela Belgica:
(L. S.) Comte de Grelle Rogier.
(L. S.) Alfred van den Bulcke.

Pela Espanha:
(L. S.) Carlos Crespi de Valldauza y Forluny.

Pela França:
(L. S.) Monbel.
(L. S.) L. Renault.

Pela Italia:
(L. S.) Tugim.

Pelo Luxemburgo:
(L. S.) Comte de Villers.

Pelos Paises Baixos:
(L. S.) Baron Melvil de Lynden.
(L. S.) J. A. Loeff.
(L. S.) T. M. C. Asser

Por Portugal:
(L. S.) Conde de Selir.

Pela Romania:
(L. S.) J. N. Papiniu.

Pela Suecia:
(L. S.) Comte de Wrangel.

Pela Suissa:
(L. S.) F. Koch Jr.

Traducção conforme. - Direcção Geral dos Negocios Commerciaes e consulares, aos 17 de abril de 1903. = O Sub-Director, A. F. Rodrigues Lima.

Convenção para regular os conflictos de leis e de jurisdições em materia de divorcio e de separação de pessoas

Sua Majestade o Imperador da Allemanha, Rei da Prussia, em nome do Imperio Allemão, Sua Majestade o Im-

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perador da Austria, Rei da Bohemia, etc., etc., e Rei Apostolico da Hungria, Sua Majestade o Rei dos Belgas, Sua Majestade o Rei de Espanha, o Presidente da Republica Francesa, Sua Majestade o Rei de Italia, Sua Alteza Real o Grão Duque de Luxemburgo, Duque de Nassau, Sua Majestade a Rainha dos Paises Baixos, Sua Majestade o Rei de Portugal e dos Algarves, etc., etc., Sua Majestade o Rei da Romania, Sua Majestade o Rei da Suecia e da Noruega, em nome da Suecia, e o Conselho Federal Suisso:

Desejando estabelecer disposições communs para regular os conflictos de leis e de jurisdicções em materia de divorcio e de separação de pessoas.

Resolveram concluir uma convenção para este fim e nomearam por seus plenipotenciarios, a saber:

Sua Majestade o Imperador da Allemanha, Rei da Prussia, em nome do Imperio Allemão:
Os Srs. Conde de Pourtalès, seu Enviado Extraordinario e Ministro Plenipotenciario junto de Sua Majestade a Rainha dos Paises Baixos, Dr. Hermann Dungs, seu Conselheiro Superior Intimo de Regencia, e Dr. Johannes Kriege, seu Conselheiro Intimo de Legação;

Sua Majestade o Imperador da Austria, Rei da Bohemia, etc., etc., e Rei Apostolico da Hungria:
O Sr. Okolicsányi d'0kolisema, seu enviado Extraordinario e Ministro Plenipotenciario junto de Sua Majestade a Rainha dos Paises Baixos;

Sua Majestade o Rei dos Belgas:
Os Srs. Conde de Grelle Rogier, seu Enviado Extraordinario e Ministro Plenipotenciario junto de Sua Majestade a Rainha dos Paises Baixos, e Alfred van den Bulcke, seu Enviado Extraordinario e Ministro Plenipotenciario, Director Geral no Ministerio dos Negocios Estrangeiros;

Sua Majestade o Rei de Espanha:
O Sr. Carlos Crespi de Valldanza y Fortuny, seu Encarregado de Negocios interino na Haya;

O Presidente da Republica Francesa:
Os Srs. de Monbel, Enviado Extraordinario e Ministro Plenipotenciario da Republica Francesa junto de Sua Majestade a Rainha dos Paises Baixos, e Louis Renault, professor de direito internacional na Universidade de Paris, jurisconsulto do Ministerio dos Negocios Estrangeiros;

Sua Majestade o Rei de Italia:
O Sr. Salvatore Tugini, seu Enviado Extraordinario e Ministro Plenipotenciario junto de Sua Majestade a Rainha dos Paises Baixos;

ua Alteza Real o Grão-Duque de Luxemburgo, Duque de Nassau:
O Sr. Conde de Villers, seu encarregado de Negocios em Berlim;

Sua Majestade a Rainha dos Paises Baixos:
Os Srs. Barão R. Melvil de Lynden, seu Ministro dos Negocios Estrangeiros. J. A. Loeff, seu Ministro da Justiça, e T. M. C. Asser, Membro do Conselho de Estado, Presidente da Commissão Real de Direito Internacional Privado, Presidente das Conferencias de Direito Internacional Privado;

Sua Majestade o Rei de Portugal e dos Algarves, etc., etc.:
O Sr. Conde de Selir, Seu Enviado Extraordinario e Ministro Plenipotenciario junto de Sua Majestade a Rainha dos Paises Baixos;

Sua Majestade o Rei da Romania:
O Sr. Jean N. Papiniu, Seu Enviado Extraordinario e Ministro Plenipotenciario junto de Sua Majestade a Rainha dos Paises Baixos;

Sua Majestade o Rei da Suecia e da Noruega, em nome da Suecia:
O Sr. Conde de Wrangei, Seu Enviado Extraordinario e Ministro Plenipotenciario junto de Sua Majestade a Rainha dos Paises Baixos; e

O Conselho Federal Suisso:
O Sr. Ferdinand Kock, Vice-Consul da Confederação Suissa em Rotterdam;

Os quaes, depois de se haverem communicado os seus plenos poderes, achados em boa e devida forma, convieram nas disposições seguintes:

ARTIGO 1.º

Os conjuges não poderão intentar acção de divorcio senão quando a sua lei nacional e a lei do logar em que a acção for intentada admittirem ambas o divorcio.

Esta disposição é extensiva á separação de pessoas.

ARTIGO 2.º

O divorcio não poderá ser requerido senão quando, no caso de que se tratar, for admittido a um tempo, posto que por causas differentes, pela lei nacional dos conjuges e pela lei do logar em que a acção for intentada.

Esta disposição é extensiva á separação de pessoas.

ARTIGO 3.°

Sem embargo das disposições dos artigos 1.° e 2.°, sómente será applicada a lei nacional, se assim o prescrever ou permittir a lei do logar onde a acção for intentada.

ARTIGO 4.º

A lei nacional indicada pelos artigos precedentes não poderá ser invocada para dar o caracter de causa de divorcio ou de separação de pessoas a um facto occorrido quando ambos os conjuges ou algum d'elles pertenciam a outra nacionalidade.

ARTIGO 5.°

A acção de divorcio ou de separação de pessoas poderá ser intentada:

1.° Perante a jurisdicção competente em conformidade da lei nacional dos conjuges:

2.° Perante a jurisdicção competente do logar onde os conjuges estiverem domiciliados. Se, conforme a sua legislação nacional, os conjuges não tiverem o mesmo domicilio, a jurisdicção competente será a do domicilio do reu. No caso de abandono e no de mudança de domicilio effectuada depois de se haver dado a causa de divorcio ou de separação de pessoas, poderá a acção tambem ser intentada perante a jurisdicção competente do ultimo domicilio commum. - Fica todavia reservada a jurisdicção nacional na medida em que esta jurisdicção for a unica competente para a acção de divorcio ou de separação de pessoas. A jurisdicção estrangeira subsiste competente quanto ao casamento em relação ao qual não puder ser intentada acção de divorcio ou de separação de pessoas perante a jurisdicção nacional competente.

ARTIGO 6.º

No caso de os conjuges não serem autorizados a intentar acção de divorcio ou de separação de pessoas no país onde estiverem domiciliados, poderão comtudo, tanto um como o outro, dirigir-se á jurisdicção competente d'esse país para solicitar as providencias provisorias que a sua legislação admittir na provisão de cessar a vida em commum. Estas providencias serão mantidas, se, no prazo de

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um anno, forem confirmadas pela jurisdicção nacional; não podendo prolongar-se por mais tempo do que o permittir a lei do domicilio.

ARTIGO 7.°

O divorcio e a separação de pessoas julgados por um tribunal competente, nos termos do artigo 5.°, serão reconhecidos em toda a parte, sob a condição de haverem sido observadas as clausulas da presente Convenção, e de no caso de a decisão ter sido proferida á revelia, o reu haver sido citado em conformidade das disposições especiaes exigidas pela sua lei nacional para reconhecimento dos julgados estrangeiros.

Serão reconhecidos igualmente em toda a parte o divorcio e a separação de pessoas julgados por uma jurisdicção administrativa, se a lei de cada um dos conjuges reconhecer esse divorcio e essa separação.

ARTIGO 8.º

Se os conjuges não tiverem a mesma nacionalidade, deverá a sua ultima legislação commum ser considerada como sua lei nacional, para a applicação dos artigos precedentes.

ARTIGO 9.º

A presente Convenção não se applicará senão àá acções de divorcio ou de separação de pessoas intentadas num dos Estados contratantes, sendo um dos litigantes, pelo menos, o subdito ou cidadão de algum d'esses Estados. Nenhum Estado se obriga, pela presente Convenção, a applicar uma lei que não seja a de um Estado contratante.

ARTIGO 10.º

A presente Convenção, applicavel somente aos territorios europeus dos Estados contratantes, será ratificada, e as respectivas ratificações serão depositadas na Haya, tanto que para esse effeito se achar habilitada a maioria dos Estados contratantes. D'esse deposito se lavrará uma acta da qual, pela via diplomatica, será entregue a cada um dos Estados contratantes um copia autentica.

ARTIGO 11.º

Os Estados são signatarios que estiveram representados na terceira Conferencia de Direito Internacional Privado serão admittidos a adherir pura e simplesmente á presente Convenção.

O Estado, que desejar adherir notificará, até 31 de dezembro de 1904, inclusive, a sua intenção por documento que ficará depositado no archivo do Governo dos Paises Baixos, que d'elle enviará a cada um dos Estados contratantes uma copia autentica, pela via diplomatica.

ARTIGO 12.°

A presente Convenção entrará em vigor no sexagesimo dia depois do deposito das ratificações ou da data da notificação das adhesões.

ARTIGO 13.°

A presente Convenção vigorará durante cinco annos, contados da data do deposito das ratificações.

Este prazo começará a correr desde a referida data, mesmo em relação aos Estados que ulteriormente fizerem o deposito ou adherirem.

A Convenção será renovada tacitamente de cinco em cinco annos, salvo denunciação.

A denunciação deverá ser notificada seis meses, pelo menos, antes de findo o prazo a que se referem as alineas precedentes, ao Governo dos Paises Baixos, que d'ella dará conhecimento a todos os demais Estados contratantes.

A denunciação não produzirá effeito senão a respeito do Estado que a tiver notificado. A Convenção continuará executoria em relação aos demais Estados.

Em firmeza do que os Plenipotenciarios respectivos assinaram a presente Convenção e lhe apuseram os seus sinetes.

Feito na Haya, aos 12 de junho de 1902, num unico exemplar que será depositado no archivo do Governo dos Paises Baixos, e do qual uma copia authentica será, pela via diplomatica, entregue a cada um dos Estados que estiveram representados na terceira conferencia de Direito internacional Privado.

Pela Allemanha:
(L. S.) F. Pourtalès.
(L. -S.) Dungs.
(L. S.) Kriege.

Pela Austria e pela Hungria - O Ministro da Austria-Hungria:
(L. S.) Olíolicsányi d'0koliesna.

Pela Belgica:
(L. S.) Comte de Crelle Rogier.

Pela Espanha:
(L. S.) Carlos Crespi de Valldanza y Fortuny.

Pela França:
(L. S.) Monbel.
(L. S.) L. Renault.

Pela Italia:
(L. S.) Tugini

Pelo Luxemburgo:
(L. S.) Comte de Villers.

Pelos Paises Baixos:
(L. S.) Baron Melvil de Lynden.
(L. S.) J. A. Loeff.
(L. S.) T. M. C. Asser.

Por Portugal:
(L. S.) Conde de Salir.

ela Romania:
(L. S.) J. N. Papiniu.

Pela Suecia:
(L. S.) Comte Wrangel.

Pela Suissa:
(L. S.) F. Kock Jr.

Traducção conforme. - Direcção Geral dos Negocios Commerciaes e Consulares, aos 17 de abril de 1903.= O sub-director, A. F. Rodrigues Lima.

Convenção para regular a tutela dos menores

Sua Majestade o Imperador da Allemanha, Rei da Prussia, em nome do Imperio Allemão, Sua Majestade o Imperador da Austria, Rei da Bohemia, etc., etc., e Rei Apostolico da Hungria, Sua Majestade o Rei dos Belgas, Sua Majestade o Rei de Espanha, o Presidente da Republica Francesa, Sua Majestade o Rei de Italia, Sua Alteza Real o Grão-Duque de Luxemburgo, Duque de Nassau, Sua Majestade a Rainha dos Paises Baixos, Sua Majestade o Rei de Portugal e dos Algarves, etc., etc., Sua Majestade o Rei da Romania, Sua Majestade o Rei da Suecia e da Noruega, em nome da Suecia, e o Conselho Federal Suisso:

Desejando estabelecer disposições communs para regular a tutela dos menores,

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resolveram concluir uma convenção para este fim, e nomearam por seus Plenipotenciarios, a saber:

Sua Majestade o Imperador da Allemanha, Rei da Prussia, em nome do Imperio Allemão:
Os Srs. Conde de Pourtalès, seu Enviado Extraordinario e Ministro Plenipotenciario junto de Sua Majestade a Rainha dos Paises Baixos, Dr. Hermann Dungs, seu Conselheiro Superior Intimo de Regencia, e Dr. Johannes Kriege, seu Conselheiro intimo do Legação;

Sua Majestade o Imperador d'Austria, Rei da Bohemia, etc., etc:, e Rei Apostolico da Hungria:
O Sr. Okolicsányi d'0kolicana, seu Enviado Extraordinario e Ministro Plenipotenciario junto de Sua Majestade a Rainha dos Paises Baixos;

Sua Majestade o Rei dos Belgas:
Os Srs. Conde de Grelle Rogier, seu Enviado Extraordinario e Ministro Plenipotenciario junto de Sua Majestade a Rainha dos Paises Baixos, e Alfred van den Bulcke, seu Enviado Extraordinario e Ministro Plenipotenciario, Director Geral no Ministerio dos Negocios Estrangeiros;

Sua Majestade o Rei de Espanha:
O Sr: Carlos Crespi de Valldanza y Fortuny, seu Encarregado de Negocios interino na Haya;

O Presidente da Republica Francesa:
Os Srs. de Monbel, Enviado Extraordinario e Ministro Plenipotenciario da Republica Francesa junto de Sua Majestade a Rainha dos Paises Baixos, e Louis Renault, professor de direito internacional na Universidade de Paris, jurisconsulto do Ministerio dos Negocios Estrangeiros;

Sua Majestade o Rei de Italia:
O Sr. Salvatore Tugini, seu Enviado Extraordinario e Ministro Plenipotenciario junto de Sua Majestade a Rainha dos Paises Baixos;

Sua Alteza Real o Grão-Duque de Luxemburgo, Duque de Nassau:
O Sr. Conde de Villers, seu Encarregado de Negocios em Berlim;

Sua Majestade a Rainha dos Paises Baixos:
Os Srs. Barão R. Melvil de Lynden, seu Ministro da Negocios Estrangeiros, J. A. Loeff, seu Ministro da Justiça, e T. M. C. Asser, membro do Conselho de Estado, Presidente da Commissão Real de Direito Internacional Privado, Presidente das Conferencias de Direito Internacional Privado;

o Sua Majestade o Rei de Portugal e dos Algarves, etc., etc.:
O Sr. Conde de Selir, Seu Enviado Extraordinario e Ministro Plenipotenciario junto de Sua Majestade a Rainha dos Paises Baixos;

Sua Majestade o Rei da Romania:
O Sr. Jean N. Papiniu, Seu Enviado Extraordinario e Ministro Plenipotenciario junto de Sua Majestade a Rainha dos Paises Baixos;

Sua Majestade o Rei da Suecia e da Noruega, em nome da Suecia:
O Sr. Conde de Wrangel, Seu Enviado Extraordinario e Ministro Plenipotenciario junto de Sua Majestade a Rainha dos Paises Baixos; e

O Conselho Federal Suisso:
O Sr. Ferdinand Koch, Vice-Consul da Confederação Suissa em Rotterdam;

Os quaes, depois de se haverem communicado os seus plenos poderes, achados em boa e devida forma, convieram nas disposições seguintes:

ARTIGO 1.°

A tutela do menor será regulada pela sua lei nacional.

ARTIGO 2.º

Se a lei nacional não tiver organizado a tutela no país do menor, na previsão, do caso d'este ter no estrangeiro a sua residencia habitual, poderá o agente diplomatico ou consular, autorizado pelo Estado da nacionalidade do menor, prover á constituição da tutela, em conformidade da lei d'esse Estado, se a isso se não oppuser o Estado da residencia habitual menor.

ARTIGO 3.°

Todavia a tutela do menor que tiver a sua residencia habitual no estrangeiro estabelecer-se-ha e exercer-se-ha em conformidade da lei do logar, se não for ou não puder ser constituida em conformidade das disposições do artigo 1.° ou do artigo 2.°

ARTIGO 4.º

A existencia da tutela estabelecida em conformidade da disposição do artigo 3.° não tolherá o constituir-se nova tutela nos termos do artigo 1.º ou do artigo 2.º

No mais breve prazo possivel se dará informação d'esse facto ao Governo do Estado onde a tutela houver sido primitivamente organizada; o qual avisará a autoridade que tiver instituido a tutela ou, na falta d'essa autoridade, o proprio tutor.

A legislação do Estado onde tiver sido organizada a antiga tutela determinará o momento em que essa tutela ha do findar o caso previsto no presente artigo.

ARTIGO 5.°

Em todos os casos, a tutela principiará e findará nas epocas e pelas causas determinadas na lei nacional do menor.

ARTIGO 6.º

A administração tutelar abrange a pessoa e a totalidade dos bens do menor, qualquer que seja o logar da sua situação.

Esta regra é susceptivel de, excepção quanto aos immoveis collocados pela lei da sua situação sob um regime territorial especial.

ARTIGO 7.º

mquanto se não organizar a tutela, bem como em todos os casos urgentes, poderão as autoridades locaes adoptar as providencias necessarias para a protecção da pessoa e dos interesses do estrangeiro de menor idade.

ARTIGO 8.º

As autoridades do Estado, em cujo territorio se achar um estrangeiro de menor idade a respeito do qual se fizer mister organizar a tutela, informarão d'essas circuntancias, logo que d'ellas tiverem conhecimento, as autoridades do Estado a que o menor pertencer.

As autoridades assim informadas participarão, o mais breve possivel, ás autoridades que as tiverem avisado, se a tutela foi ou vae ser organizada.

ARTIGO 9.º

A presente Convenção não se applicará senão á tutela dos menores que forem subditos ou cidadãos de um dos Estados contratantes, e tiverem a sua residencia habitual no territorio de um d'esses Estados.

Os artigos 7.° e 8.º da presente Convenção serão comtudo applicaveis a todos os menores que forem, subditos ou cidadãos dos Estados contratantes.

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22 DISRIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

ARTIGO 10.º

A presente Convenção, applicavel somente aos territorios europeus dos Estados contratantes, será ratificada, e as respectivas ratificações depositadas na Haya, tanto que para esse effeito se achar habilitada a maioria dos Estados contratantes.

D'esse deposito se lavrará uma acta, da qual, pela via diplomatica, será entregue a cada um dos Estados contratantes uma copia authentica.

ARTIGO l1.º

Os Estados não signatarios que estiverem representados na terceira Conferencia de Direito Internacional Privado serão admittidos a adherir pura e simplesmente á presente Convenção.

0 Estado que desejar adherir notificará, até 31 de dezembro de 1904, inclusive, a sua intenção por documento que ficará depositado no archivo do Governo dos Paises Baixos, que d'elle enviará a cada um dos Estados contratantes uma copia authentica, pela via diplomatica.

ARTIGO 12.º

A presente Convenção entrará em vigor no sexagesimo dia depois do deposito das ratificações ou da data da notificação das adhesões.

ARTIGO 13.°

A presente Convenção vigorará durante cinco annos, contados da data do deposito das ratificações.

Este prazo começará a correr desde a referida data, mesmo em relação aos Estados que ulteriormente fizerem o deposito ou adherirem.

A Convenção será renovada tacitamente de cinco em cinco annos, salvo denunciação.

A denunciação deverá ser notificada seis meses, pelo menos, antes de findo o prazo a que se referem as alineas precedentes, ao Governo dos Paises Baixos, que d'ella dará conhecimento a todos os demais Estados contratantes.

A denunciação não produzirá effeito senão a respeito do Estado que a tiver notificado. A Convenção continuará executoria em relação aos demais Estados.

m firmesa do que os Plenipotenciarios respectivos assinaram a presente Convenção e lhe apuseram os seus sinetes.

Feito na Haya, aos 12 de junho de 1902, num unico, exemplar, que será depositado no archivo do Governo dos Paises Baixos, e do qual uma copia authentica será, pela via diplomatica, entregue a cada um dos Estados que estiveram representados na terceira Conferencia de Direito Intercional Privado.

Pela Allemanha:
(L. S.) F. Pourtalès.
(L. S.) Dungs.
(L. S.) Kriege.

Pela Austria e pela Hungria - O Ministro da Austria-Hungria:
(L. S.) Okolicsányi d'Okoliesna.

Pela Belgica:
(L. S.) Comte de Grelle Rogier.
(L. S.) Alfred van den Bulcke.

Pela Espanha:
(L. S.) Carlos Crespi de Valldanza y Fortuny.

Pela França:
(L: S.) Monbel.
(L. S.) L. Renault.

Pela Italia:
(L. S.) Tugini.

Pelo Luxemburgo:
(L. S.) Comte de Villers.

Pelos Paises Baixos:
(L. S.) Baron Melvil de Lynden.
(L. S.) J. A. Loeff,
(L. S.) T. M. C. Asser.

Por Portugal:
(L. S.) Conde de Selir.

Pela Romania:
(L. S.) J, N. Papiniu.

Pela Suecia:
(L. S.) Comte Wrangel.

Pela Suissa:
(L. S.) F. Kock Jr.

Traducção conforme. - Direcção Geral dos Negocios Commerciaes e Consulares, aos 17 de abril de 1903. = A. F. Rodrigues Lima.

O Sr. Presidente: - Está em discussão o artigo 1.°

O Sr. Luciano Monteiro: - Sr. Presidente: estou convencido que o Sr. Ministro do Reino não se deu ao trabalho de ler esse diploma, mas posso garantir que a traducção, como está, parece feita pelo Gungunhana! Peço ao Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros, que faça adoptar pelos tribunaes o original francez, porque a traducção está mal feita.

O Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros (Eduardo Villaça): - Tomo na devida consideração as observações feitas pelo illustre Deputado.

Não havendo quem pedisse a palavra foi posto á votação e approvado.

Em seguida é tambem approvado sem discussão o artigo 2.°

O Sr. Ministro da Fazenda (Manuel Affonso de Espregueira): - Mando para a mesa uma proposta de lei auctorizando o Governo a mandar cunhar e fazer emittir moedas de prata de 1$000 réis e 500 réis, com o toque e peso legaes, até á importancia de 200:000$000 réis, especiaes e commemorativas do Marquez de Pombal, e de 20:000$000 réis para o centenario do fallecimento do poeta portuguez Manoel Maria Barbosa du Bocage.

Foi enviada á commissão de fazenda e mandada publicar no "Diario do Governo".

Vae publicada no fim da sessão a pag. 31.

O Sr. Presidente: - Vae passar-se á

SEGUNDA PARTE DA ORDEM DO DIA

Interpellação do Sr. Deputado João Pinto dos Santos ao Governo
a proposito de uns telegrammas relativos ao contrato dos tabacos

O Sr. João Pinto dos Santos: - Junto com o Sr. Queiroz Ribeiro mandámos para a mesa uma nota de interpellação a proposito dos telegrammas trocados entre o Sr. Presidente do Conselho e o nosso Ministro em França.

Eu tinha dito aqui que numa das sessões da commissão de fazenda o Sr. Presidente do Conselho declarara que com o contrato dos tabacos ficava liquidada a questão Reilhac S. Exa. não negou que tivesse affirmado isso no seio da commissão, mas disse que não tinha trocado a esse respeito nem uma palavra com os contratadores, que nada se tinha dito a proposito de Reilhac.

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O Sr. Ministro da Fazenda, levantando-se tambem nessa sessão, disse que o nome de Reilhac era a primeira vez que soava aos seus ouvidos, que não se recordava de ter falado na questão Reilhac.

Posteriormente, o Sr. Presidente do Conselho, numa outra sessão declarou que considerava resolvida a questão Reilhac porque no relatorio do Sr. Pequito já se considerava resolvida a cotação das obrigações dos tabacos em França, e que elle d'ahi tirava a illação de que ficava liquidada a questão Reilhac.

Mais tarde disse-nos ainda que a questão Reilhac, de que não tinha tratado, questão que não existia, tinha no entanto caracter internacional.

Já V. Exa. vê que ficara de pé aquillo que eu tinha dito que S. Exa. tinha proferido na commissão de fazenda mas que se fizeram varias versões.

São contradictorias essas versões, mas depois de apreciadas em ambas as casas do Parlamento appareceu um documento de uma certa importancia, que não foi solicitado pelos membros da commissão de fazenda, que foi pedido pelo Digno Par o Sr. Baracho, e que o Sr. Presidente do Conselho lhe mandou, não o tendo mandado anteriormente nem á commissão de fazenda, nem á Camara, (Apoiados) porque o julgava relativo a uma questão internacional melindrosa.

Esse documento, que eu vou ler á Camara, deixou-me verdadeiramente abysmado. O Sr. Ministro da Fazenda não conhecia a questão Reilhac; o Sr. Presidente do Conselho não falara na questão Reilhac e d'isto tirei a conclusão de que o Sr. Ministro da Fazenda era tratado no Ministerio com profundissimo desprezo, visto que nada sabia da questão e era posto de parte numas negociações que pela sua pasta corriam directamente.

É a conclusão que pode tirar-se de ser aquella a primeira vez que o nome de Reilhac chegava aos seus ouvidos, quando não podia deixar de ser proferido neste telegramma.

Em 9 de janeiro o Sr. Presidente do Conselho dizia ao nosso Ministro em Paris:

"Ministro de Portugal, Paris. - Urgente. - Governo precisa conhecer se novas obrigações, para conversão das actuaes obrigações tabaco conservando-se-lhes mesma garantia dos tabacos obterão concessão do Governo Francez.

Peço a V. Exa. obtenha informações officiosamente com reserva. = Presidente do Conselho de Ministros.

9 de janeiro de 1905".

Os differentes commentadores d'este telegramma e que na imprensa officiosa do Governo se referem a elle querem sustentar que isto nada significa como contradiccão das declarações do Sr. Presidente do Conselho porque nada se diz nelle que se refira á questão Reilhac.

É preciso admirar a rara habilidade dos que assim sustentam esta opinião e dão como boa a doutrina de que o Sr. Presidente do Conselho, que é quem preside a toda esta questão, não sabia que não podia negociar em França sem que a questão Reilhac viesse immediatamente e tivesse de ser tomada em consideração.

E se assim não era para que precisava S. Exa. telegraphar para França, se não para saber se a questão estava ou não resolvida?

Quem assim dá provas de tão rara habilidade deve tambem contar com a habilidade dos outros e não suppor que elles estejam na Lourinhã, de onde não possam responder-lhes.

Pois pode crer-se que este telegramma se referisse á questão Reilhac?

Mas vamos á resposta.

O illustre Ministro de Portugal em França mal recebeu o telegramma respondeu logo no espaço de vinte e quatro horas:

"Presidente Conselho, Lisboa. - Concessão cotação novas obrigações depende, além questão Reilhac, outras circumstancias representam (?), como ser adoptada régie, ser dada concessão actual companhia ou a outra, envolver operações emprestimo ou não; sem haver conhecimento exacto do arranjo projectado Governo é impossivel obter informações, que em todo o caso será difficil alcançar com precisão, visto cotação depender de haver accordo entre Ministro da Fazenda, Ministro dos Negocios Estrangeiros, camara Syndical, todos tres independentes. = Sousa Rosa. - 10 de janeiro de 1905".

Basta reparar na resposta e ler attentamente o telegramma para ver que o nosso Ministro em Paris diz logo: - além da questão Reilhac - como quem quer dizer- além d'essa questão que se sabe que existe, que é conhecida de toda a gente, em que não é preciso insistir, ha outras...

É muito difficil dizer isto, porque depende de tres pessoas.

Ha aqui uma resposta determinada á pergunta do Sr. Presidente do Conselho?

Não. Ha simplesmente uma affirmação relativa á questão vital, a questão Reilhac.

A conclusão que tiro é que não pode ser o unico telegramma trocado sobre esta questão. (Apoiados).

Para que o nosso Ministro em Paris pudesse dar uma resposta peremptoria, era preciso que d'aqui lhe mandassem dizer com qual das companhias era feito o arranjo, ou se se pretendia estabelecer a régie.

O que o Ministro affirmava peremptoriamente era que a questão Reilhac havia de ser tomada em consideração. Havia outras, muito importantes, mas de que o Ministro não podia tratar, sem que de Lisboa fossem dadas as devidas informações.

Perguntando-se ao Sr. Ministro da Fazenda, na commissão, se havia mais documentos, S. Exa. declarou peremptoriamente que não existia mais documento algum. Cae, portanto, por terra toda a habilidade do Sr. Presidente do Conselho.

Este telegramma não diz que haja cotação, diz que para haver cotação era indispensavel que se dessem determinadas condições.

Evidentemente, não foi esta a informação, foram outras, das quaes não se deu conhecimento ao Parlamento.

O telegramma do nosso representante em Paris não diz que haja cotação, mas sim que para a, haver era necessario que, além da questão Reilhac, se verificassem certas circunstancias e para isso pediu esclarecimentos.

Esta previdencia do Governo, tão elogiada, não é uma previdencia, mas positivamente uma imprevidencia. E começar a correr a lebre e deixá-la correr sem chegar ao fim.

Parece-me que qualquer que seja a habilidade da argumentação com que se queira occultar esse telegramma não ha maneira de fugir a esta argumentação.

A resposta ao Sr. Presidente do Conselho foi clara. A questão Reilhac estava de pé. (Apoiados). O telegramma do Sr. Presidente do Conselho fazia perguntas a respeito do assumpto, exactamente por causa da questão Reilhac; jorque a grande difficuldade na cotação do emprestimo está realmente nessa questão. E a resposta do nosso Ministro em Paris nesse ponto foi peremptoria.

Os telegrammas são a confirmação de que o Sr. Presidente do Conselho, falando na questão Reilhac, não disse toda a verdade. (Apoiados).

Deve-se notar ainda que em 12 de fevereiro appareceu outro assumpto de grande gravidade: uma nota dirigida pelo Governo Francez ao Governo Portuguez, a proposito tambem da tal cotação.

Não quero apreciar a nota nem a maneira como foi redigida.

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24 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Ha, porém, um ponto importante.

Parece que o Governo incumbiu a Companhia dos Tabacos de communicar ao Governo Francez qualquer cousa a esse respeito.

A companhia serve de intermediaria ao Governo, para o que só devia ser tratado pelo Ministerio dos Estrangeiros.

Se não era vontade do Governo devia ter sido notificado que passara procuração á Companhia dos Tabacos.

O Sr. Presidente do Conselho não disse nada sobre este assumpto, assim tambem como não disse com relação a que tenha o Governo Francez sobre a garantia das obrigações.

Não quero apreciar a nota sob esse ponto de vista, mas o que resulta d'esta nota é que o problema da cotação tinha sido posto com uma despreoccupação de tal ordem que até o Governo Francez intervinha num contrato negociado pelo Governo Portuguez!

Quaes foram as explicações trocadas entre os Governos Portuguez e Francez ? (Apoiados). Então nós sabemos que o Governo Francez estava disposto a não dar a cotação aos novos titulos, desde que se não concedessem certas garantias á Companhia dos Tabacos e nós, deante de ameaças d'esta ordem, não empregamos todos os esforços para impedir estes inconvenientes? (Apoiados).

Esta pequena resposta não podia ficar por aqui. Haviam-se de trocar mais largas explicações.

Não sei se existem, ou não, mais alguns documentos; o que é certo é que estes bastam para demonstrar a leviandade do Governo.

Não houve a consideração que devia haver para com os Deputados, mandando-lhes todos os documentos que se referiam a esta questão.

Estes documentos revelam uma imprevidencia da parte do Governo, porque, deante das ameaças do Governo Francez, apresenta-te um outro documento que demonstra ter sido resolvida a questão favoravelmente.

Portugal deve ter todas as considerações para com as outras nações, mas não deve estar com amabilidades e blandicias, de maneira a fazer suppor que está, perante qualquer d'ellas, sob um dominio que parece um protectorado. (Apoiados).

Mas o ponto fundamental d'esta questão não são as contradicções dos Ministros, ou as imprevidencias. As contradicções, se melindram o seu amor proprio, podem amesquinhar-nos e as imprevidencias podem ser prejudiciaes aos interesses do paiz. O ponto mais alto d'esta questão é Reilhac.

Não quero desenvolver a questão Reilhac, que é conhecida de toda a gente; quero simplesmente dizer os pontos principaes.

Esta questão é muito importante. Temos sempre sustentado que não devemos nada a Reilhac do emprestimo de D. Miguel, mas em 1891 complicaram-se as cousas de tal forma que nos vimos na necessidade de entrar em transações com os portadores de titulos do emprestimo de D. Miguel.

O Governo Portuguez, em logar de fazer directamente esse pagamento, encarregou o Comptoir d'Escompte de pagar esses titulos, destinando para esse fim 2.500:000 francos.

Appareceu depois Reilhac dizendo que nada recebera e que os 2.500:000 francos tinham sido dispendidos com o resgate dos titulos falsos. N'essa occasião o Governo Francez foi ouvido e devia ter ficado terminada e liquidada a questão do pagamento. Mas não ficou, a questão Reilhac apparece-nos outra vez.

No meio d'esta questão o que fez o Governo? Resolveu a questão Reilhac? Fez alguma cousa sobre este assumpto? Isto é que é fundamental saber. (Apoiados).

Haja as contradicções que quizerem, o que é necessario é que se diga claramente se a questão Reilhac foi atacada agora como em 1891.

Se o foi protesto energicamente.

Agora apparecem mais titulos e se amanhã tambem apparecerem, nós havemos de andar constantemente a dar dinheiro sem que consigamos ver a nossa divida paga?

Pois havemos de estar a pagar eternamente uma divida que nunca ha de estar paga?

Um Governo que cuida dos interesses do paiz, com o exemplo da 1891, deve tomar agora muita conta com o que fizer.

Se em França ha um Reilhac, porque é que o Governo não negoceia o contrato dos tabacos em outro qualquer paiz? (Apoiados). É bem simples, Sr. Presidente, é porque o Governo põe de parte tudo que é bom.

Se por qualquer circumstancia nós não pudermos senão negociar o contrato na França se ali está um Reilhac, então ataquemos a questão de frente com brilho, como é proprio de nós.

Se não se pode fazer o contrato em França, sem se pagar a Reilhac, então ataque-se de frente a questão, e proponha-se francamente ao Parlamento, para não estarmos assim, porque isto representa um descredito para Portugal. (Muitos apoiados).

Assim é que não se pode continuar, e não se pode porque Reilhac é um alçapão por onde se somem dois milhões e meio de francos, e nós não sabemos se é para Reilhac ou para quem é (Apoiados).

Esta palavra sumir que eu empreguei não traduz bem o meu pensar, porque eu não tenho a convicção que o dinheiro se suma mas se o tivesse dizia-o francamente.

Se eu estivesse convencido que algum d'este dinheiro que se diz para Reilhac era para dar a outros, eu tinha o desassombro para o dizer. Nunca soffri de receio e cumprirei com o meu dever (Apoiados).

Não tenho a convicção e por isso não affirmo. Mas a opinião popular está nestas condições excepcionaes; entende que da mesma forma que se dá a Reilhac, não constando de qualquer titulo, tambem se pode dar a quem se quizer! (Apoiados).

O orçamento está todos os annos a ser equilibrado e nunca se equilibrou! As receitas são sempre exaggeradas e o orçamento é sempre uma burla! Ha annos que trabalhamos para endireitar as finanças portuguezas e não somos capazes!

Temos a nossa escripturação de tal maneira complicada, que não representa senão a habilidade que faria a apologia de um homem, que já falleceu, e que talvez deixasse successores! Orçamentalogia!..

Com isso é que é preciso acabar. (Apoiados).

Com respeito a este contrato, que é tão atacado pela opinião publica e de que se dizem tantas cousas, é preciso evitar que se diga - que elle faz desapparecer dois milhões e meio!... (Muitos apoiados).

Qual é o fim com que se paga à Reilhac? Se se paga dois milhões e meio a Reilhac, porque não se pode pagar a outros?!..

Termino, fazendo uma pergunta ao Governo e peço que ella seja consignada na acta, para que em todo o tempo se possa saber o que digo: "O Governo paga directamente a Reilhac? O Governo não pagando directamente a Reilhac, paga de alguma maneira semelhante ao modo como se pagou em 1891?".

Sr. Presidente: quando em 1893 se fez o inquerito, chegou-se á conclusão de que se tinha pago a Reilhac, sem auctorização e meramente pela lei de maio de 1891; e chegou-se á conclusão de que havia uma differença de cinco francos em obrigação, o que dava o resultado de dois milhões e meio!.. Ora eu quero saber promptamente do Governo se elle concorda em que se pague a Reilhac por qualquer d'estes processos.

Eu quero saber peremptoriamente do Governo se elle

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concorda em que se pague a Reillac por algum d'estes processos, e peço para que fique consignado na acta a resposta do Sr. Presidente do Conselho, para que amanhã, depois de realizado o contrato, se tivermos de requerer algum inquerito, esta declaração ministerial fique expressa na acta para corpo de delicto que mostre que os Ministros não cumpriram o seu dever. (Vozes: - Muito bem).

(O orador não reviu).

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros (José Luciano de Castro): - Volta a questão Reilhac. Estamos condemnados a ouvir todos os dias, em quasi todas as sessões, repetir o mesmo assumpto, fazer ao Governo as mesmas perguntas.

Eu, para tranquillizar o Sr. João Pinto dos Santos, começo por fazer uma declaração categorica, que é: no contrato de 4 de abril não ha disposição alguma que directa ou indirectamente auctorize o pagamento a Reilhac de qualquer quantia. Mais. O Governo não consentirá, quando o contrato seja approvado pelas Côrtes, que do preço das obrigações do emprestimo, nem da renda dos tabacos, ou de qualquer receita que o mesmo contrato assegure ao Governo, saia nem um franco, nem um real para pagar qualquer quantia a Reilhac ou a quem o represente. (Apoiados).

Não pode haver declaração mais categorica. (Apoiados}.

O Governo não reconhece dever qualquer cousa a Reilhac, o Governo não auctoriza, nunca auctorizou que qualquer entidade trate em seu nome com Reilhac ou seus representantes. O Governo não permittirá que na execução do contrato sejam por qualquer maneira mal traduzidas ou mal interpretadas as declarações que acaba de fazer. (Apoiados).

Se querem declarações mais categóricas, estou prompto a fazê-las. (Apoiados).

Mas, se as minhas declarações são contradictorias, se as que fiz na camara não condizem, ou não se conciliam com as que fiz na respectiva commissão ou na camara dos Dignos Pares, pelo menos, as explicações que pude e devia dar deviam convencer todos aquelles que me ouvem de que eu falava sinceramente (Apoiados).

Francamente, procuro persuadir de que não houve a menor alteração nas declarações feitas, quer numa e na outra Camara, quer ainda na commissão. (Apoiados).

Dêem ás minhas explicações a interpretação que quizerem, chamem-lhe todos os nomes, os mais feios que desejarem, façam o que lhes parecer, tudo o que tenho a dizer é que os factos são estes. (Apoiados).

Quaesquer que sejam as minhas declarações, affirmo que no contrato não existe a menor auctorização pela qual possa sair a mais pequena quantia para se pagar a Reilhac ou aos seus representantes. (Apoiados).

Se estas declarações não satisfazem a S. Exas. peço que o digam claramente, e, ao mesmo tempo, me declarem quaes são os termos do inquerito em que, de maneira muito categorica, desejam que eu formule o meu pensamento. (Apoiados).

Mas quem paga a Reilhac? perguntam S. Exas. Que tenho eu com isso?. (Apoiados).

Vejam, estudem, apreciem as condições do preço das obrigações para a conversão, analysem as disposições relativas ao contrato dos tabacos, e vejam se o contrato é bom ou mau. Mas se o contrato é bom, se o preço é incomparavelmente superior a outros analogos (Apoiados), que tenho eu ou a Camara com o que os negociadores possam pagar e Reilhac? (Apoiados).

Digam que o contrato é mau, e que podia ser melhor, que eu neste ponto acceito a discussão. (Apoiados).

Se o contrato é bom, se os preços são incomparavelmente superiores, não só ao do contrato actual, mas ao do de 16 de julho e a todas aquellas propostas que foram
apresentadas sobre este assumpto, que nos importa que paguem a Reilhac se negociarmos convenientemente, de maneira a não ficarmos prejudicados? (Apoiados).

Francamente, nada tenho com isso, e o Parlamento só tem o direito de discutir se as condições são boas ou más.

Eu admitto a discussão neste ponto; os illustres Deputados acham-me á sua disposição, não só para discutir como para averiguar seriamente quaes as condições do contrato, e embora digam que essas condições não são boas e que podiam ser melhores, não tenho em minha opinião razão alguma para que as não ache boas. (Apoiados).

Desviar a questão d'este terreno é afastar a discussão e exame do contrato; e levantar todos os dias questões politicas, quasi questões pessoaes.

O contrato é mau? Vamos discuti-lo, apreciemo-lo na camara e venham então esses sabios financeiros da commissão de fazenda provar que elle é prejudicial aos interesses do paiz.

Pois então julgam que é só trazer todos os dias para o debate questões irritantes e deixar permanecer o contrato na respectiva commissão? Tudo tem a sua hora propria e eu já lhes disse que nessa questão admitto a mais larga discussão. É ahi que eu os espero - os meus dedicados correligionarios - e não creiam que eu me limite a defender-me; hei de provocar os que me accusam a que apresentem as provas das suas accusações. Não estarei de fronte abatida como quem implora compaixão, mas de cabeça erguida hei de provocar os meus accusadores - de qualquer ordem que sejam - a que fundamentem as suas accusações e apresentem provas.

O que é razoavel portanto é esperar, e a questão Reilhac virá então á discussão; e se o contrato é mau os financeiros do grupo dissidente teem então occasião de convencer o paiz de que fizemos um contrato ruinoso quando não fizemos senão assegurar, da maneira mais honesta e digna, os interesses do paiz. Deixem o Reilhac descansado e quando entrarem na discussão do contrato é que podem verificar se ha qualquer disposição que favorecesse mais ou menos directamente os suppostos interesses de Reilhac.

Ora, Sr. Presidente, ponhamos a questão lisamente.

O que não posso deixar de dizer é que não consentirei nunca, sendo Presidente do Conselho, que do contrato dos tabacos, se for approvado, saia nem um real, nem um franco, para pagar a Reilhac, ou a qualquer entidade que o represente, sob qualquer forma que seja.

Estas explicações, claras, sinceras e categoricas parece-me que devem tranquillizar o espirito do illustre Deputado Sr. Pinto dos Santos. (Apoiados).

Veio a questão dos telegrammas.

Eu, Sr. Presidente, creio que sou reu de um grande crime. Parece-me que pratiquei um attentado contra os interesses da patria!

Ouvi dos meus contradictores uma cruel accusação. Na verdade, se assignando eu os telegrammas que assignei ao Ministro em Paris, pratiquei uma falta tão grave, não deve haver pena bastante forte para castigar as minhas culpas!

E o peor é que sou reu confesso, porque não tenho duvida em confessar á camara o meu crime. O meu crime foi assignar um telegramma resolvido em Conselho de Ministros, perguntando ao nosso representante em Paris, se o Governo Francez, no caso de o Governo Portuguez dar as mesmas garantias do novo emprestimo, para a conversão, que teem os actuaes portadores do emprestimo dos tabacos, concederia a cotação das novas obrigações, qualquer que fosse o concessionario, ainda que a Companhia dos Tabacos não fosse a concessionaria.

Este telegramma era favoravel á Companhia dos Tabacos?

A mim parece-me que devia ser desfavoravel. (Apoiados).

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O que o Governo procurava era assegurar no mercado de Paris a operação e por isso fazia essa pergunta ao seu Ministro.

A resposta era para habilitar o Governo a tratar com a Companhia dos Tabacos ou outra qualquer companhia que não fosse a dos Tabacos. A favor de qualquer outra companhia era o telegramma, no interesse da Companhia dos Tabacos, não! (Apoiados).

Mas que respondeu o nosso Ministro? Respondeu que não podia responder nada.

Entendeu o nosso Ministro que não podia dar uma resposta clara sem que o Governo dissesse qual era a forma da adjudicação, se seria feita por administração do Governo, ou por uma companhia, se seria, ou não separado o exclusivo da conversão.

Ora como o Governo estava parado, não tinha aberto as negociações, nem resolução alguma tomada, não respondeu ao telegramma, porque julgou impossivel dar resposta. (Apoiados).

Não perguntou mais nada, não ha outro telegramma, porque o Governo, vista a impossibilidade de dar ao nosso Ministro em Paris as informações de que elle tornava dependente a resposta definitiva, entendeu não dever continuar a correspondencia.

Mas se o Governo tinha empenho em proteger a Companhia dos Tabacos o natural era insistir, mas o Governo não insistiu, e fez mais: passou a tratar com a Companhia dos Phosphoros e com quantos se lhe apresentaram a concorrer á adjudicação dos Tabacos.

O Governo admittiu a Companhia dos Phosphoros, e convidou igualmente por officio outras entidades a apresentarem-se ao concurso. Assim foi admittida a casa Hambro, como foram admittidos todos os concorrentes que quizeram vir. (Apoiados).

Ora se o Governo tivesse algum proposito de favorecer qualquer companhia, com prejuizo de outra, insistia na resposta, mas não insistiu e passou a tratar logo com a Companhia dos Phosphoros. (Apoiados).

Portanto as hesitações que me attribuiram não foram inspiradas pela ideia de favorecer esta ou aquella companhia. (Apoiados).

O que o Sr. Espregueira disse a respeito de Reilhac é a verdade, e é o que disse na Camara. Nós nunca tratámos de Reilhac, desde o principio até o fim das negociações. Entre o Governo Portuguez nunca se trocou uma palavra a respeito de Reilhac. Nunca falámos sobre tal, nunca houve a menor troca de explicações.

No contrato de 4 de abril não ha a menor referencia a este assumpto.

Disse o Sr. João Pinto dos Santos que eu mandara os telegrammas á camara dos Dignos Pares e não os mandara á commissão de fazenda.

Os telegrammas não fazem parte das negociações. Os telegrammas são de 9 de janeiro e as negociações começaram no principio de março, em que houve o concurso entre a Companhia dos Phosphoros e a dos Tabacos.

Como é que o illustre Deputado queria que mandasse os telegrammas que eram destinados apenas a dar principio ás negociações.

Como queria que mandasse á commissão telegrammas que eram reservados?

Se mandei os telegramraas á Camara, foi pela insistencia do Sr. Baracho, que se podia tornar em suspeitas contra o Governo.

uanto ao ter trazido esses telegrammas ao Parlamento tenho a dizer que se os trouxe foi porque vi que eram muito menores os inconvenientes da sua apresentação do que os que resultariam se os negasse á apreciação da Camara.

Poderiam os meus adversarios entender que havia proposito reservado da minha parte em os negar á camara por haver nelles qualquer mysterio que prejudicasse a minha dignidade.

Perguntou ainda o Sr. Pinto dos Santos para que telegraphei.

Telegraphei no cumprimento de uma deliberação do Conselho de Ministros. Não mandei esse telegramma só por capricho ou para satisfazer qualquer desejo de communicar com o nosso Ministro em Paris. Este assumpto foi discutido em Conselho de Ministros, deliberando-se então enviar esse telegramma, que por signal foi escripto pelo meu collega Sr. Ministro dos Estrangeiros e a sua redacção combinada como Sr. Ministro da Fazenda. Não dei senão a minha assignatura, e dei-a porque achei maior conveniencia em ser assignado pelo Presidente do Conselho de Ministros, não só por ser deliberação do Gabinete mas para lhe dar um caracter menos official do que teria se fosse assignado pelo Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros. E agora, que tanto se tem falado no Sr. Thomás Rosa, nosso Ministro em Paris; não posso deixar de dizer que é S. Exa. um funccionario distinctissimo, um funccionario que honra o seu paiz no estrangeiro. (Apoiados).

Quanto á insistencia dos illustres Deputados em se referirem a mais de um telegramma, tenho a affirmar que, sobre este assumpto, não ha mais telegramma algum.

O Sr. Rosa como declarou que não podia mandar mais esclarecimentos, nós não fizemos mais perguntas. Estes é que são os factos. Se S. Exas. duvidam requeiram certidões.

Disse o Sr. João Pinto dos Santos que censurava tambem a intervenção da Companhia dos Tabacos na resposta dada á nota franceza.

O Governo dirigiu um officio á Companhia dos Tabacos e á Companhia dos Phosphoros, convidando-as a fazer uma proposta, devendo a resposta ser dada até 20 de fevereiro. Este officio chegou ao conhecimento do Governo Francez, mas o Governo não lho mandou e não tem culpa alguma que a Companhia dos Tabacos lho communicasse, pois que ella podia dar a esse officio toda a publicidade.

Perguntou tambem S. Exa. se ha mais alguns documentos, além da nota do Governo Francez.

Já disse, e repito, que não ha mais documento algum além d'aquelles que estão publicados.

Perguntou igualmente o illustre Deputado se o Governo tratou com Reilhac e acrescentou que se podia tratar de negociar em Inglaterra ou na America, se Reilhac fechasse o accesso em França ás nossas obrigações.

Relativamente á primeira parte, é escusado estar a repetir o que tantas vezes tem sido dito, com relação á segunda nunca o Governo teve a certeza de que Reilhac se oppuzesse á nossa entrada em França.

...Eis o que eu tenho a dizer á Camara.

Peço desculpa se me alarguei nas minhas considerações e se tomei algum calor, mais, sendo tão vivo o ataque do Sr. João Pinto dos Santos, eu não podia deixar de responder assim; mas parece-me que não pronunciei qualquer palavra que maguasse qualquer membro da Camara: (Vozes: - Muito bem).

O Sr. Antonio Centeno: - Mando para a mesa o seguinte

Requerimento

Requeiro que, nos termos do artigo 155.° do regimento, se generalize o debate sobre a interpellação annunciada pelos Deputados João Pinto Rodrigues dos Santos e Gaspar de Queiroz Ribeiro. = Antonio Centeno.

Foi approvado.

O Sr. Augusto de Castro: - Por parte das commissões de instrucção primaria e secundaria e de legislação civil, mando para a mesa as seguintes

Communicacões

Communico a V. Exa. que está constituida a commissão

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de instrucção primaria e secundaria e que elegeu para seu presidente o Exmo. Sr. Antonio Tavares Festas, e a mim participante para seu secretario. = O Deputado, Augusto de Castro Sampaio Côrte Real.

Communico a V. Exa. que está constituida a commissão de legislação civil, sendo eleito para presidente o Exmo. Sr. Dr. João Pinto dos Santos e escolhendo-me a mim, participante, para secretario. = O Deputado, Augusto de Castro Sampaio Côrte Real.

Para a acta.

O Sr. Queiroz Ribeiro: - Sr. Presidente: um estadista illustre, que é ao mesmo tempo chefe de partido e um dos oradores mais vehementes e mais suggestivos do Parlamento Portuguez, disse-nos ha poucos dias, nesta casa, que para o seu espirito a questão a que estava ligada a interpellação presente tem grandes e profundas semelhanças com a questão Dreyfus.

Sr. Presidente: não esquecia por certo S. Exa., quando fazia essa affirmativa, que tambem entre as duas questões ha differenças radicaes.

Na questão franceza apparece um judeu, mas esse judeu é uma victima, esse judeu é um innocente, esse judeu é um perseguido; e o velho estado maior, que se levanta em peso, não hesitou deante das falsidades, não hesita deante das falsificações para o opprimir!

V. Exa. sabe que as cousas não se passam assim.

Mas, Sr. Presidente, nem por isso o simile me parece digno de ser esquecido, ou que desappareça na improvisação dos nossos discursos, porque ha um aspecto perfeitamente commum entre aquellas duas questões: é que esta, como a outra, principia por uma onda que vae crescendo, que vae augmentando, e que se torna em uma torrente capaz de submergir todos, mas de forma que o lodo que arrasta possa ficar no solo.

Ninguem esqueceu essa pagina eloquente, não da litteratura latina, mas da litteratura da humanidade, subscripta por um morto illustre que se chamou Zola, e que tem o titulo de Eu accuso, que muitos se illudiam e se enganaram quando suppuzeram que o triumpho d'aquella causa santa, nobre e justa se devia ao brilho fulgurante d'aquelle genio. Mas invertam os caminhos: ponham V. Exas. o anonymo mais obscuro a dizer Eu accuso, e ponham V. Exas. esse genio fulgurante que se chamou Zola a dizer Eu defendo e o resultado seria o mesmo. (Apoiados). E seria o mesmo porque de um lado estava a mentira, a falsidade, e do outro a verdade sempre triumphante.

Sr. Conselheiro João Franco, é por isso que eu acho feliz a sua comparação, e commigo todos aquelles que neste paiz, aqui e lá fora, erguemos com enthusiasmo esta bandeira que o Sr. Presidente do Conselho diz ser a sua e em que se pode inscrever como lemma supremo: "Abaixo o contrato dos tabacos". Nós estamos com a razão, nós estamos com a verdade, nós estamos com a justiça, nós estamos com o paiz que nos ouve, e somos invenciveis, Sr. Presidente do Conselho.

É por isso que V. Exa., Sr. Presidente do Conselho, nos vê fortes.

V. Exa. ri-se? Ria-se á vontade, mas tenha a certeza de que o homem que lhe fala neste momento diz pela sua boca humilde uma verdade completa: V. Exa. será o Zola d'esta questão - pela sua grandeza é digno d'esse papel! - eu serei o anonymo obscuro; mas d'esta vez o Zola portuguez fica vencido; é o anonymo que ha de triumphar.

O Sr. Presidente do Conselho diz: "Eu defendo!"; eu respondo: "Eu accuso!", e como S. Exa. nos pede provas eu vou dar-lhas, eu vou mostrar-lhas. Exijo apenas, no uso do meu direito, uma attenção que se não nega a ninguem.

Diz-se: S. Exa. o Sr. Ministro da Fazenda disse o mesmo que eu tinha dito. E redondamente inexacto; (Apoiados) protesto contra essa inexactidão, que eu não quero classificar.

Protestou tambem contra ella o Summario das Sessões; os ouvidos de todos nós, a attenção dos que das galerias ouviram S. Exa. e sabem que o Sr. Ministro da Fazenda affirmou não só que nunca ninguem lhe havia falado na questão Reilhac, mas que não admittia a ninguem que o fizesse.

Assistimos tambem ao triste espectaculo de uma vez mais ser conspurcada a verdade: os Ministros não podem mentir; mas se mentirem somos nós que os desmentiremos. (Apoiados).

Reilhac para o Sr. Ministro da Fazenda ora perfeitissimamente o mesmo que o 25.º avô do Prestes João das Indias. (Riso).

O Sr. Ministro da Fazenda nunca tinha ouvido falar naquella personalidade.

Mas ha mais. Nos telegrammas que ha pouco foram lidos pelo Sr. Pinto dos Santos, o nosso Ministro em Paris faz affirmações mais formaes e diz que a questão Reilhac é uma das bases sobre que gira a cotação das nossas obrigações dos tabacos.

Qual a razão por que o Sr. Thomaz Rosa, nosso Ministro em Paris, diz isso ao Governo e o Sr. Ministro da Fazenda vem affirmar á Camara que não admitte que ninguem fale em Reilhac?

O Sr. Antonio Centeno: - É porque já estava morto nessa occasião! (Riso).

O Orador: - Mas não ficam por aqui as inexactidões.

Eu, das affirmações que o Governo poz na boca do Sr. Ministro da Fazenda, declarei a S. Exa. que era absolutamente inexacto que o Sr. Presidente do Conselho tivesse alguma vez avocado a si a questão.

Quem ha que não se recorde das noticias publicadas nos jornaes em que annunciavam que o Sr. Presidente do Conselho estava recebendo em casa banqueiros, emquanto o Sr. Ministro da Fazenda ficava no Ministerio a despachar?

Basta o telegramma assignado por S. Exa. para nos demonstrar que S. Exa. avocou a si o assumpto, porque eu não quero fazer agora, referencia á affirmação extraordinaria de que assignou aquelle telegramma para lhe tirar a importancia official. Quer dizer: o Sr. Presidente do Conselho, que ainda não ha muito declarava que intervinha nos assumptos de todas as pastas, punha-se abaixo de qualquer seu collega do Ministerio; quer dizer: julgava-se uma especie, de sub-secretario de Estado do Sr. Villaça ou do Sr. Ministro, da Fazenda. (Apoiados).

Tive a honra de perguntar ao Sr. Ministro da Fazenda se, além dos telegrammas contidos no volume apresentado á commissão de fazenda, outros havia trocado a respeito da questão.

Pois a resposta foi negativa, e basta abrir o volume a paginas 55 para se ver que isso é outra pavorosa inexactidão.

O telegramma de 10 de janeiro do corrente anno dirigido ao nosso Ministro na America dizia que se realizavam as duas operações.

Pergunto: pode haver alguem que diga que um telegramma d'esta natureza não implica a existencia de outros? (Apoiados).

Sr. Presidente: diz o Sr. Presidente do Conselho que, depois da resposta do nosso Ministro em Paris, dizendo que era difficil uma resposta, não insistiu. Se o Governo affirmava que tinha necessidade de uma resposta e não insistiu, de duas uma: ou isto é inexacto e não tinha necessidade de uma resposta, ou é verdade, e o seu dever era ter insistido. (Apoiados).

Diz esse documento.

(Leu).

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Mas, como se não bastassem estas palavras extraordinarias que o Governo mandou escrever, são ellas precedidas de outras onde se declara que não se sabe se o Governo tinha ou não conhecimento de qualquer disposição de lei que restringisse o direito áquella companhia.

Como é então que um documento d'esta natureza não apparece no volume distribuido?

Como é então que o Governo, de longo tempo, premeditava assassinar, afastar para sempre um concorrente em que pelo menos devia procurar apoio moral, financeiro, para resistir ás exigencias do outro concorrente? Como é então que isto se promove?

Como é então que nem sequer aquelles que teem o direito de se elucidar, de conhecer um documento tão extraordinario, que devia influir poderosamente na sua convicção, tiveram conhecimento d'elle? (Apoiados).

Mas, Sr. Presidente, aqui principia a maior gravidade do telegramma de que estamos tratando. Sabe V. Exa. quando foi mandado esse telegramma? Foi em 9 de janeiro, e o parecer da Procuradoria Geral da Coroa foi apresentado a 16 do mesmo mez. Mediou portanto apenas uma curta semana entre o parecer da Procuradoria Geral da Coroa e o telegramma; e assim a opinião, o espirito publico, a imprensa do nosso paiz, accusou em termos bem amargos, que decerto não terão esquecido ao Sr. Presidente do Conselho, esse telegramma que fôra enviado.

O Sr. Presidente do Conselho quer accusações provadas, e eu vou fazê-las.

Disse o Sr. Presidente do Conselho que o dinheiro para Reilhac não sae dos cofres do Thesouro, dando a entender que saia dos lucros do contrato, e, repisando uma declaração meramente platonica, S. Exa. acrescentou que nem um real o Governo consentiria que saisse, um só, do preço das obrigações. Decerto.

uem havia de admittir isso?

Quem accusa d'isso o Governo?

Mas o que pergunto é de onde sae esse dinheiro?

Ha de sair evidentemente dos lucros do contrato.

E de onde saem estes lucros.?

Hão de sair fatalmente do preço das obrigações.

Se ha milhões a mais, se os contratadores são tão generosos que nos dão de presente esses milhões de francos, pergunto: Porque se prescinde d'essa quantia? Porque vae ella para Reilhac?

Nesta minha pergunta está a demonstração clara de que o Sr. Presidente do Conselho fugiu á questão em vez de a encarar de frente.

Disse S. Exa. que não tratou da cotação porque aliás teria tratado da questão Reilhac, por isso que, sendo a questão Reilhac absolutamente presa e dependente da questão da cotação, evidentemente, Sr. Presidente, discutindo, se tivermos de tratar de uma teremos de tratar da outra.

Depois, Sr. Presidente, o que mostra o telegramma que estamos discutindo?

Mostra a preoccupação do nobre Presidente do Conselho com respeito á cotação (Apoiados); demonstra, portanto, até a evidencia, que S. Exa. tinha isso mesmo um assumpto capitalissimo.

Mas para que se intrometteu S. Exa. no que só aos negociadores competia?!

Para que fazer perguntas d'essa natureza que nada podiam evitar?

Sendo as cousas assim, tendo S. Exa. feito affirmações d'esta natureza, uma contradiz a outra e uma é redondamente inexacta!

Ora, Sr. Presidente, não ouvimos nós, com pasmo, não ouvimos nós, com angustia, o Sr. Presidente do Conselho dizer ao Parlamento do seu paiz que a questão Reilhac era uma questão internacional?! (Apoiados).

O Sr. Presidente do Conselho declarou: - "Que enviara os telegrammas a que se refere e que lhe tinham sido pedidos, porque a recusa poderia dar logar a suspeições"!

Mas então devia S. Exa. agradecer penhorado ao Digno Par do Reino o facto de S. Exa. ter assim contribuido para que essas suspeições se não avolumassem!

Eu lamento que só tão tarde o Sr. Presidente do Conselho dê nessa confissão a prova plena e cabal de que S. Exa. reconhece em fim que a sua honra individual, por muita que seja, e eu não discuto isso, não pode de qualquer maneira cobrir, defender, proteger o contrato dos tabacos contra a opinião publica que se levanta. (Apoiados).

Mas, Sr. Presidente, não se surprehenderá V. Exa. sabendo que o Sr. Presidente do Conselho affirmou de uma maneira categorica que o nosso Ministro em Paris não falara com o Governo Francez a proposito da questão Reilhac.

Pergunto: o nosso Ministro em Paris não falou na questão Reilhac com o Governo Francez, o nosso Ministro em Paris, como affirma o Sr. Presidente do Conselho, não mais se referiu a essa questão, mas como é que S. Exa. o sabe? Onde está o documento que demonstra a sua affirmativa? E se existe, porque é que não elucidou a discussão com elle? (Apoiados). E se existe, porque é que S. Exa. vem dizer que não mais o nosso Ministro em Paris se tinha occupado do assumpto?

O nobre Presidente do Conselho affirmou ainda que o Governo Francez nem official nem officiosamente tivera conhecimento do telegramma.

S. Exa. vae mais longe: disse que o nosso Ministro não respondeu mais, e S. Exa. affirma que o Governo Francez não teve conhecimento d'aquelle telegramma, e se porventura o teve foi só agora pela publicação dos jornaes.

Pergunto: Quem lho disse? O nosso Ministro em Paris não podia ser, porque não mais se occupou do assumpto. Talvez fosse pela telepathia; talvez fosse, mas se não foi, declaro á camara que não sei como podia ter d'elle conhecimento!

Mas ha mais do que isso.

As Novidades, em artigo do 20 de janeiro d'aquelle anno, já alludiam ao telegramma, completando a allusão em artigo de 17 de fevereiro seguinte. Se as Novidades sabiam da existencia d'aquelles telegrammas, como affirma o Sr. Presidente do Conselho, que outras entidades não podiam, igualmente, saber d'essa existencia? Em que se funda para, categoricamente, sob sua palavra de honra, vir affirmar um facto que não pode ser verdadeiro?

Pois não é possivel que assim como as Novidades tiveram conhecimento d'esses telegrammas o tivesse o Governo Francez?

Certamente. Não é possivel, portanto, que o Sr. Presidente do Conselho, quando veio fazer a sua affirmação solemne, não estivesse, pelo menos, convencido de que vinha affirmar uma cousa que a sua pratica de negocios e o conhecimento dos factos não lhe podiam permittir que affirmasse.

Mas diz o Sr. Presidente do Conselho que por certo a nota do Governo Francez foi inspirada pelo conhecimento que o Governo Francez teve do officio dirigido ás Companhias dos Tabacos e dos Phosphoros.

De certo foi por ahi, pouco mais ou menos, que o Governo Francez teve conhecimento do que se passava e enviou então a nota; mas, quando hoje o illustre parlamentar Sr. João Pinto dos Santos affirmava que do proprio texto da nota se deduzia fatalmente que devia ter sido a Companhia dos Tabacos quem levara ao conhecimento do Governo Francez esse officio, o Sr. Presidente do Conselho protestara contra isso, affirmando peremptoriamente que a Companhia dos Tabacos nada tinha dito, que seria a Companhia dos Phosphoros quem levou esse officio ao conhecimento do Governo Francez.

Uma affirmação d'esta ordem é absolutamente phantastica, porque S. Exa. comprehende que nunca essa com-

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panhia podia ter levado isso ao conhecimento do Governo Francez, visto que d'elle lhe podia resultar desvantagem, ao passo que á Companhia dos Tabacos só podia resultar vantagem.

Portanto, é evidente, ou pelo menos extremamente provavel, que fosse a Companhia dos Tabacos, e não a dos Phosphoros quem levou esse officio ao conhecimento do Governo Francez. A nota é explicita, porque diz claramente que o Governo Francez teve conhecimento do officio pela Companhia dos Tabacos.

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros (Jose Luciano de Castro): - Perdão, de forma alguma disse que não tinha sido a Companhia dos Tabacos.

O Orador: - Se é assim, nesse caso a discussão sobre esse assumpto acabou, mas fica de pé o crime d'essa companhia. (Apoiados).

E o proprio Sr. Presidente do Conselho quem vem confessar estas cousas, (Apoiados), que a Companhia dos Tabacos foi buscar auxilio a uma companhia estrangeira. Foi queixar-se do procedimento do nosso Governo.

Não é para estranhar que a opinião publica esteja perfeitamente indignada e perfeitamente convencida de que essa companhia é uma filha predilecta do Sr. Presidente do Conselho.

O Sr. Abel Brandão: - Pode S. Exa. estar certo que a opinião publica está tranquilla.

O Sr. Presidente: - O orador pediu-me ha pouco que mantivesse o silencio, por isso peço ordem.

Pausa.

Pode V. Exa. continuar.

O Orador: - Eu sei que o argumento partiu dos bancos do poder e foi até ao illustre Deputado, mas a esse argumento eu direi que a opinião publica é a imprensa, a imprensa que se tem interessado num crescendo continuado, é a praça publica, que em breve vae falar pelos comicios; a opinião publica somos todos nós, é a galeria que ainda ha poucos dias recebeu de uma maneira tão triste as palavras do Sr. Presidente do Conselho. (Apoiados).

Sr. Presidente: quando se ouvem clamores por toda a parte, quando as contradicções são flagrantes, pedem se ainda provas e com desdem supremo S. Exa. chama-nos financeiros da commissão de fazenda.

Quando ouvi S. Exa. com uma ironia, cruel dirigir-se aos homens que o acompanharam sempre com respeito, chamando-lhes dedicados correligionarios, não queria acreditar.

No Correio da Noite escreviam-se as seguintes palavras, para que peço a attenção da Camara:

"O Governo não tem inadiavel urgencia da conversão das obrigações, e, quanto ao exclusivo, tem deante de si dois annos de duração do contrato actual".

O paiz, que nos ouve, que nos julgue a todos.

As cousas e as pessoas são o que são, e são alguma, cousa mais; são aquillo que parecem.

Um homem pode ser santo, pode ser immaculado, pode ter na sua vida, desde que lhe chegou o uso da razão, praticado um facto que de qualquer forma o pudesse condemnar, e todavia esse homem pode ser julgado pela humanidade um criminoso; esse homem é só innocente perante Deus e a sua consciencia, mas perante a opinião é reu.

O que quero notar é que, sendo esta questão não só gravissima, mas por assim dizer uma verdadeira janella que está aberta sobre um pantano, é preciso purificar a atmosphera: fazer ao contrato dos tabacos o que se faz ao "Papel de Armenia" - queimá-lo.

É este o sacrificio que peço ao Sr. Presidente do Conselho que faça, em nome do Rei, que deve pairar acima de tudo isto, de todas estas contradicções e inexactidões.

E, Sr. Presidente do Conselho, quem pode acreditar nessa impossibilidade.

Pois que pedia o Governo Portuguez?

Pedia que officiosomente obtivesse os elementos necessarios para a resposta.

Nem pode affirmar a impossibilidade. Seria necessario que o nosso Ministro em Paris tivesse consultado o Governo Francez.

Mas, Sr. Presidente, essa inexactidão do Governo são accusações formaes que muito desejava ver, se não destruidas, ao menos elucidadas pelo Sr. Presidente do Conselho.

Entre outras inexactidões avulta a que foi dita pelo Sr. Ministro da Fazenda, em nome do Governo.

Disse S. Exa. que nenhum outro documento de qualquer natureza havia a juntar ao volume que foi distribuido á commissão de fazenda. Mas contra uma affirmação d'esta ordem levanta-se o documento que tenho na mão, o qual fica ao dispor do Sr. Presidente do Conselho, ou de qualquer pessoa que deseje consultar documentos graves ou, permitta-se-me o termo, repugnantissimos, porque d'elle se deduz que o Governo aproveitou-se da Direcção Geral da Thesouraria.

Em dezembro do anno findo insinuava á Procuradoria Geral da Corôa que na sua resposta annullasse para sempre o unico concorrente que então apparecia á Companhia dos Tabacos.

O nobre Presidente do Conselho está recebendo com sorriso a palavra insinuação.

E a Procuradoria Geral da Corôa, por accordo de todos, com excepção de um voto, declara tê-la repellido com dignidade.

Vozes: - Oiçam! Oiçam!

Outra voz: - Estamos ouvindo.

O Orador: - E porque ha uma cousa que mata o contrato antes d'aqui apparecer; é que a opinião publica já não vê apenas Reilhac, é que a opinião publica, como foi ponderado pelo illustre orador que me precedeu, vê em Reilhac a possibilidade de outros extravios de dinheiro, e embora isto não seja exacto, e embora o Sr. Presidente do Conselho faça as mais honradas affirmações, as cousas não são só o que são, são tambem o que parecem e o que os outros pensam. Por isso o contrato dos tabacos não vingará, e para terminar direi bem alto: "Abaixo o contrato dos tabacos!"

Tenho dito. (Vozes: - Muito bem, muito bem).

O Sr. Carlos Ferreira: - Sr. Presidente: V. Exa. e a camara acabam de ouvir que o illustre orador que me precedeu no uso da palavra aconselhou prudencia, serenidade, e lembrou os tempos em que fomos todos collegas e correligionarios, pedindo que se rasgasse o contrato dos tabacos.

Eu, que me prezo de ser progressista desde o primeiro dia em que assentei praça na politica, em nome da minha consciencia, da minha dignidade partidaria, invoco os sentimentos do Sr. Presidente do Conselho, dizendo: "Em nome do partido progressista, em nome da dignidade de nós todos, vá por deante o contrato dos tabacos. Para deante, Sr. Presidente do Conselho, empunhando como agora, com essa energia admiravel que não é propria da sua idade nem dos seus soffrimentos, a bandeira do par-

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tido progressista; não a deixe abater, levante-a cada vez mais alta, e pode crer que não lhe hão de faltar partidarios com força, energia, com a consciencia de homens honrados que não traem os seus deveres. Para deante, Sr. Presidente do Conselho.

Não a deixo abater, levante cada vez mais alto essa bandeira e tenha S. Exa. a certeza de que, apesar dos que se foram, hão de ficar soldados fieis ao partido progressista. (Muitos apoiados).

Para deante, Sr. Presidente do Conselho! Para deante. (Muitos e repetidos apoiados).

Quem levantou a questão administrativa Reilhac? Aquelles que se dizem ainda hoje nossos correligionarios!- (Muitos apoiados).

Doe-me dizer isto; mas eu não podia guardar mais reservas depois das referencias que se tinham feito ao meu partido, que é uma gloria, que eu respeito, e ao meu illustre chefe, a quem devo provas de consideração e deferencia.

Na imprensa, que tanto considero e de que sou membro obscuro, tenho defendido o contrato dos tabacos, segundo os dictames da minha consciencia; e não defendo uma cousa que offenda a minha dignidade. (Muitos apoiados).

O contrato pode ser mau, pode ser discutido; mas não pode ser infamado antes de ser discutido. (Muitos e repetidos apoiados).

O que se tem feito nesta Gamara, depois da reabertura do Parlamento, não nos illudamos, é uma guerra cruel, é uma guerra sem treguas, é uma guerra de morte ao partido que nós aqui representamos e ao Governo que se senta naquellas cadeiras; e se não fôra o contrato dos tabacos, qualquer outro pretexto tinha apparecido. Pois escolheram o pretexto dos tabacos. Foi o mais falso de todos!

Por honra do partido progressista, é preciso que este contrato se discuta. (Muitos apoiados).

opinião publica não se manifestou ainda, a opinião publica tem assistido de braços cruzados a este duello tristissimo entre os soldados do mesmo partido, e que hoje atacam os seus antigos irmãos com a arma da insinuação, que é de todas a peor, a mais affrontosa. (Apoiados).

Pois então se nós estamos em frente de uma simples dissidencia em questões administrativas, eu hei do ver o chefe do meu partido, o Governo que eu defendo com a palavra e com a penna, os meus correligionarios accusados de tudo com uma violencia nunca vista no Parlamento Portuguez, enxovalhados na imprensa dia a dia, hora a hora, sem uma sombra de contemplação, e eu tambem sou offendido e magoado, porque faço parte d'aquelles que defendem a fumarada dos tabacos.

Eu tenho uma vida publica curta, mas é honesta bastante para que ninguem possa dizer que defendo assumptos que envolvem fumaradas.

Ponha-se claramente a questão; se é uma questão administrativa, discuta-se com serenidade, com a correcção devida ao Parlamento e a nós todos.

E foi aos Srs. Deputados dissidentes, que eram antes nossos amigos, que eu ouvi, eu que tenho uns vislumbres de memoria, que não se rasgam impunemente compromissos antigos porque se diverge numa questão administrativa. Este argumento é uma infantilidade.

Sabe o Parlamento e o paiz que não estamos em frente de uma questão administrativa, de uma simples divergencia, mas de uma guerra de morte, da guerra a mais crua, que se não tem attingido maior violencia é porque o Governo tem força, porque, se assim não fôra, ao trabalho que se tem feito, ás sessões parlamentares tempestuosas, ás provocações constantes que temos recebido, ao que dizem os jornaes, o Governo já tinha recebido o voto da opinião publica.

Ella que se não manifesta é que aguarda a discussão do contrato dos tabacos. É isso o que se precisa fazer, o que eu quero que se faça. É o que o Sr. Presidente do Conselho quer, o que todos nós queremos. (Apoiados).

Disse o Sr. Queiroz Ribeiro: temos o caso da questão Dreyfus.

Pode ser que e seja para S. Exa., para nós não, porque se eu lamento do intimo da alma tudo que se tem passado, uma coisa ha que não soffre com os ataques e injurias que nos são dirigidas: é o meu sincero amor partidario, é o meu sincero respeito pelo nobre chefe do meu partido a quem eu acompanho dedicadamente.

O Governo não tem nada de que se defender...

(Apagam-se subitamente os lustres da Presidencia, ficando a sala ás escuras).

O Sr. Antonio Centeno: - É de mau agoiro.

O Orador: - Effectivamente, isto quer dizer, que S. Exas. estão ás escuras. Não vêem um palmo adeante do nariz.

O Sr. Antonio Centeno: - Se estavamos ás escuras, continuamos a estar, porque o Sr. Deputado em nada nos esclarece.

O Orador: - V. Exa. não precisa ser esclarecido.

O Sr. Antonio Centeno: - Porquê?

O Orador: - Porque neste assumpto V. Exa. está muito esclarecido, comquanto finja que não está.

O Sr. Antonio Centeno: - Eu peço a V. Exa. que me diga se eu tenho alguma conveniencia em que o contrato seja feito com qualquer companhia ou com qualquer grupo.

Não admitto insinuações.

O Orador: - Não quiz fazer insinuações; se tal fosse o meu intento dizia-o do modo mais claro o peremptorio, e agora que está em moda...

O Sr. Antonio Centeno (interrompendo): - V. Exa. disse que eu estou muito esclarecido neste assumpto, mas que finjo não estar, e como a obrigação de um Deputado é falar com a força da sua convicção eu exijo que V. Exa. explique a sua phrase, que representa uma insinuação que as nossas relações e o meu procedimento lhe não permittem.

O illustre Deputado dirigiu-me uma insinuação. Peço, pois, a S. Exa. a explicação das suas palavras.

O Orador: - Não costumo fazer insinuações a ninguem, quando tiver de fazer qualquer affirmativa, fá-la-hei de uma maneira mais terminante.

O Sr. Antonio Centeno: - S. Exa. fez-me uma insinuação. Portanto, insisto que S. Exa. dê a explicação das suas palavras.

O Orador: - Não fiz insinuação nenhuma, absolutamente nenhuma.

O Sr. Antonio Centeno: - Então, peço desculpa de o ter interrompido.

O Orador: - S. Exa. sabe que eu sou incapaz de fazer uma insinuação.

O Sr. Presidente: - Visto que estão dadas todas as explicações, pode o illustre Deputado Sr. Carlos Ferreira continuar o seu discurso.

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SESSÃO N.° 27 DE 6 DE SETEMBRO DE 1905 31

O Orador: - Sr. Presidente: o que peço, para mim e para todos os illustres Deputados d'aquelle lado da Camara, é a mesma liberdade que teem aquelles que falam de outro campo.

Tenho muita consideração pelo illustre Deputado.

É possivel que pelo meu temperamento e pela minha forma oratoria tivesse offendido alguem. Mas se porventura alguma phrase por mim proferida melindrou alguem, eu dou-a por não dita.

Cada um tem o seu temperamento. Este é o meu.

Sr. Presidente: quero seguir, par e passo, as observações feitas pelo Sr. Queiroz Ribeiro.

S. Exa. acha que existe contradicção entre o Sr. Ministro da Fazenda e o Sr. Presidente do Conselho.

S. Exa. ha de permittir-me que eu affirme que entre as affirmações do Sr. Presidente do Conselho e o que disse o Sr. Ministro da Fazenda não ha contradicção. (Apoiados).

Onde é que S. Exa. quer encontrar essa contradicção?

O Sr. Presidente do Conselho, em virtude de resolução tomada em Conselho de Ministros, mandou um telegramma ao nosso Ministro em Paris, fazendo uma pergunta de caracter confidencial sobre a cotação das obrigações.

Na resposta do nosso Ministro houve uma allusão a Reilhac, e mais nada.

Expostos os factos como são, ha razão para as considerações feitas pelo Sr. Queiroz Ribeiro?

O Sr. Presidente: - A hora vai muito adeantada e o Sr. Ministro da Fazenda pediu a palavra para antes de se encerrar a sessão, por isso se o illustre Deputado está de accordo reservo-lhe a palavra a sessão seguinte.

O Orador: - Não tenho duvida alguma.

(Não reviu as notas do seu discurso).

O Sr. Ministro da Fazenda (Manoel Affonso Espregueira):- Pedi a palavra unicamente para me referir ao que foi dito nesta Camara com respeito á informação que a Direcção Geral da Thesouraria deu á Procuradoria Geral da Corôa, acêrca da incompetencia juridica da Companhia dos Phosphoros para concorrer ao monopolio dos tabacos.

Segundo os regulamentos das Secretarias do Estado são os directores geraes das differentes direcções que teem obrigação de informar o Ministro sobre todos os assumptos que são submettidos á sua consideração. O Ministro não insinua nem influe nas informações que elles dão, nem foi nunca meu costume insinuar em qualquer informação que elles dessem.

O Sr. Queiroz Ribeiro: - Peço a palavra para explicações antes de se encerrar a sessão.

O Orador: - O director geral da thesouraria é um empregado de tal modo zeloso que não me permittiria fazer-lhe a menor insinuação sobre o que era officialmente da sua inteira e absoluta responsabilidade.

Não fiz mais do que dizer-lhe que estudasse o assumpto e formulasse o seu parecer, porque desejava tomar uma resolução. É o que faço sempre e ninguem pode dizer que procedo de modo diverso, mesmo no assumpto mais insignificante, como o que se refira a um servente de secretaria.

Accentuo este facto porque, desempenhando funcções publicas ha muito tempo, sempre tive o maior escrupulo em fazê-lo. Nem consentiria que ninguem fizesse semelhante insinuação.

Em vista do parecer do director geral limitei-me a mandar todo o processo á Procuradoria Geral da Corôa. Foi o que fiz, nem podia fazer outra coisa.

Procurei informar-me como me cumpria e o Sr. Director geral da thesouraria, no seu legitimo direito, justificou o seu parecer.

Sobre isto nada mais tenho a accrescentar.

O Sr. Queiroz Ribeiro: - Peço a palavra para explicações.

O Sr. Presidente: - Deu a hora de se encerrar a sessão e por isso tenho de consultar a Camara para poder conceder a palavra ao Sr. Queiroz Ribeiro.

Vozes da direita: - Deu a hora! Deu a hora!

Outras Vozes: - Então não se permitte que um Deputado use da palavra para explicações?!

É consultada a Camara, que resolve não conceder a palavra ao Sr. Queiroz Ribeiro.

Protestos.

O Sr. Queiroz Ribeiro: - Eu fui provocado e portanto tenho direito a falar.

O Sr. Presidente: - Já tinha dado a hora de se encerrar a sessão e por isso tinha de consultar a Camara.

O Sr. Queiroz Ribeiro (batendo repetidas vezes na carteira.): - Protesto contra a resolução da Camara.

O Sr. Presidente: - A proxima sessão é sexta feira, 8 do corrente.

A ordem do dia é a mesma que estava dada.

Está levantada a sessão.

Eram 7 horas da tarde.

Documentos enviados para a mesa nesta sessão

Proposta de lei apresentada pelo Sr. Ministro da Fazenda

Proposta de lei n.º 19-A

Senhores.- A commissão criada pelo decreto de 28 de abril de 1892 para, em execução da carta de lei de 27 do mesmo mês, erigir um monumento á memoria do Marquês de Pombal, Sebastião José de Carvalho e Mello, Ministro de El-Rei D. José I, representou ao Governo pedindo a cunhagem de moeda especial de prata até a importancia de 200:000$000 réis, no intuito de se fazer face a parte das despesas necessarias para aquelle monumento com o lucro d'essa amoedação.

Identico pedido apresentaram alguns habitantes da cidade de Setubal que se constituiram em commissão para celebrarem o centenario do fallecimento do insigne poeta Manoel Maria Barbosa du Bocage, solicitando a cunhagem especial de 20:000$000 réis em moeda de prata, destinada a commemorar aquelle centenario, sendo-lhe entregues os lucros d'essa amoedação a fim de serem applicados ás despesas da referida solemnidade.

O Governo considerando que é louvavel o intuito de prestar homepagem á memoria d'aquelles que illustraram a patria, e que o deferimento dos pedidos não importa encargo para o Thesouro; e attendendo a que a cunhagem de moedas commemorativas não vae perturbar a circulação pois que é de prever que todas serão recolhidas pelos colleccionadores, tem a honra de apresentar á Camara dos Senhores Deputados a seguinte

Proposta de lei

Artigo 1.° É o Governo autorizado a mandar cunhar e

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32 DIAÁRIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

fazer emittir moedas de prata de 1$000 réis e 500 réis, com o toque e peso legaes a é a importancia de 200:000$000 réis, especiaes e commemorativas do Marquês de Pombal, Sebastião José de Carvalho e Mello, Ministro de El-Rei D. José I, e de 20:000$000 réis para o centenario do fallecimento do poeta português Manoel Maria Barbosa du Bocage, sendo applicados os lucros d'esta amoedação aos fins acima indicados.

§ unico. O Governo regulará por decreto a execução d'esta lei, dando conta ás Côrtes do uso que tiver feito d'esta autorização.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.

Secretaria de Estado dos Negocios da Fazenda, em 6 de setembro de 1905. = Manoel Affonso de Espregueira.

Representação

Da Companhia Mineira e Metallurgica do Braçal, com sede no Braçal, Sever do Vouga, reclamando contra o artigo 99.° da proposta de lei sobre a pauta das alfandegas, que fixa em 10 réis por kilogramma o direito sobre o chumbo em bruto ou em metralha.

Apresentada pelo Sr. Deputado Ferreira da Fonseca.

A publicar no "Diario do Governo" e a enviar á commissão de fazenda.

O REDACTOR = Luiz de Moraes Carvalho.

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