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CAPITULO IV.

Disposições Geraes.

Art. LV. Nos Processos, em uma e outra Camara, escreverão os Officiaes Maiores das suas Secretarias.

Art. LVI. Quando forem precisas testemunhas, as Camarás as farão notificar; e as Ordens para compelli-las serão mandadas executar por qualquer Magistrado, ou Juiz Territorial, segundo a Lei, em conformidade do Aviso, que lhe será dirigido pelo Secretario da Camara, a que pertença, sendo os Magistrados obrigados a executar as Ordens, que para esse fim lhes forem dirigidas.

Art. LVII. As punas pecuniárias impostas nesta Lei serão applicadas para Estabelecimentos Pios, e de Caridade.

Art. LVIII. Se o Ministro e Secretario d'Estado, ou o Conselheiro d'Estado não tiver meios de pagar a pena pecuniaria, será esta commutada em pena de prisão na proporção de mil reis por dia.

Art. LIX. Decidindo a Camara dos Dignos Pares que tem lugar a indemnisação; assim se declarará na Sentença; e as Partes lezadas poderão demandar por ella os Reos, perante os Juizes do Foro commum.

Art. LX. Quando o denunciado, ou accusado já estiver fora do Ministerio ao tempo da Denuncia, ou Accusação, será igualmente ouvido pela maneira declarada nas duas Sessões do Capitulo III, marcando-se-lhe prazo razoavel para a resposta e cumprimento.

Art. LXI. No caso da dissolução da Camara dos Deputados, ou de encerramento da Sessão, um dos primeiros trabalhos da Sessão seguinte será a continuação do Processo da Denuncia, ou Accusação, que se tiver começado.

Camara dos Deputados 6 de Fevereiro de 1828. - José Machado d'Abreu.

Ficou para segunda leitura.

O mesmo Senhor Machado d'Abreu fez o seguinte Requerimento:

Requeiro que ao Governo se peça pelo Ministerio dos Negocios da Fazenda a Resolução de 30 de Agosto de 1830, tomada por ElRei o Senhor D. João VI. no Rio de Janeiro sobre Consulta da Real Junta do Commercio de Lisboa ácerca de Seguros.

N. B. Consta que esta Resolução chegara a Portugal no tempo, em que os papeis vindos do Rio de ião para as Necessidades, e que dahi revertera às Secretarias d'Estado; mas não se sabe com certeza se existirá na da Fazenda, se na do Reino, ou outra - pede-se pois pela da Fazenda na supposição de que ahi exista; mas quando nella não appareça, roga-se que se peça pelas outras Secretarias d'Estado. Camara dos Deputados. - José Machado d'Abreu.

Mandou-se pedir.

Fez-se a segunda leitura de um Projecto de Providencias Administrativas sobre pontes, estradas, etc. do Senhor Deputado Araujo e Castro. (Vide pag. 299). Foi admittido.

Teve segunda leitura outro do Senhor Deputado Borges Carneira sobre reforma de Relações: (Vide pag. 298) e mandou-se remetter á Commissão encarregada deste objecto.

O mesmo Senhor Deputado pedio se mandasse imprimir o Parecer de uma Com missão Central sobre o Projecto N.º 88 relativo a Fabricas de Igrejas: assim se mandou.

Dêo então o Senhor Vice-Presidente para Ordem do Dia da seguinte Sessão a discussão em geral dos Projectos N.º 117, 161, 156, e 163, e em especial do N.º 140 - B; e havendo tempo a nomeação de Commissões para os Projectos N.º 160, e N.° 162. E disse que estava fechada a Sessão ás duas horas.

OFFICIO.

Para o Ministro da Fazenda.

Illustrissimo e Excellentissimo Senhor - Tendo sido nesta Camara dado para Ordem do Dia de amanhã 8 do corrente o Parecer da sua Commissão de Fazenda N.º 161, do qual tenho a honra de remetter a V. Exca. um Exemplar, e sedo de summa utilidade a presença de V. Exca. na sua discussão, a mesma Camara convida a V. Exca. para assistir a ella, o que me cumpre, participar a V. Exca.

Deos guarde a V. Exca. Palcio da Camara em 7 de Fevereiro de 1828. - Illustrissimo e Excellentissimo Senhor Manoel Antonio de Carvalho, Ministro e Secretario d'Estado dos Negocios da Fazenda - Antonio Vicente de Carvalho e Sousa, Deputado Secretario.

SESSÃO DE 8 DE FEVEREIRO.

Ás 9 horas e quarenta minutos da manhã, feita a chamada, achárão-se presentes 92 Senhores Deputados, faltando, alem dos que ainda se não apresentarão, 22, D saber: os Senhores Claudino Pimentel - Alberto Soares - Mascarenhas Grade - Van-Zeller - Xavier da Silva - Barroso - Saneias - Costa Rebello - Ferreira de Moura - Botelho de Sampaio - Cordeiro - Sousa Cardoso - Campos Barreto - Barão de Quintella - André Urbano - Araujo e Castro - Costa Sampaio - Rebello - Visconde de Fonte Arcada - e Visconde de S. Gil - com causa; e sem ella os Senhores Alves Diniz - e Nunes Cardoso.

Disse então o Senhor Presidente que estava aberta a Sessão; e, lida a Acta da antecedente, foi approvada.

O Senhor Deputado Guerreiro declarou que na Sessão de hontem havia dado por equivocação para Ordem do Dia o Projecto N.° 140 - B, quando o que queria dar era o N.º 140 - D. Mandou-se lançar na Acta esta declaração.

O Senhor Presidente disse que a Deputação encarregada de apresentar a Sua Alteza os Autographos da Lei sobre a creação de um Collegio em Coimbra com o nome de = Real Instituto Africano - se dirigira hontem ao Palácio d'Ajuda, onde, sendo mui bem acolhida, elle apresentára a Sua Alteza os Autographos, que benignamente forão recebidos.

O Senhor Deputado Secretario Paiva Pereira dêo conta de um Officio do Ministro dos Negocios do Reino, remettendo o resto da esclarecimentos sobre Ex-

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postos, que se havião exigido por aquelle Ministerio. Mandárão-se juntar aos outros.

Dêo conta de outro pelo Ministerio da Justiça, acompanhando dous Mappas dos Acordãos proferidos nas Relações de Lisboa, e Porto sobre crimes de rebellião, que se tinhão exigido. Mandárão-se para o Archivo.

Lêo mais um Officio de Vicente Pinto de Miranda, offerecendo um Additamento á Resposta do Projecto do Intendente Geral das Minas. Mandou-se distribuir.

Declarou mais que o Senhor Deputado Fernando Affonso Giraldes participava a continuação da sua molestia. Ficou a Camara inteirada.

A Commissão de Petições participou haver nomeado para Presidente o Senhor Deputado Barroso e Secretario o Senhor Deputado Cordeiro.

Propoz então o Senhor Presidente se seria conveniente formar-se a Camara já em Sessão Secreta para se lêr o Discurso, que deve dirigir-se a Sua Alteza o Serenissimo Senhor Infante D. Miguel pelo motivo da sua chegada a este Reino, e poder a Commissão examina-lo; e decidindo-se que sim, disse que a Camara ia formar-se em Sessão Secreta por assim o exigir o bem do Estado, o que estava enterrompida a Sessão Publica, sendo dez horas.

Ás dez horas e meia tornou a abrir a Sessão Publica, e sendo presente o Excellentissimo Ministro da Fazenda, foi introduzido pelos Senhores Deputados Secretarios, e tomou o seu lugar. Principiou então a discussão com o Projecto N.º 161 (Vide pag. 297) na sua generalidade.

O Senhor Mozinho da Silveira: - Um Alvará estabeleceo estas Companhias, porem Leis posteriores attribuírão o Regimento, e toda a economia das Companhias á Junta do Commercio, a qual nunca lhes dêo Regulamento, nem lhes prescrevêo o verdadeiro limite dos seus trabalhos. Eu quando pela primeira vez tomei conhecimento destas cousas fiquei admirado de que houvesse Nação no Mundo; em que se tolerassem taes Companhias. Eu nos primeiros tempos attribuia, á ignorancia do objecto a veneração em que estavão as Companhias, e por mais que diariamente pense nisto, confesso que cada vez o entendo menos. A Junta do Commercio contra a Lei introduzio uma cousa chamada propriedade de logar nas Companhias, que quer dizer, faculdade de ganhar um homem tranquillo na sua casa, trabalhando outros infelizes por elle. Isto deve acabar: nada mais injusto. No Projecto aquelles infelizes ficão menos mal. E isto sería sufficiente para que eu approvasse. Sería tambem preciso acabar com esta influencia da Junta do Commercio. Esta Junta que he fora da Alfandega não pode saber quem trabalha bem, ou mal. A Commissão julgou que tudo isto era regulamentar, e que o mal ficava remediado com o que propoz no Projecto.

O Senhor Moraes Sarmento: - Senhor Presidente: o Projecto N.° 161 parece que he uma filiação da Proposta do anno passado, que tractava simplesmente da reunião das Alfandegas de Lisboa. Parece-me o Senhor Deputado entrou a tractar de uma materia, ou de um principio, que ainda; não está concedido. - Este principio he a reunião das Alfandegas de Lisboa, a essa he a questão. Eu não estou pela approvação do Projecto do modo com que se apresenta, ao mesmo tempo que estou por uma reunião de Alfandegas; mas julgo tambem que tanto direito ha para que a Casa chamada da India seja o nucleo d'essa reunião, como para que o seja a Alfandega grande. Parece-me pois que se deve tractar d'essa questão da reunião, sem que nenhuma das Casas das Alfandegas seja a base para a reunião d'ellas. Seria conveniente que o Projecto voltasse á Commissão, e talvez conviria igualmente estabelecer uma Directoria Geral das Alfandegas, como está estabelecido em Inglaterra, e na França. Estas são as idéas geraes, que agora me occorem. Não deve perder-se de vista, que a Administração de uma d'essas Alfandegas de Lisboa he officio de propriedade do chefe de uma Casa respeitavel de Portugal, que comprou este Emprego, e o possue por Titulo oneroso. Sendo assim não convem tirar a essa familia esse estabelecimento, sem que a Commissão veja o modo de fazer a compensação; tanto mais quanto que, segundo estou informado, e dizem geralmente em Lisboa, essa Repartição he a melhor administrada; e por isso mais injustamente soffreria essa familia com a suppressão. Mas como o interesse publico deve prevalecer, convenho, havendo uma compensação, em que todas as Alfandegas se reunão. A Commissão pode tornar a fazer-se cargo do Projecto, apresentando-o á Camara com uma maior regularidade, estabelecendo um systema de fiscalidade, ou Directoria Geral, ou como se queira chamar; com tanto que não haja uma especie de predilecção a favor de uma das Alfandegas, para formar a base da reunião das outras.

O Senhor Mozinho da Silveira: - He o Senhor Deputado de opinião, que deve discutir-se antes o Projecto da reunião das Alfandegas; não ha tal necessidade; este Projecto he destacado e particular, e não tem que ver com aquelle, Mas já que se tocou nesta questão direi, a respeito da parcialidade que achou o Senhor Deputado em julgar nucleo da reunião a Alfandega grande de Lisboa, que não houve parcialidade alguma; e, para que a não houvesse, bastava que eu fosse Membro da Commissão, que sou Administrador da dita Alfandega. Porem a Alfandega grande he a regra geral, todas as outras são regras particulares, e qual he de observar melhor, por assim dizer? A parte ao todo, ou o todo a parte? Sendo a Alfandega grande o todo, não parece que devia ligar-se á parte; a parte sim que deve reunir-se ao todo: Ha alem disso outra razão tirada da natureza material das cousas, e he que o edificio da Alfandega grande he um edificio immenso, é commodo para o objecto; e os das outras Alfandegas o não são assim. Ora em quanto á boa administração de uma casa compairada com a da outra, cumpre saber, que as Alfandegas estão reguladas por differentes Leis; differentes são as das Casa da India, que as da Alfandega grande, umas mais faceis, outras mais complicadas; a Commissão reduzio tudo a uma só regra, cuja simplicidade agrada muito ao Commercio. Em França, em Inglaterra, na Russia, e em quasi todos os Paizes da Europa ha, como disse o Senhor Deputado, uma directoria geral das Alfandegas, que he um homem só, que com certos officiaes revista as Alfandegas, e tem sobre ellas um poder immenso, mas esse

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Directorio não he novo entre nós, quem o tem he o Conselho da Fazenda: agora se se quizer que do Concelho da Fazenda passe a outro Tribunal, ou a outra pessoa, isso he questão differente, mas são questões immensas, que tem muito que discutir, e que não são dum momento. Não nos afastemos do objecto. A questão, á questão, dizem os Inglezes, Senhor Presidente: o mesmo digo: vamos tractar do Projecto da reforma das companhias, que he do que se deve tractar.

O Senhor F. J. Maia: - Eu sou devoto que o Projecto se admitia á discussão na sua generalidade; e, quando se tractar em particular, direi a minha opinião sobre cada Artigo.

O Senhor F. A. de Campos: - Quando offereci o voto em separado, que se acha no Projecto, foi na persuasão que ainda estou de que os Artigos que a Commissão apresenta são alterações que ella faz á Proposta do Governo sobre a reunião das Alfandegas; porque de outra forma era necessario que eu não tivesse o senso commum para fazer um voto em separado sobre um objecto, que nenhuma relação tem com elle como a reforma das Companhias dos Galegos. O Relatorio da Commissão, que eu peço que se leia, mostrará quaes erão as suas vistas, e se eu as comprehendi bem; se ella offerece á discussão a Proposta do Governo em todas as suas partes, ou se ella quiz separar o que unicamente era relativo ás ditas Companhias. Agora se se quizer restringir a discussão a este ultimo objecto, he certo que o meu voto fica deslocado, porque nada tem com elle; mas neste caso eu o retiro, e fica a meu cuidado o reprodusi-lo quando a Camara se occupar da reunião das Alfandegas, com que unicamente tem relação, e para que foi feito. Entretanto eu desejo saber quente o que está em discussão, se toda a Proposta do Governo, se parte.

O Senhor F. J. Maia: - Se o Senhor Deputado tivesse lido a Proposta do Governo de 8 de Novembro de 1826, leria visto que as cousas são diversas.

O Senhor F. A. de Campos: - Eu li o Projecto e sei excellentemente o que elle contem. Parece-me que o Senhor Deputado he que me não ouvio, porque pensaria de outra forma.

O Senhor Ministro da Fazenda: - Já em 1820, ou 1821 o Governo daquelle tempo julgou conveniente a reunião das Alfandegas; e para isso se nomeou uma Commissão, que foi extincta de direito, mas que depois se installou para continuar os seus trabalhos, e da qual eu tive a honra de ser Membro. Esta Commissão não tinha bases para os seus trabalhos, e por isso tractou de as adoptar, e formou uma Consulta, que foi presente a Sua Magestade, que Deos haja, em que propunha bases para se dirigir em seus trabalhos, e se reduzião:

1.ª Se as Alfandegas devião reunir-se em uma só?

2.ª Se todos os ditferentes direitos devião reunir-se tambem em um só de tantos por cento?

3.ª Se as Companhias da Alfandega devião reformar-se?

A resolução desta Consulta demorou-se muito tempo; e a final Sua Magestade mandou que a Commissão progredisse nos seus trabalhos, e que depois resolveria sobre as bases como julgasse conveniente. O resultado do trabalho da Commissão he, em grande parte, esse Regulamento, que foi presente á Commissão, e que, segundo o meu entender, muito deixa ao Governo para o pôr em pratica da forma, que mais conveniente julgar.

Escusado he agora o dizer que o Projecto da referida reunião das Alfandegas he inteiramente differente do Projecto das Companhias; e sendo sobre aquellas bases, de que faltei, que a Commissão apresenta este Projecto, por isso me parece que deve approvar-se na sua generalidade, porque uma Alfandega com onze Companhias, com differentes Chefes, e attribuições, taes como de levar os fardos até aponta da prenda, da ponta da prancha ao lugar = A, = do lugar = A = á porta do armazem = B, = d'aqui a outra parte, etc., ha de forçosamente offerecer um systema mui complicado, e mui difficil para um Administrador poder olhar pela sua execução. Que dúvida pode pois haver em crearem-se duas Companhias, uma de trabalhadores para os fardos, outra de obreiros para concertar caixas, barricas, e outros objectos? Eu por certo não a encontro. Senhor Presidente, he certo que em Portugal, quando se estabelece uma Lei desta natureza, marca-se nella o número dos Empregados; mas que importa isso, se á manhã se muda tudo? (apoiado, apoiado.) Nada ha tão complicado como o negocio das Companhias: ha immensas demandas entre ellas; ha infinitas Resoluções de Consultas: eu, he certo que estou ha dous dias no Ministerio; mas ellas tem-me dado tanto trabalho como os negocios mais complicados do Estado. Ha bem poucos dias que em meu poder esteve uma, que bastante me dêo a fazer, procedendo tudo de que em Portugal nunca houve regra para nada (apoiado, apoiado).

Talvez o que vou a dizer seja estranho deste objecto; mas, Senhor Presidente, este he o lugar de se dizer a verdade, e eu vou faltar, não como Ministro d'Estado, mas como amante da verdade, e para isto não ha consideração alguma. Diz-se que a Casa da India está bem administrada: quem são os Empregados nas Companhias d'esta Alfandega? São os proprias Creados do Administrador. Mas voltemos á questão: aqui não se tracta senão de authorisar o Governo para lhe tirar os embaraços legaes, que lhe obstão a poder pôr em prática os seus planos. Quaes são estes embaraços? São onze Companhias estabelecidas por Lei, e por meio de Resolução de Consulta, que valem o mesmo, e pelos Estatutos da Junta do Commercio, que aos Capitulos 13, e 14 fallão dos Capatazes, e mas nomeações, ordenando que estas lhe pertencem, e que oxalá nunca lhe tivessem pertencido. He pois necessario desembaraçar o Governo, authorisando-o para fazer o que entender; he então que se pode exigir a responsabilidade dos Executores da Lei, e não em quanto se lhe não aplanão as dificuldades: eu vejo que o Projecto na sua generalidade serve para isto; e se precisa de algumas modificações em alguns de seus Artigos, quando se entrar na sua discussão particular então se farão.

Se o arranjo das Alfandegas estivesse em outro estado, eu seria de opinião que não houvessem Companhias, que cada um se servisse com quem quizesse, pois que nada ha tão fora de proposito como chegar qualquer pessoa á ponta da prancha com o seu creado, que lhe leva a sua malla, e não poder continuar a levar-lha; passar alli para as mãos dos homens de uma Companhia; mais adiante para as de outra; e

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assim passar por immensas pessoas: he preciso, Senhor Presidente, acabarmos com esta idéa: o Governo não he o melhor Administrador dos bens dos Cidadãos; cada um tem todo o cuidado em bem administrar o que he seu, e a regra he administrar bem. He pois a minha opinião que se admitta o Projecto na sua generalidade.

Achando-se o objecto sufficientemente discutido, e retirado o Ministro com as prescriptas formalidades, procedêo-se á votação nominal sobre o Projecto, e unanimemente foi approvado, decidindo-se alem disso que se mandasse imprimir o Parecer da Commissão, para ser presente na sua discussão particular.

Seguio-se a discussão em geral do Projecto N.º 117.

PROJECTO N.º 117.

Art. 1.º Quando em qualquer Morgado, ou Capella se acabar a ordem legitima de Successão, os Bens vinculados ficarão allodiaes, e livres de lodo o encargo; e como taes passarão para os Herdeiros testamentarios, ou legítimos do ultimo Administrador, do sangue do Instituidor.

Art. 2.º Nos Morgados, ou Capellas actualmente possuidos por Administradores Seculares, a prescripção de trinta annos aproveitará contra qualquer denúncia por causa de devolução, ou de commisso.

Art. 3.º Os Bens possuídos como allodioes estão sujeitos ás regras ordinarias da prescripção estabelecidas na Ord. do L. 4.º Tit. 3.º e 79, ainda que se allegue serem de Morgado, ou de Capella.

Art. 4.° O immediato Successor de qualquer Capella, ou Morgado poderá, mesmo em vida do Administrador, reivindicar para o Vinculo quaesquer Bens injustamente alheados; e lerá desde logo a Administração de todos os Bens, que assim reivindicar.

Art. 5.º Fica revogada toda a Legislação em contrario.

Art. 6.º As disposições desta Lei não comprehendem as denúncias já dadas, nem as demandas começadas ao tempo da sua publicação.

Camara da Deputados 31 de Janeiro de 1827. - José Antonio Guerreiro - Visconde de S. Gil de Perre - Francisco Ignacio Pereira de Sequeira Ferraz - José de Macedo Ribeiro - Vicente Nunes Cardoso - Francisco Fortunato Leite - Antonio Julio de Frias Pimentel e Abreu.

Suscitando-se a dúvida se devia ir primeiro a uma Commissão, verificou-se pela Acta da Sessão de 13 de Fevereiro de 1827, que elle era o resultado de um Parecer de Commissão Central; e, pondo-se á votação se podia ser discutido em geral, decidio-se que sim. Continuou por tanto a discussão:

O Sr. L. T. Cabral: - Não fallo a respeito de cada um dos Artigos em particular, mas sim encaro o Projecto na sua generalidade. O fim deste Projecto he acabar, com as denúncias, que tem feito a desgraça de muitas familias, e tem, entranhado em muita gente a desmoralisação (Apoiado. Apoiado).

Não ha nada mais proprio para um Governo que quer estabelecer um Systema firmado sobre a moral, do que tolher os tristes resultados, que provém da denuncia. Eu rogo a todos os Membros desta Camara que digão perante ella as vantagens reaes, que tenhão resultado dos effeitos da denuncia. Eu tenho visto muitas denúncias, e nunca vi que dellas resultasse bem algum para o Thesouro Publico, mas sim tenho visto resultar desgraças para todos os particulares: portanto sou de opinião que ella se extinga, e que nunca mais appareça entre nós. Se ha alguma cousa que necessite emendar-se nos Artigos era particular, não he agora tempo disto; porquanto estâmos tractando do Projecto na sua generalidade: vêr se elle he conforme aos interesses públicos, e conforme aos interesses particulares, portanto deve ser approvado. (Apoiado. Apoiado.)

O Senhor Galvão Palma: - Julgo o Projecto de Lei em questão vantajoso a todos os respeitos, e por tanto digno da approvação desta Camara, que só, e nada mais tem em vista do que o bem público. Obvia muitos letigios, que, alem de grandes males, até na frase do nosso Rodrigues Lobo damna estomagos, e cria ma vontade nos litigantes. Segura os possuidores no gozo pacifico e tranquillo das Capellas, e Morgados, sem receio que amanheção pobres, os que no dia antecedente erão abastados. E tornando em determinadas hypotheses alludiaes os bens, que erão vinculados no melhoramento e vendas delles, interessa até o patrimonio da Nação no augmento das Sizas, e outros tributos, que crescem com o augmento dos predios, e capitães. Sobre tudo diminue o número da denunciantes (que, como os espiões, são a relé da Sociedade), cuja existencia importa relaxação da Moral. Com razão diz o Codigo da Humanidade = que o denunciante he o mais vil dos homens; que quem tracta com elle se deshonra mais, que se familiarizasse com o algoz: pois a conducta daquelle por voluntaria he effeito do seu máo caracter; no emtanto que o do algoz he o resultado do seu officio: este faz o mal por dever, o outro por prazer. = A Nação não deve enriquecer-se por meios odiosos, nem o Thesouro Publico engrossar com o desfalque do da moral. Voto pois pela generalidade do Projecto; e, em testemunho do meu reconhecimento, rendo as devidas graças ao seu Illustre Auctor.

O Senhor Serpa Machado: - Eu concordo em que as denúncias não são nem vantajosas para o Thesouro, nem para os interesses particulares; mas o meu fim he ver se os Artigos do Projecto satisfazem aquillo, a que se devem propor. Vejo que elles são muito estranhos, por quanto pela maior parte nada dizem a respeito do objecto, que he, e deve ser o unico, de extinguir as denuncias... A Camara deve sobre este objecto prestar a maior attenção, e não consentir que debaixo do pretexto de fazer-se um Projecto a reprimir as denúncias, saia outro sobre Morgados, e prescripções.

O Senhor L. T. Cabral: - Senhor Presidente, o primeiro e segundo Artigo deste Projecto vão contra as denuncias, o terceiro e quarto pertendem lançar vistas analogas aos antecedentes, isto he, tractão de remover outros males. Se os Artigos terceiro e quarto não pertencem aqui, tractar-se-ha disto na discussão em particular, e não agora que se discute o Projecto em geral.

O Senhor Guerreiro: - Era maxima antiga da nossa Jurisprudência, que os Morgados, e Capellas devião durar, em quanto o Mundo durasse; e com effeito se acha esta clausula em quasi todas as Instituições. A Legislação, e a Jurisprudencia, ambas erão

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fundados sobre esta maxima; e quando de todo se extinguia a linha dos Administradores, o vinculo passava para a Corôa, não por direito de devolução, nem para serem incorporados nos Proprios; sim, e unicamente para que o Rei nomeasse um Administrador, em quem começasse nova linha para manter a perpetuidade, apesar do tempo, e da morte.

Pela Legislação do Reinado do Senhor D. José I proscrevêrão-se as antigas maximas, e creárâo-se outras novas: a perpetuidade dos vinculos cessou de ser venerada com culto supersticioso: ordenou-se que pela extincção das linhas do sangue dos instituidores, assim como por caso de commisso os bens vinculados se devolvessem á Corôa para serem incorporados nos seus Proprios, ficando extinctos todos os encargos: ordenárão-se as denuncias, como o melhor meio de verificar a incorporação; e dêo-se em premio aos denunciantes a administração vitalicia dos bens incorporados.

A cobiça excitou um enxame de denunciantes; e a maxima deploravel de que contra a Corôa não ha prescripção, e de que a mesma Corôa entra sempre com a sua intenção fundada, lançando sobre, os denunciados a dura obrigação de justificarem o parentesco com o Instituidor em todos, e em cada um dos grãos por certidões de baptismos, e casamentos; estas duas maximas vierão perturbar a pacifica posse de todos os Administradores de vinculos. Quem ha aqui, que não tenha visto, ou ouvido os lastimosos resultados destas denuncias? Quantas familias ricas, e abastadas senão virá o de repente reduzidas á miseria, porque o tempo, ou a traça rompêrão um documento? Que horrores se não tem praticado neste ramo de denuncia! A Commissão, de que tive a honra de ser Membro, vio a grandeza do mal, e a urgencia do remedio: propoz o unico, que julgou efficaz.

Disse um Senhor Deputado que os Artigos do Projecto não satisfazem a seu fim. Se me não engano, he tudo pelo contrario: não só o Projecto corta o mal pela raiz, mas todos os seus Artigos tendem a prevenir os grandes males, que nascem da incerteza da posse, e administração de vinculos. Outro Senhor Deputado combateo as ultimas palavras do Artigo 1.º = do sangue do instituidor =, que elle referio aos herdeiros: a Commissão applicou-as ao ultimo Administrador; porem não só convenho, mas proponho que se tirem; pois que, sem alterar o sentido, se previnem erradas interpretações.

Propõe a Commissão no Artigo 2.° (lêo). A providencia do Artigo 1.º não tem effeito retroactivo; e por isso não he applicavel aos vinculos, cujas linhas se extinguírão já, e que andão usurpados: a Commissão entenda que nenhuma Lei deve proteger usurpações; mas, se fosse permittido denunciar a todo o tempo vínculos com o fundamento de se haver a devolução verificado antes desta Lei, tudo ficaria na mesma incerteza, para remediar a qual he que a Commissão, propõe aqui uma prescripção. E note-se que em Direito Portuguez não ha Lei alguma, que exceptue os vinculos das regras geraes da prescripção, nem que para elles prescreva regras especiaes; prevaleceo todovia em Jurisprudencia a maxima, de que contra vinculos não ha prescripção, a qual junta com a de não haver prescripção contra a Corôa, muitos, e mui grandes males tem causado.

O 3.º Artigo he fundado nas mesmas bases, e nas mesmas considerações, mas com applicação diversa. Se no 2.º se propõe o meio de provêr aos Administradores de vinculos contra os denunciantes, neste propõe-se uma providencia a favor dos possuidores de bens reputados allodiaes contra o que os quer reivindicar para algum vinculo. Quem poderá supportar que se tirem bens a um pacifico possuidor, só porque em um documento antigo se dizem vinculados ha um, dous, ou mais seculos? He possivel que a allodialidade reconhecida em tão longo periodo não baste? Se a Camara acha curto o tempo da prescripção proposta, determine-se outro; mas em todo o caso assigne-se um.

O Artigo 4.º não concorre para o fim principal, mas he um correctivo dos abusos, que se podem fazer do antecedente. Muitos Administradores poderião maliciosamente deixar prescrever os bens, que não podem alienar. Para prevenir este mal, a Commissão propõe que se admitta o immediato successor a reivindicar os bens alienados, antes que prescrevão, e que em paga do trabalho, e despezas tenha desde logo a administração dos bens, que assim reivindicar. Por este modo se combina a prescripção com a inalienabilidade: premêa-se o successor diligente, e pune-se o administrador desleixado.

O Artigo 5.º he de todos os Projectos, e o 6.° he fundado sobre o principio inalteravel de que as Leis não tem effeito retroactivo, nem podem sem injustiça offender direitos legitimamente adquiridos.

Aqui estão, Senhores, em breve quadro as razões, que a Commissão teve para apresentar este Projecto: a Camara as avaliará; entretanto eu voto, approvando que o Projecto se admitta a ultima leitura.

O Senhor Serpa Machado: - Depois das observações, que fez o Auctor originario deste Projecto, eu ainda insisto que os meios, que propõe o Illustre Deputado, não são sufficientes para conseguir este fim. Admitte-se a prescripção, quando se tracta da allodialidade dos bens, e não quando se tracta de os conservar vinculados; de maneira que se vê uma contra, dicção manifesta nesta doutrina. Uma vez que se faça a alteração, de que se lembrou o Senhor Deputado, parece que não prohibe a denuncia, pois que embaraça este methodo; portanto, bem longe de evitar os prejuizos, que traz comsigo a denuncia, tracta de principios mui differentes.

Julgado o objecto sufficientemente discutido, procedeo-se á votação nominal, e foi approvado, somente com o voto de rejeição do Senhor Deputado Serpa Machado.

Passou-se ao Projecto N.º 156 (Vide pag. 40) sobre o reformação provisoria da ordem do Juizo nos Feitos Crimes, e ao Projecto N.º 163 (Vide pag. 335) sobre o mesmo objecto, apresentado pela Commissão encarregada de o examinar.

O Senhor Gerardo de Sampaio: - Senhor Presidente, levanto-me para supplicar a Vossa Excellencia que se digne propôr á Camara, antes de principiar a discussão sobre o Projecto em geral, a seguinte questão preliminar, a saber. = Ventilou-se na Commissão se a Proposta do Senhor Deputado José Antonio Guerreiro devia, ou não ser refundida em Proposta da Lei; = assentou-se que sim, afastando-se desta asserção o referido Senhor, e apparecendo agora o seu vo-

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to em separado, que argue aquella de menos exacta, por assim ter praticado: pede a boa ordem que para intelligencia dos Membros, que desta forma pensavão, e das Commissões, que tem de se encarregar de regular alguns trabalhos para o futuro; e, por ultimo, para não ficar sem resultado uma especie de reclamação do sobredicto Senhor Deputado, a Camara decida primeiro quem tem razão; e se para isto tiver lugar, como julgo, a questão preliminar, que deixo expendida, desde já peço a palavra para patentear as razões, que a Commissão leve para refundir a Proposta em um Parecer, que contem o Projecto de Lei.

O Senhor Magalhães: - Reconheço os bons sentimentos, e o muito saber dos Senhores Deputados, que compõe a Commissão; mas seja-me permittido (pedindo-lhe perdão) de lhe dizer que não fizerão o seu dever, cujo dever se acha prescripto nos Artigos 55, e 46 do Regimento desta Camara. Na Sessão passada suscitou-se uma questão, que foi muito debatida, sobre a iniciativa dada pela Carta ao Deputado. Alem disto: não se diga que o Regimento está derogado por uma prática: se esta prática fosse sanccionada por uma resolução posterior á da Camara, estava bem; porem como ella não he sanccionada por principios sólidos de razão, nem he sanccionada pela Camara, he uma prática abusiva, e por consequencia não deve ser seguida. O que se deve seguir he o que determina o Artigo 55, quando diz (lêo); eu não sei que haja nada mais claro do que isto, que o Regimento manda. Elle determina que seja dado para Ordem do dia a Proposta original do Deputado; e a obrigação da Commissão he fazer um Relatorio; e o que ella deve examinar he se a materia he admissivel: este he o primeiro passo, que deve dar a Commissão. Julgado que a materia he admissivel, passa-se ao exame dos Artigos do Projecto: concordando com o primeiro Artigo, diz que, tendo tomado conhecimento daquelle Artigo, assenta que deve ser admittido, dando esta, ou outra qualquer redacção; e devem ir examinando successivamente os mais Artigos. A Proposta original do Deputado deve entrar em discussão, e não se deve alterar a substancia da Proposição. Por tanto digo que não derem apparecer idéas novas, e muito menos da maneira, em que as apresenta a Commissão, que no meu modo de pensar tendem a diminuir as garantias concedidas aos Deputados; que cousa tão funesta!

Admira tambem bastante que a Commissão divergisse da opinião do Illustre Deputado, o Senhor Sarmento, em quanto a um só homem poder dar cabo da vida de outro, quando até aqui sempre se exigio quatro votos unanimes de quatro Desembargadores. Parece impossivel que a Commissão não quizesse seguir o que disse o Illustre Deputado. Ninguem pode duvidar que cada um dos Senhores Deputados tem o direito de propor o que bem lhe parecer; e quando a Camara declarar urgentes as Propostas, a Commissão não lhe pode mudar a forma, e a substancia, em que se acha concebida. A Commissão deve seguir exactissimamente o que determina o Artigo 55, que jámais pode por ella ser alterado. Não se diga que a prática da Sessão passada authorisa a fazer-se isto, pois eu julgo que uma prática, que não foi sanccionada pela Camara, e que não he baseada sobre principios de razão, não deve ser admittida. Por tanto voto contra o Projecto, isto he, contra o Parecer da Commissão.

O Senhor Moraes Sarmento: - Senhor Presidente, eu agradeço ao Senhor Deputado o modo, com que elle me tractou; mas não posso de maneira nenhuma convir na grande injustiça, com que elle invectivou a Commissão. A Commissão andou cavalheirescamente neste negocio, para assim me explicar. Ella foi tractar com o Auctor do Projecto sobre a redacção do Parecer. A Commissão sabe mui bem que o Regimento da Camara tem sido alterado muitas vezes. Nesta Camara tem-se declarado que o Regimento he uma Lei domestica, a qual por essa razão não tem deixado de ser alterado muitissimas vezes. A Commissão nunca podia ter em vista um plagiato, pois que ella não precisa adoptar as idêas do Senhor Guerreiro para saber alguma cousa deste Mundo; por consequencia era desnecessario roubar o Projecto do Senhor Deputado: e deve-se suppôr que a Commissão nunca pertenderia fazer o papel do Grou da Fabula, para ir roubar as pennas do Pavão, e vêr-se depois obrigado a despojar-se do seu plagiato, tão facil de ser apanhado em flagrante. O fim da Commissão foi poupar trabalho á Camará; e por certo nunca ella imaginou que o seu trabalho, e boa fé encontrarião uma retribuição igual á que se lhe faz. A Commissão andou de tão boa fé, que eu juntei ao seu Projecto o do Senhor Deputado Guerreiro, e aqui os tenho juntos ambos, como dependentes um do outro; tão longe estávamos de pertender obscurecer, nem levemente, a gloria de seu Auctor, nem de esperar as arguições, que se nos acaba de fazer!... Quando se tractasse de reformar o Regimento, a minha opinião será que todo aquelle Deputado, que não Unha a capacidade necessaria para sustentar um Projecto, não tenha a audacia de o apresentar, porque os exames dos Projectos nas Commissões vejo por experiencia que servem unicamente para causar desgostos, e incitar personalidades: por tanto serei de parecer que elles nunca sejão remettidos a Commissão alguma. O vicio do Regimento he radical, porque foi copiado do das Camaras Francezas, quando em França as Commissões são de absoluta necessidade, porque só o Governo tem a iniciativa nas Leis; e para dignidade das nossas Camaras o Augusto Legislador dêo ás mesmas a preciosa prerogativa de terem a iniciativa, como em Inglaterra, devendo as Commissões servir cinicamente pura examinarem as Proposições apresentada pelo Governo, e para Projectos recommendados ás Commissões Especiaes nomeadas para esses objectos. Por tanto parece-me ter defendido todas as arguições, que se fizerão á Commissão; e digo que ella procedêo com a maior generosidade, e puresa de intenções.

O Senhor Presidente: - Parece que não se duvida nada das bellas intenções da Commissão; o ponto está se ella podia dar o seu Parecer sem fazer um Projecto novo. Quem duvída que a Commissão procedêo nisto com toda a boa fé? (apoiado, apoiado.)

O Senhor Gerardo de Sampaio: - Senhor Presi-dente, he na realidade cousa admirável, que tendo feito esta Commissão, o que até aqui, com pequenas excepções, as outras tem praticado, sobre ella só se derrame o fel da censura; no emtanto espero que se minore a acrimonia na presença das razões, que vou a expender, e que demo lugar a que ella tomasse um semelhante partido; primeiramente convencêo-se, que a iniciativa dos Senhores Deputa-

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dos está na materia, e não na forma; em segundo lugar seguio, como já disse, a pratica quasi constante, e tolerada nesta Camara; em terceiro lugar observou o que, sobre negocio mais analogo, está determinado no Artigo 46 do Capitulo 4.º do Titulo 4.º da Carta Constitucional, e relativamente ás Propostas do Governo; em quarto lugar considerou, que desta maneira se tomava a discussão mais facil, e desembaraçada; no quinto lugar tem em vista, entre os casos julgados nesta Camara, o que se ordenou a respeito das Propostas sobre a Liberdade de Imprensa; e só nisto conhecêo a necessidade de assim obrar, visto que a materia offerecida não se acha redigida em forma de Projecto de Lei, e tanto que os seus Artigos não principião como preceitos, e sim como lembranças; são pois estas as bases em que a Commissão se estribou, para fazer o que fez; e se isto he um mal, ella não o principiou, como parece ter desejo de inculcar o Senhor Deputado, que me precedêo a fallar, o qual, deve perdoar-me que eu lhe lembre, que obrou o contrario, do que está dizendo, sendo meu Companheiro nos trabalhos relativos áquellas Propostos de Lei a respeito dos abusos da Liberdade de Imprensa, de que acima fiz menção; estão por tanto dadas as necessarias desculpas, e o Camara decidirá o mais acertado.

O Senhor F. J. Maia: - Fallarei restrictamente sobre a questão preliminar, e procurarei evitar quaesquer expressões, que a Commissão possa interpretar como offensivos, pois que jámais desejo combater razões com personalidades; mas espero que a differença de opinião não seja considerada como uma offensa, como alguns Senhores Deputados ás vezes tem considerado: digo que a questão he mui simples, e perguntarei: a Commissão Central cumprio o que o Regimento determina? Certamente não; antes excedêo exorbitantemente as suas attribuições. Os Artigos 46, e 55 do Regimento, nas especies de que tractão, lhe incumbe fazer um Relatorio, e um Parecer, e eu não vejo nem uma, nem outra cousa, mas sim refundido o Projecto original contra a vontade do Auctor, tirando-lhe a iniciativa, que já tinha sobre aquelle importante objecto. Advirto que o que se disse sobre o que se praticára na Sessão do anno passado não he exacto, pois que em casos identicos, ou semelhantes os tinhão cedido os Anctores dos Projectos, ou a Camara o linha assim resolvido; mas nenhuma Commissão Central assumio essa prerogativa, nem o podia assumir, por quanto não he mais que uma pequena fracção da Camara. A'vista do que tenho ponderado, e de muitas outras razões, sou de opinião que entre em discussão a Proposta original, e não o Projecto proposto pela maioria da Commissão.

O Senhor Derramado: - Faço justiça á pureza das intenções da Commissão: convenho em que procedeo com sabedoria, e, como se disse, cavalheirescamente mas não posso convir em que procedesse constitucionalmente: por tanto eu não me farei cargo de comparar o merecimento do seu trabalho com o do sabio Auctor do Projecto; não invocarei mesmo o Regimento; invocarei sómente a Carta Constitucional. A Carta concede ás Camaras, e por conseguinte aos seus Membros, a iniciativa directa: esta iniciativa, este precioso direito do Senhor Deputado, e de todos nós, he que está offendido: este he que eu procuro reivindicar para todos nós, e para elle. Requeiro pois que se discuta o Projecto original; e que o Parecer da Commissão só valha como Emendas, e Additamentos.

O Senhor Serpa Machado: - Senhor Presidente, pouco tenho que accrescentar. O Regimento tem sido alterado muitas vezes, e por isso não o invoco, porque invocado elle estava tudo decidido. Acho muito injusto que o Regimento se altere, pois que pela sua alteração havemos de cahir nestas contradicções: he verdade que a pratica desta Camara tem sido esta, e em contrario do que elle manda, e do que pede a boa razão, mas este methodo necessariamente ha de produzir nas questões muita perturbação. Uma das garantias, que nós podemos ter, como Deputados, e Proponentes, he de não ser alterado o Regimento nesta parte. Por ventura podem os Membros de uma Commissão mudar todas as idéas absolutamente consignadas na Proposta do Deputado? Devem ser discutidas pela Camara estas idéas, sejão justas, sejão injustas; sejão de que maneira forem, jámais devem ser alteradas as primitivas Proposições; pois que isto nada menos he que um absolutismo formal das Commissões. Esta maneira de proceder offende um direito muito precioso, que a Carta nos concede, que he a iniciativa concedida a cada um dos Deputados. Agora os Illustres Deputados, que pugnavão por estas alterações, se convencerão do quanto os outros tinhão razão: por tanto sou da opinião daquelles Senhores, que se afastão da pratica, que até agora se tem seguido: substituamo-la por outra conforme ao Regimento.

O Senhor Presidente: - Os Senhores Deputados, que entrão nesta discussão, e em outra qualquer podem sempre invocar o Regimento sem vacilar. Quando se tem alterado o Regimento he porque a Camara assim o tem determinado; quando for necessario altera-lo na sua essencia, então a Camara o fará com os formalidades, que se devem seguir; e eu não o altero jámais por minha vontade, nem arbitrariamente; quando a Camara o altera he do seu direito, que realmente lhe compete.

O Senhor L. T. Cabral: - Na minha opinião esta questão só tem delicadezas accidentaes, que a podem tornar pouco agradavel; mas, em quanto á materia em si, digo com franqueza que lhe não vejo essa delicadeza, de que se tem faltado (diz este Artigo, lêo): diz-se que a Commissão não cumprio esta obrigação, mas eu vejo, ou parece-me vêr, que supprio, porque no Projecto ha um Relatorio (lêo): isto he um Relatorio; he brevissimo, mas por isso não deixa de o ser. O Projecto apresentado pela Commissão tem menos um Artigo que o do Senhor Guerreiro, mas em todos existem idéas praticas a cada um dos Artigos do Projecto. Offerece a Commissão uma emenda, ou uma substituição; por consequencia não acho razão para criminar a Commissão, contra quem altamente se grita. Agora na discussão, ou se comece discutindo o que propõe o Senhor Guerreiro, ou o que diz a Commissão, em todo o caso tem lugar os Senhores Deputados fallar sobre ambos os objectos. Eu só vejo nesta questão delicadezas accidentaes, torno a repetir, que a podem tornar odiosa; e peço a V. Exca. que proponha á Camara se a Commissão no seu Relatorio comprehendeo o Parecer.

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O Senhor Magalhães: - Eu não inventei a Commissão, mas até principiei fazendo-lhe elogios. Tambem não fallo nesta materia por elogiar o Senhor Guerreiro, porque muitas outras vezes nos temos encontrado em opiniões, sem as considerações de amizade. Todos os Senhores Deputados, que tem fallado em favor da Commissão, a meu vêr, não tem destruido os argumentos em contrario. O Regimento não acho que nunca se postergasse; tem sido alterado, porque assim o tem determinado a Camara, que o pode fazer; mas nesta parte não tem sido alterado, e por isso eu o invoco não só no Artigo 46, mas 45: este literalmente se entende, que o Projecto originario deve entrar em discussão com o Parecer da Commissão. Um Senhor Deputado, que acabou de fallar, com muito engenho, mas a meu vêr sem solidez, quiz mostrar que aqui havia um Relatorio, e Parecer; mas isto acha-se destruido pelo mesmo Projecto (lêo). Não passemos adiante: a Commissão achou que a materia era optima, e achou que o interesse público exige que ella entrasse em discussão, mas refundio as idêas, e apresenta-as como suas. Logo: aqui não ha Parecer de Commissão; ella mesma o confessa, que não fez senão apresentar como suas as idêas do Senhor Deputado (lêo). Eu quereria perguntar á Commissão se ella não soube como havia reduzir a prática as theorias deste Projecto? Pois eu sei-o fazer muito bem; ainda hoje o fiz: mas isto he o que a Commissão não fiz, porque confessa que refundio as idêas do Senhor Deputado. Um dos Senhores Deputados, que primeiro fallou, julgou que me deitava... porem ao Senhor Deputado falhou-lhe a sua memoria, em outras occasiões muito feliz; porque, se se lembrasse, veria que outras vezes sustentei este mesmo principio. Por tanto voto como da primeiro vez.

O Senhor Borges Carneiro: - Nesta debatida questão eu vejo a Commissão, seguir o direito consuetudinario, os seus impugnadores a direito escripto. Quem irá melhor? Eu, aonde vejo o bem público, e a utilidade geral, para ahi vou; e nada me pode afastar deste fim, a que tudo deve ceder. Ora: todos sabem quanto he conveniente apresentar á discussão um Projecto bem elaborado, em lugar de um incompleto, e imperfeito. Aquelle facilita a discussão, este a prolonga; e depois de desperdicio de tempo precioso fica sempre a obra viciosa, porque quem nasce torto nunca se endireita. Porei exemplo em mim mesmo. Apresentei aqui um Projecto para a dotação das Fabricas das Igrejas, em um, ou dous Artigos, porque tractei só de estabelecer a base; a Commissão teve por melhor tractar-se de toda aquella materia, e o elevou a dez, ou doze Artigos; e eu fiquei muito satisfeito. O Senhor Maia, que acabou de fallar, propoz um Projecto para extinguir as visitas da Navios no Porto: a Commissão teve por melhor substituir-lhe outro, que extendesse aquelle beneficio a todo o Reino; o Senhor Maia ficou muito satisfeito. Quotidianos exemplos semelhantes eu podia referir. Quando uma Commissão suppre o que falta no Projecto de um Deputado, e rectifica as idêas delle, ou as colloca em melhor ordem, a discussão se facilita, e a obra sahe perfeita. Dizem que nisso se altera o Regimento: a Camara o pode dispensar em casos singulares, quando o julga conveniente; e se uma regra se dispensa muitas vezes, he certamente porque não he boa. A questão pois será agora se o Regimento se deve dispensar no presente caso; e pôr-se á votação, em lugar do Projecto originario do Senhor Guerreiro, o Projecto da Commissão. Quando um Deputado apresenta um Projecto assás completo, e, sendo alterado pela Commissão, o Auctor reclama que o seu Projecto seja discutido, me parece dever ser attendido, para não se offender a iniciativa directa, que a Carta lhe dêo. Se porem elle se não oppõe, ou se o seu Projecto he tão imperfeito, que não pode ser vantajoso na discussão, então sem dúvida convem que seja rejeitado, e que se de lugar ao da Commissão. Por estes principios facilmente se pode resolver a presente controversia.

O Senhor Sousa Castello Branco: - Quando pedi depois a palavra foi para fazer a defeza da Commissão, a respeito da qual dizia então um Illustre Deputado que ella não andou constitucionalmente, apresentando um Projecto seu em lugar de apresentar na forma do Regimento um Parecer, e Relatorio sobro o Projecto encarregado ao seu exame. Não ter a Commissão andado constitucionalmente não poderia succeder senão por ignorancia, ou malicia: portanto aquella expressão importa uma arguição desfavoravel á Commissão, cujos Membros tão dignos por sua literatura e sabedoria, e tão patriotas e probos, como todos conhecemos, e he notorio, devem ser justificados. Na verdade, eu não vejo o fundamento de tão acre arguição: não vejo do chamado Projecto da Commissão mais do que uma forma, diversa sim da que até agora tem sido usada, mas essencialmente a mesma, que o Regimento prescreve, e que sempre tem sido praticada. Os Projectos vão ás Commissões para que estas os examinem, e proponhão as emendas que julgarem que devem ter lugar na doutrina dos mesmos Projectos; e he só formula dizer, por exemplo, a Commissão approva tal qual está o Artigo tal; a Commissão propõe que se supprima o Artigo tal; a Commissão acha boa a doutrina do Artigo tal com esta emenda: ou offerecer a Commissão as emendas, e observações reduzidas a forma do Projecto, apresentando a materia regularisada em Artigos. Por esta forma não he que o Parecer se converte em Projecto; assim mesmo não passa de mero Parecer de Commissão, tal sendo o fim da mesma Commissão, e o objecto da sua incumbencia. E se não veja-se onde he que diz a Commissão, que offerece á Camara este seu Projecto. Por conseguinte a discussão he mais sobre a maneira da concepção do Parecer, do que sobre alguma cousa real, e interessante, que valha a pena de uma discussão porfiosa, como esta. Se a questão tivesse sido instituida com outra base, e se fosse conflicto entre a iniciativa de um Senhor Deputado, e a pertendida iniciativa de uma Commissão, que examinasse esse Projecto, o meu voto havia de ser hoje pela Iniciativa do Senhor Deputado, seguindo a mesma opinião, e votando da mesma forma que em outras occasiões tenho opinado, e votado; porem não estamos nesse caso: o Senhor Deputado Auctor do Projecto não foi offendido na sua iniciativa pela Commissão, porque esta não apresentou, á discussão um Projecto seu; concebeo sim á maneira de Projecto o seu Parecer sobre o do Senhor Deputado. Concluo depois disto que não pode haver dúvida de que só aquelle Projecto he que pode entrar em discussão; nem a Commissão pertendeo outra cousa.

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O Senhor Mozinho d'Albuquerque: - Agora he questão preliminar qual dos dous Projectos deve entrar em discussão; não me levanto para invocar o Regimento, levanto-me para invocar a Carta, porque he mais alguma cousa que o Regimento. De quem he a Iniciativa directa? He dos Deputados; estes hão de apresentar um Projecto, a Camara ha de approva-lo, ou rejeita-lo, O que se fez aqui foi a uma Commissão; esta apresentou um Projecto novo, não dêo um Parecer. Aqui está atacada a Iniciativa directa dos Deputados. Diz um Senhor Deputado que ha muitas vezes Pareceres melhores que os Projectos, mas isso he quando o Deputado na Commissão cede da Iniciativa, porem aqui não aconteceo assim; e então digo que não pode deixar de entrar em discussão o Projecto do Senhor Guerreiro.

O Senhor L. T. Cabral: - Quando ha pouco fallei, toda a Camara me fará a justiça de acreditar que foi com a intenção de que a questão parasse, antes de apparecerem mais palavras desagradaveis. Como se disse que a Commissão tinha procedido inconstitucionalmente, eu lerei o Artigo da Carta (lêo); cada uma das Camaras he que tem a Iniciativa directa, mas o modo de a exercer, isso he do Regimento; este quer uma cousa, mas a prática até aqui tem sido outra, e com esta he que se conformou a Commissão; mas, para que se não repitão outras frases desagradaveis, por isso he que pertendi conciliar as duas opiniões; e peço a V. Exca. que proponha á Camara se a matéria está sufficientemente discutida, porque assim fica tudo acabado.

O Senhor Moraes Sarmento: - Depois dos Discursos dos Senhores Deputados eu cederia da palavra; e por isso mesmo que estou satisfeito, apesar das increpações, que se tem feito á Commissão...

O Senhor Mozinho d'AIbuquerque: - Senhor Presidente...

O Senhor Moraes Sarmento: - Eu estou fallando; e, quando acabar, então fallará o Senhor Deputado, ou acabarei já para o satisfazer.

O Senhor Serpa Machado: - A questão está na realidade muito illucidada, e basta o que se tem dicto para sua clareza: parece-me que nesta questão não ha lugar a votar; e V. Exa. a quem incumbe o executar, e fazer executar o Regimento, parece-me que deve terminar a questão, conformando-se com elle, visto que todos estão conformes, e o Regimento assim o determina: portanto, parecendo a V. Exca., como Fiscal do Regimento, pode pôr termo á discussão, e se terminão assim questões desnecessarias. Em quanto ás observações, que eu fiz a respeito do Regimento, muito respeito as determinações desta Camara, e sempre me tenho conformado com ellas. O Regimento, quando he alterado pelas formulas devidas, he muito bem alterado; mas ser alterado sem seguir esta marcha he que eu chamo irregular, e digo que nos não devem servir de regra, porque verdadeiramente he mais uma dispensa, que alteração de Regimento: neste sentido he que eu faltei, sem tornar culpa a ninguém. Quanto á questão, em que estamos fallando, creio que não ha dúvida em que V. Exa. a termine, sem haver lugar a votar, isto he, que se observe o Regimento nesta parte, e que não ha lugar a votar para a sua alteração.

O Senhor Presidente: - He cousa notavel que na occasião, em que se invoca o Regimento, se me peça que eu o altere arbitrariamente.

O Senhor Guerreiro: - Eu lastimaria o tempo, que se tem gasto nesta discussão, se não conhecesse o muito, que se ganha em estabelecer a prática parlamentar, que se deve seguir para o futuro. Um dos Senhores Preopinantes achou que eu não quizera neste Projecto fazer uma Proposta directa, e allegou, como prova, começarem todos os Artigos por = que = O Senhor Deputado não foi exacto. Digo no principio do meu trabalho = tenho a honra de propor o seguinte Projecto =; estas palavras indicão Proposta directa, ou aliás não ha Propostas; não lhe dei a forma de Resolução, porque só a deve ter quando pela approvação desta Camara ficar Projecto do Poder Legislativo: não lhe dei a forma de Decreto, porque essa só lhe pode compelir depois de adoptado pela outra Camara tambem.

Um Senhor Deputado, Membro da Commissão, invocou o meu testemunho sobre o que se passou na Commissão. Digo pois que tudo se passou como entre pessoas, que se estimão reciprocamente; houve algumas conferencias; eu mesmo concordei em algumas alterações, que a maioria da Commissão quiz fazer; não concordei em outras: discordámos sobre a forma do Parecer da Commissão; e dei o meu voto em separado, assim como outros fizerão.

Sempre entendi que as Commissões erão uns informadores, escolhidos pela Camara para examinarem qualquer assumpto com vagar, e madureza, e exporem á Camara as razões, que tiverem achado a favor, ou contra. A Commissão não quiz seguir este caminho, seguio outro mais frequentado, porem menos seguro: apresentou um novo trabalho, sem dar alguma razão para alterar o que eu tinha feito, ou para substituir o seu trabalho. Este methodo he, no meu entender, muito defeituoso: 1.º priva a Camara do auxilio de um Parecer motivado sobre o merecimento de qualquer Proposta: 2.º priva a Nação da vantagem de poder discutir o assumpto, tendo á vista opiniões, e motivos encontrados: 3.º priva o Deputado da Iniciativa, que lhe compete, fazendo desapparecer as Propostas deste para lhe substituir as idéas da Commissão; e aqui invoco o testemunho daquelles Senhores, que fizerão emendas ao Projecto da Lei da Imprensa, e que as virão sumir-se entre as mãos da Commissão sem nunca serem discutidas: 4.º uma Commissão com esta liberdade pode dar ao novo trabalho uma ordem tal, que exclua certas, ou certas idéas, as quaes nem por emenda alli possão entrar.

Se com o andar dos tempos se formasse nesta Camara uma facção, ainda que em grande menoridade, e esta conseguisse a creação de Commissões permanentes, e a entrada nestas Commissões, na liberdade de alterar os Projectos teria aquella facção o meio mais efficaz para escravisar a Camara inteira, e para frustrar todos os esforços dos Deputados honrados.

A nós, Senhores, que somos os primeiros que formámos esta Camara, compete-nos proceder com tal arte, que deixemos a nossos Successores as praticas parlamentares mais seguras, e mais arrazoadas. O louvor, ou o vituperio sobre nós hão de recahir sempre.

Quanto á questão especial, temos dous Projectos, um meu, outro da Commissão; não podem ser ambos discutidos a fim tempo; escolha a Camara qual dos dous deve preferir.

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O Senhor Miranda: - Senhor Presidente, toda a discussão, que tem havido ácerca do Parecer da Commissão, parece-me que mais he sobre a forma do que sobre a essencia da materia, e não posso deixar de notar que se ponha, agora em dúvida, o que, sem opposição alguma, não uma só, mas muitas vezes, se tem já praticado nesta Camara. E não só se quer pôr em dúvida; porem ate se pertende sustentar que a forma do Parecer da Commissão he contra o Regimento, e alguns Senhores levando mais ávante as suas opiniões tem entrevisto nella uma evidente, e manifesta infracção da Carta. Esta questão já foi considerada e discutida em these quando se tractou do Artigo 46 do Regimento; então nenhum dos Senhores Deputados, que agora tem opinado contra o procedimento do Commissão, se lembrou de sustentar as opiniões, que com tanto calor se tem defendido, prova, manifesta de quão arriscado he considerar regras geraes em attenção a cazos particulares, ou, para melhor me explicar, estabelecer regras geraes por considerações particulares.

Quando se discutio o Artigo 46 do Regimento, considerou-se o Direito da iniciativa de um Deputado, como a faculdade que a Carta lhe concebe de propôr á Camara, qualquer Projecto de Lei, ou, geralmente fallando, uma Proposta qualquer sobre materias legislativas, direito que impõe á Camara a obrigação de as tomar em consideração, antes de serem por ella rejeitadas, ou admittidas. He nesta faculdade, e nesta faculdade sómente, que consiste o direito da iniciativa de um Deputado, segundo a Carta. Ora: um Deputado pode exercer esta iniciativa apresentando na sua Proposta uma idéa geral, que, sendo de evidente utilidade, carece de ser desenvolvida, analysando-se e reduzindo-se a idéas mais particulares ennunciadas em diversos Artigos. Pode tambem apresentar a sua Proposta em diversas Proposições, mais ou menos geraes, mais ou menos particulares, em um, ou mais Artigos; mas estes Artigos nem sempre tem a clareza e connexão necessaria; alguns delles talvez careção de corrcções essenciaes, alguns de emendas, outros de additamentos, e todos elles de um arranjo inteiramente novo ainda mesmo não fallando no estilo, que, por sua falta de clareza e concizão, pode não convir a uma Lei. E será neste estado que a Proposta de um Deputado deverá servir de texto para a discussão? Não por certo, enm por certo assim o entenderão os Senhores Deputados que se tem opposto á discussão do Parecer da Commissão. Considerando os inconvenientes, que resultão da discussão de um Projecto, redigio com pouco cuidado, e os embaraços que trazem comsigo as multiplicadas alterações apresentadas no decurso de uma discussão, que por serem apresnetadas de repente, e quasi sempre como reflexões parciaes, tornão muito embaraçada a redacção final, he que no Artigo 46 do Regimento se acha estabelecido que = a Proposta será examinada nas Secções, donde passará á Commissão Central para sobre ella fazer o seu Relatorio, e o apresentar á Camara com o seu Parecer, para entrar em ordem de discussão quando lhe couber. = Neste Artigo nada ha que limite e restrinja uma Commissão pelo que respeita á forma e ao modo, porque ella pode dar o seu Parecer. Pode da-lo como melhor entender, e propôr em todo, ou em parte, as alterações que julgar convenientes para illustração da materia, ou para a reduzir a melhor methodo e clareza, a fim de que a discussão se torne menos vaga e confuza. A Commissão tem a este respeito todo a latitude, sem offensa do direito da iniciativa do Deputado, cuja Proposta he examinada pela Commissão, e julgo ter provado que no caso de que se tracta nem o Regimento foi violado, e muito menos o Artigo da Carta, a que se tem aludido.

Alguns Senhores Deputados tem dado ao direito de iniciativa uma maior latitude, e pertendem que a Proposta de um Deputado, tal qual por elle for apresentada, sem alteração alguma, deve ser discutida na Camara, e que a Camara não tem o poder, nem O pode dar a uma Commissão para propôr uma nova redacção da Proposta, ou que nella se fação as emendas, suppressões, ou additamentos que julgar convenientes. Por outros termos: que o Parecer da Commissão deve limitar-se pura, e simplesmente á consideração dos Artigos da Proposta, expondo tão sómente os motivos, por que elles devem ser approvados, e rejeitados, e que só á Camara compete no decurso da discussão propôr as alterações, que julgar convenientes. Admitindo-se estes principios caducarião todos os argumentos, que se tem produzido para sustentar o procedimento da Commissão encarregada do Projecto do Senhor Guerreiro. Porem estes principios não podem admittir-se; elles são contrarios á boa ordem dos trabalhos da Camara, e achão-se em manifesto opposição com o Artigo 46 do Regimento, cujo fim he a boa ordem e regularidade dos mesmos trabalhos. Dos mesmos principios seguir-se-hia, por outra parte, um notavel absurdo, e vem a ter que, durante a discussão na Camara, tendo um Deputado o poder de apresentar uma alteração qualquer, no todo, ou em parte de uma Proposta, elle não teria esta mesma faculdade como Membro de uma Commissão, nem todos os Membros de uma Commissão por uma opinião unanime apresentada no seu Parecer, ou no seu Relatorio.

Tenho considerado esta questão em these; e os fundamentos em que tenho estabelecido a minha opinião, são geraes, e nenhuma referencia tem, nem he minha intenção faze-la, pelo que respeita ao merecimento dos Artigos do Projecto em questão. Tenho pertendido provar que a Commissão obrou na conformidade do Regimento, segundo entendo que obrou, e que, se o contrario quer admittir-se, he necessario revogar, ou suspender temporariamente a regra estabelecida no Artigo 46. Alem de que, a Commissão fez precisamente, o que já muitas vezes se tem praticado sem contraversia alguma, o que eu mostraria com toda a evidencia, se para o fazer me não visse obrigado a entrar em referencias pessoaes, de que pro curarei abster-me, sempre e quanto me for possivel.

Tem-se querido sustentar que a Commissão privou o Illustre Auctor do Projecto da sua iniciativa, apresentando outro Projecto sobre a mesma Proposta porem diversamente redigido tanto na sua forma como na sua substancia. Esta asserção não tem fundamento algum; porque a Commissão vem apresentar á Camara o Projecto, que lhe foi remettido, juntamente com aquelle, a que ella julgou devia reduzir-se, o qual em cada um de seus Artigos, apresenta as correcções, alterações, e emendas que ella entendeo devião fazer,

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te. A Commissão apresenta uma substituição de Artigos aos Artigos do Projecto; porem a Commissão não diz que o seu Projecto sirva de texto na discussão, e não o Projecto que lhe foi dirigido. Essa decisão compete á Camara, e ella pode muito bem seguir o que melhor lhe parecer, sem que por isso fique violado o direito de iniciativa, que compete ao Illustre Auctor do Projecto, como Membro desta Camara.

Agora mostrarei que a Commissão sem alterar em cousa alguma essencial o seu Parecer, e só com uma mudança pulo que respeita á forma, teria evitado uma prolongada discussão, que realmente e por isso mesmo tem recahido mais sobre a forma do que cobre a essencia do mesmo Parecer. Se a Commissão um vez de apresentar os seus Artigos, seguidos e encadeados, por ordem numerica, debaixo da epigraphe = Projecto de Lei = os offerecesse em um extenso Relatorio intercalados com as observações, e motivos, por que ellas devião substituir-se aos Artigos da Proposta, como emendas ou como additamentos totaes, parciaes, ou de nova redacção, o Parecer da Commissão não teria por certo encontrado opposição alguma, posto que realmente fosse o mesmo. De maneira que toda a questão se reduz em ultima analyse a uma questão de ordem ou de conveniencia. Quero dizer: faria a Commissão melhor em encorporar os Artigos que otferece no corpo de um Relatorio com os fundamentos de cada um delles, e com elles intercalados na integra do mesmo Relatorio, ou em os apresentar em separado ligados, e unidos seguidamente por ordem numerica debaixo da epigraphe = Projecto de Lei = Reduzida a questão a estes termos, a sua solução ha muito simples, e com ella desaparece toda a supposta violação do direito da iniciativa, com que sem o menor fundamento se tem impugnado o Parecer da Commissão.

Resta-me ainda responder a um novo argumento produzida pelo Senhor Deputado Auctor do Projecto. Disse o Senhor Deputado, e geralmente faltando, que se uma Commissão tivesse a faculdade de alterar a Proposta, cobre que devia dar o seu parecer, dando-lhe uma nova forma, ampliando-a ou restringindo-a, poderião deste arbitrio resultar graves inconvenientes, e que até poderião perigar as Instituições actuaes, se a maioria da Camara tivesse em vista destrui-las ou modifica-las; porque neste caso poderia nomear uma Comunhão como bem lhe parecesse, e servir-se do Parecer que ella apresentasse, accomodando-o a seus fins, e pondo por esta maneira em perigo as liberdades patrias. Este argumento, por sua natureza, não podia deixar de attrahir a attenção da Camara; he um argumento ad terrorem, e que, bem examinado, não tem por si mesmo força alguma. Na hypothese em que este argumento se funda, ainda quando se admitisse que a Camara dos Deputados podia por si só alterar, ou violar as instituições de que gozamos, e que todavia não he exacto, o supposto perigo hão estaria na maior ou menor amplitude das faculdades das Commissões. Se esta hypothese algum dia infelizmente se realizasse, o perigo estaria na vicio radical de uma Camara mal constituida; porque se a maioria da Camara fosse contraria aos verdadeiros interesses de seus Constituintes; se ella se esforçasse por comprometes estes mesmos interesses, podendo accomodar a seus fins o resultado das discussões, e por outra parte podendo fazer quantas Propostas quisesse, sempre poderia obter quanto desejasse, sem que lhe facilitasse ou impedisse os meios a maior ou menor latitude das faculdades das Commissões. Concluirei por tanto que, não tendo este argumento força alguma, assim como os mais a que lenho respondido, pede muito bem admittir-se o Parecer da Commissão, se a Camara o julgar conveniente, por não se achar em opposição com o Regimento, e muito menos com a Carta.

O Senhor Derramado: - Eu disse que a Commissão não seguio a marcha Constitucional no seu parecer; e disse a verdade; mas sem animo de offender os seus Illustres Membros, a cuja pureza de intensão fiz a devida justiça. Uma cousa he o desvio da marcha Constitucional de proposito, outra mui diversa he o desvio desta marcha na opinião dos opinantes, quando o ponto Constitucional esta em questão. Todos os dias se estão aqui suscitando centroversias, em que uma parte da Camara affirma, que tal cousa he constitucional, em quanto a outra parte o nega; sem que se repute haver offensa reciproca. Mas vamos ao que importa. O Senhor Guerreiro já figurou uma hypothese, que faz sentir bem os inconvenientes, que resultão de alterar a integra das Proposições, e Projectos dos Deputados; e do que succedêo a respeito desses mesmos que se allegão sobre a Liberdade d'lmprensa, colho eu argumento para reforçar a minha opinião; porque nasceo talvez de não apparecerem os Projectos primitivos, que nós não admittissemos no Projecto que se discutio, cousas que ou considero importantissimas. Insisto pois na minha primeira opinião.

O Senhor Monzinho de Albuquerque: - Eu tinha pedido a palavra para dar uma satisfação ao Senhor Sarmento, que julgou que eu linha pedido a palavra para fallar em quanto elle fallava; eu tenho bastante civilidade para não interromper os Senhores Deputados em quanto fallão. Agora aproveito a occasião pura invocar o Regimento, pedindo a V. Exca. que proponha á Camara se a meteria está, ou não discutida, e creio que V. Exca. se não negará satisfazer a este Requerimento.

O Senhor Presidente: - Não me negarei porque sempre o tenho feito; não satisfiz quando o pedio o Senhor Leonel T. Cabral porque sempre receio faze-lo quando um Senhor Deputado acabando de fallar me faz tal requerimento; e dei a palavra ao Senhor Serpa Machado porque já a tinha, e ao Senhor Guerreiro porque era parte interessada.

O Senhor Gerardo de Sampaio: - Senhor Presidente, estou authorizado pela Commissão para expôr a V. Exca. que ella não só consente, mas até pede á Camara que prefira para a discussão a Proposta do Senhor Deputado Guerreiro ao Parecer, que ella teve a honra de apresentar: digne-se por tanto V. Exca. de a consultar a este respeito.

O Senhor Sarmento: - Eu igualmente.

Julgando-se discutida a questão preliminar, propoz o Senhor Presidente se devia entrar em discussão o 1.º Projecto, ou o 2.º? Decidio-se que entrasse o 1.º (N.º 156). Continuou portanto com elle a discussão.

O Senhor Marciano d'Azevedo: - Está em discussão o Projecto offerecido pelo Senhor Guerreiro,

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como necessario para regular o Artigo 126 da Carta: duas questões se offerecem á consideração da Camara, sendo a primeira da maior transcendencia, a saber, se lie, ou não necessario o Projecto para regalar o Artigo 126, ou, por outros termos, se este Artigo precisa de Lei Regulamentar; e se o Projecto he, ou não mil, para ser admittido á discussão de cada um de seus Artigos era particular. Quanto á primeira questão, recordo-me que na Sessão do anno passado se creára uma Commissão para extremar na Carta os Artigos, que precisassem de Lei Regulamentar: desta Commissão tive a honra de ser Membro juntamente com o Senhor Guerreiro, e recordo-me tambem que a Commissão trouxe então á Camara o Parecer (não pelo meu voto) de que o Artigo 126 precisava de Lei Regulamentar, fundado nas mesmas razões, com que o Senhor Guerreiro offerece agora o Projecto como Lei Regulamentar. A Camara discutio então o Parecer da Commissão a este respeito, e decidio quasi unanimemente que o Artigo 126 não precisava de Lei Regulamentar. E na verdade, se o Artigo, que assim se explica, (lêo-o) para se executar precisa inda de uma Lei Regulamentar, não ha preceito, nem virgula alguma da Carta, que tambem não dependa de Lei Regulamentar. Se nem a theoria simples, e clara da Carta basta; senão basta a decisão tomada pela Camara para convencer que o Artigo 126 não precisa de Lei Regulamentar, apello para o mesmo Projecto, que hoje se offerece á discussão, e para o que se está pasmando nos Conselhos de Guerra, onde a publicidade já está em pratica; para o Projecto, porque, inculcando-se como necessario para regular o Artigo 126, diz simplesmente o mesmo, que está na Carta, isto he, que os actos do Processo serão públicos; e não diz uma só palavra sobre o modo pratico, com que se ha de executar a theoria da Carta, e Deos nos livre que o dissesse, porque seria arrogar o poder do Governo, a quem só compete fazer os Regulamentos precisos para a execução das Leis; seria conduzir-nos á confusão dos Poderes, e por consequencia ao despotismo, porque, tenho para mim que confusão dos Poderes, e despotismo são synonimos. Apello para os Conselhos de Guerra, porque estão provando que, longe de ser impossivel, não ha nada mais facil do que fazer a publicidade dos Processos, e sobre tudo estão provando quanto he sabia, e util a garantia, que o Augusto Auctor da Carta dêo aos Portuguezes no Artigo 126, porque nós todos somos testemunhas de vêr a calumnia fugir dos Conselhos de Guerra, espancada pela Justiça administrada publicamente. Ouçamos porem quaes são os motivos, em que o Illustre Auctor do Projecto se fundou, para o inculcar como necessario para regular o Artigo 126. Diz elle que ha uma barreira insuperavel nos Processos summarios, porque nestes já indo he publico desde a Pronuncia em diante; e desta premissa tira a conclusão de ser absolutamente necessario para a execução do Artigo 126 da Carta uma Lei Regulamentar; he o mesmo que se dissesse que por uns já gozarem o beneficio da Carta não se deve conceder aos outros sem uma Lei Regulamentar, ou, mais em concreto, que pelos processados summariamente não precisarem da publicidade do Processo, por já a terem, não se dê a todos os outros processados ordinariamente, e que ainda a não tem. E poderá naquella premissa comprehender-se semelhante conclusão? Eu pelo menos não sei tirar della senão uma conclusão contraria, isto he, que pelo mesmo, que os processados summariamente já tem a publicidade da Processos, devem os processados ordinariamente igualmente goza-la, por ser beneficio concedido na Carta para todos, e porque para todos deve a Lei ser igual. Porem a premissa escripta no Preambulo do Projecto nem se quer he verdadeira, porque as Leis, que regulão o Processo summario, não prohibem que o Reo prove a sua defeza, o que seria um absurdo contra o Direito Natural: sim deixa o Reo de produzir testemunhas, mas he pela razão de se lhe assignarem cinco dias para dizer de facto, e de direito, tempo, que mal chega para folhear, e examinar o Processo; mas se não obstante o Reo se propozesse a produzir testemunhas, por ventura não havia de ser pública a sua Inquirição? Alem de que o Illustre Auctor do Projecto he o proprio a confessar no seu Preambulo que nestes Processos summarios ha re-pergunta de testemunhas, acariações, e perguntas ao Reo; e então estes actos são por ventura actos tão indifferentes, que não mereção ser públicos? Diz o Illustre Auctor que não, por serem incidentes, e não essenciaes do Processo; e eu digo que elles são essenciaes, porque delles depende a defesa do Reo, e a garantia da sua liberdade individual: mas sejão, ou não incidentes, pouco importa; pois que diz a Carta no Artigo 126? Diz que sejão públicos desde já todos os actos do Processo Criminal posteriores á Pronuncia. Logo: como podem estes actos, chame-se-lhe accidentaes, ou o que se quizer, deixarem de ser públicos? He pois forçoso ter por certo que a premissa he falsa, e a conclusão, que della se tirou, não pode ser verdadeira.

Se se admittisse o principio de que este Projecto he necessario para se dar execução no Artigo 126, eis-aqui os tremendos inconvenientes, que d'ahi se seguirião: 1.º Que não teriamos publicidade dos Processos antes do anno de 1829, porque a Sessão do corrente está quasi em meio: o Projecto, ainda depois de approvado em geral, ha de ser discutido em particular, e não se sabe quando; depois ha de ir para a Camara dos Dignos Pares, onde tem de passar a uma Commissão para o examinar, propor o seu Parecer á Camara; e se lá se lhe fizerem emendas ha de voltar a esta Camara, que, se as não approvar, ha de seguir-se a Commissão mixta, na forma da Carta, e para tudo isto não chega o tempo, que falta até ao fim da Sessão. Por consequencia lá vai a publicidade do Processo por este anno, e ahi está feito o triunfo da calumnia, que, envolta nas trevas, levará a seu salvo para o cadafalso, ou penosos degredos tantas victimas, que tem aferrolhadas nas cadêas, com o escandaloso pretexto de Republicas: 2.º Que neto nestes cem annos, ou talvez nunca, teremos Carta, porque, decidindo-se que o Artigo 126 precisa de Lei Regulamentar, não pode deixar de se dizer tambem que todos os mais preceitos da Carta precisão de Lei Regulamentar; e em quanto a não houver não ha nada que executar.

Ora: sendo os preceitos da Carta tantos, que seria enfadonho conta-los, e sendo as Sessões annuaes apenas de tres mezes, em que mal se poderão concluir quatro até seis Leis, quantos annos não serão precisos para fazer tantas Leis Regulamentares? Quantos são os preceitos da Carla, e quando poderá chegar o

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tempo, em que se diga que a Carta está effectiva, por já não depender para a sua execução de Leis Regulamentares? 3.° Que será necessario, se passar o principio da precisão da Lei Regulamentar, accusar o Ministerio, não disse bem, accusar o Ministro da Guerra por ter já mandado fazer público todos os actos do Processo no Conselho de Guerra, arrogando a si o poder de fazer a Lei Regulamentar: 4.° Que será preciso acabar com a Commissão de infracções, para a poupar a um trabalho penosissimo, e o mais ocioso; porque, sejão quaes forem as infracções, que a Commissão demonstre, a tudo dirão os infractores que nada tem infringido, por não haver Artigo algum da Carta, que ainda não esteja dependente de Lei Regulamentar.

Ora: eis-aqui porque os inimigos da Carta tanto se tem esforçado em persuadir por toda a parte que o Artigo 126 precisa de Lei Regulamentar, bem certos que, se assim se decidir, nunca haverá Carta, e acabadas estarão por uma vez quantas responsabilidades se lhe exigirem. Peço pois que Vossa Excellencia proponha á Camara se esta primeira questão, isto he, se este Projecto he, ou não necessario para regular o Artigo 126, estará prejudicada pela decisão adoptada na Sessão do anno passado, porque, decidindo-se que sim acabárão por uma vez, as esperanças dos inimigos da Carta, que tanto se tem animado com as idêas, que achárão desenvolvidas no Preambulo deste Projecto. Quanto á segunda questão, isto he, se he, ou não util o Projecto, despido da idêa de Lei Regulamentar, e se se deve, ou não approvar em geral, para depois se discutir em particular, eu bem poderia já reprova-lo por intempestivo: 1.º porque segundo a Carta havemos de ter uma forma de Processo inteiramente diversa da que ainda agora temos; hão de entrar nella os Jurados, que são a melhor garantia para sustentar as Liberdades públicas, e sem esta garantia não fazemos mais do que enxertar uma parte da forma do Processo em outra gothica; e então, se ha tantos seculos estamos com esta forma do Processo, a que hoje pouco mais lhe queremos accrescentar, por que não esperaremos mais algum tempo, em que se faça a verdadeira ordem do Processo conforme com a Carta? 2.º Por ainda não haver a Magistratura independente, na forma, que o manda a Carta; e continuando ainda a existir a Magistratura em o circulo de dependencias até não sei quando, será na verdade cousa mui arriscada metter na mão de um Juiz de Fora, que acaba de sahir da Universidade, a vida do Cidadão; porem este inconveniente perde um pouco a sua força, considerando-se que, segundo o systema do Projecto, a sua Sentença importa o mesmo que não existir, porque no caso de condemnação he sempre appellada, e então he na superior Instancia que verdadeiramente se faz a condemnação: mas ha outro inconveniente, que me faz bastante peso; he o que resulta de quando o Juiz absolver injustamente um malfeitor, digno de severo castigo, pois que no caso de absolvição, segundo o Projecto, não ha obrigação de appellar. Ora: todos nós sabemos que os habitantes das Provincias se tem visto no dura necessidade de fazerem pactos de alliança com os salteadores, sem se atreverem a denuncia-los, nem a jurar contra elles, porque a experiencia lhe tem mostrado que ainda bem não são remettidos para a Relação do Districto, não tardão a bater-lhe á porta livres, e soltos, pondo-lhe a sua vida em risco; e se isto até agora tem acontecido, que fará d'hoje ávante, se passar o principio de que um só Juiz ha de conhecer de todos os crimes, e sentenciar ate a pena ultima? Todavia eu approvo o Projecto em geral, porque sempre lhe acho alguma utilidade, sem que me obste a minha ultima observação, porque a guardo para quando se discutir o Artigo respectivo.

O Senhor Magalhães: - (Requereo que se lesse a Acta correspondente á Sessão, em que se determinou que o Artigo 126 não precisava de Lei regulamentar, ao que satisfez o Senhor Deputado Secretario). Eu pedi que se lesse a Acta correspondente, bem certo de que ella havia de conter quanto he preciso para nem ao menos entrar em dúvida, que uma Lei consagrada á publicidade do Processo seja necessaria para esta poder-se verificar em conformidade com a Carta.

Na verdade foi este objecto decidido: e desejo que o maior respeito se consagre a semelhante decisão, que em si mesma nada mais he do que a expressão do respeito religioso, com que a Camara entendeo devia olhar o Artigo 126.

Nada deve eximir os infractores deste Artigo da Carta da responsabilidade, que sobre elles está pesando; e eu me envergonharia de ter o nome de Portuguez, e da qualidade de Deputado, se votasse pela necessidade de Lei para a sua execução; porque isso importaria o mesmo que ser o algoz das victimas, que uma tenebrosa arbitrariedade tem podido, ou poderá sacrificar; importaria o mesmo que subtrahir á responsabilidade o Ministro, que nella tiver incorrido.

Todavia a parte do Projecto, em que esta questão podia ventilar-se, acha-se occorrido pela Commissão, e com acquiescencia do Senhor Deputado Auctor do Projecto, e, sendo então emendado, tudo irá d'acordo; voto por tanto se admitia á discussão, não obstante dizer-se intempestivo, porque sendo elle, como se vê do titulo, Provisorio, serve de trazer alguns bens, em quanto não podemos tê-los todos com o perfeito Systema dos Jurados.

Estando adiantada a hora, ficou reservado para a Se;>são seguinte.

Dêo então conta o Senhor Deputado Secretario Paiva Pereira de um Officio do Ministro dos Negocios da Marinha, remettendo os esclarecimentos pedidos pela Commissão de Fazenda em Sessão de 23 de Janeiro. Mandárão-se á Commissão.

De outro do Ministro da Guerra com os Documentos exigidos em Sessão de 31 de Janeiro pelo Senhor Deputado Pessanha. Mandárão-se para o Archivo para poderem ser alli examinados pelo mesmo Senhor Deputado.

De dous do Ministro dos Negocios Ecciesiasticos e da Justiça, remettendo os esclarecimentos, que se havião pedido em nome da Commissão de Petições. Forão mandados remetter á dicta Commissão.

Dêo então o Senhor Presidente para Ordem do Dia da seguinte Sessão a continuação da discussão em geral do Projecto N.° 156, a de N.º 161, nomeação de Commissões, e segundas leituras, se houvesse tempo; e disse que a Camara ia formar-se em Sessão Secreta, por assim o exigir o bem do Estado, dizendo

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que estava fechada a Senão Publica ás duas horas menos dez minutos.

OFFICIO.

Para o Ministro da Fazenda.

Illustrissimo e Excellentissimo Senhor. - A Camara dos Senhores Deputados da Nação Portugueza, tendo approvado em Sessão de hontem que ao Governo se peção copias das Representações feitas em 1826 por algumas Camaras das Ilhas dos Açores, e pela Junta da Fazenda da mesma Provincia sobre a necessidade de se conceder aos Devedores Fiscaes della pagar os seus alcances por prestação, e bem assim quaesquer outras informações, que julgar convenien-Je para esta Camara adquirir conhecimento exacto das cirèurnstancias das referidas Ilhas, pelo que respeita á sua divida fiscal, tudo em virtude da Proposição do Senhor Deputado Leonel Tonares Cabral, que remetto por copia conforme, com o Requerimento, que o Senhor Deputado Lourenço José Moniz fez, pelo que pertence á Ilha da Madeira, resolveo que eu assim o communique a V. Exca.

Deos guarde a V. Exca. Palacio da Camara em 8 de Fevereiro de 1828 - Illustrissimo e Excellentissimo Senhor Manoel Antonio de Carvalho, Ministro e Secretario d'Estado dos Negocios da Fazenda - Antonio Vicente de Carvalho e Sousa, Deputado Secretario.

SESSÃO DE 9 DE FEVEREIRO.

Ás nove horas e quarenta minutos da manhã, feita a chamada, achárão-se presentes 99 Senhores Deputados, faltando, alem dos que ainda se não apresentarão, 15, a saber: os Senhores Claudino Pimentel - Alberto Soares - Mascarenhas Grade - Van-Zeller - Xavier da Silva - Sanctos - Costa Rebello - Ferreira de Moura - Botelho de Sampaio - Cordeiro - Sousa Cardoso - André Urbano - Barão de Quintella - com causa; e se ella os Senhores Alves Diniz - e Ribeiro Saraiva.

Disse então o Senhor Presidente que estava aberta a Sessão; e, lida a Acta da antecedente, foi approvada.

O Senhor Deputado Secretario Paiva Pereira dêo conta de um Officio do Ministro dos Negocios da Fazenda, com uma Consulta das Juntas dos Juros, pedindo uma declaração sobre a Lei de 24 de Abril de 1827 sobre se as Cautelas do Seguro do Correio estão sujeitas ao Sello. Foi mandado á Commissão de Fazenda.

De outro do Presidente da Camara dos Dignos Pares, remettendo as Resoluções da mesma Camara sobre duas Propostas do Governo, que concedião mercês pecuniarias, e he o seguinte.

Excellentissimo e Reverendissimo Senhor. - Passo ás mãos de V. Exca. as duas Resoluções juntas da Camara dos Senhores Deputados da Nação Portugueza, que V. Exca. me dirigio em Officio de 30 de Março do anno proximo passado, approvando duas Propostas do Poder Executivo sobre a concessão de duas mercês pecuniarias, as quaes Resoluções vão acompanhadas das que a Camara dos Pares tomou sobre o referido objecto, para que V. Exca. se sirva de as apresentar á mesma Camara dos Senhores Deputados.

Deos guarde a V. Exca. Palacio da Camara dos Pares em 6 de Fevereiro de 1828. - Excellentissimo e Reverendíssimo Senhor Bispo Titular de Coimbra, Presidente da Camara dos Senhores Deputados da Nação Portugueza - Duque do Cadaval, Presidente.

A Camara dos Pares sobre a Proposta do Governo, e approvação da Camara dos Deputados da Nação Portugueza resolvida em Sessão de 89 de Março do anno passado, na conformidade do Artigo 75 § 11 da Carta Constitucional, a fim de se conceder a Angelica Perpetua Freire, Viuva de Cyprianno da Silva Moreira, a Pensão de quatrocentos e vinte tres reis por dia, em remuneração dos serviços por este praticados no espaço de sessenta annos, não só como Abridor de Cunhos, e Medalhas da Casa da Moeda, como em todos os mais Empregos, que servio no Arsenal Real do Exercito, resolveo em Sessão de 4 do corrente que á referida Viuva Angelica Perpetua Freire se conceda pela folha da Obra Pia a quantia de cincoenta mil réis por anno. Camara dos Pares em 6 de Fevereiro de 1828. - Duque do Cadaval, Presidente - Marquez de Tancos, Par do Reino, Secretario - Conde de Mesquitella, Par do Reino, Secretario.

Passou á Commissão de Fazenda, e a seguinte foi mandada para o Archivo.

A Camara dos Pares sobre a Proposta do Governo pelo mesmo emendada, e sobre a approvação da Camara dos Senhores Deputados da Nação Portuguesa, resolvida na Sessão de 29 de Março do anno passado, na conformidade do Artigo 75 § 11 da Carta Constitucional, a fim de se conceder a D. Luzia Francisca Totta, Viuva de Aurelio Gracindo Totta, a Pensão annual, e vitalicia de tresentos mil reis, pelos serviços por este praticados, não só na qualidade da Consul Geral nos Departamentos de Gironda, e das Landes, como em todos os mais objectos, de que foi encarregado pelo Governo, resolveo na Sessão de 4 do corrente que não tem lugar a concessão da Pensão de D. Luzia Francisca Totta. Camara dos Pares era 6 de Fevereiro de 1828. - Duque do Cadaval, Presidente - Marquez de Tancos, Par do Reino, Secretario - Conde de Mesquitella, Par do Reino, Secretario.

De outro do Ministro dos Negocios da Guerra, mandando os esclarecimentos pedidos pela Commissão de Petições sobre um Requerimento de Manoel Ignacio de Brito. Mandou-se á Commissão sobredicta.

De outro do Ministro da Marinha, remettendo os esclarecimentos pedidos pelo Senhor Deputado F. J. Maia em 24 de Janeiro. Foi mandado para o Archivo.

Dêo conta de outro do Principal Camara, remettendo Exemplares do Balanço da Reiceita e Despeza do Hospital Real de S. José. Mandou-se distribuir.

A Commissão nomeada para rever o Projecto N.º 158 participou haver nomeado para Presidente o Se-

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